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ADRIANA PISCITELLI IHSÂ"07/11EIR,O.S 7,0 71.47~41 4: 9ê em e ~taco. ' Novo Dicionário Aurélio cia Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986. Algumas questões que retomo aqui foram, além de discutidas no Grupo de Estudos do PAGU, do qual participaram, em diferentes momentos, Carla Bassanezi, Karla Bessa, Mariza Corrêa e Suely Kofes, apresentadas no Grupo de Trabalho Relações de Gênero do XX Encontro ANPOCS, Caxambu, 1996. Agradeço às participantes e debatedoras desses encontros pelas diversas sugestões. Verbete: natural' (Do lat. naturale.) Adj. 2 g. De, ou referente à natureza. Produzido pela natureza. Em que não há trabalho ou intervenção do homem. Que segue a ordem regular das coisas; lógico. Inato, ingênito, congênito. Próprio do instinto; instintivo. Próprio, peculiar. Não estudado ou calculado; sem artifício; desafetado, espontâneo. Provável, presumível. Nascido; originário, procedente, oriundo. Diz-se da trompa e da trombeta sem pistons. S. m. V. nativo (7). Aquele que pertence a uma certa localidade. Aquilo que é conforme a natureza. Tendência natural; índole, caráter. A realidade; o original. Sorte, destino. Mat. Número natural. Bras., N.E. Pop. Terra do nascimento; terra natal. Ao natural. Diz-se de alimento que se serve como foi colhido, sem qualquer alteração. Discussão feminista, parentesco, gênero Neste texto proponho explorar a contribuição das perspectivas feministas para pensar a relação gênero/ parentesco nas sociedades contemporâneas'. Refletir sobre essa relação nas sociedades contemporâneas levanta, pelo menos, dois conjuntos de questões. O parentesco é considerado uma instituição central nas

Transcript of IHSÂ07/11EIR,O.S 7,0 71.47~414: 9 em e ~taco.

ADRIANA PISCITELLI

IHSÂ"07/11EIR,O.S 7,0 71.47~414: 9ê em e ~taco.

' Novo Dicionário Aurélio ciaLíngua Portuguesa. Rio deJaneiro: Editora NovaFronteira, 1986.

Algumas questões queretomo aqui foram, além dediscutidas no Grupo deEstudos do PAGU, do qualparticiparam, em diferentesmomentos, Carla Bassanezi,Karla Bessa, Mariza Corrêa eSuely Kofes, apresentadas noGrupo de Trabalho Relaçõesde Gênero do XX EncontroANPOCS, Caxambu, 1996.Agradeço às participantes edebatedoras dessesencontros pelas diversassugestões.

Verbete: natural'

(Do lat. naturale.)Adj. 2 g.

De, ou referente à natureza.Produzido pela natureza.Em que não há trabalho ou intervenção do homem.Que segue a ordem regular das coisas; lógico.Inato, ingênito, congênito.Próprio do instinto; instintivo.Próprio, peculiar.Não estudado ou calculado; sem artifício; desafetado,

espontâneo.Provável, presumível.Nascido; originário, procedente, oriundo.Diz-se da trompa e da trombeta sem pistons.

S. m.V. nativo (7).Aquele que pertence a uma certa localidade.Aquilo que é conforme a natureza.Tendência natural; índole, caráter.A realidade; o original.Sorte, destino.Mat. Número natural.Bras., N.E. Pop. Terra do nascimento; terra natal.

Ao natural.Diz-se de alimento que se serve como foi colhido,

sem qualquer alteração.

Discussão feminista, parentesco, gênero

Neste texto proponho explorar a contribuição dasperspectivas feministas para pensar a relação gênero/parentesco nas sociedades contemporâneas'. Refletirsobre essa relação nas sociedades contemporâneaslevanta, pelo menos, dois conjuntos de questões. Oparentesco é considerado uma instituição central nas

HOWELL. Signe e MELHUUS,Marit. The Study of Kjnship;the Study of Person; a Studyof Gender? ln: DEL VALLE.Gendered Anthropology.Nova Iorque: Routledge,1993, p. 39-53.

sociedades "primitivas" e problemática, em termos deconceitualização teórica, nas sociedades contemporâ-neas. A dificuldade consiste em dar-lhe uma magnitudeapropriada comparando-o com aqueles sistemas deoutras culturas nas quais as categorias de parentescoaparecem como uma linguagem através da qual asociedade é organizada e regulada. Nas sociedadesditas primitivas, o parentesco aparece como um marcosignificativo para a organização da sociedade, dosinteresses políticos e econômicos. Nas sociedadesmodernas, onde há uma separação de domínios sociaisque entre os "primitivos" estão imbricados uns nosoutros, o parentesco não deveria ser considerado comodomínio englobador de todas as relações sociais. Oparentesco, portanto, não poderia ser tratado como o énos grupos "primitivos". Uma vez que o parentescoparece "reduzir-se", nas sociedades modernas, às"relações familiares" e à vida doméstica, que sentidofaria, nesses casos, pensar em termos de parentesco?

A antropologia outorga grande importância aoparentesco - que assume um lugar fundamental nacompreensão das sociedades primitivas -, pois consi-dera as relações de parentesco estruturantes da vidasocial, no sentido em que estrutura a sociedade -cosmologia, economia, organização política, institu-cional. Entretanto, o sentido do conhecimento antropo-lógico não se limita à compreensão dos "primitivos".Trata-se de colocar em perspectiva diversas culturas, as"outras" e, supostamente, a do antropólogo, com oobjetivo de alcançar uma compreensão universal dosocial. Nesse sentido, justifica-se o trabalho com paren-tesco, à maneira de instrumento que possibilite traçaressa perspectiva.

A relação entre parentesco e gênero colocaoutras questões. Na medida em que as teorias deparentesco tratam das relações estabelecidas entrehomens e mulheres, elas são inerentemente marcadaspelo gênero (gendered). Entretanto, algumas feministas/antropólogas chamam a atenção para o paradoxopresente nessas teorias. Essas autoras consideram que amaneira como as teorias de parentesco tratam dasrelações entre homens e mulheres diz pouco sobre ogênero nas sociedades que descrevem. Isto é, osvalores inerentes à masculinidade e à feminilidade nasideologias matrimoniais e nas práticas de parentescoteriam sido pouco investigadas'. Para elas, a questãoseria desenvolver um trabalho com parentesco queincorporasse essa perspectiva de gênero.

Aproximar-me dessas questões exige prestaratenção aos argumentos de algumas autoras queparticipam do debate feminista. Minha intenção é

4 Vale a pena lembrar que,na perspectiva de Dumont,há duas teorias deparentesco que não devemser confundidas: a teoria da"descendência" e a teoriada aliança. Segundo oautor, a primeira se baseariana descendência, conceitoque difere nos diversosteóricos da escola inglesa.Em Rivers, por exemplo, otermo descendência sereferiria à transmissão daqualidade de membro deum grupo. Em Radcliffe-Brown, a idéia de descen-dência seria um poucodiferente: o importante sãoos direitos e sua transmissão,que devem ser definidos demaneira que garantam apermanência da sociedadeindependentemente dacontínua renovação dosindivíduos. A teoria daaliança matrimonial, em seuaspecto restringido, sereferiria às sociedades quepossuem regras positivasrelativas à escolha decônjuge desde o ponto devista do parentesco. Essateoria integrar-se-ia numateoria geral do parentesco,centrada numa interpreta-ção estrutural da proibiçãodo incesto. DUMONT, Louis.Introducción a dos Teoriasde la Antropologia Social.Barcelona: EditorialAnagrama, 1975.5 É o caso de Gayle Rubin,cuja formulação dossistemas sexo/gêneroinspirou as versões dosconceitos de gênero queperpassaram os escritosfeministas, em diversasdisciplinas, até a beiradados anos 90. RUBIN, Gayle.The Traffic in Women. Noteson the "Political Economy"of Sex. In: REITER, Rayna(ed.): Toward anAnthropology of Women.Nova Iorque: MonthlyReview Press, 1975.

apenas considerar alguns textos de autoras anglo-saxãs,publicados entre as décadas de 1970 e 1990, que meparecem relevantes na medida em que sintetizamtendências diferenciadas que marcaram, em diferentesmomentos, a discussão. Devo deixar claro, entretanto,que, embora meu percurso seja mais ou menos cronoló-gico, não pretendo sugerir que haja fases ou etapas naprodução feminista.

