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“Insurgir-se: Combater o fascismo-imperialismo e o reformismo, duas faces da reação

capitalista-racista-patriarcal”

Resoluções do VI Congresso da União Popular Anarquista Realizado no mês de novembro de 2016

Série Documentos,

Política & Teoria

Volume 6

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ÍNDICE

Apresentação 6

1 – A conjuntura internacional: a nova guerra fria (Rússia-EUA) e a polarização global

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Economia política da nova guerra fria: o lugar da América Latina 9 A faceta camaleônica: as “não-ideologias” da nova guerra fria 11 Insurgências globais e crise direção-base: lições a aprender e os rumos a seguir

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Contra a “Santa Aliança” da Reação, uma Aliança Internacionalista dos Trabalhadores

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2 – A conjuntura nacional: dissolução do blo-co no poder, fascistização e o grande capital

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Equilíbrio geopolítico e concorrência imperialista 16 Composição e crise do bloco no poder 18 A composição de classe, organizativa e ideológica dos blocos 24 A agudização da luta de classes: cenários e estratégias de resistência 26 O movimento de massas: a nova classe trabalhadora em formação 30

3 – As lutas antidiscriminatórias do ponto de vista classista e revolucionário: a luta das mu-lheres e combate ao capitalismo-machismo

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A libertação da mulher na linha de fogo: fascismo, reformismo e pós-modernismo

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História da luta das mulheres e do feminismo 33 Variadas concepções e práticas de feminismo 33 O essencialismo e a questão de classe 34 A violência e exploração contra as mulheres no Brasil 34 Feminismo classista como um braço do sindicalismo revolucionário 38

4 – Programa de lutas para o próximo período 44

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APRESENTAÇÃO

O VI congresso da UNIPA, realizado em novembro de 2016, se deu num contexto particularmente complexo, o da dissolução do bloco no poder no Brasil (que levou ao golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff) e da intensifi-cação da luta de classes, intra-classes e interestatal. Se deu também num mo-mento de acirramento da ofensiva burguesa, que tentando manter as altas taxas de acumulação de capital, rompeu múltiplos pactos de colaboração de classe (o pacto trabalhista-corporativista, criado nos anos 1940; o pacto nacional-desenvolvimentista, criado anos 1960; o pacto da redemocratização, dos anos 1980), pactos estes que asseguravam determinados direitos à classe trabalhado-ra, mas que também limitavam seu desenvolvimento enquanto sujeito autôno-mo.

Desse modo, as reformas neoliberais comandadas pelo PMDB têm uma profundidade histórica muito grande, acenam para novos cenários da luta de classes. Por um lado, a dissolução do bloco no poder e a intensificação das re-formas tende, no curto prazo, a deteriorar as condições de vida do povo. Por outro lado, vários mecanismos de controle e domesticação social, que davam governabilidade ao conjunto do sistema, serão removidos, e no médio prazo aumentará a polarização de classes.

Nesse sentido, no médio prazo, novas forças da classe trabalhadora, des-trutivas e criativas, serão liberadas, e será travada a batalha histórica pela for-mação da consciência da nova classe trabalhadora em gestação. Contra estas novas expressões de luta da classe trabalhadora irão opor-se a velha burocracia reformista degenerada: o PT, o PCdoB e todas as suas forças acessórias. É para esta batalha que os anarquistas revolucionários devem estar preparados, para ajudar a classe trabalhadora a encontrar seu caminho rumo a autonomia.

A classe trabalhadora, em suas diversas expressões, tende a insurgir-se. Mas as formas insurrecionais precisam se consolidar, dando o salto qualitativo, de expressões temporárias de revolta para a organização permanente da in-surgência. Para isso, os anarquistas revolucionários precisarão dar uma profunda contribuição teórica e prática.

O VI Congresso apontou, então, a necessidade de aprofundar o trabalho organizativo por dentro das insurgências que se avizinham. Não nos contentare-

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mos apenas com a dimensão destrutiva e temporária dessas. Nosso trabalho é contribuir para que surja, de dentro das insurgências, uma confederação sindica-lista revolucionária, capaz de levar adiante a luta por uma sociedade socialista no Brasil. E este é o primeiro passo, mas essencial, da libertação da classe trabalha-dora brasileira.

1 – A conjuntura internacional: a nova guerra fria (Rússia-EUA) e a polarização global

Há uma Nova Guerra Fria em curso. Essa é a principal constatação que se impõe. Depois da crise de 2007-2008, que resultou nas insurreições do Norte da África e da Síria, o conflito político-miliar entre EUA-U.E x Rússia-China se aprofundou drasticamente. Essa nova guerra fria é o resultado da evolução da Guerra ao Terror e do fortalecimento econômico e geopolítico de China e Rússia. Sendo o fato central da conjuntura, essa nova guerra fria tem tido como cenários principais a Síria e a Líbia, no “grande Oriente Médio (que compreende o Norte da África) e também, mais recentemente, a América Latina (com a crise dos re-gimes “progressistas de esquerda”, as sucessivas tentativas de golpe na Venezue-la e o golpe parlamentar no Brasil em 2016).

O conceito de guerra fria indicava que existia um confronto diplomático-militar indireto entre os países centrais, confronto esse que era regido por um pacto de não agressão mútua (entre superpotências), que por sua vez intensifi-cavam o militarismo e os confrontos militares fora das suas zonas de segurança, ou seja, em países coloniais ou periféricos. A transferência da guerra aos países do terceiro mundo, por meio de governos, partidos, forças armadas oficiais e guerrilhas, foi a principal tônica da Guerra Fria I.

A Guerra Fria II, iniciada no final dos anos 2000, reproduz vários elemen-tos da primeira. Os mesmos blocos de Estados estão em disputa. Mas a política econômica que opõe cada bloco não é mais o “socialismo “ (ou, um capitalismo

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de Estado integral, como era a política da URSS) e um capitalismo de Estado libe-ral keynesiano (ou seja, parcial), hoje as políticas são de um capitalismo neolibe-ral do bloco EUA-U.E vs. um capitalismo de Estado minimalista, igualmente neo-liberal, do bloco China-Rússia.

As diferenças de ideologia econômica praticamente desapareceram e o confronto é basicamente devido a necessidade de sobrevivência e disputa de hegemonia no sistema interestatal capitalista. Isso significa que, ao contrário da Guerra Fria I, quando existiam forças revolucionárias autenticas que buscavam abrigo sob a política da URSS-China, hoje, a política da Rússia é de destruir essas forças apoiando os governos autoritários neoliberais, como mostra o caso do apoio ao Governo neoliberal de Bachar al Asad, na Síria.

Desse modo, a luta interestatal atual não reflete, em nenhum nível, a lu-ta de classes internacional. Isso significa que os blocos precisam manipular ideo-logicamente as suas classes trabalhadoras nacionais para obter o apoio interno indispensável a sua política externa. Essa separação, entre os interesses e con-teúdo econômico-político da luta interestatal e os interesses das massas trabal-hadoras globais, implica que há um grande terreno para o desenvolvimento das soluções internacionalistas. Elas precisam ser construídas.

O acirramento da competição inter-imperialista pode ou não evoluir pa-ra uma guerra direta entre potências. Mas a intensificação dos conflitos militares apenas reforça o caráter mundial da guerra. Desse modo, a polarização entre os Estados e blocos exige uma polarização, o melhor termo é maniqueísmo, ideoló-gico. Esse maniqueísmo é uma forma de tentar aglutinar forças dentro de cada bloco para combater o bloco opositor. É por isso, dentre outros motivos, que há um franco fortalecimento da tendência conservadora em escala global.

As eleições presidenciais no EUA, com a vitória de Donald Trump, mos-tram que as burguesias nacionais estão apostando numa solução conservadora regional. A ascensão de uma ala ultraconservadora do Partido Republicano ape-nas sinaliza para um movimento em direção ao militarismo. A vitória de Macri na Argentina, o golpe parlamentar que colocou Temer e fortaleceu o setor clerical-militar (a “Bancada da bíblia” e a “Bancada da bala”) no Brasil, criaram um alin-hamento mais rígido entre os principais Estados da América Latina e os E UA: Brasil, México, Argentina estão todos hoje dentro de uma área de influência direta do governo dos EUA.

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Os governos progressistas-desenvolvimentistas, apesar de alinhados, buscavam competir com os EUA por mercados e por posições de poder, como aconteceu com a ilusão de “Brasil Potência” da era Lula. Esse realinhamento conservador na América Latina atende a uma economia política e uma guerra ideológica, de que falaremos abaixo.

Economia política da nova guerra fria: o lugar da América Latina

A nova guerra fria eclodiu num momento em que a economia mundial sofreu uma importante transformação. O capitalismo ultramonopolista, que nos anos 1990 tinha assumido uma forma quase que exclusivamente financeira, nos anos 2000 passou por outra transformação: a ascensão do neoextrativismo. O neoextrativismo foi o domínio da grande indústria do petróleo e do Gás, sobre os recursos naturais globais, especialmente energético, e por extensão, sobre a própria economia mundial. Para que essas empresas, especialmente as norte-americanas, alcançassem essa posição de poder, a guerra e invasão do Iraque (em 2003) foi fundamental. Mas não foi suficiente.

O neoextrativismo induziu assim a necessidade de uma luta dos capitais monopolistas em ascensão pelo controle de posições estratégicas. A grande con-tradição é que em quase todo mundo os recursos energéticos, especialmente o petróleo, são controlados ou regulados pelo Estado. Grandes empresas petrolei-ras são estatais em diversos países ou exploram de forma associada com o capi-tal estrangeiro. Desse modo, a necessidade de ter o controle dos mercados de energia exigia uma profunda reestruturação dos Estados nacionais, para modifi-car o controle do petróleo e outros recursos naturais. A necessidade era esten-der o neoliberalismo para o controle desses recursos, com a privatização dos campos e a penetração do capital estrangeiro na produção, mesmo em áreas em que os acordos anteriores previam a exploração estatal.

O conflito econômico entre gestão estatal capitalista e exploração capi-talista privada dos recursos naturais é o centro da contradição da economia polí-tica atual. Aos EUA interessa um controle mais direto das fontes de energia e sua exploração. A fragmentação da Líbia, por exemplo, foi comemorada pelas gran-des petroleiras do mundo, grande parte delas, dos EUA. A mesma tentativa foi realizada na Síria e o mesmo na Venezuela, que possui as maiores reservas de petróleo do mundo. O Brasil, depois da descoberta do Pré-sal, foi colocado tam-bém na rota dessa economia e geopolítica. A queda do preço do petróleo, em

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parte fabricada pelos EUA, levou a uma crise do neoextrativismo. A baixa do preço do petróleo serve bastante ao processo de concentração de capital, facili-tando a expansão do grande capital monopolista. A queda do preço também se deve às disputas geopolíticas entre potências.

Um exemplo é o Tratado Transpacífico e Transatlântico, que buscam ampliar a área de influência comercial dos EUA nas América e combater a pre-sença do bloco Sino-russo na América Latina. Há então uma rearticulação do imperialismo estadunidense pós crise na América Latina através da Aliança do Pacífico.

Esse ciclo neoextrativista propiciou também certa autonomia relativa da esquerda bolivariana na América Latina frente ao Imperialismo norte-americano, posto que está também estava baseada no pacto de classes e na venda de pro-dutos primários para China, Rússia e Irã. Essa autonomia relativa em nada signifi-cou para o avanço da classe trabalhadora, ao contrário, o bolivarianismo repre-sentou uma outra forma de capitalismo – mais extrativista do que especulativo – e outra forma de Estado – mais tutelar e autoritário do que liberal.

