Ilhados em Porto Rico - Do Éden Pessoal ao Dilúvio Social

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA DE AMBIENTES AQUÁTICOS CONTINENTAIS ILHADOS EM PORTO RICO - DO ÉDEN PESSOAL AO DILÚVIO SOCIAL: a trajetória dos ex-ilhéus da Ilha Mutum EDUARDO ALEXANDRE RIBEIRO DA SILVA MARINGÁ 2002

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Dissertação de Mestrado no Programa de Pós-Graduaçao em Ambientes Aquáticos Continentais - NUPELIA. Estudo sobre as mudanças ocorridas com os ex moradores das ilhas do Rio Paraná após a construção das barragens das usinas hidrelétricas

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA DE AMBIENTES AQUÁTICOS CONTINENTAIS

ILHADOS EM PORTO RICO - DO ÉDEN PESSOAL AO DILÚVIO SOCIAL:

a trajetória dos ex-ilhéus da Ilha Mutum

EDUARDO ALEXANDRE RIBEIRO DA SILVA

MARINGÁ 2002

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EDUARDO ALEXANDRE RIBEIRO DA SILVA

ILHADOS EM PORTO RICO – DO ÉDEN PESSOAL AO DILÚVIO SOCIAL:

a trajetória dos ex-ilhéus da Ilha Mutum

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais, do Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Maringá, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Ciências Ambientais, tendo como orientadora: profª Dra. Luzia Marta Bellini

MARINGÁ - PR 2002

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Dissertação defendida e aprovada em 21 de novembro de 2002, pela Comissão Julgadora constituída pelos professores:

Profª Dr ª LUZIA MARTA BELLINI

Profª Dr ª KIMIYE TOMMASINO

Profª Dr ª SUELI TRAIN

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“Hoje em dia, não tem mais jeito dos pobre trabalhar na ilha, os fazendeiro tomou conta. Lá embaixo, tinha uma ilha que ia gente colher café, e era de gente pobre, os café. Hoje não tem uma roça de nada. Na ilha já foi bom. Não pode plantar nada, não pode colher nada. Vem gente, faz reunião, tudo para tirar as pessoas, mas não tira não, o gado também continua lá, ninguém conseguiu tirar, no mês passado teve uma reunião, mas não deu nada. Só fazem reunião mas não indenizaram ninguém e muita gente lá pra baixo tem gado na ilha. Mas se tirasse os gado, dava pra voltar morar lá, agora não tem enchente. Eu só saía de lá quando a água chegava pertinho de casa. E vai chover hein!”

Teresa, 2001

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Dedicatória

Dedico este trabalho a tudo e a todos que de uma forma

ou de outra, possibilitaram a realização desta dissertação.

Aqui, está impressa uma parte, um determinado ângulo do

prisma daquilo que hoje sou. Assim, fruto de uma época, de

um contexto social, de uma cultura, de um modelo econômico,

de um sistema familiar, de uma origem filogenética, me

submeto a um ritual de aprovação, instituído e considerado

legítimo. Desta forma, este trabalho, este labor é dedicado às

experiências humanas efetuadas, sentidas por todas as pessoas

que se importam, e que assim, através de suas atitudes e ações,

auxiliam na árdua tarefa de tornar o mundo um lugar menos

"desumano" a todo tipo de população, seja humana ou não.

Dedico especialmente a meus pais, Erci e Vera Lúcia,

incansáveis batalhadores por dias melhores para seus filhos; à

Avelino e Cleusa, pelo irrestrito e incondicional acolhimento,

um exemplo de bondade e respeito; à L. H. Fabiano, que por

diversos agradáveis entardeceres, instruiu-me pelos caminhos

da vida intelectual. Neste sentido, contribuíram também,

Raymundo de Lima, José Artur Molina e Ana Maria Teresa B.

Pereira, queridos e inesquecíveis professores, que, mesmo sem

ter me dado aulas, proporcionaram-me grandes lições e

oportunidades.

Dedico também a minha noiva, Giane, ajudante atenta

em várias fases da pesquisa que, mesmo impaciente, soube

compreender, dividir e aceitar minha a dedicação ao estudo e à

pesquisa, muitos “insights” e momentos difíceis foram

superados com seu apoio e amor.

Por fim, dedico este trabalho, a minha orientadora, uma

pessoa extraordinária, que dedica sua vida a defender suas

convicções com uma rara dose de paixão e razão, sem perder

seu toque de feminilidade. Uma pessoa que acredita que as

coisas não apenas podem, mas devem ser diferentes.

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Agradecimentos

Agradecemos ao NUPÉLIA - Núcleo de Pesquisa em Limnologia, Ictiologia e Aqüicultura da Universidade Estadual de Maringá, que através do Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais, proporcionou parte da infra-estrutura necessária para a concretização desta pesquisa.

Agradecemos, em especial, à população de Porto Rico, que de uma maneira bastante amistosa, prontamente nos recebeu e conosco colaborou, sempre que solicitado.

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SUMÁRIO

RESUMO .............................................................................................................................. i

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................1

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ..........................................................................3

PARTE I

Capítulo I DESCRIÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO.............................................................5

Capítulo II DO LADO DE CÁ: A SITUAÇÃO ANTES DE CHEGAR À ILHA.................11

2.1. As condições que propiciaram a ocupação do território .....................12

Capítulo III DO LADO LÁ: A EXPERIÊNCIA NA ILHA ...................................................23

3.1. A chegada.............................................................................................23

3.2. As condições de vida ...........................................................................29

Capítulo IV UM DILÚVIO DE CONFLITOS .....................................................................51

4.1. Vivendo em conflito: As enchentes e as barragens............................53

4.2. Vivendo em conflito: a ilha como extensão das fazendas — as

pessoas saem, o gado entra .......................................................................65

4.3. Vivendo em conflito: o impasse ilhéus versus Área de Proteção

Ambiental .....................................................................................................67

4.4. Vivendo em conflito: o turismo voraz...................................................81

4.5. O retorno ao continente........................................................................84

Capítulo V SITUAÇÃO ATUAL ........................................................................................93

Capítulo VI A CENTRALIDADE DA CULTURA ............................................................112

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Parte II Capítulo VII MEMÓRIA SOCIAL DO GRUPO ..........................................................129

A Fundação da cidade...............................................................................129

A ocupação da Ilha Mutum — População de migrantes..........................129

A fartura .....................................................................................................131

Cultura de subsistência com venda do excedente...................................132

A fartura da Ilha Mutum se refletia na cidade...........................................133

Fartura e sofrimento ..................................................................................134

Identidade campesina ...............................................................................135

O Arrendamento ........................................................................................136

A vida Cotidiana.........................................................................................137

A socialização na ilha ................................................................................138

O saber naturalístico — adaptação aos ciclos da natureza.....................139

As Enchentes.............................................................................................140

A Presença do gado na ilha ......................................................................142

Os turistas na ilha ......................................................................................143

Os impactos ambientais percebidos pelos moradores ............................144

As barragens, a Invasão de espécies e diminuição do estoque de

peixes.........................................................................................................146

A APA como interdição do modo de vida .................................................147

Reconhecimento da importância da preservação ....................................149

Condições atuais de vida no campo e na cidade.....................................149

Identidade modificada — a ilha como local de passeio ...........................150

O que têm na ilha, têm na cidade? ...........................................................151

O que têm na cidade, têm na ilha ? ..........................................................151

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 154

REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 163

ANEXOS .............................................................................................................................. 175

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LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Gráfico da variação da população de Porto Rico nos últimos 30 anos ..........6

FIGURA 2 Ilhas do rio Paraná ............................................................................................7

FIGURA 3 Variedades de hábitats na Ilha Mutum.............................................................8

FIGURA 4 Gráfico representativo da reprodução material de vida.................................45

FIGURA 5 Gráfico comparativo de escolaridade.............................................................48

FIGURA 6 Fotografia - Dimensão individual ..................................................................162

FIGURA 7 Fotografia Dimensão coletiva .......................................................................162

FIGURA 8 Fotografia Dimensão ambiental....................................................................162

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Área (ha e % ) de cada ambiente da Ilha Mutum..........................................10

TABELA 2 Ocupações e uso das terras no Estado do Paraná (1980)...........................20

TABELA 3 Principais produtos e modalidades de produção ..........................................44

TABELA 4 Comparativo entre a ocorrência das atividades com finalidades de

subsistência e comercial .............................................................................45

TABELA 5 Atividades ocupacionais.................................................................................46

TABELA 6 Profissões dos entrevistados .........................................................................47

TABELA 7 Nível de escolaridade dos moradores de Porto Rico....................................47

TABELA 8 Nível de escolaridade da população entrevistada ........................................48

TABELA 9 Nível de escolaridade dos pescadores de Porto Rico ..................................48

TABELA 10 Principais atividades ocupacionais dos moradores de Porto Rico.............98

TABELA 11 Morbidade por grupo de doenças e número de casos que acometem a

população de Porto Rico e Porto São José..............................................103

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RESUMO

Este trabalho apresenta a trajetória sócio-cultural da população que habitava a Ilha Mutum, uma das ilhas do alto rio Paraná, e os conflitos vivenciados por esses antigos moradores, em uma região que hoje integra a área de proteção ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná. Nosso objetivo foi recolher narrativas dos ex-ilhéus sobre a experiência de habitar na ilha e na cidade, de modo a encontrar indicações da conformação atual de sua identidade cultural. Para apresentar a saga desses ex-ilhéus, discutimos temas sobre populações tradicionais, populações tradicionais e Unidades de Conservação, política ambiental no Brasil, política agrária e identidade cultural. Optamos por utilizar uma abordagem temporal, ou seja, a apresentação da situação anterior à chegada, a posterior fixação, adaptação, conflitos e a situação atual da população considerada. Deste modo, acreditamos expor de uma forma mais clara o caráter dinâmico das forças que moldaram o quadro atual de impedimentos sócio-político-culturais de uma população sem perspectiva de dias melhores. Como metodologia, utilizamos a técnica de entrevista sugerida pela História Oral, indicada para o estudo de sobre a adaptação e transição cultural de comunidades humanas expostas a situações estranhas ao meio original. Considerando os conflitos e as negociações identitárias com as quais este grupo se deparou, entendemos que a identidade cultural não se perdeu, manteve sua originalidade de uma população campesina, mas foi transformada em uma identidade transitória, entre a tradicional e a urbana. Hoje, vivem o dilema de serem cidadãos urbanos, sem contudo, poder exercer as práticas sócio-culturais tradicionais.

Palavras-chave: Ex-ilhéus; Cultura, Populações tradicionais; rio Paraná; Unidades de conservação.

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ABSTRACT This work presents the trajectory cultural and social of the population that inhabited the Mutum Island, one of the islands of the high Paraná river, and the conflicts lived deeply by these old inhabitants. This area, nowadays, integrates the region of Environment Protection Area known as Islands and Floodplain water bodies of the Paraná river. Our objective was to collect narratives of the previous inhabitants of the Mutum’s Island, about the experience of inhabits in the island and in the city, in order to find indications of the current conformation of their cultural identity. To present that trajectory, we argue subjects about traditional populations, traditional populations and Units of Conservation, environmental politics in Brazil, agrarian politics and cultural identity. We opt to use a temporal approach, that presents the previous situation to the arrival, the adaptation, the conflicts and the current situation of the considered population. In this way, we believe to display by a clearer form, the dynamic character of the forces that had molded the current picture of social, politician and cultural impediments of a population without any perspective of better days. We used the technique of interview suggested for Oral History, indicated to study the adaptation cultural of human communities that are in a strange situation, when compared to the original situation. Considering the conflicts and the cultural negotiations of this group we understand that their cultural identity was not lost, kept its originality of a pleasant population. Although their identity was transformed to a transitory identity, between traditional and the urban one. Today, they live the quandary to be urban citizens, without however, to be able to exert their social and traditional culture activities. Keywords: ex-islanders; culture; traditional populations; Paraná river; units of conservation.

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Introdução

Este trabalho teve como objetivo a elaboração de dissertação de mestrado na área de

Educação Ambiental, Ética, Estética e Política do Programa de Pós-Graduação em Ecologia

de Ambientes Aquáticos Continentais da Universidade Estadual de Maringá, para obtenção do

título de mestre em Ciências Ambientais.

O interesse pela pesquisa surgiu durante as conversas com a orientadora sobre as

determinações culturais que influenciam as condições de vida de um determinado grupamento

humano.

O referido programa de pós-graduação veio ao encontro ao nosso interesse em

pesquisar o assunto sob a forma de um trabalho de dissertação de mestrado. Possibilitou-nos,

ainda, todas as condições necessárias à boa condução da pesquisa dentro do projeto PELD

(Pesquisa Ecológica de Longa Duração), um dos projetos institucionais do NUPELIA (Núcleo

de Pesquisa em Liminologia, Ictiologia e Aqüicultura) ao qual o programa de pós-graduação

está vinculado.

A pesquisa de campo foi realizada entre 2001 e 2002 na cidade de Porto Rico - PR,

onde tivemos a imprescindível colaboração da população, que, de várias maneiras, contribuiu

para a concretização deste trabalho. A cidade, apesar de pequena, como veremos no primeiro,

quarto e quinto capítulo, está situada em uma região com um histórico de conflito de

interesses por parte dos diversos atores sociais, entre eles, destacam-se, grileiros, fazendeiros,

posseiros, governo, empresas do setor hidrelétrico, agricultores, entre outros.

Procuramos primar pelo aspecto qualitativo ao invés do eminente aspecto quantitativo,

o que explica o reduzido número de entrevistados. Outro ponto a se observar é o grande

volume de informações que são geradas diante dos métodos adotados1. Tendo em vista os

critérios e prazos do programa de pós-graduação a que esta pesquisa se submete, um universo

amostral maior, inviabilizaria este estudo.

Ademais, a abordagem qualitativa favorece a pesquisa de características culturais de

forma detalhada, revelando preferências, acontecimentos, interpretações, sentimentos,

conseqüências emocionais, sociais e econômicas que, de outra forma, isto é, por meio

1 A transcrição de entrevistas de 1h e 10 min, em média rendem 18 páginas tamanho ofício e para 10 entrevistados, 15 fotografias totalizam 150 a serem analisadas. Em adição, o Manual de História Oral de José Carlos Sebe Bom Meihy, 1996 esclarece que a história oral tem sido mais explorada em casos mais restritos, devido a dificuldades de trabalho com grandes quantidades de entrevistas, aconselhando portanto, um bom recorte na pesquisa, bem como a adoção de entrevistas com “personagens-chave” da situação a ser estudada.

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exclusivo de fontes oficiais, não seria possível apreender. Quando procuramos compreender

as conseqüências que determinados fatos tiveram sobre alguém, ninguém melhor que o

próprio sujeito dos fatos para nos informar, nas palavras de Bom Meihy (2000, p.12):

“Algumas histórias pessoais ganham relevo à medida que expressam situações comuns aos

grupos ou que sugerem aspectos importantes para o entendimento da sociedade mais ampla”.

Como estratégia de análise das conseqüências dos conflitos e das transformações

sociais, econômicas e culturais, que afetaram a população dos ex-moradores da Ilha Mutum,

dividimos o presente trabalho em duas partes.

Na primeira parte (capítulos de 1 a 6), os relatos dos entrevistados são analisados

mediante os constructos teóricos e as contribuições dos diversos autores que consultamos ao

longo da pesquisa. A segunda parte (capítulo 7), está subdividida em algumas das categorias

programadas no questionário semidirigido, expondo a fala dos entrevistados sobre o tema.

Pretendíamos assim, incluir a fala dos entrevistados de uma maneira mais independente e

isenta de adequações teóricas. Procuramos valorizar o aspecto dinâmico envolvido nas

transformações dos cenários sociais, econômicos, políticos e culturais, que influenciaram a

vida dos ex-moradores da Ilha Mutum.

As entrevistas, foram realizadas, mediante as técnicas metodológicas da História Oral

sugeridas por Bom Meihy (2000) e Thompson (1998), que consideram a História Oral um

instrumento fundamental para a análise de fenômenos sócio-cultuais de grupos e ou

populações, vinculados à narrativa, memória e identidade. A análise dos dados foi orientada

por estudiosos em: populações tradicionais, Unidades de Conservação, identidade cultural,

políticas públicas, questões agrárias, política ambiental no Brasil e impactos ambientais

causados por grandes barragens, ao longo dos capítulos 2, 3, 4, 5 e 6.

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Procedimentos Metodológicos

Entrevistas semi-dirigidas foram realizadas entre os meses de setembro/2001 a dezembro/2001 na cidade de Porto Rico - PR com ex-ilhéus da ilha Mutum, indicados pela comunidade, totalizando dez (10) participantes ou colaboradores. Diante da representação social da comunidade, que revela quais são seus mais legítimos porta-vozes sobre o assunto, fizemos contatos prévios com as pessoas indicadas, no sentido de obtermos permissão para as entrevistas. Na mesma ocasião, foi-lhes explicado o motivo e a intenção da pesquisa, bem como seria sua participação no presente estudo. Nesse ponto, convém esclarecermos que as entrevistas foram orientadas de acordo com a teoria da história oral, que entre outros pressupostos coloca que:

As histórias pessoais ganham alcance social na medida da inscrição de cada pessoa nos grupos mais amplos que as explicam. Com isso relativiza-se a relevância de uma história oral valorizadora do indivíduo como se ele fosse uma abstração. Casos de eventos circunstanciais, como cataclismas, desastres, tragédias ou mesmo comemorações culturais ou cívicas, em geral, também podem gerar estudos que passam pelas narrativas comunitárias ou pessoais (BOM MEIHY, 1996, p.11).

Após confirmarem sua participação, que envolvia um acordo prévio entre entrevistado e entrevistador, a data e o horário eram marcados para a realização da entrevista. Esse acordo prévio consistia em: O entrevistado se comprometia responder A dois questionários (Anexo 3). Um consistia em entrevista para falar de suas recordações e experiências de vida na Ilha Mutum e na cidade de Porto Rico (entrevista semi-estruturada) e outro, em responder a um questionário dirigido de caracterização social. Ambos questionários seriam gravados em vídeo para posterior transcrição. Uma outra parte, realizada exclusivamente pelo entrevistado, consistiu na cessão de máquina fotográfica, pronta para uso, por um período médio de 20 dias, para que este tirasse fotografias sobre os temas e objetos mais relevantes e significantes para sua vida atual. Com isto, pretendíamos obter importantes informações não-verbais que não se revelariam apenas com a entrevista (COLLIER, 1973). Por outro lado, o entrevistador se comprometeu a usar o material para fins acadêmicos e conservar sigilo sobre a identidade dos participantes, deste modo, os nomes dos entrevistados serão apresentados como pseudônimos. Cada entrevista teve uma duração não inferior à 50 min. e não superior à 1h e 25 min. Sendo a média de tempo de 1h e 10 min. Os materiais utilizados para a pesquisa foram:

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• 2 Câmeras fotográficas automáticas, com flash, sem zoom da

marca Kinon (filme de 135 mm ASA 100);

• Filmadora VHS-C, marca JVC, modelo GR-AX1027;

• Roteiro para a entrevista semi-dirigida (Anexo3 - A );

• Questionário para entrevista de dados formais (Anexo 3 - B ).

Objetivos

Levantamento de dados sociais indicativos do nível de adaptação sócio-cultural da população de ex-ilhéus da Ilha Mutum, que permaneceu residente no município de Porto Rico - PR, após a construção de barragens para aproveitamento hidrelétrico no rio Paraná.

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CAPÍTULO 1

Descrição da área de estudo

Aqui era um capinzal, isso aqui onde tem essas casas era

um colonhão danado. Tinha uma colônia de casa ali,

Onde hoje está a água alí hoje, era um barracão muito

grande, tinha um pé de figueira. E naquela enchente que

deu, matou. (João)

A região de Porto Rico situa-se no trecho fluvial compreendido entre a foz do rio Paranapanema e a foz do rio Ivinheima, na parte média do alto rio Paraná. Está imediatamente a jusante da barragem de Porto Primavera e cerca de duzentos quilômetros a montante do remanso do reservatório de Itaipu. A cidade de Porto Rico, juntamente com a vila de Porto São José, (margem esquerda do rio Paraná), são as principais localidades na área (FILHO; STEVEAUX, 1997). A localização política de Porto Rico é encontrada no extremo noroeste do Estado do Paraná, ocupa uma área de 221 km2, e tem como limites municipais as cidades de Querência do Norte, São Pedro do Paraná, Loanda, Santa Cruz de Monte Castelo e do outro lado do rio Paraná, o Estado do Mato Grosso do Sul através do município de Bataiporã. De acordo com Sá (1998), Porto Rico foi fundada no início da década de 50 pela empresa José Ebiner e Cia., que trazia migrantes em busca de terras férteis e clima propício para o desenvolvimento da cafeicultura. Neste período a localidade era Distrito Administrativo de Paranavaí e, por força da Lei número 13 de 5 de agosto de 1956, foi elevada à categoria de Distrito Administrativo de Loanda. Em 5 de julho de 1963, pela Lei Estadual número 4738, foi criado o Município e instalado oficialmente em 21 de abril de 1964, ocasião em que foi empossado o Sr. Manoel Romão Neto, como primeiro Prefeito Municipal eleito. Considerando os dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 1970 Porto rico contava com uma população de 6.192 habitantes, onde 1.025 residentes na zona urbana e 5.167 na zona rural. Em 1980, de um total de 5.341 habitantes, 1.181 residiam na zona urbana e 4.160 na zona rural. Em 1991, nova e sensível diminuição: dos 3.211 habitantes, 1.495 residiam na zona urbana e 1.716 na zona rural. Em 1996, dos 2.714 habitantes, 1.490 residiam na zona urbana e 1.224 na zona rural. E, finalmente, em 2000, a população total foi de 2.547 habitantes, registrando, neste ano, uma taxa de crescimento anual de –1.58%.

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1970 1980 1991 1996 2000

Ano

Quantidade

RURAL

URBANA

TOTAL

Figura 1: Gráfico da variação da população de Porto Rico nos últimos 30 anos

Estes dados demonstram duas situações distintas: por um lado houve uma considerável diminuição do número total de habitantes entre 1970 e 2000, de 6.192 para 2.547 habitantes, e por outro um processo migratório do campo para a cidade, evidenciando um êxodo rural. Uma parte da população atual de Porto Rico é composta por ex-moradores das ilhas do rio Paraná, dentre estas, a mais famosa é a ilha Mutum, não só por sua proximidade com o município (a ilha em frente a margem esquerda do rio), mas também por ter sido a maior e mais populosa ilha da região (cerca de 400 famílias). Esta ilha conta com 14,6 km de extensão num perímetro de aproximadamente 13 hectares, e situa-se a 800 metros do continente (SÁ, 1998). De acordo com os entrevistados, era a mais produtiva da região. Essa população de ex-ilhéus, basicamente formada por camponeses expropriados, devido, entre outros fatores, ao crescimento da pecuária no Estado, distribuíram-se para várias partes do país. Muitos, deixaram as terras dos patrões na mesma condição em que chegaram, isto é, como migrantes, aproveitando os programas do governo como os do INCRA.

Uma parte da população foi transferida pelo INCRA (Instituto Nacional de Reforma Agrária) para outros estados, como Rondônia, Mato Grosso e Pará. Outra parte, ocupou as ilhas do rio Paraná, passando a atuar como pescadores, pequenos agricultores e trabalhadores volantes (SÁ, 1998, p. 12).

A cidade, bem como a grande maioria dos habitantes das ilhas foi formada a partir da chegada de migrantes vindos de diversas partes do país, especialmente da região norte e nordeste, atraídos pelas terras férteis e clima propício para diversas culturas agrícolas, principalmente o café que se destacou inicialmente na economia regional. Fazem parte desse estudo, alguns dos moradores, ex-habitantes da Ilha Mutum que permaneceram na região, fixando-se na cidade de Porto Rico. A maioria dos

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que estão na cidade, habitam o perímetro urbano e outros, habitam a Vila Rural, há 10 Km da cidade. O Município conta com três bairros urbanos (Vila Nova, Pôr do Sol e Conjunto Flamingo) e nove localidades rurais (Ouro Verde, Três Ranchos, Quatro Ranchos, Vila Urubu, Miguel Pontes, Ponte Preta, Inácio Franco, Comunidade Fazenda Jane e Distrito Relíquia do Norte). Como o Município está localizado às margens do rio Paraná, que passa com uma extensão de 1.500 metros de largura, entre uma margem e outra, Porto Rico conta ainda com 16 ilhas (Boa Vista, Coutinho, Japonesa, Floresta, Bandeiras, Pombas, Defunto, Carioca, do Pacú, Santa Rosa, Sílvia, Cajá, Mandaguari, das Vacas, Porto Rico e Mutum), além das praias Carioca, Permanente e as que se formam apenas no verão. (SÁ, 1998) Localizada no trecho do rio Paraná denominada por Maack (1981) como Alto Rio Paraná, entre os municípios de Porto Rico (PR) e Taquaruçú (MS), a Ilha Mutum (22°44’ a 22°47’ S e 53°12’ a 53°21’ W - Figura 1) ocupa uma extensão de 976 ha, tendo sido a ilha mais populosa do arquipélago Mutum - Porto Rico (CORREA, 1998).

Figura 2 - Ilhas do Rio Paraná

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Esta região está situada a uma altitude aproximada de 230 m e o clima da região, de acordo com o sistema de Köeppen, é do tipo Cfa – clima subtropical úmido mesotérmico, com verão quente, temperatura média de 22ºC e precipitação entre 1200 a 1300 mm anuais (FILHO; STEVEAUX, 1997). Insere-se também na região da Floresta Estacional Semidecidual, estando portanto, ecologicamente condicionada pela dupla estacionalidade climática, uma tropical, com épocas de intensas chuvas de verão, seguidas por estiagem acentuada e outra subtropical, sem período seco, mas com seca fisiológica provocada pelo intenso frio de inverno (CAMPOS; SOUZA, 1997). Grande parte da rede hidrográfica da região está sob controle de barragens. À jusante, o rio encontra-se barrado pela usina hidrelétrica de Itaipu e, a montante pelas usinas de Porto Primavera e Jupiá. O único trecho do rio a correr livre está situado entre a foz do rio Paranapanema e a cidade de Guaíra. Entretanto, mesmo este trecho encontra-se ameaçado enquanto ambiente lótico, pela construção da Hidrelétrica de Ilha Grande, atualmente suspensa (FILHO; STEVEAUX, 1997; SBL, 2002).

O ciclo hidrológico do rio Paraná, com os seus pulsos de inundação, exerce grande influência sobre essas ilhas. Segundo Thomaz et al. (1997), durante o período de águas altas, as oscilações nos níveis hidrométricos chegam até 3 m, provocando alagamento ocasional das partes mais baixas dessas ilhas. Esse alagamento sazonal traz influências sobre a vegetação atingida, que, somado ao recente processo de desmatamento e sucessão natural, gera uma variedade de diferentes hábitats na mesma ilha (Figura 2) (SOUZA et. al., 1997)2.

2 Para maiores detalhes a respeito da composição do meio físico, consultar: . VAZZOLER, A. E. A. de M. et al. ; AGOSTINHO, A. A.; HAHN, N. S. A planície de inundação do alto rio Paraná: aspectos físicos, biológicos e socioeconômicos. EDUEM, Maringá, 1997.

Figura 3: Variedades de hábitats na ilha Mutum

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De acordo com levantamentos prévios, a região conta várias ilhas, cujo processo de ocupação está ligado à cidade (CAMPOS, 1997). No trecho do arquipélago Mutum-Porto Rico, o rio Paraná apresenta um amplo canal entrelaçado com baixa declividade e uma extensa planície fluvial. Esta planície abriga grande conjunto de ilhas, pântanos, lagoas, canais secundários e diques marginais que são de grande importância para a ecologia local (FILHO; STEVEAUX,1997; FUEM/CIAMB-PADCT, 1995; AGOSTINHO; ZALEWSKI, 1996). O primeiro registro de ocupação deste arquipélago, que inclui as ilhas Porto Rico, Mutum, Melosa, Machado e Pithi, data do ano de 1952 ou anos imediatamente anteriores. Os primeiros ocupantes estabeleceram-se na cabeceira da Ilha Mutum numa área de aproximadamente 7 hectares, e providenciaram a derrubada da mata do sítio de ocupação (CORREA, 1998). Esta ilha, apresenta adiantado estado de degradação da cobertura florestal, encontrando-se apenas resquícios das florestas originais, na forma de fragmentos pequenos e isolados (Figura 2), havendo também o predomínio de zonas arbustivas, com diversas pequenas lavouras de subsistência de moradores locais. Toda essa região do arquipélago encontra-se inserida na Área de Preservação Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná que foi criada em 30/09/1997 com a finalidade de proteger a fauna e flora, especialmente as espécies ameaçadas de extinção, tais como o cervo-do-pantanal (Blatocerus dichotomus), o bugio (Alouatta fusca), a lontra (Lutra longicaudis), a anta (Tapirus terrestris), a jaguatirica (Leopardus pardalis) e a onça-pintada (Panthera onça); garantir a conservação dos remanescentes da Floresta Estacional Semidecidual Aluvial e Submontana, dos ecossistemas pantaneiros e dos recursos hídricos; garantir a proteção dos sítios históricos e arqueológicos; ordenar o turismo ecológico, científico e cultural, e demais atividades econômicas compatíveis com a conservação ambiental; incentivar as manifestações culturais e contribuir para o resgate da diversidade cultural regional e assegurar o caráter de sustentabilidade da ação antrópica na região, com particular ênfase na melhoria das condições de sobrevivência e qualidade de vida das comunidades da APA e entorno.

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Tabela 1: Área (ha e %) de cada ambiente da ilha Mutum (CORREA, 1998)

Ilha Ambientes

Florestas Zonas arbustivas

Campos abertos

Zonas aquáticas

Total (ha)

Mutum (total)

205 (21%)

625 (64%)

127 (13%)

19 (2%)

976 (100%)

A pesca aparece não como uma atividade escolhida, mas como a única que resta, numa região em que outras possibilidades ocupacionais são escassas. A atividade da pesca acompanhou a vida econômica e a conseqüente degradação ambiental da região; de atividade promissora e atraente, passou a quase que obrigatória. Mesmo tendo chegado à região como trabalhadores em terras alheias e, portanto, como contratados, o trabalho, tal como efetivado à época, permitia que mantivessem não só as formas a que estavam acostumados de contato com a natureza, como sua autonomia e identidade cultural. Entretanto, isso não é mais possível, e diante destas dificuldades, alguns se sentem tentados a trocar as incertezas da pesca por uma atividade assalariada, onde os ganhos, embora reduzidos, possam ser freqüentes e garantidos (SÁ, 1998). As populações que num primeiro momento ocuparam as terras, foram expulsas para as ilhas. Depois, foram expulsas das ilhas. Hoje, nem continente, nem ilhas, sobrou o rio Paraná, que não é suficiente para o sustento da população expropriada. A modernização, se faz às custas da exclusão da população que hoje vive da pesca, gradativamente, o espaço se transforma em capital. Sendo assim, o conflito, não se manifesta através de luta armada ou invasão de terras, mas revela-se no dia-a-dia de uma população que já não tem de onde tirar o seu sustento (SÁ, 1998).

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CAPÍlTULO 2

Do lado de cá: A situação antes de chegar à ilha

A gente veio de Nossa Senhora das Dores, no Sergipe, a

gente queria comprar uma casa pra poder viver. (Teresa)

No Brasil foi muito comum a organização de grupamentos humanos para fins de colonização e ocupação do território, o que propiciou estímulo extra aos fenômenos migratórios verificados no país durante o período de expansão da fronteira agrícola. No início do século XX, os trabalhadores migrantes advindos de várias regiões do país para integrarem a “frente pioneira ou frente de expansão”3, se deslocaram cada vez mais para dentro do estado, por meio de empresas colonizadoras, que, tendo o apoio federal, rapidamente ocupou e desmatou extensas áreas do território paranaense. Assim, a política de colonização do governo estadual favoreceu a ocupação das terras “devolutas” pelas “frentes pioneiras”, contribuindo para a duplicação da população total do estado que passou de 685.711 habitantes em 1920, a 1.236.276 habitantes em 1940, além disso, provocou graves conflitos de terras, dando lugar a movimentos armados de importância e repercussão nacional (PADIS, 1981). Nos anos seguintes, o Estado continua em crescimento acelerado.

O crescimento econômico e demográfico do Estado foi surpreendentemente rápido “Em menos de quarenta anos uma área de aproximadamente 71.637 quilômetros quadrados, ou seja, cerca de 36% do território paranaense transformaram-se, de densa mata, absolutamente despovoada, em região, que em 1960, contava com cerca de 1.843.000 habitantes, distribuídos em 172 cidades, algumas de porte considerável (PADIS, 1981, p. 83).

3 A frente pioneira exprime um movimento social cujo resultado imediato é a incorporação de novas regiões pela economia de mercado. Ela se apresenta como fronteira econômica. Compreendê-la como tal, no entanto, implica em considerar que, no caso brasileiro, a fronteira econômica não coincide, necessariamente, com a fronteira demográfica (via de regra aquela está aquém desta). A faixa entre una e outra embora sendo povoada (ainda que com baixos índices de densidade demográfica), não constitui basicamente porque sua vida econômica não está estruturada primordialmente a partir de relações de mercado. É essa faixa com suas peculiaridades econômicas, sociais e culturais, que se pode conceituar como frente de expansão. A figura central dessa frente de expansão é o ocupante ou posseiro. (Martins, 1975, p.45-46)

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Esse movimento propiciou a colonização e o adensamento populacional da região, marcando suas principais características socioeconômicas, quais sejam: economia mercantil dinâmica, baseada em pequenas parcelas, desenvolvendo-se a produção de café e alimentos no sistema intercalar e rápido florescimento de núcleos urbanos, que desenvolveram funções de apoio às atividades rurais e estreita vinculação comercial com São Paulo. (ROSA, 2000) A história da ocupação das ilhas do rio Paraná também está ligada à história de ocupação do Estado, utilizando-se da estratégia de incentivos imobiliários cedidos às empresas especializadas (ROSA, 2000; CAMPOS, 1997). Para que possamos compreender melhor os motivos que conduziram a colonização até as fronteiras do estado, chegando às margens e ilhas do rio Paraná, é fundamental compreendermos o movimento econômico-social, que historicamente trouxe uma fortíssima prática de exploração indiscriminada dos recursos naturais da região. As práticas econômicas aliadas à política fundiária de ocupação dos “fundos territoriais”, levarão, mais tarde, a população rural interiorana, primeiramente atraída na função de frente pioneira, posteriormente expropriada como força de trabalho excedente, à ocupação das ilhas do Rio Paraná.

As condições que propiciaram a ocupação do território

Entre os Campos do Mourão e as barrancas do rio Paraná, brasileiros livres descendentes de imigrantes das colônias do Sul, além de paraguaios e argentinos, exploravam a erva-mate. Os ervateiros, entre eles os mensus trabalhando no sistema de obrages, se apossavam transitoriamente da terra para culturas de subsistência e criação de porcos, enquanto avançavam as madeireiras e os conflitos pela posse da terra na região disputada com o Paraguai e Argentina4 (WACHOWICZ, 1987, p. 11 apud ROSA, 2000).

Durante o processo de consolidação da colonização do Estado, é comum encontrarmos referências a conflitos pela posse de terras, inicialmente com os índios aqui residentes e, posteriormente, com os posseiros e grileiros.

Até a década de 60, a colonização é marcada por muitos conflitos pela posse da terra, com a constante intervenção da polícia militar e do poder judiciário, envolvendo migrantes de várias regiões do país, sobretudo, nordestinos e paulistas, que desenvolviam seu trabalho basicamente nas culturas do café e do algodão (SÁ, 1988, p. 19).

4 Segundo o autor, desde as últimas décadas do século XIX até, aproximadamente, a década de 1950, o sistema de obrages foi implantado no oeste do Paraná. “O sistema era típico das regiões cobertas pela mata tropical, em território argentino e paraguaio, e sua existência baseava-se no binômio: mate-madeira”. As obrages eram “gigantescas concessões por parte do governo paranaense para exploração da erva-mate”. Obragero era chamado o proprietário ou concessionário da área onde se instalava a obrage; mensu era o nome dado a quem se propunha executar o trabalho braçal na obrage; e comissionista era aquele que recrutava a mão-de-obra para as obrages (Wachowicz, 1987, p. 194 apud Rosa, 2000, p. 26).

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(...) ainda estavam em processo de regularização fundiária as glebas Pontal e 29, em Querência do Norte; a gleba Tigre, em Santa Cruz do Monte Castelo; a gleba Apertados, em Paranavaí; algumas áreas em Amaporã, Terra Rica e Santo Antônio do Caiuá; a Fazenda Curitiba, localizada em Terra Rica e Querência do Norte; além dos ‘grilos’ Ribeirão Vermelho (Alvorada do Sul e Florestópolis), Barra do Tibagi (Porecatu e Centenário do Sul); Sertaneja e São Jerônimo da Serra, onde os conflitos se davam entre os índios da reserva e os posseiros.” (WACHOWICZ, 1987, p. 157 apud ROSA, 2000, p. 35)

Em 1955 ocorreram embates em Guaraniaçu. Em 1956 ocorreu novo conflito em Porecatu. No ano seguinte, irrompeu a luta também em Guaíra. Neste caso, contra a ação da Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná – Sinop, “(...) que, com seus jagunços, promovia o despejo de posseiros e de proprietários com títulos de domínio legalizados. (...). Em 1957, trinta companhias imobiliárias operavam no Oeste e Sudoeste do Paraná, constituindo inclusive uma Associação das Empresas Colonizadoras do Oeste do Paraná, fundada em 16 de agosto desse ano, na cidade de Guaíra.” (WESTPHALEN et. al., 1968, p. 38)

Após a Revolução de 1930, antigas concessões anuladas, retornaram ao patrimônio do

Estado do Paraná, aumentando a extensão das áreas de terras devolutas, que a partir de 1939,

fora o grande alvo de um programa de colonização no norte paranaense, que ficou a cargo de

empresas especializadas que:

(...) recebiam do Estado áreas de 10 mil alqueires e deveriam abrir estradas e patrimônios e se incumbir da venda de lotes. Depois desta fase, pagavam uma cota determinada ao governo do Paraná, que expedia, então, os títulos definitivos de propriedade. Eram vendidos lotes de diferentes tamanhos: até 200 hectares, de 200 a 250 hectares, e de 250 a 500 hectares.” (LOPES, 1982 apud ROSA, 2000, p. 42)

O governo estadual cedia a cada requerente 200 alqueires para as terras cuja colonização era de competência do Estado, entretanto, de acordo com Soares (1973 apud ROSA, 2000), ocorriam muitas irregularidades na posse das terras. Usava-se de subterfúgios diversos para reunir grandes áreas. Um elemento usava dez pessoas de sua confiança para requererem lotes coloniais, que logo em seguida passavam às suas mãos. Na verdade, o baixíssimo preço do alqueire suscitava grande interesse em terras de mata, como empate de capital (SOARES, 1973 apud ROSA, 2000). Entre as empresas imobiliárias que atuaram na porção noroeste do estado, citamos Boralli e Held (Alto Paraná); Cobrinco (Santa Cruz do Monte Castelo); Leôncio de Oliveira Cunha (Paraíso do Norte); Armando Chiamulera e outros (Nova Londrina); Tarquínio Ferreira e outros (Santa Isabel do Ivaí); Spinardi e Sebastião Delfino (Loanda); Gutierrez Beltrão (Tamboara); Organizações Ademar de Barros (Terra Rica); Imobiliária São Paulo - Paraná (Querência do Norte); Sivas Pioli (São Carlos do Paraná); Almeida Prado (Itaúna do Sul e Diamante do Norte). Com a atuação dessas empresas imobiliárias, o número de

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cidades saltou de 49, em 1940, para 80, em 1950 (LOPES, 1982 apud ROSA, 2000). Após a fundação da colônia Paranavaí-Paraná, a partir de 1939, iniciou-se o processo de colonização do extremo noroeste do Paraná, região onde localiza-se a área de estudo, coordenado pelo próprio Estado (SÁ, 1998). Como já citado anteriormente, o processo de colonização do território não se deu de forma pacífica. Até a década de 60, houve muitos conflitos, inclusive armados pela posse da terra, envolvendo posseiros e jagunços a serviço das empresas colonizadoras, apoiadas pela polícia estadual. Para conciliar tais interesses, foi necessário a constante intervenção da polícia militar e do poder judiciário (SÁ, 1998; Rosa, 2000; RÊGO, 1979). Contudo, de acordo com Rosa (2000), a intervenção governamental nos conflitos armados entre fazendeiros, empresas colonizadoras, grileiros, índios, colonos e posseiros, também foi importante para estender a fronteira agrícola do estado até as barrancas do rio Paraná, entre 1960 a 1970. Na maioria das vezes, o governo transferiu os não-proprietarios para glebas recém-abertas pela colonização oficial. Apesar disso, a partir de 1980 , os conflitos continuaram, e novamente o governo interviu, oferecendo incentivos para que os não-proprietários seguissem as mais recentes frentes de expansão territorial, resolvendo assim, de forma mais imediata os conflitos pela posse na região.

Uma parte da população foi transferida pelo INCRA (Instituto Nacional de Reforma Agrária) para outros estados, como Rondônia, Mato Grosso e Pará. Outra parte, ocupou as ilhas do rio Paraná, passando a atuar como pescadores, pequenos agricultores e trabalhadores volantes (SÁ, 1998, p.17).

As férteis terras paranaenses constituíram o grande atrativo das levas de migrantes. O café teve um papel preponderante na atração e fixação inicial dessa diversidade de migrantes recém chegados ao Paraná. Seu cultivo absorvia mão-de-obra durante os 12 meses do ano. Além disso, o sistema de colonato, parceria e de empreitada, facilitava o acesso a terra, pois permitia a manutenção das famílias que trabalhavam nas fazendas e sítios, dando-lhes a permissão para a agricultura de autoconsumo, cuja preferência era a do cultivo do milho, arroz e feijão. Posteriormente a exploração econômica possibilitou uma exploração maciça das culturas de algodão, rami, cana-de-açúcar e amendoim, além de outras culturas que foram sendo significativamente introduzidas no Estado como veremos mais adiante. Esse processo de ocupação acelerada configurou o Paraná como nova fronteira agrícola para onde se moviam as frentes pioneiras, a partir de 1930 até 1970 (TOMMASINO, 1985, p. 26; PADIS, 1981; IPARDES, 1983; SÁ, 1998; ROSA, 2000.). A situação era bem diferente apenas 19 anos antes, pois:

No início da década de 1920, grande parte do território paranaense ainda se achava coberta por matas. Do total ocupado pelos estabelecimentos agropecuários a área mantida em florestas atingia a 46,1%. (...). Apenas

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4,2% do total da área dos estabelecimentos eram cultivados em todo o Estado. Na porção Norte, embora fosse a região agrícola mais nova, essa mesma relação chegava a 13,3%, sendo que os cafeeiros ocupavam 5,7% (CANCIAN, 1981, p. 61).

Segundo Padis (1981), em 1920, a produção cafeeira do Paraná não representava 1% da produção nacional, concentrando-se nos municípios de Jacarezinho, Ribeirão Claro, Santo Antônio da Platina, Wenceslau Brás e Tomazina. Aliada à cultura do café, havia outras que também evidenciava o Paraná como estado de em franca expansão produtiva que requeria considerável mão-de-obra na forma campesina.

No ano de 1960, a região noroeste do estado do Paraná, era considerada uma das regiões de produção agrícola mais importantes do Estado, contribuindo com 8% da produção nacional de algodão, aumentando para 20,1% em 1970. Entretanto, os contratos de parceria ou arrendamento, previam a entrega da terra, ao final do contrato, com pastagem formada (ROSA, 1997, p. 28).

Ao final do contrato, o parceiro muitas vezes tinha que procurar outro contratante para celebrar novo contrato em um outro território a ser explorado, caso não conseguisse permanecer nas terras. O avanço da agricultura para o Norte e Oeste do Paraná se deu fundamentalmente por meio de explorações agrícolas que combinavam técnicas de cultivo rudimentar com o trabalho intensivo de mão-de-obra familiar. Acompanhado do pequeno proprietário, disseminaram-se as formas de produção de parceiros, colonos e pequenos arrendatários, que procuravam reproduzir sua condição de trabalhador rural (IPARDES, 1983). Através do café, a economia paranaense e nacional obteve forte sustentação em um produto destinado ao mercado exportador, elevando o Paraná na categoria de maior produtor do chamado “ouro verde” nos anos de 1950 a 1970. Entretanto, assim como ocorreu com outros ciclos econômicos, o do café também teve seu auge e sua derrocada. O programa de erradicação do café, em 1962, provocou uma grande queda desse herbáceo em várias regiões paranaenses. Em meados da década de 60, a cultura do café estava praticamente extinta e os parceiros e pequenos proprietários cultivavam algodão e mandioca, enquanto os médios e grandes proprietários plantavam milho e investiam em pastagens (TOMMASINO, 1985; SÁ, 1998; PADIS, 1981; EIA/RIMA - TIBAGI, 1999).

Entre 1962 e 1967, devido a superprodução do café no Brasil e a fim de manter os preços internacionais do produto, foi implementada uma política de erradicação dos cafezais, quando foram eliminadas perto de 250 milhões de cafeeiros. Na região noroeste do Estado, foram eliminados 62 milhões e 807 mil pés de café, liberando áreas para a introdução de pastagens (ROSA, 1997, p. 28).

Em princípios de 1970, não só o Paraná está territorialmente ocupado, como a base técnica no campo foi substancialmente alterada com a modernização do setor agrícola. Assim, a necessidade de mão-de-obra tornou-se muito menor.

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Coincidiu, também nesse momento, uma forte prioridade agrícola na política econômica nacional, que estimulou a difusão de uma nova forma de produção, a produção agroindustrial. Um dos indicadores da alteração do modo de produção foi o aumento do uso de tratores que cresceu 326,3%, colocando o estado no 2º lugar de máquinas agrícolas no Brasil, marcando a entrada triunfal da “revolução verde” no Paraná (IPARDES, 1983).

No final da década de sessenta, sob regime militar, a “revolução verde” atingiu o Paraná. No início dos anos oitenta, cerca de 60% do território já estava ocupado com lavouras e pastagem, restando 13% em matas e florestas, correspondentes a 2.598.608 hectares, sendo 1.972.946 hectares de matas e florestas naturais, e 625.622 hectares de matas e florestas plantadas (ROSA, 2000, p. 62).

Com as políticas de modernização implementadas na década de setenta e seguinte, saíram da zona rural 2.516.000 pessoas, acelerando o processo de urbanização, cuja taxa passou de 36,1% em 1970, para 58,6% em 1980, não obstante o aumento da área trabalhada que passou de 7.624.050 para 10.696.750 hectares no mesmo período. (ITCF, 1987 apud ROSA, 2000) Dessa relação surgiu um novo tipo de agricultura subordinada diretamente à indústria. Como conseqüência, nossa agricultura foi perdendo sua independência para se moldar às necessidades de padronização para a comercialização externa do produto, o que necessariamente levou a aumentos nos custos da produção. Nas regiões mais propícias, os médios e grandes produtores5 optaram por incorporar as recentes conquistas do progresso técnico para aumentar a produtividade do trabalho, com produtos exportáveis, reduzindo assim, em termos absolutos a necessidade de trabalhadores. Disto, resultou o aumento da produção e a redução da população, ou seja, o movimento inverso ao que ocorreu no início da colonização, dificultando o acesso à terra (IPARDES, 1983; IBGE, 1980; ROSA, 2000; EIA/RIMA - TIBAGI, 1999). Essa modernização no setor agrícola trouxe a diversificação e ampliação da indústria nacional e possibilitou o surgimento de modernos setores produtores de máquinas e insumos para a agricultura. Assim, rapidamente o setor industrial conseguiu impor a necessidade, cada vez crescente, da utilização de insumos para o campo, através do consumo de produtos como tratores e equipamentos, fertilizantes, rações, sementes, derivados petroquímicos e outras substâncias

5 Aqui seguimos a classificação do Ipardes (1983, p. 16) para definir as categorias de produtores rurais. a) Pequenos produtores: Os que trabalham em estabelecimentos com até 20 ha e tem a especificidade de utilizarem técnicas rudimentares e o trabalho familiar. Neste Grupo podem ser incluídos aqueles que produzem em áreas com até 50 ha por apresentarem comportamento mais próximo desta categoria; b) Médios produtores: Os que trabalham em estabelecimentos entre 50 ha e 500 ha. São na maioria produtores familiares, no entanto modificados por incorporarem novas técnicas de produção. c) Grandes produtores: Os proprietários de estabelecimentos acima de 500 ha. Dependem mais do trabalho assalariado, mas essa condição não os identifica como grande produtor capitalista.

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sintéticas com finalidades biocidas diversas. Acrescenta-se a isso, a ampliação no número de frigoríficos que deu suporte ao setor de agropecuário. Repentinamente, nessa década, as práticas agrícolas no Estado foram modificadas. A política agrícola antes voltada ao pequeno produtor, logo sofreu mudanças estruturais e migrou para uma produção altamente tecnificada, voltada para resultados numéricos vultuosos de produção, transformando o campo em uma verdadeira indústria com produção em série. Convém salientar que todo esse processo de transição teve o apoio do poder público através do crédito rural. Desta vez, diferentemente das décadas imediatamente anteriores, os incentivos no setor agrário foram para poucos, apenas os médios e grandes produtores puderam acompanhar essas transformações.

Todo esse processo foi sustentado pela política agrícola do Governo e sua continuidade ainda se encontra, em boa medida, condicionada a esse apoio. Mas, o desenvolvimento recente deixou bem claro suas exigências e, principalmente, que segmentos de produtores estão aptos a preenchê-las (IPARDES, 1983, p. 22).

Como resultado para o grande contingente de trabalhadores rurais dependentes das relações tradicionais de produção no campo, sobreveio sua expulsão para novas frentes de expansão ou pioneiras ou então para áreas urbanas. Atribui-se também a esse processo, a concentração fundiária. O número de estabelecimentos de pequenos proprietários apresentou reduções que levaram a considerar praticamente extintas no Estado as condições de arrendatários, colonos e parceiros, alterando significativamente o panorama da estrutura fundiária no período de 1970/19806. Ao prescindir das categorias elencadas anteriormente, desencadeou-se um processo de diferenciação social que preponderantemente consolidou o mercado de trabalho assalariado no campo. Essas alterações causaram a substituição da cafeicultura e outros produtos que absorviam muita mão-de-obra pelas culturas passíveis de mecanização, ou, então, pela pecuária. Isso provocou o aumento dos trabalhadores temporários e volantes, além de remeter a força de trabalho para novas frentes de expansão ou pioneiras fora do Estado, ou então para as cidades. Tal movimento em direção às cidades, funcionou, de acordo com Tommasino (1985) e IPARDES (1978, 1983) como reserva de mão-de-obra dos diversos setores econômicos, podendo servir ao setor primário, secundário e terciário.