Esses textos provocaram-me inquietações sobre asquais farei alguns comentários. As autoras compartilhama obsessão feminista pela "desnaturalização". Tratamde compreender como os processos de construção deidentidades e de laços sociais aparecem como seancorados na natureza, na biologia ou em algumainstância divina. Entretanto, as diferenças que as auto-ras apresentam nas maneiras de pensar em sexo,gênero e parentesco levantam alguns pontos sobre asfronteiras do "natural".

As autoras escolhidas estabeleceram diálogos,em momentos diferentes, com diversas perspectivasteóricas. Lévi-Strauss, Radcliffe-Brown, Fortes, Schneidersão autores fundamentais com os quais elas discutem enos quais se inspiram. Na verdade, o diálogo se estabe-lece basicamente com as duas teorias do parentesco ecom uma perspectiva desconstrutivista dessas teorias'.Refletir sobre os argumentos dessas autoras, no marcodas preocupações enunciadas, exige, é claro, contex-tualizar essa produção, concedendo atenção à discus-são feminista em sentido amplo.

A discussão teórica feminista é, necessariamente,interdisciplinar. Um dos seus maiores atrativos reside,precisamente, no esforço conjunto que, atravessandofronteiras, é realizado por autoras que trabalham noâmbito de horizontes disciplinares diversos. O interesseno parentesco, entretanto, está presente, sobretudo, naprodução de antropólogas. Refletir sobre a contribuiçãodessas autoras levanta diversas questões, algumas dasquais mostram tensões presentes na discussão feminista.É possível perceber que diversas antropólogas e, sobre-tudo, aquelas interessadas no parentesco, exerceram,na década de 1970, uma influência marcante nessedebates . As primeiras formulações do conceito degênero das perspectivas feministas contemporâneasdevem muito à antropologia feminista. Entretanto, nosanos 90, a produção das antropólogas tende a ser(respeitosamente) evitada. Essa tendência é intrigante,levando em consideração que as elaborações recentesdessas autoras, formadas numa disciplina constituídaprestando atenção à diferença, tão cara às feministas,oferecem perspectivas promissoras para o trabalhodesconstrutivo da "naturalização das desigualdades".

A contribuição das antropólogas inspiradas nofeminismo para pensar na relação aqui proposta éimportante sob diversos aspectos. Prestar atenção aessa produção abre caminhos para refletir sobre temasfundamentais não apenas para a antropologia, ,maspara diversas perspectivas disciplinares. Ao mesmotempo, possibilita refletir sobre a particular inserção dasantropólogas na discussão feminista em sentido amplo.

Sistemas de sexo/gênero

6 RUBIN. Op. cit., p. 179.Vide, além de REITER, op.

cit., ROSALDO, Michelle eLAMPHERE, Louise. Woman,Culture and Society.Stanford University Press,1974; HARRIS, Olivia eYOUNG, Kate (orgs.).Antropologia e Feminismo.Barcelona: Anagrama 1979,p. 19-20. Esta últimacoletânea reproduz diversostextos publicados no livro deRosaldo e Lamphere,incorporando, além disso,outros textos.'Embora o termo gênero Jáfosse utilizado, a partir daconceitualização de Rubincomeçou a difundir-se comuma força inusitada. Otermo foi aplicado àdiferença sexual pelaprimeira vez em linhas depesquisa desenvolvidas porpsicólogos estadounidenses.O termo identidade degênero foi introduzido pelopsicanalista Robert Stollerem 1963, no CongressoPsicanalítico de Estocolmo.Stoller formulava o conceitoda seguinte maneira: o sexoestá relacionado com abiologia (hormônios, genes,sistema nervoso, morfologia)e o gênero com a cultura(psicologia, sociologia). Oproduto do trabalho dacultura sobre a biologia eraa pessoa "acabada`gendered, homem oumulher. HARAWAY, Donna.Gender for a MarxistDictionary In: SymiansCyborgs and Women. TheReinvention of Nature. NovaIorque: Routledge, 1991.

"Os sistemas de parentesco... transformammachos e fêmeas em homens e mulheres, cadaum, uma metade incompleta que só adquirecompletude quando unida com a outra"6.

Gayle Rubin trabalhou, na década de 1970, coma relação gênero/parentesco no marco das preocupa-ções feministas que se expressavam, na época, numaquestão que foi amplamente debatida: a subordinaçãouniversal das mulheres. Este problema inspirou uma sériede artigos reunidos em coletâneas que se tornaramclássicos da antropologia feminista da época. Nessestextos, as autoras criticam diversas tradições do pensa-mento antropológico, considerando-as incapazes deincluir, de maneira adequada, as mulheres na análisesocial'. As autoras pensam que essas perspectivasapresentam as mulheres apenas como seres marginaisou intermediadores numa sociedade concebida comoexclusivamente masculina.

Introduzindo sistematicamente a dimensãopolítica na relação entre os sexos e questionando tantoperspectivas estruturalistas como funcionalistas, diversasautoras inseridas no debate olham criticamente para os"universais" presentes nas análises antropológicas,reivindicando outorgar especial importância à observa-ção das diferenças reais entre as sociedades. Essasdiferenças adquiririam particular relevância uma vezque, para elas, olhar apenas para os universais jogariaas mulheres numa esfera a-histórica impermeável àobservação de mudanças. Ao mesmo tempo, essaprodução permite perceber que, de maneira contradi-tória, uma série de universais, tais como a oposiçãonatureza/cultura, aos quais se associam as preocupa-ções com as relações de poder entre os sexos, perpas-sam os textos. A subordinação das mulheres passa a serpensada também como um universal, passível de serexplicado pela associação das mulheres à natureza edos homens à cultura.

O texto de Rubin, O Tráfico das Mulheres, marcou,na época, a discussão das académicas feministas,.

Rubin, pensando dentro do quadro da diferenciaçãonatureza/cultura, se perguntava quais seriam as rela-ções sociais que convertiam as "fêmeas" em "mulheres(domesticadas)". Ela procurou a resposta numa leituracrítica de autores - sobretudo Lévi-Strauss e Freud - que,prestando atenção à diferença sexual, discutem comose produz a passagem da natureza à cultura9.