Em toda a América Latina o desgaste desse ciclo neopopulista está anco-rado em três principais eixos: 1) no fim da valorização das commodities pela reorientação da China de menor crescimento do PIB e maior crescimento da economia doméstica; 2) Pelo ataque sistemático do Imperialismo Norte-americano em colocar alguém puro sangue que defenda a privatização das em-presas nacionais de energia – Venezuela, Argentina, Brasil; 3) Na ruptura do mo-vimento de massas com os pactos sociais efetuados pelas burocracias, a ruptura se deu pelos setores mais superexplorados da classe – carpeiros no Paraguai, Indígenas da Média Luna e Gasolinaso na Bolívia, Proletariado Marginal 2013 Brasil etc. Esse ciclo de rupturas nos coloca numa tarefa de aprofundá-las e apre-sentar uma alternativa classsista internacionalista que agregue setores do prole-tariado de nosso continente. Assim, para nós, os esforços de aproximação, diálo-go e união de um movimento de massas não deve apenas ser com entidades internacionais do sindicalismo revolucionário europeu, mas também articulações populares, sindicais e estudantis da Argentina, Venezuela, Bolivia, Paraguai, Colômbia e outros.

É por isso que não podemos ter ilusões. O controle “estatal”, como mos-tra o exemplo do petróleo, não é uma política do proletariado. O controle estatal do petróleo serviu à construção de Estados autoritários e corruptos do terceiro mundo, não à emancipação do proletariado. O fato do imperialismo precisar

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destruir esse controle é resultado de uma necessidade econômica, não uma dife-rença ideológica. Isso significa que as políticas de defesa do capital nacional ou das empresas estatais são políticas fadadas ao fracasso.

A economia política hoje está dominada pelo pensamento burguês e conservador. É preciso uma nova política econômica, do ponto de vista socialista e dos trabalhadores. E essa política econômica será anti-estatista e anti-capitalista.

A faceta camaleônica: as “não-ideologias” da nova guerra fria

Essa nova guerra fria tem tido um efeito curioso. Ela deu um novo fôlego as forças clerical-militares (ordens religiosas e forças policiais-militares) e as ideo-logias racista, patriarcal e militarista. Vejam, essas ideias são extremamente úteis na mobilização interna para o apoio aos Estado, especialmente em caso de gue-rra. A difusão de ideias racistas, militaristas e religiosas facilita tal aglutinação.

Mas o sistema capitalista mundial estava evoluindo em outra direção. O capitalismo, desde a falácia da globalização neoliberal, estava assentado no mul-ticulturalismo e na democracia. Organismos como ONU, Banco Mundial adota-ram políticas voltadas para temas como gênero, raça, ao lado do combate à po-breza, como mecanismo de levar ao “desenvolvimento os países subdesenvolvi-dos”. A estratégia de investir em políticas de gênero e raça visava o esvaziamen-to da mobilização em torno das ideias de classe-povo ou povo-nação. Quer dizer, em países em que os movimentos sociais tentavam aglutinar camponeses e ope-rários para a resistência e a luta, esses organismos tentavam criar organizações e políticas que introduziam as ideias de que a democracia ocidental era “superior” às políticas anticapitalistas, explorando contradições de gênero e étnicas que efetivamente existiam, mas não para emancipação desses grupos, mas para atre-larem as mesmas ao poder imperialista.

Desse modo, o imperialismo não se expressa apenas pelas ideias mais “atrasadas”, da reação clerical-militar, mas também pelas ideias pós-modernas conservadoras. Na atual Guerra Fria o capitalismo alcançou um tal grau de con-tradição interna que frações das classes dominantes estão atacando as ideias da classe dominante, criadas para domesticar e dividir a luta do proletariado, como se fossem ideias do próprio proletariado. O que o proletariado não pode é se deixar tomar pela mesma ilusão: é preciso distinguir o caráter de classe. Pode-

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mos dizer que temos um conjunto de ideias opostas, mas que cumprem a mesma função: o racismo/nacionalismo xenófobo x multiculturalismo/regionalismo estatista; o patriarcalismo x feminismo empresarial; o militarismo x pacifismo conservador.

O racismo é um aspecto estrutural do sistema capitalista. Mas a ele tem uma função complementar ao multiculturalismo e o regionalismo estatista, ou seja, aqueles que defendem uma coexistência multicultural no Estado, ignorando as desigualdades econômicas ou defendendo diferentes formas de capitalismo “humano”, bastando a isso garantir o acesso de minorias aos cargos das empre-sas e de governo. O patriarcalismo se bate contra as mulheres, mas o feminismo empresarial, aquele que considera que as mulheres têm como inimigos o ho-mem, e não um sistema, e que ela deve se emancipar pelo mercado, chegam a mesma conclusão: a necessidade de manter homens e mulheres em posições de poder desiguais; por fim, existem os apolegetas do militarismo e da violência, e os pacifistas conservadores, ambos concordam que a violência deve ser monopó-lio do Estado. Os primeiros querem que o Estado faço uso ostensivo da violência, os segundos alimentam a ilusão de que ele não faz ou não deveria fazê-lo.

Não por acaso, na Rússia e EUA desenvolve-se um conservadorismo (como explicitada pela perseguição aos homossexuais e a liberdade sexual em geral). Esse processo tem levado a uma política de explorar o confucionismo, seja com a tentativa de criar movimentos de direita com identidade cultural de es-querda (exemplo, o nacional-bolchevismo, o nacional-anarquismo) seja pela aproximação do stalinismo de uma política moralista-conservadora, como se a superioridade moral fosse o traço dos comunistas. A russofilia e russofobia são produtos do desenvolvimento da Guerra Fria e ela tende a ser usada pelos co-munistas como forma de tentar unificar seu campo e criar o apoio a Rússia. Dinâmica de fortalecimento do estatismo em escala internacional, visando um eminente enfrentamento direto. Sem guerra, os blocos tendem a se desagregar. Mas o fascismo dos EUA e o fascismo da Rússia se disfarçam, cada um a seu mo-do, mas são gêmeos siameses e procuram aprofundar a confusão ideológica nas massas.

Essas ideias, longe de serem alternativas, são duas faces da mesma moeda. Essas ideologias não podem expressar os interesses e aspirações dos povos em luta. Mas essas ideologias têm desviado os povos da sua emancipação e o preço desse erro tem sido pago em sangue inocente. Por isso hoje, mais do que nunca, é necessária uma luta ideológica. Essa luta ideológica precisa afirmar

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a independência dos povos e dos trabalhadores frente ao conflito interestatal da nova guerra fria.

Insurgências globais e crise direção-base: lições a aprender e os ru-mos a seguir

Várias insurreições ocorreram ao longo dos anos 2000 e batizaram a no-va guerra fria. Nos anos 2000, na Europa e Gênova, nas França, na Grécia e de-pois em 2011, na Espanha; no Norte da África, Líbia, Egito, Tunísia e Síria conhe-ceram também insurreições populares.

Enquanto na Europa os alvos das insurreições foram os governos neoli-berais e o capital financeiro, na sua grande maioria, no Norte da África essas insurreições se realizaram contra antigos governos nacionalistas, da ex-área de influência da URSS. Esses governos na sua maioria, assim como a própria Rússia, estavam adotando políticas neoliberais e estas provocaram, depois da crise de 2008, um agravamento das condições sociais.

As insurgências populares foram assim respostas à expansão do neolibe-ralismo, mesmo sob os governos “nacionalistas-progressistas”. O mesmo aconte-ceu em 2013 no Brasil: a insurreição foi um ato de resistência às políticas neoli-berais e de favorecimento do capital estrangeiro, que aumentaram a superexplo-ração no país.

A questão é que as insurgências explicitaram a fragilidade dos governos, especialmente os nacionalismos-progressismo em crise, que defendiam, justa-mente, a política de manter o controle dos recursos naturais nas mãos do Esta-do. Essas insurgências não foram provocadas pelo imperialismo. Elas mostraram ao imperialismo, especialmente ao EUA, que vários de seus aliados estavam fra-cos, e que podiam ser “realinhados” mais facilmente, como na América Latina. Ou no caso da Líbia e Síria, com o apoio a fragmentação dos Estados e guerra indireta com a Rússia.

As insurreições estão se espalhando pelo mundo. Essas insurreições têm criado novas formas organizativas. Suas contradições têm sido exploradas pelos blocos imperialistas em disputa. Mas são dessas insurgências que podem surgir as verdadeiras alternativas anti-imperialistas.

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O que as insurgências mostram é que o que chamamos de crise entre di-reção/bases se manifesta, em certo grau da luta de classes, na relação povo-classe versus governos-Estados (como foi o caso da Líbia e da Síria). Nesses paí-ses a crise foi tão profunda que a insurgência se converteu em luta armada. A intervenção dos blocos EUA-U.E e China-Rússia apenas aproveitou-se da situação criada pela insurgência para desorganizar o povo, criando forças militares alinha-das a cada bloco ou forças mercenárias. Somente em Rojava, na região do Kur-distão, graças ao trabalho do PKK e da resistência popular e feminina, surgiu uma alternativa de poder e organização.

Desse modo, as insurgências são formas de resistência anti-imperialista em essência. Mas quando estas insurgências não conseguem evoluir para formas de organização permanentes, o vácuo deixado por elas é ocupado pelas forças da reação e contrarrevolução, criando novos mecanismos de dominação. Diante do acirramento da conjuntura macropolítica e da crise mundial do estatismo, a afi-nidade ideológica entre os blocos pode impulsionar ações comuns contra as in-surgências.

Contra a “Santa Aliança” da Reação, uma Aliança Internacionalista dos Trabalhadores

Por isso, a conjuntura internacional exige uma política clara. Nenhum apoio aos governos e aos blocos imperialistas. Nem EUA, nem a U.E, nem Rússia, nem China, representam o anti-imperialismo. A palavra de ordem é abaixo as “Santas Alianças” dos Estados Imperialistas, pela reconstrução das organizações internacionais dos trabalhadores. É cada vez mais necessária uma aliança inter-nacionalista dos trabalhadores.

A solidariedade internacionalista entre os povos não pode ser confun-dida com o apoio aos Estados; a condenação aos Estados não pode significar a negação da solidariedade entre os povos. Por isso é preciso distinguir que o apelo a organização e ação deve ser dirigida, especialmente, ao campesinato global (devido ao choque direto com a política neoextrativista que agudiza confli-tos no campo, entre ouros aspectos) e os demais trabalhadores, que estão sendo as principais vítimas da nova guerra fria. Esse campesinato deve ser chamado a participar de uma luta por Terra e Liberdade: terra, para que ele tenha a auto-gestão e expulse o capital-imperialismo; liberdade da dominação colonial estran-

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geira, da dominação oligárquica e estatal interna. Rojava e Chiapas, com toda as contradições, são os melhores exemplos dessa luta.

É por isso que iremos aprofundar a Campanha anti-militarista, criando Comitês Antifascistas e impulsionando a construção internacionalista. Essa cons-trução internacionalista deve pautar o apoio sistemático às lutas dos campone-ses da América Latina, Ásia e África. Essa política também se reflete no nível na-cional, com a luta contra a fascistização e a tentativa do reformismo de se salvar asfixiando as lutas do proletariado.

2 - A conjuntura nacional: dissolução do bloco no poder, fascistização e o grande capital

A crise política brasileira evoluiu para uma polarização social que exige uma resposta teórica e prática. As manifestações de massa dos dias 13 de março de 2016 (“fora Dilma”, dirigida pelo bloco burguês-conservador ou a chamada “direita”) e do dia 18 de março (do bloco socialdemocrata-governista, dirigida por um setor de pequena burguesia e da aristocracia operária e sindical, a cha-mada “esquerda”) mostraram que tal polarização social alcançou um nível signi-ficativo.

