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    Psicologia em Pesquisa | UFJF | 7(2) | 151-163 | Julho-Dezembro de 2013 DOI: 10.5327/Z1982-1247201300020003

    I Universidade Federal da Bahia (Salvador), Brasil

    Imigrao e Trabalho: Um Estudo sobre Identidade Social, Emoes e Discriminao contra Estrangeiros*

    Immigration and Labor: A Study on Social Identity, Emotions, and Discrimination against Foreigners

    Snia Maria Guedes GondimI

    Elza Maria echioIJuliana ParanhosI

    alita MoreiraICarolina BrantesI

    Jos Bonifcio SobrinhoIVitor SantanaI

    Resumo

    Esta pesquisa analisa o poder explicativo da percepo de concorrncia do estrangeiro no mercado de trabalho brasileiro, da identidade social,das emoes intergrupais e da supresso e reavaliao cognitiva na percepo de discriminao contra estrangeiros. Oitenta e nove pessoas que seencontravam nas reas de circulao do aeroporto internacional de uma capital brasileira responderam ao survey eletrnico. Foram realizadas anlisesdescritivas e de regresso. As emoes intergrupais e a percepo de ameaa geral contribuem para a explicao da percepo de discriminao.Encontrou-se correlao positiva entre a ameaa simblica, econmica e hostilidade para com o estrangeiro. A supresso e reavaliao emocional nopossuem relevncia na explicao da percepo de discriminao.

    Palavras-chave: Imigrao; identidade social; mercado de trabalho; emoes intergrupais.

    Abstract

    Tis research analyzes the explanatory power of perceived competition concerning foreigners in the Brazilian labor market, and of social identity,intergroup emotions, suppression and cognitive reappraisal on the perception of discrimination against foreigners. Eighty-nine people passingthrough the circulation areas of the international airport of a major Brazilian city responded to the electronic survey. Descriptive and regressionanalyses were conducted. Intergroup emotions and the perceptions of a general threat are factors that explain the perception of discrimination.

    A positive correlation was found between the symbolic, economic threat and hostility towards foreigners. Suppression and reappraisal of emotionshave no relevance in explaining the perception of discrimination.

    Keywords:Immigration; social identity; labor market; intergroup emotions.

    Fome, violncia e perseguio poltica, aliadas esperana de encontrar felicidade em outras terras,

    explica, h muito tempo, a mobilidade de pessoas nomundo. As diferenas entre povos e naes expemas pessoas intolerncia, excluso e discriminaonos pases de migrao.

    Apesar de, entre os anos 2000 a 2008, ter salta-do de 2 para 3,7 milhes o nmero de brasileiros quesaram para trabalhar fora do pas (Brzozowski, 2012),assiste-se retomada do crescimento de imigrantesque afluem ao pas por motivos econmicos. Pelos da-dos da coordenao geral de imigrao (CGig) do Mi-nistrio do rabalho e Emprego no Brasil (Ministrio

    do rabalho e Emprego [ME], 2011), o nmero deautorizaes concedidas a estrangeiros para trabalha-rem no pas saltou de 29.488, em 2007, para 56.006,

    em 2010. Dados de 2012 do ME sinalizam que osestadunidenses (n=7.179) ocupam o topo da lista, se-

    guidos pelos filipinos (n=3.698), haitianos (n=3.483)e ingleses (n=3.428).So Paulo uma das cidades brasileiras que

    mais recebem estrangeiros (n=83.679, 1% do totalno Brasil) (Instituto de Pesquisa Econmica Apli-cada, 2011). Esse grupo social caracterizado pornvel educacional superior (46%), jornada de tra-balho acima de 45 horas semanais (58,2%) e remu-nerao mensal mais elevada, distinguindo-se dosmigrantes do sul, sudeste e centro-oeste do pas.Resultados da pesquisa de Vilela (2011) tambm

    indicam que, na maioria, os estrangeiros pos-suem iguais ou melhores condies de trabalhoque os brasileiros.

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    A outra face da moeda dos movimentos migra-trios revelada pelos indicadores de trabalho escravoenvolvendo estrangeiros no Brasil (Baeninger, 2012),caracterizado pela ausncia de acordo fixando direitose deveres na relao de empregador e empregado. Bo-

    livianos lideram a lista de estrangeiros que trabalhamnessas condies, seguidos de paraguaios e peruanos(Veloso, 2011). A situao dos bolivianos j haviasido objeto de anlise de Illes, imteo e Fiorucci(2008) nos acompanhamentos feitos pelo Centro de

    Apoio do Servio Pastoral dos Migrantes, entidadevinculada Confederao Nacional dos Bispos doBrasil (CNBB). O Centro de Apoio atua diretamen-te no atendimento s vtimas e no enfrentamento aotrfico de imigrantes, em especial os sul-americanosprovenientes da Bolvia, Paraguai e Peru, que chegam

    ao Brasil para trabalhar nas oficinas de costuras de SoPaulo.

