IESC 2015Territorio Milton Santos[1]

download IESC 2015Territorio Milton Santos[1]

of 20

description

Territorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton SaTerritorio Milton Sa

Transcript of IESC 2015Territorio Milton Santos[1]

  • 1

    O territrio na sade: construindo referncias para anlises em sade e ambiente

    Maurcio Monken1, Paulo Peiter2, Christovam Barcellos3, Luisa Iiguez Rojas4, Marli Navarro5, Grcia M. M. Gondim6 ,Renata Gracie7

    Introduo

    As mudanas econmicas, polticas e culturais nos obrigam a buscar novas ferramentas tericas, metodolgicas e conceituais para a compreenso do mundo contemporneo. Nesta busca algumas barreiras que separavam distintas cincias so transpostas, pois o avano do conhecimento tende a organizar-se em torno de temas-problemas. Para o tratamento destes temas convergem conceitos ou termos que, ampliados, buscam responder s novas necessidades interdisciplinares.

    Nos estudos sobre a sade e a sade pblica, a incorporao de conceitos geogrficos como espao, territrio e ambiente, vem sendo novamente privilegiados. Propem-se novos termos e adjetivos so adicionados aos termos existentes, s vezes, sem muita preocupao com a definio original da cincia de procedncia e, dessa forma, so gerados conflitos lgicos entre as muitas acepes ou contedos tericos que a eles subjazem.

    Este procedimento ainda mais problemtico quando se tratam de termos polissmicos nas prprias disciplinas de origem, como o caso dos conceitos geogrficos em questo.

    Nem por isso, pesquisadores provenientes de diferentes e "antes distantes" saberes deixam de incorporar com relativa naturalidade o repertrio terico e conceitual, os procedimentos e recursos tecnolgicos, na investigao em espao, ambiente e sade.

    1 Gegrafo, Doutor em Sade Pblica pela Fundao Oswaldo Cruz. Professor da Escola Politcnica de

    Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz. Email: [email protected] 2 Arquiteto, Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor da Escola

    Politcnica de Sade Joaquim Venncio da Fundao Oswaldo Cruz. Email: [email protected] 3 Gegrafo, Doutor em Geocincias pela Universidade Federal Fluminense. Pesquisador do Centro de

    Informao Cientfica e Tecnolgica da Fundao Oswaldo Cruz. Email: [email protected] 4 Gegrafa, Doutora em Cincias Geogrficas. Professora da Universidad de Habana Cuba. Email:

    [email protected] 5 Historiadora, Doutora em Histria pela Universit Paris X. Pesquisadora da Fundao Oswaldo Cruz.

    Email: [email protected] 6 Arquiteta Sanitarista, Pesquisadora da Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio-FIOCRUZ.

    Doutoranda em Sade Pblica ENSP-FIOCRUZ. Email: [email protected] 7 Gegrafa pela Universidade Federal Fluminense. Bolsista do Centro de Informao Cientfica e

    Tecnolgica da Fundao Oswaldo Cruz. Email: [email protected]

  • 2

    Neste sentido, a proposta deste artigo a de realizar uma discusso terica e metodolgica da categoria territrio como referencial de anlise no campo da sade e de sua interao com o ambiente e apresenta as vrias concepes do territrio, a evoluo do conceito e seu encontro com o espao geogrfico. Assumindo o territrio como eixo transversal, desenvolve reflexes sobre suas possveis articulaes com o ambiente, suas variadas abordagens e seus diferentes significados e aplicaes no campo da sade.

    Espao e territrio

    Segundo diversos pontos de vista, o espao geogrfico ora est associado a uma poro especfica da Terra, identificada pela natureza, pelas marcas que a sociedade ali imprime, ora como referncia simples localizao, situando-se indiscriminadamente em diferentes escalas como a global, continental, regional, estadual, a escala da cidade, do bairro, da rua e, at, de uma casa apenas (Corra, 1995, 15).

    Na viso de Santos, (1988, 28) o espao geogrfico um conjunto indissocivel de sistemas de objetos (fixos) e de aes (fluxos) que se apresentam como testemunhas de uma historia escrita pelos processos do passado e do presente. Identificam-se, assim, como categorias do espao, os objetos, formas ou fixos criados pelo homem ou naturais. Os primeiros so os prdios, as barragens, as estradas de rodagem, os portos, as indstrias, os hospitais, as plantaes, e outros. Os objetos naturais so os rios, montanhas, rvores, praias e plancies, etc. As aes, funes ou fluxos referem-se aos movimentos, circulao de pessoas, mercadorias e idias.

    A inter-relao entre fixos e fluxos, suas distribuies respectivas, sua forma de organizao, disposio e construo, os processos como mudanas, e a continuidade segundo as diferentes velocidades refletem a estrutura do espao geogrfico.

    Assim, essa concepo de espao leva em conta todos os objetos existentes numa extenso contnua, supondo a sua co-existncia como sistemas e no apenas como colees: a utilidade atual dos objetos, passada ou futura vem, exatamente, do seu uso combinado pelos grupos humanos que os criaram ou que os herdaram das geraes anteriores. Estes objetos e suas formas aparecem como uma condio da ao, meio de existncia que o agir humano deve, em um momento certo, levar em conta. A coexistncia de fixos e at de componentes de

  • 3

    fluxos, de variadas idades, o que Santos (1988) denomina rugosidades, expresses do passado em formas e tempos espaciais.

    O espao como construo social, segundo Santos (1988) tem como elementos constitutivos: os homens; o meio ecolgico base fsica do trabalho humano; as infra-estruturas , materializao do trabalho humano em formas; as firmas responsveis pela produo de bens, servios, idias e as instituies encarregadas de produzir normas, ordens e legitimaes (Santos, 1988, 6).

    Desse modo, a identificao e localizao dos objetos, seus usos pela populao e sua importncia para os fluxos das pessoas e de matrias, so de grande relevncia para o conhecimento da dinmica social, hbitos e costumes e para a determinao de vulnerabilidades de sade, originadas nas interaes de grupos humanos em determinados espaos geogrficos (Monken, 2003, 37).

