IMPLANTAÇÃO DE INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS (IG): CASO DA ...

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MÁRCIO ALEXANDRE DIÓRIO MENEGAZZO IMPLANTAÇÃO DE INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS (IG): CASO DA INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA “MARACAJU” PARA O PRODUTO LINGUIÇA UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO LOCAL MESTRADO ACADÊMICO CAMPO GRANDE - MS 2015

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  • MRCIO ALEXANDRE DIRIO MENEGAZZO

    IMPLANTAO DE INDICAES GEOGRFICAS (IG): CASO

    DA INDICAO DE PROCEDNCIA MARACAJU PARA O

    PRODUTO LINGUIA

    UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO

    PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO LOCAL

    MESTRADO ACADMICO CAMPO GRANDE - MS

    2015

  • MRCIO ALEXANDRE DIRIO MENEGAZZO

    IMPLANTAO DE INDICAES GEOGRFICAS (IG): CASO

    DA INDICAO DE PROCEDNCIA MARACAJU PARA O

    PRODUTO LINGUIA

    Dissertao apresentado Banca Examinadora do Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Local, Mestrado Acadmico, da Universidade Catlica Dom Bosco, como requisito parcial para obteno do ttulo de MESTRE em Desenvolvimento Local. Orientador: Prof. Dr. Olivier Franois Vilpoux

    UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO LOCAL MESTRADO ACADMICO

    CAMPO GRANDE - MS 2015

  • FOLHA DE APROVAO

    Ttulo: Implantao de Indicaes Geogrficas (IG). Caso da indicao de

    procedncia Maracaju para o produto linguia

    rea de Concentrao: Desenvolvimento Local em contexto de territorialidades Linha de Pesquisa: Desenvolvimento Local: Sistemas Produtivos, Inovao, Governana Dissertao submetida Comisso Examinadora designada pelo Colegiado do

    Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Local - Mestrado Acadmico da

    Universidade Catlica Dom Bosco, como requisito parcial para a obteno do ttulo

    de Mestre em Desenvolvimento Local.

    BANCA EXAMINADORA

    ________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Olivier Franois Vilpoux

    Universidade Catlica Dom Bosco

    ________________________________________

    ________________________________________

  • DEDICATRIA

    Dedico este Mestrado ao meu grande amor Evelyn

    e aos meus filhos Gabriel e Yasmin, combustveis

    de meu viver.

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus pelo seu sopro de vida.

    A minha esposa Evelyn Bernardes Fonseca Menegazzo q d forma

    especial carinhosa m d fora coragem, m apoiando ns momentos d

    dificuldades, agradeo tambm os meus filhos, Gabriel Yasmin, q embora n

    tivessem conhecimento disto, ms iluminaram d maneira especial s meus

    pensamentos m levando buscar mais conhecimentos.

    Ao meu pai Jos Benjamim Menegazzo (in memoriam), que onde quer

    que esteja, nunca deixou de confiar em mim. A minha me Marilda e aos meus

    irmos Ricardo e Andr com quem partilho este momento.

    Ao meu orientador Professor Dr. Olivier Franois Vilpoux, e a Professora

    Dra. Maria Augusta de Castilho pr seus ensinamentos, pacincia confiana

    longo ds supervises ds minhas atividades q m ajudaram concluir esta

    dissertao.

    A todos s professores, colegas e funcionrios d curso, q foram

    importantes nesta parte de minha vida acadmica n desenvolvimento dst

    dissertao.

    A Coordenao de Indicao Geogrfica do Ministrio da Agricultura

    Pecuria e Abastecimento, representada pela colega Beatriz de Assis Junqueira, ao

    Superintendente Federal de Agricultura de MS Orlando Baez, e ao chefe da Diviso

    Celso de Souza Martins, que diretamente me incentivaram e viabilizaram minha

    participao neste mestrado, assim como aos meus colegas da Superintendncia

    Federal de Agricultura de Mato Grosso do Sul pelo ambiente harmonioso e

    colaborativo na realizao desta dissertao.

    Aos produtores da Linguia de Maracaju pelo acolhimento, convvio,

    cultura e informaes transmitidas para a constituio desta composio.

    E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha dissertao,

    o meu muito obrigado.