A autora localiza o sistema de sexo/gênero, "umconjunto de arranjos através dos quais a matéria primabiológica do sexo humano e da procriação é modela-da pela intervenção social humana", precisamente notrânsito entre natureza e cultura e no espaço da sexuali-dade e da procriação. Embora questionando aspectosdos trabalhos dos autores acima mencionados, Rubinutiliza as ferramentas conceituais que eles oferecem.Sua intenção é utilizá-las para desenvolver, de maneiramais apropriada, a definição do sistema sexo/gênero.Assim, seria possível descrever a parte da vida socialque seria o locus da opressão das mulheres, das mino-rias sexuais e de alguns aspectos da personalidadehumana nos indivíduos.

Rubin pensa o intercâmbio de mulheres levistraussiano- um dos princípios fundamentais do parentesco, nateoria desse autor - como conceito que situa e "explica"a opressão das mulheres dentro dos sistemas sociais.Explica, no sentido em que, para ela, o intercâmbio demulheres não seria uma definição de cultura, nem umsistema em si mesmo, mas a percepção de certosaspectos das relações sociais de sexo e gênero cujoresultado é a ausência de plenos direitos para asmulheres. Para Rubin, o intercâmbio de mulheres seriaum primeiro passo para a construção de conceitosatravés dos quais pensar a subordinação das mulheres,na medida em que mostraria essa subordinação comoproduto das relações através das quais sexo e gênerosão organizados e produzidos. Isto leva a autora apensar na necessidade de estudar cada sociedadepara determinar os mecanismos através dos quais asconvenções da sexualidade se produzem e se mantêm.

A leitura que Rubin faz do intercâmbio de mulhe-res tem recebido inúmeras críticas que não repetireiaqui 10. No contexto da discussão feminista, talvez omaior mérito desse ensaio resida em que, discutindocomo operam os sistemas de sexo e gênero, Rubinmostra um deslocamento importante dentro da discus-são desenvolvida na época. O conceito (sistema sexo/gênero), oferecido como categoria alternativa aopatriarcado, ao exigir compreender realidadesempíricas diversas, os contextos específicos nos quaisesse sistema opera, se contrapõe ao suposto de umaopressão estática".

Nas palavras da autora, "apassagem de fêmea, comose fosse matéria prima, àmulher domesticada".

II, Esta interpretação dointercâmbio de mulherestem sido questionada, entreoutros, pelo próprio Lévi-Strauss. Vide as críticascolocadas por Heilborn epor Viveiros de Castro.Heilborn questiona a leiturada autora de uma visão dasociedade na qual a troca éum pressuposto daorganização socialopressora de parcelas dahumanidade ou dasexualidade. Heilborn cita acrítica de Viveiros de Castrosobre a concepção deintercâmbio de mulherescomo "troca de pessoas",pois o que efetivamente setrocaria nos sistemasculturalmente determinadosde aliança são'propriedadessimbólicas, direitos, signos,valores, por meio depessoas. HEILBORN. MariaLuiza. Gênero e Hierarquia. Acostela de Adão revisitadaIn: Revista Estudos Feministas." Nesse sentido, as críticasque a autora formula aoconceito patriarcado sãoextremamente pertinentes.Ela chama a atenção páraa necessidade de manter adistinção entre a capacida-de e necessidade de criarum mundo sexuado e asformas empiricamenteopressivas através das quaisesse mundo se organiza. Essadistinção seria obscurecidapelas formulações dopatriarcado. Os "sistemassexo e gênero", aocontrário, mostrariam asrelações sociais que osorganizam. RUBIN. Op. cit.,p. 168.

Interessa-me reter alguns aspectos do trabalho deRubin. Eles são importantes na medida em que permi-tem perceber os pontos de ruptura que outras autoras,trabalhando com a relação gênero/parentesco, terãocom ela. A leitura que Rubin faz dos autores com osquais trabalha não a afasta dos pressupostos teórico-metodológicos desses autores. Ao contrário, para"desnaturalizar" a subordinação das mulheres, elapropõe, explicitamente, "imitá-los", "nos métodos, nãonos resultados" 12 , A autora pensa em termos de univer-sais e opera com uma série de dualismos - sexo/gênero,natureza/cultura -, que se tornarão alvo das críticasfeministas posteriores. Este aspecto, assim como o fatode discutir aspectos da teoria da aliança, diferencia aautora de outras teóricas anglo-saxãs que, nas décadasseguintes, se ocupam do tema.

Rubin não reduz o parentesco à "reproduçãobiológica", nem supõe que as teorias do parentesco ofaçam. Ao contrário, destina páginas inteiras a mostrarcomo o status socialmente definidos pelo parentescotem precedência sobre o biológico. Para ela, os siste-mas de parentesco estão feitos de e reproduzem formasconcretas da sexualidade socialmente organizada, maseles são e fazem muitas outras coisas. Da mesmamaneira, no que se refere à diferença sexual, a culturase sobrepõe à natureza. Na perspectiva da autora, se anatureza fornece dados, esses dados mostrariam que adiferença é, sobretudo, cultural. Isso é claramenteexpressado na seguinte frase:

"Homens e mulheres são, é claro, diferentes. Masnem tão diferentes como o dia e a noite, a terra e océu, yin e yang, vida e morte. De fato, do ponto devista da natureza, homens e mulheres estão maispróximos entre si do que de qualquer outra coisa - porexemplo, montanhas, cangurus ou coqueiros. A idéia deque homens e mulheres diferem mais entre si do que emrelação a qualquer outra coisa deve vir de algum outrolugar que não (seja) a natureza... longe de ser a expres-são de diferenças naturais, a identidade de gênero é asupressão de similaridades naturais13.

Para Rubin, o parentesco criaria gênero. Seguin-do, até certo ponto, os argumentos de Lévi-Strauss 14 noque se refere às pré-condições necessárias para aoperação dos sistemas de casamento, ela considera.que o parentesco instaura a diferença, a oposição,exacerbando, no plano da cultura, as diferençasbiológicas entre os sexos. Os sistemas de parentesco,formas empíricas e observáveis de sistemas sexo/gênero, cujas formas específicas variariam através dasculturas e, historicamente, envolveriam a criação socialde dois gêneros dicotômicos, a partir do sexo biológico,

13 Ibid, p. 169.

13 RUBIN, Gayle. Op. cit., p.179. Tradução minha.13 LÉVI-STRAUSS, Claude. AFamilia, Origem e Evolução.Porto Alegre: Editorial VillaMarta, 1980.

''Rubin é freqüentementecitada na produçãofeminista, sobretudo, peladistinção sexo/gênero. Semdúvida, há exceções. JudithButler, resgatando um dosmelhores insights de Rubin, éuma delas. Sua formulaçãocrítica da "matriz heterosse-xual" deve muito a essaautora assim como a outraspensadoras feministas(Wittig, por exemplo) queutilizaram essa noção.BUTLER. Gender Trouble.Feminism and the Subversionof Identity. Nova Iorque:Routledge, 1990.16 Chamo a atenção paraessa indagação porque meparece significativa namedida em que anunciauma das questões que setornaram centrais nosestudos de gêneroposteriormente desenvolvi-dos. As perspectivas dasfeministas "brancas" sobre opapel das mulheres "negras"na família, consideradascomo "racistas", foramobjeto de intenso debate.Vide AMOS, Valerie ePARMAR, Pratibha.Challenging ImperialFeminism, Feminist Review, n°17, July, 1984, p. 3-32;BARRETT, Michèle eMCINTOSH, Mary.Ethnocentrism and Socialist-Feminist Theory, FeministReview, n°. 20, June 1985, p.23-49 e BHAVNANI, Kum Kume COULSON, Margareth.Transforming Socialist-Feminism: the challenge ofracism, Feminist Review, n°23, June, 1986.

uma particular divisão sexual do trabalho, provocandoa interdependência entre homens e mulheres, e aregulação social da sexualidade, prescrevendo oureprimindo arranjos divergentes dos heterossexuais.Desta maneira poder-se-ia dizer que, para a autora, ogênero é um imperativo da cultura, que opõe homens emulheres através do parentesco.