    A anlise do espao geogrfico presta-se no s para a compreenso do real, atravs de uma avaliao objetiva, como est subordinada a uma avaliao subjetiva do espao como meio percebido.

    Podemos considerar, ainda, que a construo do espao geogrfico uma contingncia histrica do processo de reproduo social, geradora da necessidade de organizao econmica e social e de um determinado ordenamento espacial. No processo de construo do espao geogrfico, a vivncia e a percepo so dimenses essenciais e complementares, como fenmenos que consolidam os aspectos subjetivos associados a este. A percepo do espao marcada por afetividade e referncias de identidades socioculturais. Nessa perspectiva, o homem o promotor da construo do espao geogrfico e, ao imprimir valores a esse processo, confirma-se como sujeito social e cultural.

    Na ampla literatura que discute o espao em aproximaes tericas semelhantes exposta no comum a referncia a sua delimitao. Como coloca Geiger (1994, 236) "(...) o espao transcende fronteiras e psicologicamente transmite a sensao de abertura".

    Por outro lado, reconhecemos de forma intuitiva diversos tipos de demarcao espacial como os bairros das cidades, ou localidades rurais que possuem uma determinada organizao espacial e uma relativa homogeneidade interna.

    Em teoria, seria possvel identificar sub-espaos em qualquer parte do planeta habitado. Apesar do desenvolvimento de recursos metodolgicos para a sistematizao do reconhecimento das divises espaciais e para sua representao cartogrfica, na prtica, pouco se incorporou aos servios de sade, dado o elevado grau de sofisticao dos modelos

  • 4

    disponveis. Existe uma dificuldade em aceitar recortes espaciais no coincidentes com os territrios poltico-administrativos.

    Na verdade, entre as muitas diferenas dos conceitos de espao e territrio, a mais marcante talvez seja que a idia de espao no faz referncia a limites e ao acesso, enquanto a de territrio imediatamente nos recorda dos limites e das restries ao acesso dos que a ele no "pertenam", aspecto que ser melhor desenvolvido a seguir.

    A categoria geogrfica territrio: em busca de um posicionamento.

    O conceito de territrio no exclusivo da Geografia, tendo sido utilizado e desenvolvido em diversos campos do conhecimento como a Antropologia, a Sociologia, a Cincia Poltica, a Ecologia, entre outros, por isso vale a pena um breve resgate da histria de sua formulao.

    Inspirado nos estudos da biologia dos naturalistas, do final do sculo XVIII, o territrio est ligado inicialmente vida de uma espcie, onde esta desempenha todas as suas funes vitais ao longo do seu desenvolvimento.

    Assim, tendo como dimenso a vida, enquanto natureza em si, a flora e a fauna, o territrio liga-se historicamente noo original do conceito de ambiente e sua relao com a sobrevivncia das espcies, ou seja, as condies vitais existentes sobre a superfcie terrestre para continuidade da vida.

    Na geografia, pode-se identificar duas grandes matrizes do termo territrio: a primeira jurdico-poltica deriva da geografia poltica clssica e estabelece uma ligao vital entre Estado e territrio; a segunda etolgica considera que a territorialidade humana anloga animal e est na base da constituio de territrios.

    A vertente da geografia poltica clssica deve ao pensamento de Ratzel uma concepo de territrio nascida dos vnculos do homem com a terra. Para ele ... o Estado o nico grupo que pode receber uma extenso territorial contnua... (Ratzel apud. Mendoza, 1982, 198). O territrio , nesta concepo, uma rea delimitada pelas fronteiras nacionais de um Estado. Esta foi a concepo mais difundida na geografia e que mais fortemente influenciou o imaginrio das pessoas leigas.

    A partir desta vertente, buscou-se ampliar o conceito de territrio no sentido de incorporar novos atores, alm do Estado, como "produtores" do territrio. Um autor que procurou retrabalhar esse conceito, na literatura geogrfica recente, foi Raffestin (1993), que, partindo de uma crtica geografia poltica clssica, prope que a chave para o estudo do

  • 5

    territrio o poder, no s o poder do Estado, mas o exercido por atores que surgem da populao.

    Na vertente da concepo de territrio surgida da etologia, a criao de territrios fruto do comportamento humano, em aluso territorialidade animal. Diversas foram as crticas a esta concepo no sentido de que no se pode estabelecer comparaes diretas entre o comportamento humano e o animal, pois poderamos nos aproximar perigosamente das teses dos que defendem uma correspondncia quase irrestrita entre o mundo animal e o humano (Haesbaert, 2004). Este autor comenta ainda que o maior perigo desta analogia animal a de citar-se a origem dos homens entre os predadores para justificar um instinto no s agressivo, mas tambm de necessidade biolgica de dominar um pedao de terra.

    A melhor traduo do conceito de territorialidade para as sociedades humanas a de Robert Sack (1986), segundo a qual ...a territorialidade em seres humanos melhor compreendida como uma estratgia espacial para afetar, influenciar, ou controlar recursos e pessoas, pelo controle de uma rea; e, como territorialidade pode ser ativada e desativada. (Sack, 1986, 1). A territorialidade estaria assim intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam a terra, como elas prprias se organizam no espao e como elas do significado ao lugar. A territorialidade de Sack est vinculada s relaes de poder, como uma estratgia ou recurso estratgico que pode ser mobilizado de acordo com o grupo social e o seu contexto histrico e geogrfico.

    As discusses mais recentes sobre o territrio incorporam a componente cultural considerando que o territrio carrega sempre, de forma indissocivel, uma dimenso simblica, ou cultural em sentido estrito, e uma dimenso material, de natureza predominantemente econmico-poltica.

    A idia de territrio caminharia ento do poltico para o cultural, ou seja, das fronteiras entre os povos aos limites do corpo e do afeto entre as pessoas. Isto aponta para novas propostas terico-metodolgicas, cuja base est na perspectiva da operacionalizao do conceito de territrio usado de Santos e Silveira (2001) na escala social do cotidiano. Com forte apelo antropolgico, esta abordagem de territrio abre boas possibilidades para as anlises em sade, particularmente para a ateno bsica, como para o entendimento contextual do processo sade-doena, principalmente em espaos comunitrios.

