Imaginário do consumo: aproximações entre corpo e embalagem1
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Revista da Associao Nacional dos Programas de Ps-Graduao em Comunicao
Imaginrio do consumo: aproximaes entre corpo e embalagem1
Tnia Mrcia Cezar Hoff2 ESPM/SP
Resumo: Neste artigo, resultado parcial de uma pesquisa a respeito do imaginrio de corpo na publicidade brasileira, pretendemos discutir algumas aproximaes entre corpo e embalagem, pois observamos que as representaes de corpo presentes na criao publicitria apontam para a existncia de um vvido dilogo com as representaes de produto. Na medida em que corpo e produto se confundem, consideramos ser possvel delinear um imaginrio do consumo e, nele circunscrito, um consumo do corpo. A campanha publicitria das Sandlias Ipanema Gisele Bndchen, da Grendene, produzida pela agncia W/Brasil, constitui o corpus que ser analisado a partir de uma analogia entre embalagem e palimpsesto -- documento sobre cuja superfcie muitos textos foram escritos e dos quais conserva traos imperfeitamente apagados.
Palavras-Chave: imaginrio; corpo; embalagem.
Abstract: In this article, partial result of a research concerning the imaginary of body in Brazilian advertisement, we aim to discuss some approximations of body and package. We have observed that the representations of body present in advertisement creation point towards the existence of a vivid dialogue with the representations of a product. As body and product are mixed up, we consider being possible to outline an imaginary of consumption and, circumscribed within, a consumption
1 Artigo apresentado no GT Tecnologias do Imaginrio, no VIII Seminrio Internacional da Comunicao: Mediaes Tecnolgicas e a reinveno do sujeito, realizado na PUCRS em novembro de 2005. 2 Doutora em Letras pela FFLCH USP e professora do Programa de Mestrado em Comunicao e Prticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing ESPM/SP.
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of body. The advertisement campaign of Gisele Bndchen Ipanema Sandals by Grendene, developed by the agency W/Brasil, is the corpus which will be analyzed through an analogy between package and palimpsest a document in which one writes many times, leaving old writings poorly erased still visible.
Key words: Imaginary; body; package.
Rsum: Dans le prsent article, rsultat partiel dun travail de recherche portant sur limaginaire du corps dans la publicit brsilienne, nous nous proposons de discuter quelques approximations entre le corps et lemballage, car nous avons remarqu que les reprsentations du corps quon trouve dans la cration publicitaire signalent lexistence dun dialogue vivant avec les reprsentatiosn du produit. Dans la mesure o le corps et le produit se confondent, nous pensons quil est possible desquisser un imaginaire de la consommation et une consommation du corps qui y est circonscrite. La campagne publicitaire des sandales Ipanema Gisele Bndchen, de la compagnie Grendene, produite par lagence de publicit W/Brasil, constitue le corpus qui sera analys partir dune analogie entre emballage et palimpseste document sur la surface duquel on a crit maintes reprises et o il reste des traces visibles dcrits antrieurs effacs de manire imparfaite.
Mots-cls: imaginaire ; corps ; emballage.
Resumen: En este artculo, resultado parcial de un estudio sobre el imaginario del cuerpo en la publicidad brasilea, pretendemos discutir algunas aproximacciones entre cuerpo y envoltorio, ya que segn observamos las representaciones del cuerpo presentes en la creacin publicitaria sealan la evidencia de un dilogo con las representaciones del producto. En la medida en que cuerpo y producto se confunden, consideramos que es posible establecer un imaginario del consumo y, a l circunscrito, un consumo del cuerpo. La campaa publicitaria de las Sandalias Ipanema Gisele Bndchen, de la Grendene, producida por la agencia W/Brasil, constituye el corpus que ser analizado a partir de una analoga entre envoltorio y palimpsesto - documento sobre cuya superficie muchas veces se ha escrito y que conserva huellas de escritos anteriores imperfectamente borrados.
Palabras-Clave: imaginario; cuerpo; envoltorio.
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Gisele Bndchen, top model brasileira de projeo internacional,
aparece em campanha publicitria completamente nua e tatuada de beija-
flores, tucanos, borboletas e bromlias. A imagem de uma sensualidade
quase infantil: Gisele no est nua! Revestido de elementos da fauna e da flora
do Brasil, seu corpo ganha dimenses de embalagem: confere visibilidade s
Sandlias Ipanema, da Grendene, e comunica o posicionamento do produto
no mercado fashion. No se trata de nudez: a top model encontra-se vestida
de natureza brasileira transformada em apelo de consumo, conforme enuncia
o novo slogan do referido produto: Brasil flor da pele.