    Quais seriam, ento, as implicaes desse cen-rio e como isso se converteria em um problema derelevncia cientfica? Em uma nova ordem mundialna qual as fronteiras territoriais, sociais, econmicas,polticas, culturais e valorativas tornam-se menos de-finidas e mais flexveis, impe-se um novo formato derelaes polticas entre os pases que gera consequn-cias psicossociais. Ao lado da expanso das fronteiras

    da economia brasileira, que levou os brasileiros a tra-balharem em outros pases, presencia-se o crescimen-to da concorrncia no mercado de trabalho interno.

    A rivalidade passa a ser no somente com um compa-triota, mas com um estrangeiro.

    O objetivo da pesquisa foi analisar se a tendn-cia de discriminao contra estrangeiros pode ser ex-plicada pela percepo de concorrncia no mercadode trabalho nacional, pelos processos de identifica-o social, pela percepo de ameaa, pelas emoesintergrupais e pelo uso de estratgias individuais de

    regulao emocional. A articulao dos conceitos sed pela suposio de que a percepo de concorrnciano mercado de trabalho nacional ativa a identidadesocial e desencadeia um conjunto de emoes direcio-nadas aos estrangeiros, com repercusses na emergn-cia de comportamentos discriminatrios no trabalho.

    As estratgias de autorregulao emocional poderiamexercer um papel de moderao na exacerbao ouatenuao dos comportamentos discriminatrios.

    H quatro aportes tericos mais significativospara o desenvolvimento do estudo proposto: a identi-dade social, as emoes sociais (ou afetos) direciona-das a grupos de estrangeiros (emoes intergrupais),

    a teoria das estratgias de regulao emocional e as dopreconceito e discriminao.

    Identidade e Categorizao Social

    Vinculada perspectiva das relaes intergru-pais, ajfel e urner (1979) introduzem a definio deidentidade social como aquela parte do autoconceitopessoal que deriva do conhecimento ou reconheci-mento da pertena a um determinado grupo ou ca-tegoria social e do significado valorativo e emocionalassociado a essa pertena.

    A teoria da identidade social proposta por aj-fel e urner no uma nica teoria, mas um conjun-to de microteorias que tentam explicar como cadaum se percebe como membro do grupo e estabele-

    ce relaes com os membros de seu prprio grupo(endogrupo) e os de outros grupos (exogrupos).

    Apresentada como uma alternativa das explicaesindividualistas na Psicologia social norte-america-na, ajfel (1983) chamava a ateno para a neces-sidade de articulao entre as variveis psicolgicase sociais, integrando diferentes nveis de explicao(intrapessoal, interpessoal, intragrupal e intergrupal,posicional e ideolgico), com base na suposio daimportncia do statuse poder e da posio que a pes-

    soa ocupa na sociedade na formao de sua identida-de e no seu comportamento.A identidade social ativa um conjunto de afe-

    tos e atitudes para consigo mesmo e o seu grupode pertencimento, contribuindo para o autoconcei-to (crenas e cognies) e a autoestima (atitudes eemoes). A identidade social , portanto, parte doautoconceito do indivduo, que construdo a par-tir da conscincia de pertena a um ou mais grupossociais.

    Na busca de estabelecer uma viso mais inte-

    grada da identidade social com a realidade social, omarco terico introduz outros construtos psicosso-ciais relevantes que facilitam a compreenso da cons-truo da identidade social, tais como a categorizaoe a comparao social. O processo de categorizaosocial facilita a identificao da pessoa como mem-bro de grupos sociais, ao ter em conta a crena deque compartilham caractersticas comuns (Smith &Mackie, 1997). al processo de categorizao surgeda necessidade do processamento cognitivo, no sde categorizar pessoas (agrupar unidades), mas de seautocategorizar (urner, Hogg, Oakes, Reicher &

    Wetherell, 1987).

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    Nesse processo, a identidade social torna-serelevante quando uma das categorias grupais incluia prpria pessoa. Devido necessidade de manteruma relao interpessoal prxima com os membrosdo mesmo grupo, ou por interesse pessoal, desenvol-

    ve-se o vis endogrupal, que consiste na prefernciapor aquelas pessoas com as quais se compartilha umacategoria social, contrapondo-se derrogao exogru-pal, que a tendncia para a desvalorizao de pessoaspercebidas como membros de outros grupos (ajfel &urner, 1979).

    Outro conceito que compe a teoria da iden-tidade social o da comparao social (Festinger,1954). mediante o processo de comparao queuma identidade social colocada em evidncia.

    As pessoas tendem a realizar comparaes em dimen-

    ses relevantes, para marcar diferenas e preservar aautoestima do grupo de pertena (distintividade in-tergrupal) (Abrams & Hogg, 1990).