    Os chamados territrios do cotidiano (Mesquita & Brando, 1995) tm como parmetros a co-presena, a vizinhana, a intimidade, a emoo, a cooperao e a socializao com base na contigidade, reunindo na mesma lgica interna todos os seus elementos:

  • 6

    pessoas, empresas, instituies, formas sociais e jurdicas e formas geogrficas. O cotidiano imediato, localmente vivido, trao de unio de todos esses dados, a garantia da comunicao (Santos, 1996).

    Essa socialidade no cotidiano ser tanto mais intensa quanto maior a proximidade entre as pessoas envolvidas (Santos, 1996). A relao de proximidade interessa diretamente ao campo da sade, no apenas como uma distncia cartesiana entre objetos e pessoas no espao, mas como uma certa contigidade fsica entre pessoas numa mesma extenso, num mesmo conjunto de pontos contnuos vivendo com a intensidade de suas inter-relaes (Santos, 1996).

    A anlise da "dimenso espacial do cotidiano" ou do contedo geogrfico do cotidiano (Santos, 1996) pode, sobretudo, concretizar as aes e as prticas sociais, conduzindo ao entendimento diferenciado dos usos do territrio, das aes e das formas geogrficas que podem revelar contextos vulnerveis para a sade e, com isso, contribuir para a tomada de deciso (Monken 2003, 40).

    Haesbaert (2004) considera fundamental que se busque superar a dicotomia material/ideal que envolve cada uma das matrizes do conceito de territrio anteriormente referidas, encarando o territrio de forma integrada, envolvendo, ao mesmo tempo, a dimenso espacial material das relaes sociais e o conjunto de representaes sobre o espao. Ele aponta duas possibilidades para a definio de territrio nos dias atuais: admitir vrios tipos de territrios que coexistiriam no mundo contemporneo, dependendo dos fundamentos ligados ao controle e/ou apropriao do espao, isto , territrios polticos, econmicos e culturais, cada um deles com uma dinmica prpria, ou trabalhar com a idia de uma nova forma de construirmos o territrio, se no de forma total, pelo menos de forma integrada.

    "As questes de controle, ordenamento e gesto do espao, onde se inserem as questes ambientais, tm sido cada vez mais centrais para alimentar estes debates. Elas nos ajudam a repensar o conceito de territrio. A necessidade de se considerar duas caractersticas bsicas do territrio: seu carter poltico no jogo entre os macro-poderes polticos institucionalizados e os micropoderes, muitas vezes mais simblicos, produzidos e vividos no cotidiano das populaes , em segundo lugar, seu carter integrador O Estado em seu papel gestor-redistributivo e os indivduos e grupos sociais em sua vivncia concreta como os ambientes capazes de reconhecer e de tratar o espao social em todas as suas mltiplas dimenses" (Haesbaert, 2004).

  • 7

    Evoluo e encontros

    Para Raffestin, o espao anterior ao territrio. Os territrios formam-se a partir do espao mediante a projeo de trabalho, marcado pelas relaes de poder, em qualquer nvel e pelos modos de produo que os caracteriza. O espao a matria prima, portanto, preexiste a qualquer ao (Raffestin, 1991, 143). O poder intrnseco a toda relao e ocorre em qualquer um dos nveis de agregao e desagregao territorial e em qualquer uma das relaes humanas que se estabelecem nos territrios (Raffestin 1993, 51).

    Santos, ao contrrio, considera que o territrio precede ao espao e as unidades territoriais se tornam espaos quando so submetidas a sucessivas ocupaes histricas efetivadas por um povo, por meio do trabalho realizado no interior de um determinado modo de produo, mediados por regras que o poder transforma em aes coercitivas (Santos, 1998). Nessa acepo de carter evolutivo, o territrio considerado como um recorte do espao a ser habitado. O prprio autor na evoluo do conceito de territrio coloca a noo de espao-territorial, do qual deriva o conceito de territrio usado, sinnimo de espao geogrfico (Santos e Silveira, 2001, 20). Aparentemente contraditrias, as consideraes citadas ressaltam o poder como elemento chave na definio de territrios.

    O conceito de territorialidade humana desenvolvido por Sack (op.cit., 1986) permite vislumbrar formas de criao de territrios anteriormente no consideradas pelos estudos geogrficos. Para ele, a territorialidade estaria na base do poder em todos os nveis (no s poder de Estado), ainda que nem todo poder seja territorial, ou se expresse pelo territrio. A territorialidade , portanto, um conceito diferente e mais amplo que soberania, propriedade ou jurisdio.

    Portanto, os diferentes territrios existentes seriam expresses de diferentes territorialidades, variveis de acordo com contextos histricos e sociais. Temos, como exemplos, os territrios indgenas que, mesmo demarcados pelo poder constitucional, possuem expresso prpria de territorialidade e outros limites geogrficos no perceptveis por outras culturas e povos.

    Os aportes tericos de Sack (1986), Raffestin (1993) e Cox (1991) permitem-nos distinguir territrio e territorialidade e entender a constituio do territrio como um processo, no qual existem superposies de intenes de diferentes atores e conflitos. Um mesmo espao pode conter diversas territorialidades que resultam em territrios com configuraes,

  • 8

    temporalidades e objetivos distintos. Estas territorialidades podem criar territrios temporrios, permanentes, intermitentes, estveis, instveis, contnuos, descontnuos, com expresso em diferentes escalas (Souza, 1995).

    Desse modo, inteno, apropriao, poder, delimitao, identidade so alguns dos fundamentos sem os quais no se pode pensar o territrio.

    importante ressaltar que a produo territorial combina sempre malhas, ns e redes, a que Raffestin denomina de "invariantes territoriais". Estes intrumentos desempenham diferentes papis, cuja importncia relativa varia conforme o contexto histrico e social vivido. Raffestin exemplifica esta afirmao mostrando como foram mudando, ao longo da histria das civilizaes, a combinao e importncia de cada uma das invariantes territoriais, sendo que nas civilizaes tradicionais de caadores-coletores, as malhas cumpriam funo primordial, nas civilizaes tradicionalistas e racionalistas, os ns ganham maior importncia e, por fim, nas civilizaes racionais so as redes as mais importantes (Raffestin, 1988).