(...) o saldo mais marcante foi a redução de população rural. Todos os municípios do Paraná sofreram um processo migratório; nenhum pôde conter sequer o crescimento vegetativo da população. Os maiores fluxos ocorreram

6 Entre 1970 e 1980, a área trabalhada por proprietário passou de 76,8% para 87,1%, enquanto nas demais categorias de produtores houve diminuição. No caso dos arrendatários, a área trabalhada diminui de 6,7% para 5,3%; entre os parceiros de 12,2% para 5,2%, e no caso dos ocupantes de 4,3% para 2,5%, indicando, a despeito da diminuição da população rural, o incremento da área agrícola. (FLEISCHFRESSER, 1984 apud ROSA, 2000)

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no Norte do Estado, seguido do Oeste. As demais regiões registraram deslocamentos menores (IPARDES, 1983, p. 09).

Para o Ipardes (1983) foi surpreendente a velocidade com que o Paraná passou da condição de receptor para a de expulsor de população, a magnitude da migração e a direção do seu fluxo, que desta vez não foi voltado principalmente para novas frentes de expansão, mas sim para os centros urbanos. Somente os produtores que detinham parcelas de terra, passíveis de serem vendidas é que tentaram novos deslocamentos rurais para garantir sua reprodução como produtor. Isso, sem contar o peso da população que partiu em direção ao Paraguai, estima-se que aproximadamente 400 mil brasileiros deixaram o Estado para ocupar as faixas da fronteira Brasil-Paraguai (IPARDES, 1983). Em 1985 o censo agropecuário apontou a existência de 467.829 estabelecimentos agrícolas, indicando que entre 1970 e 1985 houve a redução de quase 100 mil estabelecimentos, embora tenham aumentado as áreas de lavouras que saltou de 4.718.606 hectares para 6.085.021 hectares entre 1970 e 1980, indicando a incorporação de terras por um número menor de estabelecimentos, configurando uma considerável concentração fundiária (ITCF, 1987; IPARDES, 1982, 1983). O grande motor dessa nova ordem de produção agrícola e reordenamento do espaço, foi o cultivo da soja que exigia extensas áreas para seu cultivo, bem como o uso das “facilidades modernas”, da novidade do uso de máquinas para plantar, dar manutenção e realizar a colheita. Contudo, outras culturas também sofreram tecnificação como a da cana-de-açúcar, do milho, do arroz, pecuária suína, bovina, a produção de aves e ovos, etc (IPARDES, 1982, p. 26-28).

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Tabela 2: Ocupação e uso das terras no Estado do Paraná (1980)

Tipo de uso Área (ha) %

Área total do estado 19.955.400 100,0

Área de Lavouras 6.782.425 33,9

- Permanentes 952.320

- Temporárias 5.132.701

- Em descanso 697.404

Área de Pastagem 5.520.218 27,6

- Naturais 1.534.151

- Plantadas 3.986.067

Área de Matas e Florestas 2.598.608 13,0

- Naturais 1.972.946

- Plantadas 625.662

Áreas produtivas não utilizadas 602.528 3,0

Recursos Hídricos 754.490 3,7

- Rios 643.250

- Represas 111.240

Rodovias e Ferrovias 461.997 2,3

- Federal 17.850

- Estadual transitória 6.728

- Estadual 30.829

- Municipal 399.933

- Ferrovias 6.657

Área Urbana 593.963 2,9

Outras áreas/ ocupação não especificada 2.731.171 13,6

Fonte: PARANÁ. Secretaria Especial de Assuntos de Meio Ambiente. Paraná - 92: perfil ambiental e estratégias. Curitiba, outubro de 1991, p. 55.

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Durante a década de 1970, a soja substituiu o café como principal produto cultivado nas terras paranaenses. Em 1973 a sojicultura ocupava 755.400 hectares. Em 1974 ocupava 34,24% da área cultivada, alcançando 1.958.000 hectares em 1976 (FERREIRA, 1996 apud ROSA, 2000). Como indica Carnasciali et al., em função das especificidades do seu cultivo, a soja atuou como um vetor da incorporação tecnológica (1987, p. 151). Contudo, a pecuária também teve seu papel no campo. Aliada à agricultura mecanizada, já na década de 1980, a pecuária representava um elevado índice de ocupação do território: “No início dos anos oitenta, cerca de 60% do território já estava ocupado com lavouras e pastagem, restando 13% em matas e florestas (...)” (ROSA, 2000, p. 55). O aumento no número de pastagens se deu novamente por modificações de contingência político-econômica. No início dos anos 1980, vamos perceber o corte no subsídio ao crédito agrícola e a redução do percentual do Valor Básico de Custeio. Como conseqüência imediata, aumenta para os produtores sua participação efetiva no montante de recursos próprios, fazendo com que o produtor trabalhe com custos cada vez mais reais, sem que possa transferir os custos para o valor de venda dos produtos. Esse regime recaiu principalmente sobre os produtores da situação, ou seja, os tecnificados médios e grandes. A atitude inicial foi o corte nos insumos, o que trouxe como resultado, a inevitável queda na produtividade. Diante desse quadro, muitos optaram pela substituição por culturas com baixa utilização de insumos. A mais extrema e atraente foi trocar a agricultura pela pecuária, o que segundo Paraná - Ipardes (1983), traz o risco de afetar seriamente a oferta agrícola. Para melhor caracterização das transformações sócio-político-econômicas ocorridas no campo, até a década de 1980, e para facilitar a referência ao período mencionado, propomos a classificação dos regimes de ocupação do território paranaense em três etapas:

- primeira etapa - Refere-se a ocupação do território, à importância do

ciclo do café e a atração e utilização da mão-de-obra de empreita ou

parceria, dos não-proprietários com contratos de parceria e

arrendamento, a cultura predominante era a do café — início da década

de 1920;

- segunda etapa - Refere-se a modernização no campo, a “revolução

verde”, com a tecnificação rural, após a erradicação do café e do

sistema de pareceria/arrendamento a partir de 1960. O campo como

indústria, através do crédito rural para médios e grandes proprietários,

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provocou a expulsão dos não-proprietários e pequenos produtores para

novas frentes pioneiras, cidades ou áreas marginais e o assalariamento

temporário dos remanescentes — início da década de 1970;

- terceira etapa - Refere-se ao fim do crédito rural e o maciço

investimento em pastagens, redundando em maior ocupação de áreas

férteis, menor produção agrícola e menor utilização de mão-de-obra

assalariada temporária — início da década 1980;

Como adiante veremos, todas as etapas tiveram influência direta na população considerada nesse estudo. Por ora, interessa-nos a primeira e segunda etapa. A adoção dessas medidas no campo levaram à termo somente os aspectos econômicos, sem considerar ou ao menos planejar outras formas de utilização do território, sejam elas sociais ou ambientais. A cobertura florestal atingia 83,73% do território no final do século XIX, ou cerca de 168.482km². Com a política de colonização implementada depois de 1930, o processo de desmatamento foi intensificado sem nenhuma preocupação com a capacidade de sustentação dos agroecossistemas7. Calcula-se que, entre 1930 e 1965, o Paraná tenha perdido mais de 71% da cobertura florestal, ou seja, cerca de 119.688 km². Tais dados revelam a violência na apropriação dos recursos florestais no período mencionado, especialmente das florestas de Araucária (CARNASCIALI et al., 1987, p. 158). No aspecto social, que é o que mais importa para as análises nesse estudo, chama-nos mais a atenção, a partir da década de sessenta, quando as transformações no campo vão promover o surgimento do assalariamento temporário como forma predominante de recrutamento de mão-de-obra rural, provocando a expulsão dos trabalhadores não-proprietários dos locais fixos de trabalho.

7 Em Carnascialli et. al., 1987, constatamos que a transformação de um ecosistema (meio natural) em um agroecosistema implica modificações de diversas magnitudes. “Essa transformação implica obter um sistema simplificado – sobretudo da vegetação – que seja mais eficiente na produção de biomassa consumível pelo homem. Porém, a especialização diminui drasticamente a capacidade de auto-regulação do sistema, isto é, torna-o frágil e suscetível aos processos de degradação. (...) Quando se ultrapassa a capacidade de sustentação, instaura-se no sistema um processo de degradação que diminui progressivamente a produtividade e a própria capacidade de sustentação. (...)”. ( p. 162-163)

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CAPÍTULO 3

Do lado de lá: A experiência na Ilha

"A ilha não é um lugar amaldiçoado. A única coisa que

não tinha, mas agora pode ter, é uma televisão. Agora

tem a televisão à bateria, mas isso para nós não

interessava, a gente queria viver e trabalhar.” (Sr. Armando, 2001)

3.1 - A Chegada

Diante das condições existentes no campo paranaense, as populações de despossuídos,

inicialmente atraídas pela esperança de uma vida melhor, arriscaram-se na conquista de um

lugar no território paranaense, através de sua força de trabalho, já que em seu local de origem

sua permanência constituía excesso social e escassez individual.

Logo, e sem saber como, se tornaram migrantes, de sua própria condição, pois além de migrar para um outro território, migravam também para outras culturas, outros hábitos, outros ambientes, outras paisagens. A fama das terras férteis do Paraná se estendia para o resto do país, causando a rápida ocupação do território com pessoas dos mais distintos e distantes lugares, inclusive de outros países. Longe de ser uma ocupação pacífica, como vimos, os conflitos por terras muitas vezes foi o motivo de mortes e perseguições, expondo a violência como a marca timbrada da ocupação territorial, aliás, marca que vigorou na conquista do território brasileiro, isenta de qualquer romantismo dos livros didáticos de história do Brasil. Considerando a segunda etapa de transformações no campo, descrita no capítulo anterior, muitos dos migrantes que aqui chegaram, e se fixaram, novamente tiveram que assumir a condição de migrantes para se destinar a outros locais, no Estado e fora dele, oxalá mais acolhedores. Desse modo, novas fronteiras tiveram que ser alcançadas e, mais uma vez, estariam no papel de desbravadores. Visto nesses moldes, até parece obra com fundamentos em causas naturais: chegar ao território, precariamente se fixar, derrubar o “mato”, preparar o

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terreno para a fixação de oura comunidade mais definitiva, de outra comunidade que não porta a “função” colonizadora inicial de preparar o ambiente. Nesse processo, embora hajam exceções, a comunidade pioneira não está incluída para a fixação definitiva no ambiente, resta-lhe a pseudo-sobrevivência em áreas igualmente “não-colonizadas”, desprezadas pelos interesses da civilização. Tudo isso seria mesmo natural e sendo assim, nada há o que se fazer, pois na natureza em si, não há o que explicar ou o que questionar, pois tudo é como tem que ser, pois assim o é. Seria natural, se o homem fosse um ser preso ao mundo natural e às suas leis determinantes, se não tivesse arbítrio, se não tivesse consciência de si, do seu lugar e de sua época na existência. Não cabe aqui apresentar ou desenvolver a discussão da separação ou não do homem e do mundo natural, entretanto, é necessário apresentar essa idéia para não cair em noções simplistas das ações humanas diante do meio. Sendo assim, não seria natural justificar a ação humana de dominação sobre o próprio homem por intermédio da observação do mundo natural, além de viver em sociedade, o homem a vive em uma organização extremamente complexa, jamais observada em outro âmbito da vida biológica nesse planeta. Essa pequena ilustração, meramente ilustrativa, beirando o lúdico, pretende situar o descaso social na relação com a população desses colonizadores, migrantes, pioneiros que não conseguiram se fixar e se reproduzir sócio-econômico-culturalmente. Não o fazem, por uma carência inicial — já nascem despossuídos. Não o fazem, por uma carência estrutural — crescem despossuídos à mingua de oportunidades. Não o fazem, por uma carência definitiva — permanecem despossuídos. Andarilhos sociais que são, não estabelecem vínculos nem com o território, nem com a cultura, nem com a economia, nem com o trabalho, nem com o urbano, nem com o rural, por fim, o que lhes resta é somente a solução final, a eterna espera de que um dia, as coisas possam ser diferentes. No decorrer desse estudo, verificamos que a população que ocupava a ilha Mutum a partir de 1960, era composta em sua grande maioria por pessoas de origens rurais que, ao longo de sua prática quotidiana, como pequenos produtores, parceiros e arrendatários, foram adquirindo características de uma população campesina. Migrantes de várias regiões do país, cada um com sua trajetória existencial, traziam na bagagem a farinha, a carne seca, o macarrão, a cuia, o laço, o tutu de feijão. Traziam também, a experiência de uma vida de privações, de subordinações, de resignação, de carências, de “viver do possível”, na esperança, de encontrar, mais do que dias; lugares melhores. Trouxeram também, seu jeito de ver a vida, seus “causos”, seus valores, princípios, seu linguajar, sua descendência étnica, seu vocabulário, suas referências morais, materiais e espirituais.

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O resultado da pesquisa de campo revelou que os entrevistados, antes de se fixarem na ilha, residiam e trabalhavam no continente, tendo no meio rural, exercido suas atividades de produção material, cultural e social de vida. Este resultado é muito semelhante aos resultados da pesquisa efetuada por Tommasino (1985), em que 52% dos entrevistados trabalharam unicamente na zona rural. No nosso caso, todos trabalharam no meio rural, sendo três nascidos em ilhas. Retrocedendo pelos caminhos da memória, estes personagens da vida real fizeram paradas em São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia e Sergipe, estados onde nasceram e se criaram, a grande maioria, na condição de trabalhadores rurais, que, procurando melhores condições de existência quando aqui chegaram. Porém, uma vez dentro do estado do Paraná, observou-se que a migração interna foi intensa, principalmente nas cidades de vocação rural do interior. Assim como ocorre com outras comunidades com predominância de práticas tradicionais de subsistência, grande parte da população que ocupava as ilhas do alto rio Paraná, na região de Porto Rico, trouxeram consigo uma tradição de camponeses despossuídos (DIEGUES, 1997; ROSA, 2000; TOMMASINO, 1985; RUFFINO, 1999; LIMA, 1997; CARNEIRO, 1976 apud LIMA, 1997).

(...) os ganhos almejados por eles são apenas os necessários para que possam se manter, sem os dissabores da pobreza e da insuficiência de recursos em que vivem. O acúmulo de riquezas não parece ser, para eles, um fim em si, tal como ocorre na sociedade mais ampla. Eles não manifestam desejos de mudar de estilo de vida, de ingressar num mundo diferente daquele em que vivem, mesmo que a riqueza acene com a possibilidade de oferecer a eles outros prazeres ou confortos (UEM/NUPELIA/PELD, 2000, p. 251).

Definimos como práticas tradicionais as atividades desenvolvidas por populações que de algum modo reproduzem características essenciais de um estilo de vida tradicional, tanto as culturas indígenas quanto as não-indígenas, que de modo geral, são consideradas “camponesas”. As populações camponesas surgiram da miscigenação entre o branco, o índio e o negro, e incluem os “caiçaras” do litoral de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná; os “caipiras”, “caboclos” e “pirangueiros” dos estados do sul; os “vargeiros” habitantes dos rios e várzeas do norte e nordeste; as comunidades pantaneiras e ribeirinhas do pantanal mato-grossense; os pescadores artesanais do Velho Chico; os jangadeiros do litoral nordestino, parcelas de agricultores familiares, dentre outros. Trata-se de sociedades rurais tradicionais, estruturadas historicamente em áreas de estagnação econômica, cujos padrões sócio-econômico-culturais se cristalizaram ao longo do tempo, algumas remontando ao período colonial. Todas apresentam uma maior dependência dos conhecimentos empíricos adquiridos ao longo do contato com a natureza, acumulados e repassados por gerações anteriores, aqui denominados

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conhecimento naturalístico. Igualmente apresentam uma maior dependência dos recursos naturais nos territórios onde vivem, explorando-os econômica, social e simbolicamente (DIEGUES, 1983, 1997; CUNHA; ALMEIDA, 1999; CAMPANILI, 1993; ALMEIDA, 2000; TOMMASINO, 1985). Segundo Diegues (1983), até meados dos anos 80, o movimento ambientalista ignorava as populações tradicionais, embora 84% dos parques e áreas protegidas da América Latina tenham população moradora. O conhecimento “naturalístico”, demonstra entre outras coisas, um sistema próprio de classificação da natureza, de complexidade imensa, transmitido pela prática e pela observação, pelas histórias contadas e pela tradição, que se constitui nos saberes combinados de forma a obter uma certa previsibilidade, que poderá determinar o sucesso de determinadas práticas para a subsistência (LIMA, 1997). Ao longo do processo de colonização do estado paranaense até 1960, as ilhas do rio Paraná, representavam áreas marginais à ocupação territorial, não despertando o interesse como área de valor para o sistema econômico da época. Um dos motivos era a distância de acessos viários para transporte e locomoção, importante fator para o escoamento da produção. Entretanto, para alguns lavradores não-proprietários de terras, vítimas sociais das transformações econômicas ocorridas no campo, as terras da ilhas do rio Paraná, revelaram-se uma última alternativa, principalmente para a parcela expulsa dos municípios que margeam o rio Paraná, onde entre 1970 e 1980, uma pesquisa demográfica do IBGE constatou diminuição de mais de 38% no número de habitantes. Nesse momento, grande parte do território paranaense já estava ocupado, “As ilhas do rio Paraná, consideradas como áreas ‘marginais’ à exploração agropecuária, serviram, nessa época, como áreas absorvedoras da população expulsa do meio rural.” (CAMPOS, 1997, p. 6), restando então, este remanescente de terras que não haviam sido incluídas na matemática do mercado imobiliário, as ilhas. Para alguns dos ex-ocupantes da Ilha Mutum, como veremos mais tarde, o espaço insular representava, além de refúgio, sua autonomia, sua oportunidade de reproduzir sua condição social de vida, ou seja, preservar sua identidade cultural e social. Para outros, a posse representava, além de autonomia, uma forma de inserir-se no mercado capitalista como pequeno produtor. Outras características e especificidades da condição de ilhéu-camponês serão descritas posteriormente. Uma das formas iniciais de ocupação da Ilha Mutum foi a celebração de contratos de parceria e arrendamento, a partir da década de 1940 até a década de 1970, coincidindo com a primeira etapa de transformações no campo e com a própria ocupação do território. A ocupação seguiu os mesmos moldes da ocupação que ocorrera no continente, anos atrás, incluindo a realização de contratos apenas verbalmente, cabendo ao ocupante o compromisso de derrubar certa porção de “mata” para “limpar o campo” e preparar o solo.

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Tal semelhança se estendeu inclusive ao tipo de cultura praticada, levando assim, nos períodos iniciais da ocupação, ao cultivo do café. De acordo com Tommasino (1985), são raros os casos em que os trabalhadores rurais não tenham passado pela condição de arrendatário e/ou parceiro.

No início da colonização, os médios e os grandes proprietários, arrendavam suas propriedades para formação de cafezais, cabendo ao arrendatário o desmatamento, a renda conseguida com a venda das madeiras e a receita da primeira safra. Neste período - o de formação dos cafezais - o arrendatário cultivava outros produtos para sua subsistência, além de manter pequena criação de gado leiteiro, suínos e aves (FUEM/CIAMB-PADCT, 1993).

Como vimos no capítulo 2, no continente, a cultura do café foi a que mais utilizou mão-de-obra na condição de arrendatário, ou “empreita”, como costumam dizer, enquanto que a parceria é mais verificada em culturas sazonais, chamadas “culturas brancas”.8 Porém, em outro estudo, observamos que na Ilha Mutum também houve a tentativa de inserção no ciclo econômico do café.

Entrevistador: "Teve café na ilha também, não?"

Entrevistado: "Na ilha, teve teve. Teve dois trecho de café bonito aqui, ah, qui nem eu tô dizendo, de frente aqui, no do lado de lá né. O Antônio9, ah, quando era o Antônio aí né. Ele tinha um café bonito aí, né. Mas não era o Antônio, entende, foi o Vergilo antes que daí vendeu, dispois do direito pro Antônio, ele cuidou muito tempo aí. E lá pra baixo do Porto Rico, na Mutum mesmo, tinha um cafezal bonito ali também. O cara tinha uns, uns quinze mil pé de café alí." (SÁ, 1998)

Cabe observar que nossos entrevistados, por vezes confundiam sua condição, uma vez que se diziam arrendatários. Entretanto, sua prática era de parceiros, uma vez que na condição de arrendatários, teriam que pagar um valor fixo em dinheiro e periódico pelo aluguel da terra, o que de fato não acontecia. Em algumas ocasiões, quando o patrão era “boa pessoa”, era-lhes permitido permanecer nas terras por certo tempo, cedendo uma parte de tudo o que produzisse. A ocupação das terras da Ilha Mutum, através da “compra” dos direitos de posses dos posseiros que ali chegaram inicialmente, ocorreu a partir da década de 1960, além desta data, não encontramos relatos de ocupação através da ação de posseiros. A compra dos direitos de posse diz respeito ao pagamento por benfeitorias realizadas no local como edificação de casas, trapiche para embarcações, plantações existentes e outras edificações, uma vez que as terras das ilhas em território brasileiro pertencem à Marinha do Brasil.

8 Lavouras sazonais como as de amendoim, algodão, milho etc. (Tommasino, 1985) 9 Estamos usando este pseudônimo pois o informante está se referindo a um dos entrevistados neste estudo, que conforme veremos mais tarde, é originário do Estado de Minas Gerais.

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Assim foi com Sr. Antônio, que chegou na ilha em 1964, com todas as benfeitorias necessárias de plantações e criação de animais, “já formadas”. Ele veio à procura de uma propriedade para trabalhar e “progredir na vida”. Ele acreditava que na Mutum, realizaria seu intento, devido a “fama” da ilha de ser muito produtiva. Dentre os entrevistados, Antônio foi o que possuía maior quantidade de terras na ilha, 20 alqueires. Contudo, verificamos que 50% (5) dos colaboradores da pesquisa se instalaram na ilha na condição de caseiros. A estes, cabia zelar pela “posse”, fazendo a capina e a limpeza da casa de veraneio, “o clube”, e servir aos patrões durante sua permanência, prestando-lhes pequenos serviços como pilotar o barco, arrumar tralhas de pesca, ajudar com carga e descarga de materiais. Em troca, recebiam um salário mínimo e o direito de plantar e morar na terra.

Deste modo, as ilhas do rio Paraná constituíram para esses lavradores remanescentes,

excluídos das transformações econômicas, no setor rural do Estado, um último refúgio na

tentativa de reprodução de sua condição camponesa.

3.2 - As condições de vida

Conforme dados das entrevistas, a Ilha Mutum começou a receber os primeiros moradores da ocupação recente, a partir da segunda metade do século XX, por volta de 1962. Antes de ocuparem o local, estes residiam em outras ilhas do rio Paraná e do rio Baia e outros residiam em fazendas no interior de outros estados, como Pernambuco, Bahia, Sergipe, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, além do Paraná. Entretanto, por mais distantes os lugares de onde tenham vindo, sua tradição remete sempre à descendência camponesa, com práticas tradicionais de existência. Uma vez na Ilha Mutum, essas características iriam se sobressair. Os dados referentes às populações que residiram nas ilhas do arquipélago do alto rio Paraná são escassos, e o pouco que se dispõe, carece de uma certificação mais formal. Procurando ter uma idéia da quantidade de pessoas que residiram na Ilha Mutum entre as décadas de 1960 a 1980, pudemos verificar que, segundo a carta de Loanda, constata-se que entre os anos 1964 a 1966, havia 31 casas na ilha Mutum, 5 na ilha Porto Rico e nenhuma nas demais ilhas. Em levantamentos posteriores realizados pela FNS (Fundação Nacional da Saúde), em 1983, existiam no arquipélago, 96 casas onde residiam 258 habitantes, e em 1993, 72 casas, sendo que destas, 28 eram destinadas a residências e as restantes para atividades de veraneio, abrigando uma população fixa de 80 moradores (CORREA, 1998).

De acordo com um de nossos colaboradores, “Morava muita gente na ilha, era situada de gente essa ilha. Paranaense, paulista, tinha de toda espécie.” (JOÃO, 2001) Outro antigo morador, por ocasião de um levantamento censitário

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encomendado pela Secretaria de Educação da municipalidade de Porto Rico, nos aponta um número, embora espantoso, mais preciso. De acordo com seu relato, no ano de 1967 haviam 490 famílias residindo na Ilha Mutum, e atualmente, residem 15 famílias. Recorrendo aos resultados da pesquisa (Anexo 1), constatamos que apenas 3 dos 10 ex-ilhéus, não combinava as atividades de pescaria com a de lavoura. O primeiro se declarou pescador profissional com dedicação apenas à pesca, o segundo se declarou exclusivamente lavrador, e o terceiro, na época com 15 anos ajudava apenas nos pequenos afazeres de uma fecularia na cidade. Assim como este último, outro entrevistado nessa mesma faixa etária teve vários empregos urbanos, no Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Entretanto, os pais de ambos, bem como seus irmãos mais velhos, exerceram a atividade combinada de pesca e de lavoura na ilha. Segundo Diegues (1983), a combinação agricultura/pesca é muito freqüente nas populações litorâneas e ribeirinhas no Brasil. Assim, segundo dados do Pescart, em 1974, no Amazonas, somente 64% dos pescadores viviam exclusivamente da pesca, enquanto que 36% exerciam outras atividades complementares, notadamente a agricultura. Tommasino (1985) atribui a importância da pesca para os habitantes das ilhas, na medida em que substitui a carne na sua dieta alimentar. Segundo Resaldaves (1994), a atividade pesqueira equivale a 45% da produção brasileira de cunho artesanal e representa um importante papel social, seja na produção de alimentos para a população ou na geração de empregos diretos para um contingente aproximado de 200.000 pescadores, além de empregos indiretos gerados a partir da produção e comercialização dos seus insumos básicos e seus insumos produzidos. Assim, com estes pressupostos, os ex-habitantes da Ilha Mutum, com os quais tivemos contato, serão considerados para esta pesquisa, lavradores-pescadores, noção que remete à sua condição sócio-econômico-cultural e geográfica particular de existência. Tal condição, refletirá diretamente na forma de exploração do espaço da ilha. O ilhéu lavrador tem na terra seu principal meio de reprodução material, social e cultural de vida, e tem na pesca sua maneira de complementar as necessidades alimentares e as pequenas necessidades de sua economia doméstica. Além disso, dado a própria localização geográfica de sua habitação, o estimulava à pesca, uma vez que o território insular fluvial fazia parte de sua paisagem cotidiana. Durante a fase inicial de ocupação, esses lavradores adotaram práticas de plantio através do preparo do terreno, desmatando a área a ser utilizada e vendendo a madeira extraída, tal prática foi a mesma adotada pelos colonos que inicialmente ocuparam o território paranaense. Posteriormente, a exploração do território seria mantida através da manutenção de suas culturas de subsistência com a venda do excedente produzido, e com a coleta de peixes através do desenvolvimento das habilidades na pescaria. A extração de produtos

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agrossilviculturais se verificou através do uso de ervas medicinais na época em que residiam no território insular. Após o estabelecimento na ilha, os ilhéus gradativamente foram definindo:

- sua forma de existência material ao estabelecer mecanismos de

captação de recursos financeiros com a venda do excedente da lavra e

com a coleta de peixes;

- os laços sociais de vizinhança e solidariedade através da rede local de

moradores durante os mutirões para o preparo, plantio e colheita; nas

campanhas de pesca com os parentes e vizinhos; e nos momentos de

urgência, com questões de doenças e acidentes, quando todos

procuravam ajudar.

A boa convivência com os moradores parecia ser o traço forte entre os ilhéus. Muitos relataram o socorro e o auxílio nos momentos de necessidade. Ao que parece, todos estavam no mesmo nível social e econômico, todos sabiam das adversidades enfrentadas, igualando-se na forma de produção de vida. A colaboração mútua era também uma forma de superar os desafios de se viver em uma comunidade restrita que precisava se manter com as condições que tinham disponíveis. Nessas condições, fica evidenciada a diferença das condições de colaboração e ajuda mútua entre os habitantes nos dois ambientes. Atualmente, entre eles na cidade, estas características não são tão presentes quanto era na ilha. Os laços sociais externos ocorriam através do contato dos moradores com a sociedade mais ampla do continente:

- nas ocasiões da comercialização de seus produtos;

- nas visitas a familiares e amigos;

- no tratamento de doenças enfermidades;

- nas compras dos produtos domésticos básicos como o querosene para a

lamparina, a gasolina para o motor do barco, o açúcar para o café e

artigos de vestuário;

- nos bailes, festividades e comemorações como as de Nossa Senhora

dos Navegantes

Assim, sua cultura também paulatinamente foi desenvolvida, por meio do contato com elementos intra e extra grupo, ou seja, com a comunidade de ilhéus da Ilha Mutum e de outras ilhas próximas e com a comunidade do continente.

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Esta última, diferentemente da comunidade insular, tinha acesso ao atendimento de uma infra-estrutura urbana básica, com água encanada, energia elétrica posto de saúde, farmácias, mercearias e escola. Essa rede de amparo, que assegurava os direitos civis dos cidadãos residentes no continente, era objeto do desejo dos moradores das ilhas que careciam de um acesso facilitado a esses direitos. A divisão do resultado do trabalho, utilizando elementos extra-familiares, quando feito em parceria, seja na pesca ou na lavoura, era a partilha ou quinhão. O produto era distribuído diretamente aos participantes. Em suma, era o próprio produto que organizava a forma de produção e não a categoria monetária em si. No que diz respeito a pesca, grande parte do pescado era salgado e secado para o consumo direto, garantindo um tempo maior de conservação. Um dos colaboradores da presente pesquisa, que se enquadra no perfil de pescador artesanal, relatou ter vendido grande quantidade de peixe seco e salgado ao atravessador, constituindo a principal fonte de renda disponível para a compra de algumas mercadorias essenciais, bem como um meio de pagamento das parcelas do motor que comprara a prazo. Os outros colaboradores, de perfil campesino, cuja dedicação à produção pesqueira era menor, a venda do pescado era feita mediante a conservação em gelo, o que obrigava uma rápida negociação, devido a facilidade na degradação do produto, limitando a negociação a valores mais módicos. O mutirão, outra ocorrência comum entre comunidades tradicionais, também estava presente na narrativa das memórias10 dos ex-ilhéus entrevistados. O mutirão não tinha somente a função de organizar a força de trabalho em unidades de produção maiores que a familiar, mas servia também para manter laços de solidariedade entre os vizinhos das redondezas. Além disso, permitia um fluxo mínimo de informações entre moradores das ilhas e possibilidades de namoro e eventuais casamentos entre os jovens participantes. Diegues (1983) esclarece que o mutirão acontece quanto, no limite, a intensidade de trabalho do grupo doméstico não consegue executar as tarefas dentro do prazo de perecibilidade de determinado produto. Nesse caso, apela-se para o mutirão, ou ajuda de vários grupos domésticos, o que geralmente costuma ocorrer em ocasiões especiais, tais como a colheita. Ao final, pode ocorrer uma

10 A memória é citada por diversos autores como o suporte fundamental da identidade, uma forma de “mecanismo” de retenção de informação, conhecimento, experiência, quer em nível individual, quer social e, por isso mesmo, constitui-se no eixo de atribuições, que articula, categoriza os aspectos multiformes de realidade, dando-lhes lógica e inteligibilidade. Meneses. [...]

Exilar a memória no passado é deixar de entendê-la como força viva do presente. Sem memória, não há presente humano, nem tampouco futuro. Em outras palavras: a memória gira em torno de um dado básico do fenômeno humano, a mudança. Se não houver memória, a mudança será sempre fator de alienação e desagregação, pois inexistiria uma plataforma de referência, e cada ato seria uma reação mecânica, uma resposta nova e solitária a cada momento, um mergulho do passado esvaziado para o vazio do futuro. É a memória que funciona como instrumento biológico-cultural de identidade, conservação, desenvolvimento, que torna legível o fluxo dos acontecimentos. Meneses (1987, p. 183 e 185)

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confraternização e a divisão de parte da produção. Neste nível de reciprocidade social, a solidariedade grupal atinge uma condição material e física indispensável para a sobrevivência da comunidade. Dado o fraco desenvolvimento das forças produtivas, a precariedade dos instrumentos de trabalho, em geral relativamente acessíveis a todos, e o importante papel desempenhado pelas atividades complementares (agricultura, caça, extração), geralmente não ocorre o desenvolvimento de classes sociais específicas na economia camponesa. Segundo Diegues (1983) são poucas as diferenciações sociais no interior das comunidades de lavradores-pescadores, que muitas vezes, não chegam a apresentar nenhum comportamento de classe. Encontram-se sozinhos diante dos atravessadores que os exploram. Um dos motivos, seria a distância física entre estes que vivem espalhados por inúmeras e distantes ilhas. Não verificamos a finalidade de acúmulo de bens de capital, até porque vivia-se na dependência dos ciclos naturais e, assim, todo o tempo útil era utilizado para a produção dos meios de subsistência para si e sua família, com pouca possibilidade de formação de excedente. A renda advinda desse excedente era destinada à compra de produtos essenciais que não produziam por meio de sua força de trabalho ou de seus conhecimentos. Assim, enquanto a pequena agricultura lhes fornecia os meios de subsistência, a pesca lhes rendia dinheiro ocasional para compra de outros produtos de primeira necessidade, principalmente alimentares e de vestuário. Como afirma Marx (1978), sem um certo grau de produtividade do trabalho ou de desenvolvimento das forças produtivas não há excedente de produção, o nível de divisão do trabalho será baixo e, como conseqüência, não há diferenciação social. A esse nível técnico e de produtividade social a solidariedade de grupo é uma condição indispensável para a sobrevivência física e moral do grupo. Entretanto, mesmo não havendo diferenciação social dentro da comunidade, entre os antigos moradores da Ilha Mutum, havia outras formas de reconhecimento de prestigio. O barco é muitas vezes mais um meio de transporte que um instrumento usado na captura do pescado. É através da pequena embarcação que o ilhéu mantém o contato com o continente. Dessa forma, a embarcação se torna o principal elemento de socialização, seja com o continente ou com os próprios moradores de pontos distantes da própria ilha. Assim, além de ser um importante instrumento de trabalho e de prestígio, principalmente no caso das embarcações motorizadas, constituía um símbolo de maior autonomia. Convém mencionar que a cidade tinha uma grande relevância nas atividades das antigas comunidades tradicionais. Alguns autores chegam mesmo a afirmar que não há economia camponesa sem as cidades. Alguns antropólogos, como Foster (1963, 1967 apud DIEGUES, 1983), Potter (1967 apud DIEGUES, 1983) e Redfield (1967 apud DIEGUES, 1983), enfatizaram as relações estruturais entre as aldeias, comunidades e vilas dos camponeses com as cidades e descobriram

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que a dependência dos camponeses para com as cidades era maior dos que se supunha. Entre a cidade e os camponeses, existem não somente relações de troca, mas também de dominação e subordinação. Deste modo, uma determinada formação econômico-social não participa somente da sociedade global através de meros procedimentos de compra e venda de produtos, mas, através da cidade, participam da grande tradição de que fala Redfield. Segundo ele, a cultura de uma comunidade camponesa não é autônoma, e sim um aspecto ou dimensão da civilização de que faz parte (REDFIELD, 1967 apud DIEGUES, 1983). Muitas vezes, a dependência chega até mesmo atingir o nível da cultura, como foi constatado nessa pesquisa, em que os ilhéus dependiam inclusive das expressões culturais da cidade de Porto Rico11. Durhan (1978) nos apresenta uma explicação bastante completa da dependência das sociedades tradicionais em relação à sociedade mais ampla.

Na verdade, essas comunidades nunca são (nem foram) completamente isoladas e auto-suficientes, e a dependência que manifestam em relação ao mundo exterior é o fundamento da sua integração na sociedade nacional. Essa dependência se manifesta inicialmente, na própria adaptação ecológica A relação do caboclo ao seu ambiente, sempre dependeu de um mínimo de utensílios, instrumentos e mesmo bens de consumo que só podiam ser produzidos em uma economia diferenciada: quanto mais não fossem, armas, utensílios de metal e sal. Os instrumentos fundamentais para a exploração do ambiente, de um lado o machado e a enxada, de outro a espingarda e a faca não são produzidos localmente. Aliás, grande parte de seu equipamento material, mesmo quando de fabricação doméstica, são réplicas simplificadas de elementos que se difundem de sistemas sócio-culturais mais complexos: é o caso do monjolo, da prensa de cana, mesmo do vestuário e, em parte, do modo de preparo dos alimentos. Tal dependência não impede o isolamento mais impõe limites ao distanciamento cultural das sociedades tecnológicas mais complexas (DURHAN, 1978, p. 82 apud TOMMASINO, 1985, p. 154).

Nesse mesmo segmento analítico, Redfield (1967, apud DIEGUES, 1983) afirma que a classificação do que é ser camponês, aponta uma categoria social que se define em relação às cidades. Neste caso, para o autor, os lavradores que preexistiam às cidades são considerados de cultivadores primitivos. Nesse sentido, os camponeses participam de uma sociedade mais ampla, uma sociedade urbana, onde moram elites com as quais eles se relacionam. Foster (1967, apud DIEGUES, 1983) foi um pouco mais longe, chamou as sociedades camponesas de sociedades parciais (part-society - half society), que fazem parte de um complexo social mais amplo, normalmente uma nação. 11 Além disso, em uma entrevista ao site ComCiência, o pesquisador antropólogo Mauro Almeida, que estuda populações tradicionais na Amazônia, afirmou não existirem comunidades tradicionais puras, atualmente é considerado tradicional aquele indivíduo que o grupo social local reconhece como estando na condição tradicional. Mauro Almeida. As reservas extrativistas e as populações tradicionais. nov./2000. ComCiência. Disponível em: http://www.comciencia.br/ entrevistas/almeida.htm.

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É preciso lembrar, como faz Post (1972, apud DIEGUES, 1983), que essas relações não se reduzem a um aspecto espacial ilha / continente, mas são mediadas pela noção de um excedente produzido pelos camponeses e expropriado pelas classes dominantes que se concentram no meio urbano. Post enfatiza que a entrega desse excedente não é somente a venda de produtos ou coisas, mas expressa uma relação de dominação assimétrica de poder. De um lado, há uma camada social, por exemplo, os comerciantes, que, através de termos desiguais de troca, compram a produção a baixo preço; de outro lado, há os lavradores, que constituem um conjunto de produtores desprovidos do poder. Por fim, Diegues (1983) adverte ainda que a representação de cidade, é diferente para os pescadores artesanais e lavradores-pescadores. Para os pescadores artesanais, a cidade é o mercado por excelência, onde dia a dia eles se defrontam com os atravessadores no momento de vender o peixe. É ali também que vão procurar o combustível, o gelo, o óleo. É ali que eles também habitam, geralmente em casas pobres, nos arrabaldes da cidade, ou entulhados na área do porto. Para eles, desapareceu a roça, a plantação e surgiu o rio para onde, diariamente, saem para buscar o peixe, imediatamente transformado em valor de troca. Para os lavradores-pescadores, a cidade significa o centro para onde se dirige o seu parco excedente, seja agrícola, seja pesqueiro. As cidades, no entanto, mudam. Antes elas viviam da produção das pequenas sociedades camponesas, hoje, grande parte vem de fora, mesmo a pequena produção agrícola, diminuindo sua possibilidade de participação na economia na qual se desenvolveram. Era no continente que se localizavam as "máquinas de arroz" que, para os ilhéus, funcionavam como uma espécie de "banco de crédito", onde negociavam o excedente da produção de cereais, na medida de sua necessidade. O contato comercial com o continente se dava em duas vias, tanto o ilhéu se dirigia para o continente, quanto o 'continente se dirigia aos ilhéus'. Neste caso, eram os compradores de banana que seguiam de barco até as margens das ilhas para comprarem a farta produção relatada por todos os colaboradores da pesquisa.

Era na cidade onde estavam os armazéns, casas de comércio, para onde o lavrador-pescador podia levar seu arroz, a farinha de mandioca, os ovos, o peixe seco e mesmo a lenha cortada, em feixes, que servia para alimentar os fogões. Nessas mesmas vendas compravam-se a fazenda para o vestuário, o café e alguns instrumentos de trabalho como os anzóis, as enxadas, as foices, os machados, etc. Em ambas as casas de comércio ficava o pequeno produtor endividado, especialmente nas épocas de colheitas magras ou de minguadas colheitas (DIEGUES, 1983, p. 222).

De acordo com Agostinho; Zalewski (1996), o trecho onde está localizada a ilha Mutum, faz parte do último segmento da bacia do rio Paraná que não se encontra represado em território brasileiro. A característica principal desse ambiente é a presença de inundações periódicas que representam a principal

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função de força que atua sobre as comunidades (bióticas) presentes na área (THOMAZ, 1991 apud AGOSTINHO; ZALEWSKI, 1996). Se as periódicas inundações na planície do alto rio Paraná eram os fatores principais que atuavam de forma favorável às comunidades bióticas, à comunidade de humanos as inundações naturais também representavam benefícios. Ao longo de sua coexistência com o ambiente, os ilhéus lavradores aprenderam a conviver com este ambiente particular que se renova em vida e fertilidade durante e após a inundação das ilhas e várzeas. No ano em que havia previsão de enchentes, o plantio era antecipado para que a colheita fosse efetuada antes de sua ocorrência, plantavam as culturas mais sensíveis à inundação nos locais mais altos do terreno e culturas mais adaptadas à água como o arroz, nos terrenos mais baixos. Além disso, as casas também eram construídas nos pontos mais altos do terreno, no que denominavam “terra seca”, a parte produtiva, onde “se plantando, tudo dá”, inclusive o arroz. Já a área que denominam “varjão” é a várzea e somente é aproveitada para o cultivo de arroz. Durante o período de inundação natural, antes da grande cheia de 1982-83, se por um lado os ex-ilhéus relataram raros momentos de desconforto temporário da fixação no continente, em barracos de lona, casa de amigos e parentes; por outro lado, a cheia também coincidia com a fartura, um suprimento extra de peixes e a época da colheita do arroz. A referência aos momentos em que se viram obrigados a abandonar a ilha durante as inundações anteriores a “grande cheia”, de acordo com esses antigos moradores, foram poucas, pois, de acordo com eles, as enchentes até então eram mais brandas, inundavam o suficiente para “lavar bem o varjão”. O período mais longo para esta situação, de acordo com os entrevistados, foi de 3 meses, tempo durante o qual, alguns ficaram acampados nas margens do rio. Mesmo assim, nem todos os moradores eram obrigados a saírem de suas residências por motivo da inundação, pois aqueles que tinham as casas nos locais mais altos da illha, nos “espigões”, não precisavam abandonar a casa. Nos períodos de ausência das inundações, a situação de ilhéu lavrador retornava à normalidade de seu cotidiano, que, se pudesse ser resumido, seriam necessárias apenas duas palavras, muito recorrentes em suas falas, fartura e sofrimento. Até mesmo o Sr. Armando12, o mais entusiasta colaborador defensor da presença de moradores na Ilha Mutum, que integra a APA das Ilhas e Várzeas do rio Paraná, essas duas palavras, aparentemente contraditórias, são claramente identificadas em seu discurso. Isso nos remete a idéia de um paraíso às avessas

12 Por questões técnicas de sigilo à identidade de nossos colaboradores, optamos por substituir os nomes verdadeiros por pseudônimos. O sigilo da identidade dos informantes colaboradores, na técnica de História Oral, é indicado para situações que poderiam expor o colaborador a algum prejuízo, caso sua identidade fosse revelada, ou ainda para permitir uma maior liberdade de discurso.

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que consegue conjugar ao mesmo tempo a idéia de algo que é desejado e rechaçado. Logo no início da ocupação da ilha, os moradores providenciaram a policultura, como dito anteriormente, com a finalidade primeira de atender suas necessidades de subsistência como a mandioca, milho, arroz, feijão, batata, abóbora, banana, cana-de-açúcar, criação de pequenos animais como porco, galinha e gado leiteiro. Em segundo plano, estava a possibilidade incerta da venda do excedente da produção. Para a produção com finalidades exclusivamente comerciais, se destacavam o cultivo de mamona, vassoura e banana, bem como, nos períodos de maior abundância, a pesca também era voltada para o pequeno comércio. Este estilo peculiar de reprodução de vida, se aproxima muito das concepções de diversos autores a respeito do que classificam como “comunidades tradicionais”. Petrere; Agostinho (1993 apud RESALDAVES, 1994), dando ênfase maior à atividade pesqueira, classificaram três tipos de pescadores em exercício no canal principal do rio Paraná. De acordo com essa classificação, os entrevistados se classificariam como pescadores de subsistência. Pescadores artesanais ou de tempo integral: são essencialmente profissionais, pescando para companhias intermediárias ou de refrigeração. Geralmente, vivem perto do local de pesca, utilizando barcos motorizados. Seus principais aparelhos de pesca são rede de espera e tarrafa. Eles guardam os peixes em caixas de gelo. Esses pescadores são representados por moradores de Porto Rico e Guaíra; Pescadores de subsistência: a principio pescam mais para seu próprio consumo, vendendo, algumas vezes, o excesso durante a estação mais abundante. Utilizam espinhéis, pescando com canoas escavadas em troncos ou nas barrancas dos rios. Conservam o peixe salgado. A pesca de subsistência é desenvolvida por pequenos fazendeiros e bóia-frias que moram nas ilha e cultivam cereais ou vivem em pequenas colônias à beira do rio; Pescador de lufada ou ocasional: usualmente possuem outra atividade, na agricultura ou pecuária, pescando somente no pico da estação ou na lufada. Tendem a ser grupos nômades que seguem os pescadores artesanais, sendo representados por moradores de grandes centros urbanos da região. Ampliando essa discussão, Diegues (1983), também a partir da pesca, apresenta outras classificações e características que, em essência, são muito semelhantes às apresentadas acima. O referido autor classifica como pescadores-lavradores as comunidades afastadas do contato com civilizações mais modernas do continente. Estes praticam uma pesca primitiva, atualmente bastante rara no país, com alguma ocorrência em locais distantes do Amazonas, praticada seja dentro dos quadros das tribos indígenas ou de pequenos agrupamentos ribeirinhos. Realizada por reduzidos agrupamentos humanos, a pesca é somente uma das atividades do grupo, aliada à caça e à pequena lavoura também de subsistência. Realizada sobretudo dentro de uma economia onde só existe a produção de valores de uso.

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Em nenhum momento há a mediação da moeda13 nas trocas existentes e o eventual excedente produzido é utilizado dentro do princípio de reciprocidade ou de padrões redistributivos. A unidade de trabalho pode ser a própria tribo ou a unidade familiar. A segunda classe, a pesca de pequena produção mercantil é a que mais nos interessa, é em termos estruturais muito semelhante à anterior. Entretanto, há as seguintes diferenças básicas: o contato com a civilização no continente, ainda que bastante incipiente, é maior, os métodos de pesca são simples, podendo ainda incluir a utilização de instrumentos mais eficientes como o uso de pequenas embarcações motorizadas, uso de redes de náilon e espinhéis, utilizam também a força de trabalho da unidade familiar, não raro estendendo também para a complementação da mão-de-obra de vizinhos, amigos e parentes, constituindo assim, uma “companha de pesca”. Contudo, a principal diferenciação ocorre na finalidade da produção, onde há os dois tipos de produção, a de uso, destinada à família e a de troca, destinada ao pequeno mercado consumidor, envolvendo assim, a circulação de moeda. O pequeno cultivo de lavoura também tem duas destinações, a primeira é para o auto-consumo e a segunda é para a mercantilização, uma vez que as rendas auferidas com a venda do pescado são sazonais e incertas. Essa modalidade de trabalho pressupõe uma certa divisão, e se dá por critérios de sexo e idade, cabendo às mulheres uma parte maior nos trabalhos caseiros e de roça, enquanto que os homens, de maneira ocasional, integram as campanhas de pesca. Há também os elementos que exercem funções especializadas, inclusive ao nível da pesca, que não necessariamente participam da pesca, como é o caso daquele que trata da construção e manutenção de canoas e de barcos (DIEGUES, 1983). A pesca artesanal, segundo Diegues (1983), é praticada por pescadores autônomos, geralmente descendentes de populações tradicionais, altamente especializados, que atuam sozinhos ou em parcerias, usando instrumentos relativamente simples. A remuneração na parceria é feita pelo sistema tradicional de divisão da produção em “partes”, sendo o produto destinado preponderantemente ao mercado. Da pesca retiram a maior parte da renda, ainda que sazonalmente possam exercer atividades complementares, a diferença então reside na ênfase da atividade, ou seja, a pesca para angariar recursos monetários, visando a pequena acumulação de capital.

13 Entre os antropólogos, Maurice Godelier (1974 apud Lima, 1997) debate a circulação e a troca de bens valorizados simbolicamente e apresenta dois tipos básicos de categoria, distinguindo as formas não-mercantis das formas mercantis de circulação dos bens. Entre as formas não-mercantis assinala a partilha, a dádiva, as prestações seguidas de redistribuição pelo beneficiário da prestação e o tributo, entre outras. Dentre as formas mercantis, distingue as formas simples de circulação das mercadorias, com ou sem moeda, das formas capitalistas de circulação das mercadorias. Quando se produzem bens para a permuta e são permutados conforme taxas aceitas, temos formas de circulação mercantil sem moeda. Quando, entre os bens permutados, há um que se especializa na função de equivalente geral de todos os outros, temos a forma de circulação simples com moeda. Dessa, podem-se distinguir dois tipos: aquela destinada a satisfazer necessidades, não orientada para o lucro, e a que para ele se orienta, circulando a moeda como capital.

