IMES – UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO...

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1 IMES – UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA RISOS E LÁGRIMAS: O TEATRO AMADOR EM SANTO ANDRÉ NA DÉCADA DE 1960 Daniela Macedo da Silva São Caetano do Sul – São Paulo 2006

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IMES – UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

RISOS E LÁGRIMAS: O TEATRO AMADOR EM SANTO ANDRÉ NA DÉCADA DE 1960

Daniela Macedo da Silva

São Caetano do Sul – São Paulo

2006

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DANIELA MACEDO DA SILVA

RISOS E LÁGRIMAS: O TEATRO AMADOR EM SANTO ANDRÉ NA DÉCADA DE 1960

Monografia apresentada ao Programa

Institucional de Iniciação Científica da

Universidade IMES, de São Caetano do

Sul, sob orientação da profa. Vilma Lemos

São Caetano do Sul – São Paulo

2006

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Agradecimentos

Agradeço às professoras Priscila Perazzo e Vilma Lemos por concederem-me

a oportunidade de participar do projeto Memórias do ABC.

Agradeço a todas as instituições públicas e privadas pelo empréstimo dos

materiais para pesquisa, assim como aos seus funcionários pela atenção.

Agradeço a todos os meus depoentes pelo carinho e atenção com que sempre

me receberam.

Agradeço aos meus amigos e familiares pelo apoio, pela paciência (agência

Armazzen), enfim, a todas as pessoas que colaboraram direta ou indiretamente

com esta pesquisa.

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O passado não reconhece seu lugar: está sempre presente

Mário Quintana

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RESUMO

Esta pesquisa monográfica propôs-se estudar a formação do

teatro amador em Santo André, na década de 1960, dimensionando suas

dificuldades e sua atuação num período crítico da história política do país – a

ditadura militar – , bem como revelar as contribuições desse teatro para o

desenvolvimento cultural da cidade. A história oral foi utilizada como ponto de

partida para a coleta dos depoimentos das histórias de vida de pessoas ligadas

aos grupos teatrais no período. Nesse sentido, a memória individual alia-se à

memória coletiva, constituindo um conjunto significativo para compreender e

dimensionar os reflexos desses grupos no cenário cultural da cidade. Do ponto

de vista da análise do discurso, observou-se o lugar social de onde falam e

para quem falam aqueles que vivenciaram esse período, refletindo, portanto,

suas ideologias, já que a linguagem não é neutra.

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SUMÁRIO

Lista de figuras.......................................................................................7

Introdução ........................................................................................... 8

Capítulo I – Origem e formação dos grupos teatrais amadores em

Santo André........................................................................11

Capítulo II – Os bastidores do teatro: dimensionamento de suas difi-

culdades..............................................................................16

Capítulo III – Santo André nos festivais amadores de teatro.................22

Capítulo IV – O teatro amador em Santo André e a censura.................26

Capítulo V – A contribuição do teatro amador para o desenvolvimento

cultural da cidade..............................................................33

Conclusão...............................................................................................35

Referências Bibliográficas.......................................................................36

Créditos fotográficos...............................................................................37

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Fachada do Teatro de Alumínio.............................................

Figura 2 – Peça Amor entre sinônimos – PAN-WD................................

Figura 3 – Peça Santo milagroso – TAPRIM..........................................

Figura 4 – Vestido usado na peça Romanoff e Julieta – PAN-WD........

Figura 5 – Peça Colégio interno – SCASA.............................................

Figura 6 – Folheto da programação das eliminatórias para o IV Festival

de Teatro Amador...................................................................................

Figura 7 – Facha do TBC – Teatro Brasileiro de Comédia.....................

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INTRODUÇÃO

Inauguração da cidade de Brasília. Golpe militar. O movimento da jovem

guarda. Esses são alguns marcos que mudaram a história do país. Assumia o

governo do País, em janeiro de 1956, Juscelino Kubitschek de Oliveira (JK).

Esse presidente facilitou a entrada de capital estrangeiro, conseguindo ainda

empréstimo do FMI. JK contribuiu para a implantação de novas fábricas, ao

destinar parte do empréstimo para a criação do Grupo de Estudos da Indústria

Automobilística (Geia), primeiro passo para a instalação das grandes

montadoras de automóveis no Brasil, mais especificamente no ABC Paulista.

Santo André, fazendo parte do ABC, estava em plena expansão e já havia

deixado para trás seu aspecto interiorano.

Com o impulso dado à economia e à industrialização por JK, no final da

década de 1950, o desenvolvimento industrial da cidade de Santo André

fortaleceu- se nos anos seguintes. O número de lojas no centro aumentou,

atraindo consumidores de todo o ABC e também de alguns bairros da zona

leste de São Paulo (PMSA, 1992).

Nesse período, Santo André foi considerada a cidade mais

industrializada do país e, portanto, com grande oferta de emprego. Isso

colaborou para a vinda de pessoas de outros Estados para a região, gerando

assim um aumento significativo na população do município. Em 1950, a cidade

tinha pouco mais de 100.000 habitantes. Ao final da década de 1960, a

população chegou a quase 400.000 (SILVA, 2001). No censo de 1970, o ABC

estava aproximadamente com 1.000.000 de habitantes.

Com esse crescimento, o prefeito Fioravante Zampol, em sua

administração (1965-1968) iniciou o processo de modernização da cidade.

Aumentou a rede escolar (Ensino Fundamental e Médio), construiu também, a

escola superior. É nesse período que surgem as organizações estudantis,

fazendo da arte uma forma de manifestar suas opiniões.

Na gestão Zampol, iniciou-se a construção do centro cívico, incluindo a

biblioteca, a sala de exposições, o auditório e o Teatro Municipal, a fim de

oferecer ao cidadão andreense opções de lazer. Dentre essas opções, o teatro

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foi a atividade que mais se desenvolveu na cidade. Os grupos que se

destacaram foram:

• Sociedade de Cultura Artística de Santo André (SCASA);

• Grupo Teatral Amador Panelinha (GTAP);

• Teatro Amador do Primeiro de Maio (TAPRIM);

Embora o CPC (Centro Popular de Cultura) não fosse um grupo que se

dedicasse exclusivamente ao teatro, pois seu objetivo maior era a

conscientização política e alfabetização dos trabalhadores, teve expressão

significativa na área.