Talvez parea algo forado ou descabido aproximar corpo e embalagem;
no entanto, se atentarmos para as transformaes da cultura desde o sculo
XX at o incio do XXI e para os seus impactos na concepo de tempo e
espao e em outras que a elas se associam --, bem como na construo de
subjetividades e de identidades, podemos identificar re-significaes do corpo.
Algumas caractersticas da cultura digital ou cibercultura, tais como,
desmaterialidade; desreferencialidade; destotalidade e
destemporalidade so noes explicitadas nas representaes de corpo
desde a arte, passando pela cincia, at a publicidade (Featherstone: 1999;
Martins 2004; Santaella: 2004; Garcia: 2005; dentre outros).
Conforme afirma Wilton Garcia (2005: 159):
a imagem de corpo contemporneo pressupe a diretriz da aparncia como recorte conceitual e, dessa forma, quer justificar a recorrncia de uma enunciao que extrapola o lugar do sujeito materialidade da carne. (...) Essa ltima (a imagem) emerge na superficialidade da forma, pois destaca apenas o que se mostra exteriormente resultante visual de potencialidade do mercado, portanto, mutvel, artificial. Em outras palavras, a aparncia corporal torna-se um no-lugar de profundidades (inter)subjetivas e, conseqentemente, a mdia desloca a identidade desse corpo para dar lugar ao enftica do consumo.
A despeito de uma possvel viso apocalptica ou disfrica dos impactos
da cultura tecnolgica digital, o autor alude ao fato de que a complexa
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representao do corpo torna-se cada vez mais flexvel, efmera, provisria,
inacabada, parcial (2005:14), corroborando as reflexes de Nzia Villaa e
Fred Ges na obra Em nome do corpo (1998:13): nesse momento de crise, o
corpo deixa de funcionar como dado de identidade fixa e natural, lugar de
delimitao e referncia estvel, para tornar-se a expresso da identificao
pela mutao e pela performance.
Na cultura digital, observa-se uma tendncia de promover modificaes
no corpo (Featherstone: 1999; dentro outros mencionados anteriormente):
desde as que implicam interferncias sutis, obtidas em longo prazo com a
utilizao de cosmticos e a prtica de ginstica; passando pelas permanentes
como o bodybuilding, a tatuagem e o piercing para estas duas, existem
tcnicas de remoo, embora no popularizadas --; at aquelas radicais como
as cirurgias que promovem interferncias profundas e irreversveis. Tais
prticas denunciam uma nfase na visualidade do corpo.
Nos limites deste artigo, pretende-se estabelecer algumas aproximaes
possveis entre corpo e embalagem, considerando os impactos das tecnologias
no imaginrio de corpo na publicidade aqui entendida como produo
cultural caudatria, isto , que no cria, mas denuncia as concepes de
mundo dos diferentes grupos para os quais dirigida. Longe de considerar a
publicidade ou a tecnologia como salvao ou perdio da sociedade ps-
moderna, o que se intenta apresentar uma breve discusso acerca de re-
significaes de corpo na sociedade de consumo.
A nova campanha publicitria das Sandlias Ipanema Gisele Bndchen,
da Grendene -- produzida pela agncia W/Brasil constitui o corpus a ser
analisado. O design tambm ser objeto de algumas ponderaes, na medida
em que seu desenvolvimento afeta a criao publicitria e as reflexes quanto
s reas de atuao da comunicao de marcas, produtos e servios
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Cultura: mistura e continuidade
A cultura se mantm e viceja numa complexa rede de significados,
fludica, permevel e repleta de veios que alimenta todos os ns e que garante
a irrigao de todo o tecido social. Nada se perde em termos de significado na
cultura, h sempre aproveitamentos, adaptaes, transformaes mais ou
menos intensas. As produes culturais armazenam os significados, mas no
de forma estagnada! Os significados so articulados uns com os outros e na
interao so alimentados, modificados etc. Na complexa rede de significados
da cultura, o novo e o velho coexistem. Por isso, entendemos que os
significados que aliceram as representaes de corpo na publicidade tm
heranas muito antigas. Caso contrrio no teriam tanta fora significativa.