  • RESUMO

    A Indicao Geogrfica conceituada como um produto com qualidade vinculado a

    origem e pode representar uma importante ferramenta para a agregao de valor,

    aumento da renda, acesso a mercados e desenvolvimento local. Com o consumidor

    cada vez mais preocupado com aspectos de qualidade e origem do produto,

    respeitando a cultura das pessoas do local de produo e a sua identidade, e diante

    da necessidade de adequao dos sistemas produtivos agroalimentares com

    agregao de valor e dinamizao do potencial endgeno dos territrios, se objetiva

    neste trabalho verificar a possibilidade de implantar uma Indicao Geogrfica (IG)

    no Centro-Oeste do Brasil, mais especificamente a produo de linguia de

    Maracaju. Desta maneira o trabalho dividido na conceituao das Indicaes

    Geogrficas conforme so internalizadas na Europa e no Brasil, a sua manifestao

    na Europa e sua evoluo legislativa internacional. abordada a produo da

    linguia de Maracaju, descrevendo a origem do produto e a regio de produo. A

    pesquisa foi desenvolvida atravs de abordagem qualitativa, adotando-se o mtodo

    cientfico com estratgia de pesquisa baseada em estudo de caso. Ainda foi utilizada

    a metodologia de pesquisa-ao que traz uma relao entre os pesquisadores e

    pessoas envolvidas no estudo da realidade. A coleta de dados tem por referncia as

    legislaes do Brasil, Frana e Comunidade Europeia. A obteno dos dados de

    campo foi feita a partir de pesquisa-ao e de entrevistas semi-direcionadas com

    questes abertas junto aos atores locais. Os resultados evidenciam a existncia de

    um produto com reputao estabelecida com recursos locais suficientes para uma

    Indicao de Procedncia e representada por uma coletividade legitima do territrio.

    Ao mesmo tempo h que se melhorar os processos cooperativos e de interao

    entre os atores locais e as instituies com polticas pblicas convergentes para o

    sistema da Indicao Geogrfica. A anlise evidenciou a necessidade de uma

    melhor definio das aes pblicas, juntamente com maior motivao e

    mobilizao dos atores locais em torno de uma viso compartilhada para alm da

    proteo e promoo de um produto e de sua regio, mas tambm para o acesso a

    novos mercados, e a potencializao dos ativos do territrio para o efetivo

    desenvolvimento local.

    Palavras-Chave: Indicaes Geogrficas, Desenvolvimento Local, Linguia,

    Maracaju, Polticas Pblicas

  • ABSTRACT

    The Geographical Indication is conceptualized as a product with quality bound to the

    origin and may represent an important tool for adding value, increasing income,

    marts accessing and local development. With end users who are getting more and

    more concerned about the quality features and the product origination, respecting the

    culture of the people from the production place and their identity, and facing the need

    of adapting the agrifood production systems with value aggregation and promotion of

    the endogenous potential of territories, this papers aim is to verify the possibility to

    implement a Geographical Indication (GI) in Brazils Middle West, specifically the

    production of Maracaju Sausage. Thus, the paper is divided by the conceptualization

    of the Geographical Indications as long as they are internalized in Europe and Brazil,

    its expression in Europe and its international legislative developing. The Maracaju

    sausage production is approached describing the product origination and the

    production region. The research was developed through qualitative approach,

    embracing the scientific method with research strategy based on case study.

    Furthermore, was resorted the method of research-action, which brings a relation

    between the tracers and people who are involved with the reality study. The data

    collect has as reference the laws of Brazil, France and European Community. The

    obtainment of the field data was made through research-action and semi-directed

    interviews with open questions together with the local agents. The results evince the

    existence of a product with established reputation with enough local resources for an

    Origination Indication and represented by a legitimate collectivity of the territory. In

    the meantime, it has to be developed the cooperative processes and, also, the

    processes of interaction between the local agents and the institutions with public

    policy converging to the Geographical Indication system. The analysis evinced the

    need of a better definition for the public actions, together with bigger motivation and

    mobilization of the local agents around a shared view for not only the protection and

    promotion of a product and its region, but also the access to new marts, and the

    potentiation of the territory agents for the effective local development.

    Key-words: Geographical Indications, local development, sausage, Maracaju,

    public policy

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Smbolos europeus de Indicaes Geogrficas ................................... 22

    Figura 2 - Smbolo Francs da L'Appellation d'Origine Contrle ........................ 23

    Figura 3 - Material promocional dos smbolos oficiais de qualidade e de origem

    na Frana ............................................................................................. 27

    Figura 4 - Fluxograma do processo registro nacional para IG na Frana ............. 45

    Figura 5 - Porcentagem de IG brasileiras por regio registradas no INPI ............ 55

    Figura 6 - Fluxograma da Metodologia de trabalho do MAPA .............................. 56

    Figura 7 - Destino das vendas de IGs europeus em 2010, em percentagem ....... 59

    Figura 8 - Distribuio, em percentagem do faturamento das IGs na Frana e

    na Itlia, por tipo de produto, em 2010 ................................................. 60

    Figura 9 - Porcentagem de IGs em relao ao total na Europa e ao valor que

    representa nas vendas nacionais ......................................................... 60

    Figura 10 - Interao entre pessoas, produto e o territrio ..................................... 63