Uma correta teorização é precondição para uma correta linha de ação, especialmente quando a polarização social entre direita e esquerda induziu ao empobrecimento do debate político, a uma leitura maniqueísta e a soluções simplistas e contraditórias. Nós sabemos que a complexidade da situação e seu dinamismo não nos permite fazer afirmações categóricas, nem temos a pre-tensão de ter uma leitura completa. Mas assumimos com humildade a responsa-bilidade de fixar um ponto de vista anarquista e revolucionário e contribuir para aqueles que querem uma alternativa, que não seja nem burguesa e conservado-ra, nem reformista.

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Essa tarefa se mostra mais necessária em razão do fato do bloco bur-guês-conservador e o bloco socialdemocrata estarem pautando a política e a luta de massas. Em 2013, a ação direta de classe e a extrema esquerda pautaram a política nacional. Mas a desorganização e fragmentação das massas, a imaturi-dade de suas formas organizativas, fez com que essa força criadora não pudesse se colocar como uma alternativa hoje. Essa autocrítica precisa ser realizada por todos os setores combativos e libertários.

Nós também subestimamos a ofensiva burguesa. Nos parecia que o ca-minho mais provável seria desgastar lentamente o PT sem tentar derrubar o governo, aguardando 2018. Hoje, tal ofensiva se mostra sob a forma de um gol-pe, não um golpe de Estado, mas de um golpe institucional dentro de um Estado de Exceção criado pelo bloco no poder do qual o PT faz parte e que agora quer tirar as funções dirigentes do PT por meio do impeachment (esse modelo de golpe institucional possui paralelos em Honduras em 2009/10 e no Paraguai mais recentemente). Nesse sentido, precisamos compreender essa crise no seu aspec-to inovador e suas implicações, pois elas podem modificar bastante os cenários da luta de classes. A burguesia lançou uma ofensiva contra o PT e suas bases de classe e foram capazes de derrubar o governo do PT com o impeachment.

Por isso fixamos aqui alguns elementos necessários à compreensão da crise. Ao contrário de ser uma luta entre “direita e esquerda”, ou entre os “de-fensores da democracia contra o golpe” ou da “democracia contra a corrupção”, essa luta expressa contradições de classes, geopolíticas e de nuances estratégicas de cada bloco. Podemos dizer que a atual situação, hoje, tem dimensões que exigem compreensão: 1) a geopolítica e concorrência imperialista; 2) a ruptura do bloco no poder; 3) a agudização da luta de classes pela apropriação da renda nacional.

Equilíbrio geopolítico e concorrência imperialista

A atual crise política não pode ser compreendida sem levar em conside-ração a geopolítica e concorrência imperialista aprofundadas pós-2008. A crise de 2008 levou à estagnação nos países centrais, EUA e UE. Uma das soluções encontradas foi a exportação de capitais para a periferia. Foi nesse contexto que os Governos Lula, bem como outros governos de esquerda latino-americanos, tiveram seu período de ouro. O capital estrangeiro curiosamente foi a base para

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financiar o crescimento econômico e superar a estagnação das políticas neolibe-rais anteriores.

A crise de 2008 então provocou uma exportação de capitais para o Brasil e possibilitou uma nova aliança entre o capital nacional, o capital estrangeiro e Estado em torno de política de crescimento, possibilitando ao mesmo tempo um bloco de poder que representava uma aliança entre capital e trabalho, materiali-zada pelo governo PT-PMDB. Essa aliança foi regional: nos principais países da América ocorreu um esgotamento da direção burguesa conservadora e ascende-ram governos de esquerda liberais ou socialdemocratas (Partido Democrata e Obama nos EUA; Partido Justicialista e os Kirshner na Argentina: Evo Morales e MAS na Bolívia; Tabaré Basquez e Mujica dos Tupamaros no Uruguai; e Lula e Dilma do PT no Brasil). Essa coalização regional promoveu um relativo desenvol-vimentismo em face das formas reacionárias e conservadoras impostas ante-riormente pelo Partido Republicano e por Bush nos EUA, e ainda uma onda de intervencionismo econômico estatal. A exportação de capitais criou então uma associação de interesses e possibilitou uma nova aliança, desta vez, dirigida por partidos de esquerda de base operária e/ou sindical em diversos países.

Mas essa tendência não tocou nos fundamentos econômicos da depen-dência, ao contrário, aprofundou as mesmas. Assim, depois da crise de 2008, esses governos foram todos envolvidos num compromisso de superar a crise internacional. Isso possibilitou que esses governos tivessem a vantagem de pro-mover crescimento econômico nos seus países sem confrontar os interesses do imperialismo, ao contrário, associando-se a estes.

Mas a busca de soluções para a crise não se deu apenas pelo mercado, mas pela geopolítica e pela guerra. E a luta para controlar recursos energéticos foi fundamental no período 2011-2012, em que os EUA voltou a adotar estraté-gias de ofensiva militar na Líbia e na Síria. O controle do petróleo na Líbia foi peça chave para a redução do preço do petróleo que favoreceu o barateamento dos custos de produção nas economias centrais e ajudou na recuperação econômica dos EUA. Mas esse equilíbrio era instável. Isso porque a concorrência capitalista se intensificou depois de 2008, e a instabilidade no grande Oriente Médio tornava todo o sistema incerto. A descoberta do Pré-sal no Brasil e as reservas na Venezuela se colocaram como uma grande alternativa, comparada ao instável Oriente Médio. Assim, ampliar o controle sobre o petróleo e recursos naturais exigiu uma postura mais agressiva do Imperialismo dos EUA, que se voltou para a América Latina.

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Outro fator fundamental, o Investimento Estrangeiro Direito (IED) no Brasil foi aplicado em dois ciclos. O primeiro do petróleo e extrativismo, no pe-ríodo 2007-2010 basicamente, e o segundo em comércio e serviços, durante os megaeventos (2011-2014). O capital estrangeiro fez uma série de exigências por garantias de seu retorno para se transferir para América Latina. E os governos da região deram. No Brasil, foi criado um Estado de Exceção para garantir os inves-timentos: isso fez parecer que a taxa de lucro estava garantida. Entretanto, um fator afetou bastante esse quadro: as lutas grevistas aumentaram concomitan-temente à presença do capital estrangeiro, de modo que os trabalhadores con-seguiram contínuos aumentos acima da inflação. Certamente, não foram aumen-tos estrondosos. Porém, acima do que era aceitável pelo arranjo. Nesse sentido, o PT demonstrou uma frágil capacidade de controle das greves e o aumento da massa salarial induziu a perda de vantagem comparativa, e este é um dos fatores que está na base da fuga de capitais ocorrida em 2014, que coincide com o início da a crise política no bloco do poder.

Com essa fuga de capitais, a balança comercial desfavorável pela queda do preço das commodities e a grande renúncia fiscal realizada para salvar o capi-tal da crise, o Estado estava em déficit e a economia em recessão. A crise alca-nçou o Brasil de forma estrutural.

A fuga de capitais minou o bloco no poder por dois motivos: 1) provocou um realinhamento do imperialismo, com os EUA diminuindo a margem de to-lerância para divergência em relação a seus interesses, e atacando pela conco-rrência os países dos BRICS e governos que lhe tinham sido altamente favoráveis (como o do PT); 2) fatores de ordem política e ideológica interna aceleraram a ruptura nesse bloco e criaram a ocasião para a ofensiva burguesa e a tentativa de golpe institucional.

A mudança da política dos EUA foi resultado da crise mundial e da sua necessidade de se apropriar de forma ainda mais agressiva de recursos e valores. Mas esta tentativa de golpe não seria possível sem o papel ativo e passivo do PT. Por isso analisaremos a composição e ruptura do bloco no poder.

Composição e crise do bloco no poder

A crise na América Latina no final dos anos 1990 se intensificou e com ela também as mobilizações que serviram para chegada ao poder de governos de

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esquerda, como Chávez na Venezuela, Kirchner na Argentina, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, além da eleição da Frente Ampla no Uruguai. No Brasil essa conjuntura internacional favoreceu a construção do bloco no po-der que levaria ao poder Lula (PT). O PT participou da construção da aliança en-tre a indústria e o agronegócio, fortemente afetada pelas políticas neoliberais iniciadas no governo Sarney, mas executadas de fato no governo Collor, Itamar e Fernando Henrique Cardoso.

Esse bloco não se construiu em contraposição à hegemonia financeira, mas com sua manutenção. Nesse sentido, é importante destacar que a cons-trução do bloco no poder efetivado com a eleição da chapa composta por Lula (ex-operário e líder sindical, fundador do PT e da CUT) e José Alencar (Importante empresário do ramo têxtil), foi concretizado com a reunião entre FHC e os diver-sos candidatos a presidente em 2002, onde se acordou o respeito aos emprésti-mos financeiros internacionais, e a Carta ao Povo Brasileiro onde se deixou claro a política de conciliação a ser construída pelo “Lulinha Paz e Amor”.

A composição do primeiro ministério do governo Lula-Alencar (PT-PR) foi representativo do bloco construído a partir da aliança indústria-agricultura. Para o Ministério da Indústria Luiz Fernando Furlan, para Agricultura o representante do agronegócio e para o Ministério do Trabalho os representantes cutistas.

Como desdobramento da construção do Bloco o primeiro ano do go-verno Lula foi marcado pela construção da Concertação (pacto) através do Con-selho do Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), um conselho tripartite (empresas-Estado-sociedade civil), de onde se acordou e encaminhou as primei-ras medidas de reformas neoliberais, como a reforma da previdência, e todas as questões relativas à reforma sindical e trabalhista, que levaram a legalização das Centrais.

Dessa maneira a aliança entre a indústria-agricultura foi a aliança entre a aristocracia operária do principal subgrupo operário, os metalúrgicos do ABC, a indústria automotiva e toda cadeia do agronegócio. O Estado, por meio do CDES e do Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comércio, construiu políticas atendeu a demandas industriais vindas da FIESP e de outras entidades empresa-riais, como ANFAVEA e ABIMAQ, e do setor do agronegócio, beneficiado também pela conjuntura internacional. Dessa maneira, a política de estímulo à produção e consumo do Carro Flex, principalmente no segundo governo Lula, levou ao aumento tanto da produção, produtividade e de pessoas empregadas no setor, como também beneficiou amplamente o setor do álcool e energético.

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Internamente o governo avançou os grandes projetos de infraestrutura interligados ao IIRSA dando origem ao PAC, que foi um processo de reestrutu-ração da estratégia de acumulação do capital nacional e estrangeiro. Os investi-mentos do PAC foram direcionados para atender os setores internacionalizados da indústria (Petrobras, Vale do Rio Doce), infraestrutura energética (capital estatal) e capital nacional (grandes empreiteiras e certos setores da indústria de transformação) que sinalizam com a ampliação dos investimentos. O PAC foi estruturado para servir e dar suporte à indústria de transformação no Sudeste, à indústria energética e ao agronegócio, vinculado tanto à primeira como à segun-da, atingindo as comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas e camponesas. Favorecendo como sempre as grandes empresas nacionais, como Odebrecht, Camargo Correa, OAS, Votorantim e Gerdau, ou seja, favorecendo os interesses dos empresários em detrimento dos interesses do povo pobre.

A luta pela terra retrocedeu e poucas terras foram homologadas. O PT se aliou ao agronegócio consolidando uma aliança pelo desenvolvimento do setor, fundamentalmente para manutenção do crescimento econômico na era Lula. Dessa maneira, essa aliança abdicou de qualquer política de distribuição de terra, e direcionando para sua base um aumento de crédito agrícola e de alguns pro-gramas para a chamada “Agricultura Familiar”. Dessa maneira, o governo assen-tou menos sem-terra do que o governo FHC. O PT manteve as privatizações da estrutura produtiva que não foram revertidas e avançou na privatização da es-trutura de circulação de mercadorias e pessoas (rodovias, ferrovias, hidrovias e aeroportos).