    At a dcada de 1980, quando se falava em "rede", referia-se, na maior parte das vezes, s redes urbanas, ou seja, estudos de geografia urbana. Nestes estudos, os centros urbanos eram vistos como (...) os principais ns das diversas redes geogrficas, como a das grandes corporaes, das religies, do Estado, dos partidos polticos, de comunicao instantnea, entre outras. Por ser o resultado da reunio de diversas redes geogrficas, a rede urbana necessariamente complexa, assumindo diversas formas e contedos. , assim, ela prpria, uma rede geogrfica, a mais complexa de todas (Corra, 1999, 5).

    Outras importantes vertentes de estudo de redes, como a que trata das redes sociais, vm sendo desenvolvidas na sociologia, na antropologia e etnologia, e tambm influenciaram a geografia. Para Parrochia (1993, 39): ... as redes so tcnicas, mas tambm so sociais. Elas so materiais, mas tambm so viventes, de modo que preciso agregar o contedo poltico e social que animam as redes tcnicas (de infra-estrutura por exemplo), para que se possa ultrapassar a anlise meramente empiricista.

    Segundo Santos, ... animadas por fluxos, que dominam o seu imaginrio, as redes no prescindem de fixos que constituem suas bases tcnicas mesmo quando esses fixos so pontos. Assim, as redes so estveis e, ao mesmo tempo, dinmicas. Fixos e fluxos so intercorrentes, interdependentes. Ativas e no-passivas, as redes no tm em si mesmas seu princpio dinmico, que o movimento social (Santos, 1996, 221).

    As redes sociais formam "territrios afetivos" ou os "territrios solidrios", constituindo-se em valioso patrimnio dos distintos grupos sociais. Muitas vezes, elas assumem maior

  • 9

    importncia na vida das pessoas que as redes tcnicas, suprindo carncias conjunturais e remediando as estruturais, e so, tambm, formas de apropriao do territrio. O estabelecimento das redes de solidariedade nas comunidades pode ser fator de promoo de sade e de criao de ambientes saudveis.

    Realizar ligaes ou facilit-las (aproximar pontos no espao e no tempo) no o nico objetivo dos agentes sociais no espao, por isso, toda rede tambm uma combinao de projetos de ligaes e de obstruo, de acessibilidade e de fronteiras/barreiras (restries de acesso), de aproximao e de distanciamento, por que o espao no homogneo e se o fosse no haveria rede.

    A incorporao das noes de rede no campo da sade adquiriu algumas conotaes malha de servios, sistema articulado de servios e aes, articulao sistmica e ascendente de ateno e cuidados sade. O que permeia esses entendimentos a idia de que as redes permitem enraizamento, capilaridade, cobertura e penetrao de territrios, traduzida em uma capacidade de alcance e de abrangncia de diferentes modalidades de servios e produtos de sade (Mendes, 1993).

    Territrio e ambiente

    J foi dito que o espao uma categoria de sntese e convergncia onde se manifestam diversos processos envolvidos nas condies de vida das populaes. O espao geogrfico complexo, constitudo por um sistema de objetos e aes com inmeras articulaes verticais e horizontais (Santos, 1996). Neste espao, se manifestam variveis globais de ao local e outros processos de origem local com pequena amplitude, com resultados tambm locais. A organizao de redes no espao permite, cada vez mais, que estes processos sejam simultneos e abrangentes (Soja, 1993).

    Estas redes podem ser representadas atravs de pontos e linhas, onde os pontos podem ser aes locais e totalmente desvinculadas das aes globais, mas tambm podem ser aes locais, que se inserem nas aes globais, onde as estruturas e a organizao de tarefas podem no coincidir com as aes que esto sendo desenvolvidas. As linhas formam teias que representam as redes de ligaes e as interligaes entre aes locais e globais.

    Dessa maneira, a adoo de limites espaciais para se estudar e atuar sobre as condies ambientais e de sade reconhecidamente artificial. Nem o ambiente pode ser

  • 10

    completamente constrito dentro dos limites de um territrio, nem os processos sociais se restringem a esses limites. O territrio , na maior parte das vezes, utilizado como estratgia para a coleta e organizao de dados sobre ambiente e sade, mas deve-se manter claro que os processos sociais e ambientais transcendem esses limites.

    A prpria histria de criao de territrios mostra a independncia entre os limites de compartimentos ambientais (ecossistemas, biomas...) e os limites de territrios poltico-administrativos. O desenho das capitanias hereditrias no Brasil colonial, por exemplo, mostra a preocupao de fragmentar o espao em reas de poder que permitissem o controle do territrio, antes mesmo da construo do espao geogrfico, ou seja, do desenvolvimento de uma atividade produtiva, de um projeto de ocupao. Esse desenho deixou marcas sobre a atual diviso territorial do pas e corta transversalmente importantes ecossistemas existentes na regio Nordeste. Da mesma maneira, as divises territoriais so materializadas no terreno atravs de acidentes geogrficos (calhas fluviais, divisores de gua). Outras formas de diviso entre territrios so as linhas geodsicas. Ambas estratgias usadas no correspondem s possveis compartimentaes que se possa estabelecer para o ambiente. Obviamente, a atmosfera e o sistema hdrico no podem estar constritos aos limites poltico-administrativos de um determinado territrio. Dessa maneira, referir-se qualidade do ar em um determinado bairro consiste em um esforo de generalizao de dados. A poluio do ar em um bairro conseqncia da existncia de fontes de contaminao, no s naquele bairro, mas tambm nas suas vizinhanas. Considerar esses territrios como entidades isoladas um risco para as anlises de ambiente e sade.