    Figura 11 - Crculo virtuoso da qualidade vinculada a origem ................................ 64

    Figura 12 - Cadeia produtiva da linguia de Maracaju ........................................... 89

    Figura 13 - Logo da IP MARACAJU para o produto Linguia ................................. 93

    Figura 14 - Laranja azeda ....................................................................................... 97

    Figura 15 - O formato espiral caracterstico da linguia de Maracaju. .................... 98

    Figura 16 - Logotipo da APTRALMAR .................................................................... 101

  • LISTA DE MAPAS

    Mapa 1 - Ocupao do territrio no perodo colonial...................................................... 68

    Mapa 2 - Migraes para o sul de Mato Grosso nos sculos XIX e XX ....................... 71

    Mapa 3 - Territrio Federal de Ponta Por, no ano de 1943 ...................................... 73

    Mapa 4 - Localizao geogrfica de Maracaju .............................................................. 94

    Mapa 5 - Delimitao Geogrfica da IP Maracaju ..................................................... 95

  • LISTA DE FOTOS

    Foto 1 - Processo de secagem durante a festa da Linguia de Maracaju ................ 76

    Foto 2 - Linguia com 31 metros de tripa ................................................................. 77

    Foto 3 - Entrada de Maracaju faz referncia a Linguia, smbolo do municpio........ 78

  • LISTA DE AVREVIATURAS E SIGLAS

    ADPIC - Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o

    Comrcio

    AGRAER - Agncia de Desenvolvimento Agrrio e Extenso Rural de Mato

    Grosso do Sul

    AOC - Appellation dOrigine Contrle

    CAN - Comunidade Andina de Naes

    CE - Comunidade Europeia

    CIG - Coordenao de Incentivo Indicao Geogrfica de Produtos

    Agropecurios

    CUP - Conveno Unio de Paris

    DO - Denominao de Origem

    DOC - Denominazione di Origine Controllata

    DOCG - Denominazione di Origine Controllata e Garantita

    DOP - Denominao de Origem Protegida

    EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

    FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations

    GATT - General Agreement on Tariffs and Trade

    IG - Indicao Geogrfica

    IGP - Indicao Geogrfica Protegida

    IGT - Indicazione Geogrfica Tipica

    INAO - Institut National des Appellations

    INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial

    INSEE - Institut National de La Statistique et Des tudes conomiques

    IP - Indicao de Procedncia

    MAPA - Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento

    MERCOSUL - Mercado Comum do Sul

    NAFTA - Tratado de Livre Comrcio de Amrica do Norte

    OCDE - Organizao de Cooperao e de Desenvolvimento Econmico

    ODG - Organizao de Defesa e Gesto

    OGM - Organismos Geneticamente Modificados

  • OMC - Organizao Mundial do Comrcio

    OMPI - Organizao Mundial da Propriedade Intelectual

    PAC - Poltica Agrcola Comum

    QbA - Qualittswein bestimmter Anbaugebiete

    QmP - Qualittswein mit Prdikat

    SAU - Superfcie Agrcola Utilizada

    SDC - Secretaria de Desenvolvimento Agropecurio e Cooperativismo

    SEBRAE - Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas

    SIM - Servio de Inspeo Municipal

    SIMM - Servio de Inspeo Municipal de Maracaju

    SIQO - Signos de Identificao de Qualidade de Origem

    SISBI-POA - Sistema Brasileiro de Inspeo de Produtos de Origem Animal

    SUASA - Sistema Unificado de Ateno a Sanidade Agropecuria

    TRIPS - Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights

    UE - Unio Europeia

    USPTO - The United States Patent and Trademark Office

    WTO - World Trade Organization

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ..................................................................................................... 14