O desenvolvimentismo neoliberal petista foi onde se pregou a aliança deste bloco no poder. A crise econômica de 2008 aproximou ainda mais os indus-triais e a CUT-PT, que passaram a organizar mobilizações e atividades conjuntas (tal como a marcha convocada pela FIESP, ABIMAQ, Força Sindical e CUT, realiza-da em 18/10/2011). Por outro lado, a CUT e o PT sabotavam as lutas e greves das trabalhadoras e trabalhadores. No entanto, as greves passaram a acontecer à revelia das direções sindicais e partidárias, como em Jirau e Santo Antônio, e as emblemáticas greves dos professores do RJ de 2013, a onda de greves de rodovi-ários e dos garis de 2014.

Para garantir esse desenvolvimento capitalista e a aliança, o PT teve um papel ativo na construção do Estado de Exceção, do desenvolvimento do Estado Penal-Policial, onde segundo sua própria propaganda conferiu cada vez mais poder e aumentou o efetivo do Judiciário e das forças de repressão.

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Como afirmamos no jornal Causa do Povo n° 65, o setor do Estado “for-talecido” pelo PT foi o ligado a judicialização-repressão. Justamente aqueles com os maiores níveis salariais, quando comparados aos demais servidores, e que hoje compõe as forças tarefas de caça ao próprio PT. Houve um crescimento do “Estado Penal”, e não do “Estado Social”, ou seja, cresceu o “Estado” que investe na judicialização e militarização, que está associado ao projeto estratégico de favorecimento do Capital.

A política do governo diante do levante de 2013 foi de aumentar a per-seguição e prisão de atividades e manifestantes, bem como a criminalização das lutas sociais. O PT tomou para si a defesa da República Burguesa, quando a Re-pública Burguesa é da burguesia, ou seja, assumiu a defesa de um instrumento social de geração de desigualdades e controle social policial, portanto um empe-cilho a construção do socialismo. A política petista não só reorganizou o aparelho de Estado dentro do neoliberalismo como buscou a construção de uma unidade burguesa. Neste sentido, o cenário internacional e o crescimento econômico possibilitaram o desenvolvimento e avanço de transnacionais de origem brasilei-ra com financiamento dos fundos de pensão, controlado por sindicalistas, e do BNDES.

A repressão e a violência nas favelas e periferias, principalmente contra a juventude negra, não arrefeceu nem um pouco, pelo contrário. O Estado penal e policial cresceu a cada dia assassinando jovens negros nas favelas e periferias por todo o país. Tal como os recentes massacres de Cabula, na Bahia, os assassi-natos e fuzilamentos na Maré e favelas cariocas, bem como a chacina ocorrida no bairro Curió em Fortaleza-CE. Os assassinatos no país, fundamentalmente nas favelas, periferia e nos campos, somam 50 mil por ano. A política é de aumento da repressão e da criminalização do movimento popular. Além disso, o programa do PT para as eleições de 2014 propunha a nacionalização das UPPs. Presos polí-ticos se somam no Rio de Janeiro (Rafael Braga), São Paulo (Fabio Hideki), Goiás e Rio Grande de Sul (Vicente Metz), entre outros. No caso do Rio Grande do Sul a brigada militar do governo do PT de Tarso Genro seguidas vezes invadiu a sede da Federação Anarquista Gaúcha (FAG).

Os aparatos estaduais de repressão estão se unificando sob o comando do Exército. Para conter possíveis distúrbios no campo e nas grandes obras foi criada, em 2004, a Força Nacional de Segurança, vinculada diretamente ao Minis-tério da Justiça. O governo do PT reestruturou e iniciou o reequipamento das Forças Armadas, lidera tropas de ocupação no Haiti que explora e oprime coti-dianamente o povo haitiano, com diversos relatos de exploração sexual por parte

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dos soldados brasileiros contra mulheres e crianças haitianas, e na Maré (RJ). Para isso, reorganizou as forças armadas com base na Estratégia Nacional de Defesa (END) determinado pelo governo Lula em 2007. Disso deriva toda reorga-nização das Forças Armadas no Brasil com deslocamento de tropas do sul para centro-oeste e norte, reequipamento e reativação da indústria bélica nacional. Dentro do quadro de reorganização foi formado o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), órgão vinculado ao Ministério da Defesa, que após o Levante de Junho de 2013, elaborou o “Manual de Garantia da Lei e da Ordem” onde colocou os movimentos sociais como “forças oponentes”.

Para coroar a construção do Estado de Exceção e garantir os lucros da burguesia, principalmente durante os megaeventos, o Ministério da Defesa ela-borou, logo após o manual “Garantia da Lei e da Ordem” (GLO) como forma de legitimar oficialmente a perseguição política, a violência policial e o terrorismo de Estado. Para garantir a realização da Copa e os lucros da FIFA o governo edi-tou a Lei Geral da Copa que criminalizou as formas de luta dos trabalhadores como as greves e manifestações de rua que ocorressem no período dos mega-eventos, além da Recopa (Regime Especial de Tributação para Construção, Am-pliação, Reforma ou Modernização de Estádios de Futebol) que garantiu que nenhum controle da sociedade civil pudesse ser estabelecido sobre os gastos e empresas que depois estariam envolvidos nos escândalos de corrupção. A “Lei antiterrorismo”, sancionada pela presidente Dilma, não é nada mais que a ação do Estado e da classe dominante contra as trabalhadoras e trabalhadores. É a legitimação de um Estado de exceção sobre as organizações e ações dos movi-mentos populares e sociais. A Lei Antiterrorismo é o “AI-5 da democracia”, san-cionado pelo governo Dilma (PT).

A burguesia foi uma das maiores beneficiárias das políticas petistas, fato assumido pelo próprio Lula, enquanto para os trabalhadores o governo criou uma série de programas de atendimento social para combater a miséria extrema e aumento do salário-mínimo, sem reverter a desigualdade econômica do país. Tal situação levou ao boom do consumo individual, facilitado pelo crédito e ce-nário internacional, com alta do preço das commodities, que favoreceu o cresci-mento econômico nacional. Esse crescimento baseado também em megaproje-tos que afetam milhares de pessoas da população rural e urbana, aumentando os desastres ambientais devido ao modelo de desenvolvimento assumido pelo PT, sendo o desastre de Mariana provocada pela Samarco, joint-venture formado pela Vale e BHP, o caso mais emblemático.

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Assim, durante o governo Lula tivemos uma grande concentração de ca-pital, principalmente no setor financeiro e agrícola, bem com a política do go-verno federal de formação das grandes multinacionais brasileiras e da sua inter-nacionalização. No período da crise internacional há um aumento das operações de financiamento via Estado às grandes empresas. Assim, o Estado sob gestão do PT aprofundou uma tendência de um intervencionismo concentrador.

Em nenhum momento o PT atacou os setores conservadores, sempre realizou concessões a direita. O exemplo mais claro disso, são as eleições de 2014, a agenda Brasil de 2015 e o Ajuste Fiscal iniciado em 2015 pelo governo Dilma e que se estendeu até seu impeachment. Para vencer o segundo turno das eleições presidenciais se utilizaram da insígnia “Dilma Coração Valente” para designar uma virada a esquerda do próximo governo petista. No entanto, conso-lidada a vitória eleitoral e diante de um quadro de crise econômica e política decorrente dos escândalos de corrupção, os primeiros ministérios do segundo mandato Dilma Rousseff foram compostos por representantes do Agronegócio (Kátia Abreu), setor financeiro (Joaquim Levy) e das alianças estabelecidas com PMDB. As primeiras medidas anunciadas foram de ajuste fiscal e reformas que atacam os direitos das trabalhadoras e trabalhadores, a exemplo das MP 664 e 665.

É importante observar que foi nesse momento que ocorreu Junho de 2013. A grande insurreição popular mostrou definitivamente a incapacidade do PT de controlar as lutas e movimentos sociais. E depois das eleições 2014, a opo-sição burguesa-conservadora liderada pelo PSDB, lançou uma ofensiva de deses-tabilização do Governo Dilma, com apoio dos EUA (tendo em vista que os recen-tes apoios dos EUA em derrubadas de governos na Ucrânia, Síria ou abertamente como no Iraque). Ao mesmo tempo, iniciou-se uma decomposição interna na base do Governo, com a oposição dentro do PMDB liderada por Eduardo Cunha. O PT poderia ter nesse momento, mais uma vez, atacado esses setores. Mas a campanha contra Cunha terminou com uma tentativa de conciliação orquestrada pelo próprio Lula ainda em 2015.

Em meio a toda a crise o partido procurou o tempo todo costurar suas alianças por cima angariando apoio dos setores conservadores, inclusive de cun-ho religioso, em troca de apoio parlamentar e eleitoral, tentando se manter no bloco no poder. No entanto, os desdobramentos da crise política e da ação judi-ciário por meio da procuradoria geral e do judiciário, a crise econômica, a política recessiva do governo Dilma e o descontrole da CUT e do PT das lutas sociais que

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pipocam nas bases estudantis e de movimentos sociais parecem ter determinado a posição burguesa de romper o bloco no poder.

A burguesia se lançou à ação de massas, coordenada com o poder judici-ário e policial ultracentralizado e fortalecido pelos governos do PT, usando esses instrumentos criados e fortalecidos pelo PT contra ele mesmo. Essa ação de mas-sas, combinada com a cisão parlamentar e o uso do poder judiciário, consolida-ram a decomposição do bloco no poder com saída progressiva da indústria (FIESP), da agricultura (Bancada ruralista) e outros setores.

A composição de classe, organizativa e ideológica dos blocos

Por fim, para compreender a crise no bloco do poder é preciso com-preender minimamente a composição de classe, organizativa e ideológica. O PT confundiu o fato de ter sido integrado num bloco de poder, essencialmente his-tórico, isto é, transitório, com a ilusão de ter sido integrado à classe dominante. A crise do bloco no poder mostra que o alinhamento conservador (burguesia nacional, capital estrangeiro-imperialismo) não comporta mais representantes de setores de uma pequena-burguesia reformista e da aristocracia operária. A exclusão do PT do bloco no poder é apenas o primeiro passo de uma grande ofensiva contra a classe trabalhadora, ofensiva esta que não teria sido possível sem o papel cumprido pelo PT.

O bloco burguês-conservador tem uma composição distinta em termos de classes sociais do bloco socialdemocrata. É fundamental compreender tais diferenças. Do ponto de vista de classes, o bloco burguês conservador é compos-to pela grande burguesia industrial, agrária e financeira (a ruptura da Bancada Ruralista e da FIESP com o governo, bem como o apoio de diversas empresas ao impeachment mostra essa unidade); ela também conseguiu integrar uma peque-na burguesia raivosa, especialmente em razão deste último setor ter sido arrui-nado pela crise de 2008 e pela concentração de capital promovida pelo modelo econômico do PT.

Mas esse bloco tem mobilizado um grande número de trabalhadores, especialmente servidores públicos de governos diversos que tem o PT como patrão (nas prefeituras e governos estaduais). Esse último setor entra como força de apoio e não tem compreensão de que o bloco burguês-conservador prepara um grande ataque contra os seus interesses. Do ponto de vista ideológico, o

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bloco burguês-conservador é adepto do pragmatismo, mas comporta desde ten-dências neoliberais até grupos fascistas de extrema direita. A unidade deste blo-co é frágil; embora tenha tido êxito em derrubar o governo do PT ele já está per-dendo grande parte de suas forças de apoio de trabalhadores e mesmo da pe-quena-burguesia, como um sintoma disso temos que Temer possuí a maior taxa de impopularidade de um presidente na história do Brasil.