    Associada teoria da identidade social, cate-gorizao e comparao social, encontra-se a teoriaintegradora da ameaa (Stephan et al., 2002), quetem como origem a teoria dos conflitos reais. A teo-ria integradora das atitudes intergrupais sugere que aorigem do preconceito encontra-se em quatro tiposbsicos de ameaa: a) a realista (conflito por recursos

    escassos); b) a simblica (diferenas percebidas entreos grupos no que tange aos valores, crenas e nor-mas); c) esteretipos negativos (geram expectativasnegativas de interao); d) ansiedade intergrupal (an-siedade produzida pela possibilidade de estabelecercontato com membros de outros grupos ou diferen-tes do endogrupo).

    Objetivo especco 1: identicar o sentimento deafinidade e de concorrncia de brasileiros em rela-o a grupos de estrangeiros (africanos, asiticos,europeus, norte-americanos e sul-americanos).

    Emoes e Sentimentos Direcionados aCategorias Sociais: Emoes Intergrupais

    As emoes e os demais estados afetivos (sentimen-tos, humores, temperamentos) cumprem funes essen-ciais na vida humana (por exemplo, Fernndez-Abascal,Garcia-Rodrguez, Jimnez-Snchez, Martn-Daz &Domnguez-Snchez, 2010). As emoes so fenmenoscomplexos de difcil demarcao cientfica, em que estoimplicadas condies desencadeantes (estmulos externose internos), experincias subjetivas ou sentimentos (inter-pretao subjetiva), diversos nveis de processamento

    cognitivo (processos valorativos), mudanas fisio-lgicas (processos de ativao), padres expressivosde comunicao (expressividade), efeitos motiva-dores de aes e funes adaptativas (Dixon, 2012;Izard, 2010; Kleinignna & Kleinignna, 1981).

    Em resumo, as emoes e os diversos estados afe-tivos cumprem trs funes bsicas: adaptativas(preparar o organismo para a ao), sociais (co-municar estados de nimo) e motivacionais (ativarcondutas especficas).

    As emoes podem ser classificadas em pri-mrias e secundrias (Damsio, 1994). As primeirastiveram um papel fundamental na filogenia e na on-togenia (Darwin, 1859) e, embora haja controvrsiassobre quais seriam elas, as mais comumente referidasso tristeza (funo de reintegrao), alegria (funo

    de afiliao), asco (funo de afastamento), surpresa(funo de explorao), medo (funo de proteo) eraiva (funo de autodefesa).

    Emoes secundrias dizem respeito a outrostipos de emoes e estados afetivos que cumpremfunes adaptativas de natureza social, moral e auto-consciente, dentre as quais se destacam culpa, inveja,vergonha, orgulho, arrogncia e cime. ais emoesso consideradas autoconscientes, pois, para sua emer-gncia, necessitam da identidade pessoal, da interna-

    lizao de normas sociais (discernir o que certo ouerrado) e da capacidade de autoavaliao das aes epensamentos (Etxebarra, 2010; Hoffman, 1992;Lewis, 2000; Mascolo & Fischer, 1995; angney &Fischer, 1995). Vinculado a esse entendimento de ha-ver emoes sociais que se somam s emoes prim-rias, h um conjunto de estados afetivos que regulama qualidade das interaes humanas, contribuindopara a aproximao e o afastamento de grupos sociais.

    As emoes e os estados afetivos, portanto, podem ex-plicar tanto comportamentos prossociais como atos de

    violncia e discriminao.A teoria das emoes intergrupos (Kemper,1978; Parkinson, Fischer & Manstead, 2005) ajuda acompreender melhor essas associaes. As emoes in-tergrupais so vivenciadas pelos indivduos quando elesse identificam com o grupo social (identidade social),fazendo desse grupo parte de sua identidade pessoal(Mackie, Devos & Smith, 2000; Smith, 1993). Qua-tro critrios classificam as emoes como intergrupais:1) distinguem-se das emoes no nvel individual (es-tas no necessitam de compartilhamento); 2) depen-dem do grau de identificao com o grupo; 3) exigemum nvel de compartilhamento no grupo; 4) orientam

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    as atitudes e os comportamentos nas relaes com osmembros do prprio grupo e de outros grupos (Smith,Seger & Mackie, 2007). Em resumo, a premissa bsicada teoria das emoes intergrupais de que, quando osindivduos se identificam com o grupo, essa identidade

    intragrupo passa a fazer parte do seu eu, adquirindosignificncia emocional e social.De acordo com o modelo conceitual de Smith

    et al. (2007), as emoes grupais e intergrupais se dife-renciam no s das emoes individuais, mas tambmdas emoes sociais (ou autoconscientes). As ltimasemergem das interaes sociais e definem uma quali-dade de relao com outros grupos, mas nem sempreso compartilhadas intragrupo. Por exemplo, a empatiaenvolve a capacidade de se colocar no lugar da outrapessoa e compreender o que ela est sentindo. No sig-

    nifica que todos os membros do grupo sintam-se em-pticos com uma dada pessoa. rata-se de uma emo-o social, mas no necessariamente de uma emoointergrupal (compartilhada pelo endogrupo em relaoa pessoas pertencentes ao exogrupo). No entanto, umaemoo social pode ser compartilhada por um grupoe vir a se tornar intergrupal. A vergonha pode ser umaemoo social compartilhada por filiados a um partidopoltico conhecido por defender a tica, cujos mem-bros foram flagrados em atos de corrupo. A vergonha

    torna-se compartilhada no nvel intragrupo como for-ma de oposio aos corruptos e traidores dos ideais dopartido (grupo dos no corruptos contra o grupo doscorruptos).