    1.1 Objetivos ....................................................................................................... 17

    1.2 Estrutura do trabalho ................................................................................... 19

    2 REVISO BIBLIOGRFICA ................................................................................ 20

    2.1 Indicao Geogrfica - IG ............................................................................. 20

    2.1.1 Apresentao geral das IGs ................................................................... 20

    2.1.2 Experincia francesa em Indicaes Geogrficas ................................. 25

    2.1.3 IGs na Unio Europeia ........................................................................... 29

    2.1.4 A contraposio ao sistema IG .............................................................. 34

    2.2 Legislaes sobre Indicaes Geogrficas ............................................... 38

    2.2.1 Legislao Internacional ........................................................................ 38

    2.2.2 Processo de obteno do registro na Europa ........................................ 44

    2.2.3 Indicaes geogrficas no Brasil ........................................................... 51

    2.3 Valor da produo agrcola com DOP na Europa ...................................... 58

    2.4 Desenvolvimento local e Indicaes Geogrficas ..................................... 61

    3 INDICAO DE PROCEDNCIA MARACAJU - PRODUTO LINGUIA .......... 67

    3.1 O Mato Grosso do Sul .................................................................................. 67

    3.2 O municpio de Maracaju ............................................................................. 72

    3.3 Origem da produo da linguia ................................................................. 74

    3.4 Produo da Linguia de Maracaju ............................................................. 75

    4 METODOLOGIA ................................................................................................... 79

    4.1 Mtodo de pesquisa ..................................................................................... 79

    4.2 Coleta de dados ............................................................................................ 80

    4.3 Variveis abordadas na pesquisa ............................................................... 81

    5 ANLISE DOS RESULTADOS ............................................................................ 83

    5.1 Arranjos necessrios para a implantao da IG Maracaju para o

    produto linguia ............................................................................................ 83

  • 5.1.1 Implantao da IG Maracaju para o produto linguia e atores

    envolvidos ................................................................................................ 83

    5.1.1.1 Aes para apresentao do dossi ao INPI.............................. 84

    5.1.1.2 Sistema agroindustrial (SAG) da linguia de Maracaju .............. 86

    5.1.2 Relao entre atores ............................................................................. 90

    5.1.3 Regras de organizao da produo de linguia .................................. 92

    5.2 Caractersticas necessrias para a implantao de uma IG na

    modalidade de Indicao de Procedncia .................................................. 98

    5.2.1 Presena de reputao / notoriedade ..................................................... 99

    5.2.2 A coletividade representada pela APTRALMAR .................................... 100

    5.3 Implantao de uma Indicao Geogrfica (IG).......................................... 105

    5.3.1 Polticas Pblicas ................................................................................... 105

    5.3.1.1 Aspectos Gerais ........................................................................ 105

    5.3.1.2 Polticas pblicas na implantao da IG da linguia de

    Maracaju .................................................................................... 110

    5.3.2 Coletividade na implantao da IG da linguia de Maracaju ................. 113

    CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................117

    REFERNCIAS ....................................................................................................... 119

  • 1 INTRODUO

    Nas ltimas dcadas a globalizao crescente da economia mundial

    aumentou o fluxo de bens entre os pases. O comrcio internacional se beneficiou

    com a queda das barreiras tarifrias e no-tarifrias e pelos processos acelerados

    de inovao, que permitiram a reduo dos custos de produo, com a entrada

    continua no mercado de produtos padronizados e de baixo custo.

    A globalizao do mercado acompanha um processo de fuses e

    aquisies no setor do varejo, o que leva, em muitos pases, concentrao da

    distribuio dos alimentos em poucas redes de supermercados e reduo do

    nmero de fornecedores para cada produto. Essa evoluo impacta negativamente

    sobre os pequenos produtores. Ao mesmo tempo, esse processo favorece o

    consumidor, pois democratiza o consumo pela possibilidade de acesso a produtos

    mais baratos, em funo de ganhos de escala, e em uma maior variedade (SATO,

    2009).

    A globalizao tambm tem contribudo com a chegada de novos

    alimentos, seja pelos fluxos migratrios, seja pelo transito internacional de alimentos.

    Navarro (2005) cita o caso da Espanha, onde surgira novos canais especficos de

    consumo em segmentos especializados, como produtos da terra, produtos locais e

    produtos gourmets, bem como a exaltao dos produtos tradicionais de outros

    pases. Este exemplo reforado por Martins (2009), ao afirmar que em Portugal as

    prticas alimentares originrias de outros pases ocasionaram uma maior

    disponibilidade e diversidade de produtos agroalimentares.

    Concomitantemente, a busca pela melhoria da qualidade de vida por

    parte dos consumidores orienta na escolha de produtos saudveis, naturais,

    orgnicos ou agroecolgicos e com certificaes de qualidade. A sustentabilidade

    ambiental, aliada a responsabilidade social e informaes completas dos produtos

    nas rotulagens so cada vez mais exigidas pelos consumidores. Sato (2009)

  • 15

    ressalta que na mudana de perfil do consumo, as tendncias caminham para uma

    maior exigncia na qualidade dos produtos agroalimentares, com valorizao

    crescente da rastreabilidade, que d acesso as informaes de origem dos

    processos sofridos pelo alimento, dos impactos ambientais ou sociais na produo e

    dos efeitos da ingesto deste alimento sobre a sade.

    Neste contexto, a produo e o consumo de alimentos desenvolvem-se

    sob duas tendncias: a "estandardizao" e a diferenciao. A primeira

    impulsionada pela economia de escala na produo dos alimentos e a

    comercializao de massa. A diferenciao, como antagnica ao movimento da

    "estandardizao", busca dar caractersticas de identidade pela origem do produto e

    de qualidade construda em espaos territoriais especficos por meio da participao

    de atores sociais locais (SATO, 2009). Bourdain (2001), no contexto da

    mundializao, imagina o local como o antnimo do global, o lugar de resistncia.