Os registros encontrados sobre os grupos teatrais hoje são, quase que

exclusivamente, cronológicos. Sendo assim, para recuperar detalhes

relevantes para esta pesquisa, utilizou-se a história oral como fonte histórica,

por meio dos depoimentos da história de vida de pessoas que participaram dos

grupos teatrais.

Isso permitiu que as muitas histórias esquecidas, relatadas por

depoentes, pudessem ser relembradas, trazidas à tona, uma vez que esse

período foi bastante significativo para o desenvolvimento cultural da cidade de

Santo André.

Voltando-se, então, para o resgate da memória do teatro amador, a

proposta dessa monografia consiste em:

• Estudar a formação do teatro amador em Santo André na década

de 1960;

• Dimensionar as dificuldades enfrentadas pelos grupos amadores;

• Relacionar as atividades do teatro amador ao período da ditadura

militar;

• Revelar a contribuição do teatro amador para o desenvolvimento

cultural da cidade.

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Os depoimentos1 que serviram de base para pesquisa foram gravados e

passam a constituir o acervo do Memórias do ABC, da Universidade Municipal

IMES, de São Caetano do Sul, no ano de 2003.

A análise de cada depoimento possibilitou reconstruir a história do teatro

amador de Santo André na década de 1960, ressalvando-se que não basta

apenas unir cada depoimento (memória individual) para que se tenha a

memória coletiva. É preciso que haja um ponto em comum entre eles,

conforme HALBWACHS:

(...) não basta que eles nos tragam seus depoimentos: é

necessário ainda que ela (lembrança) não tenha cessado

de concordar com suas memórias e que haja bastante

pontos de contato entre uma e as outras para que a

lembrança que nos recordam possa ser reconstruída

sobre um fundamento comum. Não é suficiente

reconstruir peça por peça a imagem de um acontecimento

do passado para se obter uma lembrança. É necessário

que esta reconstrução se opere a partir de dados ou de

noções comuns que se encontram tanto no nosso espírito

como no dos outros. (1990, 34)

A análise do discurso também foi utilizada por estudar a relação entre

língua e ideologia, já que é pelo uso da linguagem que a ideologia se

manifesta, considerando-se que as pessoas (depoentes) falam de

determinados lugares sociais que têm um significado de acordo com o contexto

sócio-histórico em que estão inseridos, permeados por suas visões de mundo.

1 Foram depoentes: Antônio Petrin, Augusto Maciel, Havani Fernandes, Ivone Vezzá, José A. P. da Silva, Lúcia Vezzá, Márcia Vezzá, Maria A. Perazzo, Noretta Vezzá, Roberto Caielli, Sônia Guedes.

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Capítulo I – Origem e formação dos grupos teatrais amadores em Santo André

Existiram vários grupos de teatro amador na cidade de Santo André no

período de estudo desta monografia. Os registros encontrados nas pesquisas

bibliográficas e nos depoimentos coletados foram apenas de três grupos,

SCASA, GTAP e TAPRIM. Inclui-se também a produção pequena, mas

expressiva, do CPC.

Este capítulo dará uma visão geral dos grupos e sua atuação.

SCASA – Sociedade de Cultura Artística de Santo André

Tudo começou na empresa Rhodia Química, que proporcionava a seus

funcionários e familiares, através do Clube Atlético Rhodia, atividades sociais,

esportivas e culturais. Em 1952, alguns membros do Grupo de Teatro do Clube

Rhodia resolveram criar uma sociedade independente da empresa. Fundaram

a Sociedade de Cultura Artística de Santo André (SCASA), sendo responsável

Antônio Chiarelli. Esse grupo, além do teatro infantil, trazia espetáculos

profissionais, concertos, shows sempre com o intuito de conquistar mais

sócios. (PMSA, 1984).

A primeira apresentação foi em novembro de 1953, com a peça O

Pivete. Ela foi tão bem recebida pelo público, que o grupo recebeu vários

convites dos clubes da região e de alguns teatros de São Paulo, como o Teatro

Artur de Azevedo e o Teatro São Paulo para apresentar-se.

As peças, durante muitos anos, foram encenadas no auditório da escola

Júlio de Mesquita, porém, devido a algumas restrições da escola, o grupo

sentiu a necessidade de ter seu próprio espaço. Em 1960, Paschoalino

Assumpção presidente do grupo na época, comprou um pavilhão, dois anos

depois transformado no Teatro de Alumínio, com a ajuda de empresas da

região (ASSUMPÇÃO, 2000). Foi o primeiro teatro local da cidade, que

recebeu, além dos grupos da região do ABC, os grupos de teatro amadores e

profissionais de São Paulo e Rio de Janeiro. Sua inauguração marcou-se pela

presença da atriz Bibi Ferreira, com a peça Diabinho de saias. O Teatro de

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Alumínio, por vários anos, realizou as eliminatórias para os festivais de teatro

amador do Estado de São Paulo.

Em 1964, Adhemar Guerra, profissional da nova geração do teatro,

dirigiu a peça Gente como a gente, apresentado pela SCASA. Devido ao

grande desempenho dos atores, ele os estimulou a ingressar na EAD (Escola

de Arte Dramática) onde já estavam, Sônia e Aníbal Guedes. Para lá foram:

• Analy Alvarez;

• Antônio Petrin;

• Alexandre Dressler;

• Osley Delamo.

Embora esses atores estivessem se profissionalizando, eles não se

desligaram da SCASA de imediato. O aperfeiçoamento na EAD proporcionou a

melhoria das encenações, da cenografia, dos figurinos no grupo.

GTAP – Grupo Teatral Amador do Panelinha – PAN-WD

Os proprietários do Clube PAN-WD, preocupados em aumentar o

número de sócios, resolveram ampliar suas atividades sociais que se resumiam

em bailes e jantares. Como Roberto Caielli, um dos membros da família, vinha

Fig. 1 – Fachada Teatro de Alumínio, 1962.