No que se refere à importância dos sistemas sexo/gênero nas sociedades contemporâneas, Rubin mostraalgumas ambivalências. Por um lado, a autora afirmaque a organização de sexo e gênero, no passado,organizava a sociedade e hoje, esvaziada das funçõesdo passado, apenas se reproduz a si mesma. Mas Rubintambém afirma que parentesco e casamento, partede sistemas totais, fazem sempre parte de relaçõesinseridas em "arranjos" políticos e econõmicos. Oprograma de pesquisa proposto pela autora, incluindonele as sociedades contemporâneas, é a compreen-são da relação dos sistemas sexuais com os diversosaspectos do social.

Em termos do debate antropológico, as formula-ções de Rubin foram rapidamente rebatidas. No âmbitoda discussão feminista, Rubin tornou-se inspiradora dediversas linhas de trabalho, orientadas pela distinçãosexo/gênero, não necessariamente centradas noparentesco15.

À medida que se difundia o trabalho com gênero,a produção feminista preocupada com a reproduçãodas convenções de sexo e género desenvolveu umalinha importante de crítica à famfiia, fervilhante no finalda década de 1970, para a qual convergiram sociólo-gas, historiadoras, psicólogas e antropólogas. Essaprodução mostra que o sistema de sexo e gêneroformulado por Rubin, plenamente incorporado, operavacomo fórmula orientadora. A questão básica colocadanaquele momento era dar conta das experiências desubordinação. A idéia era, através de diversos procedi-mentos, obter elementos para desafiar a fixidez dafamília, uma entidade que aparecia, no debate públi-co, como sempre similar em forma e conteúdo e,desnaturalizando-a, mostrá-la como entidade organiza-da através de estruturas hierárquicas de sexo, gênero egeração. Ao mesmo tempo, indagaram-se sobre asrelações que o gênero poderia estabelecer com idade,classe e raça'''. Considerando o gênero como umacategoria básica de análise, as feministas procuraramsubmeter a família a análises históricas e sociais. Ascríticas formuladas atacaram aspectos das teoriassociais que, para as autoras, conferiam esse halo deimutabilidade à família. Questionaram-se não apenas ospressupostos sobre a naturalidade da família, em termos

" Vide os textos dasConferências de Stanford,em 1979, publicados em:THORNE, Barrie e YALOM,Marilyn. Rethinking theFamily. Some FeministQuestions. Nova Iorque:Longman, 1986, particular-mente YANAGISAKO, Sylvia,ROSALDO, MIchelle eCOLLIER, Jean. Is There aFamily? NewAnthropological Views.

COLLIER, Jane eYANAGISAKO, Sylvia. Genderand Kinship. Essays toward aunified analysis. Stanford:Stanford University Press,1987.

biológicos, mas também argumentos funcionalistassobre a família", considerando que essas análises -particularmente as de Parsons - "congelavam" um idealde família na linguagem dos papéis, transmitindo idéiasfixas e dicotômicas, obscurecendo o conflito e asdiferenças de poder.

As críticas levantaram outro ponto, particularmen-te relevante: consideraram que um dos recursos utiliza-dos para dar à família essa forma monolítica e singularera subsumir nesse termo diversos elementos. O paren-tesco, os núcleos domésticos e as concepções sobredomesticidade propriamente dita, desapareceriam soba denominação de família. Como parte do processo dedesnaturalização da família, algumas antropólogasprocuraram re-direcionar as análises, pensando-a nocontexto das relações de parentesco.

Esta síntese dos questionamentos levantadospelas feministas antropólogas permite perceber que oque estava sendo pensado como naturalizador nãoeram apenas os argumentos biologizantes. As perspecti-vas teóricas - no momento, tratava-se do funcionalismo -vistas como incapazes de dar conta de mudanças etransformações, aquelas que apresentassem diversosaspectos associados ao gênero como estáticos, tam-bém eram consideradas naturalizantes. Entretanto, adistinção natureza/cultura ainda se sustentava: osistema sexo/gênero continuava sendo pensado comodesnaturalizador. É interessante perceber que o interessefeminista no parentesco foi retomado na segundametade da década de 1980, no contexto dos sériosquestionamentos que se foram alinhavando em tornodos supostos que embasaram a distinção sexo/gênero.

Desnaturalizando o parentesco

"„.gênero e parentesco constroem-se mutuamen-te. Nenhum pode ser tratado como analiticamen-te anterior ao outro porque são percebidos (arerealized) conjuntamente em sistemas culturais,econômicos e políticos particulares"'8.

Algumas das autoras presentes na discussãofeminista intervieram intensamente no debate, durantequase duas décadas, com uma produção particular-mente sugestiva, que permite refletir sobre deslocamen-tos significativos nas perspectivas teóricas feministas. Ostrabalhos de Sylvia Yanagisako e de Marilyn Strathernmostram esses deslocamentos no que concerne àdiscussão sobre gênero e parentesco.

Na segunda metade da década de 1980,Yanagisako e Collier publicaram Gender and Kinship.

Op. cit.. Vide MOORE,Henrietta. A Passion forDifference. Indiana UniversityPress, 1994, p. 12-14;STOLCKE, Verena. Is Sex toGender as Race toEthnicity? In: DEL VALLE,Teresa. Op. cit., p. 22-24 eHOWELL Signe e MELHUUS,Marit. The Study of Kinship;the Study of Person; a Studyof Gender? In: DEL VALLE.Op. cit., p. 39-53.

20 00LLIER, Jane eYANAGISAKO, Sylvia. Op. cit.,p. 2-5.

21 SCHNEIDER, David. ACritique of the Study ofKinship. The University ofMichigan Press, 1984.

Essays toward a unified analysis, uma coletãnea extre-mamente citada na literatura feminista que trata dogênero"). Nesse livro, Yanagisako e Collier confrontamabertamente supostos presentes tanto nas teorias deparentesco como muitas das formulações teóricasfeministas. Num caminho oposto ao de Rubin, queelaborou sua formulação dos sistemas sexo/gênero apartir das teorias de parentesco, as autoras questionamessas teorias a partir de reflexões estimuladas pelapercepção da maneira como o gênero opera emdiversas sociedades2°.

A proposta das autoras é revitalizar o estudo doparentesco e situar o estudo do gênero no centroteórico da antropologia, questionando a fronteira entreparentesco e gênero, enquanto dois campos de estudo.Yanagisako e Collier afirmam que, embora intimamenteligados, gênero e parentesco não constituiriam doisdomínios de análise. Comentarei em seguida os proble-mas envolvidos nessas afirmações. Antes disso querocompletar seus argumentos, detendo-me primeiro noautor no qual essas antropólogas procuram inspiração,David Schneider, quem, na opinião delas, teria assenta-do as bases para desnaturalizar o parentesco.

