Identidade, Descentralização e Autonomia

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IDENTIDADE, DESCENTRALIZAÇÃO E AUTONOMIA 1. Assinalaram-se cento e vinte anos da promulgação do Decreto de 2 de Março de 1895, ou Decreto Autonómico, como ficou conhecido na história, que consagrou a autonomia administrativa dos distritos açorianos, por decisão dum governo de ditadura, dirigido pelo açoriano, Hintze Ribeiro. Longe das propostas de Aristides Moreira da Mota, de 1892 ou de Dinis Moreira da Mota, de 1893, apresentadas na Câmara dos Deputados e bem mais ambiciosas, preconiza uma autonomia de natureza administrativa, negociada entre os autonomistas micaelenses e Hintze Ribeiro, num período em que as Cortes estavam suspensas entre actos eleitorais. O Decreto Autonómico constituía a excepção à aplicação do Código Administrativo, estruturando a organização do poder administrativo numa base distrital, para os distritos que o solicitassem, tendo como órgão central a Junta Geral, uma velha instituição que, nas ilhas, resistiu à erosão dos tempos. O novo diploma identificava as matérias de natureza administrativa em relação às quais as Juntas Gerais eram competentes, atribuindo-lhes recursos financeiros, limitados a uma parcela de rendimentos públicos do Estado. Embora constituindo uma novidade quanto à administração dos Açores, este Decreto, mantendo a organização distrital, não constitui o esteio duma autonomia regional, apenas consagrada na Constituição da República Portuguesa, de 1976. A unidade política dos Açores não tem acolhimento neste Decreto, que se assume como herdeiro da solução tradicional da divisão administrativa dos Açores em distritos.

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Regiões Autónomas, descentralização e Constituição

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IDENTIDADE, DESCENTRALIZAO E AUTONOMIA1. Assinalaram-se cento e vinte anos da promulgao do Decreto de 2 de Maro de 1895, ou Decreto Autonmico, como ficou conhecido na histria, que consagrou a autonomia administrativa dos distritos aorianos, por deciso dum governo de ditadura, dirigido pelo aoriano, Hintze Ribeiro. Longe das propostas de Aristides Moreira da Mota, de 1892 ou de Dinis Moreira da Mota, de 1893, apresentadas na Cmara dos Deputados e bem mais ambiciosas, preconiza uma autonomia de natureza administrativa, negociada entre os autonomistas micaelenses e Hintze Ribeiro, num perodo em que as Cortes estavam suspensas entre actos eleitorais.O Decreto Autonmico constitua a excepo aplicao do Cdigo Administrativo, estruturando a organizao do poder administrativo numa base distrital, para os distritos que o solicitassem, tendo como rgo central a Junta Geral, uma velha instituio que, nas ilhas, resistiu eroso dos tempos.

O novo diploma identificava as matrias de natureza administrativa em relao s quais as Juntas Gerais eram competentes, atribuindo-lhes recursos financeiros, limitados a uma parcela de rendimentos pblicos do Estado. Embora constituindo uma novidade quanto administrao dos Aores, este Decreto, mantendo a organizao distrital, no constitui o esteio duma autonomia regional, apenas consagrada na Constituio da Repblica Portuguesa, de 1976. A unidade poltica dos Aores no tem acolhimento neste Decreto, que se assume como herdeiro da soluo tradicional da diviso administrativa dos Aores em distritos.Para a histria do movimento autonmico aoriano, o Decreto de 2 de Maro de 1895, fica apenas como pressuposto fundacional da autonomia ou, como o designa Reis Leite, mito fundador da autonomia. 2. Vitorino Nemsio compreendeu bem a importncia da geografia e da histria, na definio da identidade regional, que ele viria a designar como aorianidade, num texto escrito para a revista Insulana, em 1932. Esta conscincia de identidade assenta numa ideia de diferenciao, de distino suficiente, marcada pelas circunstncias dum tempo, o que se significa que as marcas identitrias tm natureza evolutiva. A afirmao duma identidade, na confluncia da cultura, da histria e da geografia, implica, no plano da organizao do Estado, uma diferenciao que lhe d expresso no exerccio do poder: em 1895, apenas um limitado poder administrativo; em 1976, um poder poltico, legislativo e financeiro, constitucionalmente definido e ainda com outros poderes que os Estatutos Poltico-Administrativos de cada uma das regies autnomas viessem a reconhecer.Ao longo da histria, com hesitaes e at contradies, os movimentos autonomistas procuram que o Estado conceda aos Aores a possibilidade de exerccio duma parcela de poder, numa reivindicao sustentada no conceito de identidade regional, que justificaria um tratamento diferente em relao ao todo nacional.3. O conceito de regio e de unidade poltica regional dos Aores constitui uma novidade da democracia. Como assinala Carlos Amaral, a regio um edifcio humano e uma construo identificacional. A identidade regional expressa-se numa dialctica entre a geografia, a cultura e a aco poltica, a que os constituintes de 1976 deram expresso constitucional, tornando-a no fundamento da Constituio autonmica e da soluo de auto-governo adoptada para os Aores.A aorianidade no esttica, nem obedece a um modelo. A nossa conscincia de povo, de comunidade de pertena e de destino, altera-se de acordo com o tempo e a histria, sem que isso coloque em crise a prpria ideia de [email protected]