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do teatro, ele passou os seus conhecimentos a família, como relatou em seu

depoimento:

... Nós começamos a fazer umas palestras de teatro, e nos

reuníamos na casa da mãe dela. Eu fiz nos moldes de um

curso de teatro, fui passando todo o meu conhecimento,

chamava alguns amigos meus de São Paulo para fazer

algumas palestras, dar aulas para eles e começamos a formar

um grupo do zero, mas assim nos moldes do que eu também já

tinha feito, como um curso, tínhamos a intenção de levar uma

peça, mas não era obrigação. E acabamos levando, o pessoal

fica inquieto. Então, foi assim que nasceu o grupo de teatro

Panelinha, do Clube Panelinha.

A peça de estréia foi Amor entre sinônimos (1962), seguida de inúmeras

peças, aproximadamente nove anos de grandes apresentações.

TAPRIM – Teatro Amador Primeiro de Maio

O Teatro Amador do Primeiro de Maio Futebol Clube levou o nome da

cidade em apresentações pelo interior do Estado de São Paulo. Seu diretor

Augusto Maciel, atua no teatro amador da cidade até hoje, com o grupo TECO

– Teatro e Comunicação. O TAPRIM surgiu do grupo musical que animava as

Fig 2 - Amor entre sinônimos, 1962, Clube Pan-WD.

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domingueiras no clube. A peça de estréia foi Santo Milagroso (1967), outras

peças seguiram-se a essa (MÉDICI, 1996).

CPC – Centro Popular de Cultura dos metalúrgicos de Santo André

Na mesma época que a SCASA, o CPC – Centro Popular de Cultura

dos metalúrgicos de Santo André realizou várias atividades, dentre elas, peças

de teatro. Alguns participantes da SCASA foram atraídos pelo trabalho do CPC,

que tinha, dentre seus objetivos, a conscientização política. (CAMACHO, 1987)

Inspirado por Augusto Boal, do Teatro de Arena, o CPC montou duas peças: A

Formiguinha, de Oduvaldo Viana Filho e Eles não usam Black-Tie, de

Guarnieri, ambas sob a direção de Chico de Assis, porém, no ano do golpe

militar (1964) que instaurou uma ditadura no país, o CPC foi fechado. Seus

movimentos eram contra o governo e, naquela época, não havia liberdade de

expressão. Embora seu período de existência tenha sido curto, deixou

contribuições para a abertura de um espaço na imprensa local, inspirando,

especialmente, a geração universitária no sentido de uma visão crítica da

realidade brasileira (PMSA, 1984).

Fig. 3 - Ensaio da peça Santo Milagroso, 1967, Primeiro de Maio Futebol Clube. Dir. p/ esq. Sildesi de Brito, José Henrique Reis Lisboa (Taubaté) e Odorico. Sentados – Luiz e Heleni de Paiva.

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... engajado era aquele teatro que a gente fazia no CPC,

aquele sim era teatro de esquerda didático, radical. (Sônia

Guedes)

Feita essa apresentação dos grupos atuantes no período, segue-se uma

avaliação dos problemas encontrados por esses grupos durante seu período de

existência.

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Capítulo II – Os bastidores do teatro: dimensionamento de suas dificuldades

Neste capítulo, serão registradas as dificuldades dos grupos na

produção dos espetáculos. Sabe-se que os grupos que estavam ligados a

algum clube recebiam uma pequena ajuda, como lanches ou algum valor em

dinheiro. Limitados pelo orçamento, verificam-se, então, espetáculos cheio de

criatividade e improvisação. Isso pode ser confirmado nos depoimentos

apresentados a seguir.

... o Panelinha, o clube dava assim... um lanche para a turma

toda, dava uma verba: “-Olha, nós precisamos comprar isso,

aquilo.”. E eles estavam presentes, porque era muito bom para

o clube, projetava o nome do clube. E era muito gostoso, então

todo mundo queria participar ir nos ensaios, aparecia sempre

um monte de gente, e era uma distração para os associados do

clube. E eles também ajudavam se fosse preciso, com cenário

que tinha que pôr pano, pintar, pregar prego e... subir em uma

escada para iluminar, spot a gente corria atrás de quem tinha

poder, quem podia ajudar e o pessoal do clube... tinha gente

com poder aquisitivo que podia suprir essas coisas. Então, a

gente tinha todo o material razoável para espetáculo teatral.

Não era grandes montagens, fazia sempre com montagens que

a gente pudesse suportar o ônus dela, não eram coisas, não se

metia fazer coisas que eram espetáculos que exigiam assim

né, uma produção muito grande e tal. Era tudo muito tranqüilo,

mas havia muito empenho. (Lúcia Vezzá)

Os grupos também recebiam apoio das lojas e empresas :

... nós tínhamos o programa. Era feito com o auxílio das casas

de Santo André, as casas mais novas, mais grandes, mais...

elas patrocinavam, mas sempre patrocinavam alguma coisa,

patrocinavam os convites, patrocinavam se a gente precisava,

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por exemplo, de uma fazenda para uma cortina, podia contar,

ia na Seda Nossa ou ia na outra ou qualquer outra, sempre

ajudavam isso sim, mais depois tínhamos que fazer a cortina,

porque a cortina, o pano, não ia só o pano lá, todas essas

coisas que nós fazíamos e dinheiro era nosso, e o Panelinha

sempre patrocinou tudo que a gente precisava, mais acontece

que, tinha coisas que não dava, tínhamos que fazer nós

mesmos ... (Noretta Vezzá)

Também comentando as dificuldades do grupo, Márcia Vezzá informa:

... meu tio Lóis, que tinha feito eletrotécnica, então ele fez a

mesa de luz. A parte de iluminação então era toda ele que fazia

uma mesa linda, nós tínhamos uma mesa que todos os outros

grupos babavam, a gente tinha, nós aprendemos a fazer

refletor com lata de leite ninho, então a gente tinha assim,

muita criatividade, pouco dinheiro, o grupo dava né, o

Panelinha tinha alguma verba, o clube fornecia, eu lembro que

uma outra peça que nós fizemos, que foi o Romanoff... Julieta

e Romanoff, nós ganhamos todos os tecidos da Rhodia, a

Rhodia deu peças e peças e aí veio uma peça de veludo

vermelho, e a minha tia Ivone falou assim : “_ nós vamos fazer

a roupa da Julieta de veludo vermelho. Eu tenho até hoje o

vestido guardado na casa da minha mãe, deve ter uns 20

metros de veludo vermelho, pesa (risos) pesa uns 30 quilos,

tanto que precisou fazer reforço dentro, uma espécie de um

colete para eu poder vestir a roupa e a minha tia tinha medo de

que a saia despencasse conforme eu andasse de tão pesada

que era a roupa, nossa! eu achava a coisa mais linda né, era

lindo, porque havia esse empenho em fazer as coisas... (Márcia

Vezzá)

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E todos os componentes exerciam várias funções:

... o teatro amador não aproveita os seus atores somente em

cena. Nós, por exemplo, somos maquinistas, eletricistas,

figurinista, porteiros, desenhávamos e construíamos os nossos

cenários e confeccionamos o nosso próprio guarda roupa e até

bolamos os nossos convites e ingressos de programas ... (Roberto Caielli)

... a gente foi entrando e subindo no palco e fazendo as coisas

que eram preciso, inclusive batendo martelo, pintando as peças

que precisavam, arrumando os panos que precisavam colocar,

costurando a roupa, o traje que era adequado para aquela

peça né, mesa, cadeira era tudo por nossa conta então, me

lembro uma ocasião em Falávamos de rosas, precisa de uma

poltrona não existia poltrona nem no teatro e nem nós não

tínhamos, então o que que foi feito ? de duas poltronas que nós

Fig. 4 – Vestido utilizado pela atriz Márcia Vezzá, na peça Romanoff e Julieta, 1967, Clube Pan-WD.

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tínhamos, cortaram ao meio as duas e juntaram as aí ficaram a

poltrona que precisava (...) não tinha ajuda de ninguém,

éramos nós que tínhamos que fazer, mais com isso nós fomos

para festivais e fizemos bastante coisa em festivais ... (Noretta

Vezzá)

A improvisação destaca-se: Fora da barra se passava em um navio, e o cenário tinha que

ter aquelas portas arredondadas do navio, tinha que ter

aquelas faixas tudo limpo perfeito, cor de bronze porque o

navio era na realidade lustrado diariamente, aquela coisa

assim, e nós não tínhamos como fazer as faixas, as faixas

assim redondas e altinhas assim, e um dia nós estávamos

passando na feira, nunca vou esquecer isso, o Roberto: “_

Olha! Olha! Achei! Achei! Achei!” “_ O que que você achou ?”

“_ As faixas! As faixas!” Ele pegou uma bolacha, se a gente

pintar isso aqui, vai virar uma faixa, mas não tenha a mínima

dúvida, pregamos no cenário assim, toda a faixa passamos

tinta cor de bronze e ficou o cenário feito de bolacha, quando

alguma estragava, que batia, no dia seguinte, a gente ia lá

dava uma coladinha, uma pintadinha, remendava o cenário e

pronto, sem problema nenhum, a gente fazia muito disso, a

ilusão do teatro, do palco, é uma coisa fantástica, porque você

está vendo, você pensa em uma coisa, mas quando você vai

olhar de perto, é uma coisa totalmente diferente. (Ivone Vezzá)

... a gente fazia sempre alguma coisa que desse certo, sei lá,

até pedir coisas emprestadas de amigos, de pessoas que a

gente sabia que podia encontrar, coisas antigas, em uma peça

antiga, a gente procurava procurava ia pedir (...) Pequenos

Burgueses a mãe, a Colina tinha que oferecer chá, e eles lá só

tomam aquele chá né, e tinha que ter uma uma peça grande

que usam os russos para fazer o chá e distribuir o chá para

todos, eu tive que procurar pelo... por telefone, para saber etc

tal quem tinha esse aparelho, e paguei Cr$ 8000,00, R$

8000,00 não, não, nem cruzeiros acho que era, era um

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depósito porque eu tinha que devolver aquela peça de qualquer

jeito, tinha que devolver, e completa, inteira, e já viram vocês,

tivemos que pegar o dinheiro e levar para a mulher, a mulher

nos emprestou e ficamos com ela 1 mês que foi o quanto nós

tivemos tempo e depois devolvemos para ela, porque não era

uma coisa que ia ficar para nós né, mais mesmo assim teve

que dar Cr$ 8000,00 acho que era, naquele tempo devia ser

cruzeiros... (Noretta Vezzá)

Apesar das dificuldades, devido aos recursos que eram limitados, havia

muita dedicação e solidariedade entre os grupos. A qualidade dos espetáculos

sempre surpreendia, porque os grupos se empenhavam muito.

... para sobreviver, era com muito sacrifício que isso era feito, e

o teatro amador, ele depende da dedicação dos integrantes do

grupo, se os integrantes do grupo têm essa disponibilidade,

aceitam ele existe, se não ele não existe, porque você não

ganha nada, muito pelo contrário, você teoricamente só perde,

você perde o sábado, perde o domingo, você deixa de se

divertir né, você tem várias dificuldades (...) fora a disputa do

festival, nós todos nos ajudávamos, a gente trocava texto, a

gente emprestava cenário, a gente emprestava ator né, ator e

atriz era de um grupo, você convidava, olha, tem o tipo físico,

vamos trazer essa pessoa ? você convidava não havia essa

esse problema, essa disputa ... (Márcia Vezzá)

O teatro amador foi uma verdadeira escola para todos que dele

participaram. Os atores que se profissionalizaram lembram, com muito carinho,

da época em que eram amadores.