    Incorporar um dado do ambiente, contnuo, a um territrio, fragmentado, permite pensar a implementao da poltica ambiental, que na verdade nada mais que a internalizao do vetor ambiental nas vrias polticas territoriais (Moraes, 1994). Como o territrio resultado da organizao da sociedade, incorporar dados ambientais a este territrio permite colocar sobre uma base comum fatores que so da natureza exterior e interior dessa sociedade. Alm disso, pelo fato do territrio ter um carter de identidade e de organizao da populao, referir-se qualidade ambiental de um determinado territrio promove uma politizao da questo ambiental.

    A complexidade e o equilbrio dinmico do ambiente nos remetem analisar os seres vivos sobre as inter-relaes biolgicas, o fluxo de energia e os ciclos da matria, convertendo-se em associaes ntimas e indissociveis. "O ambiente no a ecologia, mas a complexidade

  • 11

    do mundo; um saber sobre as formas de apropriao do mundo e da natureza atravs das relaes de poder que se inscreveram nas formas dominantes de conhecimento (Leff, 2001).

    Como o territrio ocupado por uma populao heterognea, formada por atores sociais muitas vezes antagnicos, espera-se que esse territrio seja um palco de conflitos entre projetos. Os conflitos ambientais se materializam atravs de aes contrapostas que distintos atores sociais desenvolvem no territrio. Estas aes surgem porque entre esses atores existem diferentes percepes e projetos sobre ambiente. Esses conflitos podem ser locais ou, algumas vezes, alcanar maior magnitude, quando interesses pertinentes a outros atores so atingidos (Chavez, 2002).

    O bordo norte-americano not in my backyard explicita um conflito entre o local e o regional, ou mesmo global. Ao mesmo tempo em que no nvel regional se reconhece a necessidade de implantao de indstrias e de depsitos para os dejetos industriais, se observa uma resistncia para a localizao dessas instalaes nos nveis locais. Dessa maneira, os conflitos ambientais se caracterizam tambm por uma tenso entre escalas onde se processam as decises sobre alocao de instalaes de risco.

    Estudos sobre justia ambiental tm demonstrado que a contaminao no ocorre de forma equnime no espao, afetando principalmente comunidades perifricas sem capacidade de resistir instalao de atividades industriais perigosas. Ou mesmo ao contrrio: algumas comunidades de baixa renda se instalam ao redor de atividades poluidoras devido ao baixo valor da terra nesses locais. De alguma forma, h uma tendncia de concentrao de populaes de menor poder aquisitivo e baixa capacidade de organizao no entorno de locais contaminados, o que vem sendo considerado um fator de confuso para estudos epidemiolgicos que procuram relacionar danos sade com problemas ambientais (Jolley et al., 1992).

    Outra situao desfavorvel s populaes pobres ocorre quando estas ocupam reas de difcil construo, desprezadas pela especulao imobiliria. Estas populaes, ao se estabelecerem nestes locais, com suas construes precrias, podem levar a degradao da rea, do seu entorno e dos recursos naturais causando uma acumulao de riscos, dentre os quais, a disseminao de doenas infecciosas.

    Esse contexto amplia a vulnerabilidade do ambiente, expondo os indivduos, os grupos sociais e a sociedade a situaes de risco desencadeadas por modificaes nos determinantes e condicionantes das doenas, principalmente das infecciosas, transmitidas na interao homem-ambiente, como, por exemplo: a hepatite, a leptospirose, a clera, e outras, ou ainda,

  • 12

    aquelas transmitidas por vetores como a dengue, a malria, a leishmaniose, as arboviroses, dentre outras.

    O modelo terico que explica a relao homem-ambiente do ponto de vista epidemiolgico o ecolgico, tendo como pano de fundo a idia da multicausalidade dos fenmenos aliados ao processo sade-doena, onde a trade ecolgica agente-hospedeiro-ambiente se insere na biologia humana, no ambiente, em estilos de vida e nos sistemas de servios de sade.

    Nas ltimas dcadas, a utilizao massiva de recursos tecnolgicos e de mtodos avanados orientados pelo processo de globalizao econmica, social e poltica, impe aos pases em desenvolvimento e na periferia do capitalismo, a instalao de plantas industriais e de processos de trabalho, na maioria das vezes danosos para o ambiente e para a sade do trabalhador, em funo das mximas de racionalizao de custos e da qualidade total.

    Para Confalonieri et al (2000), as foras indutoras desse tipo de desenvolvimento econmico influenciam os modos e os estilos de vida das populaes, sejam elas urbanas ou rurais, contribuindo para o agravamento dos problemas sociais e o desequilbrio ambiental. Ainda segundo o autor essa situao envolve os seguintes fatores:

    Demandas de consumo de bens materiais, alicerada em valores culturais dominantes; Inovaes tecnolgicas que tm ensejado maior eficcia na extrao e processamento

    de recursos; Crescimento econmico que estimula a disponibilidade de renda para aquisio de

    bens; Crescimento populacional contnuo, levando a um maior consumo; Empobrecimento resultante em aes predatrias sobre o meio ambiente, em busca da

    sobrevivncia. A magnitude dessas alteraes pode ser observada mundialmente pelas Mudanas

    Ambientais Globais (MAG) entendidas como aquelas que: (...) alteram os envoltrios do Sistema Terrestre e, dessa forma, so experimentados globalmente e aquelas que ocorrem em reas mais restritas, mas, por serem muito difundidas, adquirem carter global (Vitousek et al. apud Confalonieri, 1992).

    Segundo Leff (2001), a forma espoliativa da ao do capital sobre a natureza, mediada pelo discurso do neoliberalismo ambiental, criou a figura do desenvolvimento sustentvel com o propsito de legitimar o esplio dos recursos naturais e culturais das populaes dentro de um esquema combinado, globalizado, onde fosse possvel dirimir os conflitos num campo neutro.

  • 13

    O princpio da sustentabilidade surge, como uma possibilidade de resposta (...) fratura da razo modernizadora e como uma condio para construir uma nova racionalidade produtiva, fundada no potencial ecolgico e em novos sentidos de civilizao a partir da diversidade cultural do gnero humano (...) (Leff, 2001) .

    Nesse sentido, a noo de qualidade de vida deve integrar o projeto cultural, o projeto de desenvolvimento e o projeto de vida de uma comunidade (Leff, 2001). Esto juntas as noes objetivas de satisfao de necessidades bsicas com aspiraes subjetivas de sentido de vida.