Schneider afirma que o saber antropológico sobreo parentesco - e engloba aqui tanto os teóricos dadescendência como os da aliança - deriva intimamentedas próprias noções culturais das sociedades nas quaisse formaram os antropólogos. Perguntando-se o motivopelo qual a reprodução assume um lugar central entreas instituições privilegiadas para o estudo da sociedade,o autor chega à conclusão de que o problema residena maneira como os cientistas europeus utilizaram suaprópria cultura nativa como fonte nas maneiras deformular e compreender o mundo. Na cultura ocidental,os laços de sangue assumem um lugar fundamental. Aquestão seria perguntar-se até que ponto isso aconteceem todas as culturas. A maneira de descobri-lo seriacompreender os símbolos e significados que configuramculturas particulares, evitando a contaminação dospróprios supostos nativos dos antropólogos.

Como saída, Schneider propõe tomar o parentes-co como uma questão empírica, não como um fatouniversal, partindo de uma hipótese de trabalho queindague sobre de que trata o parentesco. Não sepoderia mais assumir que a cadeia genealógica éuniversal ou que tem o mesmo valor e significado emtodas as culturas21.

Yanagisako e Colher seguem vários dos caminhosapontados por Schneider, incorporando uma preocupa-ção específica pelo gênero. Revisam criticamente asdicotomias analíticas que informaram os estudos de

22 0p. cit., p. 29.

parentesco e os estudos de gênero. A análise dasoposições estabelecidas entre natureza/cultura, domés-tico/público e produção/reprodução leva-as a concluirque esses dualismos, assim como os conceitos queinformam as teorias de parentesco, assentam-se nummesmo suposto. Este seria o de que a diferença biológi-ca na reprodução sexual seria universalmente centralnas relações entre homens e mulheres.

As autoras consideram que gênero e parentesco,conceitualizados como dois campos distintos de estudo,constituiriam, de fato, um único campo, na medida emque foram definidos por uma única concepção nativados antropólogos: os fatos biológicos da reproduçãosexual. Yanagisako e Colher afirmam que as teoriassobre parentesco são, ao mesmo tempo, teorias nativas- dos antropólogos - da reprodução biológica e esta-riam marcadas por supostos sobre o gênero. Ao mesmotempo, as formulações sobre gênero, inclusive asfeministas, se baseariam na definição de homens emulheres a partir de sua função na reprodução biológica.

Uma questão central na reflexão das autoras é,portanto, a necessidade de atacar - e desmontar - ospressupostos que fazem com que as unidades fundamen-tais do gênero, homens e mulheres, e as do parentesco,cadeia genealógica, sejam vistos como existindo forada cultura; a diferença como dada e tratada como fatopré-social22 . A estratégia analítica centra-se em impedirque male e female sejam pensados como duas catego-rias naturais de seres humanos cujas relações seestruturam, em todo lugar, pela sua diferença biológica.

A idéia é que, reconhecendo que essas categori-as se definem de formas diferentes em sociedadesespecíficas, elas não poderiam continuar sendo consi-deradas, a priori, como categorias universais sobre asquais se constroem relações particulares de hierarquiade gênero. Como conseqüência, a análise se deslocariapara os processos sociais e simbólicos, através dos quaisessas categorias são construídas. Esse tipo de análise,voltado para a cultura a que pertencem os antropólo-gos, mostraria como esses processos fazem com quegênero e parentesco apareçam como auto-evidentes ecomo campos de atividade "natural". No que se refereao gênero, a pergunta a ser colocada seria: como associedades particulares definem a diferença? No que serefere ao parentesco, seria necessário perguntar-se:como as sociedades específicas reconhecem direitos ealocam responsabilidades?

Há vários aspectos problemáticos nas afirmaçõesdas autoras. Yanagisako e Colher referem-se a diversosteóricos do parentesco. Entretanto, forçam e simplificamseus argumentos, ignoram as diferenças importantes

" As autoras, contrapondo-se à idéia (estrutural-funcionalista) de sociedadecomposta por uma série dedomínios análogos nafunção, embora nãonecessariamente à forma, àsinstituições de nossasociedade, questionam aidéia de parentesco comodomínio específico.24 É importante lembrar aquique em Gender andKinship..., e apesar dediversas ambigüidades,Yanagisako e Collierquestionaram as teoriasclássicas do parentesco,mas o fizeram mantendo-senos termos do debate"moderno". Suas propostaseram formuladas em termosde totalidades sociais,propunham modelossistêmicos e consideravaminevitável a análisecomparativa.25 Recurso que ofereceresultados extremamenteinteressantes para desven-dar pressupostos e relaçõesentre conceitos. Pensoconcretamente na maneiracomo Strathern pensa nogênero, em The Gender ofthe Gift - "o gênero refere-seà apreensão da diferençaentre os sexos, que assumeinvariavelmente uma formacategórica, tanto se osexing no corpo ou napsique de uma pessoa forconsiderada inata como senão for" (Whether or not thesexing of a person's body orpsyche is regarded asinnate, the apprehension ofdifference between "thesexes" invariably takes acategorical form, and it isthis to which gender refers) -,ou no parentescoeuroamericano, emNecessidade de Pais... - amaneira como oseuroamericanos pensamsobre a formação derelacionamentos íntimosbaseados na procriação.Parece-me que ambasconcepções mantêm o

entre suas perspectivas - e nisto seguem, sem dúvida,David Schneider -, e deixam de lado, em particular, asperspectivas da teoria da aliança. Isto torna-se evidentenas passagens nas quais as autoras explicitam o queentendem por parentesco - sistema de direitos e deve-res para a reprodução organizada da vida humana.

A argumentação interna ao texto remete a outrosproblemas. Um deles reside nas ambigüidades presentesna concepção de gênero e parentesco como um únicocampo (field) de estudo. Na minha opinião, isto não sejustifica sobre a base dos argumentos levantados pelasautoras, ou seja, por ambos estarem tingidos por ummesmo pressuposto ou pela necessidade de criticar aconcepção de domínios funcionais que tendem aseparar o estudo do parentesco23 . Yanagisako e Collieroptam, à maneira de Schneider, pela idéia de domíniocultural. Pensando em termos dos significados atribuídosàs relações e ações de parentesco, consideram que oparentesco não seria isolável, uma vez que essessignificados perpassariam uma série de domínios cultu-rais - religiosidade, nacionalidade, gênero, classe.Parece-me que, em termos de significados, o parentes-co e, sobretudo, o gênero não são isoláveis. Mas, numaperspectiva que procura trabalhar com o parentescocomo empírico para não atribuir aos "outros" os signifi-cados presentes na cultura ocidental, é contraditórioresolver aprioristicamente as relações entre domínios.

Minha última inquietação refere-se precisamenteà formulação das questões antropológicas em termosempíricos. Compreendo as preocupações que levam asautoras a procurar trabalhar com o máximo de cautelae nos termos mais neutros possíveis. Mas, perguntar-se sobrecomo as sociedades definem a diferença remeteria aogênero? Perguntar-se sobre como as sociedades reco-nhecem direitos e obrigações remeteria ao parentesco?

Uma proposta que proponha pôr em perspectiva,através do conhecimento de outras culturas, a culturado antropólogo - e os supostos que a embasam -, comome parece que é a das autoras, exige elementos paracriar essa perspectiva". Nesse sentido, é necessáriooperar com alguns conceitos básicos, embora abrindopossibilidades para que adquiram outros alcancesanalíticos. No que se refere a pensar o parentesco, ou ogênero, como empíricos, há estratégias utilizadas porStrathern mais apropriadas para conseguir esse objetivo.Penso no recurso de utilizar as concepções nativas doantropólogo, sabendo que disso se trata, iluminando-asa partir de outras concepções nativas. Nesse sentido,perguntar-se apenas sobre a diferença não permitiriapôr "em perspectiva" a partir do gênero nem sobre"direitos e obrigações" a partir do parentesco25.

referencial nativo doantropólogo mas sãotrabalhadas a partir daperspectiva oferecida pelaanálise de outras concep-ções. STRATHERN, Marilyn.Necessidade de Pais,Necessidade de Mães,Revista Estudos Feministas, p.303, n° 2/95.