... no teatro amador é muito legal porque você aprende de tudo

né, quer dizer, cada um por exemplo, vamos lá, como que é a

peça que época que é, se é uma peça atual cada um traz o seu

terninho, o seu paletó, a sua camisa, a sua gravata, o seu

sapato, cada um compõem o seu figurino sem nenhuma

preocupação às vezes estética né, é o que tem, se é uma peça

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de época claro que o grupo cada um acaba contribuindo com

um dinheirinho e cria-se uma roupa de época e tal, mas na

verdade a gente fazia peças atuais para não ter esse tipo de

problema, o cenário era sempre o mesmo né, aquele famoso

gabinete que a gente ia lá até pintava né, a gente trabalhava na

pintura, na iluminação, eu me lembro que nesse teatro amador,

eu me lembro como eu aprendi a fazer com que a luz ela

pudesse acender lentamente e apagar lentamente né, então eu

aprendi essa técnica, que é um tubo refratário né, que você

enche de água em uma extremidade você coloca um pólo da

luz e no outro pólo que vai com um peso que vai se

aproximando um do outro, quer dizer, isso você faz, e essa

água que tem aí dentro ela é salgada para criar uma corrente

elétrica, quer dizer a aproximação dos dois pólos você faz com

que o refletor se acenda, aprendi isso, e isso me quebrou

muitos galhos mesmo no teatro profissional quando se tinha

dificuldade de você ter essa técnica mais apurada a gente

acabava usando essa técnica que eu aprendi no teatro, então o

teatro para mim, com o teatro amador a caixa de um palco

como a gente chama não tem segredos, eu conheço tudo por

causa dessa minha formação. (Antônio Petrin)

Como observado nos depoimentos relatados, sempre houve muito

empenho dos grupos para que as apresentações acontecessem e também

para participar nos festivais. É o que Márcia Vezzá relata :

... um grupo queria superar o outro, isso era uma disputa que

no final ficava bastante saudável, porque querendo apresentar

um espetáculo melhor, o grupo se preparava melhor, então a

suas próprias custas chamava alguém para dirigir, que tinha

uma formação de profissional, e aí melhorava o espetáculo, o

pessoal se preparava, cantava, fazia técnica vocal ...

Pela amostra de depoimentos, notam-se as dificuldades dos

grupos amadores para pôr em ação as peças teatrais. O próximo

capítulo apresenta uma visão geral dos festivais amadores no

período de 1960-1970.

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Capítulo III – Santo André nos festivais amadores

Este capítulo visa mostrar a participação dos grupos de teatro amador

de Santo André nos festivais amadores do Estado de São Paulo.

Inicialmente, eram realizadas as eliminatórias por região e o grupo

classificado representava sua cidade na semi-final, quando uma comissão

elegia o vencedor.

O 1º Festival aconteceu em 1963 e foi organizado pela Comissão

Estadual de Teatro (CET) e o Conselho Estadual de Cultura. Ficou responsável

por reunir os grupos da região do ABC, a SCASA. Com esse movimento, surgiu

a FEANTA – Federação Andreense de Teatro Amador, que centralizou essas

atividades.

A prefeitura de Santo André colocava à disposição uma verba para a

FEANTA e cabia ao presidente da federação repassá-la para os grupos.

Geralmente, isso era feito em forma de cursos para aprimoramento dos grupos.

... quando minha mãe foi presidente da Federação, ela inovou

nesse aspecto porque até então o Pascoalino que tinha sido

presidente tal, não tinha se preocupado em trazer profissionais

para melhorar a qualidade do profissional e isso foi durante o

período da gestão dela, ela trouxe várias pessoas para fazer

introdução da história do teatro, teve técnica vocal, expressão

corporal ... (Márcia Vezzá)

O objetivo dos festivais sempre foi conduzir os grupos ao

profissionalismo. Como prêmio, os atores recebiam uma bolsa de estudos na

EAD – Escola de Arte Dramática de São Paulo (PMSA, 1984; ASSUMPÇÃO,

2000).

No ABC, o Teatro de Alumínio sediou as primeiras eliminatórias

(ASSUMPÇÃO, 2000). A SCASA conseguiu classificação para o 1º festival,

com a peça Colégio Interno e, na final, a atriz Sônia Guedes recebeu o prêmio

de melhor atriz.

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... ganhei o prêmio do festival de teatro, primeiro festival de

teatro amador do Estado de São Paulo, eu ganhei o prêmio de

melhor atriz e o prêmio era a bolsa para a escola de arte

dramática (...) o mundo se abriu quando eu fiz escola de arte

dramática ... (Sônia Guedes)

Os grupos de Santo André não conseguiram classificação para o 2º e 3º

festival, voltando a se classificar no 4º festival, com o grupo SCASA (1º) e

GTAP (2º). Na final, a SCASA ficou em 4º lugar.

Fig. 6 – Folheto da programação das eliminatórias para o 4º Festival de Teatro Amador, 1966

Fig. 5 – Peça Colégio Interno, SCASA Dir. p/ esq. ?, Sônia Guedes, ?

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No 5º festival, as eliminatórias aconteceram no salão nobre do colégio

São José, em São Bernardo do Campo. Participaram nove grupos, oito eram

da cidade de Santo André. Os grupos classificados foram: Regina Pacis, da

cidade de São Bernardo do Campo (1º) e SCASA (2º).

Neste festival, houve um fato curioso. A comissão julgadora era

composta por três pessoas. Devido a um imprevisto, duas delas não puderam

comparecer e a responsabilidade ficou para uma única pessoa, José Souza

Pinto, do grupo Procópio Ferreira/SP, gerando um certo descontentamento por

parte dos grupos com a FEANTA.

No 6º festival, em 1968, havia a promessa da realização das

eliminatórias no teatro Conchita de Moraes, pois já não existia mais o Teatro de

Alumínio. Como não foi possível, realizou-se em São Bernardo, no teatro

Cacilda Becker. Participaram grupos de todo o ABC, porém, não se tem

registro de qual grupo foi classificado.

Em 1969, o Clube Pan-WD sediou as eliminatórias do 7º festival. Houve

a participação de sete grupos, incluindo até uma produção do grupo amador de

Ribeirão Pires. Nesse ano, também não se tem registro de qual grupo foi

classificado.