    Produtos com protocolos de produo bem estabelecidos ganham cada

    vez mais espao, com maior credibilidade junto aos clientes e melhor acesso a

    novos mercados. Como consequncia do desenvolvimento de um consumo

    qualitativo, o mercado tem que oferecer produtos que atendem aos novos desejos e

    necessidades do consumidor. Desta maneira, abre-se a necessidade de adequao

    dos sistemas produtivos agroalimentares.

    De acordo com Van der Ploeg et al. (2000), a modernizao da

    agricultura, principal ferramenta para elevar a renda e o desenvolvimento das

    comunidades rurais, est se transformando em desenvolvimento rural, no qual se

    busca um novo modelo para o setor agrcola, com novos objetivos como a produo

    de bens pblicos (paisagem), a busca de sinergias com os ecossistemas locais, a

    valorizao das economias de variedades em detrimento das economias de escala,

    a pluriatividade1 das famlias rurais, entre outros.

    O desenvolvimento rural moderno implica na criao de novos produtos e

    novos servios, associados a novos mercados. Essa estratgia tenta reconstruir a

    agricultura no apenas no nvel dos estabelecimentos, mas em termos regionais e

    da economia rural como um todo, representando sada para as limitaes e falta de

    perspectiva frente ao paradigma da modernizao e do produtivismo (VAN DER

    PLOEG et al., 2000).

    1 A pluriatividade consiste na diversificao das atividades, inclusive no agrcolas.

  • 16

    Veiga (2002) chega na mesma concluso e escreve que a crescente

    exposio ao comrcio internacional e a acelerao do progresso tecnolgico

    tornam necessrias mudanas estruturais para o desenvolvimento de regies menos

    dinmicas. O autor identifica a necessidade de passar pela abordagem territorial

    para encontrar algumas das respostas para estas mudanas.

    De acordo com Veiga (2002), a Organizao de Cooperao e de

    Desenvolvimento Econmico (OCDE) preconiza o estmulo ao potencial de

    desenvolvimento endgeno das zonas rurais, atravs da adoo de medidas que

    devem respeitar as caractersticas especificas de cada territrio. Essas medidas

    devem, a partir de estruturas apropriadas e de redes de relaes, exaltar a

    identidade local, ligando atores e atividades para formar circuitos que melhoram as

    relaes com o exterior da regio, criando novas relaes.

    A Indicao Geogrfica pode servir de ferramenta para o desenvolvimento

    rural, convergindo para a revalorizao das atividades rurais/locais a partir de um

    produto agroalimentar que oferece garantias sobre o sistema de produo e sua

    origem. Este produto, de qualidade vinculada a origem, atende as novas demandas

    de consumo e de produo sustentvel. Ele reconhece o patrimnio cultural atravs

    dos alimentos.

    Assim, possvel acreditar que, com o aumento de consumidores que

    buscam garantias sobre a qualidade e origem dos produtos, existe um nicho

    crescente de mercados por produtos com Identificao Geogrfica. A Identificao

    Geogrfica no Brasil deve ser entendida como o nome geogrfico de um lugar,

    regio ou local, conhecido por produzir, extrair ou fabricar um produto cujas

    caractersticas so normalmente associadas regio de origem.

    Entretanto, o simples registro de uma Indicao Geogrfica no garantia

    de aumento de renda para o produtor e de desenvolvimento local sustentvel. Essa

    situao ocorreu essencialmente no modelo europeu, bem-sucedido na agregao

    de valor e proteo do saber fazer, ao inserir parte dos pequenos produtores no

    mercado de especialidades.

    Esta ferramenta de uso coletivo ajuda a desenvolver um novo modelo de

    desenvolvimento local baseado nas pluralidades. O sucesso obtido pelos pases

    europeus, principalmente os latinos, levam a se perguntar como aproveitar as

    potencialidades de um pas continental como o Brasil, rico culturalmente, com

    recursos naturais abundantes e grande biodiversidade para e desenvolvimento rural.

  • 17

    Parte das regies brasileiras j desenvolveram algumas Indicaes Geogrficas

    (IGs) e este mercado est em crescimento. No entanto, a regio de maior expanso

    do agronegcio no Brasil, o Centro-Oeste, est muito mais focalizada no mercado de

    commodity, de produtos padronizados com grande economia de escala. Somente

    em maro de 2015 foi concedido registro a IG Mel do Pantanal, como primeira IG do

    Centro Oeste brasileiro. Essa situao leva a se perguntar se existe espao nessa

    regio para outros produtos com garantia de origem?