Por sua vez, o bloco socialdemocrata (e “ex-governista”) é composto por uma pequena-burguesia (pequenos e médios empresários desenvolvimentistas), por uma aristocracia operária e sindical e por uma tecnocracia de empresas esta-tais e bancos. Entram como forças de apoio trabalhadores rurais-camponeses, massas urbanas e assalariados precarizados. A contradição é que esses setores de apoio foram atacados pela política econômica e compromissos do PT enquan-to este estava integrando o bloco no poder. E na realidade, na tentativa de que o PT não fosse derrubado do governo central, ele assumiu o compromisso de ata-car não somente este último setor, suas forças de apoio, mas sua própria base social, a aristocracia (servidores públicos federais, funcionários das grandes em-presas estatais, operários das grandes empresas industriais). Alguns exemplos de ataques a esses setores já estão em curso: o PPE e reforma fiscal que prevê inclu-sive demissão voluntária e congelamento salarial no serviço público, setor “into-cável” até então nos discursos governistas. Ideologicamente, esse bloco é hege-monizado pela ideologia socialdemocrata, cada vez mais democrata-liberal, daí sua crença na democracia como valor absoluto e sua dificuldade para romper com o legalismo mesmo quando esta legalidade não significa nada.

Nesse sentido, apesar da polarização ter conduzindo o proletariado às ruas, nenhum dos blocos tem em seus respectivos programas soluções para os problemas materiais das forças de apoio que mobilizam. As classes sociais e gru-pos que participam nele estão sendo dirigidos por blocos socialmente e ideologi-camente heterogêneos e sem uma base programática que dê coesão duradoura aos mesmos.

A luta e crise do bloco no poder parece estar criando condições para que essas classes-apoio se desprendam dos seus respectivos blocos dirigentes quan-do ficar claro que estes não irão resolver suas necessidades materiais e aspi-rações sociais. É para este momento que precisamos estar organizados e em condições de intervir em escala nacional.

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A agudização da luta de classes: cenários e estratégias de resistência

O Brasil vivencia a ascensão de um setor ultrareacionário. Mas é preciso distinguir o setor ultrarreacionário da direita do PMDB/PSDB (as Bancadas da Bíblia, da Bala e do Boi), de grupos menores, fascistas ou ultraliberais (que emer-giram sob o manto do MBL e Vem para Rua). A fascistização é, como afirmado anteriormente, um aspecto da nova guerra fria. Esse setor ultraconservador no Brasil é retroalimentado pela tendência de polarização internacional, mas tende a ser pouco duradoura.

Não podemos ignorar que existe um processo de fascistização em curso. Mas também não podemos mistificá-lo. Há uma limitação material para ex-pansão do fascismo em um país periférico: o fascismo cresceu cooptando grande parte da classe trabalhadora ao conceder participações significativas no poder de Estado e nos lucros da acumulação. Aqui, além das bravatas e dos preconceitos, o fascismo não tem muito a oferecer, dificilmente se constituindo como movi-mento de massas. O único setor que está na base ultraconservadora, que conju-ga base de massas com alguma ação econômica, são as igrejas neopentecostais, mas mesmo assim isso tem limites. Por isso, combater o fascismo é, antes de qualquer coisa, erodir sua base social, ao explicitar a contradição econômica dos seus líderes, que não tem nada a oferecer, e suas bases, que tem tudo a perder com a política dos mesmos.

O fascismo tem sido usado pelo reformismo como parte da estratégia do medo: para combater o fascismo, supostamente, é preciso abdicar de formas de luta e se aglutinar em torno das organizações reformistas. Mas o reformismo, fortalecido, enfraquece a resistência de classe, e é na ausência dessa que o fas-cismo cresce. Por isso, só existe uma genuína saída ao processo de fascistização: o duplo combate ao fascismo e reformismo. E para combater os dois é preciso a auto-organização da classe trabalhadora.

Decorre desta análise o estabelecimento de uma linha de ação. Devemos saber que uma linha revolucionária não terá de imediato o impacto e adesão de amplos setores, exatamente porque estão presos às ilusões criadas pelo bloco de poder em crise. Mas conforme a crise do bloco do poder se aprofunde ou se resolva, e o golpe institucional avance ou recue para um possível compromisso, esta situação se transformará aceleradamente. Nesse sentido devemos fixar dois pressupostos:

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1 – Nenhum apoio à defesa da democracia liberal ou da “constituição”, ou tran-sigência com a oposição burguesa-conservadora. Isso seria capitular ideologica-mente. Por isso, a palavra de ordem frente à crise deve ser a de: “Não temos uma democracia a defender, temos um Estado de exceção e ajuste fiscal a com-bater“

2 – Não podemos confundir os setores do bloco de poder entre si (o bloco bur-guês-conservador é distinto do bloco socialdemocrata), e menos ainda as classes e forças de apoio com seus núcleos dirigentes; precisamos saber que as contra-dições materiais entre as classes irão se impor e dissolver a unidade interna dos blocos. É preciso disputar esse processo, tendo uma linha de massas indepen-dente.

Tomando então essa política, nos colocamos no campo da oposição re-volucionária, e não da adesão a um dos dois blocos em luta.

Dentre os cenários previstos, consolidou-se a vitória do golpe institucio-nal, com o bloco burguês-conservador aprofundando a repressão e a política de ajuste fiscal, onde a violência e perseguição política poderá ser ainda mais gene-ralizada e as consequências da precarização e intensificação do trabalho intensi-ficar-se-ão; quanto ao bloco socialdemocrata, este mesclou duas ações: num primeiro momento, ameaçou radicalizar as ações de massa com chamados a greve gerais, mas logo as sabotou ou reduziu a greve geral a meros blefes asso-ciada com ações figurativas e de lobby parlamentar. Uma vez que forças impre-visíveis foram despertadas nas greves e marchas (como a Batalha da Esplanada no Ocupa Brasília, entre outros episódios), estas ameaçavam tirar o controle das burocracias sindicais e partidárias, bem como descredenciar a socialdemocracia do aspecto legalista e ordeiro o qual a disputa eleitoral exige como condição de um “governo dentro da ordem”, daí seu recuo. A socialdemocracia, especialmen-te PT e PCdoB, assim, braveja aos quatro cantos a denúncia do golpe, porém aposta todas suas fichas nas eleições 2018 inclusive fechando acordo com parti-dos, políticos e grupos da base golpista. Mantém ilusões no projeto legalista, o mesmo que acusam de ter sido rompido pelo golpe institucional.

Desse modo, em todos os cenários a unidade interna dos blocos tende a entrar em crise. O único fator certo é que ocorrerá um amplo ataque em todos os níveis aos trabalhadores e recursos públicos. Estes cenários podem na hipóte-se menos pessimista, manter o regime, e em situações extremas generalizar o autoritarismo e o Estado de Exceção, resolvendo assim em favor deste último a dualidade (democracia x Tirania) constitutiva do sistema político brasileiro (sobre

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a dualidade do sistema político leia o texto “Democracia e tirania: a luta contra o Estado de Exceção e a decomposição histórica das organizações de trabalhado-res”, disponível no site da UNIPA).

Por isso hoje não podemos nos deixar capturar pela polarização, que após certo recuo, tende a retornar em ano eleitoral. Não podemos cair no dis-curso da defesa abstrata da “democracia”, pois isso implicaria em desorganizar o trabalho preparatório de resistência (ideológico e organizativo) necessário ao enfrentamento da ofensiva que já está sendo realizada e será aprofundada quando a crise interna do bloco de poder se resolver. É necessário que os mili-tantes tenham paciência história e persistência no trabalho de base diário.

A principal tarefa dos anarquistas e revolucionários é ter uma séria polí-tica de organização e resistência de massas capaz de mesclar: a criação de for-mas organizativas autônomas que não permitam que o bloco socialdemocrata canalize exclusivamente para as eleições 2018 a ação e massas; e combater o papel desorganizador que a socialdemocracia e o sindicalismo de estado cumpri-ram para garantir a presença do PT no bloco do poder, inibindo as noções asso-ciativas populares, de forma a contribuir para que haja um movimento de massas e que este ao mesmo tempo consiga enfrentar a repressão e realizar lutas reivin-dicativas.

Programaticamente, é preciso contrapor as políticas que apontam para solução por cima, ou pela esperança de que o Bloco Burguês-conservador resolva a crise, ou que uma nova entrada dos trabalhadores no bloco do poder, seja dirigida pelo PT, seja pelo PSOL, seria a alternativa. As palavras de ordem que representaram e representam esta oposição, foram/são: 1) Nem Impeachment, que implicaria defender um governo do PMDB; 2) Nem a defesa do Governo do PT e da democracia; 3) Nem de eleições Gerais Já, que interessa à oposição bur-guesa. Nenhuma dessas políticas coloca no centro a ação das próprias massas.

Por isso, a nossa política deve ser colocar a centralidade na ação das massas. Esta ação de massas deve ser expressa pelo trabalho de agitação e pro-paganda em favor do Congresso do Povo. Sabemos que o Congresso do Povo não será construído de imediato nessa crise, mas as assembleias populares e consel-hos, que são seus embriões locais, estes podem (assim como em 2013 surgiram fóruns, assembleias e etc.).

A tarefa imediata é:

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1) Fortalecer uma linha política classista e combativa em espaços de or-ganização da classe já existentes, tais como assembleias sindicais, DCEs, CAs, grêmios estudantis, associações comunitárias, grupos de mídia, etc. Apesar da burocratização sindical que serve na maioria dos casos como desorganizador dos interesses da classe trabalhadora, ainda é um espaço reconhecido por um grande setor. É necessário combater a burocracia sindical e partidária e construir alter-nativas! A atuação dos setores combativos nesses espaços quanto mais organi-zada for tanto mais efeito terá para o fortalecimento de um bloco alternativo ao socialdemocrata e conservador, por isso, a importância de reunir os estudantes e trabalhadores dispostos a luta em organizações/oposições sindicalistas revolu-cionárias nos locais de estudo, trabalho e moradia. É necessário construir um Bloco Sindicalista Revolucionário que defenda e sustente em todo o país uma política de centralidade da ação autônoma das massas!

2) Ajudar a preparar junto ao povo as condições para a resistência atra-vés de protestos de rua, ocupações e greves contra a retirada de direitos, contra os efeitos do ajuste fiscal e crise econômica. Organizar a autodefesa popular contra as formas de repressão policial-militar e criminalização que se aprofunda sobre a organização e ação do movimento popular e o povo em geral;

3) Não transigir com a socialdemocracia e seu estatismo. Nos locais onde o movimento de massas está em refluxo, organizar a agitação e propaganda desta política através dos militantes e comitês de apoio do anarquismo revolu-cionário e dos comitês da campanha “não vote, lute”!

4) Participar e construir em todos os lugares que tiverem condições as-sembleias populares autônomas como organismos de contrapoder – fóruns aber-tos para dezenas, centenas e milhares de pessoas para a luta popular. Essas as-sembleias são o único espaço possível para criar aquilo que todos sabem que falta aos setores que vão para as ruas: consciência de classe de seus reais in-teresses. Essas assembleias populares devem ter como principal função organizar a resistência e luta contra o Estado de Exceção e o ajuste fiscal, que irão se apro-fundar nos cenários futuros.

5) Culminar todo o trabalho atual (que são as ginásticas locais e regionais de contra-poder), para a estratégia revolucionária de construção do Congresso do Povo.

Mas o Congresso do Povo e as Assembleias Populares não surgem sem luta. O método hoje é a ação direta e a greve geral. As Assembleias Populares

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devem se colocar como tarefa lançar as massas a ação direta e construir a greve geral como principal estratégia de luta. Parar o Brasil, com a greve geral, para barrar o ajuste fiscal.

Por isso conclamamos todos os anarquistas e revolucionários a soma-rem-se à construção da resistência autônoma e ação direta de massas nos mar-cos dessa linha de ação: pela organização imediata de assembleias populares autônomas; pela construção dos grupos embriões do sindicalismo revolucionário nos locais de estudo, trabalho e moradia; pela construção do Congresso do Povo como alternativa classista e antissistêmica à crise política.