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Para Mitlewski (1999), a atividade pesqueira na Amazônia está dividida em três modalidades: pesca de subsistência, pesca comercial e pesca industrial. Tradicionalmente, a pesca nos lagos de várzea tem sido praticada pelos pescadores de subsistência que, devido à fragilidade de suas pequenas embarcações, permanecem nestes ambientes o máximo possível, preferencialmente durante o verão, quando durante as enchentes, a pesca no rio é pouco produtiva e tecnicamente difícil. Por outro lado, a pesca comercial enfoca principalmente a captura de espécies migradoras no canal do rio (GOULDING, 1980) e é, portanto, praticada fundamentalmente durante o período de seca. Para tal, são necessários equipamentos mais desenvolvidos, tais como espinhéis, redes de cerco, redes de deriva ou longas redes de emalhe, mais dispendiosos do que as redes pequenas, arpões ou linhas simples usadas geralmente nos lagos, pressupondo um certo preparo de acumulação de capital, descaracterizando a atividade como produção camponesa, e se aproxima da pesca artesanal de Diegues (1983). Essa descaracterização se acentua na modalidade de exploração industrial da pesca que conta com equipamentos mais sofisticados, adaptados para uma coleta quantativamente maior e são, conseqüentemente, mais dispendiosos. São assim, de propriedade de grandes investidores para geração de grandes lucros. Deste modo, as populações tradicionais campesinas, de acordo com Mitlewski (1999), atualmente podem praticar as seguintes atividades econômicas: pesca de subsistência e artesanal, agricultura de subsistência e comercial, pecuária de subsistência e comercial, extrativismo de subsistência e comercial, artesanato, criação de pequenos animais e eventualmente trabalho assalariado temporário. Lembramos que toda atividade desenvolvida comercialmente é de produção em pequena escala e as eventuais reservas de economia não estão direcionadas para a acumulação de capital, mas para a manutenção das condições básicas de subsistência. Entretanto, entre os ex-ilhéus entrevistados, havia os que preferiam dedicar-se mais à pesca do que à lavoura. Ocorria também o inverso. Dessa forma, dentro da unidade familiar, alguns se destacavam mais nas tarefas pesqueiras enquanto outros nas de lavoura. Sazonalmente, nos períodos de grande produção, agrícola ou pesqueira, todo o grupo familiar participava das atividades. Para os ilhéus, a terra, sob sua propriedade e em seu controle, constituía o meio de produção mais importante, embora não chegasse a constituir um meio de acumulação de capital, o que, de acordo com Diegues (1983), caracteriza a condição camponesa de produção.

A terra, sob sua propriedade e em seu controle, é o meio de produção mais importante. Ele [camponês] se sente mais à vontade junto à casa de fazer farinha, no cultivo de seu pequeno pomar, que no calão do seu picaré. (p. 153)

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Na medida que as atividades de produção e consumo se realizam dentro da unidade familiar, que também detém os meios de produção, e na medida em que inexiste uma acumulação de capital contínua, podemos dizer que estamos em presença de uma unidade camponesa de produção. Baseando-nos em Diegues (1983), relacionamos abaixo, alguns pontos que permitem a categorização dos antigos moradores da Ilha Mutum, como uma comunidade dentro dos moldes da economia camponesa.

a) a importância do trabalho agrícola para a reprodução da família do lavrador-pescador;

b) era o calendário agrícola que determinava o uso da categoria temporal entre as atividades complementares (pesca, extração, etc.);

c) o fato de a reprodução dos meios de produção e da força de trabalho passar necessariamente pelo trabalho agrícola;

d) a importância do trabalho familiar como limite extremo na organização da produção;

e) a baixa capacidade de acumulação decorrente do reduzido excedente gerado nesse tipo de economia;

f) a produção voltada sobretudo para o auto-consumo e eventualmente para o comércio.

De acordo com Diegues (1983), à medida que a pesca deixa de ser uma atividade complementar para tornar-se a principal fonte de produção de bens destinados à venda; à medida que surge um excedente utilizado na compra de embarcações motorizadas que exigem certos conhecimentos, a mão-de-obra mais apropriada nem sempre é a familiar. Segundo as novas bases de partilha da produção introduzidas, nem sempre era interessante utilizar um parente como companheiro de pesca. Nesse estágio surgia o pescador artesanal, que passa a viver exclusiva ou quase exclusivamente da sua profissão. Este passa a viver e a reproduzir suas condições de existência na pesca, voltada fundamentalmente para o comércio. O mercado é o objetivo de sua atividade, ainda que o balaio ou cesto de peixe, religiosamente separado antes da partilha, constitua uma das bases de sua sobrevivência e de sua família. Aumentando as considerações para a condição tradicional, particularmente na situação da pesca, ser pescador artesanal não é somente o ato de viver da pesca, mas é sobretudo a apropriação real dos meios de produção; o controle do como pescar e do que pescar, em suma, o controle da arte de pesca. O domínio da arte exige dele uma série de qualidades físicas e intelectuais que foram conseguidas pelo aprendizado na experiência, que lhe permitem apropriar-se dos segredos da profissão. Porém, de acordo com alguns autores, outras classificações de pescadores devem ser consideradas para se fazer a distinção do conjunto de procedimentos e de condições que um certo grupo de pescadores apresentam e

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outros não. Para Diegues (1983), a condição de pescador artesanal é diferente da condição de lavrador-pescador.

A distinção maior, no entanto, entre a pesca dos pescadores-lavradores e a dos pescadores artesanais está no surgimento, entre esses últimos, do que podemos chamar de corporação de ofício. Os pescadores artesanais se identificam com um grupo possuidor de uma profissão. Esta é entendida como o domínio de um conjunto de conhecimentos e técnicas que permitem ao produtor subsistir e se reproduzir enquanto pescador. Esse sentido de pertencer a um determinado grupo se concretiza no possuir a carteira .de pescador profissional. “Eu vivo da minha profissão de pescador” não significa somente a dependência exclusiva dos produtos da pesca, mas também participar de um grupo que domina os segredos de sua prática, como se locomover, como identificar as diversas espécies de pescado, seus hábitos migratórios, etc (p. 197).

Entretanto, no aspecto econômico, o lavrador-pescador se aproxima da economia camponesa, na qual somente uma parte da produção é comercializada, ao passo que, na economia artesanal, todo o produto se destina ao mercado. Contudo, a finalidade não é a acumulação de bens e sim a subsistência (DIEGUES, 1983). Enquanto a colheita agrícola é predominantemente sazonal, a produção pesqueira pode ser diária. Por isso é que o próprio agricultor pode trabalhar alguns dias como pescador na espera de algum dinheiro extra. O agricultor recebe o valor de sua produção por ocasião da colheita e pode prever a porcentagem dos ganhos que será consumida ou investida na compra de equipamentos etc. Já o pescador pode ter uma renda diária, mas de maneira irregular e imprevisível. Por outro lado, enquanto o agricultor armazena sua produção, o pescador em geral não pode fazê-lo, dada a perecibilidade do produto; daí sua urgência em negociar, mesmo resultando uma maior dependência do intermediário. Além disso, na lavoura, a unidade da produção é normalmente a família, ao contrário da pesca que, por exigências próprias de atividade aquática, se restringe em geral ao trabalho masculino, requisitando a cooperação de grupos mais amplos, o que exige, por outro lado, um sistema de comunicação mais complexo. Soma-se a isso, o fato de que enquanto o camponês investe mais na terra de maneira permanente, o investimento do pescador em equipamentos está mais sujeito a perda e / ou destruição do que os instrumentos utilizados na lavra. Outro ponto, que descende do anterior, é a questão da propriedade sobre os recursos a serem explorados. O lavrador pode adquirir um direito permanente, transferível, sobre a terra, o principal fator de produção, o que não ocorre no controle de recursos menos duráveis, como os utilizados na pesca ou no artesanato. Aqueles que controlam a terra adquirem um status especial na comunidade. Se os direitos sobre o uso da terra são transferidos para outrem, não existe somente um problema de reciprocidade econômica, mas também uma

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questão de subordinação. O trabalhador que arrendou a terra passa a ter um status inferior àquele que recebe a renda (DIEGUES, 1983). Ainda, seguindo Archetti e Stöllen (1975, apud DIEGUES, 1983), a economia camponesa se movimenta dentro de um círculo de escassez e, por isso, não tem defesas frente a uma crise na colheita, na demanda ou nos preços. O camponês, por isso mesmo, nessas crises, tende a converter-se em artesão, pescador ou extrativista, além de poder participar ocasionalmente do mercado enquanto força de trabalho assalariada. Além disso, outra estratégia adotada para maximizar a renda está em utilizar os membros do grupo doméstico em atividades complementares como o artesanato, a confecção de cestos e esteiras para o pequeno comércio. Apesar de todo esse esforço, é comum constatarmos, assim como o fizemos nessa pesquisa, que geralmente as populações residentes nos redutos naturais remanescentes, se vêem cada vez mais impedidas de reproduzirem a forma de vida com a qual se viram obrigadas a aprender, em nome do interesse econômico. Isso, porque essas áreas, em nossos dias, subitamente adquiriram valor, através de parâmetros culturais. Mais tarde veremos como isso foi possível. A diferença é que as populações de miseráveis que ali se instalaram, não se fixaram por mero capricho do ‘lazer estandartizado’ como o fazem as classes abastadas. Foi a exclusão da participação das riquezas que ajudaram a gerar, que obrigaram essa leva de trabalhadores da terra a se retirarem do continente. Recentemente, até mesmo essa possibilidade, como veremos em seguida, através de vários fatores, lhes foi negada.

Situações semelhantes a essa, ocorreram também em outros locais:

No Litoral Norte de São Paulo, ambos [camponeses e lavradores pescadores] passam a experenciar formas de vida diferentes. Os pescadores-lavradores continuam a viver nas comunidades, nas praias distantes dos centros urbanos, onde com dificuldade alguns guardam a posse da terra onde fazem suas pequenas roças. Alguns, tendo-se tornado caseiros das propriedades que antes lhes pertenciam, vêem os filhos partirem para as cidades (DIEGUES, 1983, p. 220).

No fim, lavradores-pescadores e pescadores artesanais, fazem parte de um mundo ao mesmo tempo idêntico e diferente. Ambos são grupos sociais caracterizados pela dependência frente aos não-trabalhadores — os comerciantes e aos proprietários não-pescadores. Ambos são produtores independentes, mas ambos não tem poder, são grupos dominados. Ambos conservam em maior ou menor grau, a propriedade dos bens de produção e do saber-fazer /conhecer: uns mais vinculados à terra, outros mais vinculados ao rio. A dependência cada vez maior do mercado pode induzi-los a explorar esses recursos acima de sua capacidade de regeneração natural. Paradoxalmente, a predação desordenada desses recursos poderá significar também seu fim, como

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produtor independente, e sua proletarização ou sua marginalização como subempregado nas áreas urbanas. Acordando com o que foi discutido acima, Diegues (1983) afirma que geralmente a produção campesina do pescado se inscreve dentro de atividades predominantemente agrícolas, que constituem a base de subsistência e organização comunitária. Em São Paulo, segundo Diegues (1983), esse é o caso típico da lavoura caiçara, centrada no plantio da mandioca, mas que associa, além da pesca, o artesanato caseiro, a coleta de frutos do mato, como palmito etc. As tabelas (3 e 4) e o gráfico (4) abaixo representam a totalidade das atividades de reprodução de vida material da amostra da comunidade estudada. É possível observar que em todas as categorias a predominam as atividades de subsistência em relação às de finalidade comercial, se igualando apenas na atividade pesqueira. Essa constatação indica a importância da atividade agrícola de subsistência para o ilhéu na condição de lavrador-pescador. Tabela 3: Principais produtos e modalidades de produção

Principais Produtos Subsistência Comercial Pequena produção

agrícola

Banana 8 6 Milho 8 3 Feijão 8 8 Arroz 7 6 Mandioca 8 2 (fécula) Hortaliças em geral 8 0 Mamona / Vassoura 0 4 Criação de animais Porcos 7 2 (ocasionalmente) Galinhas 8 4 (ocasionalmente) Gado leiteiro 2 2 (ocasionalmente -

30) Atividades ligadas ao rio Pesca 10 10 Extrativismo Plantas medicinais (plantas medic., madeira/casas, caça)

10 1

Pfafia (ginseng) 0 2 TotalTotalTotalTotal 84 50

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Fonte: Pesquisa de campo (2001/2002)

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Tabela 4: Comparativo entre a ocorrência das atividades com finalidades de subsistência e comercial14

Pequena produção agrícola (banana,

arroz, feijão, milho,

mandioca, hortaliças)

Criação de

pequenos animais (porcos e galinhas)

Pesca

Extrativismo (plantas medicinas, madeira, pfafia)

Total

Subsistência 47 (35%) 17 (13%)

10 (7,5%)

10 (7,5%) 84 (63%)

Comercial 29 (21,5%) 8 (6%)

10 (7,5%)

3 (2%) 50 (37%)

134 (100%)

Fonte: Pesquisa de campo (2001/2002) Figura 4

Atividades de reprodução material de vida

63%

37%

SUBSISTÊNCIA

COMERCIAL

Fonte: Dados da Tabela 4. Podemos observar também que a dedicação às atividades ligadas à terra foram as que mais se destacaram, com a produção do feijão e do arroz, tanto para consumo quanto para o comércio do excedente, sendo muito restrito o número de culturas exclusivamente com fins comerciais, como a mamona e a vassoura. A subcategoria das hortaliças tinham somente destinação ao auto-consumo. Como os dados são cumulativos para a categoria e subcategoria de atividade, e a pesca foi a única subcategoria de exploração relatada; os valores desta, foram mais baixos. Ademais, as atividades ligadas ao rio poderiam ser maiores, caso

14 Valores cumulativos para a classe das atividades produtivas.

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essa população tivesse se utilizado de outras formas de exploração em aqüicultura. Ainda que quantitativamente a dedicação a esta atividade não tenha se sobressaído em relação as demais, no quesito subsistência, se mostrou a segunda em importância econômica. Além disso, foi a única atividade praticada por todos os entrevistados sem exceção. Nem todos plantavam, mas todos pescavam, constituindo assim, uma reserva complementar de recursos financeiros extremamente importante para os períodos de entressafra da lavoura. No que diz respeito às atividades profissionais desempenhadas pelos colaboradores, destacam-se novamente as formas associadas à terra, seja na sua lavoura e na de terceiros, seja na qualidade de caseiros que ocupavam uma parte do terreno onde cultivavam e pescavam. Estas informações podem ser visualizadas na tabela 5, a seguir. Ainda que a grande maioria tenha se dedicado à lavoura, tivemos ainda outras categorias presentes como os que trabalharam no setor de prestação de serviços como garçom, lancheiro e outros, e ainda na indústria e no comércio, principalmente de Porto Rico, bastante incipientes. Ademais, estes últimos são os mais jovens, com a idade de até 39 anos.

Tabela 5: Atividades ocupacionais15

Atividades ocupacionais desempenhadas

Lavra (inclui trab. volante) 8 Prestação de pequenos serviços

(constr. civil, garçom, diarista, outros)

3

Caseiro 4 Comércio extrativista

(espécies vegetais) 3

Pescador artesanal / profissional 3 Indústria 1

Fonte: Pesquisa de campo (2001/2002)

Apesar da variedade de atividades profissionais já exercidas, os ex-ilhéus,

profissionalmente se definiram como lavrador (5), pescador (3), lavrador-pescador (1) e

lavrador / oleiro (1), conforme a tabela 6. Novamente a categoria de lavrador se sobressai

sobre as outras, ficando a categoria de pescadores em segundo lugar. Isso nos proporciona

maior segurança na afirmação da condição identitária de lavradores-pescadores.

Tabela 6: Profissões dos entrevistados 16 Profissão declarada

15 Dados cumulativos. A mesma pessoa pode ter exercido mais de uma atividade ocupacional. 16 Dados não cumulativos.

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Lavrador 5

Pescador 3

Lavrador/Pescador 1

Lavrador/Oleiro 1

Total 10 Fonte: Pesquisa de campo (2001/2002)

No que se refere ao preparo educacional, os colaboradores que conseguiram estudar, alcançaram baixos níveis de escolaridade, resultados que concordam com outros levantamentos para populações de lavradores, pescadores e populações de práticas tradicionais de um modo geral (BENATTI, 1999; LIMA, 1997; IPARDES, 1978, 1982, 1983; TOMMASINO, 1985).

Comparando as tabelas 7 e 8, que indicam, respectivamente, a distribuição da escolaridade dos moradores do núcleo urbano de Porto Rico e dos antigos moradores da Ilha Mutum contemplados nesse estudo, percebemos que além da escolaridade na zona urbana de Porto Rico ser mais distribuída, o maior valor é atribuído aos que concluíram o ensino médio (13,8%), o que indica um preparo bem melhor em comparação aos resultados obtidos para os ex-ilhéus.

Tabela 7: Nível de escolaridade dos moradores de Porto Rico - PR. Porto Rico

Escolaridade Fem. % Fem. Masc. % Mas. Total%

Fundament.Completo 50 7.1 58 8.4 7,7 Fundamen. Incompleto

283 40.4 333 48.3 44.2

Médio Completo 106 15.1 86 12.5 13,8 Médio Incompleto 45 6.4 41 6.0 6,2 Superior Completo 15 2.1 10 1.5 1,8 Analfabeto 95 13.5 55 8.0 10,9 Outros 108 15,4 106 15,4 15,4 Total 702 100 689 100 100

Fonte: Adaptado de: UEM/NUPELIA/PELD, 2001

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Tabela 8: Nível de escolaridade dos ex-moradores da Ilha Mutum Ilha Mutum

Escolaridade Fem. % Fem. Masc. % Mas. Total%

Fundament. Completo

0 0 0 0 0

Fundamen. Incompleto

1 33,3 6 86 70

Médio Completo 0 0 0 0 0 Médio Incompleto 0 0 0 0 0 Superior Completo 0 0 0 0 0 Analfabeto 2 66,7 1 14 30 Outros 0 0 0 0 0 Total 3 100.0% 7 100.0% 100%

Fonte: Pesquisa de campo (2001)

Tabela 9: Nível de escolaridade dos pescadores em Porto Rico Porto Rico

Escolaridade Fem. % Fem. Masc. % Mas. Total%

Fundament Completo 9 8 9 8 7,9 Fundamen. Incompleto

52 46 67 57.8 52

Médio Completo 10 8.8 6 5.2 7

Médio Incompleto 7 6.2 6 5.2 5,7 Superior Completo 0 0 0 0 0 Analfabeto 17 15 11 9.5 12,2 Outros 16 14,2 16 13.8 14 Total 111 100 115 100 100

Fonte: Adaptado de: UEM/NUPELIA/PELD, 2001

Figura 5

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0

100

200

300

400

500

600

700

Número de Pessoas

Gráfico comparativo de escolaridade

Ilha Mutum

Pescadores

Cidade

No que se refere ao zeitgeist

17, ao ambiente cultural e social que esses

personagens da história viva das ilhas do alto rio Paraná experienciaram, a tônica é a narrativa de uma vida tranqüila e ao mesmo tempo, dinâmica. Tranqüila, porque contavam com uma aparente segurança, tinham sua terra, sua posse que, nesse momento já fora adquirida por via monetária. Além disso, a natureza lhes era favorável, todo ano colhia-se o fruto do trabalho cotidiano e comia-se o peixe, valorizado, direto de sua fonte, conforme veremos na segunda parte desta pesquisa, os moradores estavam satisfeitos e as condições lhes eram favoráveis. A dinâmica advinha com a colheita ou com as pescas abundantes quando acorriam os compradores em busca de um bom produto, além das festas religiosas e dos bailes que, naquela época, vinha ao encontro com as expectativas culturais e tradicionais dos próprios habitantes, sem a pretensão de “atrair o turista”. Como anteriormente discutido, os moradores da Ilha Mutum, de tradição camponesa, reproduziram também no espaço ocupado na ilha, as práticas de populações tradicionais em seu dia-a-dia. Viviam através de sua cultura de subsistência, cultivando seu próprio alimento, praticando atividades de coleta como a pesca. Essas atividades, quando praticadas de forma excedente às suas necessidades, eram destinadas ao pequeno comércio com o continente. O ritmo, a intensidade e a regularidade do trabalho eram determinados de acordo com suas necessidades ou pelos ritmos da natureza. Trabalhavam mais ou menos de acordo com cada momento do processo de produção: no preparo do solo, no plantio, na capina, na colheita. Eles sabiam o que fazer, como fazer e podiam arbitrar livremente. Poderiam, inclusive, optar por não trabalhar, mesmo em épocas de colheita. Vê-se que a síntese para esse tipo diferenciado de reprodução de vida mesmo com níveis de dependência da produção da cidade, é uma existência autônoma e mais livre dos “laços” do trabalho urbano.

17 Do alemão: o espírito do tempo.

Fun

d. C

mpl

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Fun

d. Inc

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Méd. Com

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Méd

. Inc

om.

Sup

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pl.

Ana

lfab

eto

Out

ros.

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Hoje, essa dinâmica de convivência comunitária se esmaeceu. Para quem permaneceu na ilha, a opressão chega quieta, nos intervalos da batida do relógio. Quando o relógio faz seu “tic” é mais um advogado, promotor ou agente do IBAMA que chega dizendo que ali já não é mais lugar de gente. Como alguém que em silêncio escuta, alguém que aguarda que o relógio da bomba ainda faça no próximo segundo, mais um “tac”, vive hoje o ilhéu do alto rio Paraná. Para aqueles que, depois da enchente de 1983, foram “escoados ralo abaixo” para o continente, para as novas frentes agrícolas de batalhas latifúndicas, para as periferias das cidades, de mãos atadas encontram-se perdidos culturalmente, socialmente e existencialmente. Como fantasmas perdidos num tempo e espaço completamente estranho, não têm profissão, ou melhor, sua profissão foi interditada. Sem terra não há como exercer a lavra, não tem dinheiro e nem mais o viço da juventude para recomeçar uma possível vida nova. O que sobra é esperar pelo próximo mês a pensão e a aposentadoria. Aqueles que não atingiram a idade do “benefício”, também esperam “acertar os papéis”. Talvez o último e derradeiro papel, o de aposentado, aposentado da vida.

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CAPÍTULO 4

Um dilúvio de conflitos

Com toda essa destruição, não tinha condições de continuar vivendo lá. Ninguém mais

podia morar nas ilhas. Então começou a sair o comentário que o governo estava dando terras

para fulano, para beltrano, para o pessoal que morava nas ilhas.

(Sr. Armando, 2001) Se no capítulo 2 vimos a atração de toda uma frente de expansão composta por lavradores de tradição camponesa que, posteriormente devido às mudanças na política agrícola nacional expulsou esses colonos para áreas marginais do Estado do Paraná e também para outros estados brasileiros e para o Paraguai; e, no capítulo 3 vimos a experiência da ocupação na Ilha Mutum, como uma das poucas opções não só de continuidade de sua forma de reprodução sociocultural, mas inclusive como uma forma de sobrevivência, veremos agora, no capítulo 4, os fatores que levaram esses lavradores novamente à expulsão e ao impedimento de seu projeto de reprodução social de vida. A experiência na ilha, até o início da década de 1980, proporcionou-lhes uma vida de fartura, um espaço sem patrão, deu-lhes o bem cultural e material mais precioso, deu-lhes a terra.

Adaptados às periódicas inundações da planície do rio Paraná, essa comunidade

aprendeu a coexistir com as peculiaridades ambientais e geográficas da região, por meio de

culturas adaptadas às diferentes situações do espaço que ocuparam, bem como a aquisição de

conhecimentos técnicas que proporcionavam melhores resultados na atividade pesqueira.

Segundo Agostinho; Zalewski (1996, p. 61), “Estas áreas são utilizadas para a pecuária ou agricultura de subsistência (milho, feijão, arroz) e nelas estão estabelecidas algumas famílias ou pescadores nômades. As áreas sazonalmente alagáveis apresentam vegetação herbácea, sendo em parte usadas pela pecuárias ou cultivo de arroz.” Isso demonstra que, de acordo com o que vimos no capítulo anterior, o conhecimento naturalístico, desenvolvido a partir de uma complexa relação entre o homem e o meio natural só é possível por intermédio de uma associação quase simbiótica com o ambiente, pois para que ambos subsistam, os dois devem ser preservados e respeitados em seus ritmos e ciclos. A cultura de subsistência, desenvolvida pelos ex-moradores da Ilha Mutum, entrevistados nassa pesquisa, só foi possível se reproduzir, graças à utilização do conhecimento naturalístico que os pioneiros “tomaram emprestado” dos descendentes de pirangueiros e pescadores que ali habitavam. Para os autores, a

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ocupação das maiores ilhas do rio Paraná, e isso inclui a ilha Mutum, ocorreu a partir de 1970, e a desocupação, na década de 1980.

A ocupação das maiores ilhas do rio Paraná, no trecho contemplado neste documento, ocorreu efetivamente a partir da década de 70, quando as transformações na agricultura e a expansão da pecuária expulsaram os pequenos proprietários, parceiros, posseiros e arrendatários dos municípios próximos ao rio Paraná (FUEM/CIAMB-PADCT, 1993 apud AGOSTINHO; ZALEWSKI, 1996).

As enchentes da década de 1980, entretanto, acabaram por expulsar os ilhéus para o continente, provocando novos conflitos, pois a região não tinha capacidade para absorção de tal mão-de-obra, dadas as condições de produção na agropecuária regional. Alguns foram assentados nos projetos do governo estadual, implantados em 1984, outros voltaram para as ilhas, lá permanecendo até recentemente, praticando a agricultura de subsistência, ou cuidando do gado dos pecuaristas da região, ou ainda prestando serviços aos turistas (ROSA, 2000). A partir dessa grande cheia, as ilhas e várzeas que anteriormente absorviam a população expulsa do continente, foram ocupadas pelos fazendeiros da região para a manutenção do gado durante os meses de seca, quando suas pastagens no continente são insuficientes para a manutenção do gado. De acordo com as informações recolhidas de outros trabalhos, parece que a região em estudo não teve apenas a sua ocupação feita, naquele momento, de forma violenta, mas, ainda hoje, continua a ser uma área de conflitos, que expulsa e absorve populações, tendo as ilhas do rio Paraná servido, eventualmente, como espaço de refúgio para uma população de excluídos do setor produtivo formal (AGOSTINHO; ZALEWSKI, 1996, p. 19 e 21). Temos aqui, alguns pontos iniciais para começarmos a adentrar no intrincado complexo de fatores que culminou na expulsão dos ilhéus. Primeiramente, e de forma mais evidente, a grande enchente de 1982/83, a mais intensa e prolongada já vista por esses moradores ilhéus, foi o motivo mais pronunciado, entretanto, não foi o fator definitivo da expulsão. Depois disso, vieram outras dificuldades e impedimentos, talvez mais difíceis de serem superados do que as imposições daquele meio natural. Entre elas, citamos, os pecuaristas que utilizavam as ilhas como forma de manutenção do gado em período de seca no continente, a ocupação do território por um novo elemento social até então desconhecido, os turistas, as usinas hidrelétricas que com os represamentos “enfraqueceram o fluxo da vida” do rio, diminuindo os estoques pesqueiros valorizados pela população ribeirinha e insular, e por fim, a criação da APA das Ilhas e Várzeas do rio Paraná, que atualmente, pelas vias da truculência judicial intimida os moradores remanescentes a abandonarem seus ranchos, suas casas, seus hábitos, seu estilo de vida, vinculados tradicionalmente ao rio e a pequena lavoura.

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Vivendo em conflito: As enchentes e as barragens

A enchente de 1982/1983 foi a enchente mais duradoura que os ribeirinhos e insulares do alto rio Paraná presenciaram. Começou em novembro de 1982 e adentrou 1983, até agosto. Conseqüentemente, foi também a que mais dificultou a vida desses moradores, o que eles não sabiam é que esse seria o começo do fim.

Em oitenta e dois eu morava numa barranca no Paraná aqui numa fazenda, na margem do Mato Grosso. A água fartô vinte centíme pá pegá no teiado. E lá é alto. É alto, muito alto viu. Faltô bem poquin pá pegá o teiado. Ah naquela época perdi, só di arroiz eu perdi, perdi deiz saco de prela, mil litro. Milho, amendoim, foi tudo embora. Crio os porco mesmo e as galinha. Mas o resto foi tudo.

A gente só pesca mesmo pá podê, mais só memo prá comê. O ganho aqui é pouco. Ganho um salário, nóis são em deiz (SÁ, 1998, p.61).

Os relatos que serão apresentados na segunda parte deste trabalho, revelarão o panorama do descaso do poder público e da iniciativa privada para com toda uma população de comunidades humanas e naturais que ali residiam, muito antes, dos desmandos políticos e da falta de responsabilidade social de importantes setores empreendedores da economia nacional. Por ora, devido a carência de informação sistematizada sobre as conseqüências das enchentes para os ilhéus do arquipélago da ilha Mutum, nos basearemos agora, nas observações de Kimiye Tommasino que, de forma muito precisa, descreveu a experiência dos ilhéus de Ilha Grande, diante das desproporcionais inundações do rio Paraná a partir de 1976, que segundo a autora, tiveram relação direta com as construções das barragens ao longo do rio Paraná, mas antes, de acordo com Agostinho; Zalewski (1996), e UEM/NUPELIA/PELD (2000) os represamentos:

... estão entre as ações antropogênicas que mais modificaram as características fisiográficas dessa bacia, afetando virtualmente todos os principais afluentes, especialmente aqueles da metade superior do alto rio Paraná. O número de barragens é superior a 130, considerando-se apenas aquelas com alturas superiores a 10 metros. Desses, 26 têm mais de 100 km2, cobrem cerca de 93% dos cerca de 14.000 quilômetros alagados e armazenam porcentual semelhante ao volume total acumulado (250.109m2) [...] Cerca de 80% desses reservatórios foram construídos a partir de 1960, estando previsto um incremento acentuado no número e, principalmente, na área represada até o final do século [XX], com aproveitamentos hidrelétricos em rios ainda não regulados (p. 51 e 53).

... os ambientes aquáticos desta bacia têm sido seriamente afetados pela atividade antrópica. Entre os impactos mais comuns, destacam-se as elevadas cargas de biocidas e nutrientes decorrentes do aporte de esgotos domésticos e da atividade agrícola, desmatamento da vegetação riparia e, principalmente, construção de barragens, que têm alterado o regime natural

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da cheia e suprimido trechos lóticos e amplas áreas alagáveis do rio Paraná e de seus principais tributários (UEM/NUPELIA/PELD, 2000).

Os represamentos, não modificam apenas as características fisiográficas, mas também e principalmente, todo um ecossistema adaptado às condições particulares de um ambiente lótico que com os barramentos, se transformam em ambientes lênticos, isto é, de rios com águas correntes, passam a ser grandes lagos artificiais. A literatura tem abordado sob os mais diversos pontos de vista os chamados impactos sociais e / ou ambientais dos grandes empreendimentos hidrelétricos. Quase sempre realizados em regiões periféricas, eles têm imposto às populações das áreas onde se implantam rápidas e profundas alterações nos meios e modos de vida: deslocamento compulsório de milhares ou dezenas de milhares de pessoas, desestruturação das atividades econômicas e dos mercados de trabalho e de terras, ruptura das teias de relações sociais, afluxo de populações que pressionam as já precárias redes de infra-estrutura e serviços básicos, mudanças na qualidade da água, no curso e regime dos rios com graves conseqüências tanto para as condições sanitárias quanto para as atividades econômicas (pesca, agricultura de vazante) etc. Ao invés de funcionarem como focos difusores da modernidade e do progresso, como prometem coloridos prospectos e vídeos propagandísticos, o reordenamento territorial resultante da construção destes grandes aproveitamentos hidrelétricos tem sido acompanhado pela multiplicação de carências de toda ordem (VAINER, 1996). Rosa (2000) afirma que em paralelo às transformações da atividade agropecuária, no final dos anos setenta e, especialmente na década seguinte, a ação direta do Estado com a construção de usinas hidrelétricas nos rios Iguaçu, Paraná e Paranapanema, promoveu a expropriação de proprietários e posseiros, parceiros e arrendatários, trabalhadores permanentes e temporários — produtores de algodão, soja, trigo, arroz, milho, feijão, e suínos. Atribui-se a essas as empresas do setor hidrelétrico instaladas ao longo da bacia do Paraná, as responsabilidades pelas sucessivas inundações na planície da bacia do rio Paraná.

A intervenção na natureza, represando o rio Paraná e seus afluentes e provocando mudanças fundamentais na dinâmica natural da Bacia do Paraná, parece ser o miolo da questão. O que não se pode negar é a mudança radical havida no movimento das águas: antes, não havia enchentes tão violentas e nunca atingiram os níveis atuais. As enchentes naturais, presentes vez ou outra, eram benéficas e traziam vantagens aos produtores das regiões ribeirinhas: reconstituíam o solo e nunca destruíram suas casas e plantações. A violência das enchentes atuais, no nosso entender, é uma metáfora da violência da sociedade moderna, intermediado pelo Estado que representa os interesses do capital. No centro desse processo, está o trabalhador e a natureza, como objetos de exploração (TOMMASINO, 1985, p. 186).

No nosso caso, alguns colaboradores atribuíram às represas das usinas hidrelétricas o verdadeiro motivo das inundações, mas, a partir de 1979.

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Segundo alguns, a enchente foi além do “nível normal”, chegando até o local onde suas casas foram construídas. Para os mais velhos, que conheciam a região a mais tempo, mesmo antes de se fixarem nas ilhas, foram as maiores enchentes dos últimos 50 anos. A partir de então todo ano tiveram de se refugiar no continente. Durante vários meses ficavam instalados nos municípios próximos do Paraná e do Mato Grosso do Sul. Alguns conseguiam serviços como trabalhadores volantes, nas fazendas; roçando pasto, colhendo algodão, quebrando milho, carpindo etc. Outros trabalharam na pesca. Outros ainda, conseguiram se manter através da venda do estoque de sua produção e da venda da criação de pequenos animais, outros recebiam ajuda de parentes, amigos e vizinhos que tinham condições de ajudar. Outros, diante da insistência da intensidade e duração das enchentes, decidiram rumar para outras frentes agrícolas no Mato Grosso, Rondônia e Pará. Os que retornavam para suas posses na ilha, após semanas ou meses de moradia em instalações precárias nas barracas de lona, encontravam as casas destruídas parcial ou totalmente, as roças não existiam mais, mesmo assim, voltavam e plantavam tudo de novo até a próxima enchente, entretanto, conforme Tommasino (1985), a enchente mais intensa prejudicou bastante os ilhéus.

Além das perdas na lavoura e benfeitorias, os ilhéus, agora na condição de flagelados e expropriados, transformam-se em problema político. As enchentes não só levam as esperanças do produtor autônomo, como também levam a própria posse dele: depois de um ano, as águas, que cobriam as ilhas na enchente de 1983, deixaram uma espessa camada de areia sobre a terra das ilhas, tornando impossível a prática da agricultura. É como se, com o início das cheias, se desencadeasse uma série incomensurável de outras “desgraças”, resultantes de um processo deflagrado pelo homem e contra ele se voltando. A especificidade é que, de um lado, os benefícios que tais projetos trazem, são usufruídos pela população que não tem nenhuma ligação direta com a Ilha, ao passo que os malefícios são absorvidos pela população local. A sobrevivência da sociedade se faz com o sacrifício concreto desse segmento: numa linguagem metafórica, com a “morte” das comunidades ribeirinhas e ilhéus (p. 187).

As afirmações de Tommasino vêm de encontro com o relato dos colaboradores da pesquisa quando narram a vergonha de serem nominados por “flagelados” ou “loneiros”, em alusão às precárias moradias improvisadas de lona, onde aguardavam a diminuição do nível da água, sem dignidade, sem perspectiva, sem esperança. Convém aqui fazer um pequeno adendo para distinguir o conceito de enchente e de cheia, para o ex-ilhéu da ilha Mutum. A enchente é sempre negativa, ela significa a perda de seus investimentos morais, financeiros, sociais e afetivos naquilo que durante anos cultivou, sua pequena roça. Entretanto, a cheia é benéfica, é símbolo de fartura, ela “lava o varjão”, e traz a abundância de peixe. Assim, podemos então enunciar que as enchentes, para esses ilhéus eram os processos anti-naturais, mais intensos e prolongados, desencadeados, segundo eles, pelos barramentos à montante e à jusante. As cheias, eram as inundações

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periódicas, por eles previstas, que trazia o peixe e a fatura, sem que fossem obrigados a deixarem suas casas para se refugiarem no continente. Por sua vez, nem todos os ilhéus reconheciam que eram as barragens, as responsáveis pelas grandes inundações, mas todos reconheceram que as barragens exerceram influências negativas para o rio e para os peixes. A grande inundação de 1982, conforme nos relata o Sr. Armando, foi devido à formação do lago da represa de Itaipu. Para ele, a cheia permaneceu por mais “tempo do que devia” para favorecer o represamento da água na barragem de Itaipu, seria inaugurada a maior UHE (Usina Hidroelétrica) do mundo a Itaipu Binacional. Conforme pesquisa ao site da empresa, constatamos que o lago começou a ser formado exatamente no período de cheia do rio Paraná, coincidindo com o período relatado para a duração da enchente, ou seja, novembro de 1982 a agosto de 1983.

No início da formação do reservatório, em outubro de 1982, Itaipu desenvolveu a operação Mymba-Kuera, palavra que na língua guarani quer dizer “pega-bicho”. A operação resultou no resgate de mais de 30 mil animais, soltos posteriormente nas reservas e refúgios biológicos criados pela hidrelétrica nas margens brasileira e paraguaia do reservatório, com exceção das serpentes peçonhentas, enviadas para os institutos brasileiros que produzem soros antiofídicos (ITAIPU, 2001).

Rosa (2000), nos esclarece que as UHE teriam um papel decisivo no plano nacional a partir da década de 1980, quando a ocupação da fronteira agrícola, marcada pela violência no acesso à terra e práticas predatórias de utilização dos recursos naturais, a política de modernização da agricultura acompanhada de obras de infraestrutura, incluída a construção de usinas hidrelétricas, foi a responsável pela expulsão de população do campo, fazendo emergir outros conflitos pela posse da terra nos anos noventa. A formação do reservatório da Usina Hidrelétrica de Itaipu promoveu a desapropriação de 111.332 hectares de terras férteis e produtivas na margem brasileira, atingindo cerca de 8.500 propriedades, em sua maioria minifúndios, sendo 1.600 urbanas e 6.900 rurais, deslocando uma população de 42.444 mil pessoas dos municípios lindeiros (ITCF, 1987 apud ROSA, 2000). Para Rosa (2000), foi a ausência de uma política adequada de reassentamento da população desalojada pelas obras das hidrelétricas, que elevaram os níveis de pobreza da população carente atingida. Percebe-se que os impactos das UHE são percebidos primeiramente no meio físico, pois atingem a comunidade biótica. Porém, gradativamente, as populações humanas, o meio sócio-econômico, que depende diretamente dos recursos naturais afetados, também são atingidos. Atualmente as populações que vivem em contato mais estreito de dependência das atividades tradicionais de subsistência, têm conhecimento das catastróficas

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conseqüências das UHE para o meio natural e para seu sistema de reprodução de vida. Segundo EIA/RIMA - TIBAGI (1999), uma grande agitação tomou conta dos indígenas que, depois de serem informados de um projeto de construção de 4 empreendimentos para o aproveitamento do potencial hidrelétrico da bacia do rio Tibagi. Eles estão preocupados com as modificações na paisagem natural e com o desaparecimento das corredeiras que significa também a perda da pesca tradicional e das matas ciliares que vão ser inundadas. Também vão desaparecer algumas espécies de plantas, aves, pequenos animais e de peixes, e ainda, o porto de areia, cuja exploração implica em algum rendimento para os índios. Estão conscientes que as alterações no meio ambiente e os eventuais impactos significam mudanças nos modos de ser, nas suas práticas culturais e relações simbólicas que estabelecem com os rios e as matas. Vão necessitar conviver com um contigente de população estranha que será deslocada de outras regiões e que ocupará os canteiros de obras e dormitórios. Estão preocupados com suas mulheres e jovens índias. Disseram que as doenças trazidas pelos de fora podem contaminar a população das aldeias. O deslocamento de máquinas e o asfaltamento das estradas de acesso às Áreas significam contatos e experiências de vida e práticas culturais novas. As pontes que possam ser construídas no rio Tibagi vão permitir o acesso mais fácil entre as áreas e para os indivíduos que se deslocarem para a região. Também estão preocupados com as áreas a serem alagadas e solicitaram que marcos fossem colocados nos locais onde vão ser inundadas as suas terras. Pensam que não podem perder mais áreas de terras, porque a população de jovens e de crianças é significativa e se concordarem com as usinas, pretendem exigir a reposição das áreas a serem alagadas, em quantidades maiores, com vistas às novas gerações. Estão atentos quanto aos seus direitos e têm procurado apoio entre os Procuradores da República nas sedes das Procuradorias, para receber informações e orientação quanto aos procedimentos a serem adotados. Os líderes querem a melhoria das condições de vida de toda a população que está atravessando um período difícil, em que as verbas federais são escassas e faltam recursos para seus projetos, principalmente para o exercício da cidadania e aspiram a autonomia dos povos indígenas. Essa situação é bem diferente daquela enfrentada pelos antigos moradores das ilhas do alto rio Paraná. Os ex-ilhéus desconheciam por completo as conseqüências de tais empreendimentos em suas vidas, alguns desconheciam até mesmo a execução da obra. De acordo com pesquisadores do IPARJ:

Empreendimentos econômicos do porte das usinas hidrelétricas causam danos globais à populações tradicionais , isto é, têm influência, em geral deletéria, em todos os setores da sua vida, desde a sua população e as condições materiais de sua sobrevivência, até as suas concepções de vida e visões de mundo. Os danos raramente são exclusivos a um número populacional e, sim, a um povo como um todo, a uma etnia, a uma cultura,

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os valores e os sistemas organizativos desses povos (IPARJ, 1989, p. 2 apud EIA/RIMA - TIBAGI, 1999).

Assim, constatou-se que a classificação que divide os impactos em diretos e indiretos é ineficaz, pois os impactos são globais e, muitas vezes, aqueles considerados indiretos causam mais danos permanentes, do que um impacto considerado direto. O conceito de impacto global incorpora uma realidade que não é exclusivamente material, como a expectativa e o estresse que gera um grande projeto, desde o início dos estudos do inventário ambiental e social (IPARJ, 1988, p. 2-3). Tomando como referência o EIA / RIMA visando a implantação de UHE na Bacia do Tibagi, de acordo com sua área de influência, destacamos aqui 22 dos impactos levantados para o meio biótico, do total de uma listagem de 78 impactos negativos, que coincidem com os impactos e alterações relatados pelos entrevistados em nosso estudo.

1. Comprometimento da ictiofauna pelo movimento de sedimentos;

2. Alterações nas características hídricas das áreas marginais ao rio;

3. Redução da biodiversidade;

4. Desaparecimento de ilhas;

5. Comprometimento das fontes alimentares e locais de reprodução

de fauna, pela alteração das características das águas;

6. Interrupção do fluxo natural do rio com conseqüente competição

por ambientes a montante e jusante do barramento;

7. Alteração do meio aquático de lótico para lêntico;

8. Esvaziamento do leito do rio a jusante do barramento durante a

formação do reservatório e alteração das taxas de vazão, que pode

ser agravada devido ao efeito cascata;

9. Redução da oferta alimentar para populações semiaquáticas e

justafluviais, inclusive para os peixes com comportamento

frugíforo com a redução ou extinção da vegetação marginal;

10. Invasão de espécies alóctones ou exóticas provenientes de

pisciculturas;

11. Alteração da comunidade de peixes pela mudança de ambiente;

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12. Aumento populacional de mosquitos dos grupos Anopheles

(Nyssorhynchus) e Culex (Melanoconion);

13. Alterações na composição da vegetação na área de entorno de

influência do reservatório;

14. Variações no do nível da água nos corpos de água influenciados

pelo reservatório;

15. Variação nos níveis de qualidade das águas a jusante da barragem;

16. Comprometimento da fauna íctica pela modificação dos índices de

qualidade de água;

17. Alteração na qualidade da água, após o barramento, por

potencialização dos efeitos da poluição;

18. Alteração da composição ictiofaunística pela modificação da

dinâmica da água, principalmente sobre as populações reofílicas;

19. Oscilação dos níveis de vazão a jusante da barragem, causando

instabilidade nos ambientes marginais e nas comunidades de

peixes, afetando a reprodução, o recrutamento a diversidade, a

composição e a densidade populacional;

20. Obstrução do fluxo de peixes, dificultando e impedindo a migração

— piracema;

21. Contaminação da água do rio e seus afluentes, potencializando o

aparecimento de doenças endêmicas nas populações indígenas ou

camponesas que utilizam este recurso;

22. Descaracterização cultural das populações tradicionais;

Dessa forma os efeitos para o meio físico e biótico, tomados individualmente e em conjunto, atingem diretamente as populações tradicionais e campesinas que dependem do ambiente situado na área de influência do empreendimento, ou seja, a bacia hidrográfica. Isso dificulta a possibilidade da reprodução material, social e cultural dessas populações que erigiram durante séculos, uma cultura que privilegiava um contato estreito de dependência imediata com os recursos naturais.

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A respeito da construção da construção de grandes reservatórios, Resaldalves (1994), pondera que a prática de construção de reservatórios tem sido acelerada nas últimas décadas, desencadeando problemas sérios à fauna e flora. Entre estes, são considerados:

- Interrupção do fluxo migratório de algumas espécies, comprometendo

a ocorrência das mesmas na região;

- Modificação na estrutura da comunidade, favorecendo o

desenvolvimento de espécies características de ambientes lênticos, em

detrimento às espécies reofílicas18;

- Redução da diversidade de habitats;

- Perturbação dos sistemas aquáticos e hidrológicos a jusante, incluindo

estuários;

- Redução considerável da biomassa pesqueira presente.

Estas considerações, reafirmam o caráter predatório que as construções de reservatórios até agora vêm apresentando. Com seu modo simples, os colaboradores da pesquisa falam dos impactos que as barragens provocaram em seu modo de vida. Falam principalmente da fartura de peixes que havia antigamente (década de 1980). Segundo eles, podia-se escolher o peixe que serviria de alimento e atualmente se conseguir pegar um peixe é o bastante. Atribuem a escassez de peixes ao baixo nível de água, “o peixe não fica em lugar raso”. Em sua percepção, os barramentos são os principais responsáveis pelo baixo nível da água que compromete a ictiofauna do rio Paraná. Sem as cheias naturais periódicas que havia antes da década de 80, o peixe não desova e quando desova, não o faz em local adequado, sem o abrigo necessário que antes encontrava nas lagoas das ilhas e várzeas, os ovos e larvas se tornam presas fáceis, impedindo o sucesso no recrutamento de novas populações. A pesca agora fica em defeso por um período maior, chegando às vezes a 4 meses de duração. Não são todos os pescadores que são registrados para poderem receber o salário pelo período de “férias forçada”. Além disso, é justamente no período de defeso que o rio está mais propício à pesca, e isso é motivo de revolta. Os ex-ilhéus entrevistados, queixam-se de espécies que desapareceram como o pintado, curimba, piracanjuba e outras mais valorizadas comercialmente. No lugar desses peixes, o que predomina agora é o armado e a arraia, espécies rejeitadas por todos os entrevistados, menos uma moradora que afirmou não ter preferência por nenhuma espécie. Outros afirmaram que a carne da arraia é 18 Espécies adaptadas às condições de água corrente.

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envenenada e que já prejudicara um filho seu, causando-lhe dolorosas feridas pelo corpo. Segundo ela, esse peixe é ruim para o sangue: “panela minha em que esse bicho for feito vai ser jogada fora!”, adverte a mãe de um dos entrevistados. Os pescadores agora estão se aventurando a pescar em localidades mais distantes como as do rio Baia e Ivinheima, locais onde além da distância, há a fiscalização que confisca os instrumentos e a carteira de pesca.

Após a grande enchente (82/83), além de desabrigá-los e expulsá-los de seus lares e formas de vida, trouxeram consigo outras formas de desgraças. Nas palavras de um dos entrevistados, para muitos, a Ilha Mutum, de jardim edênico de fartura, tornou-se um lugar amaldiçoado. Agora não há mais a fertilidade que havia anteriormente. Há também uma grande proliferação de mosquitos e pernilongos. Dizem que mesmo os que ainda moram na ilha não conseguem colher como antes, são, portanto, obrigados a comprarem no continente a comida que antes produziam em suas próprias casas. Se alguém quiser produzir alguma coisa, tem que investir em defensivos agrícolas, pois a enchente “trouxe muita praga, a enchente veio e levou tudo embora.”

Afirmaram também que a ilha Mutum, bem como as outras do rio Paraná não foi uma fonte de vida apenas para seus moradores. As cidades próximas das ilhas como Porto Rico, também se beneficiavam com a prosperidade e fartura dos antigos moradores das ilhas. Havia as casas de arroz, uma dinâmica maior do comércio, bem como um número maior de moradores na cidade.

Em resumo, para os colaboradores da pesquisa, as várias usinas hidrelétricas (mais de 130 — Agostinho; Zalewski, 1996) que represaram o quase todo o rio Paraná foram responsáveis:

- as enchentes desproporcionais que os expulsaram de suas moradias;

- pela perda da produção anual de arroz, feijão e outras espécies que

cultivavam para subsistência;

- perda dos pequenos animais de criação como porcos e galinhas;

- perda da fertilidade das terras da ilha Mutum;

- perda de suas raízes tradicionais de lavradores-pescadores;

- perda de sua identidade cultural e social;

- perda de suas casas;

- diminuição das espécies de peixes importantes para sua economia;

- diminuição sensível da quantidade de peixes;

- erosão marginal e conseqüente assoreamento do rio

- diminuição do nível da água;

- transformou um ambiente lótico em lêntico;

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- diminuição e extinção de espécies vegetais importantes;

- extinção de plantas frutíferas que serviam de alimento para os peixes;

- invasão e proliferação de outras espécies de peixes;

- mortandade de peixes por motivos operacionais das represas;

- impedimento da migração de espécies migradoras;

- retirou sua liberdade, autonomia e o “sossego”, valores fundamentais

da identidade social e cultural das populações de caráter

tradicionalista;

- impediu as formas tradicionais de reprodução material social e cultural

desta e de outras comunidade de ilhéus;

- motivou grande parte dos insulares a migrarem para desvantajosas

frentes de expansão agrícolas;

- poluição do rio;

- ocupação da ilha por fazendeiros e clubes de turistas;

- desaparecimento de ilhas menores;

A relação dos impactos supracitados, recolhida ao longo das entrevistas com os 10 colaboradores, revelam a dimensão do impactos que essa população sofreu após a enchente de 1982/1983. Os colaboradores da pesquisa, afirmam que isso tudo aconteceu depois do início das construções das represas da CESP19. Ao que parece, as empresas do setor no mínimo desconheciam o Código das Águas, que apesar de ser um pouco antigo, atendia muito bem as preocupações e as necessidades do presente no que diz respeito ao uso social deste recurso. Ao que parece, nenhum dos grandes empreendimentos para aproveitamento hidroelétrico do curso do rio Paraná, seguiu as recomendações do Código das Águas.