    A hiptese deste trabalho que existe no Brasil a possibilidade de

    implementar sistemas de Indicao Geogrfica e que o consumidor est cada vez

    mais preocupado com aspectos de qualidade e origem do produto. Em

    consequncia, existe a possibilidade de valorizar produtos locais, no apenas no Sul

    e Sudeste do Brasil, mas nas outras regies tambm, em particular no Centro-Oeste

    do Brasil.

    1.1 Objetivos

    a) Geral

    A partir da hiptese de pesquisa, o objetivo de verificar a possibilidade

    de implantar uma Indicao Geogrfica (IG) no Centro-Oeste do Brasil, mais

    especificamente a produo de linguia de Maracaju.

    b) Objetivos especficos

    - Avaliar as ferramentas disponveis e necessrias para a implantao

    de uma IG;

    - Analisar os arranjos necessrios para a implantao da IG Maracaju

    para o produto linguia.

    Com base na experincia alcanada pela Unio Europeia, na aplicao

    de uma poltica para os produtos com qualidade vinculada a origem, ou seja, com

    Indicao Geogrfica de produtos dos territrios, possvel vislumbrar um sistema

    de produo que envolve grupos de produtores locais na regio de Maracaju, com o

    objetivo de valorizar em nvel nacional um produto de tradio local, a linguia de

    Maracaju.

  • 18

    Principalmente na Frana, esta ferramenta de uso coletivo considerada

    como patrimnio nacional, ressaltando a importncia cultural e sociolgica. Existe

    uma proteo intelectual deste saber fazer, preservando o conhecimento baseado

    na cultura e tradies de uma comunidade local que sabe manejar os recursos

    naturais especficos do local, dando especificidade ao produto, podendo adotar

    prticas sustentveis na preservao ambiental das paisagens e dos recursos

    genticos.

    A implementao de uma Indicao Geogrfica depende de polticas

    pblicas para ordenamento das aes dentro do territrio. O avano em termos

    econmicos alcanado pela Unio Europeia, atravs da poltica do Plano Agrcola

    Comum, em que produtos agroalimentares com Indicao Geogrfica

    representaram, em 2010, 29% do total das vendas de produtos agrcolas, com um

    valor comercializado de 15,8 bilhes de Euros, demonstra uma grande gerao de

    riqueza. A comercializao de um produto diferenciado agrega valor e aumenta a

    renda dos produtores. A adoo de protocolos por meio da conformidade com um

    caderno de normas qualifica o produto para um melhor posicionamento perante o

    mercado consumidor de maior poder aquisitivo, mais exigente e com conscincia

    socioambiental.

    A Identificao Geogrfica no Brasil pode encontrar um vasto campo frtil

    para o desenvolvimento de produtos com especificidades e voltados para um

    mercado diferenciado. Soma-se a isso a herana histrico-cultural brasileira, trazida

    pelas diversas etnias que compem o pas, e a biodiversidade dos biomas

    nacionais. Com sua vocao para a produo de alimentos, que hoje

    majoritariamente de commodities, o Brasil tem a oportunidade de estudar novas

    formas de desenvolvimento rural e local, efetivando as potencialidades do mercado

    de produtos diferenciados. Por ser um tema relativamente recente e emergente no

    Brasil, necessita de polticas pblicas e uma maior sinergia entre entidades privadas,

    governamentais e do terceiro setor, uma vez que pode impactar temas relevantes

    como: segurana alimentar, gerao de renda, emprego, fixao no campo, gesto

    ambiental e governana.

    preciso um olhar atento com as experincias protagonizadas pelos

    Europeus, mas respeitando as singularidades presentes nos diferentes cantos do

    Brasil. Apesar do desconhecimento por grande parte da populao brasileira,

    possvel afirmar que determinadas cadeias de valores de produtos nacionais, mais

  • 19

    organizadas, j avanaram neste novo modelo de desenvolvimento, alm de haver

    um aumento considervel nos nmeros de pedidos de registro de Indicaes

    Geogrficas. Os principais produtos solicitados so o vinho, o caf e a aguardente

    de cana tipo cachaa, com predominncia das solicitaes feitas por agrupamentos

    da regio sul e sudeste do pas (INPI, 2014).

    Recentemente o Centro-Oeste juntou-se as demais regies do Brasil com

    o registro de sua primeira Indicao Geogrfica atravs do Pantanal, que engloba os

    estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, para o produto mel. Entretanto, j

    existem outras solicitaes de reconhecimento de Indicao de Procedncia para a

    regio: Maracaju, para o produto linguia, no estado de Mato Grosso do Sul; Mara

    Rosa para o produto aafro e seus subprodutos no estado de Gois. Diversos

    trabalhos so desenvolvidos na regio com produtos agroalimentares com vis de

    proteo e acesso ao mercado, outros com a preocupao de preservao de

    recursos genticos e biodiversidade com potencialidades econmicas, todos eles

    sem uma cadeia de valor bem implantada.