26 HOWELL e MELHUUS. Op.cit., p. 44-46.

27 Outras reações à propostade Yanagisako e Colherparecem, ao contrário,exigir uma maiorradicalização. Stolcke, porexemplo, questiona oestatuto que o biológicoassume na proposta dasautoras. Ela considera quedeixaram de questionar quea biologia e a fisiologia e,portanto, a natureza comotal, são conceitualizaçõessociopolíticas. Isto resultariaevidente à luz das revisõesda história da biologia, daembriologia e das imagensdo corpo. Vide STOLCKE,Verena. Is Sex to Gender asRoce to Ethnicity? In: DELVALLE, Teresa. GenderedAnthropology. Nova Iorque:Routledge, 1993, p. 22.

A proposta das autoras em relação ao gêneromarcou, no momento da publicação do texto, odebate feminista. O impacto, nesse sentido, foi maiorque aquele decorrente das críticas às teorias de paren-tesco. Isto talvez se deva, como afirma Stolcke, ao fatode que os antropólogos, na atualidade, tendem areconhecer que as teorias sobre a concepção e sobre oparentesco são muito mais culturais que biológicas.Entretanto, as autoras enfrentaram reações adversastambém no que se refere ao gênero. Entre elas, algumasmostram ambigüidades no que se refere a aceitar umaseparação total do sexo. Howell e Melhuus exemplificamessas reações. Estas autoras, que também se preocu-pam com a relação entre sexo e gênero nas teorias deparentesco, afirmam:

"Embora as teorias sobre a procriação indubita-velmente variem de maneira muito dramática, isto nãosignifica que as diferenças fisiológicas entre homens emulheres não sejam universalmente reconhecidas. Emtermos antropológicos, o que interessa é de que manei-ra esse fato é utilizado para criar significados e valores.(.,.) O que devemos evitar é, impensadamente, manteros limites de nossas próprias dicotomias quando confron-tamos outras (alien) construções"26.

De fato, Yanagisako e Collier propõem pensar emgênero de uma maneira tão aberta que parecemeliminar a diferença sexual como referência para o gênero.Nesse caso, compartilho o desconforto, pois acho que,perdendo-se o que é percebido como diferença sexual- parafraseando a Strathern, seja ela pensada comoinata ou não - perde-se também o gênero27.

A discussão dos mesmos supostos que conduzirama contestar as raízes biológicas do gênero foram deslo-cando o debate das feministas antropólogas sobreparentesco. O questionamento às explicações univer-sais, a extrema valorização das categorias nativas e aescrupulosa insistência em desvendar os pressupostosque informam as teorias antropológicas encaminharama discussão para outros caminhos. Nesse percurso, asreelaborações das teóricas feministas, aprofundando-senos supostos que embasam as teorias clássicas, sedeslocam das formulações concretas das teorias deparentesco para as formulações sobre cultura e as(novas) maneiras como é pensada a natureza. Nesseprocesso, também se desloca a polêmica centralidadeque o gênero assumiu nos textos da década de 1980.

As fronteiras do natural

Nos anos 90, a discussão das feministas antropólo-gas anglo-saxãs sobre parentesco volta-se, recorrente-

" Na primeira metade dadécada de 1990, MarilynStrathern publicou dois livrosnos quais analisa oparentesco euro-americano.Num deles, After Nature...,no qual reconhece ter-seinspirado em Schneider, aautora escreveu um "relatocultural" do parentescoinglês. Nesse livro, Strathernentrelaça uma diversidadede materiais produzidosentre 1860 e 1960 - páginasde romances, anúncios dejornal etc. - e as análisessobre o parentescoproduzidas por antropólogosingleses. Isto porque elaconsidera que o estudoantropológico do parentes-co, assim como os modelosnativos dos não antropólo-gos (das mesmas classessociais ás quais os antropólo-gos pertenciam) apóiam-sefortemente na idéia de queos sistemas de parentescoforam construídos sobrecertos fatos bem conhecidosda natureza. O conjunto domaterial iluminaria "as idéiasinglesas sobre o parentes-co". Strathern explora o queos ingleses considerariam osfatos do parentesco: aindividualidade das pessoas,a diversidade etc..STRATHERN, Marilyn. AfterNature. English kinship in thelate twentieth century.Cambrige: CambridgeUniversity Press, 1992.29YANAGISAKO, Sylvia eDELANEY, Carol (ed.).Naturalizing Power, Essays inFeminist Cultural Analysis.Nova Iorque: Routledge,1995, p. 14. Este livro foidedicado à memória deDavid Schneider.30 As autoras comentam asassociações entre anatureza e o sobrenaturalpresentes nos mitos sagradosda Criação e como algumasdelas, tais como a associa-ção entre natural/dado porDeus, natural/ordemhierárquica da criação enatural/submetido a uma

mente, para a análise da cultura euroamericana,indagando como natureza e cultura entram em rela-ção, provocando efeitos de naturalização".

Os temas que estimulam a discussão sobreparentesco são diferentes: trata-se de compreender anaturalização das "identidades fragmentadas e emconflito", resultantes da crescente circulação global daspessoas. Questões tais como o parentesco homossexuale as novas tecnologias reprodutivas provocam intensareflexão e indagações sobre o futuro da relação entrenatureza e cultura. A análise procura ir além do desven-damento dos processos sociais e simbólicos que fazemcom que género e parentesco apareçam como produ-tos naturais na sociedade euro-americana. O leque deidentidades e instituições aparentemente naturais aserem analisadas abre-se: nacionalidade, etnicidade,religião e sexualidade somam-se a gênero e parentesco.

Os textos publicados em Naturalizing Power, Essaysin Feminist Cultural Analysis, na metade da década de1990, mostram duas perspectivas. A maior parte dosartigos, através de diversos recortes empíricos, focaliza anaturalização de uma diversidade de hierarquiasinterrelacionadas. Nesse sentido, a centralidade queoutras perspectivas outorgavam à categoria gênero édeslocada nos artigos. Sylvia Yanagisako e Carol Delaney,na introdução à coletânea, parecem antecipar-se apossíveis questionamentos feministas quando, comen-tando o nexo de união entre os artigos que compõem olivro, afirmam:

"Estes (...) ensaios constituem um gênero (gene)de leitura que atravessa domínios culturais... O que ostorna um gênero de análise cultural feminista é que oestímulo para desafiar os limites dos domínios e suasafirmações de conhecimento emergiram de uma críticafeminista das verdades fixas do gênero"29.

É verdade, no entanto, que Yanagisako e Delaneypriorizam analiticamente o gênero quando dirigem suasreflexões para as bases dos quadros explicativos queessencializariam as identidades. Elas exploram as narrativasde origem euroamericanas, refletindo sobre como essasnarrativas, religiosas e científicas, naturalizaram a visãode mundo dessa sociedade. Yanagisako e Delaneyprestam atenção aos significados outorgados à nature-za nesses mitos, particularmente nos científicos, queassumiriam o lugar do sagrado para os humanistas liberais30.