O movimento de massas: a nova classe trabalhadora em formação

O fato mais importante da conjuntura não são as guerras palacianas, guerras de cuspe, na maioria dos casos. O mais importante é o processo de reor-ganização subterrânea da classe trabalhadora brasileira. Depois de Junho de 2013 esse processo vem se manifestando de diferentes maneiras: 1) as greves de massas semiautônomas de 2013-2014; 2) as ocupações secundaristas de 2015-2016, que massificou a luta nas periferias; 3) as lutas indígenas e camponesas autônomas, no Mato Grosso do Sul e Nordeste, especialmente; 4) o ressurgimen-to do movimento estudantil universitário, no final de 2016; 5) o abstencionismo eleitoral, que também é expressão dessa resistência.

Mas esse processo é contraditório: a nova classe trabalhadora vem re-produzindo tanto discursos conservadores quanto práticas combativas. A nível de movimento de massas, abre-se um novo leque de atuação em que mesmo um grupo minoritário pode se sobressair. Se antes entravavam as greves, agora o reformismo precisa capitanear mobilizações para relegitimar a saída parlamen-tar, que está cada vez mais desgastada. Esse contexto leva à classe trabalhadora à radicalização, de modo que as bases espontaneamente pressionem as direções burocráticas nesse sentido. A conjuntura abre a possibilidade de intervenção cirúrgica, que pode se replicar em progressão geométrica.

O abstencionismo eleitoral revela desilusão de grandes contingentes po-pulares com a política parlamentar representativa, mas há um vácuo de opções para além desse paradigma. Igrejas apresentam uma solução imediata para a miséria, a socialdemocracia apresenta soluções generalistas, de longo prazo. Desse modo, as formas de resistência estão ainda num estágio embrionário e é

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necessária uma profunda luta ideológica e organizativa, adequada ao atual mo-mento histórico.

Por um lado, a política e ideologia burguesa, tentam deformar essa clas-se trabalhadora por meio dos apelos ao teologismo, militarismo e patriarcalismo. Mas esses apelos não apontam nenhuma solução para os problemas materiais da classe, ao contrário, aprofundam esses problemas. Por outro, o reformismo igualmente não apresenta uma política de combate ao neoliberalismo e aos pro-cessos de exploração, tenta diluir a resistência na vaga defesa da democracia na promessa de um multiculturalismo estatista e um pacifismo conservador.

3 – As lutas antidiscriminatórias do ponto de vista classista e revolucionário: a luta das mulheres e

combate ao capitalismo-machismo

A conjuntura internacional e nacional tem colocado como tema estraté-gico as políticas discriminatórias. A fascistização implica, cada vez mais, um pro-cesso de ataque às mulheres e grupos etnicamente diferenciados (étnicos, na-cionais, religiosos), de modo que o racismo e machismo-patriarcalismo são revi-talizados.

Porém, esse fato, não deve obscurecer outro: muitas políticas imperiais criaram suas próprias formas de combater a discriminação, induzindo a divisão interna das lutas contra as opressões e incitando a ilusão da emancipação no mercado e no Estado. Por isso é necessária uma crítica das ideologias racistas abertas e também do multiculturalismo liberal, que serve como política de di-visão das lutas e de reprodução do sistema.

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É fundamental apontar como as lutas antidiscriminatórias devem ser co-locadas de um ponto de vista classista, isto é, do ponto de vista global da classe trabalhadora, e revolucionário, isto é, de quem pretende destruir as desigualda-des e opressões de forma estrutural.

A libertação da mulher na linha de fogo: fascismo, reformismo e pós-modernismo

O tema da libertação da mulher está hoje no centro dos debates políti-cos globais. Isso ocorre por diversas razões. Em escala mundial podemos dizer que o imperialismo usa das políticas multiculturais neoliberais e também da reação clerical-militar para aprofundar os ataques contra o campesinato global, especialmente no grande Oriente Médio e Ásia.

Por um lado, por meio de grupos como Isis/Estado Islâmico e do apoio ao fundamentalismo islâmico, como no caso da Arábia Saudita, fortalecem as formas patriarcais de dominação. Ao mesmo tempo, por meio dos programas da ONU e Banco Mundial, tentam desqualificar as formas culturais das sociedades camponesas como “patriarcais”, justificando assim os processos de expropriação, induzindo uma “modernização e ocidentalização” dessas sociedades.

Desse modo temos uma situação complexa, por um lado, uma con-cepção machista-patriarcal é usada para atacar e subordinar mulheres e fortale-cer Estados autocráticos; por outro lado, um feminismo burguês-imperial é em-pregado para colocar as mulheres contra suas próprias comunidades, e ao mes-mo tempo justificar, de um ponto de vista colonial e eurocêntrico, a destruição de formas culturais tradicionais.

Temos então hoje um complexo cenário ideológico. De um lado, a ofen-siva clerical-militar e sua política capitalista-machista-patriarcal. De outro lado, diferentes tipos de feminismo, o feminismo burguês-imperial e o feminismo pequeno-burguês pós-moderno promovem a fragmentação da luta das mulheres e abandonam, na maioria das vezes, o conjunto das mulheres trabalhadoras para promover exclusivamente o direito da mulher branca e pequeno-burguesa.

Se entendemos o feminismo como uma prática de resistência que visa a defesa dos direitos das mulheres, é preciso um feminismo classista, ou seja, um que se coloque do ponto de vista não eurocêntrico e capitalista-liberal, nem do

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individualismo pós-moderno, mas que se coloque como parte das lutas específi-cas e gerais da classe trabalhadora global.

História da luta das mulheres e do feminismo

As mulheres fazem parte das modernas lutas populares e anarquistas desde seu início. A Aliança possuía membros mulheres. A Comuna de Paris pos-suía membros mulheres, assim como na formação do movimento operário euro-peu. Os processos revolucionários do século XX contaram com a participação das mulheres. Mas a ideia de um movimento feminista com pautas centradas na condição da mulher remete de forma mais politicamente definida com a emergência do que a literatura acadêmica denominou como novos movimentos sociais, um conjunto de atores e lutas que partem de questões para além do mundo do trabalho como a questão ecológica, da raça, do gênero e da orien-tação sexual.

Variadas concepções e práticas de feminismo

A “questão da mulher”, a “condição da mulher” como ponto de partida para uma estratégia política de um movimento social específico e não como apêndice da questão operária (mulher e mundo do trabalho) ou da questão da democracia (sufragettes), ganha relevo no período dos anos 1960-1970 em paí-ses de economias centrais do capitalismo.

A noção de “movimento feminista” é hoje, depois de mais de 40 anos de seu início como movimento específico, operada por diversos grupos de maneiras variadas, com bases sociais diferentes e orientações ideológicas distintas. O fe-minismo, assim como o ecologismo, não é algo homogêneo nem politicamente nem em sua base social. Existem diversas concepções de luta feminista: como feminismo radical, feminismo negro, feminismo descolonial, feminismo intersec-cional. Existem também variadas práticas de luta feminista. Assim como no mo-vimento sindical e estudantil existem movimentos, grupos, coletivos, organi-zações feministas integradas a estrutura do Estado ou não integradas. Existem movimentos feministas com uma perspectiva revolucionária, reformista, empre-sarial, governamental, religiosa. As contradições e ambiguidades entre tutela e autonomia também fazem parte da luta feminista. A base social das organizações

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feministas também varia: desde segmentos juvenis de mulheres da pequena burguesia urbana, como a Marcha das Vadias, até mulheres do campo e da cida-de, agricultoras e profissionais liberais ligadas a movimentos governistas como a Marcha das Margaridas da CONTAG ou a Marcha Mundial das Mulheres.

O essencialismo e a questão de clase

Certas teorias e práticas operam uma noção essencializada de mulher, uma noção que é biológica (e até anatômica) antes de ser social (Exemplos: a existência de um feminismo que defende uma certa “guerra de sexos” em vez de uma luta de classes; ou ainda a proibição de transgêneros em espaços feminis-tas). E derivam sua política de elementos biológicos e não econômicos (de clas-se). Assim, tratam a mulher como ser a-econômico. Estabelecem antinomias como homem e mulher, onde a opressão, enquanto noção também abstrata, se liga a figura biológica do homem e toda oprimida ou resistente se liga a figura biológica da mulher. Nesse esquema categorial, de classificação da política a partir de caracteres biológicos, não há um debate de classe (a-classismo), logo oculta-se a questão de classe. E essa ocultação tem consequências políticas. O inverso também é verdade, ou deveria ser verdade. Um feminismo classista, isso quer dizer, de classificação da política a partir de caracteres econômicos também tem consequências políticas. Um feminismo de base popular, com táticas classis-tas e uma estratégia revolucionária tem que ser o oposto dos feminismos essen-cialistas (base biológica e não de classe), segregacionista (mulheres apartadas de homens) e tutelado (por governos, empresas ou Estados).

A violência e exploração contra as mulheres no Brasil

O tema do feminismo e da luta das mulheres está na ordem do dia. Mas não apenas porque há um ataque ideológico e um debate acadêmico, mas por-que o cotidiano de violência e discriminação contra as mulheres é uma realidade. Se ainda não temos elementos suficientes para fazer uma disputa teórico-ideológica de fôlego, mas por outro lado, para a construção de uma linha política voltada para a intervenção na realidade não nos faltam elementos.

O Brasil está entre os países que cometem mais violência contra mulher. Segundo dados do Mapa da Violência 2015 (Cebela/Flacso) o país ocupa a quinta

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posição em um ranking de 83 nações com maior índice de homicídios femininos. Entre 1980 e 2013, 106.093 brasileiras foram vítimas de assassinato. Somente em 2013, foram 4.762 assassinatos de mulheres registrados no Brasil. Os dados também mostram que a taxa de assassinatos entre as mulheres negras aumen-tou 54% em dez anos, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013, caindo o número de homicídios de mulheres brancas.

A violência contra a mulher e contra homossexuais é alarmante: dados mostram que de janeiro a dezembro de 2011 o número de violência baseadas na orientação sexual e na identidade de gênero, segundo levantamento inédito divulgado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDHPR), foram de 6.809 violações de direitos humanos contra LGBTs, envolven-do 1.713 vítimas e 2.275 suspeitos.

Já em relação à violência contra a mulher, segundo um estudo do IPEA – “Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde” – a pesquisa estima que no mínimo 527 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil, sendo que registros do Sinan (que baseia a pesquisa) demonstram que 89% das vítimas são do sexo feminino e possuem, em geral, baixa escolaridade.

O relatório “Progresso das Mulheres no Mundo 2015-2016: Transformar as economias para realizar os direitos”, divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres, mostra que no mundo, em média, os salários das mulheres são 24% inferiores aos dos homens na mesma função. “As mulheres continuam recebendo em todo o mundo um salário diferente pelo mesmo tipo de trabalho e têm menores probabilidades que os homens de receber uma pensão, o que resulta em grandes desigualdades em termos de recursos recebi-dos ao longo da vida”, informa o relatório.

O estudo mostra que 50% das mulheres com idade para trabalhar fazem parte da população ativa. No caso dos homens, o índice é 77%. A pesquisa revela que, em todas as regiões, as mulheres fazem quase duas vezes e meia mais tra-balho doméstico e de cuidados de outras pessoas não remunerados do que os homens.

Segundo a ONU, as mulheres são responsáveis por uma carga excessiva de trabalho doméstico não remunerado referente aos cuidados com filhos, com pessoas idosas e doentes e com a administração do lar. No Brasil, a inserção do conceito de gênero é tardia. Enquanto na Europa e nos Estados Unidos, durante as décadas de 60, 70 e 80, o debate tanto acadêmico quanto político acompan-

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haram a conjuntura do período pós-guerra e, portanto, refletem intensamente sobre a reestruturação do Estado nos marcos do Estado de Bem-Estar Social e da luta por direitos civis. Nesse momento, e naquele contexto, temos tanto posições críticas quanto acomodadas a esta reestruturação. No Brasil, neste mesmo pe-ríodo, o debate sobre gênero é praticamente inexistente, apesar de algumas análises sobre a inserção das mulheres no mercado de trabalho ou dos movi-mentos que começam a surgir na década de 1980. Mas, em termos teóricos, somente em 1990 o conceito de gênero ganha destaque e grassa até os anos 2000 como principal perspectiva de análise sobre as “especificidades” e “particu-laridades” da experiência das mulheres. Em ambos os contextos e períodos, o enfraquecimento (quando não a completa execração) do conceito de classe so-cial é uma forte característica.