Em 1970, o grupo classificado foi o Regina Pacis (SBC) e as

eliminatórias para o 8° festival aconteceram no teatro Conchita de Moraes, em

Santo André.

Nesse mesmo ano, a FEANTA, enfrenta problemas administrativos, que

acabam refletindo no desempenho do teatro amador, contribuindo para o

encerramento do movimento, alguns anos depois.

O último festival em Santo André, foi um ano depois que saiu o

Dr. Brandão, depois de um ano eles pararam com o festival,

morreu praticamente a FEANTA que é a Federação Andreense

do Teatro Amador ... (Augusto Maciel)

Enfim, como o grupo SCASA tinha alguns atores estudando na EAD, as

apresentações se sobressaiam, levando-os sempre à classificação nos

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festivais. Seus componentes receberam prêmios como melhor ator, melhor

diretor, etc. (ASSUMPÇÃO, 2000).

Como esse teatro se desenvolveu em um período crítico da história do

país (a ditadura militar), segue-se um capítulo que busca dimensionar os

reflexos disso na área teatral desses grupos.

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Capítulo IV - O teatro amador em Santo André e a censura

Para entender o teatro nesse período, é preciso avaliar a situação

política do país e o posicionamento ideológico de outros grupos teatrais em

ação no país.

O Brasil do início da década de 1960 foi marcado por grandes

acontecimentos políticos que delinearam um período de sua história cujos

reflexos perduraram até a década de 1980.

A população estava insatisfeita com o governo devido à grande

instabilidade política e econômica do país. O presidente João Goullart, na

tentativa de reestruturar o país, acabou provocando um descontentamento

entre os militares, que viam uma tendência esquerdista nas medidas sociais e

econômicas adotadas por seu governo. Insuflados pelos Estados Unidos e, em

nome de manter o bem da nação, os militares assumiram o poder.

Com isso, iniciou-se a busca de agitadores, progressistas esquerdistas.

... todo livro, cujo título se refira a socialismo, marxismo ou

comunismo ou tenha na capa nome de autor russo ou

assemelhado, deve ser recolhido à fogueira purificadora do

DOPS... (apud MOCELLIN, 1987, 270)

A época ficou marcada por repressões políticas, quando as discussões

políticas e a participação democrática foram silenciadas.

A ditadura, instalada a partir do regime militar de 1964, utilizou-se de

práticas de tortura, assassinatos contra quaisquer manifestantes contrários à

ideologia em curso. A censura acabou com a liberdade de expressão e, no

campo das artes, muitos foram perseguidos, presos, exilados e até mortos

(OLIVA; RAINHO, 1987).

Foi a partir do Ato Institucional nº5 (1968), que institucionalizava a

censura, a limitação dos poderes do Congresso e estabelecia total arbítrio do

governo que o teatro se insurge, utilizando-se de metáforas e alusões para

tentar driblar a censura. Esse teatro politicamente engajado foi chamado por

27

Fig. 7 - Fachada TBC

Guarnieri de Teatro de ocasião. Representam-no o Teatro de Arena e o Teatro

Oficina, em São Paulo e o Teatro Opinião, no Rio de Janeiro. Mostravam,

veladamente, uma crítica à realidade brasileira. Por exemplo, quando

encenavam um autor russo, o enredo refletia, por alusão, a realidade do Brasil.

Por isso, foram alvos de perseguição.

O ABC Paulista, politicamente, marcou como foco de resistência e luta

por seus direitos, sobretudo Santo André, que vivia um momento de intensa

industrialização e agitação por parte dos metalúrgicos, porém, o teatro,

aparentemente, mostrava-se neutro, limitando-se a adaptações de autores

estrangeiros, com espetáculos infantis. Não tinha a preocupação de questionar

ou mostrar o momento que o país estava vivendo, a ditadura militar.

Comparando o teatro amador de Santo André, na década de 1960, com

o teatro que estava em ação nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, no

mesmo período, é possível delinear o perfil político dos grupos amadores de

Santo André. Para isso, faz-se necessário destacar as características dos

grupos de São Paulo e Rio de Janeiro.

A partir da década de 1950, os teatros passam a encenar adaptações de

autores brasileiros. Em 1960, inicia-se a abordagem dos problemas sociais do

país e as apresentações fora do espaço teatro. Elas aconteciam onde

houvesse público: escolas, praças, etc.

Em São Paulo, destacam-se o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), o

Teatro de Arena, o Teatro Oficina e o Teatro da PUC (TUCA).

O TBC, fundado por Franco Zampari em 1948, inovou o teatro brasileiro.

Tinha equipe fixa, com encenadores estrangeiros como Adolfo Celi, Ziembinski,

Ruggero Jacobi, Luciano Salce e Flamínio Bollini

Cerri. Além de cenógrafos, iluminadores e

cenotécnicos, contratou um corpo de atores que

incluía Cacilda Becker, Sérgio Cardoso, Nydia

Lícia, Cleyde Yáconis, Paulo Autran, Tônia

Carrero, Fernanda Montenegro e muitos outros

nomes importantes no panorama do teatro

brasileiro do período.

28

A partir de 1949, Franco Zampari cria a Companhia Cinematográfica

Vera Cruz. As duas companhias, Vera Cruz e TBC, seguem juntas e, com isso,

vários artistas e técnicos trabalharam para ambas. Em 1964, o TBC encerrou

suas atividades como companhia, devido a crises financeiras e também pela

falência da Vera Cruz (MAGALDI, 1997).

O Teatro de Arena e o Teatro Oficina, apesar de terem propostas

diferentes, tiveram o TBC como referência.

O Teatro de Arena surge com o objetivo de transformar o mundo. À

frente estavam Augusto Boal (Marido magro, mulher chata), Gianfrancesco

Guarnieri (Eles não usam black-tie) e Oduvaldo Vianna Filho (Chapetuba

Futebol Clube) .

Com palco circular, esse tipo de teatro aumentava a intimidade entre a

platéia e os atores (MOSTAÇO, 1982).