Demonstrando preocupação com o uso múltiplo da água, o Código de Águas de 1934 estabeleceu (art.143) que em todos os aproveitamentos de energia elétrica serão satisfeitas exigências acauteladoras dos interesses gerais: a) da alimentação e das necessidades das populações ribeirinhas; b) da salubridade pública; c) da navegação; d) da irrigação; e) da proteção contra as inundações; f) da conservação e livre circulação dos peixes; g) do escoamento e rejeição das águas. (Rosa, 2000)

19 Centrais Elétricas de São Paulo.

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De acordo com considerações anteriores, Kimiye Tommasino, em 1985, já apontava as conseqüências negativas dos barramentos no rio Paraná.

A partir de 1976, começaram a ocorrer grandes enchentes no rio Paraná, que se seguiram nos anos seguintes. Variaram de intensidade, mas sempre provocando perdas na lavoura e, por mais três vezes, obrigando a população (ou parte dela), a se refugiar no continente, como resultado das barragens da bacia do rio Paraná, construídas nos Estados de São Paulo e Minas Gerais. Portanto, o dilúvio anual coloca-se como elemento novo na realidade dos ilhéus de toda a área compreendida entre as barragens de ilha Solteira, no Estado de São Paulo, até Itaipu, no Estado do Paraná. (p .19)

Para a autora, essas enchentes destruidoras passaram a ocorrer após a construção das barragens das usinas rio acima e após essa intervenção na natureza, ocorreram mudanças fundamentais na dinâmica natural da bacia do Paraná. Apresentamos a seguir, algumas considerações sobre pontos específicos dos impactos das represas, constante no Relatório de Impacto Ambiental que avaliou a possibilidade de construção de uma usina hidrelétrica na bacia do Tibagi, divulgado em 1999.

A composição ictiofaunística é alterada quando ocorre a dispersão de peixes exóticos com maior plasticidade ecológica provenientes das culturas existentes ao longo da bacia (psicultura), causando a competição com as populações nativas por alimentação, espaço vital e reprodutivo, além do fato de que estes peixes podem ser vetores de doenças e parasitas à ictiofauna nativa.

A formação de uma seqüência de reservatórios podem causar diversos efeitos negativos sobre a fauna aquática, tais como um incremento da mortalidade de peixes e de macroinvertebrados decorrente de um aumento brusco do oxigênio dissolvido e da turbidez, bem como o desaparecimento local de espécies animais associados aos ecossistemas aquáticos, os quais tenderão a se deslocar da área pela diminuição dos recursos alimentares e pelo comprometimento de ninhos e tocas em função de elevações bruscas do nível da água a jusante. Ambas as situações poderão gerar uma fragmentação das populações animais de hábitos aquáticos ao longo do rio, causando um empobrecimento gênico e problemas de consangüinidade nas populações isoladas.

As variações de vazão das águas a jusante das barragens causam influência direta no estabelecimento e sobrevivência de várias espécies aquáticas e justafluviais, havendo modificações nos processos reprodutivos, diminuição da oferta alimentar e abrigos. Com o desaparecimento das corredeiras, pode haver extinção local de espécies reofílicas20 e o favorecimento de espécies adaptadas a ambientes lênticos (lagos).

As espécies de peixes migratórias serão diretamente impactadas, causando o empobrecimento genético das populações, devido à obstrução no fluxo do rio. A seqüência de barragens limitam o deslocamento da ictiofauna, criando setores isolados, impedindo a realização da piracema a partir da primeira barragem.

Durante a operação das usinas poderá ocorrer o confinamento e a morte de peixes nas turbinas, o que contribuirá para a redução da diversidade deste grupo.

20 Espécies de peixe adaptadas a ambientes de água corrente (lóticos).

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Com a implementação de uma usina hidrelétrica, inicia-se um processo de profundas transformações na distribuição da população e organização do espaço, que atinge inclusive as populações que vivem e dependem na área de influência do empreendimento. Para se ter uma idéia, até 1980 as represas tinham ocupado 111.240 hectares de terras no Estado e em 1993 passaram a ocupar 204.210 hectares, ou 2.042,1km², localizados principalmente às margens dos rios Paraná, Paranapanema e Iguaçu21.

Migrados de sua região de origem em condições totalmente adversas, muitas vezes essas populações são transferidas para outras regiões do estado ou do país, em áreas de baixa fertilidade e sem infra-estrutura, muitos abandonaram os lotes, outros conseguiram incorporar ao processo produtivo terras anteriormente improdutivas, enquanto as hidrelétricas se apropriavam das terras mais férteis e das áreas de florestas remanescentes localizadas às margens dos rios represados. É preciso considerar, a exemplo de Diegues (1983), que o homem não conhece nem tem o domínio suficiente sobre os ciclos da natureza; que os processos físico-químicos agem independentemente da ação humana. É sobre esses processos, em diversos níveis de elaboração, que o homem interfere através dos outros elementos que formam os meios de produção (instrumentos de trabalho, etc.). Daí, concluirmos que o homem não age sobre um objeto estático, mas sobre um complexo biológico regido por leis e processos alheios à vontade humana. Desse modo, a interferência humana nos processos naturais, por mais preciso que seja o controle técnico-científico alegado, não se realiza de acordo com a previsibilidade e controle estratégico apregoado pelas instituições executoras de obras impactantes.

Vivendo em conflito: a ilha como extensão das fazendas — as pessoas saem, o gado entra

Nossos entrevistados relataram que, logo no início da saída das ilhas, enquanto as águas ainda estavam baixando, em 1983, fazendeiros começaram a ocupar grandes porções da Ilha Mutum com o manejo de gado durante os meses de seca, quando as pastagens no continente são insuficientes. Segundo os ex-ilhéus, os fazendeiros ocuparam as terras dos ilhéus que haviam abandonado suas posses, ou ainda compraram essas posses a valores muito baixos, pois corria o boato nas redondezas, que as águas não mais iriam baixar. Assim, ingenuamente os insulares viram no negócio uma vantagem. Para essa decisão, pesava também a divulgação de que o governo federal estava oferecendo terras para os “flagelados da enchente”. Terras, estas, mais isoladas e distantes da civilização do que as ilhas que antes habitaram. Descobririam também, mais tarde, que essas terras eram inviáveis para qualquer cultivo sem razoáveis investimentos

21 Secretaria Especial de Meio Ambiente (Paraná). 1991, p. 45.

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financeiros22 que sempre lhes faltou. Além disso, o financiamento prometido, nunca chegou. Após os anos 70, ocorreu um aumento constante das pastagens plantadas, substituindo pastagens naturais e a mata nativa, passando a ocupar, praticamente a mesma área total que as lavouras, devido ao aumento da pecuária de corte cujo efetivo de bovinos passou de 8,6 milhões de cabeças em 1985 para 9,9 milhões de cabeças em 1996 (UEM/NUPELIA/PELD, 2000, p. 267) Com o avanço extensivo da agropecuária, perdia o ilhéu, perdia a natureza. Mais de 50 % da atividade econômica do setor rural de Porto Rico, está voltada a criação de bovinos e à criação de galinhas, galos, frangos e pintos, que demandam exígua mão de obra. Tal situação traz repercussões sociais graves, ou seja, incrementa sobremaneira a geração de renda (PIB), mas não produz empregos, ao contrário, diminui sua oferta. A renda fica concentrada nas mãos de poucos e os benefícios auferidos não são distribuídos localmente. Segundo Uem/Nupelia/Peld (2000), essa é uma situação que não se limita a Porto Rico, antes disso, o município reflete o que ocorre no resto do país, por causa do modelo de desenvolvimento econômico. Segundo Goulding (1995), a principal ameaça à integridade das planícies de inundação é a sua ocupação recente pela atividade pecuária. O gado é mantido nas planícies durante o período da seca. Para aumentar a área de forragens, as florestas inundáveis remanescentes da exploração de madeira são derrubadas. No período das enchentes esse gado pode ser levado para terra firme ou pode ser confinado em barcaças e alimentado com as pastagens flutuantes, que são componentes importantes na cadeia alimentar dos peixes. A introdução do búfalo na planície de inundação é, segundo o autor, a maior ameaça presente à biodiversidade desses ecossistemas.

Enquanto isso, o grande contingente dos desabrigados atingidos pelas barragens no rio Paraná, favoreceu, segundo Rosa (2000), a organização política dos sem terra, obrigando o governo a transferir centenas de famílias de trabalhadores acampados em rodovias, instalando-as em projetos de assentamento localizados nos municípios de Arapoti, Clevelândia e Palmas, entre outros no centro-sul e no Sudoeste do Paraná. Também foram assentados trabalhadores rurais nas áreas em processo de regularização, como ocorreu por exemplo, em Querência do Norte, na fronteira com o Mato Grosso do Sul no final dos anos oitenta23. No entanto, para o governo do estado a tarefa de reassentamento das famílias de sem-terra e desabrigados atingidos por barragens ficava cada vez mais difícil,

22 Eram grandes áreas de terras, três de nossos colaboradores, por ocasião da mudança para o local, narraram ter tido a posse de propriedade maior que 42 alqueires, sendo a maior parte, com cobertura florestal. 23 De acordo com Rosa (2000), quando houve necessidade de assentar as famílias remanescentes do processo desapropriatório efetuado por Itaipu (1981) e, mais tarde, os ilhéus desabrigados pelas enchentes do rio Paraná, o INCRA buscou áreas que pudessem ser ocupadas sem usar desapropriação, com o objetivo político de não reascender a questão das desapropriações.

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considerando que foram assentadas 8.389 famílias em projetos de colonização e reforma agrária, em lotes de 15 hectares em média, e, em 20 anos foram destinados cerca de 125 mil hectares para reforma agrária no estado. Não obstante, no mesmo período, as barragens das usinas hidrelétricas construídas nos rios Paranapanema, Paraná e Iguaçu inundaram mais de 216 mil hectares de terra fértil. Adiciona-se a isso, o fato do poder público (federal e estadual) ter proibido atividades produtivas em cerca de 474 mil hectares, reservados sob as categorias de uso indireto, e condicionou o uso em outros 2.136.810 hectares reservados sob as categorias de uso sustentável (ROSA, 2000).

Vivendo em conflito: o impasse ilhéus versus Área de Proteção Ambiental

Contudo, a sentença final, que definitivamente expulsou os ilhéus remanescentes, aqueles que conseguiram resistir às enchentes, às hidrelétricas, aos turistas, aos fazendeiros e ao gado, foi dada quando da decisão de transformar as ilhas e várzeas do rio Paraná em Área de Proteção Ambiental. O arquipélago da Ilha Mutum está inserido dentro dos limites da APA das Ilhas e Várzeas do rio Paraná, considerada a segunda maior do Brasil, com a extensão de 1.003.059 ha24, e um perímetro de 821,76 Km. Está localizada nos estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, abrangendo os municípios de Altônia, São Jorge do Patrocínio, Vila Alta, Icaraíma, Querência do Norte, Porto Rico, São Pedro do Paraná, Marilena, Nova Londrina e Diamante do Norte, no estado de Paraná, e Mundo Novo, Eldorado, Naviraí e Itaquiraí, no estado de Mato Grosso do Sul. Foi criada em 30/09/1997 com a finalidade de proteger a fauna e flora, especialmente as espécies ameaçadas de extinção, tais como o cervo-do-pantanal (Blatocerus dichotomus), o bugio (Alouatta fusca), a lontra (Lutra longicaudis) e outros. Além disso, outros aspectos como o histórico, social e cultural também foram contemplados visando a preservação. Assim, os objetivos também passam por garantir a proteção dos sítios históricos e arqueológicos; ordenar o turismo ecológico, científico e cultural, e demais atividades econômicas compatíveis com a conservação ambiental; incentivar as manifestações culturais e contribuir para o resgate da diversidade cultural regional e assegurar o caráter de sustentabilidade da ação antrópica na região, com particular ênfase na melhoria das condições de sobrevivência e qualidade de vida das comunidades da APA e entorno. (IBAMA, 2002) De acordo com a Sociedade Nacional de Agricultura (2002), as Áreas de Proteção Ambiental pertencem ao grupo de unidades de conservação de uso sustentável. Constituídas por áreas públicas e/ou privadas, têm o objetivo de disciplinar o processo de ocupação das terras e promover a proteção dos recursos abióticos e bióticos dentro de seus limites, de modo a assegurar o bem-estar das populações

24 Estende desde a foz do rio Paranapanema até o início do reservatório de Itaipu.

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humanas que aí vivem, resguardar ou incrementar as condições ecológicas locais e manter paisagens e atributos culturais relevantes. Estas áreas são dotadas de características biológicas, ecológicas e paisagísticas que exigem proteção especial, com restrições de ocupação e uso. O objetivo é estabelecer uma convivência mais harmônica entre a conservação dos recursos naturais e o desenvolvimento regional. Atividades turísticas e recreativas, bem como outras formas de ocupação da área são admitidas, desde que se harmonizem com os objetivos específicos: conservar ou melhorar as condições ambientais locais; preservar recursos hídricos; preservar paisagens notáveis; manter atributos culturais; experimentar técnicas e procedimentos que permitam conciliar o uso e ocupação do solo com a manutenção dos processos ecológicos essenciais, conciliados ao bem-estar das populações humanas locais. Esta categoria compreende inclusive áreas de propriedade privada sob supervisão governamental, podendo incluir trechos de domínio público. Nesse sentido, os objetivos da APA das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná estão de acordo com a definição e contemplam os elementos cuja existência depende da preservação do local. Nas últimas décadas a criação de parques e reservas tem sido uma das principais estratégias para a conservação da natureza. Na realidade, essas áreas, conhecidas como Unidades de Conservação, se colocam como ilhas de preservação de grande beleza cênica, onde o homem da cidade pode apreciar e reverenciar a natureza. No entanto, a legislação brasileira que cria os parques e reservas prevê a transferência dos moradores tradicionais de seus territórios, gerando conflitos graves e causando uma série de problemas éticos, sociais, econômicos, políticos e culturais. Dessa forma, as opiniões se divergem, enquanto alguns defendem a continuidade dessas populações nos domínios das unidades de conservação, outros criticam duramente esta posição. Na opinião de Ibsen Câmara, da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN) e autor do Plano de Ação para a Mata Atlântica, da Fundação SOS Mata Atlântica, “há setores conservacionistas que dão importância excessiva às populações tradicionais e isso prejudica o ecossistema, principalmente em áreas de proteção. Claro que as populações merecem cuidados e atenção, mas unir as duas coisas é difícil”. Para Câmara, as Unidades de Conservação devem ficar em um local e as pessoas em outro, pois as Unidades de Conservação devem ser pensadas em séculos (KARAM, 2000).

Enquanto isso, Diegues (1998), diretor do Núcleo de Pesquisa sobre Populações

Humanas e Áreas Úmidas do Brasil (NUPAUB) e professor de pós-graduação em Ciência

Ambiental da Universidade de São Paulo rebate: “É injusto e antiético retirar as populações

tradicionais de seu local de residência. Além disso, é burrice, porque elas garantem a

diversidade e a população não cresce, pois a tendência de migrar para as cidades continua”.

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Para Diegues (1998), ao contrário do que pensavam os ambientalistas seguidores de Wilderness25, a presença da população indígena foi essencial na manutenção da Amozônia e da Mata Atlântica. “Eles manejavam com cultivo itinerante, introduzindo plantas frutíferas, que deixavam para trás quando se mudavam. A biodiversidade era humanizada e garantida pelas populações tradicionais e diminuirá se estas populações forem expulsas”.

De acordo com Mitlewski (1999, p. 2), muitos projetos bem planejados ou bem

intencionados em preservação ambiental que costumam definir critérios para uma

estratificação de seu universo e efetuar pesquisas estruturadas por amostragem, não permitem

incentivar a participação dos grupos tradicionais. Freqüentemente, estes falham por falta de

apoio das populações locais. Para tentar minimizar este fracasso recorrente, estão sendo

adotadas metodologias que contemplam a participação da população residente na área dos

projetos, de maneira a garantir uma certa identificação dos interessados com as medidas

administrativas resultantes das pesquisas efetivadas.

Para a Sociedade Brasileira de Limnologia (2002) foi o reconhecimento público da importância que as várzeas do rio Paraná têm para a diversidade biológica regional, aliado à subtração de metade destas áreas pelo reservatório da Usina Hidrelétrica de Porto Primavera e à crescente incorporação dessas áreas pelo setor produtivo, motivaram várias ações na região envolvendo associações ambientalistas, promotorias públicas, órgãos de controle ambiental estaduais e instituições de pesquisas. Ainda, de acordo com a referida instituição, como resultado inicial destes movimentos destacam-se a retirada do gado das ilhas do rio Paraná, as restrições à exploração da Pfaffia glomerata e a criação áreas de proteção ambiental.

Essas atitudes são importantes para a preservação desse ecossistema representativo de áreas alagáveis do rio Paraná. Uem/Nupelia/Peld (2001) enfatiza que esta planície representa o último trecho deste rio, em território brasileiro, onde ainda existe um ecossistema do tipo “rio-planície de inundação”, além de possuir uma considerável variabilidade de habitats aquáticos e terrestres, que conserva uma grande diversidade de espécies terrestres e aquáticas. Deste modo, os pulsos de inundação são considerados a principal função de força que regula a estrutura das comunidades e o funcionamento deste tipo de ecossistema, ainda que alterados pela operação da cadeia de reservatórios de montante. Os estudos realizados pelo Núcleo de Pesquisa em Limnologia Ictiologia e Aqüicultura da Universidade Estadual de Maringá, demonstraram que os pulsos

25 Concepção do mundo natural segundo a qual, a biodiversidade é garantida pela intocabilidade humana. (Diegues, 1998).

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de inundação são fundamentais para a manutenção e preservação desse ecossistema, e, apesar disso, o regime de cheias tem sido acentuadamente alterados pela operação dos reservatórios a montante. Para Uem/Nupelia/Peld (2000), este fato é preocupante, pois se as alterações forem agudas, poderão ocorrer extinções locais de espécies cujo ciclo de vida encontra-se acoplado ao regime de cheias. A alteração do regime natural de cheias tem sido considerada como a principal fonte de impacto identificada na região e os resultados obtidos têm servido para alertar os órgãos ambientais e as operadoras das barragens das conseqüências para a biodiversidade local. Soma-se a isso, o fato de que diversas espécies presentes na região são componentes da listas de espécies ameaçadas de extinção, publicadas pelos órgãos de controle ambiental. Entre os resultados de nossa pesquisa junto às comunidades tradicionais de lavradores-pescadores que ali habitam há pelo menos 30 anos, há sérios indícios que essa região apresenta sinais de graves alterações ambientais, principalmente no que diz respeito à composição da comunidade de peixes que ali se encontrava. Esse impacto se faz sentir diretamente sobre essas populações que tradicionalmente dependem da dos recursos pesqueiros para sua subsistência econômica, social e cultural. Todos afirmaram que o rio está irreconhecível, tanto pelo aspecto fisiográfico de vazão, profundidade (pela própria dificuldade de navegação), quanto pela ausência de espécies de peixes de comportamento migratório, que agora não são mais encontradas, como o pintado, curimba e a piracanjuba.

Isso demonstra que os objetivos iniciais de preservação de espécies vegetais, animais e do respeito a diversidade das manifestações culturais dos povos que tradicionalmente ali habitam não estão sendo efetivamente cumpridos, pois, uma comunidade tradicional inteira pode desaparecer junto com seu principal meio de sustento, o peixe. Apesar disso, como alerta Uem/Nupelia/Peld (2001), a descaracterização de metade das áreas de várzeas do rio Paraná pelo reservatório de Porto Primavera e a crescente incorporação das áreas remanescentes ao sistema produtivo, especialmente à pecuária e à rizicultura, tem se mostrado incompatível com a preservação da diversidade biológica e com a atividade pesqueira, constituindo um exemplo claro da existência de conflitos de interesses na área. Entretanto, o que mais nos surpreende é o fato desta área ser, segundo Peld (2002), a metade mais importante da unidade de conservação, e ainda carecer, segundo IBAMA (2002), plano de manejo, antecedentes legais, dados sobre clima, características sócio culturais da região, conflitos que afetam a Unidade e áreas de entorno, entre outros (vide Anexo 2). Esse fato traz diversos problemas para o gerenciamento da área, que traz um histórico de interesses de múltiplos setores sociais, como o caso dos próprios ilhéus, fazendeiros, empresas ligadas ao turismo, agricultores, etc. Sem um plano de gestão que contemple a participação efetiva dos atores sociais envolvidos, os conflitos tendem-se a se

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agravar, redundando em prejuízos ainda maiores para a própria área de conservação, podendo induzir até mesmo a uma exploração clandestina dos recursos. Cabe-nos agora, uma pequena incursão à respeito do quem vem a ser a alternativa do manejo inclusivo ou manejo participativo. É sabido que toda unidade de conservação deve ser objeto de um Plano de Manejo. Pode-se definir em acordo com a lei, como manejo todo e qualquer procedimento que vise assegurar a conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas. Esse documento técnico se fundamenta nos objetivos gerais que uma unidade de conservação deve ter, nesse momento, é estabelecido:

� zoneamento ou a definição de setores — zonas com determinados

objetivos e finalidades, de acordo com normas específicas;

� normas e a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da

unidade ficam também determinadas;

� na elaboração, atualização e implementação do Plano de Manejo de

qualquer unidade de proteção integral é assegurada a ampla participação

da população residente;

� o Plano de Manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua

zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas

com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das

comunidades vizinhas;

� as condições para a realização de pesquisa científica e visitação pública

serão estabelecidas pelo órgão gestor da unidade;

� deve também prever a recuperação e a restauração das áreas degradadas.

Apesar de ser aconselhável permitir e incentivar a presença dos moradores locais na região de abrangência das Unidades de Conservação, concordamos que não é todo morador que apresenta um comportamento preservacionista. Assim, em muitos casos, se faz necessário um trabalho de identificação dos moradores que apresentam um perfil histórico-cultural mais condizente com a tradição de população tradicional. Tal atitude visa manter os objetivos iniciais da unidade que prima por atender os requisitos de preservação ambiental e cultural da localidade, caso contrário, a unidade de conservação corre o risco de ser utilizada para outros fins que não venham atender as metas que justificaram sua criação.

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Em algumas APAs e outras Unidades de Conservação cujo zoneamento já foi concluído e é levado a termo, a exemplo da APA de Guaraqueçaba, apesar de sua permanência na área, o panorama para a população também não é dos melhores. A população tradicional que ocupa a região é formada por descendentes de índios e colonos portugueses e vive quase exclusivamente da exploração dos recursos naturais. Em 1986, do total de 6.364 pessoas que viviam de atividades rurais no município de Guaraqueçaba, 2.794 estavam ligadas à pesca, o que indicando que assim como no caso de nossa pesquisa, a lavoura era a atividade primordial, e a associação com a pesca, uma prática comum à população de ilhéus. Segundo o Zoneamento da APA de Guaraqueçaba, a população do município de Guaraqueçaba manteve-se inalterada nas últimas duas décadas e meia (1970-1995), com uma população de 7.777 habitantes, na sua maioria rural. Na porção insular, estima-se que as Ilhas de Superagüi e Peças contêm 1.700 pessoas, distribuídas em doze comunidades e na Ilha Rasa; estima-se em torno de 1.250 pessoas, distribuídas em quatro comunidades. Essa informação é um dado muito importante, pois para Diegues (1983) isso é geralmente motivo de entrave durante a elaboração de planos de manejo que prevêem a permanência de pessoas na área de preservação. Segundo o autor, o número de moradores nessas localidades tende a se manter praticamente inalterado, ou ainda, em decréscimo, devido principalmente ao êxodo da população de jovens que saem em busca de trabalho e estudo. E, novamente, em outro aspecto, essa comunidade das Ilhas de Superagüi, parece se assemelhar aos dados de nossa pesquisa quanto ao levantamento do número de moradores durante o ápice das atividades sociais na Ilha Mutum (1965-74), 490 famílias, que, segundo um de nossos colaboradores, não parece ser muito. Ainda mais, se em uma estimativa razoável, levarmos em consideração a média de 3 pessoas por família, chegaremos a um número aproximado de 1470 pessoas, não diferindo muito da comunidade de Superagüi. Infelizmente, quanto à população que atualmente vive na APA das Ilhas e Várzeas do rio Paraná, o processo parece estar ocorrendo da mesma forma que em outras Unidades de Conservação, no que diz respeito à inviabilidade de sua presença na área. É raro um processo de estabelecimento de Unidade de Conservação que contemple a presença controlada dos moradores locais, e que esta, seja feita efetivamente como sugerem os estudiosos no assunto como Mauro Almeida, isto é, de forma que as populações envolvidas participem do processo de elaboração sobre o papel que devem desempenhar na localidade. Um dos projetos bem sucedidos é o projeto do Alto Juruá, coordenado pelos antropólogos Manuela Carneiro da Cunha, Mauro Almeida e pelo biólogo Keith Brown. Mauro Almeida, natural do Acre e professor da Universidade Estadual

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de Campinas é uma das maiores autoridades em estudos com populações tradicionais no Brasil. De acordo com Almeida (2000), um novo conceito, que não exclui o homem do que se entende por natureza, que busca, ao contrário, transformar a maneira como este interage com a floresta, é a proposta inovadora e inédita que fundamenta algumas iniciativas de grande mérito que surgiram nos últimos anos na Amazônia, as reservas extrativistas com desenvolvimento sustentável. Essas reservas estão conseguindo aliar a necessária preservação de áreas de grande biodiversidade com um implemento na qualidade de vida da população que já habitava essas localidades. Almeida incentiva o enfrentamento de posseiros e madeireiros que exploram região das UCs, e valoriza uma nova forma de pensar o bem-estar, que tenta desligar-se do padrão de consumo presente na sociedade contemporânea. Essas iniciativas vêm obtendo sucesso e servindo como um interessante modelo de estratégia de conservação. As razões apontadas pelo autor para incluir as populações tradicionais nos planos de conservação são diversas, entre elas, destacam-se questões legais, estratégicas e econômicas. É uma questão da justiça, já que essas populações vivem nesses territórios e possuem direitos à terra e a seus recursos. A participação das populações tradicionais na conservação de recursos envolve muito mais áreas preservadas. De acordo com Almeida (2000), no caso brasileiro, ao lado da conservação realizada nas unidades de conservação de uso indireto, as áreas ocupadas por grupos indígenas e por populações tradicionais ampliam consideravelmente as áreas conservadas. Economicamente, é mais viável e também politicamente mais prudente reconhecer populações tradicionais como guardiões de ambientes, em lugar de pagar por fiscais de floresta. Um dos objetivos de um plano de gestão para manejo participativo com a comunidade local, é a possibilidade de garantir as condições que assegurem a continuidade de reprodução social particular, incentivando o desenvolvimento e a transmissão das tradições culturais alí praticadas pelas comunidades, de forma a garantir seus direitos a uma cultura própria, fundada em sua experiência como comunidades tradicionais. Para tanto, se necessário não apenas a elaboração de estudos, celebração de contratos com o poder público, iniciativa privada e lideranças locais para implementação de planos e projetos. É preciso também analisar a consistência das implicações imediatas e futuras. Não basta apenas montar cooperativas de produtos agrosilviculturais sem antever claramente o ritmo de exploração, a taxa de renovação, a intensidade do impacto local e regional, as interações desse impacto para este ecossistema e os circunvizinhos, os jogos de conflitos entre os vários segmentos sociais. Faz-se necessário lembrar que, o projeto deve ter como claro objetivo, a preservação das formas de vida produzidas pelas populações tradicionais, a organização de uma forma de exploração econômica viável deve atender à

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preservação da diversidade cultural e não atender às necessidades do capital, opção que certamente dizimaria as condições tradicionais de existência e identidade cultural. Uma maneira de evitar que as populações tradicionais se tornem os novos “empresários do meio ambiente”, a exemplo de índios que comandam a exploração madereira, é estabelecer limites de exploração e delimitar formas rústicas, mas assépticas de processamento dos produtos naturais. O que deixa transparecer a intenção de manter a modalidade econômica que caracteriza essas populações. A manutenção da economia de subsistência em detrimento da economia de acumulação. Novamente o que se desponta como conveniência, é a manutenção do estilo particular de existência, a garantia da subsistência no local, com condições dignas das conquistas sociais adquiridas pelo homem, na declaração de seus direitos universais, como saúde, educação, direitos de expressão, habitação e saneamento. Para que sejam mantidas as formas de expressão cultural, incluindo a identidade cultural desses povos, dentro das perspectivas da contemporaneidade, se faz necessário enfatizar a organização dos moradores insulares sob a forma de associação de moradores, para evitar que indivíduos se beneficiem das conquistas coletivas. O coletivo deve nortear o coletivo. Para isso, se faz necessário também a capacitação de lideranças locais para uma melhor formação educacional e política, para que não sejam manipulados por representantes dos diversos setores econômicos interessados na exploração dos recursos naturais como o turismo, o setor elétrico, imobiliário, agropecuário, etc. As populações tradicionais são os maiores interessados na conservação, elas têm se manifestado em muitos casos, a favor de estratégias de conservação. Isso porque a conservação de recursos naturais tem importância direta para sua sobrevivência, e é indiretamente importante como base de sua legitimidade face à nação. Dessa forma, o interesse na conservação é maior do que o uso indiscriminado (ALMEIDA, 2000). Para ilustrar, vejamos o exemplo da implantação de projetos na região do litoral sul de São Paulo que atuam na área de manejo sustentado de recursos naturais e que têm surtido efeito em longo prazo. Estes resultados, são o fruto do trabalho conjunto entre órgãos governamentais, não-governamentais e comunidades tradicionais. Em Cananéia, funciona uma cooperativa dos produtores de ostras, a Cooperostra. Ela é resultado do trabalho da comunidade do bairro Mandira e tem possibilitado a extração racional e ordenada de ostras do mangue Crassostrea brasiliana. No Parque Estadual da Ilha do Cardoso, é cultivado o mexilhão da pedra Perna

perna pelas famílias de pescadores da vila do Pontal de Leste. Em Iguape há tentativas de organizar uma cooperativa dos pescadores da manjuba. Na Ilha Comprida são desenvolvidos o Programa de Manejo Sustentado da Samambaia Silvestre e Produção e Comercialização do Siri-Mole do Lagamar. Todos esses projetos são fomentados pelas próprias comunidades e associações de

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moradores, com o apoio do Instituto de Pesquisas do Litoral Sul do Instituto de Pesca, órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, e da prefeitura de Ilha Comprida. São honrosas iniciativas, mas resta saber se poderão acompanhar o ritmo das demandas causadas pela degradação ambiental (COMCIÊNCIA, 2002). Contudo, no que diz respeito ao aspecto mais jurídico da questão, Benatti (1999), alerta que para que as áreas protegidas consigam alcançar os objetivos almejados, em primeiro lugar elas não poderão ser vistas como “ilhas de preservação” do meio natural, isoladas do seu contexto regional e nacional; em segundo lugar esses espaços naturais protegidos não podem ser criados e geridos sem consultar a sociedade, especialmente as comunidades mais diretamente atingidas; em terceiro lugar, deverá se compatibilizar a necessidade de criar áreas de proteção ambiental com a presença das populações tradicionais. Em nosso entendimento a defesa do meio ambiente é muito mais do que a defesa somente da fauna, flora e do meio físico, inclui também o ser humano, através de suas atividades culturais e materiais. Portanto, o meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A interação busca assumir uma concepção unitária do ambiente compreensiva dos recursos naturais e culturais.” (SILVA, 1994 apud BENATTI, 1999). Cabe-nos assim, lembrar que os princípios de criação das unidades de conservação, assim como os seus conceitos em vigor, são anteriores à Constituição atual, portanto, requerem uma revisão a fim de que esses conceitos se tornem mais adequadas aos princípios constitucionais. Caso contrário, estamos nos deparando com uma inconstitucionalidade, pois de um lado, temos uma Constituição que tutela os elementos naturais, artificiais e culturais, e de outro, temos uma lei ambiental que desconsidera o aspecto cultural. Benatti (1999) considera que as unidades de conservação com populações tradicionais devem fundamentar sua criação em pelo menos dois pontos que merecem atenção especial, o natural e o cultural. Contudo, da forma como elas vêm sendo criadas até hoje, o natural tem se sobreposto ao cultural. Há casos em que em nome da defesa do aspecto natural, destruiu-se, desarticulou-se o cultural e isto ocorreu quando as populações tradicionais foram retiradas violenta e ilegalmente de suas áreas. Percebe-se de forma recorrente a relevância das Unidades de Conservação como instrumentos da política de conservação do meio ambiente brasileiro, mas a sua criação não pode se restringir às informações do meio físico, deixando sua criação à mercê somente das informações contidas nas ciências naturais, desconsiderando os processos sociais, econômicos e culturais existentes na área a ser protegida. O meio ambiente é uma concepção unitária, um todo composto por recursos naturais, artificiais e culturais. Essa política autoritária de criação de unidades de conservação em áreas de apossamento de populações tradicionais tem levado a um conflito de dois

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direitos fundamentais garantidos constitucionalmente: o direito cultural e o natural (art. 215 e 225, respectivamente). Para Benatti (1999) o conflito (ou colisão) de direitos fundamentais acontece quando:

O exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. Aqui não estamos perante um cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante um ‘choque’ , um autêntico conflito de direitos.

Trata-se, portanto, de um conflito entre direitos fundamentais e bens jurídicos das populações tradicionais (patrimônio cultural) com o direito de preservação de um bem ambiental (patrimônio natural). Essas considerações nos mostram a dimensão da complexidade do assunto, e que, por isso mesmo, nem sequer existem ainda resoluções legais claras que possam tratar do assunto de modo que as ações estejam amparadas na lei. O amparo na lei, até que existe, mas, como a lei não é clara a esse respeito, ele só está lá para quem quer ver. Apesar disso, o mais freqüente, é que as populações locais com práticas tradicionais de subsistência, sejam apenas comunicadas das sentenças que foram tomadas "nas esferas mais altas" a respeito de seu destino. Segundo Rosa (2000), diversos autores observam que a ampliação de normas proibitivas do uso dos recursos naturais em áreas habitadas pelas chamadas populações tradicionais ou locais, em geral, tende a provocar conflitos entre os habitantes da área sob regulamentação de uso e os órgãos públicos. Para implantação da APA federal de Guaraqueçaba, segundo Rosa (2000), uma das primeiras medidas foi a remoção "negociada" das 150 pessoas residentes nas ilhas, com o reassentamento de 78 famílias de ilhéus na Vila Rural em construção no município de Altônia. Após a criação desta Unidade de Conservação, em 1985, conforme Zanoni, Walflor e Rougeulle (1995, apud ROSA, 2000, p.112):

(...) constata-se o agravamento da situação socioeconômica de pequenos agricultores e pescadores artesanais de baixa renda, ocasionado em grande parte pelas proibições de uso dos recursos naturais. A legislação acentuou o processo de pauperização das populações locais. (...) Nenhuma forma de comunicação ou diálogo foi estabelecida entre os agentes dos organismos oficiais e as comunidades. A única expressão da nova legislação resumiu-se na presença atuante da polícia florestal que, (...), executou, através de repressão e da violência, os requisitos da lei.

Lange Jr. (1998 apud ROSA, 2000, p. 115), um dos pesquisadores do projeto da APA de Guaraqueçaba afirma:

Os problemas podem ser caracterizados pelo processo crescente de degradação ambiental dos ecossistemas e de transformação da sociedade local, (...), determinante da piora da qualidade ambiental e das condições de vida (situações opostas ao objetivo da gestão da APA).

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Entre os indicadores das condições ambientais na área estudada, o autor aponta a continuidade dos processos de desmatamento; a substituição de técnicas tradicionais do uso do solo por sistemas tecnológicos mais dependentes de tecnologia, insumos, mercado e capital externos à região; a concentração da propriedade dos recursos ambientais por atores desvinculados do sistema social local; a degradação e exaustão de uma série de recursos ambientais extrativistas como o palmito, o pescado e a matéria-prima para o artesanato, comprometendo a prática sustentável dessas atividades. A remoção "negociada" da população da APA, segundo Motta (1999), "surgiu com a proposta de permuta de terras pela indenização das benfeitorias e não por indenização das terras ocupadas, já que as ilhas do rio Paraná pertencem à União." Entretanto, Rosa (2000) adverte quanto a essa incoerência mencionando que entre 1978 e 1980, por ocasião da formação do lago de Itaipu, o INCRA loteou as 250 ilhas do rio Paraná existentes no trecho entre a foz do rio Paranapanema e Guaíra, entregando títulos de posse que não poderiam ser transferidos por cinco anos a cerca de 955 posseiros. A Lei 9985/2000 determina que "as populações tradicionais residentes em unidades de conservação nas quais sua permanência não seja permitida, serão indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente realocadas, pelo Poder Público, em local e condições acordados entre as partes" (art. 42). O reassentamento das populações tradicionais a serem relocadas é obrigatório e deve ser priorizado. (§ 1.º). O prazo de permanência será estabelecido "em regulamento". Embora a nova Lei do Sistema de Unidades de Conservação (SNUC) vigore sem a definição do que é uma comunidade tradicional, esta cita dezesseis vezes sua existência e define que, enquanto não houver Plano de Manejo ou o reassentamento em outro local acordado entre as partes, deve ser assegurada a manutenção de seus modos de vida, das fontes de subsistência e dos locais de moradia, bem como a sua participação na elaboração das normas e ações específicas destinadas a compatibilizar sua presença com os objetivos da unidade:

§ 2.º Até que seja possível efetuar o reassentamento, de que trata este artigo, serão estabelecidas normas e ações específicas destinadas a compatibilizar a presença das populações tradicionais residentes com os objetivos da unidade, sem prejuízo dos modos de vida, das fontes de subsistência e dos locais de moradia destas populações, assegurando-se a sua participação na elaboração das referidas normas e ações.

A essência da lei 9985/00 é, portanto, o de que as populações tradicionais merecem e devem ser protegidas. Ficaria sem sentido que, para a proteção integral da natureza, as comunidades perdessem suas referências, criando um novo problema social. Este critério se vê também em outro artigo, onde a Lei 9985/00 assegura a essas populações, porventura residentes na área, as

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condições e os meios necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e culturais. Vale aqui reproduzir no texto legal na íntegra:

Art. 28 São proibidas nas unidades e conservação quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus objetivos, o seu Plano de Manejo e seus regulamentos.

Parágrafo único - Até que elaborado o Plano de Manejo, todas atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de proteção integral devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger, assegurando-se às populações tradicionais, porventura residentes na área, as condições e os meios necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e culturais."

Juntando-se os dois dispositivos, têm-se que às populações tradicionais, até o reassentamento, se garante:

� condições e os meios necessários para a satisfação de suas

necessidades materiais;

� condições e os meios necessários para a satisfação de suas

necessidades sociais;

� condições e os meios necessários para a satisfação de suas

necessidades culturais;

� condições que assegurem seus modos de vida;

E, até o Plano de Manejo: � condições que assegurem das fontes de subsistência;

� locais de moradia;

� participação na elaboração das normas e ações destinadas a

compatibilizar sua presença com os objetivos da unidade.

Uma solução para as populações tradicionais da APA das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná poderia, ser, caso se decida pelo impedimento da permanência no local, o imediato estabelecimento participativo do plano de manejo (normas e ações) e a fixação de um prazo bastante amplo para o reassentamento. Ao invés disso, no decorrer de nossa investigação, observamos por meio dos relatos dos entrevistados, o exercício da arbitrariedade contra uma comunidade indefesa. Ao que parece, o plano de gestão para a área, quando for realizado, não mais poderá ser feito de forma participativa, por completa inexistência da principal parte interessada, ou seja, os moradores das ilhas. Será um plano de gestão inédito, um plano de gestão que poderá ser chamado de "plano de gestão exclusivo", não pelo caráter de originalidade, pois a expulsão de populações

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tradicionais no Brasil se faz desde seu "descobrimento" pelos europeus, mas sim pelo seu caráter excludente. Na prática, a defesa do patrimônio histórico e cultural fica em planos secundários. Assim, a despeito dos objetivos e intenções de se preservar o ambiente, respeitando e incentivando as práticas sócio-culturais, visando assegurar o bem-estar das populações humanas locais, e, especificamente no que diz respeito aos atuais e antigos moradores da Ilha Mutum, o que observamos na prática é a expulsão e intimidação sem trégua das populações que ainda resistem lutar pelo seu direito de viver da única forma que sabem viver, em estreito contato com práticas tradicionais de existência, através da prática da pesca e da pequena lavoura de subsistência.

(...) ao contrário do que apregoam os organismos nacionais e internacionais quanto a manutenção das populações tradicionais ou locais que já habitavam as unidades de conservação antes de sua institucionalização pelo poder público, a prática em Guaraqueçaba e nas ilhas do rio Paraná foi a transferência de população sob o argumento da manutenção da biodiversidade local (ROSA, 2000).

Isso nos remete à observação de Guimarães sobre o novo estilo de desenvolvimento adotado pelos organismos internacionais:

... faz [desenvolvimento sustentável] uso da noção de sustentabilidade para introduzir o que eqüivale a uma restrição ambiental no processo de acumulação capitalista, sem enfrentar contudo os processos institucionais e políticos que regulam a propriedade, o controle, o acesso e o uso dos recursos naturais (GUIMARÃES, 1997, p. 28-29).

Nesse aspecto, compreendemos a revolta de nossos entrevistados quando nos afirmam categoricamente que "o que acabou com as ilhas não foi o pescador e nem o pirangueiro que morava na Mutum, foram as represas." Esse nível de entendimento de seu mundo, nos mostra de forma inequívoca que essa população embora simples e sem estudo escolar convencional, sabe muito bem a realidade política na qual está inserida. A realidade é a dos que podem pagar por uma história e por um marketing elaborado por técnicos e cientistas, defendidos por advogados e juristas, perpetuado por serviços especialmente estratégicos de divulgação e assessoria de imprensa, incluindo-se aqui, as empresas ligadas ao turismo. O núcleo da questão que atinge as raízes das políticas de regulamentação do controle e acesso de dos recursos naturais não se discute, "muda-se, para deixar tudo do jeito que estava." Dessa forma, a criação da APA das Ilhas e Várzeas do rio Paraná, da forma como vem sendo feita, consiste para a população de moradores da Ilha Mutum, mais um forte impedimento sua perpetuação como remanescentes de uma população de lavradores-pescadores, que primeiro teve seu peixe retirado, e, agora, sua terra e sua casa.

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Vivendo em conflito: o turismo voraz

Entre os moradores de Porto Rico e das Ilhas do alto rio Paraná, convencionou-se chamar de turista todo visitante regular ou não, que possui residência ou não, na região. Durante nossa visita ao município, observamos que aproximadamente de cada 20 casas, uma era de “turista”. Os turistas procuram na região um local para descansar, para praticar esportes náuticos em seus “jet-skis”, em suas lanchas velozes, passear de barco, tomar banho de sol em algumas das praias formadas por bancos de areia no rio, repousar em luxosas pousadas, visitar as ilhas, pescar ou simplesmente ficar à margem, no calçadão, em uma das lanchonetes, se refrescando ao vento. Na cidade de Porto Rico e nos arredores, em condomínios reservados, é possível observar várias mansões que em requinte, constrastam de forma gritante com uma paisagem natural que esteticamente requereria um padrão mais rústico. É interessante perceber toda uma cidade de descendentes de pescadores e lavradores e dentro dela, grandes elefantes brancos, incômodos, inquietantes e barulhentos com sua suntuosidade. Na Ilha Mutum isso não é diferente, além disso, alguns de nossos colaboradores foram durante anos, caseiros destas riquíssimas propriedades e associações, em troca recebiam o direito de permanecer nas terras que um dia foi sua posse, recebendo regrados salários mínimos para servirem aos filhos, parentes, amigos dos patrões. Era uma alternativa diante dos impedimentos de reprodução material de vida que os ilhéus vinham enfrentando após as enchentes da década de 1980. Após a grande enchente de 1982/83, a Ilha Mutum se tornou alvo de um novo tipo de população, além da população de gado dos pecuaristas locais. Os “turistas” moradores casuais de fim de semana, muitos deles, empresários residentes na cidade de Maringá, no norte do Paraná, possuíam casas dotadas de melhor infra-estrutura do que os próprios moradores fixos da ilha. Assim, além do gado que invadia as plantações dos ilhéus, os turistas também são apontados como deflagradores de problemas, por não respeitar e não conhecer a dinâmica local da natureza. Além disso, a ilha não representa para o turista o mesmo que representava para os ilhéus, isto é, seu meio de sustento, seu meio de vida. Os entrevistados também associam a falta de peixes e de animais nativos na planície do rio Paraná, ao impacto da exploração turística predatória na ilha. O ilhéu sabe que o peixe prefere regiões de vegetação para se abrigar e se alimentar, e que na falta desta, o peixe irá procurar regiões que ofereçam ambiente mais propício. Grande parte dos turistas que fixam residências de veraneio na ilha, desmatam as margens. Esse comportamento predatório, oriundo da atividade turística, parece ser generalizado, a degradação social e cultural, invariavelmente desponta como as principais conseqüências negativas do turismo para a população tradicional.

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As vilas de Pedrinhas, Juruvaúva e Morretinho já sofrem com o avanço dos loteamentos sobre suas terras. Algumas comunidades, que antes viviam apenas da pesca, hoje estão rendidas às atividades ligadas ao turismo. Muitos tornam-se caseiros para os veranistas.

Isso não acontece apenas na Ilha Comprida. Na Ilha do Cardoso, um Parque Estadual em Cananéia, quase todas as famílias, que ali vivem espalhadas em vilas, complementam a renda com o dinheiro trazido pelo turista. E, na própria cidade, muitos chegam ao extremo de abandonar suas próprias casas durante as temporadas para entregá-las aos veranistas. Em troca eles recebem uma quantia que nunca conseguiriam juntar com o trabalho e os salários disponíveis na cidade. É assim que miséria e degradação ambiental andam lado a lado. Sem falar nos caiçaras que, para sobreviver, dedicam-se ao extrativismo clandestino de ostras, mexilhões, caranguejos, palmitos e caça de animais silvestres, muitos dos quais a caminho da extinção.

Barbieri ainda alerta sobre os riscos da degradação ambiental em ilhas. "Os ambientes costeiros (insulares) estão entre os mais frágeis do planeta devido à sua dificuldade e, muitas vezes, impossibilidade de recuperação diante de algum tipo de impacto.

No litoral, o turismo tem uma atuação negativa, eliminando plantas e habitats de animais e contaminando a água. Para o pesquisador, a ocupação dos loteamentos previstos para a região estuarino-lagunar da parte sul da Ilha Comprida poderia trazer crescimento econômico para o município. Entretanto, esse crescimento não será convertido em melhoria da qualidade de vida da população e os prováveis prejuízos superariam em muito os eventuais benefícios (COMCIÊNCIA, 2002).

No Plano Plurianual do governo federal (1994-1999), o eco-turismo‚ entendido como "um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações envolvidas." Ressalte-se que a Política Nacional de Turismo, que tem como principal órgão de formulação e execução a Embratur, propõe um modelo cooperado e descentralizado de atuação, e suas metas contemplam variados objetivos, como a geração de empregos, a capacitação de mão-de-obra, a integração das populações das áreas envolvidas, e a proteção do meio ambiente entre outras. A Resolução CONAMA n. 10, de 14/12/1988, definiu as APAs como "unidades de conservação destinadas a proteger e conservar a qualidade ambiental e os sistemas naturais ali existentes visando a melhoria da qualidade de vida da população local e também objetivando a proteção dos ecossistemas regionais." Isto significa que a implementação efetiva destas áreas passa, inicialmente, pelo reconhecimento dos múltiplos aspectos que formam cada contexto onde as APAs estão inseridas. Ao que tudo indica, conforme Rosa (2000), a política de conservação da natureza implementada no estado do Paraná, especialmente na década de 1990, esteve diretamente subordinada à implantação das bases de

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desenvolvimento de um novo setor de produção, por alguns denominado a nova "indústria do ecoturismo". As terras já não eram mais tão férteis e produtivas quanto antes, os estoques pesqueiros careciam das principais espécies comerciais valorizadas, o gado invadia as plantações de subsistência dos ilhéus, destruindo todo um processo de cultivo. Além disso, corria sempre o boato da volta da grande enchente e o governo solicitamente ofertava terras em Rondônia e no Pará. Parecia um bom negócio, talvez o único possível, vender tudo e arriscar o desconhecido. Muitos dos moradores venderam suas posses a baixos preços, aproveitando que haviam interessados, fazendeiros e turistas. Os que não venderam, no final da década de 1990, receberiam o ultimato da “necessidade de deixar o local”, por intermédio da criação da APA. Assim, foi-se "limpando" a área das ilhas para conservação da biodiversidade e implantação de outros projetos, embora uma das prioridades definidas para a gestão da unidade de conservação das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, afirme, como mencionado anteriormente, o objetivo de:

- ordenar o turismo ecológico, científico e cultural, e demais atividades econômicas compatíveis com a conservação ambiental;

- incentivar as manifestações culturais e contribuir para o resgate da diversidade cultural regional;

- assegurar o caráter de sustentabilidade da ação antrópica na região, com particular ênfase na melhoria das condições de sobrevivência e qualidade de vida das comunidades da APA e entorno.

Em suma, Rosa (2000, p. 257), conclui:

(...) incorporando tais espaços como reserva de valor, melhor dizendo, como capital potencial de realização futura, a política de conservação da natureza implementada nas últimas décadas no Paraná, em paralelo às políticas de modernização da produção vem promovendo o reordenamento do território preparando-o para outras espacializações sem a devida preocupação com as populações locais, que no caso do Paraná constitui-se de população migrante que procura alternativas de sobrevivência nas áreas que até recentemente não interessavam ao capital e que agora são valorizadas, sobretudo a diversidade biológica, como capital de realização atual ou futura mediante o uso de novas tecnologias.