Cultura , portanto, mistura: bastante difundida, essa metfora bem
explicita a idia de que nada se perde e de que h sempre uma proliferao de
sentidos de cultura (Canclini; 1997). Conforme Santaella (2003: 14), a
cultura comporta-se sempre como um organismo vivo e, sobretudo,
inteligente, com poderes de adaptao imprevisveis e surpreendentes. Ainda
segundo a autora, as eras ou as formaes culturais no so lineares, como se
uma era precisasse desaparecer para que a prxima surgisse:
ao contrrio, h sempre um processo cumulativo de complexificao (...): Uma nova formao comunicativa e cultural vai se integrando na anterior, provocando nela reajustamentos e refuncionalizaes. (...) Em cada perodo histrico, a cultura fica sob o domnio da tcnica ou da tecnologia de comunicao mais recente. Contudo, esse domnio no suficiente para asfixiar os princp[ios semiticos que definem as formaes culturais preexistentes (2003: 13-14).
Na atualidade, a julgar pelas re-significaes presentes na publicidade,
a tecnologia acena de forma otimista para a possibilidade de aprimoramento
do corpo e at de superao das limitaes impostas pela condio humana. O
binmio imperfeio-perfeio, revestido de diferentes linguagens,
recorrente nos imaginrios mtico, religioso e mdico. Observa-se uma inter-
relao entre eles, posto que os trs recorrem temtica do transhumano e/ou
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do ps-humano. Hoje, coexistem noes de corpo de diferentes momentos
histricos. Vale lembrar a metfora da mistura.
J desde a Grcia antiga, no perodo que se estende do pr-socrtico ao
helenismo, h mitos que se referem a criaturas que so uma mistura de
humano e algo mais e que tm fora e poder superiores ao do Homem. Seriam
tais criaturas uma revelao de que, para os gregos, o corpo imperfeito? Tal
questes podem ser fundamentadas com as reflexes de Nietzsche em O
nascimento da tragdia ou helenismo e pessimismo (1992). Para ele, o
homem grego, ao se distanciar dos mitos e fazer uso da razo, revela sua
natureza trgica, ou seja, a insatisfao com a vida, com a natureza e com a
natureza humana. Com Scrates e Plato, aquela civilizao atingiu o pice de
negatividade, posto que os dois filsofos desenvolveram uma reflexo a
respeito da vida perfeita e do mundo ideal, respectivamente. O idealismo ,
em certo sentido, a negao do mundo e suas imperfeies. Tambm na arte
grega encontram-se evidncias da idia de imperfeio: a preocupao com a
proporcionalidade, simetria e harmonia apontam para uma tentativa de
correo da natureza (Duarte: 1997). Ao desenvolver tais conceitos buscam,
por meio da razo, criar condies para a perfeio. Note-se a visualidade do
corpo como aspecto relevante j desde a Grcia antiga.
No imaginrio religioso cristo, encontra-se uma fundamentao
bastante consistente para a concepo de corpo imperfeito. Na idade mdia, a
igreja transforma o motivo intelectual do pesado original um desafio
intelectual a Deus em carnal/sexual (Le Goff: 1994). O corpo passa a ser a
instncia em que o diablico se manifesta. A imperfeio do corpo prejudica a
alma: trata-se de representao carnal do pecado, que deve ser evitado, para
que a alma alcance o paraso e a vida eterna. O mal ou a imperfeio afetam a
aparncia do corpo, de modo que os males espirituais se manifestam na carne.
No imaginrio mdico, por sua vez, a idia de imperfeio encontra-se
associada doena: o corpo doente carece de interveno para voltar a ser
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saudvel. Em outros termos, para a medicina, o corpo um vir a ser, ora
porque precisa debelar a doena, ora porque pode ser submetido cincia. A
superao encontra-se na tanto na perspectiva de cura quanto na de poder
transformador da cincia: a medicina cientfica tem o corpo como lugar de
experimentao, pronto para superar os limites impostos pela condio
humana.
Entenda-se por superao da condio humana uma transformao do
corpo, ou seja, uma passagem do orgnico humano -- para o inorgnico --
ps-humano ou corpo-mquina --, dada a possibilidade de interveno
cientfica por meio da tecnologia. A doena e o envelhecimento, por exemplo,
so faces da imperfeio, na medida em que revelam a fragilidade e
temporalidade da carne. So representaes da morte: o corpo em estado
original caminha para o fim, mas o aprimoramento, alcanado por meio da
cincia e da tecnologia, aponta para eliminao deste aspecto negativo. Eis as
caractersticas da ps-modernidade: desmaterialidade e destemporalidade!