São processos correlatos, de um lado temos o desenvolvimento teórico acerca da desigualdade entre homens e mulheres cada vez mais restrito à aca-demia e, por outro lado, temos a institucionalização de movimentos sociais, o avanço do sindicalismo de resultados e da formação de movimentos/coletivos feministas que reforçam políticas de identidade. Todos esses aspectos confor-man um campo de disputa política em torno da institucionalidade e do refor-mismo.

A despeito da diversidade de orientações, todas reforçam o punitivismo e criminalização como forma de combate ao machismo. Nessa realidade, temos como tarefa a compreensão do desenvolvimento desses setores e a sua conexão com o avanço das contradições que aprofundam a luta de classes, sobretudo a partir de 1980 quando começa a se deslocar as questões “classistas” das “especí-ficas” ou de “gênero”.

Para além dessa análise necessária e da denúncia do colaboracionismo, é fundamental ir além, dado que estes jamais atenderão e alcançarão os setores mais precarizados, limitando-se à órbita da cooptação realizada pelo Estado.

Além da violência, as mulheres trabalhadoras têm duplas e triplas jorna-das de trabalho. Realizam atividades para prover e complementar o sustento da família, o trabalho doméstico não remunerado e o cuidado com os filhos, tarefas impostas como de realização exclusiva das mulheres, o que é propício para a continuação da exploração e reprodução do machismo. Ainda sofrem com a sexualização e objetivação de seus corpos, sendo vítimas de assédios e culpabili-zadas por isso. No Brasil as mulheres trabalhadoras ainda morrem em clínicas clandestinas de aborto.

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As trabalhadoras negras ocupam os piores postos de trabalho, tendo os salários mais baixos. Grande parte dessas mulheres está emprega no setor de serviço, na limpeza, e geralmente terceirizada. Além disso, as mulheres trabalha-doras sofrem ainda mais com as péssimas condições do transporte coletivo, assédio e tarifas abusivas, dificultando o acesso ao trabalho, saúde e estudo. As mulheres ficam assim dedicadas aos trabalhos ditos domésticos enquanto conti-nua a falta de investimento em creches públicas, restaurantes e lavanderias po-pulares. Dados do IBGE mostram que as mulheres ocupam cerca de 27 horas semanais com trabalho doméstico, enquanto os homens apenas 10 horas.

Vejamos a posição da mulher trabalhadora na economia brasileira:

• A condição de desemprego/instabilidade para a mulher implica em dependência material e moral de terceiros.

• Mais da metade (51,2%) está submetida ao trabalho informal. (IBGE, 2010).

• O setor de serviços – aqui inclusos alojamento e alimentação, edu-cação, saúde e serviços pessoais, serviços domésticos e outros ser-viços coletivos, sociais e pessoais – mantêm-se como áreas privile-giadas de inserção das mulheres no mercado de trabalho.

• As chances de trabalhar são maiores em determinados setores econômicos – principalmente o setor de Prestação de Serviços –, e em grupos de ocupações típicos desse setor, nos quais sua presença já é tradicional, como professoras, pessoal de enfermagem, secretá-rias, recepcionistas. Representam, portanto, continuidades no pa-drão de ocupação das mulheres.

• A partir de 2007, mulheres representam mais de 40% da PEA. Em média, elas totalizavam 11,0 milhões de pessoas na força de trabal-ho, sendo, 10,2 milhões ocupadas e 825 mil desocupadas. Na inati-vidade, o contingente feminino era de 11,5 milhões de pessoas (IBGE, 2011).

• Com exceção do trabalho doméstico e da ocupação como militar ou funcionário público estatutário, os homens eram maioria dentro da população ocupada nas diversas formas de inserção. As mulheres vêm aumentando sua participação em todas as formas de ocupação. O maior crescimento de participação feminina foi observado no em-prego sem carteira no setor privado.

• As mulheres trabalham, em média, 39,2 horas por semana (2011)

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A opressão capitalista contra as mulheres se expressa pela violência dos patrões e governos e pela parcela de trabalhadores que brutalizados pelo siste-ma (resultado das condições desesperadoras de existência em ambientes precá-rios, invadidos pelas drogas, pela violência e pela cultura patriarcal) reproduzem a opressão da classe dominante. O capitalismo é o responsável por todos os cri-mes que atingem a vida dos pobres.

A liberação burguesa da mulher em nada contribui para a construção de uma sociedade justa e igualitária. Não queremos a “liberdade” de competir e usufruir do poder exercido pelos homens.

Até emancipação integral dos trabalhadores, só possível no socialismo, tudo o que oprime os homens e mulheres, rouba ou gere violência contra a clas-se trabalhadora deve ser combatido! A revolução da qual todos devem participar é a revolução social capaz de destruir o Estado e o capital. As organizações e partidos que não possuem um projeto político revolucionário apenas tentam realizar no plano das lutas a liberdade concedia pela classe dominante às mulhe-res, inclusive, a liberdade de reafirmar e reproduzir o poder da burguesia sobre o conjunto dos trabalhadores. Os governos, a justiça burguesa, os patrões e a polí-cia são os principais realizadores da violência contra as mulheres trabalhadoras.

Feminismo classista como um braço do sindicalismo revolucionário

Essa caracterização nos leva a uma conclusão necessária: hoje grande parte dos coletivos feministas e organizações de mulheres dentro das organi-zações de trabalhadores estão dominadas pelas ideologias do feminismo imperial e pós-moderno pequeno-burguês. Essas ideologias defendem não a guerra de classes, mas a guerra dos sexos; consideram que o machismo-patriarcalismo é fenômeno biológico (do homem) ou cultural (das culturas camponesas e dos países periféricos).

Essas ideologias são essencialmente elitistas e eurocêntricas. Ao mesmo tempo, seu repertório de ação tem sido reduzido e dois conjuntos: 1) a liber-tação da mulher pelo Mercado/Estado; 2) o punitivismo informal, usado como forma de fazer os coletivos de mulheres servirem aos Estados autoritários. Essa política tem sido destrutiva para a luta da classe trabalhadora, e ineficaz para

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conter o avanço da violência contra a mulher. Ao mesmo tempo, tem colocado a massa da população contra o feminismo, pois este tem sido incapaz de se mos-trar como algo além de proposições morais de afrontar aspectos tradicionais da cultura popular.

Por isso é preciso uma política para dar ao feminismo a marca do anar-quismo e do sindicalismo revolucionário. Nossa linha é o que estamos chamando de feminismo classista, que entendemos como um braço feminista do sindicalis-mo revolucionário. Enquanto teoria feminista ele deriva da teoria do sindicalismo revolucionário. Enquanto forma de organização popular ele deriva da organi-zação sindicalista revolucionária. Nesse sentido, o feminismo refere-se à história de luta das mulheres trabalhadoras e o classista se inspira na tradição de luta autônoma dos trabalhadores representada pelo sindicalismo revolucionário. Logo, falar em feminismo classista é falar de uma luta das mulheres baseada em ideias chaves da tradição revolucionária do sindicalismo como ação direta (e não tutela), trabalho de base, autonomia (e não integração as estruturas do Estado e do mercado), sabotagem, solidariedade de classe (e não sororidade de gênero), boicote, poder popular, insurreição.

O elemento principal é substituir a ideia básica do feminismo imperial e pequeno-burguês: a ideia da sororidade. A sororidade tem sido usada para a dominação; ela chega ao ponto da afirmação que as mulheres camponesas do Oriente Médio têm uma relação de solidariedade com as mulheres capitalistas de Wall Street, mas que são inimigas dos seus vizinhos camponeses e dos seus filhos; que as mulheres brasileiras pobres devem ter solidariedade com as gran-des empresárias e artistas, sendo os homens pobres e explorados seus principais inimigos.

Partindo da constatação de um fato, de que existe dominação entre ho-mens e mulheres, esses feminismos produzem uma ideia que visam não libertar a mulher da dominação global, mas submetê-la a exploração do grande capital e dos grandes Estados. A ideia de sororidade, assim, está fundada na noção de colaboração de classes, da mulher pobre e trabalhadora com a mulher rica e exploradora. Sororidade é colaboracionismo. Essa ideia, por diversos motivos, tende a ser rechaçada pelas massas.

Contra o princípio da sororidade, o anarquismo e o sindicalismo revolu-cionário devem opor o princípio da mutualidade feminina. O mutualismo é um pacto de apoio mútuo, de reciprocidade. Ele parte justamente da constatação das desigualdades sociais e econômicas. Essa mutualidade feminina tem duas

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dimensões: 1) a mulheres devem prestar apoio mútuo entre si, deve existir soli-dariedade entre as mulheres na defesa dos seus direitos; 2) as mulheres, enten-dendo que sua emancipação só se realiza integralmente com extinção de todas as formas de opressão-exploração, deve ter um pacto de ação-solidariedade com todas as lutas contra a opressão-exploração. Desse modo, homens e mulheres tem uma base comum de reciprocidade das lutas, necessariamente.

Desse modo, a ideia de mutualidade feminina ataca a opressão específi-ca da mulher sem renunciar a sua participação na luta global contra o sistema capitalista e o Estado. Ela também combate a política de dividir para governar, induzida pelo feminismo imperial e reproduzido pelo feminismo pós-moderno.

As mulheres enfrentam diversos problemas concretos. O feminismo im-perial e pequeno-burguês reduz o problema das mulheres a violência doméstica, exatamente porque quer se visibilizar apenas o conflito dentro da família. Mas existem uma multiplicidade de contradições internas, de formas de violência e opressão que ligam o ambiente doméstico às principais instituições da sociedade estatal e capitalista, que ficam fora de questionamento.

Podemos resumir que as mulheres enfrentam três grandes conjuntos de problemas: 1) discriminação e preconceito; 2) exploração; 3) violência. Esses três problemas constituem o que podemos chamar de opressão das mulheres. Logo, para combater essa opressão existem diferentes táticas.

O preconceito e a discriminação são formas ideológicas. As sociedades, homens e mulheres, são treinados a ver o mundo de determinadas formas. No caso da opressão das mulheres existem 3 formas principais de preconcei-to/discriminação machista-patriarcal: 1) sexismo, que reduz a mulher a um obje-to sexual; 2) a supremacia masculina, que afirma a inferioridade da mulher (físi-ca, intelectual); 3) “domesticidade”, que considera que o espaço da mulher é a casa.

Esses preconceitos têm origens em diferentes instituições e relações so-ciais, e certamente a classe trabalhadora é o tempo todo deformada nesses pre-conceitos. Instituições religiosas, escolares, todas elas atuam para promover e inculcar tais preconceitos. Mas vejamos, a existência de preconceitos não confi-gura que alguém seja um opressor, configura que esses indivíduos e coletivida-des, homens e mulheres, vivem sob um regime de opressão. E de todas essas ideias, a que tende a ser mais difícil de ser combatida, é da supremacia masculi-na.

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Desse modo, para combater esse aspecto ideológico da opressão só exis-tem dois meios: 1) a luta ideológica, ou seja, o debate de ideias, a propaganda, a livre discussão; 2) o método materialista de mobilização, é colocar uma luta concreta que possa explicitar a contradição entre os preconceitos no qual a clas-se trabalhadora é acorrentada e as necessidades da sua luta e resistência diária pela sobrevivência e melhores condições de vida.