    A realizao do estudo de caso da Indicao de Procedncia Maracaju

    para o produto linguia avalia a construo de uma Indicao Geogrfica na regio

    Centro-Oeste do Brasil, a organizao dos produtores, a conduo do processo de

    construo do dossi e as expectativas dos benefcios a serem alcanados por este

    agrupamento. So tambm abordados os efeitos que podero favorecer, de fato, o

    desenvolvimento local.

    1.2 Estrutura do trabalho

    Uma vez definidos o tema e a justificativa de pesquisa, no captulo 2 a

    reviso bibliogrfica conceitua as Indicaes Geogrficas conforme so

    internalizadas na Europa e no Brasil, sua manifestao na Europa e a evoluo

    legislativa internacional.

    No captulo 3 abordada a produo de linguia de Maracaju,

    descrevendo a origem do produto e a regio de produo. No captulo 4 descreve-se

    a metodologia adotada e sua aplicao. No captulo 5 apresentada a anlise,

    seguida das consideraes finais.

  • 2 REVISO BIBLIOGRFICA

    Na primeira parte da reviso destacam-se os princpios gerais das

    Indicaes Geogrficas, sua definio na Europa e no Brasil, o seu surgimento como

    poltica agrcola na Frana, sua manifestao na Europa e nas diferentes partes do

    mundo. Na segunda parte so reportados a evoluo internacional das legislaes

    sobre o tema, os principais pontos do processo de obteno do registro na Europa, o

    atual estgio do sistema no Brasil, a mensurao econmica da produo agrcola

    dos produtos com IG na Europa e a possibilidades que a IG traz para o

    desenvolvimento local.

    2.1 Indicao Geogrfica - IG

    H muito tempo, produtores, comerciantes e consumidores perceberam

    que determinados produtos carregam qualidades especficas e que estas

    caractersticas esto correlacionadas com a origem geogrfica (KAKUTA, 2006).

    Com a evoluo dos mercados e a necessidade de novas formas de

    desenvolvimento sustentvel, a Indicao Geogrfica (IG) surgiu como uma

    ferramenta de uso coletivo para o reordenamento do territrio, na busca pelo

    desenvolvimento rural sustentvel.

    2.1.1 Apresentao geral das IGs

    A Indicao Geogrfica um sinal distintivo, nome ou elemento grfico,

    que distingue produtos ou servios por sua qualidade vinculada a origem. Pode

    significar um produto que transmite confiana, qualidade, familiaridade, satisfao

  • 21

    aos consumidores. Muitas vezes, um produto agroalimentar pode remeter a

    memrias de lugares em que o consumidor esteve e saboreou ao olhar para aquela

    paisagem nica. Remete tambm a um produto agroalimentar que permeia os

    tempos com sua cultura histrica e o seu saber fazer, um patrimnio imaterial, um

    bem cultural intangvel, que um agrupamento de produtores desenvolveu para lidar

    com os recursos naturais de um territrio. A Identificao Geogrfica pode ser uma

    importante ferramenta coletiva na organizao da cadeia produtiva, no

    desenvolvimento socioeconmico e na agregao de valor aos produtos

    agroalimentares, pode representar acesso a novos mercados, promoo comercial e

    proteo contra as fraudes e usurpaes destas especialidades (MAPA, 2010).

    A Organizao das Naes Unidas para a Agricultura e a Alimentao

    (FAO, 2010) define a Indicao Geogrfica como o nome de um lugar ou pas que

    identifica um produto cuja qualidade, reputao ou outras caractersticas so

    imputveis a sua origem. Ainda, afirma que a IG sinaliza aos consumidores que os

    produtos com esse conceito exibem caractersticas especiais devido a sua origem

    geogrfica. Assim, uma IG mais que a indicao da sua fonte de procedncia, que

    indica simplesmente a provenincia do produto, como o Made in, o Feito em...,

    sem referir-se a uma determinada qualidade. A IG uma expresso, ou signo,

    utilizada para indicar procedncia e dizer que um produto, ou servio, tem sua

    origem em um determinado pais, grupo de pases, regio ou localidade

    (TORTORELLI, 2010)

    Com a criao da Organizao Mundial do Comrcio (OMC) em 1994,

    foram includas, alm de tratados relacionados a tarifas e comrcio, as discusses

    sobre a propriedade intelectual e as IGs. O Acordo sobre os Aspectos dos Direitos

    de Propriedade Intelectual relacionados com o Comrcio (ADPIC), no artigo 22.1,

    define que as indicaes geogrficas so indicaes que identifiquem um produto

    como originrio do territrio de um Membro, ou regio, ou localidade deste territrio,

    quando determinada qualidade, reputao ou outra caracterstica do produto seja

    essencialmente atribuda sua origem geogrfica.