Na temtica do ps-humano ou do transhumano, h referncias mtico-
religiosas que apontam para a superao dos limites corporais: As fantasias
de superao dos limites corporais, da ubiqidade das subjetividades
tecnolgicas ou da digitalizao do self, entre outras, apontam para um desejo
de fuga de escape do tempo e do espao (Felinto: 2003).
Em que se fundamenta tal concepo de corpo? Segundo Lecourt
(2003), o imaginrio religioso fundamenta os discursos da inteligncia
artificial, o qual afeta a compreenso das relaes possveis entre cincia e
corpo. As questes de biotecnologia sustentam duas correntes de
interpretao do ps-humano, ou seja, a biotecnologia poderia fundamentar a
desapario do corpo orgnico a partir do desenvolvimento de um corpo-
mquina ou possibilitar o seu aprimoramento. Na primeira perspectiva,
observa-se um horror ao corpo, noo difundida pelo imaginrio religioso
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cristo, (Le Goff:1994; Lecourt:2003; Felinto: 2003 e 2005) e, na segunda,
uma redeno do corpo pelo controle e correo dos males que o afetam.
Este debate surge profundamente estruturado por duas grandes concepes teolgicas crists acerca da situao do homem no mundo. (...) Um milenarismo otimista da grande restaurao com uma esperana de redeno ope-se a um milenarismo apocalptico que s timidamente deixa perceber uma esperana de ressurreio (Lecourt: p.71)
O imaginrio tecnocultural que se expressa na publicidade alicerado
pela idia, recorrente na cultura ocidental, de que possvel superar a
condio humana, alterando as relaes corpo-tempo e corpo-forma. Trata-se
de uma viso otimista quanto ao uso da biotecnologia como um conhecimento
que pode aperfeioar o corpo por meio da tecnologia.
A publicidade anuncia a superao do tempo. O corpo como
embalagem no sofre sua ao e permanece inalterado na aparncia jovem.
Observa-se na imagem de corpo um vir a ser. Dada sua condio mortal, faz
sentido conceb-lo como algo por fazer, ou seja, algo que pode sofrer
intervenes. Nesse sentido, prolongar a vida ou aprimorar o corpo consiste
na tentativa de adiar a morte.
O produto faz apologia eterna juventude. Dentre os inmeros
produtos que se assemelham nas vitrines e nas mensagens publicitrias,
destaca-se aquele que tiver a embalagem mais vistosa e atual. H sempre
alguma novidade. A acentuada preocupao com o design das embalagens
caracteriza o atual estgio do mercado: visibilidade o que se espera, posto
que j no h diferenas significativas quanto matria-prima, tecnolgica e
performance dos produtos. Assim, despertar o interesse do olhar do
consumidor num mercado sobrecarregado de visualidade faanha da
embalagem.
No entanto, a imagem implica ausncia do objeto: ao enunciar o
produto por meio da visualidade, o corpo pode reduzir-se na sua
complexidade multifacetada. Segundo Baitello (2002: 33), a transferncia
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das vivncias do corpo para o mundo das imagens significa tambm sua
transferncia para um tempo in effigie, congelado em um eterno presente e,
portanto, sem presente.
Vale citar, aqui, as palavras de Kamper, a partir de Baitello (2002: 35):
ver permanece superficial. A profundidade do mundo no para o olho. E
quando o olhar penetra, apenas aumentam novamente as superfcies e as
superficialidades. A era ptica j o provou ex negatio. Ou seja, o corpo
embalagem na campanha das Sandlias Ipanema Gisele Bndchen, da
Grendene, produz visibilidade para o produto, mas tambm produz uma
invisibilidade para a nudez da top model. A plasticidade da embalagem parece
enfraquecer as dimenses biofsicas e culturais do corpo. Trata-se de um
corpo que se transformou em imagem: da sua visualidade exacerbada.
Embalagem e palimpsestos: breves aproximaes
A noo de corpo impregnada de visualidade sugere uma analogia entre
embalagem e palimpsesto, salvaguardadas as devidas diferenas histricas e
funcionais que os reveste. Segundo Cauduro (2004:53), o palimpsesto um
documento/suporte sobre cuja superfcie muitos textos foram escritos e na
qual ainda permanecem os traos visveis, imperfeitamente apagados de
escritos anteriores, que se constituem em importante fonte de recuperao de
obras literrias perdidas da Antigidade clssica. O termo palimpsesto
significa raspado de novo em grego. Pode ser entendido como um
pergaminho reciclado ( 2004:55).