    A compreenso da articulao entre emoessociais, grupais e intergrupais importante neste es-tudo, ao se supor que a percepo de ameaa de umgrupo estrangeiro ativa a identidade social (sentimen-to de pertencimento a um pas, no caso, o Brasil) econtribui para o surgimento de emoes intergrupais(de brasileiros para com estrangeiros), repercutindo

    na manifestao de comportamentos discriminatriosem relao a estrangeiros. Objetivo especco 2: avaliar as associaes en-

    tre o grau de afinidade (identidade social) com ogrupo estrangeiro e as emoes intergrupais quesinalizam sociabilidade (aproximao) ou hostili-dade (afastamento) para com estrangeiros e de quemodo isso explica as tendncias discriminatrias.

    Regulao Emocional

    A regulao emocional definida como pro-cessos conscientes, inconscientes, automticos e con-

    trolados de mudana da expresso emocional e dosestados internos para modificar a experincia pessoal(Gross, 1998, 2007). A temtica da regulao emo-cional traz a discusso das funes que ela cumpre navida humana e em sociedade. No mbito pessoal, a

    autorregulao evita o sofrimento e mantm a sadee o bem-estar psicossocial (Zapf & Holz, 2006), almde maximizar o prazer via expresso de emoes po-sitivas (Salovey, Rothman & Rodin, 1998). Em ter-mos sociais, importante aliada na conformidade sexpectativas e normas sociais e cumpre um papel re-levante no gerenciamento de emoes negativas paraassegurar a qualidade dos relacionamentos sociais(Van Kleef, 2009; Van Kleef & Cot, 2007).

    Gross (1998) distingue dois grandes gruposde estratgias de regulao emocional: focadas nos

    aspectos antecedentes e focadas nos consequentes.No primeiro grupo, o indivduo controla a situaoe a percepo da situao desencadeadora de emoopor meio da seleo ou da modificao da situao,ateno posicionada e mudana cognitiva. A seleoda situao consiste em aproximar-se ou distanciar-se depessoas, objetos e eventos para evitar emoes inde-sejveis ou fazer vir tona emoes desejveis; a mo-dificao da situao consiste em expressar emoesintencionais para mudar o curso da interao em an-

    damento; a ateno posicionada consiste em redire-cionar o foco da ateno para:i) distrao, que centra em aspectos no emocionais

    da situao ou em outros eventos mais prazerosos;ii) concentrao, que foca uma outra atividade para

    evitar pensar na situao que evoca a emoo, eiii) ruminao, que foca demasiadamente o evento

    eliciador da emoo e suas consequncias, como objetivo de esgotar as possibilidades de se so-frer pelo evento, fazendo-o perder a sua fora.

    A mudana cognitiva consiste em negar e inter-pretar positiva ou negativamente, comparar o que sesente com o que outras pessoas sentem em situaessemelhantes ou reavaliar a situao de uma perspec-tiva distinta para atenuar o seu impacto emocional.

    Na regulao focada nos aspectos consequentes,o indivduo tenta mudar os estados fisiolgicos pessoaise a expresso da emoo, uma vez que ela tenha sidoeliciada. As estratgias para lidar com os aspectos fisio-lgicosreferem-se s aes para atenuar ou compensaros impactos emocionais por meio de exerccios respi-ratrios, de biofeedback e de relaxamento e ainda pelouso de tranquilizantes, relaxantes musculares, lcool,

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    comida e cigarro. A regulao da expresso tambmpertence a esse grupo de estratgias focadas nos aspectosconsequentes e feita por meio da supresso (tentar nomostrar) ou da intensificao (fazer questo de mostrar)para modular a experincia emocional. H ainda outra

    estratgia de regulao focada nos aspectos consequen-tes, que o compartilhamento social das emoes. Apsexperincias de forte impacto emocional negativo, aspessoas escrevem em dirios e tambm conversam comamigos ou at mesmo desconhecidos sobre os seus sen-timentos pessoais, na tentativa de atenu-los ou modifi-c-los, conseguir suporte e at mesmo efetuar compara-es que permitam a reavaliao de sentimentos.