O Teatro Oficina nasceu em 1958, quando dois estudantes da

Faculdade de Direito, do Largo São Francisco, em São Paulo, Renato Borghi e

José Celso Martinez Corrêa, organizaram um grupo de teatro amador. Sua

proposta era fazer um teatro diferente do burguês TBC (MOSTAÇO, 1982).

As peças sempre buscavam retratar a realidade brasileira. Em 1961, o

elenco de A vida impressa em dólar, de Clifford Odetts, como forma de protesto

político, realizou uma passeata em que os atores saíram amordaçados pelas

ruas de São Paulo.

As perseguições eram freqüentes. Como exemplo, seguem-se alguns

trechos da entrevista de Ittala Nandi ao jornal A Nova Democracia, realizada

em julho de 2004. ... em 3 de abril de 1964, três dias após o golpe militar, já não

foi possível apresentar Os pequenos burgueses: o espetáculo

foi suspenso pela censura quase na hora de ir à cena. A todo

momento chegavam notícias alarmantes de perseguições e

prisões de artistas e intelectuais. Como Zé Celso, Renato e

Fernando Peixoto estariam numa lista de perseguidos, o grupo

optou por escondê-los no sítio da família da atriz Célia Helena,

entre São Paulo e Rio .

29

A peça retratava a obsessão de uma família pela ascensão social.

Depois de alguns meses, a peça sofreu algumas alterações por parte da

censura e ficou em cartaz por 7 anos.

No Rio de Janeiro, em uma das apresentações da peça Os Inimigos, de

Máximo Gorki (1966), o general Castelo Branco foi cumprimentar o elenco e,

questionado pela atriz Italla Nandi se havia se identificado com algum

personagem da peça, ele respondeu: “Sim, mas não com aquele que a senhorita

está pensando. Acrescentou: Mas tenha cuidado para você não se identificar com o

seu personagem.”

Em análise do discurso, é importante observar o lugar social do qual

falam as pessoas. Percebe-se, aqui, a imagem que o representante do governo

ditatorial queria passar: não era o ditador que estava na platéia, mas sim um

cidadão comum (quando cumprimenta). No entanto, a ameaça velada da voz

oficial faz-se presente na seqüência. Um jogo de máscaras em ação.

Nesse mesmo ano, o teatro foi destruído por um incêndio, mas, em 1

ano e meio, o grupo conseguiu se reerguer.

Será em 1967, com O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, que o Oficina

se sobressai, lançando o Tropicalismo - movimento com forte mensagem

política. As músicas misturavam a canção nacional com o rock, utilizando

amplificadores e guitarras elétricas. Os atores usavam roupas espalhafatosas,

feitas com plástico e plumas, entre outros materiais. Isso coloca o grupo em

posição de destaque e referência dentro da cultura brasileira dos anos 60. A

peça é levada à Europa e a montagem torna o grupo internacionalmente

conhecido (PAES, 1995).

Desenvolvendo o chamado espetáculo-manifesto, o grupo Oficina,

comandado pelo diretor e ator José Celso Martinez Corrêa, reproduzia,

metaforicamente, os anos de ditadura no Brasil, o que levou o governo militar a

fechar o teatro e, em 1974, exilar José Celso, conforme depoimento de Íttala

Nandi: “Não fazíamos peças para nos promover, mas para promover o nosso povo e

o nosso país. Selecionávamos espetáculos e textos na condição de que eles tivessem

uma relação social com o Brasil.”

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O TUCA, teatro da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo), foi criado em 1965, com o objetivo maior de difundir o teatro nos meios

universitários e nas classes sociais mais baixas. Os espetáculos destacaram-

se pelo baixo custo de produção e alto nível artístico. Participaram do TUCA:

Elis Regina, Francis Hime, Vinicius de Moraes, Gonzaguinha, Maria Bethânia,

Gal Costa, Paulo Autran, Gianfrancesco Guarnieri e Fernanda Montenegro

entre outros.

A primeira montagem foi Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo

Neto, em 1966, que conferiu ao grupo o primeiro lugar no Festival Internacional

de Teatro de Nancy (França). Foi considerado grande foco de resistência à

ditadura militar.

Em São Paulo, o CCC – Comando de Caça aos Comunistas – utilizava

da violência para acabar com qualquer ação dos grupos de esquerda. O

episódio mais marcante foi em 1969, quando o grupo invadiu a apresentação

da peça Roda Viva, de Chico Buarque, destruindo cenários, figurinos e

espancando o elenco (HOLLANDA e GONÇAVES, 1999).

No Rio de Janeiro, destaca-se o Teatro Opinião, construído a partir do

CPC (Centro Popular de Cultura) após o golpe militar. O Opinião é uma das

referências quando se trata de resistência ao golpe militar. Ficou conhecido por

seus musicais sempre com o objetivo de alertar a população para a situação

política do país. O espetáculo Liberdade, Liberdade, de Flávio Rangel e Millôr

Fernandes (1965), um dos maiores clássicos do teatro brasileiro, levou o grito

de protesto por todo o país. No elenco, destacam-se nomes como Oduvaldo

Vianna Filho, Tereza Rachel, Paulo Autran e Nara Leão.

Em 1966, a peça Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, de

Oduvaldo Viana Filho e Ferreira Gullar, conquistou os prêmios Molière no Rio

de Janeiro, e os Prêmios Saci e Governador do Estado, em São Paulo

(MOSTAÇO, 1982).

Voltando às produções amadoras do teatro em Santo André, no ABC

Paulista, observa-se que os grupos não tinham preocupação com um

engajamento político, por isso, afirmam não terem sofrido com perseguições,

mesmo tendo encenado peças como Os Pequenos Burgueses, Se correr o

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bicho pega, se ficar o bicho come, Eles não usam black-tie, alvo de

perseguição pela censura nas grandes cidades. Porém, os grupos não

estavam isentos da figura do censor, uma forma de repressão, como comenta

Augusto Maciel:

... tinha que pegar o texto, levar pra censura a censura lia, fazia

a primeira censura cortava trecho, palavra, às vezes até página

toda, aí devolvia o texto, aí você montava o espetáculo (...) era

obrigado a buscar o censor onde ele morasse, levar de volta

(...) isso aí era por conta do grupo, se tinha carro ia de carro se

não tinha alugava ou pegava táxi, era complicado.