O retorno ao continente

Diante dos impedimentos cumulativos que se impuseram diante do projeto de vida na ilha, os moradores da Mutum, não tiveram outra opção senão deixar para trás toda uma construção de vida baseada na sua força direta de trabalho. Despreparados para a vida dos anos 80 e 90 no continente, sem instrução escolar (fundamental incompleto (70%) e sem escolaridade (30%) — Tabela 8 - cap. 3), sem uma capacitação profissional urbana, sem a terra que lhes é tão cara em termos financeiros e subjetivos, os ilhéus da ilha Mutum, se viram expulsos do

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único espaço que lhes havia sobrado na sociedade que lhes proporcionava alguma dignidade e autonomia. Hoje, desistiram de procurar a parte que lhes cabe nesse “latifúndio”. Sem terra, sem rio, sem peixe, sem estudo, sem trabalho. Esse é o currículo que os ilhéus da Ilha Mutum têm para apresentar à sociedade. De acordo com os relatos dos entrevistados, alguns foram em busca de novas terras para continuar sua autonomia; outros foram procurar abrigo em fazendas próximas e distantes, cuidando de terras alheias; outros ingressaram em movimentos mais políticos junto às comunidades de sem-terras e alguns ainda ficaram na região, morando no núcleo urbano e rural de Porto Rico e adjacências, engrossando as fileiras de desempregados ou subempregados que vivem como caseiros ou biscateiros, vendendo sua força de trabalho aqui e ali, em épocas de temporada turística, ou ainda continuaram em atividades ligadas ao rio, como a pesca.

Muitos viam como solução a saída do núcleo urbano de Porto Rico, seja em direção ao norte do país, em busca de novas frentes de desbravamento, seja em direção aos grandes centros urbanos a procura de ofertas de emprego diversificadas. (...) Outros saíram em busca de alternativas de trabalho no próprio núcleo urbano de Porto Rico, sem o abandono efetivo da pesca (UEM/NUPELIA/PELD, 2000).

No região urbana, os antigos moradores da Mutum se fixaram em casas modestas, inicialmente cedidas por “compadres”, amigos e parentes. Os que não conseguiram essa colocação, na época da grande enchente, se viram obrigados a morar vários anos em situação precária no continente, vivendo em barracas de lona em alguns pontos da cidade: um em terreno da igreja adventista, outro em um terreno alagadiço de uma fazenda próxima, que, devido a concentração de ocupantes foi denominado “favelão”. Nesse favelão, os “loneiros” ou flagelados das enchentes do rio Paraná, se acumulavam em carência, até que uma direção pudesse ser tomada. Entretanto, muitos não conseguiram sair daquela condição e, além disso, sua situação só tendia a piorar, devido às precárias instalações sanitárias. Alguns desenvolveram doenças como pneumonia. Enquanto as águas continuavam altas, a população da favela cresceu e, mesmo depois, durante a vazante, muitos desistiram de retornar a suas posses diante do estrago provocado, diante da infertilidade do solo, da casa destruída, dos animais mortos ou já consumidos. Sem dinheiro e sem esperança, só lhes restava continuar. Face a esse impasse, o poder público começou a se mobilizar para retirar da cidade aquela formação urbana de miséria. Nesse sentido, foi construído um conjunto de casas, o conjunto Flamingo, conhecido popularmente pelos moradores como “pombal”, devido ao minúsculo tamanho das residências (3 cômodos - sala-cozinha, quarto e banheiro).

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Na época da vinda para a cidade, segundo os relatos coletados, havia a alternativa de trabalhar como trabalhador volante, “bóia fria”, nas plantações de milho, algodão, feijão, mamona, o que permitia uma remuneração suficiente para as despesas mais imediatas de subsistência. Hoje, essa alternativa já não é mais viável, pois grande parte da agricultura local foi substituída por pastagens ou a agricultura mecanizada que dispensou a mão-de-obra. O Projeto “Paraná 12 Meses” do governo do estado, por força dos termos contratuais do acordo de empréstimo firmado com o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), gerou o Relatório de Avaliação Sócio econômica na atividade Vilas Rurais. O enfoque principal foi dado às condições de produção e trabalho dos moradores. O levantamento de campo foi feito pela EMATER/PR nos meses de abril e maio de 1999, mediante distribuição de questionários a serem preenchidos pelos moradores. Segundo o relatório do Ipardes — Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social de 2000, as Vilas Rurais caracterizam-se por constituírem pólos de trabalho e de produção agrícola e não-agrícola, com infra-estrutura de habitação, energia elétrica e saneamento básico, tendo cada lote uma área de 5.000.m² e uma casa com aproximadamente 44,52 m². Cerca de 83,7% da população moradora nas Vilas Rurais, encontra-se em situação de pobreza, dos quais 41,5% são extremamente pobres. Apenas 2,2% não podem ser enquadrados em programas de alívio à pobreza. Dentre as ocupações profissionais dos moradores, há o predomínio de trabalhadores rurais temporários, dos quais 15,5% são homens e 4,4% são mulheres, perfazendo 19,9%. As ocupações urbanas, perfazem 11,9% do total das ocupações dos moradores. (IPARDES, 2000) Os rendimentos das atividades do lote e de outras explorações fora da área da Vila, são baixos. A renda média mensal verificada é de R$ 284,43 (para 96% das famílias). Esta renda é comprometida em 87,6% com as despesas domésticas. Os principais problemas comunitários são: alcoolismo, brigas, furtos, prostituição, drogas e outros. A Vila Rural, seria uma boa alternativa, como forma de incentivo à produção autônoma para a população dos excluídos do campo. Entretanto, seria necessário oferecer melhores condições de subsistência. Os incentivos oferecidos pelo Estado são insuficientes, considerando a gravidade da situação desses moradores. De acordo com nossos colaboradores residentes na Vila Rural, há um ano, todos estão utilizando o espaço do terreno (aprox. 5000 m2) com suas culturas tradicionais de subsistência, com hortaliças, mandioca, milho, café, banana, abóbora, batata, laranja e assim por diante. Observamos também uma incipiente criação de frangos com a mesma finalidade das plantas acima citadas. Eles nos afirmam que tiveram sorte de conseguir a casa com um espaço para poderem continuar a plantar seu próprio alimento, isso já ajuda na economia do apertado orçamento familiar. A diferença que sentem na mudança da ilha para o

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continente, é que agora existem contas a serem pagas no fim do mês que antes não haviam. Afirmam que depois que se mudaram para o continente, aprenderam a economizar o dinheiro, que antes era todo gasto sem nenhum propósito ou planejamento, como é peculiar nas comunidades tradicionais, em sua concepção sobre a temporalidade, conforme visto no capítulo 3. Agora, é preciso manter o dinheiro para pelo menos para continuar pagando a prestação de R$ 20,00 da casa, mais contas de água e energia elétrica. A esse respeito, Lima (1997) esclarece que:

...as “sociedades tradicionais”, privilegiam a conservação de bens de consumo. Embora esses, sendo produtos da terra, possam ser tratados como bens diretos (que podem oferecer satisfação imediata) ou como bens indiretos (concorrendo para a elaboração de bens diretos, mas não sendo fonte, em si, de nenhuma satisfação imediata), no caso da ocorrência de um excedente, a preferência é tratá-los como bens diretos, ao invés de utilizá-los para aumentar o produto futuro. Dessa forma, o futuro da produção encontra-se sacrificado ao futuro do consumo, os bens potenciais aos bens atuais, a previsão à previdência (p.66).

E, Bourdieu (1963), por sua vez complementa:

A economia moderna, onde a distância que separa o começo e o fim do processo de produção é extremamente longa, supõe a posição de um fim abstrato e, ao mesmo tempo, a continuação de um futuro abstrato, o cálculo racional devendo suprir quaisquer defeitos de visão global. Com efeito, para que o cálculo seja possível, é necessário que se encontre a unidade orgânica que une o presente da produção a seu devir (à venir) , unidade que não é outra senão aquela do próprio produto, como demonstra a comparação de uma técnica artesanal fabricando produtos inteiros e da técnica industrial, fundada na especialização e no parcelamento da obra. As tarefas do camponês não se deixam assim facilmente fragmentar. São, com efeito, solidárias ao mundo natural, que traz em si mesmo seus próprios princípios de divisão e unificação e que, longe de se prestar a cortes arbitrários, impõe seus ritmos próprios. (BOURDIEU, 1963 apud LIMA, 1977, p. 67).

Assim, é possível compreender que na época em que residiam na ilha, a previsão de bens se limitava à providência presente, para um uso mais direto e imediato, agora, com a mudança para o continente, na cidade, a maneira de encarar a provisão de bens também muda, incorporando assim, comportamentos, identificando-se com a cultura da urbanidade. A previsão agora tem uma finalidade que inclui a dedicação a uma satisfação a longo prazo. Deste modo, a nossa colaboradora da Vila Rural, Joana, nos informa que pensa na casa como um bem que irá deixar para os filhos. Há de se ressaltar, que não são todos que conseguem fazer essa transição, alguns moradores não conseguem pagar os R$ 20,00 da prestação da casa e são obrigados a ceder espaço para outros, é quando surge uma “vaga”, pois, de acordo com o contrato da Vila Rural, o morador inadimplente por um período que varia de 3 a 6 meses, será obrigado a ceder o imóvel para outro.

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Diante do comprometimento da identidade camponesa, a dinâmica de atividades que envolvem o meio urbano, acaba por interferir em hábitos muito arraigados em sua condição de lavrador-pescador. Os colaboradores residentes no meio urbano, de uma forma geral se queixaram da impossibilidade de cultivar as plantas e as criações de pequenos animais que antes tinham na ilha. Na falta de terra para plantar, eles fazem o que podem, plantando flores, pés de abacaxi, mangueiras, ervas medicinais, mandioca. O propósito maior, segundo eles, não é nem tanto para comer, já que a aposentadoria do casal consegue responder pela sua subsistência, mas o propósito principal é “não ficar parado”, ou seja, poder exercitar sua identidade de população tradicional, mesmo na cidade, mantendo as tarefas e atividades tradicionais. Apesar da idade, sentem que manter a prática cultural é manter a própria vida. Nesse sentido, Conceição, uma das colaboradoras, chegou a improvisar uma velha banheira plástica quebrada para recém nascido, para plantar cebolinha, visto que morava em uma casa cedida, construída com o auxílio de um vereador da cidade, no terreno da casa da filha. Na Vila Rural, os moradores ainda tentam, sem resultados, reproduzir a prática da conjugação da cultura de excedente com a pesca. Plantaram milho e vassoura, contudo, o grande contingente de remanescentes camponeses na região também tiveram a mesma iniciativa, o que torna muito grande a oferta desses produtos, tornando os custos da produção e da venda, mais dispendiosos do que os lucros com a venda. No que diz respeito a pesca, a situação para os moradores da Vila Rural é a mesma para todos os outros demais que buscam no rio, uma alternativa de sobrevivência, não há, conforme Uem/Nupelia/Peld (2000, p. 245, 248, 249 e seguintes), perspectiva de um ganho minimamente satisfatório com esta atividade. Outra iniciativa, também na Vila Rural, foi a construção de uma estufa para plantar hortaliças, segundo os moradores, o propósito era criar um viveiro comunitário de mudas de hortaliças que seriam destinadas ao comércio. Novamente, por falta de maior assistência por parte dos implantadores do projeto ou por falta de tradição com trabalhos cooperativos, a estufa está sendo desativada por falta de participação. Segundo os entrevistados na Vila Rural, o governo alega alto custo para sua manutenção e muito pouco retorno com a produção. Segundo eles, o lucro seria maior se pudessem atingir maiores mercados, a exemplo da cidade de Paranavaí e de Loanda (100 / 40 Km), porém não dispõe de meios para efetuar o transporte ou ainda, de iniciativas para efetivar esses objetivos. A Vila Rural dista cerca de 12 Km da cidade de Porto Rico, o meio de transporte mais utilizado é um ônibus que transporta crianças residentes na zona rural. De certa forma, segundo os relatos, eles continuam “ilhados”, distantes da cidade, sem meios de locomoção mais independentes, pois o horário do ônibus é restrito e em dias de chuva, só vai até a estrada.

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Para os moradores, a insularidade não é mais física, restrita pelo espaço que ocupam e se relacionam social e materialmente. Está caracterizada por um isolamento mais perverso, que atinge níveis mais subjetivos. Contudo, mesmo com essas condições mais favoráveis de “ter terras”, segundo os moradores, as terras que fazem uso, já estão “cansadas”, pois o terreno sobre o qual, estão instalados, há pouco tempo era pasto, pertencia a uma grande fazenda dividida em três partes entre familiares. Uma dessas partes, a mais improdutiva, foi vendida ao governo do Estado para que se fundasse a Vila Rural. Sabe-se que, para qualquer boa produção, a terra precisaria de um cuidado com correção de componentes químicos e adubação que, mais uma vez, exige recursos financeiros e técnicos que esses moradores não dispõe. A destinação de porções de terras mais degradadas e inférteis parece ser uma prática comum quando se trata do assentamento de populações desfavorecidas.

A região era conhecida como o sertão central do Paraná até as primeiras décadas deste século. Helm, em suas pesquisas pelo interior do Paraná na década de 1970, relatou que a maior parte da reserva florestal que cobria esta Área foi devastada, principalmente a mata de Araucária angustifolia e as melhores terras foram cedidas aos novos povoadores. Os índios viviam em terreno acidentado e pouco fértil. (EIA/RIMA - TIBAGI, 1999, p. 28)

Para tentar complementar a renda, os ex-ilhéus procuram fazer o que faziam na ilha, plantar e pescar. Ainda assim, como já mencionado anteriormente, a pesca está sendo um ofício infrutífero para essa população que culturalmente assimilou a pesca e a lavoura. A habitação pertencente aos ilhéus na época em que residiam na ilha, poderia ser considerada como uma forma de apropriação feita pelo grupo. O espaço característico da pesca e da atividade de lavra é que culturalmente erigia a construção da casa. Mais próxima ou distante do rio e da roça, posições, quantidades de janelas e portas, a habitação era uma construção funcional surgida de acordo com as necessidades do grupo. Entretanto, hoje, cada vez mais a cidade parece sufocar o resquício de autonomia dos antigos moradores da Ilha Mutum, diante da falta de um espaço para exercitarem suas relações sociais, culturais e simbólicas possíveis na sua relação com a terra. Lima (1997, p. 209) observa que para essas populações, a racionalidade econômica não tem a mesma equivalência que tem para uma população formada a partir da cultura urbana. Nesse ponto, o autor salienta que muitas comunidades indenizadas pela expropriação da terra, não sentiram vantagem alguma em trocar sua casa e seus “bens” por uma certa quantia em dinheiro, haja visto que o dinheiro se esvai rapidamente diante das novas necessidades urbanas como o aluguel, alimentação, água e eletricidade. Na verdade, sentem que não foi a casa e nem o lugar que mudou, foi toda uma forma de vida, uma forma de agir no mundo que foi trocada, vendida por uma outra forma de vida que o ilhéu desconhecia.

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Para Pereira (1965, apud TOMMASINO, 1985), a qualificação técnica para o trabalho só se realiza adequadamente no homem quando nele se constituiu o suporte das operações técnicas. Mais que traços estritamente físicos ou biológicos (força e resistência orgânica etc.), tais suportes consistem em atitudes, motivações e representações pelas quais os trabalhadores se põem diante de sua força de trabalho como mercadoria. Devem ainda aceitar a execução de tarefas que não são propiciadoras de satisfação em si mesmas, podem se submeter à dominação do capital personificado no comprador de sua força de trabalho, tomam o trabalho como um instrumento de satisfação extra-trabalho, tornando-se suscetíveis aos incentivos salariais promotores da competição, não se opõe à apropriação privada da mais valia, aceitam como natural a existência do mercado de trabalho com suas conseqüências. Na ilha, a casa era o resultado da construção por suas próprias mãos e muitas vezes com o auxílio de amigos, vizinhos e parentes; portanto, era o resultado de uma ação comunitária, em que os laços sociais eram reafirmados. Da mesma forma, o alimento era resultado de sua ação direta sobre o meio em que vivia e não da ação indireta, como ocorre na cidade, onde o trabalho praticado renderá produtos e serviços para pessoas estranhas ao seu círculo social. Seu alimento virá da dedicação e do cultivo de outras mãos ou máquinas, com a quantia limitada ao seu salário. A água e a energia elétrica, embora representem um conforto adicional, também era uma preocupação a mais. Na ilha, a água, o aluguel, a alimentação era gratuita, sua qualidade dependia do esforço que destinavam para preservar e melhorar essas condições e recursos. A iniciativa para a mobilidade, para se mudar de um lugar para outro, passa a obedecer a outro ritmo. Residindo em áreas próximas aos recentemente valorizados atributos naturais, na cidade, não são mais eles quem toma a decisão, e sim a especulação imobiliária. A valorização da área onde os ex-ilhéus residem, passa a não mais comportá-los, naquele espaço onde antes sua presença era tolerada. O resultado inevitável tem sido o esvaziamento da população da ilha e o abandono das atividades tradicionais dos insulares. As atividades ligadas à agricultura ou à pesca passaram a ser gradativamente proibidas ou dificultadas. O Relatório Uem/Nupelia/Peld (2000), em uma pesquisa junto aos pescadores da cidade de Porto Rico, revela os mesmos pontos negativos apontados para a pesca. Segundo o relatório, alguns pescadores julgam que as condições para a pesca estão ruins devido as mudanças no regime de cheias (no nível e duração), que interfere na presença, espécie e na quantidade de peixes. Outros pescadores, acrescentaram ainda, como fator negativo, o uso do solo nas margens do rio, como o desmatamento, a utilização dessas áreas para a pecuária (pisoteio, desmatamento e assoreamento) e agricultura (pesticidas, herbicidas, e biocidas em geral que escoam para o rio). Nesse Relatório ainda, muitos pescadores mencionam também, a interferência dos barramentos das usinas hidrelétricas à

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montante e a jusante do trecho do alto rio Paraná, como fator impactante às condições propícias para a fauna íctica. Apesar disso, para alguns autores como Agostinho e Zalewski (1996), os impactos não pareceram tão drásticos como muitos afirmam.

Utilizando-se dos critérios empregados por Welcomme (1979) para determinar os estágios de modificação de rios de planície alagável, pode-se classificar a planície de inundação do alto rio Paraná como “levemente

modificada”, com áreas mais restritas “não modificadas”. A vegetação arbórea, naturalmente confinada às partes mais altas das ilhas, aos diques de canais secundários e à margem esquerda do rio Paraná, mais elevada, vem sendo submetida a um intenso desmatamento. [..] Os estoques de peixes estão, em grande parte, inalterados, sendo que as espécies de grande porte (Pseudoplatystoma corruscans - até 150 cm; Salminus maxillosus - até 100

cm) constituem a base da pesca profissional, Em síntese, o regime de cheias é pouco influenciado pelos represamentos a montante em relação ao tempo, duração e intensidade. Alguns canais de drenagem foram construídos visando ao cultivo do arroz (AGOSTINHO; ZALEWSKI, 1996, p. 61).

Nessa mesma linha de raciocínio, os autores acreditam que os impactos são minimizados pelos procedimentos operacionais “integrados” das represas:

O impacto desses represamentos sobre o regime hidrológico da planície do rio Paraná é exercido sob a forma de elevação das vazões médias mínimas e redução das máximas, além de pulsos de vazão com freqüência diária e semanal, decorrentes dos procedimentos operacionais das barragens. Tais pulsos são, no entanto, minimizados pelo funcionamento interligado das barragens acima e abaixo da área. Como decorrência dos represeamentos e do controle da vazão são esperados:

(a) limitações na rota de migração dos peixes anádromos pela barreira física, representada pela barragem;

(b) mortandade de formas juvenis nas lagoas mais rasas da planície pelos pulsos de grande freqüência;

(c) redução nos criadouros naturais pelo alagamento a montante da barragem e atenuação dos extremos hidrológicos a jusante (AGOSTINHO; ZALEWSKI, 1996, p. 63).

Ao que indicam, os autores, de acordo com seus relatos e a bibliografia estudada, todos os impactos que eram esperados, estão de fato ocorrendo, sem no entanto, haver ações concretas para recuperação desse “protegido” ecossistema. Diante dessa situação, os colaboradores de nossa investigação confessam estar confusos em relação aos objetivos da área de proteção ambiental. Em sua concepção, a proibição de permanecerem moradores na Ilha Mutum, seria para preservar os recursos ambientais presentes na área. Entretanto, para eles não sobrou nada a ser preservado... o rio não vai bem, a ictiofauna está completamente impactada e descaracterizada. Para eles, os verdadeiros vilões da natureza, naquele local, são os moradores do continente, principalmente as barragens a montante e a jusante e não as pessoas que moravam na ilha.

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De um lado, os benefícios que tais projetos trazem, são usufruídos pela população que não tem nenhuma ligação direta com a Ilha, ao passo que os malefícios são absorvidos pela população local. A sobrevivência da sociedade se faz com o sacrifício concreto desse segmento: numa linguagem metafórica, com a “morte” das comunidades ribeirinhas e ilhéus.

É certo que renascerão, em outro lugar, metamorfoseados em outras categorias sociais, mas não puderam cumprir aquilo que escolheram: viver na Ilha Grande na condição de pequenos produtores, longe dos patrões e da sociedade opressiva (TOMMASINO, 1985, p. 187).

Nesse aspecto, o relatório conclui que assim como no passado, as formas de ocupação do ambiente (segunda e terceira etapa de transformações no campo) que os havia expulsado das propriedades rurais, novamente, por meio das formas políticas atuais de uso desse espaço, os está expulsando novamente; — desta vez, do rio. Com essas considerações, é possível compreender porque tanto o grupo dos ex-ilhéus quanto o grupo dos pescadores artesanais, consideram que se nada for feito para mudar essa situação, os peixes (ao menos as espécies mais valorizadas) estão fadados a desaparecer desse ambiente. Convém ressaltar que não se trata somente de uma grande alteração em um ambiente, antigamente um reconhecido ponto de fartura de pesca de espécies importantes de peixe, mas da alteração de toda uma cadeia de laços sócio-culturais que também desaparecerão com os peixes.

“Então o problema não é dentro das ilhas, é fora.” (Sr. Armando, 2001)

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CAPÍTULO 5

Situação Atual

Quem é que ia acreditar que fosse acontecer um negócio deste?

Quando vinha as enchente normal, você pegava um barco aqui, no calçadão, a água vinha até o calçadão.

Cruzava essas ilhas todas e chegava lá em Nova Andradina no Mato Grosso do Sul. Você pegava um

riozinho, chamado rio do Cipó, você levava três quilômetros para chegar lá na cidade. Todo esse trecho

que você fazia tanto pra cima, quanto pra baixo, você via o peixe circulando, o que aconteceu que agora não tem

mais ? (Sr. Armando, nov./2001)

Diante das dificuldades e dos impedimentos à permanência da população de moradores da Ilha Mutum, a maioria não viu outra alternativa senão mudar-se para o continente. Dentre as conseqüências dessa mudança de um ambiente insular para o continente, outras mudanças também se impuseram sobre seus hábitos e valores sócio-culturais. Uma das primeiras diferenças, a mais freqüente nos relatos dessa população, é a necessidade de pagar certas taxas fixas mais ou menos variáveis, porém, inevitáveis para a continuidade da sobrevivência básica nesse novo meio social. Assim, as despesas com moradia, alimentação, educação dos filhos, saúde, fazem parte de seu minguado orçamento, requerendo, dos ex-ilhéus, um “certo” planejamento para adquirir meios de manter as novas variáveis urbanas. Um novo ritmo de vida, diferente do anterior que era ditado pelos ciclos da natureza, se fez necessário. Todo um arcabouço tradicional de conhecimentos naturalísticos adquiridos ao longo de suas existências, agora não tinha muita utilidade diante da escassez de empregos e serviços remunerados que fossem vinculados a esses saberes. Como mão-de-obra para as tarefas rurais era grande e as ofertas de trabalho, reduzidas, muitos dos novos moradores do continente que permaneceram na região, continuaram exercendo a atividade pesqueira para garantir uma renda mínima. Contudo, para eles, qualquer tipo de trabalho que pudesse lhes dar sustento já servia para a sobrevivência no local. Cumpria enfrentar novos desafios. A terra, nesse momento já não lhes era mais acessível. A alimentação que antes dependia do esforço direto dos moradores, passou a depender de uma qualificação para trabalhos com serviços urbanos

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limitadíssimos para uma cidade de pequeno porte como Porto Rico. Os recentes problemas enfrentados pela população de ex-ilhéus residentes em Porto Rico, são sobretudo, devidos à dificuldade de acesso aos recursos naturais que dispunham anteriormente na ilha. A escassez de oportunidades de trabalho no meio rural e o caráter sazonal da pesca que traz bons resultados, são os desafios para os que continuaram exercendo atividades ligadas a terra e ao rio. A essas dificuldades, soma-se a proibição da pesca justamente no período em que há uma quantidade maior de peixes no rio (período de defeso). Para esses moradores, diante da necessidade de morar no continente, o ideal seria poder trabalhar naquilo que sabiam fazer, ou ainda, terem postos de trabalho no meio urbano e um pedaço de terra, onde poderiam continuar exercendo uma parte de sua autonomia para auto-subsistência e utilizar o dinheiro ganho no trabalho com outras necessidades. Segundo o Relatório Uem/Nupelia/Peld (2001), na região de Porto Rico e Porto São José predominam as atividades agropecuárias, a pesca, a extração vegetal e mineral e o turismo. As duas localidades apresentam problemas sérios no setor agrícola causados pela concentração de terras, com uma produção basicamente voltada para a pecuária, com culturas utilizadoras de agrotóxicos, além de baixíssima presença de matas e florestas nativas. A população expulsa do campo não encontrando emprego no meio urbano, migra para cidades maiores, diminuindo assim a população das localidades menores a cada ano que passa. A maior parte da população que fica tem que se sujeitar a oferta de empregos sazonais e à falta de outras alternativas de sobrevivência. As atividades econômicas existentes e viáveis para essa população no meio urbano são: ajudante de pedreiro, pintor de parede, condutor de barco, empregada doméstica, babá e assim por diante. Entretanto, essas atividades não são suficientes para absorver a mão de obra de desempregados e subempregados que se acumulam na cidade. Para eles, essas ocupações oferecem melhores condições do que a pesca, pois tais atividades não envolvem a perda de seu material de pesca devido à fiscalização. Além disso, o número e o número de trabalhos de pedreiro e outros, crescem com o incremento de construção de casas de veraneio da classe média de cidades maiores da região. Alguns moradores que, algumas vezes, voltaram para casa sem peixe suficiente para cobrir as despesas com o gelo e óleo do motor. As empresas existentes em Porto Rico empregam 460 pessoas. Destas, 355 pessoas são empregadas de maneira formal, o que representa 77,2% e 105 pessoas trabalham de maneira informal, o que representa 22,8%. O comércio e serviços, que representam maior quantidade na cidade, geram o maior percentual de empregos, 90,0%. A maioria das empresas é microempresa privada (UEM/NUPELIA/PELD, 2000, p. 304-305). Segundo o Relatório Uem/Nupelia/Peld (2001), as atividades relacionadas à exploração econômica do Rio Paraná ocupam apenas uma pequena parte da população economicamente ativa de Porto Rico (Tabela 10), ocorreu também

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uma acentuada redução de postos de trabalho no setor agropecuário, que é o que menos oferta empregos. Trata-se de uma situação oposta à de 1993, quando as atividades agropecuárias eram importantes bolsões de emprego. Outra observação importante do Relatório Uem/Nupelia/Peld (2001), foi o marcante decréscimo dos trabalhadores volantes, os chamados "bóia-frias", com uma queda no número de indivíduos superior à 50%. Ainda assim, esta é categoria agrícola que mais emprega pessoas no setor. Segundo nos foi relatado pelos moradores entrevistados, a queda brusca de oportunidades de trabalho nesse setor foi decorrente do crescente processo de mecanização do campo que substituiu a mão-de-obra desse contingente populacional pouco especializado, que vive à deriva das soluções sociais. Viviane Forrester (1997), mundialmente conhecida por sua contundente obra, “O Horror Econômico” descreveu, não apenas um futuro sombrio para o mundo do trabalho, como fazem alguns autores, mas apresenta um presente aterrador, sustentando que as condições para o trabalho estão ruins onde quer que haja sistema financeiro. Logo na contracapa lê-se: “O horror econômico não consiste somente no fato de que o capitalismo existe, mas sobretudo no fato de que hoje este já não consegue criar trabalho.” Quanto ao desemprego, este consiste em uma espécie de trampolim, uma oportunidade para políticos que se apropriam no discurso eleitoreiro, com finalidades de conquistar a atenção e a confiança do público, principalmente em épocas de eleição. Trata-se do discurso da esfera do vazio. Para Forrester, não há mais sentido a discussão acerca do desemprego, pois, a sua resolução, o emprego, no estágio atual de desenvolvimento do capitalismo, não pode mais existir. Tornou-se obsoleto e serve apenas para elaborar estatísticas.

Mas, enquanto alguém diverte assim a platéia, milhões de pessoas, colocadas entre parênteses, por tempo indefinido, talvez sem outro limite a não ser a morte, têm direito apenas à miséria ou à sua ameaça mais ou menos próxima, à perda muitas vezes de um teto, à perda de toda consideração social e até mesmo de toda autoconsideração. Ao drama das identidades precárias ou anuladas. Ao mais vergonhoso dos sentimentos: a vergonha. Porque cada um então se crê (é encorajado a crer-se) dono falido de seu próprio destino, quando não passou de um número colocado pelo acaso numa estatística (FORRESTER, 1997, p. 10).

Para a autora, o direito ao emprego, no sistema capitalista equivale ao direito à vida, que se torna então um direito imprescritível, sem o qual o sistema social nada mais seria do que um amplo caso de assassinato, pois o trabalho, através do emprego é o meio legítimo e reconhecido de acesso às produções materiais da contemporaneidade. Entretanto, segundo Forrester (1997), insistimos em enxergar o trabalho da forma antiga em que era praticado. Para ela, ainda estamos acostumados a pensar no trabalho como se ainda estivesse ligado à idade industrial, ao capitalismo de ordem imobiliária. Aquele tempo em que o

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capital expunha garantias notórias e fábricas bem implantadas, lugares bem identificáveis: indústrias, minas, bancos, imóveis arraigados em nossas paisagens, inscritos em cadastros. Assim, na visão da autora, pensamos viver ainda na época em que se podia calcular sua superfície, julgar sua construção, avaliar seu custo. Ainda assim, toda essa confusão, que ao que tudo indica, significa uma transição de uma forma de conceber a economia, para outra, traz benefícios para perversos especuladores de momento.

Se já não há muito lugar e se esse pouco se vai encolhendo pelo fato de o trabalho estar desaparecendo — trabalho sobre o qual a sociedade ainda se baseia e do qual ainda depende a sobrevivência dos viventes —, esse desaparecimento não incomoda em nada os verdadeiros poderes, os da economia de mercado. Mas a miséria causada por esse desaparecimento também não é seu objetivo. Eles a consideram, antes, um inconveniente colocado em seu caminho e do qual podem tirar partido — sabemos que a miséria beneficia geralmente o lucro. O que lhes importa e que deixa na sombra todos os outros fenômenos são as massas monetárias, os jogos financeiros — as especulações, as transações inéditas, os fluxos impalpáveis, aquela realidade virtual, hoje mais influente que qualquer outra (FORRESTER, 1997, p.28).

Deste modo, podemos compreender que a conformação social, econômica e, conforme veremos mais adiante, cultural, que verificamos hoje em Porto Rico, não é uma posição isolada adotada pelos governantes e poderosos da cidade. Segue um fio mestre que se estende pelos confins do globo terrestre, alcançando longínquos continentes. É uma malha que enredou o mundo, ditando regras oficiais e oficiosas, leis escritas e invisíveis que, de um modo ou de outro, são obedecidas, onde o que está em jogo é a própria sobrevivência. O que se resume, em essência é que o trabalho atualmente é um artigo de luxo, cada vez mais escasso, é disputado por milhares de pessoas que dele precisam para sobreviver e reproduzir seu modo de vida. Para o sistema de mercado, isso é uma vantagem, pois há mão-de-obra disponível suficiente que aceitaria situações injustas de trabalho para ter uma oportunidade. Entre os despossuídos e seus contemporâneos, ergue-se uma espécie de vidraça cada vez menos transparente. E são cada vez menos vistos, como querem alguns, mais apagados, riscados, escamoteados dessa sociedade. São os chamados excluídos26

. Prosseguindo com a situação dos postos de trabalho em Porto Rico, os setores produtivos que mais aumentaram em comparação com o censo de 1993, foram o setor público e o comércio (bares, mercearias, lanchonetes e loja de confecções, farmácia). Ademais, segundo informação do Secretário do prefeito de Porto

26 Motta (2002), argumenta que o próprio termo exclusão esconde as formas perversas de inclusão social. Para ele, trata-se de entender a exclusão social, não como uma forma de negar o acesso aos bens sociais, mas sim, de alocar pessoas em uma determinada categoria legitimada pelo sistema capitalista. Nesses termos, não se trata de uma separação entre os que fazem parte do sistema e os que não fazem parte, mas de uma inclusão prevista para sistema.

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Rico, o município pretende investir no crescimento do turismo como setor produtivo. A tabela abaixo relaciona as principais ocupações profissionais dos moradores de Porto Rico.

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Tabela 10: Principais atividades ocupacionais dos moradores de Porto Rico. Sexo

Ocupações principais Masculino Feminino Total

No. % No. % No. % Ocupações ligadas ao rio

Pescador 51 7,0 7 1,0 58 8,0 Dono de barco de aluguel 0 0,0 0 0,0 0 0,0

Trabalhador no porto de areia 20 2,8 1 0,1 21 2,9 Outros 5 0,7 0 0,0 5 0,7 Sub-total 76 10,5 8 1,1 84 11,6

Ocupações ligadas à terra

"Bóia-Fria" 14 1,9 8 1,1 22 3,0 Proprietário rural 2 0,3 0 0,0 2 0,3

Arrendatário/posseiro 0 0,0 0 0,0 0 0,0 Outros 1 0,8 0 0,0 6 0,8 Sub-total 17 3 8 1,1 30 4,1

Ocupações urbanas

Empregadas domésticas 0 0,0 36 5,0 36 5,0 Comerciante (outros) 30 4,1 11 1,5 41 5,7 Trabalhador autônomo 75 10,4 10 1,4 85 11,8 Trabalhador contratado 75 10,4 98 13,5 173 23,9 Trabalhador público 84 11,6 34 4,7 118 16,3

Sub-Total 264 36,5 189 26,1 453 62,7

Outras ocupações Aposentados 65 9,0 80 11,0 145 20,0 Pensionistas 1 0,1 11 1,5 12 1,7 Sub-Total 66 9,1 91 12,6 157 21,7 Total 423 59,1 296 40,9 724 100,0

Fonte: Adaptado do Relatório Uem/Nupelia/Peld, 2001 - Componente socioeconômico.

Como observamos na tabela 10, as ocupações ligadas à terra são as que menos empregam trabalhadores, representam apenas 4,1% dos postos de trabalho na cidade de Porto Rico. Para as ocupações ligadas ao rio, a atividade de pescador é a que mais emprega trabalhadores, representando 8% (58). Já os aposentados e pensionistas representam 21,7% (157) da amostra pesquisada (724). A entrevista com o referido Secretário, realizada em novembro de 2001, nos rendeu a informação que o funcionalismo público, em sua totalidade, abrange um quadro de 210 funcionários, 175 na prefeitura, 6 na Sucam e 30 professores estaduais. O Secretário apresenta os mesmos dados que o Relatório Uem/Nupelia/Peld (2001). O setor público é o que mais emprega pessoas, seguido pelo comércio. A pecuária é a mais expressiva em volume financeiro e a que menos gera empregos. Nosso estudo contemplou entrevistas com algumas autoridades e figuras da cidade que pudessem contribuir de uma forma ou de outra para maior compreensão das condições sociais e culturais da população estudada.

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Pretendíamos também, saber se houve alguma iniciativa ou medida para auxiliar a população de ex-ilhéus que saíram da Ilha Mutum. Acreditamos que alguma iniciativa por parte das esferas públicas, seriam necessárias para dar alguma destinação a cerca 490 famílias que residiam nas ilhas próximas à região. Na entrevista com o secretário do prefeito (2001), confirmamos que o município está perdendo moradores, devido principalmente ao êxodo rural. Há muitas fazendas de grande porte que oferecem poucos empregos. Segundo o Secretário, uma fazenda de porte médio só precisa de um ou dois funcionários para dar conta de todo o gado. Para ele, o governo deveria investir mais em política agrícola, dar mais incentivos para a formação de lavouras familiares para os pequenos proprietários e empregar os que sobram, pois os grandes produtores não estão interessados em investir em lavoura. “Antigamente, o governo dava

muito mais atenção à nossa agricultura”, complementa o Secretário. A posição oficial da prefeitura de Porto Rico para gerar mais emprego é o incentivo ao turismo. Quando questionado ao Secretário sobre a estratégia e o plano para esse incentivo, este informou-nos que providências estão sendo tomadas, como a venda de áreas públicas próximas ao rio para a construção de pousadas e condomínios de luxo. Contudo, não há no município nenhuma iniciativa para promover cursos profissionalizantes para a capacitação ao atendimento do tão almejado turista. Em Porto Rico há o “Projeto Piá” que oferece cursos de informática, bordado, costura e crochê somente aos alunos que estão matriculados na escola. As providências adotadas pela prefeitura desta cidade para auxiliar os desabrigados das ilhas durante as enchentes e no processo de transição da ilha para o continente, de acordo com o Secretário, se deram por meio de parcerias com o governo estadual, como a construção do conjunto Flamingo e a doação de cestas básicas, em 1995. Os incentivos às atividades sócio-culturais limitam-se às datas comemorativas como o desfile cívico em 21 de abril, a festa de Nossa Senhora dos Navegantes e campeonatos amadorísticos de futebol. Outro incentivo cultural citado pelo Secretário foi a casa do artesão. Esta comercializa artefatos manuais (bordados, crochês, quadros, vasos, etc.) em uma estrutura cedida pela prefeitura e mantida por uma associação. Entretanto, em visita ao local, em novembro de 2001, constatamos que muitos artigos expostos são mercadorias que podem ser encontradas em qualquer tipo de bazar como quadros, bonecas e outros, “souveniers importados da china”. Testemunhamos pouquíssimas obras da cultural local do ilhéu, ribeirinho ou do população de lavradores. Constatamos assim, que não há, por parte do poder público, um planejamento sólido voltado para a questão da cultura regional, que já está esquecida pelos descendentes ribeirinhos e ilhéus. A tendência ao turismo é fugir do “lugar comum” das grandes metrópoles com suas lanchonetes fast food, dos comportamentos e expressões humanas standartizadas e estereotipadas pela cultura ‘globalizante’. Veremos no próximo capítulo, que a preservação das

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expressões culturais locais são as que mais pesam no interesse do novo consumidor da recém criada indústria do turismo. Nessa lógica produtiva quanto mais local, mais global. As medidas adotadas pelo poder público municipal de Porto Rico, podemos dizer, são circunstanciais. Não contemplam um planejamento e execução estruturadas capazes de dar suporte para o desenvolvimento adequado do município através do crescimento do setor turístico. É preciso considerar, entre outros aspectos, a capacitação profissional, o incentivo ao resgate, desenvolvimento e manutenção da cultura local dos pirangueiros, ilhéus, ribeirinhos, pescadores e da comunidade de lavradores da região que são as bases para sustentar as tranformações na dinâmica social e econômica. Faz-se necessário, também, implementar medidas, mecanismos, leis e regulamentos para o uso turístico da área, a fim de que a viabilidade da atividade turística na região não se limite apenas à capacidade de degradação acelerada que essa forma de exploração econômica promove no ambiente. Nesse sentido, a urgência da elaboração do plano de gestão da APA das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, bem como para seu entorno, é mais que uma realidade, é uma necessidade. Outro problema na região que poderia vir a incorporar uma solução com a elaboração do plano, é a prática extrativista. Esta poderia sair da clandestinidade e promover uma atividade produtiva regulamentada. Ao invés disso, as medidas foram outras:

... a interdição da coleta da pfaffia glomerata, em toda a área de ocorrência da referida raiz, que está confinada ao último trecho livre de barramentos do rio Paraná. Essa espécie vegetal vinha sendo coletada por bóias-frias residentes nos municípios ribeirinhos nos períodos de entre-safras do algodão e outros cultivos na região (ROSA, 2000, p. 251).

Moraes (2000) recomenda que devido à sua importância e dependência em relação ao ambiente, principalmente no que se refere ao rio, os pescadores devem ser incluídos na formulação de diretrizes de proteção e gerenciamento dos recursos naturais, como a criação de peixes e camarões como uma fonte alternativa de renda. Acredita-se que assim, os impactos ambientais seriam menores do os causados por extensas pastagens para criação extensiva de gado, principalmente nas ilhas. Contudo, é imprescindível uma profunda avaliação antes de qualquer interdição no ambiente, pois os resultados com introdução de espécies não nativas ou o favorecimento induzido de espécies nativas, podem agravar os impactos ambientais. Prosseguindo com as nossas entrevistas, estivemos com a diretora da Escola Municipal de Porto Rico que atende alunos do ensino fundamental, médio e educação especial. Na época da entrevista, em novembro de 2001, a escola atendia alguns alunos de famílias que ainda residiam em ilhas próximas como a própria Ilha Mutum e a Ilha Bandeirantes e localidades mais distantes como Relíquia do Norte, Vila Urubu, Três Ranchos e Ouro Verde. Os alunos que

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habitam nas ilhas têm transporte gratuito, com a cessão de um barco pela prefeitura local. A diretora nos informou que a equipe de professoras procura transmitir aos alunos conhecimentos relativos à educação ambiental. Informou-nos que os alunos que vêm das ilhas têm uma melhor qualidade de vida, inclusive financeira, se comparado aos alunos que habitam no continente, principalmente nas localidades anteriormente mencionadas. Outras informações obtidas em nossa entrevista realizada em novembro de 2001, com o escrivão da delegacia da cidade, não há ocorrências graves registradas no local. Também disse não ter enfrentado problemas com os ex-ilhéus. As ocorrências mais corriqueiras são pequenos furtos praticados por menores das localidades da região. As atenções da polícia são redobradas diante das brigas e confusões provocadas por turistas alcoolizados no dia da festa de Nossa Senhora dos Navegantes. Os casos mais graves, quando ocorre algum, são encaminhados para a comarca de Loanda - PR, à 40 km de Porto Rico. No único hospital da cidade, gerido pelo poder público, há 2 médicos clínico geral, 1 pediatra, 1 dentista e 9 leitos. Os casos mais graves e os que necessitam de cuidados intensivos (UTI) são encaminhados para a cidade de Paranavaí - PR, considerada de porte médio. Os atendimentos mais freqüentes são pequenos acidentes e partos. Em média, o hospital atende a 5 nascimentos por mês. Há em Porto Rico, uma única funcionária pública que acumula os cargos de secretária da saúde, educação, cultura, esporte e turismo. Esta disse estar espantada com o número de atendimento aos casos de hipertensão e diabetes, respectivamente, 258 e 63 casos em um único mês (novembro). Segundo sua informação, não há triagem ou atendimento diferenciado para os moradores das ilhas ou da cidade. Assim, não foi possível obtermos dados referentes à saúde dos atuais moradores das ilhas. Outro atendimento também freqüente é destinado a pessoas como problemas na coluna. Para a Secretária, os casos de hipertensão podem ser explicados levando-se em consideração a alta temperatura na cidade, já os problemas na coluna se devem às profissões predominantes na cidade (auxiliar de pedreiro, pescador e bóia-fria). Para a diabetes, não se sabe o que ocorre. A tabela 11 mostra a seguir, os dados de uma pesquisa que revela a incidência de doenças entre a população de Porto Rico e Porto São José, que também faz margem com o rio Paraná.

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Tabela 11: Morbidade por grupo de doenças e número de casos que acometeram a população de Porto Rico e Porto São José, Nov.2000.

Número de casos

Grupo de Doenças Porto Rico

% P. São José

%

Doenças do aparelho respiratório

170 40,8 57 47,5

Doenças do aparelho circulatório

81 19,5 19 15,8

Doenças do aparelho digestivo 19 4,5 8 6,6 Lesões e envenenamentos 1 0,2 0 -

Doenças do Aparelho Genito-urinário

13 3,1 3 2,5

Transtornos Mentais 18 4,3 4 3,3 Doenças infecciosas e

parasitárias 8 1,9 2 1,6

Neoplasias 6 1,4 2 1,6 Doenças do Sangue e distúrbios imunitários

18 4,3 3 2,5

Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas

20 4,8 0 -

Demais causas 62 14,9 22 18,3

Total 416 100,0

120 100

Fonte: Adaptado do Relatório Uem/Nupelia/Peld (2001) - Componente socioeconômico.

De acordo com esta tabela, as doenças do aparelho respiratório são as que mais se sobressaem. Mostra-nos também, que uma significativa parte dos entrevistados, 19,5 % em Porto Rico e 15,8 % em Porto São José, é portador de doenças que acometem o sistema circulatório, como a hipertensão arterial. Há também, um destaque para as doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas, (cerca de 4,8%) como a diabetes (UEM/NUPELIA/PELD, 2001). No aspecto habitacional, comparando-se o número médio de cômodos da população em geral de Porto Rico com a população abordada em nossa pesquisa, temos os seguintes valores: 5,8 e 4,1, respectivamente, indicando um decréscimo de 1,7 cômodos, em média para os ex-ilhéus, sendo que em 1 casa, encontramos um casal vivendo em dois cômodos e em 3 casas, três cômodos para até 4 pessoas. Entretanto, o número médio de cômodos para os ex-ilhéus cairia para 3,6 se retirássemos da estimativa, um dos entrevistados que reside

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com sua esposa em 8 cômodos27. Apesar disso, a quantidade de moradores por residência, raramente ultrapassa 4 pessoas, com exceção de uma residência que apresentava 5 cômodos para 6 moradores (UEM/NUPELIA/PELD, 2001). (Anexo 1) Para ampliar nossa pesquisa sobre o aspecto cultural da cidade, entrevistamos a funcionária da biblioteca da cidade. Ela nos informou que a biblioteca precisa aumentar o acervo didático e literário, entretanto, para ela, a prioridade no momento seria a construção de um museu na cidade para expor os fragmentos da história da região que abriga vários sítios arqueológicos. Algumas peças indígenas como urnas funerárias e outras "curiosidades", como uma casa de “joão-de-barro”, estão sobre uma estante de livros da biblioteca, aguardando um local mais adequado. Porém, de acordo com suas próprias palavras, a construção de um museu está longe de existir, pois o município dispõe de pouco dinheiro, que é investido preferencialmente em outros setores, que não o social. A secretária de Cultura, Educação, Turismo, Saúde, em sua entrevista que em outra ocasião nos concedeu entrevista na condição de Secretária do Turismo, relatou que no município de Porto Rico, a educação é vista apenas como formação escolar, não envolvendo atividades com a comunidade. O maior investimento da prefeitura, segundo ela, é feito na saúde. Essa informação nos remete à principal vantagem de morar na cidade que os ex-ilhéus entrevistados relataram. Na visão deles, conforme já citado anteriormente, o atendimento em saúde pública é o que há de melhor na cidade. Vale ressaltar que o prefeito está legislando na condição de reeleito. A secretária disse que procura convencer o prefeito para incentivar a cultura local ao invés de importar de outros lugares e cidades. Em sua opinião, a área cultural da cidade é a mais deficitária, falta incentivos, falta dinheiro, falta capacitação por parte dos agentes públicos, falta interesse em desenvolver a área, assim, as coisas são feitas conforme a "necessidade" — resta saber de quem. Apesar disso, ela concorda com os loteamentos em locais públicos às margens do rio para a construção de pousadas e hotéis na cidade. Para ela, essa iniciativa é boa para a cidade; irá trazer movimento, arrecadação e emprego para os bares, lanchonetes e hotéis e para isso, é preciso que a população se prepare para receber esse incremento no turismo. Ao mencionarmos a entrevista com a funcionária da biblioteca à Secretária, esta última informou-nos que havia um projeto da escola para construção de um museu na Ilha Mutum, mas o projeto não foi adiante porque deveria envolver outras atividades dentro da ilha e eles não souberam implementar essa proposição. Mesmo com o turismo como carro-chefe da administração atual, a atenção da prefeitura não é muito diferente da dispensada para as outras áreas, segundo nos

27 O casal teve 10 filhos que agora possuem uma vida independente. Ente eles, dois são técnico agrícola, três filhas são professoras, uma é diretora do colégio da cidade, o mais novo estuda agronomia, três são operários, e um trabalha em Santa Catarina.