Para as autoras, ao mostrar as definições degênero e os valores inerentes às teorias da procriação, aassignação do sexo e da reprodução à categoria dabiologia teria sido desafiada. O fato de demonstrar queos significados de male e female não se baseiam emdiferenças naturais impulsionaria a exploração das

ordem superior, foramincorporadas nas explica-ções científicas euro-americanas do século XIX.Op. cit., p. 2-9.31 STRATHERN, Marilyn.Reproducing the Future.Essays on Anthropology,Kinship and the NewReproductive Technologies.Nova Iorque: Routledge,1992.33 Essa questão é colocadano contexto das grandesquestões da antropologia.Strathern se indaga sobre asimplicações, para aantropologia, da incertezasobre o termo que secontrapõe ao indivíduo (asociedade) e sobre oantônimo paralelo,natureza/cultura.33 Para que os argumentosde Strathern fiquem maisclaros é necessário terpresente como eiaconceitualiza a cultura:trata-se de conexões entreconceitos, conceitos que,por sua vez estendem oudeslocam seus significadosatravés de concatenaçõesde idéias. Dito de outromodo, trata-se das maneirascomo as pessoas estabele-cem analogias entredistintos domínios de seusmundos. Na forma deconexão ou contraste, umconjunto de idéias pode serutilizado para representaroutros. Perguntar-se sobre osefeitos das inovações nocampo reprodutivo éperguntar-se sobre todo tipode relações. Novascombinações não sóestenderiam os significadosdos domínios que sejustapõem, mas poderiamter o efeito de provocarmudança de direção, ouseja, poderiam provocardeslocamentos - em ênfases,dissoluções e antecipações"rebotes" de uma área davida para outra. Oparentesco seria um dessestemas que mostramassociações.

maneiras em que esses significados articulam-se comoutras desigualdades supostamente estruturadas poroutras diferenças. A questão seria perguntar-se não sócomo essas desigualdades são naturalizadas, mas comosua distinção do gênero também é naturalizada e istolevaria ao exame crítico das fronteiras entre o gênero eoutras categorias de diferença.

Uma outra perspectiva é apresentada por Strathern,também sobre a base do parentesco euro-americano,particularmente sobre a maneira como os inglesesconcebem o parentesco. A autora tenta compreender,a partir da discussão desse parentesco, como naturezae cultura são colocados em novas e complexas relações.A preocupação pelo futuro desse par é explicitada comclareza por Strathern no contexto de suas reflexões sobrea cultura. Embora a autora discuta sobre parentesco,concretamente sobre as implicações das leis inglesasassociadas às novas tecnologias reprodutivas, suaintenção não é contribuir diretamente para o debatesobre o parentesco, mas para a reflexão sobre comoopera a cultura31 . Para Strathern, os novos tratamentosde fecundidade desestabilizariam o conceito denatureza e isto teria impacto sobre outras idéias deparentesco32. A Idéia é que a maneira como sãoconceitualizadas as mudanças no campo das novastecnologias reprodutivas afetariam outras idéias sobre oparentesco e afetariam também outras relações33.

Segundo a autora, para os ingleses, o parentescoconectaria o domínio da cultura com o domínio danatureza. Por parentesco, Strathern entende não só asmaneiras como os parentes interagem senão tambémcomo pensam que essas relações se constituem" Osingleses suporiam que formas particulares de arranjos deparentesco são específicos de sociedades particulares,e, nesse sentido, artificiais, mas considerariam comodado que tratam dos fatos naturais da vida. Esses fatosnaturais, fazer sexo, transmitir genes, dar à luz, pensados,em termos amplos, como biológicos e, mais estritamen-te, como genéticos, constituiriam a base das relaçõesde parentesco do modelo reprodutivo na cultura euro-americana35. Essas Idéias de parentesco ofereceriamuma teoria sobre a relação da sociedade humana como mundo natural. Ao pensar que o parentesco é aconstrução social dos fatos naturais, os domínios dosassuntos sociais se combinariam com o mundo natural.Entretanto, também se separariam, afirmando-se assima diferença entre ambos.

Em que sentido a reprodução "artificial" provo-caria efeitos sobre o parentesco e, decorrentemente,sobre a noção de natural, alterando o equilíbrio do parnatureza/cultura? Segundo Strathern, a idéia do paren-

Reproducing the Future...Esse texto dá a impressão deoutorgar pouca importânciaao gênero. Entretanto, ogênero recebe atenção, emsituações específicas. Eleintegra as descrições decomo melanésios e inglesesimaginam diversos aspectosde sua socialidade.Entretanto, quando o focodas reflexões da autora sedesloca para as conexõesque põem em relaçãodomínios, o gênero não estápresente. Isso acontece(acho) porque a análiseopera em outro plano."Op. cit., p. 3.36 A questão é sintetizadaquando a autora refletesobre as modificações naconcepção de paternidadenatural. "Na cultura doséculo XX, a natureza temsido crescentementeentendida como biologia...isto significou que a idéia deparentesco natural foibiologizada. O que éconsiderado como naturaladquiriu significadosespecíficos. E um desafiocolocado pelas novastecnologias reprodutivas écomo elas afetarão essessignificados no futuro. Nafala corrente, já Introduzirama distinção entre pais sociaise biológicos. Entretanto, apaternidade biológica nãoreproduz com exatidão ovelho conceito de parentes-co natural; reproduz a idéia,mas introduzindo novasdiferenças. Há uma novaambigüidade no que serefere ao que conta comonatural. O pai "natural" foiuma vez o genitor de umfilho extramatrimonial, amãe "natural", genitora deum filho entregue para aadoção. Idealmente, o pai/mãe (parent) social idealcombinava os dois tipos decredenciais.(...) As possibili-dades contemporâneas daprocriação artificialintroduzem um novocontraste entre o processo

tesco como baseado biologicamente na procriaçãointegrava os repertórios culturais nativos da Europa. Nasrelações de parentesco, a natureza representava algoimutável, intrínseco às pessoas e às coisas, qualidadessem as quais elas não seriam o que eram. Não setratava apenas de que as relações de parentescofossem consideradas como construídas de materiaisnaturais: a conexão entre o parentesco e os fatosnaturais da vida simbolizavam a imutabilidade nasrelações sociais. Nesse contexto, pensar na pater/maternidade como a implementação de uma opção eno make up genético como resultado da preferênciacultural provocaria efeitos. Esses efeitos preocupamStrathern que se indaga sobre como tudo isso operarácomo analogia (em cadeia) para outras relações'''.Para a autora, a antítese entre natureza/cultura, damaneira como modelou a vida social inglesa no pas-sado, ficaria achatada. Com a irrupção da"artificialidade" na Natureza, um dos termos (Cultura)parece consumir o outro (Natureza) como se a culturaexcedesse a si própria.

Finalizando

Encerro agora este percurso procurando retomaras questões formuladas no início do texto.

É interessante prestar atenção à crítica que JoanScott, historiadora, uma das autoras feministas maiscitadas no Brasil, faz às antropólogas. Scott afirma queelas restringem o gênero ao parentesco, focalizando onúcleo doméstico e a família como base para a organi-zação socia137 . Certamente inspirada em Rubin, a autorasustenta que faz pouco sentido reconduzir forçadamenteessas instituições à sua utilidade funcional no sistema deparentesco, ou discutir que as relações entre homens emulheres são artefatos de sistemas de parentesco (maisantigos) baseados no intercâmbio de mulheres. A críticade Scott centra-se na idéia de que é necessário traba-lhar com uma visão mais ampla sobre o gênero, queinclua não apenas o parentesco, mas também, particu-larmente no caso das sociedades complexas modernas,o mercado de trabalho, a educação, a política.