    Como bem sintetiza Barreto (1998), a sade elemento fundamental para a qualidade de vida das pessoas, portanto, tudo que diz respeito relao sade e ambiente se constitui em questes relevantes, em decorrncia de, pelo menos, trs aspectos: a histria da sade pblica foi marcada pela relao sade e ambiente, se constituindo em elemento fundante de seus pressupostos, e se hoje esse vnculo est enfraquecido, h evidncias suficientes para estreit-los novamente; o forte lao entre sade e ambiente contrape-se viso estritamente biolgica do processo sade-doena, ao mesmo tempo em que se choca com o modelo de desenvolvimento econmico-industrial, o qual pressupe um afastamento do homem com a natureza, transformando processos vitais da vida humana, como comer, beber e respirar em possibilidades de exposio a riscos e a patgenos fsicos, qumicos e biolgicos; e os movimentos sociais vm de forma crescente exigindo medidas de carter abrangente e globais para proteger o ambiente, como estratgia de preservao da prpria humanidade, o que pode ser traduzido no campo das cincias como a necessidade de aes interdisciplinares e plurais.

    Territrio e o processo sade-doena

    Atualmente chama a ateno a emergncia do interesse pela categoria territrio como nova variante da aproximao histrica entre geografia e sade (em particular no Brasil).

    No momento anterior, esta aproximao deu-se pelo resgate do conceito de espao (Silva, 1985, 1997; Sabroza, 1991, Czeresnia, 2000 entre outros). Czeresnia (2000) aponta que apesar de constituir-se numa categoria fundamental da epidemiologia, o espao compreendido neste campo do conhecimento separado do tempo e das pessoas, como o lugar geogrfico que predispe a ocorrncia de doenas. A relao espao/doena s pde ser melhor objetivada nos estudos das doenas transmissveis por vetores a partir da idia de

  • 14

    circulao de agentes (Teoria dos Focos Naturais, Pavlovsky, 1939 e dos Complexos Patognicos, Sorre, 1945) que deu origem Epidemiologia Paisagstica.

    A abordagem ecolgica das doenas foi a que permitiu uma maior aproximao entre os conceitos de espao na geografia e na epidemiologia, num momento rico em que estas cincias se fertilizaram mutuamente em meados do sculo XX. Entretanto, o alcance destes trabalhos foi relativamente pequeno, sobrepujado pela teoria da multicausalidade e o conceito de risco. O conceito de espao, nos estudos da ecologia das doenas assemelhava-se ao conceito de "meio geogrfico", incluindo-se nele o Homem e a relao Homem/Meio.

    No final da dcada de 1970, um grupo de sanitaristas engajados no processo de transformao social faz duras crticas epidemiologia dos fatores de risco e s concepes ecolgicas das doenas em particular teoria da "Histria Natural das Doenas" (Leavell & Clarck,1965), lanando um movimento, ou corrente, que ficou conhecida como "Epidemiologia Social" ou "Epidemiologia Crtica" liderado por Breilh (1977), Breilh & Granda (1985), Laurell (1976,1977) e Castellanos (1990), entre outros, que teve grande repercusso na Amrica Latina.

    Este movimento ganhou vrios adeptos na sade pblica brasileira, ajudando a difundir o conceito de "espao geogrfico", em substituio ao "espao geomtrico" tradicionalmente utilizado pela epidemiologia. O trecho a seguir ilustra bem a forma como se passou a conceber o espao na Epidemiologia Social e a importncia dada s desigualdades:

    Se o espao geogrfico se considera como mediador para a distribuio dos danos no espao social concreto (Breilh & Granda, 1995), tambm as condies de vida se consideram mediadoras das diferenas dos problemas de sade e constituem a expresso concreta da forma em que o processo geral de reproduo da sociedade, em um lugar, e um momento histrico determinado (Castellanos, 1990, 1997).

    Esta nova concepo foi amplamente utilizada nos estudos de Situao de Sade que procuraram alargar os usos da categoria espao. Nestes estudos, procurou-se expressar as condies especficas de grupos sociais, articuladas forma como estes se inserem socialmente em determinado momento histrico e circunstncias naturais (Castellanos, 1990).

    tambm nesta linha que Rojas (1998) afirma que a situao de sade de um espao populacional dado, em um momento dado, est influenciada tanto pelos avatares das formaes econmicas, das persistncias de origem natural (clima, solos, relevo e outras), como pela experincia biolgica da populao em contato com diversos agentes patgenos.

  • 15

    "(...) Assim todo espao geogrfico populacional, portar uma histria ecolgica, biolgica, econmica, comportamental, cultural, em sntese social, que necessariamente tem que orientar o conhecimento do processo sade-doena". (Rojas, 1998).

    O novo conceito de espao era, por sua vez, tributrio da Geografia Nova ou Geografia Crtica, desenvolvida inicialmente na Frana e pases Anglo-Saxes, por Pierre George (1969), Yves Lacoste (1977), Paul Claval (1979), David Harvey (1980) entre outros, com a contribuio de pensadores de outras reas como Henry Lefebvre, Manuel Castells, Michel Foucault.

    No Brasil, tivemos no gegrafo Milton Santos o maior responsvel pela difuso do conceito de espao geogrfico ou socialmente organizado nos estudos sobre a sade. Com grande penetrao entre os sanitaristas, seus trabalhos serviram para reorientar as concepes sobre espao e sade no mbito da sade pblica latino-americana.

    Este conceito foi incorporado na sade que passa a considerar o espao como um processo, uma construo social, sendo desenvolvido no Brasil por Barreto (1982), Silva (1985), Sabroza (1991), entre outros.

    Estes autores procuraram aplicar o arsenal terico da geografia crtica em estudos sobre a distribuio de doenas endmicas e epidmicas como resultado da organizao social do espao (e suas transformaes). Para Sabroza (1991) o espao socialmente organizado, integrado e profundamente desigual, no apenas possibilita, mas determina a ocorrncia de endemias e sua distribuio".