O corpo embalagem da campanha das sandlias Ipanema, da
Grendene, faz aluso ao palimpsesto. O corpo da top model re-escrito com
um novo texto: uma vez apagado o texto da nudez, escreve-se um outro: o da
cultura brasileira, tomando a fauna e a flora como paradigmas. Os elementos
combinam-se de forma anrquica: so fragmentos da cultura aves; plantas;
insetos que se misturam ao acaso. O resultado a soma de tudo: uma mistura
que representa o Brasil e remete ao slogan do produto.
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No por acaso que na ps-modernidade a esttica do palimpsesto tem
lugar privilegiado nas artes e no design. Eles se alimentam da anarquia, da
fragmentao, da instabilidade, da heterogeneidade, da reciclagem de
memrias e textos descontextualizados, descontnuos traos tpicos da
escrita palimpsstica (2004:57). No corpo embalagem da referida campanha,
observa-se a mesma esttica visual: h uma certa desconstruo da cultura ao
fragment-la para apresentar alguns de seus elementos constitutivos.
Imbricam-se muitos textos naquele produzido como pele de cultura no corpo
da top model: assim, no se pode dominar o sentido de um texto, porque cada
texto ali presente aponta para muitas possibilidades de leitura.
Apenas para exemplificar, o texto-tatuagem, produzido a partir de
elementos da fauna e flora brasileiras, representa a cultura do Brasil, mas
tambm o corpo da top model, restos de um texto que permanece
significando, pode representar o Brasil. Por sua vez, cada leitor/receptor da
campanha poder interpret-la conforme suas competncias de leitura e as
referncias de cada elemento empregado. Os traos tpicos da escrita
palimpsstica encontram-se bastante realados: Trata-se de um texto que
remete a outros; de um texto que traz as marcas de outros, impregnadas no
suporte.
Traos do imaginrio do consumo e consumo do corpo
Imagem de corpo imagem de produto: portanto, embalagem!
Visualidade que confere visibilidade. Imagem que se consome: nesse sentido,
h um consumo do corpo: a realidade se torna cada vez mais virtual,
enquanto a identidade do sujeito considerada agora imaginria, plural,
contraditria e cambiante (Cauduro; 2004: 47).
Os corpos embalagem mantm-se por algum tempo em exibio, j que
a necessidade de visibilidade requer sempre novos investimentos/revises de
imagem. Tal como acontece com os produtos que, ao cumprirem seu ciclo de
vida mercadolgico, so substitudos por outros, o design das embalagens
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tambm substitudo. A velocidade com que a exposio gera invisibilidade
gera demanda por novos corpos. H uma obsesso pela novidade: corpos
aparecem e desaparecem, sem que haja diferenas substanciais entre eles, o
que se assemelha guardadas as diferenas quanto finalidade da
comunicao busca incansvel do corpo/imagem perfeito. preciso
sempre superar a imagem e a embalagem anterior.
Se a ps-modernidade equivale sociedade do consumo, mister
observ-la a partir do consumo: caractersticas como desmaterialidade;
desreferencialidade; destotalidade e destemporalidade so categorias
gerais da poca atual. Como pensar seus impactos num imaginrio do
consumo?
Entendendo embalagem como imagem, pode-se considerar, num
primeiro momento de reflexo, que o imaginrio do consumo apresente dois
traos que se destacam: (1) a desmaterialidade, posto que o valor da marca
sobrepe-se ao valor da matria-prima e/ou da mo-de-obra de produo.
Nesse sentido, o consumidor no compra o produto; mas as associaes
construdas entre produto e a realidade do consumidor. E (2) a
destemporalidade, uma vez que o produto passa por ciclos de vida que o
mantm em permanente presente ou estado de juventude e tambm porque
o produto ganha re-significaes a cada operao de atualizao ou simples
reforo.
Quando a visualidade do corpo torna-se aspecto preponderante,
possvel considerar que o consumo tornou-se uma atividade de fruio
esttica de imagens. Antes de comprarmos produtos, compramos embalagem:
formas, cores e texturas. Nesse sentido, o consumo de imagens fundamenta a
experincia do produto e tambm a de corpo.
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