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informa a secretária. As ações, segundo ela, são isoladas e não há estratégias para a implantação nem o desenvolvimento das ações no sentido de implementar racionalmente o desenvolvimento do turismo. Mesmo as ações tradicionalmente existentes na cidade, como a festa de comemoração da padroeira da cidade, a referência cultural mais importante da região, está descaracterizada. Fazem três anos que a festa não é mais a mesma. O que era para ser uma festa religiosa já não carrega mais a solenidade de antigamente, as próprias músicas são estranhas ao evento28. A secretária acrescenta que agora há bagunça, brigas e confusões, as pessoas da cidade não estão aprovando o novo estilo de se fazer a festa, que antes, era feita com procissão de barcos e bailes mais tradicionais. Para a secretária, que também é proprietária de um hotel na cidade, essa festa poderia ser repensada para os moldes de uma festa como a Oktoberfest, que atrai turistas para uma finalidade já direcionada, reservando uma parte da festa para a realização das cerimônias religiosas tradicionais, com as tradicionais músicas sacras e bailes típicos, como ocorria antigamente, em outro dia. A festa teria assim, o caráter que tem hoje, voltada para a diversão dos que vêm de fora da cidade, os turistas. Quando questionada sobre a aplicação dos proventos do ICMS ecológico, a secretária não soube dizer com certeza o valor repassado para o município. Forneceu um valor aproximado de 15 mil reais por mês. O motivo do desconhecimento do valor, segundo nos informou, foi seu recente empossamento no cargo. Ela acredita que o dinheiro do ICMS ecológico seja utilizado em outras áreas e reconhece que uma parte do dinheiro foi utilizada para fazer reparos na barranca que margeia o rio, na parte em frente às lanchonetes e bares do calçadão. Outra atividade turística citada pela secretária é sua participação nos eventos do programa nacional do desenvolvimento do turismo que prevê a capacitação para elaborar projetos. Um dos pré-requisitos para o repasse de verbas no âmbito desse programa é a existência de um Conselho Municipal de Meio Ambiente atuante. Este é o próximo objetivo de sua administração na secretaria de turismo. A secretária mostrou-se curiosa em relação às pesquisas que a Universidade Estadual de Maringá vem desenvolvendo na região há mais de dez anos, por meio do Núcleo de Pesquisa em Limnologia, Ictiologia e Aqüicultura. Segundo ela, até agora nem a prefeitura e nem a população sabe o que está sendo feito disse que, recentemente, a prefeitura recebeu comunicado da UEM oferecendo apoio técnico na área educativa em forma de palestras. De acordo com ela, muitos moradores desconheciam que a região possuía vários sítios arqueológicos e ficaram encantados com as informações que foram repassadas. Para ela, o problema é recíproco. De um lado a população não cobrava a instituição (UEM), e de outro, a instituição não se prontificava a divulgar suas

28 São executadas músicas de estilos típicos de trios elétricos como axé music e outras mais carnavalescas.

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pesquisas. Outra entrevista que realizamos foi com a assistente social da cidade. Aparentando desconfiança, ela nos recebeu, convidando para sua sala em outro prédio, mais afastado da estrutura da prefeitura. Com uma aparência esgotada, ela nos chama para sua sala, situada ao fundo de uma sala maior. Nesta, cabiam apenas três pessoas, uma pequena estante de livros e sua mesa. Inicialmente, ela conversa em tom oficial, falando sobre os objetivos do Projeto Piá, mas, em seguida, passou a falar em um tom menos formal, revelando sua profunda insatisfação com a administração pública local que na visão dela, não incentiva e ainda tolhe as iniciativas sociais e culturais que por vez despontam na cidade. Ela relata sentir-se impotente, decepcionada, sem equipe, sem equipamentos, sem telefone, sem condições mínimas de trabalho, nem mesmo água para beber ela dispõe na sala. Os dois dias de sua jornada de trabalho por semana, não são suficientes para atender o acúmulo de trabalho que ela, sozinha, tenta desenvolver diante de uma população carente. O município apresenta problemas com pessoas viciadas em álcool e drogas, mas não há uma estatística para esses casos. Há, também, o problema de prostituição e prostituição infantil. Ela tentou solicitar auxílio através de um programa nacional de combate à prostituição infantil, o Sentinela, porém, não conseguiu preencher os requisitos para o formulário, pois seria preciso obter o processo de confirmação oficial do problema, contudo, o município, moradores, polícia e poder público, não admitem ter. Para ela, seu trabalho esbarra na política local e, isso, a impede de fazer uma boa atuação como assistente social. Ao falar de seu outro trabalho, na cidade Santa Cruz do Monte Castelo, próxima a Porto Rico, ela se anima bastante. Falou sobre alguns programas do município que trazem bons resultados, como a capacitação educacional e cultural dos moradores, com a criação de uma banda municipal e outros programas sociais. Confidenciou-nos entristecida que Porto Rico é uma cidade sem cultura, sem prato típico, sem danças típicas, sem música, em sua visão, é preciso resgatar o passado. A própria festa de agosto a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes está descaracterizada29. Os atendimentos sociais na cidade são a creche, a pastoral da criança, a pastoral da juventude e o Projeto Piá. Este último, em sua opinião, deveria ser profissionalizante, preparar para o trabalho, criar condições para o surgimento de atividades econômicas, mas só ministra cursos manuais para trabalhos domésticos. Contrastando com o que há em Porto Rico, na cidade vizinha de Santa Cruz do houve cursos para cozinheira, camareira, doces cristalizados e servente de pedreiro, capacitações condizentes com as necessidades locais.

29 Consta que a igreja católica e a prefeitura passaram a promoção da festa para um indivíduo que cobra dos ambulantes e comerciantes para venderem produtos para os turistas e estacionamento nas proximidades da festa. Outra informação que também recebemos na cidade foi que, no dia da festa, havia um pedágio na entrada principal da cidade, cobrando uma taxa de ‘contribuição espontânea’ para entrar no município. Para alguns essa festa foi vendida.

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Ao relembrar as ações públicas em favor dos ex-ilhéus, conta sobre a ação de desfavelamento que houve após a grande enchente que tirou as famílias das ilhas. “As famílias iam se abrigando nas lonas improvisadas em um terreno alagado. Tínhamos muitos com problemas de saúde advindos das condições de moradia. Esta ação foi a construção de algumas casas, o conjunto Flamingo e a vila rural.”30 Para ela, as famílias que vivem na ilha, estão em condições razoáveis, alguns estão até melhores do que muitos moradores que vivem no continente todavia, há famílias em más condições de vida na ilha, como uma família em que os pais são alcoólatras. Contudo, no geral, segundo ela, os que estão em melhores condições são os que são caseiros de clubes e tomam conta da propriedade. O que os preocupa, é que “com essa lei de que todos devem sair das ilhas, eles estão sem saber para onde ir.”31 Por fim, um morador da cidade que aluga barcos para passear com turistas, concordou em nos ceder uma pequena entrevista. Este revelou ter uma formação política acima da média dos moradores da cidade. Ele considera o prefeito uma boa pessoa, mas desconfia que tem secretário que está “metendo a mão” no dinheiro, e perguntou: “Como pode funcionário que ganha salário de 270 reais desfilar com carro do ano de mais de 20 mil reais sem ter outras fontes de renda?”32 Para ele, sem o turista, a cidade acaba. A cidade depende, agora, do turista:

“O peixe acabou, e o turista vêm muito também por causa do peixe, o turista só tá vindo por que aqui é beira de rio, mas peixe não tem mais não. O prefeito deveria fazer alguma coisa para melhorar a cidade, atrair mais turistas. As calçadas na beira do rio estão desmoronando, as praças não são bem cuidadas, tem muitas lâmpadas quebradas. O único investimento que o prefeito está fazendo é dando, isso mesmo, porque vender terrenos a esse preço para a loteadora é dar, os terrenos para loteadoras. Tem lote aqui que depois que cai na mão do loteador custa mais de 25.000 reais cada um.”

A festa de Nossa Senhora dos Navegantes está acabando, a última que teve não houve nem festa direito, não veio gente, e eu e um monte de gente espera que a festa não aconteça mais, do jeito que está não está direito, a festa de Nossa Senhora dos Navegantes terceirizada é demais.33

No contexto das entrevistas que expusemos até agora, podemos fazer uma imagem mental da configuração do cenário urbano em que os ex-moradores da Ilha Mutum estão inseridos. Podemos dizer que consiste em um panorama social de inacessibilidade às conquistas sociais, seres humanos idosos, apáticos, cansados, ao mesmo tempo conformados e indignados com os acontecimentos que se delinearam durante sua existência e com sua atual condição de uma

30 Comunicação pessoal da assistente social do município, 2001. 31 Idem, ibidem. 32 Comunicação pessoal de um morador da cidade de Porto Rico, 2001. 33 Idem, ibidem.

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classe social impotente sem meios, mecanismos ou instrumentos para obter melhores condições de vida. Situação muito semelhante a que descreveu Forrester.

Quando jovem, uma energia que é imediata e incessantemente desprezada, castrada; quando velho, uma fadiga que não encontra lugar de repouso, o mínimo bem-estar, nem a menor consideração. Abandono dos “excluídos” e dos que estão prestes a cair nesse estado, enquanto nos apressamos em esquecer que cada um deles está desesperadamente inscrito num nome, numa consciência, embora nem sempre num “domicílio fixo”. Cada um é prisioneiro desse corpo a alimentar, abrigar, cuidar, fazer existir e que incomoda dolorosamente. Lá estão eles com sua idade, seus pulsos, seus cabelos, suas veias, a complicada delicadeza de seu sistema nervoso, seu sexo, seu estômago. Seu tempo deteriorado. Seu nascimento que foi para cada um o começo do mundo, a beirada da duração que os conduziu até aqui (FORRESTER, 1997 p.36).

As funções e valores pelos quais os moradores da Ilha Mutum eram reconhecidos, passam a não ter mais nenhuma importância ou lugar no cenário social, de forma que, paulatinamente, essa população que, antes era reconhecida por suas habilidades e conhecimentos específicos, como “o consertador de barco”, o “amolador de enxadas” e outras, passam se a se sentir obsoletas, no mesmo termo da palavra, empregada por Forrester. Além disso, esse sentimento de ‘desnecessariedade’, é o sentimento que legitima a todo tipo de submissão.

...estes (os desempregados) são os primeiros a se considerar incompatíveis com uma sociedade da qual eles são os produtos mais naturais. São levados a se considerar indignos dela, e sobretudo responsáveis pela sua própria situação, que julgam degradante (já que degradada) e até censurável. Eles se acusam daquilo de que são vítimas. Julgam-se com o olhar daqueles que os julgam, olhar esse que adotam, que os vê como culpados, e que os faz, em seguida, perguntar que incapacidade, que aptidão para o fracasso, que má vontade, que erros puderam levá-los a essa situação.

... esse sentimento de ser indigno, que conduz a todas as submissões. A abjeção desencoraja qualquer outra reação de sua parte que não seja uma resignação mortificada.

A vergonha deveria ter cotação na Bolsa: ela é um elemento importante do lucro (FORRESTER, 1997, p. 11-12).

Para Oliveira (1999), esse processo de banalização dos aspectos sociais e coletivos que incutiam prestígio às experiências subjetivas dos indivíduos, principalmente quando há referência ao domínio público, é o resultado da intensa subjetivação da acumulação, concentração e acumulação de capital, cujo emblema e paradigma normatizador é a globalização, que via de regra, expressa ideologicamente a privatização do público como uma inevitável necessidade, ou, ainda o público como desnecessário ou fundamentalmente ruim. O resultado é a geração de uma falsa consciência de desnecessidade do público, onde aparentemente o Estado somente se sustenta como uma extensão do privado,

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quando o que ocorre é justamente o inverso. É a riqueza pública em forma de fundo que sustenta a reprodutibilidade do capital privado. Assim, a privatização da esfera pública, sua dissolução, a apropriação privada dos conteúdos do público e sua redução a interesses privados sem a sua contrapartida, a correspondente publicização do privado, levam inevitavelmente a destituição de direitos, através da lógica implantada da supremacia do privado (OLIVEIRA, 1999). A própria formação da sociedade no Brasil, de acordo com Oliveira (1999), foi um processo complexo de violência, proibição da fala e mais modernamente, privatização do público, de anulação da política e do dissenso. Já no início da formação do Estado Brasileiro, a proibição dos cultos africanos, foi uma forma de proibição da fala, e aponta o rigor dos castigos diante de reivindicações de populações pobres. É essa mesma base estrutural da interdição que enfrentamos nas áreas de Unidades de Conservação. Com o golpe de Estado de 1964, assistimos ao esforço desesperado para anular a construção política que as classes dominadas haviam realizado no Brasil, pelo menos desde os anos trinta. Tortura, morte, exílio, cassação de direitos, produzindo a apropriação dos corpos, seu vilipendiamento e silenciamento. Anulou-se também a possibilidade da reivindicação da parcela dos que não tem parcela, tanto na produção quanto na distribuição do produto social. Atualmente, a violência que campeia na sociedade brasileira e, sobretudo, a violência que é produzida pelos próprios aparelhos de Estado, não é senão uma pálida sombra da exclusão da fala e da privatização do público, e, no seu rastro, da anulação da política. Quando se cobra da “sociedade civil” a resolução de algumas mazelas sociais como as chacinas, está-se deslocando responsabilidades importantes do Estado, e isso é a morte da política, pois esse deslocamento somente produz indignação, mas não produz política. (OLIVEIRA, 1999) A isso, Forrester (1997) se refere como “a violência da calma”:

Estamos realmente na violência da calma.

Calma e violência no interior de lógicas que desembocam em postulados estabelecidos sobre os princípios da omissão — a omissão da miséria e a dos miseráveis, criadas e sacrificadas por elas com uma desenvoltura pontificante.

Os efeitos desse sistema excludente, que adota procedimentos taciturnos, revelam-se muitas vezes criminosos, outras vezes assassinos. Mas, em nossas regiões, a agressividade dessa violência tão calma resume-se a fatores de abandono. Deixa-se enfraquecer e perecer — cabendo a responsabilidade dessa derrota àqueles que faltam com seu dever, aquelas legiões discretas de pessoas sem trabalho, mas que supostamente o têm, que são obrigados a procurar e a conseguir, quando é público e notório que a fonte secou.

Para o olho da rua, então. O olho da rua com seus paralelepípedos, menos duros, menos insensíveis do que nossos sistemas! (p. 45-46)

Utilizando as considerações de Oliveira sobre a apropriação do público pelo

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domínio privado, é possível delinear a trágica trajetória da população que habitou a Ilha Mutum. Retomando o capítulo 4 no qual discorremos sobre as dificuldades, conflitos e impedimentos que culminaram com a expulsão dessa população, veremos que a população que se fixou nas ilhas do rio Paraná utilizaram espaços públicos para a reprodução de seu modo de vida. No entanto, tinham plena consciência de que não eram proprietários das terras, mas sim das “benfeitorias” realizadas. Assim, temos um exemplo de apropriação do espaço público pelo público. O caso se inverte enquanto prosseguimos com as transformações atribuídas ao uso do espaço para esta região. A construção de usinas hidrelétricas em áreas públicas mostrou-nos que imensas quantidades de terras férteis foram alagadas, reduzindo a área para cultivos agrícolas e desalojando grandes contingentes de populações tradicionais como sertanejos, índios, caboclos e pescadores. Em seguida, a expansão da pecuária, através das várias formas lícitas e ilícitas de apropriação de terras públicas como no caso das ilhas, novamente demonstra a transição da passagem do público ao privado. O caso da criação das Unidades de conservação é parecido com o caso das usinas hidrelétricas. Inicialmente, decretos, resoluções e outros documentos oficiais viabilizam a instalação do empreendimento e em num segundo momento, aquilo que foi erigido sob a insígnia do Bem-Estar foi incorporado ao setor produtivo, rendendo proventos a organizações privadas. Assim, gradativamente, foram desapropriadas áreas públicas de uso público para reapropriá-las a outro domínio, o privado, sem que com isso, surgissem movimentos sociais de caráter político contundentes e eficazes. Ainda que se sintam lesados, os ex-ilhéus não demonstram iniciativa política para lutar por seus direitos, por meio de ações pessoais ou coletivas. Preferem ficar à espera de algum agente externo que lhes entregue a solução para seus problemas. Enquanto aguardam, pouca coisa muda. No máximo, o que aguardam é poder desfrutar da parca aposentadoria de um salário mínimo até o final de suas vidas. Os que ainda não são aposentados, procuram algum tipo de influência ou auxílio junto a figuras políticas da cidade. Forrester (1997) resume melhor a situação:

Não há pior angústia que a esperança. Pior tremor. E não há pior horror que o fim de si próprio quando ocorre bem antes da morte e se deve arrastar enquanto vivo. Esses passos incertos. Essa ausência de percurso, mas que é preciso percorrer. Esses rostos, esses corpos de pessoas que não parecem mais pessoas, que já não se consideram como tais (p. 37).

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CAPÍTULO 6 A centralidade da cultura

O rio. Eu gostava desse rio, eu tinha prazer de andar

nesse rio aí, mas depois que eu saí da ilha. Depois que saí da ilha, perdi toda a vontade de ir nesse

rio, às vezes passo meses sem ir na beira do rio, e eu que moro a 200 metros do rio. Não sei, acho que a gente fica

amedrontado. (Antônio, dez. 2001) Tomando como referência à noção de preservação da natureza, e o incentivo para a manutenção da cultura das populações tradicionais em divulgações oficiais, institucionais, científicas e populares, abordaremos aqui de forma breve, dada a delimitação de nosso assunto de pesquisa e a complexidade do tema, o papel fundamental que a cultura exerce na sociedade. Tomando a nós mesmos como um ponto de referência, podemos nos fazer os seguintes questionamentos: Onde estamos? O que estamos fazendo? Qual o sentido dessa ação? Como cheguei a ser capaz de realizar esta ação? Qual a importância dessa ação? Diante dessas simples perguntas, somos impelidos a dar respostas rápidas. Porém, as respostas mais completas, exigirão um nível maior de complexidade de auto-consciência. As respostas que surgirem para estas perguntas, demandam a constatação de que somos seres sociais, condicionados a pensar, agir e até mesmo sentir e a expressar sentimentos dentro de um escopo de possibilidades pré-estabelecidas. O ambiente cultural exerce grande influência sobre o modo como percebemos as coisas e os fatos, isto é, a nossa weltanchäuung

34. Diversos antropólogos e estudiosos demonstraram que atitudes toleradas em uma cultura, em uma outra, podem ser dignas de severas punições. O suporte básico de uma sociedade é a cultura de seu povo que delimita seu perfil. Seus traços culturais fortalecem a união e sobrevivência dos membros, daí a relação íntima direta entre a cultura e a sociedade que ela forma. Um povo que tem a sua cultura aniquilada perde sua identidade cultural, isto é, perde sua "alma", fica desagregado e propicia condições para seu fim. Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido. A ação social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a observam: não em si mesma mas em razão dos muitos e variados sistemas de significado que os seres humanos utilizam para definir o que significam as coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em relação aos

34 Do alemão: visão de mundo. Concentra a concepção de realidade formada socialmente, envolvendo a totalidade da experiência individual e o modo como cada indivíduo permite orientar suas percepções acerca da realidade.

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outros. Estes sistemas ou códigos de significado dão sentido às nossas ações. Eles nos permitem interpretar significativamente as ações alheias. Tomados em seu conjunto, eles constituem nossas “culturas”. Contribuem para assegurar que toda ação social é “cultural”, que todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado e, neste sentido, são práticas de significação. É através da cultura que constituímos nossa subjetividade, nossa identidade, nosso papel social. No aspecto jurídico, a cultura é entendida como a universalidade dos bens representativos da cultura do país e nessa categoria, deve ser protegida por fazer parte do patrimônio nacional. A definição jurídica de patrimônio cultural encontra-se no art.216 da Constituição Federal, quando diz que patrimônio cultural constitui-se “dos bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Incluem-se entre estes bens: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (incisos I,II,III,IV e V, do referido artigo). Os sítios arqueológicos e paleontológicos como patrimônios culturais estão protegidos especificamente pela Lei Federal 3.924, de 26.07.61, que dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos, protegendo as culturas paleoameríndias do Brasil tais como os sambaquis e inscrições rupestres, entre outros. Como se vê, a definição do que é o patrimônio cultural brasileiro é muito abrangente e ampla, constituindo-se de uma enorme gama de expressões e objetos ligados à cultura como um todo, estando inclusive incluída na legislação constitucional, principalmente. Etimologicamente, a palavra cultura vem do latim cultura e pode ser definida como o conjunto das características étnicas, comportamentais, institucionais e religiosas, entre outras, de uma determinada coletividade ou sociedade. Deste modo, Castells (2000), define três tipos básicos de identidade. Identidade legitimadora: introduzida pelas instituições dominantes no intuito de expandir e legitimizar sua dominação sobre os participantes da sociedade. Identidade de resistência: criada pelos atores sociais que se encontram em posições e condições desvalorizadas e ou estigmatizadas pela lógica da dominação, constituindo assim centros de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes ou mesmo opostos dos que se pretendem impor. Identidade de projeto: quando os atores sociais utilizam algum material cultural para construir uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, a partir disso, buscar a transformação de toda a estrutura social. Este foi o caso do feminismo que incialmente adotou uma postura de identidade

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de resistência e posteriormente se afirmou como foco de transformação em detrimento de todo um posicionamento histórico anterior. No entanto, a cultura é dinâmica, é um sistema fechado e, ao mesmo tempo aberto que resiste à mudanças e, apesar disso, se transforma. Para Hall (1997), a cultura tem assumido uma função de importância sem igual no que diz respeito à estrutura e à organização da sociedade moderna tardia, aos processos de desenvolvimento do meio ambiente global e à disposição de seus recursos econômicos e materiais. Os meios de produção, circulação e troca cultural, em particular, têm se expandido, por meio das tecnologias e da revolução da informação. Uma proporção ainda maior de recursos humanos, materiais e tecnológicos no mundo inteiro são direcionados diretamente para estes setores. Os recursos que antes iam para a indústria pesada da era industrial do séc. XIX - carvão, ferro e aço - agora, na virada do terceiro milênio, estão sendo investidos nos sistemas neurais do futuro - as tecnologias de comunicação digital e os softwares da Idade Cibernética. Desta forma, no início do século XXI, podemos facilmente constatar que os povos mais ricos e com maior tecnologia acabam influenciando e alterando a cultura dos mais simples. Assim, a conscientização cultural deve ser criada e estimulada nas escolas, nas artes e nos meios de comunicação e nas mais diversas formas da convivência moderna, de modo a formar uma sociedade consciente de sua cultura. Um efeito desta compressão espaço-tempo é a tendência à homogeneização cultural - a tendência de que o mundo se torne um lugar único, tanto do ponto de vista espacial e temporal quanto cultural: a síndrome que um teórico denominou de McDonaldização do globo. Hall (1997), afirma que as gigantes transnacionais da comunicação tais como a CNN, Time Warner e a News International, tendem a favorecer a transmissão para o mundo de um conjunto de produtos culturais estandartizados, utilizando tecnologias ocidentais padronizadas, apagando as particularidades e diferenças locais e produzindo, em seu lugar, uma "cultura mundial" homogeneizada, ocidentalizada. Porém, todos sabemos que as conseqüências desta revolução cultural global não são nem tão uniformes nem tão fáceis de serem previstas da forma como sugerem os ‘homogeneizadores’ mais extremados. Nesse sentido, certamente surgem muitas conseqüências negativas, que para Hall (1997), até agora continuam sem solução, minando as forças de nações mais antigas e de sociedades emergentes, na definição de seus ritmos próprios de desenvolvimento. Para Forrester (1997), as alternativas culturais que estão sucumbindo diante do modelo do liberalismo absoluto representado pela proposta da globalização, da mundialização, da desregulamentação e da virtualidade, quando são notados, estão quase sempre sob a dominação de potências distantes e complicadas. Este processo corrosivo de culturas seculares, contudo, não se dá de forma igual em todas as regiões do globo. Assim como em outros processos de transição sociocultural, encontraremos as mais variadas formas de resistência para manter a condição já estabelecida, lembrando que

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resistência pressupõe, aqui, diferença, história interna específica, ritmo próprio; modo peculiar de existir no tempo histórico e no tempo subjetivo (BOSI, 1987). Ainda assim, a cultura global necessita da “diferença” para prosperar, mesmo que apenas para convertê-la em outro produto cultural para o mercado mundial como, por exemplo, a cozinha étnica. Assim, Hall (1997) acredita que é mais provável que o desenvolvimento dos meios de comunicação, produza novas identificações globais e novas identificações locais, ao invés de produzir uma cultura global uniforme e homogênea. O resultado desse sincretismo cultural possível, pode não ser necessariamente a obliteração do velho pelo novo, mas a criação de algumas alternativas híbridas, sintetizando elementos de ambas, mas não redutíveis a nenhuma delas - como ocorre crescentemente nas sociedades multiculturais, culturalmente diversificadas, criadas pelas grandes migrações decorrentes de guerras, miséria e das dificuldades econômica do final do séc. XX. Hall (1997) utiliza a expressão “centralidade da cultura” para discutir a forma como a cultura penetra em cada recanto da vida social contemporânea, fazendo proliferar ambientes secundários, mediando tudo. A cultura está presente nas vozes e imagens incorpóreas que nos interpelam das telas, nos postos de gasolina. Ela é um elemento chave no modo como o meio ambiente doméstico é atrelado, pelo consumo, às tendências e modas mundiais. É trazida para dentro de nossos lares por meio dos esportes e das revistas esportivas que, freqüentemente, vendem uma imagem de íntima associação ao "lugar" e ao local através da cultura do futebol contemporâneo. Elas mostram uma curiosa nostalgia em relação a uma “comunidade imaginada”, na verdade, uma nostalgia das culturas vividas de importantes “locais” que foram profundamente transformadas, senão totalmente destruídas pela mudança econômica e pelo declínio industrial. Considerando o aspecto do consumo, a cultura tornou-se um objeto de mercado. Pode ser vendida, em qualquer esquina, em qualquer farmácia ou mercado, - o que está sendo vendido, são valores atribuidores de status a quem possui determinado bem. A venda de lotes em um condomínio em Porto Rico, mostra que esses valores acerca do mundo natural são bem aceitos pela comunidade em geral, tanto pelos moradores locais que não terão acesso a essa “vantagem” quanto para os turistas que lá terão suas posses. A cultura é o intermediário mor, pois hoje o escravismo à força, através da imposição ditatorial, está em desuso. Contudo, é licito utilizar-se do escravismo via imposição cultural, para a criação de “necessidades sociais” tão valorizadas quanto as necessidades biológicas. Isto, é inclusive valorizado. O empresário, executivo, político ou marketeiro que usa tais subterfúgios para imposição, não raro, é visto como “um empreendedor de sucesso” campanhas publicitárias emparelham imagens e mensagens associando pessoas felizes e saudáveis ao produto que se deseja oferecer. Na verdade, todos sabem que a imagem veiculada não corresponde à realidade. Os figurantes da campanha são atores, contratados para se comportarem como

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pessoas felizes e bem sucedidas, apenas durante a gravação das imagens. Não existe garantia alguma de que o consumo de tal produto irá proporcionar a felicidade e saúde implicitamente incorporada na negociação. Acredita-se, que assim será e assim agimos em direção à aquisição do produto. Para ilustrarmos, durante a pesquisa de campo, deparamo-nos com a venda de loteamentos em Porto Rico, um panfleto promocional do condomínio amplamente divulgado na cidade de Maringá. O público-alvo são freqüentadores de um Shopping Center. Encontramos no anúncio: • “Um convite para quem prefere a mais perfeita integração entre lazer e

natureza.”

• “Um convite para quem prefere viver em contato com à (sic.) natureza”

• “A mais perfeita integração entre pesca, lazer, conforto e segurança.”

• “Um Condomínio Fechado as margens do Rio Paraná, foi idealizado para

oferecer a você, sua família e seus amigos o máximo em lazer; conforto e

segurança.”

• “Pesca - Lazer - Ecoturismo - Conforto - Segurança”

• “São 127 lotes residênciais (sic.) exclusivamente unifamiliar."

• “Qualidade de vida e garantia do seu investimento! Dê este presente a você e

a sua família.”

Essas afirmações procuram se sustentar emocionalmente atribuindo à natureza valores culturais instituidores de status, incluindo, desta forma, a natureza ao circuito do consumo. Manobra perigosa, visto que o comportamento consumista, invariavelmente leva à exaustão aquilo que transforma em mercadoria. Para Hall (1997), no cerne desta questão está a relação entre cultura e poder. Quanto mais importante - mais “central” - se torna a cultura, tanto mais significativas são as forças que a governam, moldam e regulam. Para que isto funcione a contento, isto é, a dominação se dê via cultura, é imprescindível que, primeiramente, a sociedade ampla reconheça os valores culturais que estão sendo implantados como legítimos e em segundo lugar, deve haver mecanismos de regulação de recompensa e punição, no mais genuíno estilo de psicologia behaviorista.

... o mercado se auto-regula. Ele aloca recursos, recompensa a eficiência e a inovação, pune a ineficiência e a “falta de criatividade” e, acima de tudo, como observamos antes neste texto, cria vencedores e perdedores. Estes são incentivos poderosos - e desestímulos - que induzem certas formas de conduta e desencorajam outras (isto é, regulando as condutas). E, como temos visto, os mercados criam e requerem “culturas” administrativas e organizacionais próprias muito diversas - um conjunto de

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regras, expectativas, procedimentos normativos e metas internalizadas (Hall, 1997, p.27).

Hall (1997, p.28) alerta que os meios de regulação e controle ficam cada vez mais sofisticados e intensificam os meios de vigilância: “o que alguns têm denominado ‘o governo pela cultura’, assim, a cultura deve ser vista como algo fundamental, constitutivo.” Até mesmo a construção de algo físico como um muro, envolve um sistema de significados, de conhecimentos culturais, de normas, habilidades e conceitos; é portanto, também uma atividade cultural. O tipo, tamanho, material utilizado, cor, enfim, revelam várias informações a respeito do lugar, da época e do morador, e assim, é , portanto, uma “prática discursiva”.

Se a “cultura” está em tudo e em toda parte, onde ela começa e onde termina? Naturalmente, esta afirmação em relação à centralidade da cultura não significa - como seus críticos por vezes têm alegado - que não há nada senão a “cultura” - que tudo é “cultura” e que a “cultura” é tudo; ou, parafraseando a observação agora considerada infame do filósofo desconstrucionista francês Jacques Derrida, “Não há nada fora do texto”; ou, como imputam a Foucault, “Não há nada além do discurso”. Se fosse isso o que está sendo argumentado, seria certa - e corretamente - motivo para crítica porque, neste caso, teríamos simplesmente substituído o materialismo ou o socialismo econômico, que outrora ameaçavam dominar estas questões nas ciências sociais, por um idealismo cultural - isto é, substituido uma forma de argumento reducionista por outra. O que aqui se argumenta, de fato, não é que “tudo é cultura”, mas que toda prática social depende e tem relação com o significado: conseqüentemente, que a cultura é uma das condições constitutivas de existência dessa prática, que toda prática social tem uma dimensão cultural. Não que não haja nada além do discurso, mas que toda prática social tem o seu caráter discursivo (HALL, 1997. p.37).

Isto explica por que a regulação da cultura é tão importante. Se a cultura, de fato, regula nossas práticas sociais a cada passo, então, aqueles que precisam ou desejam influenciar o que ocorre no mundo ou o modo como as coisas são feitas necessitarão - a grosso modo - de alguma forma ter a “cultura” em suas mãos, para moldá-la e regulá-la de algum modo ou em certo grau. Até mesmo a quantidade de dinheiro que uma pessoa possui é simbólica. Simboliza, representa uma variedade de poderes concretos e subjetivos. Dependendo da quantidade de dinheiro há vários níveis de poder de consumo, de status, de mobilidade e trânsito social, de prestígio, padrões estéticos etc. No final, a quantidade de dinheiro não necessariamente remete à capacidade produtiva ou a importância / relevância da existência de determinado ator para a sociedade, simboliza privilégios dos quais muitos devem abrir mão em favor de poucos indivíduos socialmente reconhecidos. Tal reconhecimento vem da convenção e da aceitação social de que o fator monetário é indispensável na mediação de trocas sociais de vários significantes socialmente valorizados. Uma vez que a cultura regula as práticas e condutas sociais, torna-se profundamente importante saber quem regula a cultura. A regulação da cultura

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e a regulação através da cultura estão, desta forma, íntima e profundamente interligadas. Qual é a relação que existe entre a “cultura” e outras forças que exercem um poder determinante de controle, de modelagem sobre a cultura? A princípio, é a política, a economia, o Estado, ou o mercado o fator mais determinante em relação à cultura? É o Estado que, através de suas políticas legislativas, determina a configuração da cultura? Ou são os interesses econômicos ou as forças de mercado com a sua “mão oculta” que estão de fato determinando os padrões de mudança cultural? Quanto a isso, Hall (1997) não chega a uma conclusão satisfatória. Para ele, embora a cultura tenha vida própria e autônoma, ela é influenciada e regulada por diversos fatores determinantes, como a economia, o mercado, o Estado e o poder político. Entretanto, o que se nota atualmente é que os efeitos do processo de “globalização” - enfraquecem a relativa autonomia dos estados nacionais na determinação das políticas culturais em seus próprios territórios soberanos e aumenta as pressões por políticas do tipo “céu aberto”, de internacionalização dos mercados culturais. Saliente-se que está ocorrendo uma tendência, à qual não se tem dado muita importância, da retomada da monopolização pelas transnacionais globais. (HALL, 1997) Forrester (1997) alerta que:

Essas redes econômicas privadas, transnacionais, dominam então cada vez mais os poderes estatais; muito longe de ser controladas por eles, são elas que os controlam e formam, em suma, uma espécie de nação que, fora de qualquer território, de qualquer instituição governamental, comanda cada vez mais as instituições dos diversos países, suas políticas, geralmente por meio de organizações consideráveis, como o Banco Mundial, o FMI ou a OCDE (FORRESTER, 1997, p.30).

Deste modo, a principal investida, em relação à cultura, tem sido a de retirar do Estado suas responsabilidades na regulamentação dos assuntos culturais e abrir a cultura, paulatinamente, ao jogo livre das “forças de mercado”. A liberdade, ampliando as opções, aumentando a diversidade e o pluralismo cultural, acabando com o paternalismo do Estado em relação às pessoas - estas são algumas das formas pelas quais a desregulação tem sido “vendida” positivamente pelos seus partidários. Outra forma de “regular culturalmente” nossas condutas está nos sistemas classificatórios que pertencem e delimitam cada cultura, que definem os limites entre a semelhança e a diferença, entre o sagrado e o profano, o que é “aceitável” e o que é “inaceitável” em relação a nosso comportamento, nossas roupas, o que falamos, nossos hábitos, que costumes e práticas são considerados “normais” e “anormais”, quem é “limpo” ou “sujo” O interessante neste tipo de regulação é que ela é quase sempre acompanhada de conflitos e resistências. Ao invés de constranger as condutas, comportamentos e atitudes dos indivíduos, por meio de um regime externo de controle social, este,

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busca levar os submetidos, a subjetivamente, regularem-se a si mesmos. A estratégia, segundo Hall (1997, p. 368) consiste em:

... alinhar as motivações e aspirações pessoais e subjetivas de cada sujeito às motivações da organização, redefinir suas habilidades e capacidades conforme as especificações pessoais e profissionais da empresa, internalizar objetivos organizacionais como suas próprias metas. Isso configura a aplicação do que Foucault denominou as “tecnologias do eu” para “a construção de si mesmo”, para produzir os sujeitos - nas palavras de du Gay (1997) - como espécies diferentes de sujeitos empreendedores. A regulação por meio da “mudança cultural” - por uma passagem para o “regime dos significados” e pela produção de novas subjetividades, no interior de um novo conjunto de disciplinas organizacionais - é outro modo poderoso de “regular através da cultura”.

Isso demonstra que se a cultura não exercesse uma função tão fundamental sobre a sociedade, não haveria necessidade de todas essas estratégias de regulação, vigilância e controle. Sobretudo, não haveria o interesse das esferas governamentais, legislativas e de mercado incidentes nessa questão. É fundamental, como afirma Godelier (1974 apud DIEGUES, 1983), analisar o sistema de representação que os indivíduos e os grupos fazem do meio ambiente em que vivem, pois esta é a referência na qual os homens orientam suas ações no mundo.

É a partir dessas representações mentais que eles agem sobre o meio ambiente. A percepção que os indivíduos têm do seu meio ambiente natural é formada somente de representações mais ou menos objetivas, mas igualmente de julgamentos de valor e de crenças. Um determinado meio ambiente pode ser lugar de moradia de poderes sobrenaturais, bons ou maus, que podem interferir no funcionamento da vida dos homens (1974 apud DIEGUES, 1983, p. 101).

Outro aspecto atualmente considerado importante para o estudo da cultura de um grupamento humano, é a identidade cultural. Para Meneses (1987), conceito de identidade implica semelhança a si próprio, formulada como condição de vida psíquica e social. Nessa linha, está muito mais próximo dos processos de re-conhecimento do que de conhecimento, é o modo como o homem enxerga a si mesmo. Para Castells (2000) a definição é entendida como o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado. Deste modo, admite-se a existência de uma diversidade de possibilidades de formação da identidade, entretanto, algumas possibilidades se sobressaem sobre as outras. Hall (1998), na obra “A Identidade Cultural na Pós-Modernidade”, prefere discutir a questão de uma forma mais ampla, envolvendo os recentes fenômenos de estreitamento do contato entre as diversas culturas do globo terrestre. Para ele, a identidade cultural deixa de ser pensada como um dado íntimo da história de cada grupo, de cada etnia, de cada nação para ser percebida no trânsito, nas

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imbricações que informam sobre paisagens em que produzem novas identificações “globais” e novas identificações “locais”. De acordo com essas considerações, a identidade cultural constitui-se na soma de significados que estruturam a vida de um indivíduo ou de um povo, parte-se do princípio de que será necessário ter em mente, antes de tudo, que a identidade cultural não é mais una, porém múltipla. Pelas definições citadas acima, podemos perceber que Meneses (1987) se atém mais ao aspecto individual, mas também não desconsidera que a identidade também é moldada por vieses coletivos, como bem explica.

A antropologia e a sociologia, por sua vez, informam-nos de que a identidade, quer pessoal, quer social, é sempre socialmente atribuída, socialmente mantida e também só se transforma socialmente. Isto é, não se pode ser humano por si, por representação própria: os valores, significações, papéis que me atribuo necessitam de legitimidade social, de confirmação por parte de meus semelhantes. Pode-se dizer, assim, que é em virtude de definições que existem indivíduo e sociedade. Dentro dessa ótica, é fácil entender que o processo de identificação é um processo de construção de imagem; por isso terreno propício a manipulações (MENESES, 1987, p. 183).

Relembremos aqui, o caso dos panfletos de propaganda dos terrenos loteados para um condomínio em Porto Rico, que mencionamos anteriormente nesse capítulo. Silvia Lane (1984) também compartilha desse entendimento ao afirmar que o indivíduo é um produto histórico-social, visto sua relação de transformação de si e da sociedade, considerando os aspectos espaço-temporal e o contexto no qual o homem se encontra. O trabalho com as identidades, porém, é de difícil precisão, dadas as pluralidades de pólos ou fatores identitários. Valendo-se de exemplos, pode-se indicar que uma pessoa pode ser identificável por sua procedência regional, opção religiosa, orientação sexual, etnia, preferência de corrente política ou escolha de causas em que atua. As categorias de trabalho e de gênero têm sido um elemento forte na definição identitária. A reunião dessas esferas, por exemplo, acabam por matizar muitas orientações de trabalhos que se preocupam com a atividade produtiva das mulheres na lavoura de cana no nordeste brasileiro, no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra ou na esfera científica (BOM MEIHY, 2000). Resumindo, preconceitos, relações de amor e ódio, manifestações culturais e religiosas, comunicação e linguagem, crenças, valores, posturas, relações de produção e reprodução dos meios de vida, anseios e receios, que são as expressões mais genuínas de um indivíduo, de um povo, são, assim estruturadas, em torno da identidade cultural do grupo que se considera. A identidade é uma fonte importante de significado, por causa do processo de autoconstrução e individuação que as envolve, pois ela organiza significados, diretrizes e princípios de vida. Neste sentido, de forma geral, para se compreender melhor a

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forma de sentir, pensar e agir de um indivíduo, de um grupo de indivíduos ou de uma comunidade, é importante conhecer quais as identidades envolvidas em questão. Castells alerta que ocorre uma certa confusão em torno do termo e que por isso, se faz necessário diferenciar o conceito de identidade cultural com outro conceito próximo, por sua especificidade.

... é necessário estabelecer a distinção entre a identidade e o que tradicionalmente os sociólogos têm chamado de papéis, e conjuntos de papéis. Papéis (por exemplo, ser trabalhador, mãe, vizinho, militante socialista, sindicalista, jogador de basquete, freqüentador de uma determinada igreja e fumante, ao mesmo tempo) são definidos por normas estruturadas pelas instituições e organizações da sociedade. (...) Identidades, por sua vez, constituem fontes de significado para os próprios atores, por eles originadas, e construídas por meio de um processo de individuação (CASTELLS, 2000. p. 22-23).

De acordo com a teoria dos grupos, a identidade se forma a partir de alguns elementos que denotam seu processo de formação. Entre eles, se destacam:

- Os grupos a que pertenceu; - A camada social que freqüenta nos diversos grupos; - “lugar” que cada grupo está inserido na sociedade.

Os grupos sociais recrutam seus membros através de duas formas básicas: a forma automática e as formas não-automáticas. A maneira automática de pertencer a um determinado grupo social é através do nascimento. Os filhos tornam-se automaticamente membros da família, adotando assim, grande parte dos preceitos morais, éticos, religiosos, bem como a visão de mundo. As formas não-automáticas figuram o quadro social da maioria das sociedades, com qual o indivíduo toma contato ao longo da vida. Entre essas formas, citamos os clubes e as associações, as instituições de ensino e a educação laica e religiosa que freqüentamos, nosso grupo de amigos, vizinhança, trabalho etc. O estudo da identidade cultural não é valorizado apenas nosso país ou na América Latina, como forma de resguardar ou melhor compreender a formação e o comportamento do nosso povo. As pesquisas nessa área, são também seriamente investigadas em vários países.

Esse quadro relativo à identidade cultural não se manifesta apenas no chamado “mundo subdesenvolvido” ou “em desenvolvimento”. Países economicamente mais avançados vêem na preservação da identidade nacional o instrumento decisivo para autocapacitação não apenas em assuntos culturais como científicos e tecnológicos, com suas claras dimensões econômicas. Medidas de exceção são formuladas para proteger a cultura local em suas mais variadas formas, e, mais que isso, é resguardado o próprio idioma nacional (CASTELLS, 2000, 305).

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Aplicando a discussão anterior para analisar uma pesquisa divulgada pelo Relatório Uem/Nupelia/Peld (2001), a partir dos dados referentes às atividades profissionais dos pais dos pescadores entrevistados em Porto Rico, verificou-se que somente 14,8% dos pescadores seguiram o trabalho dos pais. A pesquisa conclui que possivelmente, esse baixo índice está relacionado ao fato de uma alta porcentagem dos pais terem como profissão atividades voltadas à agropecuária e/ou à dificuldade de manter a família com a renda advinda da pesca (UEM/NUPELIA/PELD, 2001). Paralelamente à descaracterização da festa de Nossa Senhora dos Navegantes, este, constitui um exemplo da interferência econômica sobre a uma prática tradicional do moradores de Porto Rico. Como resultado dessa interferência, uma série de conhecimentos empíricos e simbólicos mudam. Se esta tendência continuar, esses saberes estão fadados a desaparecer juntamente com a extinção da cultura da pesca tradicional em Porto Rico, ao longo das gerações. Essa descaracterização cultural não se limita a Porto Rico. Diegues nos apresenta outro exemplo.

A festa dos Reis, o Divino, estão fracassando; crente não vai na festa. O povo está esquecendo as antigüidades. Agora é baile e só dá briga” (entrevista com um pescador de Ubatumirim, católico). “Festas? Às vezes São João e São Pedro, mas não se usa fazer mais Reis. Antes o festeiro oferecia comida, peixe seco, agora tudo acabou. Entrou o Evangelho e o povo desacreditou da festa das Imagens” (entrevista com pescador de Picinguaba, adventista) (DIEGUES, 1983, p. 226).

Considerando a amostra da população que estudamos, pudemos observar que o mais jovem da nossa amostra tem 34 anos e é também o que menos tempo residiu na Ilha (11 anos), sendo este, o participante a exercer trabalho remunerado como diarista sem qualquer vínculo atual com o rio ou a ilha. Durante a entrevista, este ex-ilhéu repudiou completamente a hipótese de retorno à vida na ilha, indicando uma ‘desidentificação’ com a forma de reprodução de vida na ilha com a identidade camponesa daquela população que, a exemplo de seu pai, entrou na ilha. O maior motivo de sua decisão de se mudar para uma ilha, foi o de finalmente trabalhar em uma posse que fosse sua, para evitar a amarga experiência de arrendatário. Outro entrevistado, nascido na ilha, conta a história de como seu pai chegou até a ilha. Este fugiu da máfia do café que operava naquela região. Para os nossos entrevistados, os valores que mais se destacam são os que se relacionam com o trabalho, a amizade, o estudo, a saúde, a habitação e o conhecimento do seu ambiente. Cada um dos narradores, ao relatar sua trajetória de vida, revela uma memória coletiva que desvenda uma identidade sendo construída numa direção comum a todos. Embora cada vida tenha sua especificidade, temos as semelhanças e traços básicos desse grupo. São todos como remadores em uma canoa sobre um rio que os arrasta para horizontes

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incertos, em águas que se recusam a reagir ante suas remadas. Tudo o que lhes resta são seus valores. É de suma importância para o ex-ilhéu a virtude do trabalho e da amizade. São dois aspectos transversais em todas as entrevistas. O trabalho, em suas palavras, embora “sofrido”, é o valor fundamental que agrega outros valores para eles importantes como a honestidade, a confiabilidade, a autonomia e boas condições de habitação. A amizade é o valor fundamental que agrega os valores da vida em comunidade como a solidariedade, que em momentos críticos, muitas vezes era o recurso decisivo, como narram os entrevistados ao relatarem episódios de doenças e acidentes. Percebemos, entretanto, que o único colaborador, pescador tradicional, diferia dos outros que apresentavam uma identidade com características mais camponesa. O pescador enfatizou que “nunca plantou um pé de roça”, não criou nada, nem cachorro, em sua vida, só pescava, era a única coisa que sabia fazer e o que sempre fez. Ele relatou que no tempo em que vivia na ilha, ele e seus ajudantes chegavam em uma lagoa, tecia a rede da profundidade da lagoa e de lá não saíam até que o último peixe de lá fosse tirado. Esse comportamento predatório é por ele relembrado com auto-censura. Diferentemente desse pescador, os outros moradores entrevistados procuravam garantir a fartura das ilhas e do rio utilizando seus conhecimentos tradicionais para preservar suas plantações, plantando por exemplo, tipos diferentes de plantas em associação para prevenir insetos e pragas, plantando determinadas espécies de plantas para preservar as margens e atrair os peixes. Entendemos que a identidade cultural dos ex-ilhéus da Ilha Mutum não sofreu alterações estruturais. Continua sendo de uma população rural simples que atualmente se vê forçada a viver no árido campo de asfalto que representa a cidade. Porém, embora a cidade represente a improdutividade, a infertilidade, a impossibilidade de práticas camponesas, viver na cidade também traz suas vantagens como a saúde, a água encanada e o uso de eletrodomésticos. Ainda assim, nenhum dos entrevistados demonstrou ter aspirações de mudar de estilo de vida, pretendem apenas, ter o suficiente para se manter. Com estes parâmetros, cremos não ser possível afirmar a incidência da “desidentidade”, como faz Bom Meihy (2000), que tem sido pensada para a caracterização de espaços identitários que dialogam com a substituição de valores culturais. Para o referido autor, grupos imigratórios, expostos a outra cultura, tendem a viver processos duplos de identificação. Uma vez que a adesão a outro meio não é absoluta nem harmoniosa, há que se relacionar com os pressupostos da cultura original de maneira a se proceder um diálogo que implica renúncias e escolhas. Sendo assim, nesses termos, preferimos adotar a concepção de Hall (1998) que como vimos, afirma que a identidade não se perde, mas incorpora novos elementos. De qualquer modo, Bom Meihy afirma que a análise dos processos de identificação nas culturas, se levanta como desafio, pois envolve a

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particularização de processos de aceitação ou recusa dos novos valores. Constitui, portanto, um aspecto dinâmico, uma “re-identidade”. Se por um lado, não houve desidentificação para essa população de ex-insulares, também não houve uma “identificação completa”, se é que em algum momento esse aspecto cultural poderá ser completado. O sentido do termo, neste caso, pretende indicar não o final de um processo, mas sua plenitude, a satisfação de sua finalidade. Mesmo que pudessem sofrer a “desidentidade”, o caso não se aplicaria, pois não chegaram a constituir uma identidade particular de grupo na Ilha Mutum, devido a uma série de fatores externos a eles como temporais, políticos e econômicos. Não chegaram a se realizar como indivíduos da terra, indivíduos camponeses com expressões culturais próprias, como uma orientação artística artesanal, com tradições míticas e musicais regionais. Atualmente, não são nem urbanos (por falta de uma formação inicial - estudo, capacitação para o trabalho, etc.) e nem rurais (por falta de condições e meios para exercerem suas tradições). Estes, jogados num limbo histórico e existencial, não têm acesso a nenhum dos dois mundos, estão impedidos de se realizar como cidadãos. Essa tendência de “desidentificação - re-identificação”, vista por um outro ângulo, resulta, para alguns autores, em uma forma mais adequada aos interesses do grande capital, a garantia de mercados para consumo dos produtos que fabricam, entendendo-se como produtos, tudo o que a indústria cultural pode produzir, dado o elevado nível de "coisificação" que os homens e suas representações hoje chegaram. Hoje, praticamente tudo pode ser comercializado, tudo tem um valor monetário. Sentimentos, preferências, estilos, empregos, confiança, dedicação, companheirismo, afeto e assim por diante. O artigo "Identidade e Cultura Mercantilizada" de Fabiano (2001), expõe exatamente esse processo no qual o homem atual e suas relações se tornam cada vez mais objetos de consumo. A ideologia mercantil que se impôs nos vários estágios do desenvolvimento da sociedade industrial produziu também um sujeito adequado a tais princípios econômicos. Essa estrutura ideológica passa a fomentar uma estrutura psicológica do indivíduo permeada por uma razão instrumental de objetificação e reificação da subjetividade. É nesse processo de apropriação da identidade do sujeito que essa mesma estrutura se alimenta e se eterniza por tais mecanismos de controle. A cultura, assim administrada, adquire exclusivamente um caráter mercantil com um nítido fundo de dominação ideológica subliminar. Retomando novamente nossas entrevistas, acrescentamos que a memória da paisagem do ambiente da ilha Mutum está associada à memória dos tempos de fartura. Contudo, a fartura permanece apenas na memória e não se estende à realidade cotidiana dos dias atuais. O rio, enquanto ordenador do ambiente em questão, revela-se a principal fonte de significados, que denotam a dependência intrínseca de uma vida, que já não existe mais. Isto é, o rio representa, enquanto na condição de ilhéu, a diferença entre ter boas ou precárias condições de vida, nos tempos de permanência na ilha. Sem sua dinâmica própria e original que dá

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suporte a todos os elementos que a ele integram, como o peixe, as condições de transporte, vegetação, a própria ilha e toda fartura inicial se vai. Nesses termos, metaforicamente, o rio é o líquido vital que circula e nutre um grande conjunto de órgãos, que impreterivelmente dele dependem - as ilhas do rio Paraná. O rio transporta os nutrientes necessários a manutenção desse grande sistema ambiental. A debilidade do rio, prejudica os outros sistemas, como um efeito dominó que começa de todas as partes. Com os órgãos internos em falência, o planeta está morrendo. As usinas e represas, nessa analogia, representam válvulas de contenção instaladas ao longo das principais veias do rio, usando e contaminando (acúmulo de algas, detritos e sedimentos) o fluxo vital, para um propósito totalmente estranho daquele que originariamente fora estabelecido pela natureza. Várias foram as condições que interferiram no processo de expulsão dos ilhéus de suas posses, desencadeado, principalmente, pela instalação de barragens para geração de energia elétrica, expansão da pecuária e as determinações do IBAMA que proíbe a atividade ou permanência de moradores nas ilhas que integram a área de proteção ambiental. No imaginário do ex-ilhéu, a condição anterior de tranqüilidade, fartura e condições de trabalho, podem retornar se os fatores intervenientes que os expulsaram, não mais existirem. As enchentes, ao que se acredita, provocadas pela construção das hidrelétricas foram o mais cruel e súbito agente da expulsão da população. Uma vez expulsos da "terra prometida", estes se viram impedidos de retornar, ou pela ação de fazendeiros, ou pela ação do poder público na figura do IBAMA, pelos catastróficos efeitos impactantes das barragens sobre o ecossistema do rio Paraná e suas ilhas. A memória do aspecto negativo de morar na ilha está associada aos animais silvestres, os "bichos brabos" e a falta de assistência social, principalmente a precariedade e mesmo ausência de assistência educacional e médica. A ilha representava uma nova oportunidade de vida e um novo desafio. Era uma oportunidade de sobrevivência em um sistema econômico e social do qual voluntariamente ou não foram banidos, produzindo para seu sustento, em um espaço onde começavam a criar sua autonomia em relação ao sistema. Porém, não tiveram tempo de consolidar uma identidade própria, além daquela da qual eram conhecidos antes de entrar na ilha. Uma identidade de trabalhadores volantes, expropriados, sem-terra, vagabundos, preguiçosos, indolentes, flagelados, quando o que pretendiam era não ser nem expropriados, nem patrões, apenas ilhéus. Aliás, a ilha parece ser mesmo o lugar apropriado para os que estão a margem da sociedade, haja visto o destino final dos exilados e degredados europeus para a imensa ilha distante de tudo, que foi a terra de Vera Cruz. Alcatraz também é um nome que se destaca nesse assunto. Os ex-ilhéus de Mutum repetiram a saga dos mais autênticos brasileiros: os índios que tinham uma cultura, religião e formas de produção material de vida que para eles era suficiente. Porém, essa imensa “ilha” que hoje se chama Brasil foi habitada por

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pessoas estranhas, com hábitos estranhos, com uma linguagem estranha, isto é, com uma identidade cultural própria. A ilha era prodigiosa em suas paisagens, na abundância de riquezas naturais, na fertilidade do solo. Desconfiavam, entrementes, que alí se encontrasse grandes veios de ouro. Havia também uma grande vantagem, a população nativa era ingênua, aceitava trocar objetos e coisas valiosas por objetos de baixo valor. Aos poucos o "homem branco" se apropriava dos conhecimentos tradicionais dos nativos que cada vez mais traziam novas expedições. Num certo ponto da história, disseram que lhes traria o benefício da cultura, a inserção na sociedade legítima. Assim como vieram os jesuítas, os bandeirantes e os ciclos de exploração econômica de regime extrativista em nosso país, vieram para os ex-ilhéus, com aspectos de calamidades bíblicas as enchentes, o gado, a morte dos peixes, o desaparecimento do rio (em constante assoreamento) as usinas (novo ciclo econômico extrativista?) e resoluções governamentais impeditivas às suas vidas. O sistema socioeconômico do qual participamos, parece mesmo ter uma gritante incapacidade de lidar com a uma alternativa de vida diferente que não dependa exclusivamente de seus laços. O desafio foi muito maior do que imaginavam. Onças, cobras, mato, não eram o maior perigo a temer. Foram forças outras que as da natureza, que se tornaram determinantes. Em outras palavras, forças políticas e econômicas. Foi o fim da saga de um regime social utópico que conseguia subsistir com frouxas relações com a metrópole (continente). Nisso, consistiu o término da oportunidade que, para muitos, a ilha Mutum representava, uma alternativa às condições sociais determinantes.