    Silva (1997) qualifica o espao socialmente organizado como um recurso terico e um potente instrumento de anlise, ressaltando, como seu aporte mais importante, o brindar a viso histrico-dinmica, que exige o conhecimento do processo sade-doena.

    Verifica-se, desse modo, que a adoo do espao geogrfico (e no do espao simplesmente) na sade pblica vem ao encontro de um desejo de transformao social e de demonstrar os efeitos deletrios das desigualdades sociais na sade das populaes, numa espcie de reao s concepes da epidemiologia clssica (ainda que no se possa desprezar o valor de seus mtodos e rigor terico).

    O conceito de territrio, por sua vez, no havia despertado o mesmo interesse por parte dos sanitaristas quanto o conceito de espao. O aumento do interesse pelo territrio na sade um fenmeno recente, e partiu principalmente dos gestores de sade e estudiosos em administrao dos servios e dos prprios trabalhadores destes servios (principalmente os que atuam na ponta do atendimento). Este fato gera a possibilidade de um novo processo de fertilizao mtua entre a sade coletiva e a geografia.

  • 16

    Vrios motivos podem ter contribudo para este fenmeno. Em primeiro lugar, constata-se que a "Reforma Sanitria Brasileira", em particular o projeto de implantao do Sistema nico de Sade (SUS), motivou uma reflexo sobre o funcionamento dos servios e, com isso, de sua base territorial, levando a um maior interesse sobre os critrios de delimitao de territrios para a sade. sob essa tica gerencial que se invoca o conceito de territrio, concebido, assim, como rea poltico-administrativa, com maior nfase na repartio do espao do que nos processos que a se desenvolvem. A operacionalizao do conceito de territrio o principal objetivo desta retomada.

    Em contrapartida, esta reflexo propiciou a redefinio do prprio conceito de territrio utilizado nas polticas pblicas de sade, dando lugar a propostas mais amplas do que a de territrio poltico administrativo, conferindo-lhe maior densidade terico-metodolgica.

    nesse sentido que Mendes et al (1999) resgata o conceito de territrio no livro: "Distrito Sanitrio: O processo social de mudanas das prticas sanitrias do Sistema nico de Sade". Nele, artigos de diversos autores reafirmam a importncia da categoria territrio para a implementao de uma reforma democrtica na sade. Segundo Unglert (1999), a base territorial um dos princpios organizativo-assistenciais mais importantes do sistema de sade. Ela considera que:

    (...) o estabelecimento dessa base territorial um passo bsico para a caracterizao da populao e de seus problemas de sade, bem como o dimensionamento do impacto do sistema sobre os nveis de sade dessa populao e, tambm, para a criao de uma relao de responsabilidade entre os servios de sade e sua populao adscrita. (Unglert, 1999, 222).

    Os mesmos autores chegam a desenvolver uma metodologia aplicada s prticas de sade a que denominaram de "processo de territorializao".

    Portanto, o territrio da Sade Coletiva onde se desenvolvem aes de sade pblica, so produes coletivas, com materialidade histrica e social e configuraes espaciais singulares compatveis com a organizao poltico-administrativa e institucional do setor. O objetivo prevenir riscos e evitar danos sade, a partir de um diagnstico da situao de sade e das condies de vida de populaes em reas delimitadas. Por isso, pressupe limites, organizao e participao, para se constiturem em espaos de trocas e pactuaes para a qualidade de vida e o sentimento de bem-estar. Assim, o territrio que falamos , ao mesmo tempo:

    o territrio suporte da organizao das prticas em sade; o territrio suporte da organizao dos servios de sade;

  • 17

    o territrio suporte da vida da populao; o territrio da conformao dos contextos que explicam a produo dos problemas de

    sade e bem estar; o territrio da responsabilidade e da atuao compartilhada.

    Referncias bibliogrficas

    BARRETO M L, 1982. Esquistossomose Mansnica: Distribuio da doena e organizao social do espao. Dissertao de Mestrado, Salvador: Universidade Federal da Bahia.

    BARRETO M L, 1998. Ambiente e Sade. Sade e Ambiente no Processo de Desenvolvimento. Rev. Cincia & Sade Coletiva, vol. 3, n 2, Rio de Janeiro ABRASCO.

    MESQUITA Z, BRANDO C R, 1995. Territrios do cotidiano: introduo a uma abordagem terica contempornea. In: Territrios do cotidiano: uma introduo a novos olhares e experincias. Porto Alegre: Ed. UFRGS. pp 40-48/ pp 67- 75.

    BREILH J, 1977. Community Medicine under Imperialism. International Journal of Health Services, 9(1).

    BREILH J, GRANDA E, 1985. Investigacin de la salud en la sociedad. La Paz, Bolvia: Ed. Salud y Sociedad.

    CASTELLANOS P L, 1990. Avances metodolgicos en Epidemiologia. Congresso Brasileiro de Epidemiologia e desigualdade Social. 1. Desafios do final do sculo. Abrasco, Anais. Campinas, So Paulo.

    CASTELLANOS P L, 1997. Epidemiologia, sade pblica, situao de sade e condies de vida. Consideraes conceituais. In: Condies de vida e situao de sade (Barradas R. B. - org.), p.31-75, Rio de Janeiro: ABRASCO.

    CHAVEZ BV, 2002. Conflictos ambientales. La internacionalizacin de la defensa de las comunidades contra instalaciones contaminantes. Ed. Universidad de Guadalajara, Guadalajara, Mxico.

    CLAVAL P, 1979. Espao e Poder. Rio de Janeiro: Zahar. CONFALONIERI U. et al., 2000. Mudanas Globais e Grandes Empreendimentos, In: Seminrio

    Nacional Sade e Ambiente no Processo de Desenvolvimento, p. 35-62, Rio de Janeiro: Fundao Oswaldo Cruz.

  • 18

    CORRA R L, 1995. Espao, um conceito-chave da Geografia. In: Geografia: Conceitos e Temas (I. E. Castro & P. C. G. Costa), p.15-48; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

    CORRA R L, 1999. Redes Geogrficas e Teoria dos grafos. Textos Laget, Pesquisa e Ensino. (mimeo).