De modo geral, o teatro amador encenou peças de autores estrangeiros

que retratavam cenas do cotidiano, vida em família. O grupo SCASA, por

exemplo, encenou várias peças infantis, como Chapeuzinho vermelho.

Não há registro de peças censuradas. Como afirma Noretta Vezzá,

“nunca tivemos problemas com censura”. E continua Lúcia Vezzá:

Os espetáculos eram singelos e a gente já fazia uma pré-

alteração (...), mas existia um policiamento assim nos textos e

a gente tinha que aguardar a censura dar o aval, mas muitas

vezes a gente fazia assim, a gente mudava para a censura e

depois, na hora quando levava o espetáculo, levava o

espetáculo do jeito que a gente queria.

A única intervenção de que se tem registro foi com o CPC (Centro

Popular de Cultura dos Metalúrgicos de Santo André), que fazia um trabalho de

conscientização política, e, por isso, foi barrado pelo governo ditatorial,

segundo Sônia Guedes: “... aquele teatro que eu fazia no CPC, aquele sim era de

esquerda didático (...) tivemos várias perseguições, tivemos que parar, o CPC foi

fechado, acabou de repente ...”

Os grupos da cidade de Santo André não tinham por objetivo fazer teatro

político, diferentemente dos grupos de São Paulo e Rio de Janeiro, que eram

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engajados e se opunham aos desmandos de um regime opressor de governo,

sofrendo, por isso, censura e repressão política.

Assim, de acordo com os depoentes entrevistados no Memórias do

ABC, o objetivo dos grupos era entreter e não informar ou conscientizar a

população sobre o momento que o país estava vivendo.

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Capítulo V - A contribuição do teatro amador para o desenvolvimento cultural da cidade

O teatro amador surgiu em Santo André, através do grupo SCASA. A

partir dele, vários outros surgiram.

Na década de 1960, as atividades culturais tiveram forte expressão.

Havia exposições de artes plásticas, ciclos de cinema, porém, as

apresentações teatrais se destacaram (PMSA, 1984).

Os grupos SCASA e GTAP foram os que permaneceram mais tempo

nos palcos. O desaparecimento dos grupos aconteceu por várias razões,

dentre elas, a profissionalização dos atores, que partiram para novos trabalhos.

Quanto ao CPC, infelizmente, a ditadura o encerrou.

Então, a partir desse momento, que o Panelinha começou um a

ir para um lado, o outro se integrar em um outro grupo, porque

até algumas pessoas do nosso grupo passaram para o grupo

do Maciel, que é outra pessoa que batalhou demais para o

teatro, então o Panelinha de teatro foi se diluindo, porque cada

um se interessou por um outro setor e aquele teatro

praticamente foi desaparecendo. (Lúcia Vezzá)

Em 1968, surgiu o primeiro grupo profissional da cidade de Santo André,

GTC – Grupo Teatro da Cidade com Antônio Petrin, Sônia Guedes, Heleny

Guariba entre outros.

O GTC estreou com a peça Jorge Dandin, no Teatro de Alumínio e ficou

um mês em cartaz com grande sucesso. Depois fez várias apresentações pelo

Brasil, inclusive no exterior, participaram do Festival Internacional de Teatro na

cidade de Manizales, Colômbia, representando o Brasil.

nós fomos para Manizales (...) era um festival internacional

mesmo, tinha grupos de onde vocês pudessem imaginar (...)

nós éramos o grupo mais importante do festival... (Márcia

Vezzá)

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Uma outra contribuição do teatro amador foi a construção do Teatro

Municipal, pois foi através do senhor Antônio Chiarelli que o prefeito Zampol

incluiu em seus planos a construção do teatro (SILVA, 2001).

... eu assisti à construção do paço municipal, o teatro municipal,

o teatro, eu andava por dentro da construção, porque foi o meu

mestre o senhor Chiarelli, foi um dos fundadores do teatro do

rodhia, primeiro grupo de teatro amador e o senhor Chiarelli

que conseguiu que o prefeito Zampol incluísse nos planos o

teatro municipal e eu ia junto, porque eu era apaixonada por

teatro, eu aprendia com ele, eu era assim a pupila dele, vi

quando começou o palco era uma grande emoção ... (Sônia

Guedes)

Como pode ser visto, foram poucas mas expressivas as

contribuições do teatro amador para a cidade de Santo André.

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Conclusão

Entreter. Essa é a palavra que define o teatro amador de Santo André na

década de 1960. Os grupos tinham como objetivo divertir e se divertir, uma vez

que o teatro era feito por hobby, como ficou registrado nos depoimentos.

Apesar de o período de estudo dessa monografia (década de 1960),

coincidir com o período de início da ditadura militar, esse teatro não era um

teatro de esquerda, engajado politicamente. Não havia a intenção de assumir

um posicionamento político sobre a situação de cerceamento da liberdade

democrática no país.

Os grupos passaram, muitas vezes, pela figura do censor, mas não

houve problemas. Não há registro de peças censuradas, apenas pequenas

alterações no texto, pois esses grupos encenavam estórias infantis, cenas do

cotidiano, vida em família, obras de autores estrangeiros.

Assim, fica subentendida a posição política dos grupos e também da

platéia, composta por associados dos clubes, comerciantes, profissionais

liberais e, até mesmo, famílias da elite política (PMSA, 1984). Todavia, o teatro

amador deixou contribuições significativas para a cidade, despertando um

público para esse aspecto cultural.

Para os grupos, a cada espetáculo, a sensação de mais um trabalho

gratificante, ficando os membros dos grupos entre Risos e Lágrimas.

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Créditos Fotográficos Arquivo pessoal Daniela M. Silva, p. 10 Arquivo pessoal Havani B. Fernandes, p. 7 Arquivo pessoal Roberto Caielli, p. 6,16 Museu de Santo André, p.5, 16