Retomando agora as críticas de Scott, consideroque, embora essa crítica possa ser compreendida, emparte, pelas ambivalências apresentadas no trabalhode Rubin, a argumentação de Scott apresenta diversosproblemas nos quais vale a pena pensar pois podemdar indícios da dificuldade de inserção da produçãodas antropólogas na discussão feminista em sentidoamplo. Scott parece operar com a noção implícita deantropologia como sinônimo do estudo das sociedades

natural e o artificial: areprodução assistida cria opai biológico comocategoria separada. Atravésdo mesmo processo, o paisocial é marcado comopotencialmente deficienteem credenciais biológi-cas. (...) O efeito é odeslocamento dos usosanteriores. Assim, o pai-natural- do futuro (...) bempoderá ser aquele que nãoexija técnicas especiais epara o qual não se precisede legislação específica.Nesse caso, o pai naturalcombinará atributosbiológicos e sociais. (...) Háuma dupla Intervenção noparentesco: avançostecnológicos e médicosintervêm nos fatos naturaisda procriação e a legisla-ção o faz nos fatos sociais doreconhecimento de paren-tesco." Op. cit., p. 19-20.

SCOTT, Joan Wallach.Gender and the Politics ofHistory. Nova Iorque:Columbia University Press,1988, p. 43-44."Idem." O paper que deu origemao capitulo Gender: a usefulcategory of historicalanalysis, no qual a critica éformulada, foi preparadopara ser apresentado, pelaprimeira vez. em 1985. AConferência de Bellagio, oencontro sobre o tema quetalvez tenha provocado omaior impacto na antropolo-gia feminista, foi realizada,em 1982, na Itália. Videresenha do encontro emTSING, Anna e YANAGISAKO,Sylvia. Feminism and KinshipTheory, CurrentAnthropologist, vol. 24, n° 4,August-October 1983, p. 511-516 e o livro resultante dele,referência recorrente nostextos das antropólogas.COLLIER. Jane eYANAGISAKO, Sylvia. Genderand Kinship. Essays toward aunifled analysis. Stanford:Stanford University Press,1987.

primitivas. Isto implica ignorar o sentido do conhecimen-to antropológico e não compreender as implicações deuma teoria do parentesco como aquela com a qualRubin dialoga, para a antropologia. Isto tem conseqüên-cias que Scott parece não perceber quando afirma queos antropólogos limitam o gênero ao parentesco. Essasconseqüências tornam-se evidentes na discussão dasfeministas/antropólogas quando, no trabalho desenvol-vido a partir do gênero, olham criticamente para a maneiraem que os supostos do conhecimento ocidental embasamas maneiras de pensar a família e as teorias de paren-tesco38. Talvez precisamente por isso, ao escrever aquelaavaliação, a autora ignorasse a linha de trabalhosdesenvolvida por feministas-antropólogas aqui apresen-tadas, entre as que alguns tratam especificamente dasociedade ocidental contemporânea'''. Cito Scottapenas como exemplo, pois a "evitação" em relação àprodução das antropólogas inspiradas pelo feminismo érecorrente4°. E essa relação é paradoxal pois o contrário,o estímulo provocado na produção dessas antropólogaspela discussão feminista em sentido amplo, é evidente.

Isso manifesta-se nos textos comentados. Todostratam de gênero e parentesco. Todos afirmam aimportância de trabalhar com parentesco (e gênero)nas sociedades contemporâneas'". As autoras comenta-das compartilham a obsessão feminista por desnaturalizaras hierarquias de diferença através das quais se estabe-lecem relações de poder. Há alguns acordos no que serefere ao conteúdo dessa desnaturalização. Trata-se decompreender como os processos de construção deidentidades e de laços sociais aparecem ancorados nanatureza, na biologia ou em alguma instância divina.Entretanto, há divergências em tornà dos limites do quepode ser pensado como construído e o que não. Achoque essas divergências estabelecem a diferença entreas maneiras de pensar na relação entre gênero eparentesco. Nesse sentido, na medida em que naturezae cultura são colocadas em relações diferentes, nãoseria possível pensar que, nas formulações dessasautoras, a relação entre gênero e parentesco é a mesma.

Algumas formulações dessa relação são elabora-das a partir da análise de gênero e parentesco comoempíricos. Porém, que sentido tem esse tipo de análise,numa perspectiva antropológica? Tenho claras asrestrições que muitos antropólogos fazem às formula-ções de Schneider. Isto é, a tendência a dissolver porcompleto o parentesco ao tratá-lo a partir da oposiçãosociedade/cultura. O parentesco seria pensado comofenõmeno cultural puro, sem qualquer relação com aestrutura social. Essa posição impossibilitaria as tentativasde definir universais no âmbito do parentesco42.

Parece-me que, na maneira como o parentescoé trabalhado por algumas destas autoras, na medidaem que se centram na ação social, não se trata de"pura" cultura. Isto não elimina, é claro, o problema dosuniversais. Mas a questão é perguntar-se: a tensão entreuniversal e particular deve ser necessariamente resol-vida a partir dos universais? Quero dizer que trabalharcom parentesco ou gênero como empíricos nãoimplica, necessariamente, a limitação ao particular,nem a renúncia a uma visão global sobre o social,embora signifique o abandono da tentativa de alcan-çar essa visão a partir do parentesco entendido comoconstrução analítica. Pode ser apenas (mais) um doscaminhos para procurar a perspectiva que é, sim,requisito antropológico.

4° Essa "dinómica",detectável na produçãodas teóricas feministas, sereproduz com conotaçõestalvez mais sérias, à minhavolta, no Brasil. Alunos/asinteressados/as no debatefeminista, muitos matricula-dos em programas deantropologia, lêem comavidez e decodificampacientemente a produçãode filósofas, historiadoras daciência e psicanalistas, cujaretórica está longe de sersimples. Entretanto, quandose trata dos escritos deantropólogas, a dificuldade/rejeição é evidente.Dificuldades análogassuscitadas pela preferênciados jovens antropólogos poroutras disciplinas têm semanifestado em outrassituações. Vide, porexemplo, os comentários deEduardo Viveiros de Castro.CASTRO, Eduardo Viveirosde. Sobre a AntropologiaHoje: te(i)ma para discussão.In: O Ensino da Antropologiano Brasil. Temas para umadiscussão. ABA. AssociaçãoBrasileira de Antropologia.Mime°, 1995, p. 5-9.4 ' Assinalei que, apesar dasambigüidades, Rubin afirmaeste ponto. Yanagisako eColher insistem na necessida-de de fazê-lo. Contrapondo-se às perspectivasfuncionalistas que impera-ram em alguns estudos defamília, nos quais oparentesco foi reduzido àsua função primária dereprodução e à unidadereprodutiva primária, afamília nuclear, consideramque trabalhar comparentesco permitiriadesnaturalizar esse tipo deperspectiva. Isto porquepermitira introduzir um lequede relações e práticas naanálise da família, ignoradosnesses estudos. COLLIER eYANAGISAKO. Op. cit., p. 3.42 FILHO. Op. cit., p. 30;CASTRO. Op. cit..

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