    Objetivo especco 3: testar o papel moderadordas estratgias de supresso (estratgia superficialou com foco no consequente emocional) e de rea-

    valiao (estratgia profunda ou com foco no an-tecedente) nas tendncias discriminatrias contraestrangeiros. A suposio de que a reavaliaocognitiva est relacionada a uma avaliao maispositiva do grupo de estrangeiros concorrentes, es-tando associada sociabilidade na interao inter-grupal, enquanto a supresso de sentimentos estassociada hostilidade na interao intergrupal.

    Preconceito e Discriminao

    O preconceito definido como uma atitudenegativa em relao a uma pessoa pelo simples fatode ela ser percebida como membro de um gruposocial para o qual so atribudas caractersticas ne-gativas. O preconceito ancora-se na crena de queessa pessoa possui as caractersticas negativas atribu-das ao seu grupo de pertencimento (Allport, 1954).

    A atitude seria constituda por dois componentes:um cognitivo (generalizao categorial) e outro dis-posicional (afetivo hostilidade), que influenciam os

    comportamentos discriminatrios (Pereira, orres,& Almeida, 2003). A discriminao, por sua vez, o comportamento objetivo ou a inteno de agir deforma a diferenciar positivamente os membros doendogrupo dos do exogrupo. ajfel (1983) d umsalto no entendimento dos comportamentos discri-minatrios ao destacar a influncia dos esteretiposno processo. Definidos como crenas socialmentecompartilhadas sobre a natureza dos grupos (endoe exogrupo), os esteretipos seriam desencadeadoresde aes especficas em relao ao exogrupo. Nes-sa perspectiva, destaca-se como fator determinan-te dos preconceitos sociais a insero do indivduo

    em uma categoria social e seu grau de identificaopara com ela. Os indivduos procuram manter umaidentidade social positiva, que contribui para elevara autoestima. Quanto maior a identificao com umgrupo, maior a tendncia a diferenciar positivamen-

    te o endogrupo em comparao com o exogrupo,aspectos fundamentais para alicerar o estudo aquiproposto em relao categoria social de estrangei-ros que concorre no mercado de trabalho nacional.

    Pelas perspectivas clssicas e a teoria integradadas atitudes intergrupais de Stephan et al. (2002), osprincipais fatores psicossociais explicativos dos proces-sos de preconceito e discriminao social so: 1) a per-cepo de conflito real por recursos escassos e as amea-as sociais percebidas; 2) a ameaa simblica; 3) osesteretipos negativos; 4) a ansiedade sentida quando

    em contato com grupos diferentes ou desconhecidos; e5) os valores culturais autoritrios e normativos que en-fatizam a excluso do diferente e do estranho. A socia-lizao mediante valores convencionais e hierrquicosreforaria, ento, as crenas conservadoras, etnocntri-cas e a forte identificao com o endogrupo, levando,por sua vez, a uma maior sensibilidade em relao ameaa real e simblica e igualmente fortalecendo oscomportamentos discriminatrios.

    Ao analisar esses fatores explicativos do compor-

    tamento discriminatrio, pode-se aventar a hiptesede que, embora o brasileiro historicamente seja con-siderado como hospitaleiro e receptivo para com osestrangeiros, diferentemente de pases que vivem con-flitos tnico-raciais histricos, a disputa no mercado detrabalho por postos especializados de maior statuse re-munerao podem vir a desencadear processos psicos-sociais discriminatrios, ativados pela ameaa identi-dade social (ameaa simblica), ameaa instrumental(econmica e de segurana) e autoestima grupal.

    Objetivo especco 4: avaliar as relaes entre

    percepo de ameaa (simblica, econmica ede segurana) e tendncias comportamentais deamabilidade (por exemplo, tentar fazer amizades,elogi-los quando fazem bem o trabalho, procuraraprender com eles, falar bem deles etc.) e de hos-tilidade (por exemplo, ignorar a presena deles,colocar apelidos, dar tarefas adicionais, espalharrumores, evitar cumpriment-los etc.) para com ogrupo estrangeiro de forte concorrncia.

    Em resumo, a suposio geral da pesquisa deque a identidade social nacional ativada em presenade grupos de trabalhadores estrangeiros que passam

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    a atuar no mercado de trabalho local, aumentando aconcorrncia por postos de trabalho (em especial,nos casos de maior atratividade). Uma vez ativada aidentidade social e a percepo de ameaa (real e/ousimblica), um conjunto de emoes compartilhadas

    pelo endogrupo (grupo social de nacionalidade) pas-sa a ter como alvo o grupo social estrangeiro consi-derado ameaador (exogrupo), com repercusses natendncia de comportamentos discriminatrios emrelao a esse grupo. A varivel da autorregulaoemocional (estratgias de regulao emocional) atua-ria como moderadora, repercutindo no aumento oudiminuio de discriminao social.

    Mtodo

    rata-se de um estudo quantitativo, descritivoe correlacional.