Ao encontrar o preconceito na classe trabalhadora, e o domínio das ideias religiosas e patriarcais, o que o feminismo imperial e pequeno burguês faz? Do alto do preconceito elitista e eurocêntrico, desqualifica essa classe tra-balhadora como sujeito político. Fecha os olhos para a luta ideológica e paras lutas reivindicativas reais. Se encastela em pequenos grupos fundamentalistas de mulheres que não dialogam com a pauta da mulher trabalhadora.

Nossa linha é oposta: reconhecendo as contradições da classe trabalha-dora, reconhecemos que a atividade de resistência é transformadora; que as opressões sendo solidárias entre si, criam a base material para que a resistência também seja. Essa luta ideológica deve ser travada de duas maneiras: 1ª no âm-bito da classe trabalhadora, os preconceitos devem ser combatidos não pela denúncia-punição, mas por uma atividade educativa; 2ª essa atividade educativa deve ser ligada a uma atividade prática reivindicativa, na qual devem tomar parte homens e mulheres, sempre resguardando o protagonismo feminino nas pautas de opressão de gênero e outras que as próprias organizações assim estabelece-rem. Cabe então aos militantes saberem ligar essas lutas e criarem a condição para unidade.

O segundo aspecto da opressão se dá no terreno do trabalho; com as formas de desigualdade e exploração: 1) divisão desigual do trabalho doméstico; 2) salários menores; 3) jornadas de trabalho maiores. Enquanto a divisão de-sigual do trabalho doméstico deve ser tratada como uma tarefa política e ideoló-gica, isso significa que homens e mulheres classe trabalhadora devem dividir o trabalho doméstico de forma igualitária. Mas é preciso observar que o trabalho doméstico, muitas vezes, é uma fuga da exploração do trabalho. Por isso não é o trabalho doméstico que deve ser condenado, mas como este pode ser base de um regime opressivo.

No terreno do trabalho assalariado os mecanismos de opressão operam para rebaixar os salários e aumentar a jornada de trabalho feminina. A superex-ploração é, assim, a principal forma de subordinação da mulher, pois ela impede, inclusive, que a mulher tenha condições materiais para se emancipar de uma

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relação doméstica opressiva. Não são os homens os beneficiários dessa desigual-dade; é o capital. A igualdade salarial é, assim, uma reivindicação conjunta de homens e mulheres.

Aqui o feminismo imperial e pequeno-burguês são simplesmente cegos. Eles deixar as mulheres à mercê da superexploração capitalista. Não há nenhuma atividade séria, pois isso exigiria confrontar os poderes do capital e do Estado. Para lutar contra essa dimensão da opressão das mulheres, a luta feminista deve necessariamente convergir para o sindicalismo revolucionário.

As mulheres devem se organizar em sindicatos revolucionários, e tomar parte na linha de frente da resistência contra a exploração global da classe. Essa participação numa atividade de resistência real, como nos ensina Rojava, terá efeitos pedagógicos muito mais efetivos que a mera propaganda e organização em clubes exclusivos; essa atividade irá colocar as mulheres em espaços de dis-cussão e decisão coletiva, numa posição igual ao dos homens, fazendo os pre-conceitos caírem por terra um a um.

Desse modo, a atividade sindicalista irá colocar em prática o princípio da mutualidade feminina, ligando a defesa dos interesses das mulheres ao interesse do conjunto da classe, restringindo assim o espaço objetivo para o crescimento das ideologias machistas-patriarcais, que em nome da preservação de valores conservadores, oferece a intensificação da opressão econômica de homens e mulheres.

Por fim, e não menos grave, temos o problema da violência de gênero, que constitui o aspecto mais visível da opressão da mulher. É preciso distinguir as formas de violência: 1ª violência simbólica (assédio moral e/ou sexual): 2ª a violência física (agressão, estupro). Essas duas formas de violência podem se manifestar ainda sob três modos: 1ª violência doméstica, 2ª violência a institu-cional e 3ª violência no local de trabalho.

A violência simbólica não é apenas a reprodução de preconceitos e for-mas de pensamento discriminatória. A violência simbólica é uma prática sistemá-tica, ou seja, rotineira, de rebaixamento e assédio moral e sexual (uso de coerção/intimidação ou de uma posição de poder para constranger/submeter alguém a fazer algo contra sua vontade), que normalmente antecedem ou acompanham as formas de violência física. É fundamental então distinguir mani-festações preconceituosas ou desvios ideológicos de violência simbólica. Isso porque, enquanto para os casos de preconceito a solução é a luta ideológica e

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educativa-reivindicativa, para os casos de violência simbólica e física a política deve ser distinta.

Para combater as formas de violência contra a mulher, somente a auto-defesa feminina, realização máxima do protagonismo feminino. O combate a violência contra a mulher se faz pelo recurso a violência e a defesa pessoal. Mas deve-se também distinguir claramente quando essa violência é doméstica, insti-tucional e no local de trabalho.

A violência doméstica deve ser combatida por meio da autodefesa das mulheres, mas esta prática deve estar sempre conjugada com um apelo reinte-grador. A autodefesa, aqui, é uma última forma de convencimento e educação. A violência é usada para dizer que a violência de gênero não é tolerada nos es-paços da classe trabalhadora.

Quando se trata da violência institucional (nas instituições policiais, mili-tares, governamentais) e no local de trabalho, a autodefesa deve ter como obje-tivo eliminar todas as ameaças e focos geradores da violência contra a mulher. Sua função não é, em última instancia, educativa, mas sim, destrutiva. Essa dife-rença é fundamental, pois essas instituições estatais e capitalistas produzem uma violência sistêmica, que alimenta e, em última instancia, é causa e mecanismo de sustentação da violência doméstica.

Outro aspecto fundamental da luta contra a violência de gênero é a ex-tensão da mutualidade feminina como princípio prático. O apoio mútuo deve ser praticado sob a forma de grupos de apoio psicológico, médico, jurídico e finan-ceiro a mulheres que sejam vítimas de violência de gênero. Este é um aspecto fundamental: criar entre as estudantes e trabalhadoras esses grupos para agirem no combate a violência contra a mulher.

Por fim, a violência de gênero é um tema político. As organizações de mulheres e sindicalistas revolucionárias devem tomar parte na denúncia e na organização política contra a violência. Essa organização abrange as atividades educativas-reivindicativas, de apoio mútuo e autodefesa, que tomadas em con-junto, constituem a linha do anarquismo e do sindicalismo revolucionário para enfrentar o problema da opressão das mulheres, que tende a se agravar com a crise do capitalismo, o avanço da fascistização e burocratização das lutas impos-tas pelo reformismo.

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4 – Programa de lutas para o próximo período

Partindo dessa leitura crítica da conjuntura nacional e internacional, o VI Congresso da UNIPA apontou para um programa de luta e organização para o período 2017-2020.

O foco principal da luta de massas, conforme a indicação do V Congres-so, deverá ser a consolidação das organizações sindicalistas revolucionárias sob a forma de Federações Autônomas. A consolidação das organizações sindicalistas revolucionárias, assim, é um passo essencial. Nesse trabalho deveremos expandir o contato com novas organizações autônomas surgidas depois das lutas do pe-ríodo, convidando-as para integrar a construção do sindicalismo revolucionário do Brasil.

Nesse sentido, a realização de um Encontro de oposições e organizações sindicalistas revolucionárias é uma tarefa fundamental do período, bem como a articulação e diálogo com organizações de base diversa para a expansão do sin-dicalismo revolucionário.

Em termos de trabalho militante, iremos destacar a luta contra o racis-mo e o machismo, com a promoção da luta ideológica e teórica contra as ex-pressões do reacionarismo e do multiculturalismo neoliberal e ideologias pe-queno burguesas. Para isso iremos aprofundar a construção do feminismo clas-sista como um ramo do sindicalismo revolucionário. Esse é um aspecto estratégi-co da luta de massas, especialmente em razão do processo de fascistização em curso em escala global.

O processo de organização do setor superexplorado e precarizado, com a difusão de formas mutualistas de associação e práticas de solidariedade econômica também serão outra ferramenta fundamental. Desse modo, iremos diversas formas cooperativas e mutualistas, sempre como aspecto da organi-zação reivindicativa do sindicalismo revolucionário. Tais medidas de promoção

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do apoio mútuo são fundamentais para enfrentar as ofensivas neoliberais e re-formas em curso, que tendem a aprofundar a pobreza e miséria.

Além disso, manteremos os dois eixos principais das nossas campanhas de agitação e propaganda: a campanha pela Greve Geral e Todo poder ao Con-gresso do Povo; a campanha Não Vote: Lute! Nesse atual contexto, a palavra de ordem de uma greve geral insurrecional será o contraponto da campanha Lula 2018, assim como a própria campanha Não Vote: Lute! Desse modo, iremos la-nçar a construção de Comitês ampliados da campanha Não Vote Lute, como forma de contrapor a Campanha Lula 2018. Esses comitês devem funcionar, an-tes e depois das eleições, como comitês de construção da greve geral.

Um segundo ponto fundamental do Plano de Lutas é a construção inter-nacional. A CNT (Espanha), USI (Itália) e FAU (Alemanha) apontaram para um importante processo de ruptura com o revisionismo e uma autocrítica necessária do afastamento das massas. Realizaram um chamado à reconstrução da AIT que pode se tornar um importante espaço de articulação internacionalista. Nesse sentido, o congresso resolver orientar a participação crítica nesse processo, com a defesa dos princípios do sindicalismo revolucionário, mas visando a estrutu-ração imediata de uma Associação Internacional dos Trabalhadores.

Esse plano de lutas visa, então, extrair da análise de conjuntura medi-das práticas. Dar materialidade a nossa compreensão da realidade. Por isso a UNIPA, no próximo período, irá dar ênfase a essa construção e a esse plano de lutas. Ao mesmo tempo, conjugamos nosso programa reivindicativo e revolucio-nário que é a base do plano de lutas do período, bem como nossa estratégia organizativa de médio e longo prazo.

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Construção Nacional de Comitês de Agitação e Propaganda da UNIPA

Como o objetivo de divulgar a teoria e a ideologia bakuninista e intervir

na luta de classes, a União Popular Anarquista (UNIPA) está fomentando a construção de Comitês de Agitação e Propaganda (CAP) por todo o país.

Os Comitês de Agitaçaõ e Propaganda têm a função de distribuir os bo-letins e os documentos da UNIPA, organizar seminários e debates, bem como auxiliar com apoio material em geral. Além de contribuir com informes locais, podendo enviar textos e análises, que poderão ser publicados de acordo com nossa política editorial, e também propor pautas para os boletins.

O bakuninismo é um importante instrumento para a construção da re-volução proletária, por isso, convidamos todos os companheiros e compa-nheiras para difundir sua teoria e sua ideologia.

Ousar lutar, ousar vencer!

Construção de Pró-Núcleos da UNIPA A luta de classes no Brasil e mundo exige um posicionamento ideológico

e teórico correto dos militantes dos movimentos sindical, estudantil e popu-lar. O bakuninismo fornece a teoria, a estratégia e o programa revolucionário capaz de romper com o reformismo e avançar para a construção da ruptura socialista e revolucionária.

A União Popular Anarquista (UNIPA) convoca todos os companheiros e companheiras dos movimentos sindical, estudantil e popular, que tenham acordo político com o bakuninismo e desejem ingressar nos quadros da nossa organização, para a construção de Pró-núcleos da UNIPA por todo o país.

Além da propaganda, os Pró-núcleos da UNIPA atuam na luta de classes a partir da unidade teórica, estratégica e programática com a organização.

O bakuninismo é um importante instrumento para a construção da re-volução proletária, por isso, convocamos todos os companheiros e compa-nheiras para se organizarem em torno de sua teoria e sua ideologia.

Entre em contato: [email protected]

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