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Parte II as entrevistas Memória social do grupo

A segunda parte desta dissertação contempla os principais fragmentos das entrevistas com os ex-moradores da Ilha Mutum, de acordo com os temas abordados nesse estudo.

A Fundação da cidade No início do século XX, os trabalhadores migrantes advindos de várias regiões do país para integrarem a “frente pioneira ou frente de expansão”, se deslocaram cada vez mais para dentro do estado, por meio de empresas colonizadoras, que, tendo o apoio federal, rapidamente ocupou e desmatou extensas áreas do território paranaense.

Essas terras aqui é tudo do Dr. Milton, ele ganhava do Governo as terras das margens do rio, com o Porto para embarcar madeira, mas em troca ele tinha que abrir picada para Londrina, Paranavaí e outras cidades. O Dr. Milton era um Doutor muito sabido. Todos esses Portos aqui no rio era dele.

Aqui era um capinzal, isso aqui onde tem essas casas era um colonhão danado. Tinha uma colônia de casa ali, Onde hoje está a água alí hoje, era um barracão muito grande, tinha um pé de figueira. E naquela enchente que deu, matou. (João)

A ocupação da Ilha Mutum — População de migrantes

A cidade, bem como a grande maioria dos habitantes das ilhas foi formada a partir da chegada de migrantes vindos de diversas partes do país, especialmente da região norte e nordeste, atraídos pelas terras férteis e clima propício para diversas culturas agrícolas, principalmente o café que se destacou inicialmente na economia regional.

Faz cinqüenta anos que eu vivo nesse rio. Sou do Estado de Pernambuco. Com 18 anos eu vim para cá e comecei a pescar no Porto Epitácio, em Guaíra e Foz de Iguaçú e de lá eu vim para a Mutum. Cinqüenta anos na pescaria morando dentro do rio com mulher e filho.

Morei uns tempos na Mutum, 12 anos. Morei numa ilha na frente do rio Amambai, 13 anos morei naquela ilha, no Estado de Mato-Grosso e sai do município de Icaraíma. Do Porto Rico até lá dá 120 km. Morei 2 ou três anos em Maracaí, mais tantos anos na Ilha Grande do Ivinheima e assim vim toda essa vida morando na ilha, só que agora estou com 17 anos morando aqui no Porto. No total, morei nas ilhas uns 40 anos.

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Naquele tempo na minha terra, era muito ruim, tinha muita seca. Viemos só eu e a mulher, casamos e já viemos para cá. Morava muita gente na ilha, era situada de gente essa ilha. Paranaense, paulista, tinha de toda espécie. (João)

A gente logo se acostumou, tinha tudo as coisas, tinha fartura das coisas. A família gostou, a mulher gostava de mais da ilha. Depois que entramos, deu duas enchente grande na ilha. Muita gente saiu, e eu fiquei, não saí. E então passou um tempo sem dar enchente de novo... só foi ter outra enchente em... 83.”

Vim pra ilha em busca de arranjar uma fortuna. Porque as terras eram muito boas e eu achei que seria ali que eu ia ganhar dinheiro. Mas dinheiro dava, não posso falar que não ganhei dinheiro, só não soube empregar o dinheiro, eu não tinha cabeça boa. A única coisa que fiz foi comprar uma casa em Loanda. (Antônio)

Por que ele saiu corrido de lá [seu pai]. Tinha um tal de Zé Cigano, um pistoleiro, o pistoleiro engordou o olho por cima dele e queria matar ele. Era essas coisas de contrabando de café. Lá baixava helicóptero, baixava avião. Então o véio caiu fora. Meu pai veio de Recife. Quando ele casou com minha mãe, meu pai tinha 27 anos, mas antes de morar na Mutum, ele foi para Mato-Grosso. Meu pai é pernambucano, minha mãe é de Minas, mas os filhos foram todos nascidos e criados na Mutum. Só o mais velho que nasceu em Mato-Grosso.

Ele acertou tudo, veio prá cá e arrumou nóis. Ano que vêm eu faço 40 anos.

Aquela ilha Mutum, já foi muito rico, matou a fome de muita gente que está aqui hoje nesse Porto Rico e de muitos que foram embora para o Pará. Então, ninguém pode falar mal de lá, mas também só tinha a barriga cheia quem trabalhava. (Marcelo)

Sempre moramos nas ilhas perto de Rosana e quando saímos, viemos nas ilhas do Baía [rio]. Naquele tempo eu era criança, tinha uns 9 anos. Meu pai era Sergipano e a mãe era baiana. Antigamente tinha muita gente na ilha, era que nem numa cidade, tinha mais gente do que nessa vila. (Joana)

Nasci no Rio do Antônio, na Bahia. A mulher nasceu em Santo Expedito em Minas. Antes de morar na ilha a gente morava no Baia, no Mato Grosso. A gente pescava, só pesca. Nós viemos pra ilha, tomar conta de um clube de um tal de Maringá. Depois ele vendeu e nós fiquemos com o outro que comprou. Ele quis dar uns terrenos pra nós em Cuiabá, no Mato Grosso. Trabalhei na ilha com ele por um ano, mas não adiantava porque o terreno lá era só para quem tinha gado. Por isso que resolvemos ficar na ilha. (Camilo)

A gente veio de Nossa Senhora das Dores, no Sergipe, a gente queria comprar uma casa pra poder viver. (Teresa)

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Sou de Minas, nasci em Minas Belo Horizonte, saí de lá novo e me criei em São Paulo, em Martinópolis, pra lá de Presidente Prudente, e ela [esposa] também. Antes de morar aqui a gente morava no Pará. A gente já era de Porto Rico, mas não tinha lugar aqui pra gente, então foi quando saiu uma caravana de gente para o Pará, nós fomos junto, isso foi em 1980. Depois voltamos de novo para Porto Rico. Eu fui tomar conta de uma ilha, que era de um fazendeiro de Três Lagoas. Veio a enchente braba e carregou nóis, a casa e tudo, foi nesse tempo que a gente fugiu para o Pará (frente de expansão). Do Pará, a gente voltou para ilha de novo. (Inácio)

A gente vinha do Pernambuco para o Paraná e depois que chegava no Estado, passava a conhecer os outros lugares. No primeiro ano, a gente já tinha uma hortinha. Com o tempo, eu comprei o direito de um. Porque as ilhas sempre foi direito de posse, as terra é da Marinha. Comecei a trabalhar, e alí, fui crescendo. Naquela época tinha muitas facilidades. Quem morava para o lado de cá, no Paraná, geralmente tinha que trabalhar para fazendeiros. Tinha muito trabalho, as lavouras produziam bem, mas era muita pouca gente que tinha acesso às terras.

Inclusive, quando nós entramos lá, ela foi quem fez o recenseamento lá e tinha 490 famílias na ilha Mutum. Hoje, se for contar, se tiver, quando muito, tem 8 ou 10 famílias.

Com toda essa destruição [enchentes causadas por construção das barragens], não tinha condições de continuar vivendo lá. Ninguém mais podia morar nas ilhas. Então começou a sair o comentário que o governo estava dando terras para fulano, para beltrano, para o pessoal que morava nas ilhas. Só que as terras que o governo estava oferecendo era terra que o pessoal não tinha condições de sobreviver. Era no Pará, no Amazonas, Rondônia. (Armando)

A fartura

A fartura é a referência comum que desponta em todo relato coletado. Todos foram unânimes quanto à essa propriedade da ilha Mutum.

Naquele tempo tinha até roça de café. Abacaxi, laranja, banana, café, tudo o que era coisa de lavoura tinha nessa ilha. Era uma lavoura muito grande. Era uma coisa bonita. Até que veio a enchente grande, a primeira enchente grande acabou com tudo. (João)

Antigamente, quando tinha o pai e nós morávamos todos lá... tinha fartura... tinha de tudo, tinha muita banana, tinha milho, tinha muitos mandiocal, batata-doce, cará, então tinha muita fartura. Se você quisesse comer uma carne, tinha. Carne de peixe, carne de porco, você escolhia. (Marcelo)

Antigamente era uma maravilha. Tinha hora que você enjoava de tanto peixe. E agora só tem praia e peixe não fica em lugar raso. (Joana)

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Na ilha Mutum, teve um bananal, quando chegava sexta-feira o pessoal começava a cortar e trazer para a barranca. Enchia carretas e carretas de banana. Além do comércio do peixe, tinha o comércio da banana. Todo mundo tinha bananal, vinha comprador de fora. Chegava apodrecer cachos de banana na barranca, o comprador achava que estava pagando muito o cacho da banana a 0,50 centavos, então não levava. Hoje você não encontra um bananal na ilha. Acabou tudo, todo a produção das ilhas com aquela enchente. E então esse pessoal todo teve que sair. (Armando)

Cultura de subsistência com venda do excedente

Logo no início da ocupação da ilha, os moradores providenciaram a policultura, como dito anteriormente, com a finalidade primeira de atender suas necessidades de subsistência como a mandioca, milho, arroz, feijão, batata, abóbora, banana, cana-de-açúcar, criação de pequenos animais como porco, galinha e gado leiteiro. Em segundo plano, estava a possibilidade incerta da venda do excedente da produção. Para a produção com finalidades exclusivamente comerciais, se destacavam o cultivo de mamona, vassoura e banana, bem como, nos períodos de maior abundância, a pesca também era voltada para o pequeno comércio. Este estilo peculiar de reprodução de vida, se aproxima muito das concepções de diversos autores a respeito do que classificam como “comunidades tradicionais”.

De 15 em 15 dias a gente cortava 300 — 400 cachos de banana. Era como nós vivia lá. No ano que não dava muita enchente, a gente colhia as plantação para vender, mas tudo que plantava era pra gente mesmo comer. O véio só ganhava meio salário, a gente só vivia porque tinha o arroz, o feijão e as plantação. Foi depois que eu me aposentei que a gente parou de ter ajuda dos filhos. Só quando eu preciso dos remédio. (Teresa)

Agora para vender, quando sobrava muito arroz, a gente vendia, porco, galinha, essas coisas, a gente não vendia não, era só para o consumo da gente. Agora arroz, momona! Agora não, mas antigamente o que dava muito dinheiro era a momona, né? Então, momona, arroz, feijão, às vezes o pai separava dois, três sacos de feijão para nós, porque, não sei se você sabe, o povo sergipano é bem puxado para o lado do feijão. Com três sacos de feijão a gente passava o ano. Era o que ele tirava, o resto ele vendia para comprar um calçado, uma roupa, café, açúcar. Banha não comprava, a gente tinha porco, então quando matava um porco, já colocava outro na engorda. Depois que eu fui viver com o meu marido, a gente nunca plantou para vender não. Tinha as galinhas e plantava o milho que dava para elas, momona a gente não mexia com momona. Galinha eu não vendo não, é só para dar o de comê pra gente. Porco também nóis tinha bastante. (Joana)

Numa terra boa daquela, tudo o que você planta você colhe...uma terra boa de plantar arroz, feijão, abóbora, mandioca, melancia. Antigamente, quando tinha o pai e nós morávamos todos lá... tinha fartura... tinha de tudo, tinha muita banana, tinha milho, tinha muitos mandiocal, batata-doce, cará,

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então tinha muita fartura. Se você quisesse comer uma carne, tinha. Carne de peixe, carne de porco, você escolhia. (Marcelo)

A fartura da Ilha Mutum se refletia na cidade

Os entrevistados afirmaram que a ilha Mutum, bem como as outras do rio Paraná não foi uma fonte de vida apenas para seus moradores. As cidades próximas das ilhas como Porto Rico, também se beneficiavam com a prosperidade e fartura dos antigos moradores das ilhas. Havia as casas de arroz, uma dinâmica maior do comércio, bem como um número maior de moradores na cidade

Agora não é mais como antigamente. Toda hora tinha gente passando nesse rio. Era pescador indo para o rio Baía. Na barranca não tinha nem lugar para encostar um barco, e agora não tem nada. Tá aumentando a cidade, tá bom. Já tem a pousada, tem o Termas já tá muito bonito. O Porto Rico eu vou te falar, já foi melhor, prá trás. De tudo.

Tinha uma fábrica de torneira, alí era de comprar cereais. Comprava arroz, algodão, mamona. Era da família do Valter Romão. Agora a família era pouca e acabou, morreu tudo. Só quem existe é o irmão e a irmã, os outros dois e o pai morreram de trombada.

Antigamente você trazia qualquer quilo de qualquer coisa, vendia. Tinha duas máquinas de arroz para limpar. Depois disso, as ilhas foram se acabando, porque o que dava as rendas para o Porto Rico era as ilhas. Tinha duas máquinas de arroz, uma aqui e outra lá perto da margem. Muitos tinham café plantado na ilha naquele tempo. De primeiro era bom. Eles compravam qualquer coisa.

Festa só tinha aqui na cidade, na ilha não. Quem quisesse ir na festa tinha que vim de lá pra cá. A única festa que tinha era a de Nossa Senhora dos Navegantes. (Teresa)

Tinha gente nesse Porto Rico que falava que gente da ilha era vagabunda, não trabalhava, não vendia 10 sacos de arroz, mas eu mesmo cansei de vender feijão, arroz, de tudo, e tinha gente ainda que metia a boca.

Taí a prova. Depois que acabou o movimento das ilhas, Porto Rico acabou, ficou pra trás. Mamona, na época de influência de mamona eu plantei uma mamona medonha nessa ilha. Depois acabou tudo. Agora é morto esse Porto Rico. Viver na ilha não tem um ganho. Mas dá prá viver do que plantar. Na ilha eu ganhei dinheiro com banana, todo mês eu cortava 200, 300 e teve mês que cortei 800 cachos de banana, mas tinha outra desvantagem porque a banana era muito barata. Era muito trabalho para pouco dinheiro. Planta, cuida, corta, carrega.

Teve um homem de Paranavaí que eu enriquei. Ele vinha e comprava a minha banana que era barata e vendia na cidade. Você sabe que trabalhador nunca ganha nada. O trabalhador planta, dá para os outros e os outros é que ganham dinheiro. (Antônio)

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Por que naquela época a ilha era boa demais. Tinha de tudo. Era muita fartura, todo mundo produzia, tinha o peixe, tinha a roça, tudo o que plantava, dava. Essas ilhas foram um fonte grande de renda para o município. O arroz era colhido lá, beneficiado aqui na cidade. Criava galinha, porco, era muito bom. O peixe, a carne, o arroz, a mistura, a gente não comprava. O que se podia produzir lá, a gente produzia. Só comprava o açúcar, roupa, querosene, calçados, essas coisas. Plantava arroz e o que colhia dava para usar o ano todo. Depois disso, vieram aquelas enchentes descontroladas, fora de época, depois que começou a fazer as represas da CESP. (Armando)

Fartura e sofrimento Nos períodos de ausência das inundações, a situação de ilhéu lavrador retornava à normalidade de seu cotidiano, que, se pudesse ser resumido, seriam necessárias apenas duas palavras, muito recorrentes em suas falas, fartura e sofrimento

Entramos na ilha em ’76. As roças eram muito boa, a pescaria também era muito boa. Podia pescar a vontade, tinha peixe para todo mundo. Depois a coisa foi acabando e hoje em dia para comer um peixe você tá danado. Meu vizinho é pescador, tem vez que não tira nem para comer. De primeiro, na ilha era bom. Na ilha, tudo o que eu fazia era meu, a gente só tomava conta da posse, o resto era tudo meu. Mesmo assim, não era muito bom não. A gente só tinha sofrimento com os bichos. Era pernilongo, mutuca, amarelinha, muriçoca, maruin, não podia andar no meio do mato que tinha que ficar se batendo. (Inácio)

Foi uma vida sofrida, uma vida cansativa, mas era uma vida que a gente conseguia fazer para viver. Era uma vida boa porque era uma vida barata. Você plantava e colhia de tudo, tinha o peixe e naquela época podia caçar. (Armando)

Cheguei a ter oferta de trabalho, mas sempre fiquei assim, vivendo toda vida em paz. Não precisei pedir nada pra ninguém não, o rio é um banco. É o mesmo que ter um dinheiro num banco e negociar ele. Mas não vai pensar que é moleza não, quem vai para pescar e pensa que é moleza não é não, é só serviço e sofrimento. (João)

Identidade campesina

Para alguns dos ex-ocupantes da Ilha Mutum, (...), o espaço insular representava, além de refúgio, sua autonomia, sua oportunidade de reproduzir sua condição social de vida, ou seja, preservar sua identidade cultural e social. Para outros, a posse representava, além de autonomia, uma forma de inserir-se no mercado capitalista como pequeno produtor.

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A gente já era acostumado com a roça, desde quando a gente veio do Norte. (Teresa)

Faz 20 anos que estou com ele [marido], nos conhecemos em Porto Rico, eu morava em P. Rico e ele em Porto Caiuá, no Mato Grosso. Eu estava há nove meses sozinha. Toda vida ele era pirangueiro, ele era largado da mulher e eu também era largada do marido, tenho 2 filhos casados desse primeiro marido, e uma menininha moreninha, ele que ajudou a acabar de criar. Depois fiquei grávida dessa menina, depois fiquei grávida desse menino, e estamos juntos até hoje. Eu adorava ficar debaixo de uma lona, tinha vez que dava um vento muito forte, arrancava o barraco e tinha que sair correndo atrás da lona, a minha alegria era aquilo. E, então eu ficava sempre nessa vida com ele, até que não pude mais, fui tendo ela, depois o outro. (Joana)

Toda vida eu trabalhei de roça e na pesca. Eu e meus menino, agora eles cresceram, casou, meu primeiro marido bebia muito. (Conceição)

Rapaz isso foi a coisa mais difícil. Eles queriam era liberdade, eles queriam era viver igual índio. Foi a coisa mais difícil manter esses meninos na escola. Dava trabalho. Já estavam tudo grandinho. A idéia deles não era de aprender, era a da liberdade do mato. Estudaram até 4 anos, 6 anos, chegaram no ginásio e não teve jeito de irem mais para frente, pararam com tudo e foram pescar. Mas teve uns que desistiram antes de chegar no ginásio. (João)

Na ilha era só mato quando a gente chegou. Era só mato, tinha só a casa no meio do mato. Tive de limpar, fazer a roçada, sempre mexi com isso. Os serviços de bóia-fria que eu fazia para os outros eu estava fazendo pra mim.

Peixe, passarinho, capivara, onça. A gente foi criado no meio daquilo, era um divertimento pra nóis. Aqui não tem isso, mas é mais favorável prá nóis. (Inácio)

Aqui no Paraná também foram dadas algumas terras, na região de Castro, mas lá era um lugar frio, uma das regiões mais frias do Paraná, para esse pessoal que vivia à vontade aqui nas ilhas, não servia. (Camilo)

(...) Você chega lá [na ilha], você deita na boca da noite, dorme tranqüilo, fica em paz. Nós estamos aqui mas de vez em quando no fim de semana a gente vai pra lá. A gente que mora aqui na cidade, nesse atropelo de vida, quando chega lá é um alívio, parece que está no céu, só o barulhinho da água já é bom.

Agora, também tem o ponto de vista da garotada mais nova, que quer televisão, quer isso, quer aquilo. No meu tempo a garotada tinha outras coisas para se envolver, independente de televisão, a gente ia pescar, caçar, trabalhar, a noite ligava o rádio, assistia um jornal no rádio. Mas a evolução foi tão grande e aconteceu de uma vez e que no fim vai terminar em nada. A nossa situação do país, está aí. Deu um pulo tão grande para cima que vai

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acabar caindo no mesmo lugar. A geração aumentou bastante num ponto de vista, mas se atrasou em outro. (Armando)

Arrendamento

Uma das formas iniciais de ocupação da Ilha Mutum foi a celebração de contratos de parceria e arrendamento, a partir da década de 1940 até a década de 1970, coincidindo com a primeira etapa de transformações no campo e com a própria ocupação do território.

A gente tinha um patrão que arrendava a terra para plantar. E esse patrão ia para ilhas comprar peixe, e a gente ia junto e começamos a pegar conhecimento com o pessoal. E aí foi quando um homem que morava na óleo crú e veio pra cá, na cidade e perguntou se a gente queria vir pra ilha, o véio disse que se a mulher combinasse, a gente ia pra Mutum, foi quando eu combinei com ele e nós fomos pra ilha.

Por que lá com o patrão a gente pagava 30% do que produzia, só que no primeiro ano, a gente ia pagar 25% do que produzisse. No primeiro ano plantamos arroz, não deu, plantamos feijão, não deu. O tempo estava muito quente.

Depois plantamos mamona, aí a mamona deu. E comecemos a plantar banana, que tinha pouco, plantamos mais

banana, e começou a dar arroz, o feijão, e continuamos juntando na mamona, criamos porco, galinha, com o milho que tinha plantado, a gente tratava dos porco, e as banana foi rendendo também. Só não criamos gado nem cavalo. (Teresa)

E a maioria foi se cansando de trabalhar para fazendeiros, não tinha condição de renda. Foi quando o pessoal começou a entrar nas ilhas. (Armando)

A vida Cotidiana

O ritmo, a intensidade e a regularidade do trabalho eram determinados de acordo com suas necessidades ou pelos ritmos da natureza. Trabalhavam mais ou menos de acordo com cada momento do processo de produção: no preparo do solo, no plantio, na carpina, na colheita. Eles sabiam o que fazer, como fazer e podiam arbitrar livremente. Poderiam, inclusive, optar por não trabalhar, mesmo em épocas de colheita. Vê-se que a síntese para esse tipo diferenciado de reprodução de vida mesmo com níveis de dependência da produção da cidade, é uma existência autônoma e mais livre dos “laços” do trabalho urbano.

Acordava às 7 horas, uns ia na roça, outros ficavam cuidando da casa cuidando dos bichos, uns ia pescar, alguém ficava limpando a casa e fazendo almoço.

Na pesca quem trabalhava era os meninos, eu. Só não gostava de pescar de varinha na beira do rio. Eu gostava de pescar de rastão. Naquele tempo o

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rastão não era feito com barco não. Um pegava numa ponta, nadava um pra um lado e o outro para o outro. Ou se não ia numa bateia pelo fundo, segurando uma rede. De varinha eu não gosto, ficar lá só esperando por quem vem?! (risos). De rede, um vai puxando e o outro vai soltando, a rede vai baixando, por causa do chumbo, um vai, o outro rodeia, aperta o lanço, e pronto, já tem todo o peixe. Mas a varinha só tem que esperar o beliscar.

Uma outra amiga minha, ela gostava do espinhéu, você sabe como é espinhéu? É uma corda cheia de anzol prá ir iscando, soltava lá e só pegava no outro dia. E hoje paremo com tudo isso. Ninguém tem mais barco pra atravessar o rio para o outro lado para ir pescar, a pesca nesse tempo tá fechada. Aqui não tem peixe, peixe pequeno não adianta. (Teresa)

Minha vida era essa. Levantar, tratar dos porcos, das galinhas e depois ia trabalhar na roça. Outra hora tinha que ir buscar uma pessoa, levar na cidade. O trabalho era todo dia e o dia todo, ninguém ficava à toa. A gente carpia, plantava, colhia, o tempo todo. (Antonio)

Naquele tempo era bom demais. A gente passava a vida inteira e não via. Era bom demais, eu pescava durante o dia e à noite saía umas horinhas, armava a rede e no outro dia tinha uns quinhentos quilos de peixe. Lá pelas três horas da tarde, terminava de salgar o peixe. E aí já era hora de ir de novo, fazer outro trabalho daquele. Quando era final de semana, tinha dois mil quilos, três mil quilos, dormia pouquinho. E aí o pessoal buscava, iam lá no baía, buscar. Naquele tempo o véio Gustavo e... como era o nome do outro...? Zé Camargo? É, Zé Camargo!

Gustavão véio vinha com aquele "pam, pam pam" dele, tinha um botão qadradão com dez metros de cumprido e trazia aquela muntueira de charque.

Rapaz, tinha semana que eu fazia três mil quilos. Curimba era praga. Fazia u monte de charque, meu trabalho foi dedicado na pesca, nunca criei nem galinha, nem cachorro. A única coisa que fiz na vida, por derradeiro, foi plantar uma roça de melancia, plantei 140 pé de melancia. Eu trouxe melancia para a cidade e todo mundo comeu melancia docinha. Agora hoje, para fazer o que eu fazia não dá mais não, o peixe tá muito pouco. (João)

[...] Enquanto ele [Camilo] morava na ilha ele não passava perturbação por

nada, ele tinha porco, tinha galinha, roça, arroz. Aí veio para o Porto, vendeu a madeira, trocava, com 2, 3 anos. A mudança da ilha deixa o povo desmotivado. Todos que vieram de lá sofre desse jeito. Lá eles eram em 5, 6 filhos que ajudavam ele. Um tangia galinha, outro botava água para o porco, outro fazia outra coisa. Quando mudou para cá ficou todo mundo na rua, vadio sem ter o que fazer. Pagar aluguel, nem casa ele tinha aqui. Eu conheço ele desde o começo da luta. (João, falando sobre Camilo)

Antes disso [construção das represas], a gente pescava, criava as criação, quando era época de vim enchente, a gente plantava mais no alto, então o prejuízo não era tanto. Depois que conlcluíu a Itaipu, essa água descontrolada acabou com tudo. Essas margens do rio eram repletas, as margens do rio era toda arborizada. Era só encostar um barco debaixo de uma árvore, ficava o dia todo pegando peixe. Com essa enchente grande que

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foi provocada para encher o reservatório de Itaipu, de dois anos, as árvores não resistiu. Foi o que destruiu todos os barrancos. (Armando)

A socialização na ilha

A boa convivência com os moradores parecia ser o traço forte entre os ilhéus. Muitos relataram o socorro e o auxílio nos momentos de necessidade. Ao que parece, todos estavam no mesmo nível social e econômico, todos sabiam das adversidades enfrentadas, igualando-se na forma de produção de vida. A colaboração mútua era também uma forma de superar os desafios de se viver em uma comunidade restrita que precisava se manter com as condições que tinham disponíveis.

Morava muita gente naquela ilha, a gente morava perto da casa do Zé Mineiro, que é casado com minha filha. Ele era solteiro, morava sozinho fazia muitos anos. Tinha o Antonio, o Pernambuco. Era muita gente. Era bom de amizade. (Teresa)

Nunca teve discórdia, era dado com todo mundo, todo mundo era dado com a gente. Se eu precisava eles ajudavam, se eles precisavam eu ajudava. Do tempo que morei ali, todos eram amigos. (Antônio)

Na Mutum, dentre as 400 famílias, a gente se dava bem com todos e todos tinham confiança um no outro. Morador da ilha tem que ser tudo unido, se não tiver união, morre. Mas agora, os poucos que estão lá, já não são mais unidos, está quase igual na cidade. Os moradores que estão lá agora, tem os turistas como salvaguarda. (Marcelo)

Eu me lembro que naquele tempo, a gente ainda era moleque. Saía da escola, daquela escolinha que tinha na ilha. A gente no caminho passava por um tacho de melado, que ia fazer rapadura, passava por lá e sempre a gente ganhava um docinho. Como é bom lembrar daquele tempo. (Dimas)

A única festa que fazia era o baile. Uma ilha fazia, depois era outra, e as pessoas iam conforme ficavam sabendo. A festa de Nossa Senhora dos Navegantes, Não tinha essa festa, ela veio depois. Era diferente, era bom, diferente do que é hoje.

Naquele tempo, a gente saía em 10 pescador. Então a piranha comia a rede e todos ajudavam para arrumar. O primeiro motor foi eu que comprei. Depois que comprei o meu, todo mundo se ajudou para comprar o do outro, e assim fomos fazendo, acabava de comprar um, já começava dar dinheiro para comprar o do outro.

Era um povo honesto, um povo de bem. Você largava uma coisa lá, continuava lá. Todo mundo era gente direita, quando um passava necessidade, todo mundo ajudava. Cansei de carregar gente doente no meu bote. Nós era assim, o povo da ilha era tudo unido. Hoje é diferente, o outro está te espiando na beira, para te empurrar no buraco. Hoje mudou... vixe meu Deus! Se você deixar isto aqui [chave], daqui a meia hora você já não

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acha mais. Não dá mais para confiar, e se confiar, roda. Hoje você não pode mais dormir. Tem que dormir com um olho fechado e outro aberto, que nem meu papagaio, se fechar os dois, o gavião pega. (João)

O saber naturalístico — adaptação aos ciclos da natureza Ao longo de sua coexistência com o ambiente, os ilhéus lavradores aprenderam a conviver com este ambiente particular que se renova em vida e fertilidade durante e após a inundação das ilhas e várzeas. No ano em que havia previsão de enchentes, o plantio era antecipado para que a colheita fosse efetuada antes de sua ocorrência, plantavam as culturas mais sensíveis à inundação nos locais mais altos do terreno e culturas mais adaptadas à água como o arroz, nos terrenos mais baixos. Além disso, as casas também eram construídas nos pontos mais altos do terreno, no que denominavam “terra seca”, a parte produtiva, onde “se plantando, tudo dá”, inclusive o arroz. Já a área que denominam “varjão” é a várzea e somente é aproveitada para o cultivo de arroz.

Às vezes só a família que morava num local mais baixo, tinha que sair. Outros que não tinha pegado o costume com a água ainda, saia. Porque os mais antigos sabiam que a água só chegava até aquele limite e parava, não era o caso de ter que sair. (Armando)

O peixe que subia o rio para desovar, tinha lugar certo para ele desovar. E hoje é limpo. Então o peixe desova em lugar limpo, e os outros peixes comem. Quer dizer então, que não tem jeito de aumentar o peixe. (Camilo)

Naquele tempo, não tinha um remédio, um comprimido de graça. Passei dois anos que não fiz para comprar uma roupa, dia e noite para tratar de dois filhos doentes. A menina comia papel e o menino não andava. A menina só vivia comendo papel amontuada num canto, e o menino gastou 4 anos de idade para andar. Andou sabe com o quê...? Eu fiquei oito meses trabalhando num lugar que não tinha comércio perto, eu dava carne de capivara, jacaré e sucurí para ele. Com oito meses ele comendo gordura de jacaré, capivara e sucuri, ele criou força nas pernas e andou, só comia aquilo.

Pesquisador.: Quem indicou isso como remédio?

Ninguém, eu sei que é remédio então fizemos isso. E então nós vivia desse jeito no mato. Pra você ver, eu tenho 68 anos, e

não tenho uma dor nas junta. Mas é por isso, é porque fomos bem tratado com isso. Mas hoje, não pode nem chegar perto desses bichos, porque se não o povo prende e bota na cadeia, mas antigamente era liberado. (João)

Enchentes

Assim, podemos então enunciar que as enchentes, para esses ilhéus eram os processos anti-naturais, mais intensos e prolongados, desencadeados, segundo eles, pelos barramentos à montante e à jusante. As cheias, eram as inundações periódicas, por eles previstas, que trazia o peixe e a fatura, sem que fossem

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obrigados a deixarem suas casas para se refugiarem no continente. Por sua vez, nem todos os ilhéus reconheciam que eram as barragens, as responsáveis pelas grandes inundações, mas todos reconheceram que as barragens exerceram influências negativas para o rio e para os peixes.

Foi depois das represas que a coisa ficou pior. As represas já tinha água acumulada. Aí vinha mais as águas das chuvas, juntava aquele volume todo de água, então eles tinham que abrir as comportas, aí dava o acesso de água. O que destruiu essas margens do rio, todinho foi as represas.

Aí começou a ser freqüente essas enchentes, todo ano, vinha todo ano. Antes, a cada 4, ou cinco anos, tinha as enchentes. Depois foi constante, as casas ficavam alagadas e a gente era obrigado a sair. Agora está com 3 anos que o rio não está enchendo mais. Para a construção da Itaipu, durante um tempo, as represas de cima, seguraram as águas. De repente, quando terminou a Itaipu lá em baixo, soltaram a água e ficou dois anos cheio. (Armando)

Aí veio a enchente. Fazia 20 anos que não dava. Foi de 59 para 60, a primeira, e deu uma quebra nas coisa. Até que veio aquela grande, a derradeira, aquela que fez subir água aqui em cima. Alagou até onde aquele menino vem.

Matou imbaúva, matou figueira e aquela demorou 2 anos sem baixar. Não estou bem lembrado o ano, o povo desistiu, uns foram para Rondônia, outros para outros lugares. Dava enchente de 10 em 10 anos, agora, depois que fez a barragem acabou, não tem mais enchente, não tem mais nada, o rio aterrou todo, virou terra. (João)

Teve uma enchente em '84, '83, foi a que correu com todos nós de lá. Na ilha antigamente tinha o quê? ... Tinha muita gente... vamos colocar pôr baixo... umas 400 famílias... Agora hoje na Mutum se tiver 20 famílias é muito, eu contei esses dias. Porquê? O governo encheu de barragem.

Então o povo, depois daquela enchente correu prá cá. Voltar prá lá para quê? Acabou a roça, ia ficar comendo lama? Não tinha jeito.

[...] Depois de formada as coisas, os bananal, a enchente vinha com 5, 10

metros de altura, aí o povo pegava a embarcação com mudança, animal e tudo e vinha para a cidade, ficava nas margem do rio. Nós mesmo foi um que ficou assim, e foi por isso que saímos de lá. Aí a mãe já desgostou e não queria voltar, e se ela falou que não vai... não vai, né? (Marcelo)

Muita gente saiu da ilha por causa da enchente. Quando dava enchente, eu saia e voltava depois e formava a roça de novo. Vendi minha posse para uns rapazes de São Paulo que queriam fazer Clube, mas não fizeram até hoje.

[...] Depois que entramos, deu duas enchente grande na ilha. Muita gente

saiu, e eu fiquei, não saí. E então passou um tempo sem dar enchente de novo... só foi ter outra enchente em... 83. (Antônio)

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Saímos da ilha também porque depois das enchentes as terras ficaram muito lavadas, a terra foi ficando ruim, fiquei desgostosa. Os moleques precisavam estudar e lá não tinha estudo. Foi quando o homem da mulher que dava aula lá, foi se embora pra cá, viemos embora para estudar o mais novo. Eles estudavam aqui. (Teresa)

Foi feito muito barulho dos políticos nas épocas da enchente. Então os políticos pediam recurso para Curitiba para os aflagelados das ilhas, mas a gentes só recebia o nome de aflagelado, o recurso mesmo, ninguém nunca viu. Político você sabe como é que é, então eles iam para Curitiba para angariar recurso para os pessoal das ilhas. Só que morava alí, todo mundo era independente e todo mundo trabalhava porque o que plantava, colhia.

A maioria do pessoal mudou, ficaram aqui na cidade, trabalhando no que dava, e a história era que não podia mais voltar para a ilha, e de fato, nas condições que estava, não tinha jeito. Mas era só conversa, aí veio a história também de levar o pessoal para Rondônia, para o Pará. Foi quando as águas começaram a baixar, as ilhas começaram a aparecer de novo, alguns começaram a vender as terras da ilha, porque tinha um boato que o rio nunca mais ia baixar, ia ficar sempre naquele nível. Então foi quando os fazendeiro ia lá e comprava. (Armando)

Enchente, se não fosse a enchente, talvez a gente não tinha saído. Mas quando voltamos do Pará, para a ilha. (Inácio)

Presença do gado na ilha Diante desses conflitos, perdia o ilhéu, perdia a natureza, com o avanço extensivo da agropecuária. Nesse estudo, os entrevistados relatam que os fazendeiros “encheram” a Mutum de gado, prejudicando sua produção material de vida.

Naquele tempo, os bichinhos do mato, quando tinha muito mato, ele vinha dentro da tua casa, hoje não tem... os bichos correu. Mas por que os bichos correu de lá? Foi por causa dos turistas. Os turistas e os fazendeiros entrou na Mutum, tomou de conta. Os fazendeiro pra criar gado.

[...] Se eu planto uma mandioca... Se eu planto uma roça lá... quando a

minha roça tá madura, o gado vai e come. Então quer dizer que não tem como eu fazer fartura. O gado já invadiu muitas vezes e a gente não tem forças com esses homens [fazendeiros]. Você leva na lei, eles têm dinheiro e eu não tenho, a gente perde, eles têm, eles ganham.

Porque é que a nossa cidade aqui perece? Por que é que muitos coitados aqui não tem nada? Os fazenderos tomaram conta, os turistas tomaram conta. Antigamente, essa terra que está aqui do lado, era tudo roça. Plantação, banana, tudo o que você pensava, tinha. (Marcelo)

Hoje em dia, não tem mais jeito dos pobre trabalhar na ilha, os fazendeiro tomou conta. Lá embaixo, tinha uma ilha que ia gente colher café, e era de gente pobre, os café. Hoje não tem uma roça de nada. Na ilha já foi bom. Não pode plantar nada, não pode colher nada.

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Mas se tirasse os gado, dava pra voltar morar lá, agora não tem enchente. Eu só saía de lá quando a água chegava pertinho de casa. Depois que o fazendeiro tomou conta também não dá pra ficar. O gado do fazendeiro invade a roça e você não tem condições de dizer nada. E a gente ficava no prejuízo. Quantas vezes falaram para o Zé Mineiro que ia ver o que o gado estragou, mas nunca foram lá. Arame, a gente não tinha pra colocar. O fazendeiro colocava arame velho pro gado estourar, acabava estourando, foi quando muita gente desistiu. A ilha agora não dá pra morar, por causa dos gado. (Teresa)

Mil cruzeiros, dois mil, inclusive eu tinha uma ilha de 18 alqueires e vendi por mil cruzeiros. Tinha aquela história de que não podia morar mais ninguém lá, e os fazendeiros compraram barato as terras de lá. Foram comprando e jogando o gado lá dentro. Então eles foram manejando o gado. Quando o rio enchia, tirava o gado e botava no pasto, o rio abaixava, o gado voltava para ilha de novo. Até hoje tem gado na ilha que é de fazendeiro. E o pessoal foi se extraviando. São Paulo, Rondônia, inclusive eu fui para o Pará, mas não levei a família, fui só para explorar e vi que lá não tinha condições.

Hoje, você veja bem, as áreas maior das ilhas, está tudo na mão dos que vieram de fora. Tem fazendeiro que tem fazenda do lado de cá e terra na ilha, eles se apoderaram, aproveitaram o desespero da gente que ficava morando nas lonas, com água dentro de casa, dormindo no girau. No momento em que você passa aquilo, você fica desesperado.

E foi o momento que conseguiram por a mão nessas terras. Deixaram o gado lá. Veio uma lei, mas foi só lei de mentira. Foi a mesma história que aconteceu nas enchentes, que é para poder tirar quem ainda ficou lá. O fazendeiro no fim do ano, declara as cinqüenta que ele tem aqui na fazenda, e deixa as 100 que está na ilha sem declarar. É isso o que acontece, o que está lá, para todos os efeitos, não aparece. Ele põe alguém lá na ilha pra olhar.

Os políticos inventaram essa Vila Rural, tem pessoas que moram lá vivem na miséria recebendo uma cesta. (Armando)

Os turistas na ilha

Após a grande enchente de 1982/83, a Ilha Mutum se tornou alvo de um novo tipo de população, além da população de gado dos pecuaristas locais. Os “turistas” moradores casuais de fim de semana, muitos deles, empresários residentes na cidade de Maringá, no norte do Paraná, possuíam casas dotadas de melhor infra-estrutura do que os próprios moradores fixos da ilha. Assim, além do gado que invadia as plantações dos ilhéus, os turistas também são apontados como deflagradores de problemas, por não respeitar e não conhecer a dinâmica local da natureza. Além disso, a ilha não representa para o turista o mesmo que representava para os ilhéus, isto é, seu meio de sustento, seu meio de vida.

... os bichos correu. Mas por que os bichos correu de lá? Foi por causa dos turistas. Os turistas e os fazendeiros entrou na Mutum, tomou de conta. Os fazendeiro pra criar gado. Os turista chega alí e faz o clube. Diz que ele é

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poderoso, mas poderoso é Deus, né? Ele não tem poder, tem o dinheiro. Eu

não tenho. Ele chega, ele toma a minha frente, sabe como é que é, né? Às vezes... por que eu tenho a minha ilha [posse], mas não tenho porto, e aí? Eu não tenho a frente. E já tem um turista lá na frente, ele já desmatou a frente, ele já derrubou a frente, já limpou a frente, agora você acha que vai correr alguma coisa boa alí? Não corre.

O turista é velhaco, ele desmata a barranca sem consentimento da

justiça, faz a casa com menos de 50 metros da beira do rio, ele paga a multa e depois de ter pago, ele ainda manda o caseiro derrubar a mata da frente,

que é lugar onde os peixes ficam. Os turista acabam com tudo.

Agora hoje? Porque que é que hoje ninguém pega o peixinho? Até a

turma da universidade quer fazer uma pesquisa, onde eles vai? Eles tem que

caçá o peixe lá na fazenda ganso, lá no Poitã, arriscado uma onça pegá,

mas porquê a universidade está indo pra queles lados, porquê? Por causa dos turistas. É o turista que está acabando com tudo, entendeu como é que é? Os turistas acabam com tudo. Então o peixe não fica onde não tem mata, ele desce para o lado de guaíra. O peixe quer mato. (Marcelo)

O turista, para mim, ele não me estrova não. Tem muitos que falam isso, aquilo, para mim não me estrova. Tem alguns que falam que é o turista que acaba com o peixe. É nada. É o pessoal de cima. É a barragem. Não tem água para o peixe subir. Aí ele desova em qualquer lugar e os outros comem. (Camilo)

Eu tô falando assim [sobre a expulsão dos moradores ilhéus], sabe, por que eu escuto comentário, falam mal... você pode prestar atenção, está tudo cheio de clubes e clubes de gente grande, tudo nas ilhas. Muita gente de recurso, tem clube nas ilhas, e os pequenos não. (Armando)

Os impactos ambientais percebidos pelos moradores

Os represamentos, não modificam apenas as características fisiográficas, mas também e principalmente, todo um ecossistema adaptado às condições particulares de um ambiente lótico que com os barramentos, se transformam em ambientes lênticos, isto é, de rios com águas correntes, passam a ser grandes lagos artificiais, alterando inclusive a dinâmica da população humana que ali vivia.

O rio acabou, o rio que você está vendo aqui não vale mais nada, só tem uma água correndo. Esse rio tinha um paredão de árvore nativa, era maçã, era ingá branco, tinha de tudo. Tudo alí, nunca foi abalado, aquilo vivia alí. Você chegava era o pacú e a piracanjuva debaixo. Eles ficavam catando aquela comida alí. Depois da barragem acabou, você não vê mais nada. Depois que a barragem subiu, as águas vieram para cima, derrubou as vegetação e ficou só isso daí que você está vendo. E nesse rio passava muito barco grande, eu mesmo vim ni um.

De Guaíra até Porto Epitácio, Jupiá, Três Lagunas, dava para ir a todos os lugares. Mas hoje a embarcação vai até no pé da barragem, eu mesmo vim de barco para cá, vim de navio. Era o Capitão Itoa. Peguei ele em São Paulo

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e desci até aqui. A única vantagem que deu foi para os bandido, porque se acabou a sete queda. Naquele tempo do 7 quedas, tinha a parede que os bandido não subia, agora que acabou todos os bandidos atravessa tranqüilo.

Para o peixe nosso não deu vantagem. Por que existe outra coisa que é pior que sete quedas. É a barragem de baixo. Aquela barragem de baixo está pegando, então o peixe não passa. Então para o pescador foi a pior coisa do mundo. Acabou a sete quedas mas ficou a barragem de baixo. Se você for lá você vai ver um bocado de peixe morrendo. Já ouviu falar naquele peixe, o armau? Esse peixe morre porque ficam trepado um no outro. Eles chegam no pé da barragem e vai empilhando um em cima do outro, e fica pesado, mata os de baixo. Porque todo peixe morre se ficar lá em baixo e não puder se mexer sem conseguir sair. O armau morre assim. Daqui a poucos dias você vai ver ele começar a rodar morto. Porque é o tempo que ele leva para descer. Peixe que era para subir para cá que vem do Paraguay, chega no pé da barragem fica alí, de lá ele não passa. Fica lá até chegar o tempo da desova e eles voltam. A barragem atrapalha os pescador mesmo em tudo. (João)

Agora tem que comprar de tudo, a gente não planta mais na ilha, tem que comprar arroz, feijão, tudo. E hoje na ilha, não está dando nada por causa das pragas, agora tem muita praga lá, e para comprar o veneno, a gente gasta 40, 50 reais. Todo mês tem que estar comprando, 5 litros de veneno não dá para passar em tudo. Antigamente não tinha tanta praga. Não sei o que aconteceu, não sei se é devido às enchente que trouxe muita praga, antigamente muita gente plantava e não tinha essas praga, hoje ninguém planta e tem tanta praga. Foi tudo praguejando, o mato foi fechando e empraguejando. (Joana)

Naquele tempo, o rio era outro. Era outro até pra peixe. Hoje não tem nada. Hoje você se mata pra pegar um peixinho. Naquele tempo você só precisava fazer duas viagens por semana. Hoje, se você ficar dez dias, se você brincar não dá para pagar as despesas. E porquê? É por causa da represa que ficou funda. O rio não enche mais! (Camilo)

Hoje, depois da conclusão de Itaipu, que o rio deu uma parada, é aquela coisinha, hoje sobe, amanhã desce o nível, e acho também que as chuvas se escassearam.

O rio não tem mais jeito. Não tem água suficiente para o peixe desovar, o peixe fica preso lá em cima, o peixe de água corrente, como o dourado, de água forte não sobe mais. E atrás disso aí, veio também a poluição.

Naquele tempo a gente bebia água do rio. A minha família toda foi nascida e criada na Ilha Mutum, eu tenho 10 filhos. Só uma que nasceu em Maringá, quando nós viemos de lá. Todos bebiam água do rio, nem poço nós não tinha, hoje dessa família toda, não gastamos com doença.

Já hoje, eu não te aconselho a ir para a ilha sem levar uma garrafa de água. Está tudo contaminado, depois dessas represas. A desmatação foi cruel. Tinha fruta de toda a espécie, hoje não tem mais nada.

Na ilha todo mundo sobreviveu, até 1983, então falar mal, não tem sentido. A poluição acabou com o peixe também. Hoje, as chuvas se escassearam, e os níveis de água baixaram, o pouco de água que sobrou para manter o rio, não mantém, as represas seguram para gerar energia. Só que forma a energia, e atende a população do lado de cá (continente) e mata uma

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faixa de São Paulo - Paraná. Essa águas não vem, quem acabou com o peixe não foi o pescador, foi falta de água e quando sai da represa, já sai poluída.

Quem acabou com as ilhas foi as represas, não foi o morador não que plantava seu milho, seu feijão, seu arroz. Antigamente quando moravam 490 famílias, o lugar era bem explorado e podia ser bem poluído, e não era, todo o pessoal cuidava do seu porto e de sua barranca. Tinha as árvores de fruta na margem do rio, o peixe comia, você via o peixe pulando, hoje não tem mais nada disso. Nem árvore de fruta não tem. Tinha aquelas moitas de capim que formava beirando o rio, o rio não era assoreado, até aquela semente de capim não existe mais, acabou. E as coisas foram se acabando.