    Participantes

    Participaram da pesquisa 89 pessoas, sen-do a maioria de homens (59%). A idade mdia dosentrevistados foi de 32,57 anos (desvio padro DP=10,61), variando entre 18 a 63 anos. Em rela-o ao nvel educacional, 30,7% (n=27) possua ps-

    graduao; 23,9% (n=21), nvel superior completo;27,3% (n=24), nvel superior incompleto e 13,6%(n=12), ensino mdio completo.

    Cinco participantes (5,6%) tm pelo menosum dos pais estrangeiros e 15 (16,9%) possuem aomenos um dos avs de outra nacionalidade. Quan-to ao statusocupacional, 74% (n=66) esto inseridosno mercado de trabalho. A maioria deles, 53,93%(n=48), trabalha ou j trabalhou com estrangeiros,mas a experincia de trabalho no exterior pequena(n=10), no ultrapassando 4 anos.

    Instrumentos

    Medida de Emoes Intergrupais

    A medida de sentimentos nas relaes intergru-pais foi baseada em estudos anteriores sobre atribui-es de emoes entre lderes e liderados (Gondim,

    lvaro-Estramiana, Schweiger-Gallo, S, & Rios,2008). A medida possui 28 itens, descrevendo afetospresentes nas interaes intergrupos, distribudos emduas dimenses de 14 itens cada: sociabilidade posi-tiva (por exemplo, amizade, solidariedade, compreen-

    so) e sociabilidade negativa (por exemplo, falsidade,repulsa, superioridade). A escala de resposta do tipoLikert de 5 pontos, variando de (1) Definitivamenteno o que sentimos a (5) Definitivamente o quesentimos. A anlise fatorial pelo mtodo de extrao

    dos eixos principais e rotao oblqua teve como so-luo os dois fatores, explicando 43,7% da varincia.As cargas fatoriais oscilaram de 0,35 a 0,77, a dimen-so sociabilidade positiva obteve =0,90 e a sociabili-dade negativa, =0,88.

    Medida de Percepo de Discriminao

    Os itens foram construdos pela equipe de pes-quisadores com base na literatura de assdio moralno trabalho, especialmente os trabalhos de Hirigoyen

    (2001), e envolvem comportamentos discriminatriosdirigidos ao grupo social de estrangeiros percebidoscomo fortes concorrentes no mercado de trabalho na-cional. A medida composta de 22 itens, distribudosem duas dimenses: Amabilidade comportamentosde aproximao intergrupal; e Hostilidade compor-tamentos de distanciamento e pouca cordialidade in-tergrupal. A escala de resposta do tipo Likert de 5pontos, variando de (1) Definitivamente os brasilei-ros no agem assim a (5) Com certeza os brasileiros

    agem assim.A anlise fatorial por extrao dos eixos princi-pais e de rotao oblqua indicou a presena dos doisfatores, cada um com 11 itens, explicando 43,7% davarincia. As cargas fatoriais oscilaram de 0,45 a 0,78,a dimenso amabilidade obteve =0,72 e a dimensode hostilidade, =0,89.

    Escala de Regulao Emocional

    Criada por Gross e John (2003), a escala pro-

    pe-se a avaliar o uso de dois tipos de estratgias deregulao emocional: reavaliao cognitiva e inibiode emoes negativas (supresso). A reavaliao cog-nitiva um mecanismo de mudana cognitiva, queenvolve a reavaliao de situaes para atenuar o im-pacto negativo. A inibio de emoes ou supresso uma forma de modulao de respostas de controlede manifestao facial ou verbal de emoes. Possui10 itens, a serem respondidos em uma escala do tipoLikert de 5 pontos, variando de (1) Definitivamenteno o que fao a (5) Definitivamente o que fao.Seis itens medem a reavaliao cognitiva (por exem-plo, Quando quero sentir menos emoes negativas

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    mudo o jeito que estou pensando sobre a situao) equatro itens, a supresso (por exemplo, Eu controlominhas emoes tentando evit-las). O coeficientede consistncia interna total da escala no estudo ori-ginal apresentou =0,69.

    A anlise fatorial pelo mtodo dos eixos prin-cipais e rotao oblqua realizada com a amostra des-te estudo revelou dois fatores, explicando 33,21%da varincia. As cargas fatoriais oscilaram de 0,38 a0,81, a consistncia interna total da escala apresentou=0,69, o fator de reavaliao cognitiva apresentou=0,70 e o fator de supresso, =0,65.

    Medida de Percepo de Ameaa

    A medida foi adaptada da escala desenvolvida

    por Stephan e Stephan (2000) de percepo de amea-a segurana poltica (por exemplo, A vinda dessaspessoas pode fazer com que aumente a criminalidadeno Brasil), econmica (por exemplo, Os recursose desenvolvimento econmico dos brasileiros estoameaados pelos estrangeiros que vm trabalhar noBrasil) e simblica (por exemplo, A nossa liberda-de e direitos esto ameaados pelos estrangeiros quevm trabalhar no Brasil). A medida possui 6 itens aserem respondidos em uma escala do tipo Likert de

    5 pontos, variando de (1) Discordo totalmente a(5) Concordo totalmente. Dentre os itens, dois re-ferem-se percepo de ameaa econmica, trs estorelacionados percepo de ameaa simblica e um sobre a percepo de ameaa segurana. A consis-tncia interna da medida apresentou =0,65.