    COX K R, 1991. Comment: Redefining territory Political Geography Quaterly, 10 (1), p.5-7. CZERESNIA D & RIBEIRO A M, 2000. O conceito de espao em epidemiologia: uma

    interpretao histrica e epistemolgica. Cad. Sade Pblica, Rio de Janeiro, 16(3):595-617.

    GEIGER PP, 1994. Des-territorializao e espacializao. In: Territrio, globalizao e fragmentao (M. Santos; M. A. Souza, M.A. & M. L. SILVEIRA,org.), p.233-246, Hucitec-ANPUR, So Paulo.

    GEORGE, P. A 1969. Geografia Ativa. So Paulo: Difel. HAESBAERT R, 2004. O Mito da Desterritorializao: do "Fim dos Territrios"

    Multierritorialidade. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil. HARVEY D, 1980. A Justia Social e a Cidade. So Paulo: Hucitec. JOLLEY DJ, JARMAN B & ELLIOT P, 1992. Socio-economic confounding. In: Geographical

    and Environmental Epidemiology: Methods for Small-area Studies. (P. Elliot), p. 115-124, Oxford University Press, Tokyo.

    LACOSTE Y, 1977. A geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra. Lisboa: Iniciativas Editoriais.

    LAURELL AC, 1976. Notas para un Marco Terico para la Investigacin en sociologa Mdica. Dissertao Maestria, Mxico: Universidad Autnoma Metropolitana.

    LAURELL AC et. al., 1977. Enfermedad y Desarrollo: Anlises Sociolgico de la Morbilidade de Dos Pueblos Mexicanos. Revista Mexicana de Ciencias Polticas, v. 84, p.131-151.

    LEAVELL H & CLARKE E, 1965. Preventive medicine for the doctors in the community. New York, MacGraw Hill.

    LEFF E, 2001. Saber Ambiental sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrpolis, Rio de Janeiro: Vozes.

    MENDES E V, 1993. A construo social da Vigilncia Sade do Distrito Sanitrio, Srie Desenvolvimento de Servios de Sade, n. 10,: 7-19, Braslia, OPS.

    MENDES EV, 1999. Distrito Sanitrio: O processo social de mudana das prticas sanitrias do Sistema nico de Sade. So Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec-Abrasco.

  • 19

    MENDOZA JG, JIMNEZ J M & CANTERO NO, 1982. El pensamiento geogrfico. Madrid: Alianza Universidad.

    MONKEN M, 2003. Desenvolvimento de tecnologia educacional a partir de uma abordagem geogrfica para a aprendizagem da territorializao em vigilncia da sade, Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Escola Nacional de Sade Pblica, Fundao Oswaldo Cruz.

    MORAES ACR, 1994. Meio Ambiente e Cincias Humanas. So Paulo: Hucitec. PARROCHIA D, 1993. Philosophie des Rseaux. Paris: PUF. PAVLOVSKY EN, 1966. Natural Nidality of Transmissable Diseases. Trans. and ed. In: Urbana

    (N.D. Levine), Univ. Illinois Press. PEITER P, 2005. A Geografia da Sade na Faixa de Fronteira Continental do Brasil na

    Passagem do Milnio, Tese de Douturado, Rio de Janeiro: Programa de Ps-Graduao em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    RAFFESTIN C, 1988. Repres pour une thorie de la territorialit humaine. In: Rseaux Territoriaux Transports & Communication 14, p.263-279, Paris: Paradigme.

    RAFFESTIN C, 1993. Por uma Geografia do Poder. So Paulo: tica. RATZEL F, 1982. (1898-99) El territorio, la sociedad y el Estado. In: El piensamento geogrfico.

    Estudio interpretativo y antologia de textos - De Humboldt a las tendencias radicales (J. G. Mendoza, et al). Madrid: Alianza Editorial.

    ROJAS LI, 1998. Geografia y Salud: temas y perspectivas en America Latina. Cadernos de Sade Pblica, 14(4):701-711, Rio de Janeiro, out. dez.

    SABROZA P, 1991. Espao e Produo de Endemias. II Taller de la Associacin Latinoamericana de Medicina Social, Caracas.

    SACK RD, 1986. Human Territoriality. Cambridge: Cambridge University Press. SANTOS M & SILVEIRA M L, 2001. O Brasil Territrio e Sociedade no Incio do Sculo XXI.

    Rio de Janeiro: Record. SANTOS M, 1988. Metamorfoses do Espao Habitado. So Paulo: Hucitec. SANTOS M, 1994. Tcnica, Espao e Tempo. Globalizao e Meio Tcnico-Cientfico

    Informacional. So Paulo: Hucitec. SANTOS M, 1996. A Natureza do Espao: Tcnica e Tempo. Razo e Emoo. So Paulo:

    Hucitec. SANTOS M, 1998. O retorno do territrio. In: Territrio, Globalizao e Fragmentao (M.

    Santos; M. A A Souza & M. L. Silveira, org.), p.15-20, So Paulo: Hucitec.

  • 20

    SILVA L J, 1997. O conceito de espao na epidemiologia das doenas infecciosas. Cadernos de Sade Pblica 13(4):585-93.

    SILVA L J, 1985. Organizao do Espao e Doena. In: Textos de apoio: Epidemiologia 1 (J. Carvalheiro, org.), Rio de Janeiro: Escola Nacional de Sade Pblica/ABRASCO.

    SOJA EW, 1993. Geografias Ps-Modernas. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar. SORRE M, 1943. Les Fondements de la Gographie Humaine. Paris: Armand Colin. SOUZA MJ L, 1995. O Territrio: sobre espao e poder, autonomia e desenvolvimento. In:

    Geografia: Conceitos e Temas (I. E. Castro; P. C. G. Costa & R. L. Corra, Roberto, org.), Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

    UNGLERT CVS, 1999. Territorializao em Sade. In: Distrito Sanitrio. O processo social de mudana das prticas sanitrias do Sistema nico de Sade (E. V. Mendes, org.) So Paulo- Rio de Janeiro: Hucitec-Abrasco.