O pessoal da UEM já soltou mais de milhões de alevinos alí. Esse pessoal da UEM trabalha muito aqui. Soltaram um mundo véio de alevino. Até aqueles marcadinhos, só que você não pega um. Solta hoje, desaparece tudo, amanhã já morreu. Então é essa a diferença entre ontem e hoje. (Armando)

Essa represa aí, acabou com tudo, rapaz.... Às vezes eu fico no rio, parado, olhando e lembrando. Naquele tempo eu nunca dizia que ia acontecer uma coisa assim. Outro dia mesmo eu estava pensando como ficou tudo diferente. Você via onça, era bando de porco do mato, anta, veado, até lobo tinha quando a gente mudou alí para o Baía, a gente via andando de bote, não sei o que aconteceu, para onde que eles foram. Às vezes passa nesses filmes esses bichos, essas imagens lindas, eu lembro do Baía quando a gente chegou, era muito bonito. (Camilo)

As barragens, a Invasão de espécies e diminuição do estoque de peixes

Os ex-ilhéus entrevistados, queixam-se de espécies que desapareceram como o pintado, curimba, piracanjuba e outras mais valorizadas comercialmente. No lugar desses peixes, o que predomina agora é o armado e a arraia, espécies sem valor comercial.

Se você for lá você vai ver um bocado de peixe morrendo. Já ouviu falar naquele peixe, o armau? Esse peixe morre porque ficam trepado um no outro. Eles chegam no pé da barragem e vai empilhando um em cima do outro, e fica pesado, mata os de baixo. Porque todo peixe morre se ficar lá em baixo e não puder se mexer sem conseguir sair. O armau morre assim. Daqui a poucos dias você vai ver ele começar a rodar morto. Porque é o tempo que ele leva para descer.

Peixe que era para subir para cá, que vem do Paraguay, chega no pé da barragem fica alí, de lá ele não passa. Fica lá até chegar o tempo da desova e eles voltam.

Ao invés de não ter peixe, tem mais espécie. Naquele tempo não tinha arraia, não armau, não tinha o piau-açú, não tinha nada disso e outras ainda que a gente ainda não viu. Não tinha o cabeça-de-porco, esse polaco, o alemão, não tinha o tucunaré, agora tem. E o povo do ibama estão caçando para matar, para ver se defende os outros peixes, ele acaba com os outros. Então o problema não é esse.

Tem mais espécies do que tinha antes, mas agora tem menos peixe. Tem de tudo, só que ficou muito menos, por causa da barragem. As águas não vai

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mais no mato e o peixe desova acampado no meio do mato. E lá ele fica tranqüilo, quietinho, botando o ovo dele. (Armando)

A turma fala: Será que o jaú que é de toca vai no mato, ele vai do mesmo jeito que os outros. E fica lá quietinha botando o ovo. Quando a desova choca ele volta. Agora não tem mais água no mato para ele fazer o serviço, o meio de vida dele era esse. Hoje ele tem que fazer diferente, se ele achar uma loca de pedra se ele achar ou acampar na areia e botar os ovos dele alí. Os outros comedor chegam, acham eles descobertas e vão comendo o que sai dele. De outubro para novembro, a piranha vira o cão, comendo, come até a cabeça do peixe. Mas é porque chegou o tempo da desova. (João)

O peixe que mais tá dando aí é o armau, o armau e raia. Mas esse armau não é bom pra comer não. O peixe bom você não encontra no rio. Antigamente, há muito tempo atrás, você escolhia o peixe para comer. (Marcelo)

Antigamente tinha o pintado, o barbado, o curimba. Agora é difícil, esses peixes acabaram, agora o que tá dando mais é o armau. Para você pegar tem que ir para o lado do Baía, do Ivinhema, mas lá é perigoso. Lá se pegar, eles não perdoa, leva barco, leva você, lá a pesca é proibida direta. Se você for profissional e eles pegar, você tem que dizer que é amador se não eles tomam a carteira. Já levaram de muitos pirangueiros do Porto. Mas para comer o armau, é a mesma coisa de estar comendo um pintado, só é mais ruim para limpar, porque tem que tirar com alicate. O espinho que ele tem é a mesma coisa do pintado. (Joana)

O peixe do rio, hoje a gente escuta algumas pessoas falarem que foram os pescadores que acabaram com os peixes do rio. Não foi. Quem acabou com o rio e os peixes foram as represas. Esse ano que passou, morreu, por base, uma média de 30 a 40 mil quilos de peixe. Era para se encher carretas e mais carretas de peixe. (Armando)

A APA como interdição do modo de vida

Infelizmente, quanto à população que atualmente vive na APA das Ilhas e Várzeas do rio Paraná, o processo parece estar ocorrendo da mesma forma que em outras Unidades de Conservação, no que diz respeito à inviabilidade de sua presença na área.

Mas na base da plantação, se você derrubar um pé de gamxumba, o florestal se souber, vai lá e te multa, e você não tem condições nem de comer. E não tem condições de plantar sem estar desmatado, como a nossa já estava desmatada antes, três alqueires [no documemto] dá pra plantar. (Dimas)

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Eu rocei um pedaço de terra lá, derrubando “rabo-de-burro”35. Me disseram que o Sr. Carlinhos36 ia lá, e eu esperei. Quando ele veio eu disse: Você quer empatar eu trabalhar? Eu tenho família para tratar, tenho que plantar feijão, mandioca, batata. (Marcelo)

O governo tomou conta, impôs o Meio Ambiente e muitas outras coisas. O Meio Ambiente é duro com o pescador. É a coisa mais difícil, o Meio Ambiente para o pescador. Então nesse lado [fiscalização], tirou a paz do pescador. A tranqüilidade foi embora, não existe mais. Então o pescador tem que se conformar com isso. Porque agora tem o Meio Ambiente que não deixa mais construir casa, e quem tiver lá tem que sair. E para morar na ilha, tem que ter vaca, cavalo, cachorro e porco. Por que se uma pessoa vai morar na ilha e não cria essas coisas, o que é que está fazendo lá? Que venha para cá!

Você sabe... ... a vida do mato é difícil mas é boa. ... hoje não dá mais para ficar ali [ilha Mutum]. ... o Meio Ambiente. ... o Meio Ambiente desacatou o pescador! O

pescador era acostumado na vida do mato, matava capivara e outros bichos para comer. Jacaré, cobra, tudo, chegou o Meio Ambiente e disse que não podia matar mais nada. Tirou a tranqüilidade do cabra que mora lá. Tinha na ilha muito matão bonito e o pessoal chegava e derrubava tudo para plantar, foi assim, tinha madeira da boa. Tinha Peroba, Ipê, Cedro, agora acabou tudo. (João)

Vem gente, faz reunião, tudo para tirar as pessoas, mas não tira não, o gado também continua lá, ninguém conseguiu tirar, no mês passado teve uma reunião, mas não deu nada. Só fazem reunião mas não indenizaram ninguém e muita gente lá pra baixo tem gado na ilha. (Teresa)

Então depois que vendeu a posse da ilha, não dava mais para continuar, não tinha ganho de nada, as terras era da CESP, a Cespe não acertava com os patrão (iindenização), os patrão não acertava com os empregados. A Cespe foi tirando todos os povo de lá. Tivemos que sair com uma mão na frente e outra atrás. (Conceição)

Diz que não é pra ter nada na ilha, então não vai ficar ninguém. Já tiraram muita gente, mas ainda não acertaram [indenização]. Lá tem a minha menina, tem o meu filho que eu deixei lá para pode acertá, deixei eles lá, pra não perdê os direito da terra. De vez em quando eu vou prá lá, hoje mesmo eu estou querendo ir. Mas vou ter que ir de sombrinha, estou com esse olho que fiz a cirurgia em Paranavaí, vou bem de tardezinha. Foi uma inflamação por de trás das vistas. Deve ter sido uma veiinha. Quando a gente foi prá lá, meus filhos era tudo pequeninho. Faz três mêis que eu saí da ilha. (Conceição)

Chegava turista na ilha e perguntava: “onde é que fica a divisa?” Eu mostrava, eles falavam que iam na divisa pra ver capivara, eles falavam “ Nós não mata não, a gente só quer ver onde tem, a gente acha elas bonita”.

35 Espécie de capim, segundo o entrevistado. 36 Fiscal do IBAMA, segundo o entrevistado.

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(risos) E já vi muita onça por lá. A amarelinha era a que mais chegava perto, a preta não vinha não. (Inácio)

Hoje não dá mais [morar na ilha] porque a pesca fecha, tem época que você não pode pescar, e isso é um meio de sobrevivência. Não pode criar gado, não pode ter criação, nem carneiro você não pode criar mais, nem porco, não pode plantar, não pode fazer uma lavoura.

Tem um tipo de organização, de Potreção Meio Ambiente que eu não estou entendendo, o que é que eles querem potreger. Esse pessoal que faz parte da administração do nosso país. Vamos supor, vamos reflorestar, foi o que aconteceu. Depois de reflorestado, soltam uma água lá em cima e acontece o que aconteceu. Foi o nível de água do rio que destruiu tudo. Se a água passa de um certo nível, já é excesso, será que eles não sabem disso? Então as águas foram amolecendo as vegetação. É então isso que eu não consigo entender o Meio Ambiente.

Hoje essa área está impedida, mas tem fazendeiro que não tirou. Se é lei, a lei é para todos. Então é por isso que eu digo para você que hoje em dia, não dá mais para acreditar nesse povo. (Armando)

Reconhecimento da importância da preservação

O pescador era acostumado na vida do mato, matava capivara e outros bichos para comer. Jacaré, cobra, tudo. Chegou o Meio Ambiente e disse que não podia matar mais nada. Tirou a tranqüilidade do cabra que mora lá. Hoje tá bonito de se ver. Os bichos está uma beleza, está igual a uma fazenda de gado. Agora você já vê o veado, a capivara, a onça, a capivara virou chiqueiro de porco. É bonito de se ver. A coisa melhor que foi feita no mundo foi esta. O Meio Ambiente ter tomado conta do mato. (João)

Condições atuais de vida no campo e na cidade Cumpria enfrentar novos desafios. A terra, nesse momento já não lhes era mais acessível. A alimentação que antes dependia do esforço direto dos moradores, passou a depender de uma qualificação para trabalhos com serviços urbanos limitadíssimos para uma cidade de pequeno porte como Porto Rico.

Não foi difícil não, não foi ruim, não estranhemo, porque quando eu vim pra qui, já comecei a trabalhar na roça, colher algodão, café. O que a gente estranha é se está acostumado a trabalhar e se vê obrigado a ficar parado, sem fazer nada. Ficar parada eu não gosto. (Teresa)

E se for trabalhar por dia aqui... para quem trabalha de volante não dá. Uma indústria para o povo ganhar dinheiro, não tem. Agora Porto Rico

é praticamente fazendeiro que mora por aqui, turista que tem casa e vem no final de semana e aposentado que nem eu. (Antonio)

Eles [irmãos] ficaram na ilha porque também não tem outro lugar para ir, aqui em casa não posso colocar todo mundo, também tenho meus filhos, o principal era a mãe, senão, não dá para nem eu nem para eles morarem. Eles

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trabalham por dia, vai pagar aluguel como? E trabalho tá muito difícil. (Filha da Conceição)

O trabalho que não tem. E quando tem é só para os homens. Tem muito bóia-fria que vem de Castelo trabalhar aqui e pra gente não sobra serviço. Eu já fui muitas vezes bóia fria, trabalhei pra esses lados, pra turma do Rocha. Tinha algodão, feijão, quebrar milho, mamona, o que tinha eu fazia. Montava no caminhão de bóia-fria, duas, três horas de manhã e ia embora. Tinha bastante gente, naquele tempo era animado! Mas hoje não. A gente não vivia nessa crise que a gente veve, faz um servicinho aqui, outro alí. Antes o serviço era garantido.

Hoje, você trabalha o dia e ganha doze reais (R$ 12,00), o dia, mas em compensação, você fica duas semanas sem nada. Ah, se eu ganhasse isso todo dia esse dinheiro, eu já tinha saído da Mutum fazia tempo. (Joana)

De primeiro, a gente colhia também muito café, algodão, feijão. Acabou isso, acabou o serviço. O único trabalho que tinha aqui era pescar ou trabalhar de bóia-fria. Agora o serviço de bóia fria é meio duro, a pesca fechou faz dois meses e pouco. Eu tô parado esse tempo todo, não acho serviço para fazer, pescar, não pode, e se for teimar pesca, eu já não tenho nada, o resto que tem o Ibama vai levar embora. Quando abrir a pesca, não vai ter nada, acaba os peixes. (Camilo)

Identidade modificada — a ilha como local de passeio Para esses moradores, diante da necessidade de morar no continente, o ideal seria poder trabalhar naquilo que sabiam fazer, ou ainda, terem postos de trabalho no meio urbano e um pedaço de terra, onde poderiam continuar exercendo uma parte de sua autonomia para auto-subsistência e utilizar o dinheiro ganho no trabalho com outras necessidades.

Ah, eu não voltava não. Talvez passar uma semana lá, e voltar depois, tendo a casa aqui. Acho que agora eu não volto pra lá mais não. Esses dias a gente estava conversando isso e eu disse que não volto mais não. O véio queria, mas a gente não tem mais barco, o véio não tem mais força pra manejar um barco. (Teresa)

Nem pagando eu volto prá lá de novo. Se for viver da lavoura, não dá mais. O florestal tomou conta. Mas se pudesse ter trator, pudesse ter uns quatro, cinco burros e fosse liberal, e tivesse jeito da gente se movimentar, começar fazer as plantações de volta, mas a terra já não tá mais ajudando, porque as enchente levaram embora o poder da terra, não tem mais vitamina. (Dimas)

Na ilha eu não tinha minhas traia de cozinha, não tinha minhas coisinhas. Não tinha um fogão bom, não tinha uma geladeira, não tinha uma casa boa, não tinha uma cama boa pra dormir. E também nem adiantava, porque podia vir enchente. Então não posso dizer que na ilha eu tinha coisa boa, toda vida que eu morei lá nunca tive nada de bom, só a saúde. Se tivesse

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coisas boas lá, se melhorasse, eu voltava, sempre fui criada no mato mesmo, nunca fui de cidade. Eu sou assim, prefiro mais o mato do que a cidade.

Se eu tivesse uma vida boa lá na ilha eu não tinha vindo morar aqui. Vim por causa dos filhos pra ter condição de estudo, de saúde. Nas ilha não tem água encanada não tem luz, a água tem que ser do rio. Se lá tivesse uma casa bem confortável, sem um inseto, eu não me incomodava de voltar pra lá. Aqui eu abro a janela e não tem um mosquito que me provoca. (Joana)

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O que tem na ilha, tem na cidade? Diante das dificuldades e dos impedimentos à permanência da população de moradores da Ilha Mutum, a maioria não viu outra alternativa senão mudar-se para o continente. Dentre as conseqüências dessa mudança de um ambiente insular para o continente, outras mudanças também se impuseram sobre seus hábitos e valores sócio-culturais.

Lá eu andava a vontade, andava pelo mato, criava um porco, criava uma galinha. Trabalhar na roça eu não posso mais, há dez anos que tenho o velho doente. Agora só dentro de casa. Eu sinto falta sim de uma galinha, um animalzinho, um porco. Sinto falta. Lá eu tinha galinha e ovo pra vender aqui no Porto Rico. Trazia bastante frango, hoje em dia não tenho nada disso. Na roça a gente tinha mais movimento de trabalho, ficava ocupado cuidando das coisas. Agora para não ficar parada eu faço colcha de retalho. (Teresa)

Eu acho que era gostoso [na ilha]. Até hoje, eu não vejo a hora de ir para ilha. Lá é muito sossegado, tem dia que eu não vejo a hora de ir para a ilha. Na época a renda era melhor, ganhava do patrão, ganhava dos peixes, e ainda tinha a comida lá que a gente plantava. Durante as enchentes eles vinham para Porto Rico. A água pegava na casa. Ficava até três meses aqui. E depois voltava de novo para ilha. Na enchentona ficamos 6 meses fora. Voltava porque não tinha como ficar debaixo de barraco. Lá a gente era livre. Soltava as galinhas, eu ficava toda alegre. As galinhas ficavam presa, se soltasse, a turma roubava. (Conceição)

Não era bem bom não [viver na ilha], mas também não era muito ruim, podia criar um frango um porco pra comer, então é bem melhor que aqui por que aqui a gente não pode criar nada, todas as coisas de plantar você podia plantar, mandioca, milho... Era bom, mas também não era bom demais não. (Camilo)

Se a pessoa tiver o arroz, feijão, carne, ovos, galinha, não paga aluguel, não paga luz, ele vive muito melhor do que um que ganha salário mínimo. Pagando as contas e para comprar comida com salário mínimo, o que é que sobra? Ele vive muito pior aqui na cidade do que morando na ilha. (Armando)

O que tem na cidade, tem na ilha ? Um novo ritmo de vida, diferente do anterior que era ditado pelos ciclos da natureza, se fez necessário. Todo um arcabouço tradicional de conhecimentos naturalísticos adquiridos ao longo de suas existências, agora não tinha muita utilidade diante da escassez de empregos e serviços remunerados que fossem vinculados a esses saberes.

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É sobre doença. Aqui tem assistência. Na ilha se amanhecer um dia de vento, ninguém entra numa maré braba prá passar para o lado de cá. A vantagem é essa. Mas aqui não dá mais pra ter criação. Na ilha agora tão falando que não dá pra criar mais nada. (Teresa)

Aqui é mais fácil, porque as vezes uma criança fica doente a gente também. E lá na ilha, quando foi pra mulher ganhar esse tal de Ricardo [filho] eu sai de baixo de chuva no vento . O batelão não prestava, ficava fazendo água eu vim buscar ...busca a mulher pra atender ela lá no rio, a gente tinha que ir andando e tirando água. (Camilo)

Aqui é tudo comprado. Lá não pode criar, não pode plantar nossas coisas, né? Aqui não tem, tudo é comprado. Lá tinha laranja, banana, limão galego, limão rosa, tem peixe, manga. Aqui na cidade tem que comprar tudo para poder comer. Se eu fosse aposentada, e tivesse um dinheiro para receber todo mês eu ia morar na ilha. Criava uma galinha, um porco, plantava as coisa, com fartura. Se quisesse comê um frango era só pegá no terrero, não precisava compar.

Se lá tivesse condição de renda, lá seria melhor. Aqui melhorou porque lá a gente não tava ganhando, aqui ele [marido],

tá trabalhando então no final de semana tem um dinheirinho. Lá não tinha, quando acabava, acabou. Não tinha patrão, não tinha salário, não tinha nada. (Conceição)

O que não melhorou é que agora tem duas despesas, aqui a gente paga 20 reais na casa, a prestação, mais água e mais luz, e esse dinheiro tem que tirar de lá. Se tivesse serviço aqui na cidade, só eu conseguia tirar as despesas da água, comida, da luz e da casa, mas não tem. Olha só esse homem (vizinho) já chegou, não tem mais serviço, o serviço que ele foi, acabou. E na hora que arruma [trabalho] é só para os homens, agora, Bonito, eu trabalhar no meio de 10, 12 homens? A gente se sente envergonhada, sozinha. Às vezes, alguém pode falar, mesmo que você não esteja fazendo nada: Olha lá a mulher do Sr. Fulano, enquanto ele está na ilha, ela fica no meio dos homens.

Na ilha não tinha despesa de água, nem luz e nem aluguel, por isso que eu falo que melhorou em um ponto e piorou em outro. Mas eu prefiro estar aqui por que é uma coisa que tem futuro, se um dia eu morrer, isso vai ficar pros filhos, mas se estivesse na ilha, não precisa pagar as despesas e ainda assim, a gente acaba gastando com outras coisas, aqui a gente paga mas tem futuro.

Agora aqui é meu, eu estou pagando, é meu. Se o patrão manda embora, eu tenho para onde ir, não vou ficar embaixo dos paus. Por isso que eu falo, que muita coisa melhorou, mas muita coisa piorou também. Mas podia estar melhor, veja só, aqui mesmo, em frente de casa, do outro lado da rua tem serviço, mas o homem não paga prá nós, paga para o trator, o trator vem aqui com a colheitadeira, passa e já quebra o milho, debulha, não sobra serviço, se pagassem para gente fazer esse trabalho, não ia faltar trabalho pra nós. (Joana)

Eu estranhei muito quando eu soube que a água era paga. Estranhei porque se usasse a água da torneira ou do chuveiro, tinha que pagar, eu não

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achei bom não. Até nisso, a gente achava diferente. Outra coisa ruim também era pagar aluguel. Na ilha não precisava, a gente fazia uma casinha de sapé, de madeira. Então você vê que era um outro mundo.

Só tem uma vantagem: A saúde. O governo tomou conta, impôs o Meio Ambiente e muitas outras coisas. O Meio Ambiente é duro com o pescador. É a coisa mais difícil, o Meio Ambiente para o pescador. Mas no atendimento à saúde, melhorou muito. Então nesse lado [fiscalização], tirou a paz do pescador. A tranquilidade foi embora, não existe mais. Só que tem esses outros meios de vida. Então o pescador tem que se conformar com isso. Só que se um filho seu caiu, quebrou o braço, atendimento tem. Febre, o doutor aplica um injeção e tá tudo bem. Então não tá ruim não. (João)

Depois que eu saí da Ilha, a minha vida não mudou. Se você me perguntar se minha vida melhorou depois que eu vim para Porto Rico, eu não tive melhoria nenhuma. Eu gosto mesmo é de ir para ilha quando tenho tempo, vou pra lá e fico lá a semana inteira sossegado. Eu trabalho, hoje eu estou aposentado. Um tremendo de um salário mínimo.

Mas, aqui eu não tenho nada para fazer. Tudo o que eu tenho é essa casa. Se eu fico aqui 30 dias, é trinta dias sem fazer nada. Então eu acho que não mudou. Hoje nós temos a energia, mas só se tiver dinheiro, se não tiver, a Copel vem e corta a enrgia e com a água, é a mesma coisa. Então por que eu vou dizer que mudou? Muita gente que saiu por último da Mutum foram morar na Vila Rural. Tem 26 ou 27 famílias morando na Vila Rural. Mas eles tem que pagar uma taxa mínima, mais água e mais luz e não tem emprego. O que produz lá não dá, é só uma quarta de terra. Então pra que é que serve isso?

É só para segurar o eleitor, porque se sair do município, a cidade acaba e não vai ter ninguém para votar neles. Por que senão, o cara vai sair para procurar recurso. (Armando)

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Considerações finais Como vimos, as mudanças sócio-econômico-culturais ocorridas com a população considerada da ilha Mutum, no período de 1970 a 2000, expulsaram esse contingente populacional para o continente, alterando seus valores, seu modo de produção e reprodução de vida e sua identidade cultural. Atualmente, os que conseguiram se fixar na cidade com uma fonte de renda, consideram a ilha, seu antigo lar, um entretenimento, isto é, vêem seu antigo meio de vida de forma muito semelhante ao posicionamento de um turista. O Sr. Inácio expressa bem essa concepção atual em sua fala: “Peixe, passarinho,

capivara, onça. A gente foi criado no meio daquilo, era um divertimento pra

nóis. Aqui não tem isso, mas é mais favorável prá nóis.” A população que saiu da Ilha Mutum incorporou a vinda para o continente como uma vantagem. Mesmo ganhando muito pouco, mesmo não podendo reproduzir suas práticas tradicionais de existência, mesmo sem a posse da terra que reafirma sua autonomia e lugar no mundo, mesmo sem o peixe. As comodidades da vida moderna com os aparelhos eletrodomésticos, energia elétrica, serviços sanitários, atendimento da saúde pública, são mais atrativas do que a vida independente, baseada nas práticas tradicionais. Um dos entrevistados, após refletir sobre a questão da preferência do local de moradia (na ilha ou na cidade, caso fosse possível retornar), considerou: “...acho que se a gente não soubesse

como era viver na cidade, a gente ia querer voltar a morar lá, entende? Lá não

era assim tão ruim, tinha as amolação, mas aqui, as coisas é mais fácil, quer

dizer, dá menos trabalho.” Este discurso nos fornece os indícios de que a exemplo do que ocorreu com a população indígena, a identidade original de população tradicional já não existe mais na população de ex-ilhéus contemplada em nossa pesquisa, principalmente entre os mais velhos que guardam um profundo conhecimento do ambiente em que vive. Parte desse etnoconhecimento está sendo perdido no processo das “mudanças sociais” com a chegada do “eco-turismo” e da especulação imobiliária, como já mencionamos anteriormente. No entanto, é provável que entre as poucas pessoas que ainda não cederam às pressões para saírem da ilha, ainda existam indivíduos que preservaram sua condição cultural camponesa. Seria então, necessário, um outro estudo para identificar a existência deste caráter identitário entre a população remanescente da Ilha. Atualmente, com o crescente avanço das condições impeditivas à presença de comunidades humanas em Unidades de Conservação em nosso país, em pouco tempo, não teremos mais uma população em condição cultural compatível com os objetivos das áreas protegidas. O que torna uma identidade forte, distinta, coesa é a capacidade humana de produzir. Enquanto o homem produz conhecimento, cultura e trabalho, está

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exercitando sua identidade, dando sentido e significado particularizado à sua existência, promovendo vínculos sociais mais saudáveis com sua época e localidade. Sem a possibilidade de exercer o contato mais íntimo com o cultivo da terra e com a produção pesqueira pré barramentos, sua identidade original aos poucos se esmaece. Vale lembrar que apesar da planície amazônica ter sido ocupada por longo tempo pelas populações nativas, estas trouxeram poucos problemas ao ambiente. Alguns pesquisadores estimam que naquela época a planície chegou a possuir uma população em torno de 1 milhão de habitantes (GOULDING, 1995). Situação bem diferente para os impactos causados pelas grandes obras de engenharia. Entendemos que, a presença humana em unidades de conservação, auxilia a preservação do ecossistema a ser protegido, entretanto, é preciso que as aspirações da população que habita o local tenham compatibilidade com os objetivos de manutenção do local. Cabe salientar que as aspirações advêm de um determinado perfil cultural. Deste modo, residir em um ambiente com pouca intervenção humana, como no caso da Ilha Mutum, requerirá uma identidade cultural de população tradicional, identidade esta, que entre os ex-moradores da ilha, foi mesclada com a identidade urbana. Se de forma objetiva esses moradores não conseguem expressar o desejo de retorno à ilha, de forma subjetiva, essa expressão foi possível através das imagens fotográficas que realizaram. Os motivos fotografados remetem à três categorias bastante nítidas. A dimensão individual, mais intimista, recolhida, expressa nas fotografias do interior de suas casas, com seus eletrodomésticos e seu cotidiano doméstico dentro da casa. A dimensão coletiva, mais social e comunitária, marcada pela ausência das práticas culturais, religiosas e públicas, sugerindo o sentimento do pesar da falta das atividades coletivas que antes se manifestava nas ilhas através das práticas religiosas, das festas e bailes, da ajuda mútua, da boa vizinhança em dividir as provisões excedentes, e dos mutirões em épocas de colheita. As fotografias para este tema, são do calçadão em momentos de pouco movimento, ruas com pouco trânsito, o santuário de sua santa protetora que atualmente não é mais comemorada da forma tradicional a contento da população e o salão onde antes eram realizados os bailes da cidade, atualmente desativado. Segundo seus relatos, a “última” festa de Nossa Senhora dos Navegantes foi comemorada no ano de 2000. Atualmente, a festa parece estar mais vinculada à exploração econômica, denotando um afrouxamento de seus vínculos com suas origens culturais e religiosos. E, por fim, a dimensão ambiental, expressa nas fotografias panorâmicas e de “close-up” a motivos naturais como o rio, plantas no quintal e árvores das ruas. É interessante notar que essa dimensão natural é concebida como uma natureza “humanizada”, domesticada, pela vida urbana. O rio é rio enquanto nele for

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possível navegar, pois o peixe, para eles é mais fácil ser encontrado no mercado. Assim, nas fotografias do rio, os barcos aparecem em primeiro plano.

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Figura 6: Dimensão Individual Figura 7: Dimensão Coletiva

Figura 8: Dimensão ambiental

Deste modo, suas falas não indicam o desejo de retornar à condição tradicional, mas as fotografias, que de acordo com Collier (1973), podem expressar conteúdos que os níveis racionais e objetivos não permitem revelar, indicam o desejo,

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não do retorno à condição tradicional, mas sim o desejo de continuidade das práticas tradicionais. Este posicionamento não ficou demonstrado de maneira clara em seu discurso, possivelmente pela instituição do mecanismo da negação da fala, de que cita Oliveira (1999). Ademais, isso demonstra também que a identidade cultural continua a mesma, alterada com a adição da identidade urbana, fazendo surgir o desejo implícito de serem cidadãos do meio urbano com práticas sócio-culturais tradicionais. Objetivamente e apesar das dificuldades enfrentadas com o rio, é por meio da pesca que essa população procura manter algum tipo de vínculo com a sua identidade cultural. Embora precária, a pesca constitui ainda, uma válvula de escape para os que não conseguiram nenhuma colocação profissional. Deste modo, se fazem necessárias ações mais enfáticas no sentido de preservar e renovar os estoques pesqueiros do rio, principalmente com as espécies nativas que tinham valoração comercial. A população humana vinculada ao sistema de planície de inundação do alto rio Paraná, a exemplo do meio físico e biótico, também apresenta grande dependência social econômica e cultural da periodicidade, intensidade e duração do regime de cheias daquela Bacia. A representação do “antigamente”, freqüentemente presente em seus discursos, fornece uma imagem de “mais vida própria”, de maior “fartura de peixe” (embora não de dinheiro), de uma maior disciplina e obediência durante as atividades da pescaria, de regularidade maior de condições ecológicas, meteorológicas e fluviais (que implicam maiores chances de previsibilidade), de festas mais freqüentes, ocasionando vinculações mais estreitas grupos vizinhos e também uma identidade mais viva do grupo. Outra constatação que fizemos, foi o fato de apesar de estarem cientes das dificuldades enfrentadas atualmente e quais os agentes responsáveis por esses problemas, a população da cidade e dos ex-ilhéus, não parece ter tomado um engajamento no sentido da resolução desses problemas. O discurso mais politizado que encontramos por parte dos moradores entrevistados, foi a entrevista com um morador que não se enquadrava no tipo amostral da pesquisa. Este denunciou dissensos administrativos municipais. Em acréscimo, também não falou de nenhuma forma de organização dos moradores, à exemplo do que aconteceu com os moradores residentes em outra Unidade de Conservação pertencente à mesma Bacia Hidrográfica próxima, a de Ilha Grande (TOMMASINO, 1985), nem mesmo através da Colônia de Pescadores de Porto Rico. Aos pobres, resta a ocupação de áreas marginais, até pouco tempo, sem valor para o mercado financeiro, e por motivos diferentes dos da clientela-alvo dos anúncios de condomínios fechados que oferecem “A mais perfeita integração entre pesca, lazer, conforto e segurança.” Nem todos os despossuídos se identificam com o “mato”, o homem se identifica com a sua época e com o seu

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lugar. Se o lugar e a época lhe são negados, a vida precisa continuar a fluir, em outra época (tradicional), em outro lugar (refúgios naturais) onde possam dar manutenção à sua subsistência. A agenda 21 discute a erradicação da pobreza, concluindo que a pobreza exerce pressão sobre o ambiente. Entretanto, basta analisar a dimensão do impacto que uma grande obra de engenharia pode trazer ao ambiente contra o impacto que uma pequena comunidade de subsistência faz. A questão não parece ser destruir ou não destruir o ambiente, trata-se de quem pode ter o direito de destruir. Quem degrada mais, paga mais. Talvez os pobres não possam indenizar a degradação que causam, mas mesmo podendo, os ricos não pagam. Recorrem à “justiça”, bonachona com o poder, demora tanto a pronunciar a sentença que nem pronuncia e quando o faz, o som da voz é completamente inaudível, para ouvidos já moucos. A pobreza causa pressão, mas a riqueza a motiva em dobro. Primeiro pelo ritmo exploratório gananciosamente indiscriminado, o objetivo não é a produção de bens para uso da coletividade, mas o insano e desumano lucro. Em segundo lugar, peca por não distribuir satisfatoriamente o resultado social dos bens produzidos. A consideração dessas questões pressupõe o reconhecimento de que a adequação do uso do solo, da água e dos demais recursos naturais ao novo padrão, por parte dos diversos segmentos produtores, é diferenciada em função da disponibilidade de recursos materiais e técnicos para o desenvolvimento de suas atividades produtivas. É fundamental, então, que a concepção de processo de gestão da APA não se restrinja apenas às atividades de fiscalização e pesquisa científica. Este processo deve envolver necessariamente a definição, a partir do zoneamento, de um plano de desenvolvimento para a APA que objetive a viabilização de atividades produtivas compatíveis com a manutenção da dinâmica ecológica e que resultem em melhores condições de vida para a população aí residente. Isso implica instaurar e integrar um processo de trabalho conjunto das diversas instituições (de pesquisa, extensão rural, educação, saúde, etc.), de modo a viabilizar alternativas que garantam a reprodução social dos pequenos produtores e pescadores artesanais. Evidenciou-se que a região do extremo noroeste do estado do Paraná, embora não apresente o dinamismo econômico de outras regiões, não ficou imune às transformações que marcaram a economia paranaense. Nas três últimas décadas foi intensa a apropriação de terras por grandes grupos empresariais, fato que não só configurou um novo quadro fundiário, fortemente concentrado, como também delineou uma nova relação, fundamentando a apropriação da terra e a exploração de seus recursos naturais. Ou seja, a situação de predominância, até o início dos anos 70, da produção familiar de subsistência e extrativismo florestal foi alterada num contexto marcado pela presença de novos grupos sociais e econômicos.

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Embora esses empreendimentos se caracterizem na atualidade por um baixo grau de exploração, a sua presença na área aponta para uma estratégia de valorização da terra a médio e longo prazo, que poderá resultar em maiores pressões sobre o contingente de produtores familiares que aí se mantêm e ainda, em alguns casos, redundar em significativo impacto sobre o ambiente. Alguns desdobramentos dessa estratégia podem ser vislumbrados: o interesse na exploração de recursos extrativistas (ginseng), e outros — neste caso com demanda por matéria-prima energética; a ocupação da área de planície com pecuária e agricultura; o incremento do mercado imobiliário através de loteamentos na área rural — com pequenas chácaras — e na área urbana, e a expansão de atividades turísticas. Entendemos que a implantação de uma Área de Proteção Ambiental se configura como uma experiência singular, no sentido de preconizar formas e limites de uso de um dado território. São criados mecanismos de indução — fomento público e mesmo privado — que podem garantir a permanência dos grupos sociais que já ocupam o território. A partir do planejamento e da gestão da APA, já é possível vislumbrar a conciliação entre o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida das populações locais, compatibilizando as atividades produtivas com as peculiaridades do meio rural, respeitando a manutenção dos processos ecológicos essenciais à preservação da diversidade genética e à utilização sustentada das espécies e ecossistemas. Dessa forma, e tendo em vista a ausência de gestão para a APA das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, as recomendações que se seguem têm como preocupação principal a melhoria das condições de vida da população residente na área e envolvem:

◊ A disseminação e divulgação de tecnologias diferenciadas e

apropriadas para a gestão e o desenvolvimento de sistemas complexos;

◊ O resgate dos conhecimentos acumulados pela população daquele

espaço, visando recuperá-los e integrá-los ao processo de gestão;

◊ O desenvolvimento de programas educativos junto à população local,

que reiterem a importância de se manterem processos físicos e

biológicos característicos de uma área como a APA, de modo a

propiciar o uso sustentado de seus recursos e garantir a sobrevivência

da população no local.

No que se refere à pesquisa, há necessidade de dar continuidade ao desenvolvimento do conhecimento científico sobre esse distinto ecossistema.

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Este conhecimento deverá reverter em suporte para o desenvolvimento sustentado da região. Nesse sentido, faz-se necessário:

a) fomentar os estudos ictiológicos que permitam garantir a manutenção

da atividade pesqueira, principalmente com as espécies nativas da

região;

b) permitir o avanço dos estudos para o desenvolvimento da aquicultura,

seus possíveis impactos sobre o meio, disponibilidade de tecnologias e

adequação dessa prática enquanto atividade alternativa aos pescadores

artesanais e população de ilhéus e ribeirinhos;

c) identificar técnicas de conservação do pescado, que permitam a

formação de estoques comunitários para comercialização na

entressafra, e as alternativas de aproveitamento de espécies existentes

no local;

d) elaborar levantamentos das atividades artesanais desenvolvidas pela

população, com vistas ao resgate desta atividade cultural como forma

de geração alternativa de renda;

e) ampliar pesquisas sobre espécies florestais com valor comercial,

adaptabilidade ambiental e passíveis de reflorestamento em pequena

escala; bem como de espécies frutíferas que se configurem como

opção de reflorestamento de encostas onde atualmente são

desenvolvidas outras atividades;

f) desenvolvimento de tecnologias apropriadas ao local, como por

exemplo, o manejo adequado do solo;

g) viabilizar estudos que recuperem as formas de organização social

existentes entre os distintos grupos sociais, compatibilizando-as aos

objetivos do desenvolvimento sustentado e também de incentivo à

manutenção de características sócio-culturais definidoras do modo de

vida das populações locais

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h) implementar e / ou reativar entrepostos para recepção e

armazenamento de pescado nas comunidades de pescadores, através da

expansão da área de atuação da colônia de pescadores;

Especificamente para a população que ainda reside nas ilhas, seria recomendado:

a) disponibilizar miniposto para atendimentos de saúde e manter estoque

de medicamentos;

b) contratar recursos humanos qualificados, principalmente médicos e

dentistas, que realizem visitas programadas às comunidades locais;

c) dotar a defesa civil para atendimentos de emergência;

d) implementar microssistemas de abastecimento de água, através da

construção de reservatório e tubulação para um ou mais pontos

comuns;

e) buscar formas apropriadas às condições da sede municipal para a

destinação final dos dejetos.

No que se refere ao desenvolvimento do turismo para a região, é necessário planejar e desenvolver ações que visem minimizar os impactos oriundos dessa exploração econômica. Daí a necessidade urgente de:

a) Elaborar um Plano Diretor para a sede do município, regulando o uso

dessa área;

b) Definir um Plano Turístico para a APA considerada, que oriente a

distribuição e localização dos equipamentos e infra-estrutura

necessários, de forma a adequá-los às características ambientais e

minimizar ou evitar a degradação ambiental.

Serão necessárias a adoção de novas estratégias para o gerenciamento da região, como as acima mencionadas, para alterar o problemático quadro sócio-cultural que encontramos no município, durante a elaboração deste trabalho, em vista do dinamismo relatado de antigamente. Para os moradores remanescentes da Ilha Mutum que hoje habitam Porto Rico, todas as fontes secaram, restando apenas se conformar com as minguadas condições de vida na cidade, que, mesmo precárias, são melhores do que a vida na ilha. Se nem na cidade e nem na ilha existem boas condições de vida, na

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cidade, existem as vantagens mais básicas, entre elas, a maior de todas, a assistência da saúde pública. O salário da aposentadoria é o que permite a precária manutenção das necessidades básicas de vida, inclusive a alimentação. Alimentos que sempre por eles foram produzidos, agora precisam ser comprados, pagando-se valores que extrapolam em muitas vezes, o valor da produção que todos eles bem conhecem. Sua moradia agora é na cidade, onde de qualquer ponto, é possível ver extensas terras continentais e insulares, para eles intocáveis, como que banidos, exilados, sonham, um dia ter um pedaço de terra para plantarem a si mesmos e tentar, mesmo que tardiamente, fixar as raízes de sua existência no mundo.

“Vem ver minha lavourinha como está.” (Seu Inácio, morador da Vila Rural, ao final da entrevista, 2001)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ. UEM/NUPELIA/PELD. Economia, políticas públicas e qualidade de vida - Relatório anual do projeto. Maringá, 2000.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ. UEM/NUPELIA/PELD. Indicadores, hábitos e necessidades de saúde - Relatório anual do projeto. Maringá, 2000.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ. UEM/NUPELIA/PELD. Representações Sociais - Relatório anual do projeto. Maringá, 2000.

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ZANONI, M. M., WALFLOR, M. M. e ROUGEULLE, Marie. D. Novas modalidades de pesquisa, ensino, extensão: o programa de desenvolvimento sustentável de Guaraqueçaba (Paraná, Brasil): a Universidade e a demanda social das comunidades (1995). In.: ROSA, M. C. Conservação da natureza, políticas públicas e reordenamento do espaço: contribuição ao estudo das políticas ambientais no Paraná. São Paulo, 2000. 315 f. Tese (Doutorado em Geografia) USP - FFLCH, 2000.

Page 179: Ilhados em Porto Rico - Do Éden Pessoal ao Dilúvio Social

168

Perfil d

os entrev

istados - A

NEXO - 1

Categ

orias

Mar

celo

João

Antônio

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Joan

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Page 180: Ilhados em Porto Rico - Do Éden Pessoal ao Dilúvio Social

169

Código de campo alterado

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hum

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educ

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dos

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orar

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cond

içõe

s de

so

brev

ivên

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Sim

N

ão

Não

N

ão

Sim

Ela

não

, ele

sim

Sim

Page 181: Ilhados em Porto Rico - Do Éden Pessoal ao Dilúvio Social

170 Código de campo alterado

Perfil dos entrevistados - ANEXO - 1 (cont.) Categorias Conceição Inácio Armando Idade (anos) 50 66 62 Estado Civil Amigada Casado Casado Naturalidade Nova Esperança Belo Horizonte Trindade - PE Profissão Lavradora Lavrador Pescador Nº de filhos 8 Não tem 10 Todas as atividades profissionais exercidas

Pescadora e lavradora, caseiro

Carvoeiro, lavrador, volante, campeiro,

caseiro Pescador, lavrador

Carteira assinada Não Não Não

Ocupação atual Diarista /

desempregada Aposentado Aposentado

Tempo total de perman. em ilhas

25 anos 22 anos 18 anos

Tempo de moradia no continente

3 meses 1 ano e 2 meses 18 anos

Forma de ocupação do território

Caseira / Cedido Caseiro / Cedido Cedido

Tam. do terreno na ilha

6 alqueires 4 alqueires 12 alqueires

Localid. de resid. além de P. Rico e da Ilha Mutum

Nova Esperança Pará, Martinópolis - SP, Belo Horizonte, Mato Grosso do Sul

Maringá - PR, Trindade - PE,

Gr. de escolaridade s/ escolaridade 1º ano primário 6ª série ginásio

Descendência Indígena Mineiro Indígena

Religião Católica Evangélico Testem. Jeová

Nº de pessoas na casa 3 (ela, marido e filho) 2 ele e a esposa 2 Renda familiar mensal

R$ 150,00 360 (aposent. X 2) R$ 360,00

Situação do imóvel Próprio Financ. Vila Rural Próprio

Nº de Cômodos 3 (sala-coz., quarto e

banheiro) 4 (sala-coz., banheiro

e 2 quartos) 8

Aparelhos Domésticos

Fogão à gás, mesa, camas, geladeira, pia

e rádio

Tv Color, rádio, geladeira, fog. gas, cama, pia, armários

Tv, video-cassete, geladeira, fog. gás, máq. lavar roup.,

sofás, etc.

Lazer Atividades culturais

Visitar a ilha Sair de carroça para

cidade

Festividades municipais, visita às

ilhas, viagens Auxílio do poder público para reacomodação na cidade

Vereador doou parte material de

construção da edícula

Lideranças políticas ligadas à Vila Rural

Nenhum

Motivo saída Ilha ausência de fonte de

renda 1ª vez Enchentes / 2ª ausência de renda

Enchentes

Voltaria a morar na Ilha caso houvesse condições de sobrevivência?

Sim Não Não

Page 182: Ilhados em Porto Rico - Do Éden Pessoal ao Dilúvio Social

171 Código de campo alterado

AAAnnneeexxxooo 222 UUUnnniiidddaaadddeee::: ÁÁÁrrreeeaaa dddeee PPPrrrooottteeeçççãããooo AAAmmmbbbiiieeennntttaaalll IIIlllhhhaaasss eee VVVááárrrzzzeeeaaasss dddooo RRRiiiooo PPPaaarrraaannnááá///PPPRRR

Foi criada pelo Decreto S/n.º de 30.09.1997.

ANTECEDENTES LEGAIS Dados não disponíveis.

ASPECTOS CULTURAIS E HISTÓRICOS Dados não disponíveis.

ÁREA, LOCALIZAÇÃO E ACESSOS Possui uma área de 1.003.059 ha e um perímetro de 821,76 Km. Está localizada nos estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, abrangendo os municípios de Altônia, São Jorge do Patrocínio,Vila Alta, Icaraíma, Querência do Norte, Porto Rico, São Pedro do Paraná, Marilena, Nova Londrina e Diamante do Norte, no estado de Paraná, e Mundo Novo, Eldorado, Naviraí e Itaquiraí, no estado de Mato Grosso do Sul.

CLIMA Dados não disponíveis.

O QUE VER E FAZER (ATRAÇÕES ESPECIAIS)/ÉPOCA IDEAL PARA VISITAÇÃO Dados não disponíveis.

RELEVO Dados não disponíveis.

VEGETAÇÃO Mata Atlântica.

FAUNA Espécies ameaçadas de extinção, tais como o cervo-do-pantanal (Blatocerus dichotomus), o bugio (Alouatta fusca), a lontra (Lutra longicaudis), a anta (Tapirus terrestris), a jaguatirica (Leopardus pardalis) e a onça-pintada (Panthera onça).

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172 Código de campo alterado

USOS CONFLITANTES QUE AFETAM A UNIDADE E SEU ENTORNO Dados não disponíveis.

BENEFÍCIOS INDIRETOS E DIRETOS DA UNIDADE PARA O ENTORNO Dados não disponíveis.

PLANEJAMENTO Plano de Gestão Ambiental não elaborado.

INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE A UNIDADE Número total de Funcionários 01 Funcionário.

Infra-estrutura disponível Dados não disponíveis.

Gastos Anuais Estimados

1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 - - - - - - - -

Total de pesquisas realizadas na unidade

1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 - - - - - - - -

Situação Fundiária da Unidade As APAs são constituídas por áreas públicas e privadas.

Acordos de Parceria Dados não disponíveis.

NOME DO CHEFE DA UNIDADE Hélvio Recha

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Rua Brigadeiro Franco, 1.733 80420-000 - Curitiba - PR Fone: (41) 322-5125 Fax: (41) 225-7588 Fonte: IBAMA (www.ibama.gov.br/)

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173 Código de campo alterado

Anexo 3 - A

Roteiro da entrevista semi-dirigida • Qual sua procedência?

• Qual sua naturalidade?

• Antes de morar na ilha, onde morava?

• Como chegou até a ilha?

• Tempo de residência na Ilha Mutum

• Quais os motivos que o trouxeram para fixar residência na Ilha?

• Como era a ilha quando você chegou?

• Quais as dificuldades que passou?

• O que teve que aprender / desenvolver para se adaptar ao trabalho e à vida na ilha?

• O que cultivava e criava e com qual finalidade?

• Participava de festas, eventos ou comemorações na ilha?

• Como era sua vida na ilha?

• Como era o trabalho na ilha?

• Descreva um dia típico de atividades na ilha

• Como era sua relação com os demais moradores na ilha?

• Motivo de ter deixado a ilha.

• Quando saiu da ilha, que expectativas tinha com relação à vida na cidade?

• Recebeu algum tipo de auxílio para se adaptar à cidade?

• Como foi sua adaptação da ilha para a cidade?

• Em que trabalhou nessa época de transição?

• Como é sua vida aqui na cidade?

• Costuma participar de festas, religião, associação, clubes...

• Como é sua relação com os demais moradores da cidade?

• Como é o trabalho na cidade.

• Descreva um dia típico de atividades na cidade.

• Sente falta de algo que havia nas ilhas e que não tem na cidade?

• O que foi bom ter deixado para trás, que hoje não acontece ou não faz aqui na cidade?

• O que a ilha tem de bom?

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174 Código de campo alterado

• O que a cidade tem de bom?

• O que a ilha tem de ruim?

• O que a cidade tem de ruim?

• Como você avalias sua experiência de vida na ilha e na cidade?

• Morando aqui na cidade... o que melhorou? O que piorou?

• Fale-me sobre os turistas.

• Fale-me sobre o rio.

• Se você pudesse, hoje voltaria a morar na ilha? Porquê?

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175 Código de campo alterado

Anexo 3 - B

Entrevista - Dados Formais

1. Data entrevista:

2. Nome completo:

3. Sexo:

4. Data de nascimento:

5. Estado Civil:

6. Profissão:

7. Quais as atividades profissionais que já desempenhou?

8. Em quais tinha carteira assinada?

9. Atualmente trabalha em quê?

10. Endereço.

11. Quanto tempo reside neste município.

12. Quais os municípios que residiu anteriormente à este.

13. Grau de escolaridade.

14. Raça.

15. Religião.

16. Deficiência que física ou mental que impeça suas atividades habituais.

17. Capacidade visual ( incapaz, grande ou pouca dificuldade, nenhuma).

18. Capacidade de audição (incapaz, grande ou pouca dificuldade, nenhuma).

19. Idade, sexo e grau de escolaridade das pessoas domiciliado neste endereço.

20. Quantas pessoas domiciliadas freqüentam a escola.

21. Quantas exercem alguma atividade remunerada que ajuda na renda familiar e qual o

valor.

22. Recebe pensão, aposentadoria, aluguel, mesada, outro? Qual o valor?

23. Tipo de domicilio (casa, apartamento, cômodo) .

24. Domicilio (próprio, cedido, alugado, financiado, outra condição) Se alugado ou

financiado qual o valor?

25. Quantidade de cômodos existente.

26. Abastecimento de água utilizada ( poço ou nascente, rede geral, outra).

27. Escoadouro do banheiro está ligado á (Rede geral de esgoto, fossa, vala, rio, lago,

outro).

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176 Código de campo alterado

28. Destino do lixo doméstico (coletado por serviços de limpeza, queimado ou enterrado na

propriedade, jogado em terreno baldio ou em rio e lago, outro.) .

29. Domicilio com energia elétrica?

30. Quantidade existente de. ◊ Radio; ◊ Geladeira; ◊ Videocassete; ◊ Televisão; ◊ Máquina de lavar; ◊ Ar condicionado; ◊ Forno Microondas; ◊ Linha telefônica; ◊ Fogão; ◊ Cama; ◊ Mesa; ◊ Sofá; ◊ Pia; ◊ Automóveis.

31. Qual o meio de lazer seu e de sua família nas outras vagas?

32. A cada quanto intervalo de tempo freqüenta o dentista?

33. Quais as providências adotadas por parte do poder público para receber ou atender as

necessidades dos ilhados? E quais eram essas necessidades?

34. Quais as atividades públicas e coletivas que você participa? (festas, feiras, cultos

religiosos, etc)

35. Tem criação de animais ou plantações de sustento? Qual o destino da produção? (venda

ou consumo)