    Outras Variveis Mensuradas

    No questionrio, foram includas tambm duasquestes sobre o grau de aceitao da vinda do estran-

    geiro para trabalhar no Brasil Em que medida achaque o Brasil deve permitir que estrangeiros venhamtrabalhar no Brasil e Em que medida acha que oBrasil deve permitir que estrangeiros altamente quali-ficados venham trabalhar no Brasil, respondidas emuma escala de 4 pontos, variando de (1) No devepermitir a vinda de ningum a (4) Deve permitira vinda de muitas pessoas. O preconceito foi medi-do pela aceitao de relaes de proximidade e inti-midade na relao com o estrangeiro, mediante umaescala de 7 nveis que variava de (1) Mxima relaode intimidade (casamento) a (7) Mximo afastamen-to (expulso do pas). Perguntou-se tambm sobre a

    percepo de concorrncia no mercado de trabalhonacional e de afinidade (identidade social) de diversosgrupos estrangeiros (africanos, asiticos, norte-ameri-canos, europeus e latino-americanos), fazendo uso deuma escala de resposta de 5 pontos para cada uma

    das perguntas, variando de (1) No tenho nenhumaafinidade/fraco concorrente a (5) enho completaafinidade/forte concorrente.

    Procedimentos de Coleta de Dados

    Para a coleta de dados, foi utilizado um ques-tionrio eletrnico (EFS Survey, da Globalpark).

    A coleta foi realizada no Aeroporto Internacional deSalvador, no perodo de 6 a 13 de agosto de 2012.

    As pessoas presentes nas reas de circulao do ae-

    roporto eram abordadas por um dos membros daequipe de pesquisa (devidamente credenciados con-forme regulamento da administrao do aeroporto) econvidadas a preencherem o questionrio eletrnico.

    Aps esclarecimentos iniciais e concordncia, o parti-cipante optava por responder ao questionrio on-linepelo notebookda equipe de pesquisa ou pelo seu com-putador pessoal mediante o linkde acesso. Na primei-ra pgina, era apresentado o termo de consentimentolivre e esclarecido. O tempo mximo de resposta foi

    de at 25 minutos.Procedimentos de Anlise de Dados

    Inicialmente, foram adotados os procedimentospara avaliar o atendimento aos pressupostos de norma-lidade da distribuio em relao aos erros de estima-o. Foram realizados os testes Kolmogorov-Smirnove Shapiro-Wilk pelo Statistical Package for the SocialSciences (SPSS), verso 17. Os resultados no indica-ram significncia estatstica, revelando haver normali-

    dade na distribuio (Field, 2009; Hair, Black, Babin,Anderson, & atham, 2009). Estatsticas descritivas fo-ram utilizadas para caracterizao da amostra e anliseda distribuio das respostas nas variveis mensuradas.Para as anlises inferenciais, utilizaram-se medidas com-parativas, como o teste t, anlise de varincia (ANOVA),anlise multivariada de varincia (MANOVA) e anlisede regresso mltipla.

    A ttulo de esclarecimento, procurou-se saber otamanho da amostra necessrio para a anlise dos dadospor meio de modelos de regresso, considerando-se na-turalmente as caractersticas do desenho do presente es-tudo e um tamanho de efeito esperado como moderado.

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    Usou-se o softwareG*Power (disponvel em http://www.softpedia.com/get/Science-CAD/G-Power.shtml), emque se fixou o nvel de significncia desejado (p

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    negativos mais percebidos na relao foram su-perioridade (M=2,89; DP=1,42), intimidao(M=2,83; DP=1,44), prepotncia (M=2,76;DP=1,42) e arrogncia (M=2,56; DP=1,33).

    Regulao emocional: as estratgias de reava-

    liao cognitiva (M=3,58; DP=0,72) apresen-taram mdias maiores e significativas que asde supresso de emoes (M=2,86; DP=0,85)[t

    (88)=6,897; p

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    res de amabilidade), indicando limites na generaliza-o dos resultados, principalmente para os preditoresde hostilidade. A estatstica Durbin-Watson apontou

    valores prximos de 2, atendendo hiptese de inde-pendncia dos erros.Foram analisados tambm os indicadores

    para fins de diagnstico de no multicolinearida-de entre os previsores, o que foi atendido (ndicede tolerncia acima de 0,20 e fator de inflao davarincia FIV abaixo de 10). A anlise das esta-tsticas residuais indicou que somente 3% dos casostinham resduos padronizados (2% aqum do espe-rado, que era de 5%). Por fim, a anlise dos grficosdos resduos indica que foi atendida a hiptese de

    linearidade dos dados.

    Discusso

    O principal objetivo da pesquisa foi analisar se apercepo de discriminao contra estrangeiros podeser explicada pela percepo de concorrncia no mer-cado de trabalho nacional, pela percepo de afinida-de para com estrangeiros, pela percepo de ameaa,pelas emoes intergrupais e pelo uso de estratgiasindividuais de regulao emocional. Os resultadosindicam que somente as emoes intergrupais nega-tivas e a percepo de ameaa contribuem para expli-

    car a percepo de discriminao (fator hostilidade).A aceitao do estrangeiro no mercado de trabalhobrasileiro talvez explique esse resultado. Alm disso,

    por no se perceber o estrangeiro como um forte con-corrente (as mdias foram baixas), a identidade so-cial nacional no se v ameaada a ponto de ativaremoes negativas para com os estrangeiros (supo-sio inicial do estudo). A associao entre emoesintergrupais negativas e a percepo de discriminao,portanto, mais bem explicada pela aceitao e notanto pela identidade social, supostamente ativadaquando se percebe haver ameaa estrangeira no mer-cado de trabalho nacional (Ramos, echio, Pez &Herranz, 2005).

    O mito da receptividade do estrangeiro apon-tado por Simai e Baeninger (2011) tambm ajuda nacompreenso dos resultados deste estudo. Na pers-pectiva das autoras, o mito compreendido comoum processo de naturalizao e mascaramento deconflitos internos de carter ideolgico que nega apresena na identidade nacional de traos de xeno-fobia, revelada por uma histria de explorao de in-dgenas, negros africanos e de migrantes internos noBrasil Colnia.

    A receptividade ao estrangeiro como trao daidentidade nacional fortalecida pela histria da mis-cigenao no Brasil (Freyre, 1940) e pela difuso dessa

    Tabela 2.Anlise de regresso para amabilidade para com os estrangeiros

    Variveis * EP ** ***

    Constante 1,47 0,51

    Emoes intergrupais positivas 0,26 0,10 0,29****

    Regulao emocional - reavaliao 0,25 0,10 0,24****

    *Beta no padronizado; **erro padro do beta;***beta padronizado

    R2=0,17 (n=89; ****p

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    imagem pelos meios de comunicao de massa (porexemplo, as novelas Os Imigrantes, veiculada em1981, e erra Nostra, em 1999). Isso ajudaria a expli-car o discurso normativo da receptividade aos estran-geiros da amostra desta pesquisa. Outra explicao

    na mesma direo pode ser encontrada em Floriani,coordenador acadmico da Casa Latino-americana(CASLA), em Curitiba, para quem, no imaginriobrasileiro, a tolerncia para com a vinda de estrangei-ros decorre do hibridismo tnico-cultural na forma-o da populao (Assad, 2012).

    O uso de estratgia de regulao emocional desupresso (inibir emoes negativas ou positivas) nopossui relevncia na explicao da percepo de dis-criminao. No entanto, o uso da estratgia de reava-liao cognitiva (flexibilidade de mudar eventos eli-

    ciadores de emoes negativas) ajuda na predio daamabilidade para com o estrangeiro.

    Os resultados tambm sinalizam de modo claroque os grupos de estrangeiros percebidos como de afi-nidade so distintos dos que se percebem como con-correntes os norte-americanos, europeus e asiti-cos sendo percebidos como grupos concorrentes e ossul-americanos e africanos, como grupos afins.

    rs limitaes do estudo podem ser mais fa-cilmente destacadas. A primeira refere-se amostra,

    visto ter sido por convenincia, limitando o seu poderde generalizao para a populao, o que foi indicadopelo resultado da frmula de Stein para testar o ajus-te do R2, sugerindo tambm aumentar a amostra emestudos futuros. A segunda diz respeito ao segmentoda populao que participou da pesquisa, com nvelinstrucional elevado, 23% tendo ascendentes de outranacionalidade, o que provavelmente pode contribuirpara um posicionamento mais favorvel em relao aoestrangeiro qualificado. A terceira refere-se ausnciade estudos com o desenho semelhante, o que limita as

    possibilidades de comparao deste trabalho com ou-tros achados empricos. odavia, como a pesquisa estsendo realizada em outros pases da Europa, como Es-panha e Portugal, ampliam-se as possibilidades de seexplorar comparativamente seus achados.

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    Endereo para correspondncia:

    Snia Maria Guedes GondimRua Rodrigo Argolo, 293/502 Rio VermelhoCEP 41940-220 Salvador/BAE-mail: [email protected]

    Recebido em 07/12/2012Revisto em 08/04/2013

    Aceito em 23/05/2013

    * Apoio financeiro: Edital de Cincias Humanas doConselho Nacional de Desenvolvimento Cientficoe ecnolgico (CNPq) (2010-2012).