    A Unio Europeia trata o assunto atravs do regulamento (CE) n 2081/92

    do Conselho, de 14 de Julho de 1992, relativo proteo das Indicaes

    Geogrficas e Denominaes de Origem dos produtos agrcolas e dos gneros

    alimentcios. O Regulamento (EU) n 1151/2012 mantm estes dois instrumentos e

    introduziu algumas alteraes s suas definies:

  • 22

    - Denominao de Origem Protegida (DOP) o nome de uma regio, de

    um local determinado ou, em casos excepcionais, de um pas, que serve para

    designar um produto agrcola ou um gnero alimentcio, originrio dessa regio,

    desse local determinado ou desse pas e para o qual a qualidade ou caractersticas

    se devem essencial ou exclusivamente ao meio geogrfico, incluindo os fatores

    naturais e humanos. A produo, transformao e elaborao devem ocorrer na

    rea geogrfica delimitada.

    A AOC/AOP na Frana e a DOP na Europa so sinnimos. A DOP

    identifica um produto agrcola, bruto ou transformado, que tira sua autenticidade e

    sua tipicidade de sua origem geogrfica, possui notoriedade devidamente

    estabelecida e goza de caractersticas e know-how especficos (INAO, 2011).

    - Indicao Geogrfica Protegida (IGP) o nome de uma regio, de um

    local determinado, ou, em casos excepcionais, de um pas, que serve para designar

    um produto agrcola ou um gnero alimentcio, originrio dessa regio, desse local

    determinado ou desse pas e, cuja reputao, determinada qualidade ou outra

    caracterstica podem ser atribudas a essa origem geogrfica. A produo e/ou

    transformao e/ou elaborao ocorrem na rea geogrfica delimitada.

    A IGP identifica um produto agrcola, bruto ou transformado, cuja

    qualidade, reputao ou outra caracterstica provm de sua origem geogrfica

    delimitada. Pelo menos uma dessas etapas, produo, transformao e elaborao,

    devem acontecer na rea geogrfica delimitada e as condies de elaborao esto

    sujeitas a procedimentos de controle (INAO, 2009).

    A B

    Figura 1 - Smbolos Europeus de Indicaes Geogrficas: A - Denominao de

    Origem Protegida - DOP e B -Indicao Geogrfica Protegida - DOP

    Fonte: INAO (2014)

  • 23

    O smbolo utilizado pelos Estados Membros o mesmo, entretanto, cada

    pas usa a escrita em sua lngua. A Figura 1 se refere aos smbolos adotados por

    Portugal.

    A Frana usa um selo para o reconhecimento de uma AOC (Appellation

    dOrigine Contrle) usado somente naquele pas e que um passo anterior ao seu

    reconhecimento final na Europa como DOP.

    .

    Figura 2 - Smbolo Francs da LAppellation dOrigine Contrle

    Fonte: INAO (2011)

    O Brasil no possuidor de um selo nico que identifique os produtos

    com IG, sendo que cada Indicao de Procedncia (IP) ou Denominao de Origem

    (DO) tem seu prprio selo indicativo desta qualidade. O pas faz o uso de sinais

    distintivos, por meio do Decreto n 1.355 de 30 Dezembro de 1994. Para colocar,

    essas Indicaes e harmonizar conceitos, o Brasil promulgou a Lei 9.279 de 14 de

    maio de 1996 (BRASIL, 1996). A legislao brasileira conceitua a Indicao

    Geogrfica em duas espcies:

    - Indicao de Procedncia (IP) como o nome geogrfico de pas, cidade,

    regio ou localidade de seu territrio, que tenha se tornado conhecido como centro

    de extrao, produo ou fabricao de determinado produto ou de prestao de

    determinado servio.

    - Denominao de Origem (DO) como o nome geogrfico de pas, cidade,

    regio ou localidade de seu territrio, que designe produto ou servio cujas

    qualidades ou caractersticas se devam exclusiva ou essencialmente ao meio

    geogrfico, includos fatores naturais e humanos.

    A Unio Europeia utiliza a DOP e a IGP somente para produtos

    agroalimentares que tenham qualidades ou caractersticas que se devem essencial

    ou exclusivamente ao meio geogrfico. A DOP reservada quando a totalidade das

  • 24

    fases de produo, transformao e elaborao so realizadas em uma rea

    delimitada. No caso da IGP, ao menos uma das etapas deve ser realizada na rea

    delimitada. Em termos conceituais, no Brasil a DO assemelha-se enquanto definio

    a DOP Europeia, com as mesmas caractersticas e especificidades em relao ao

    meio geogrfico e a IP assemelha-se a IGP.

    No Brasil, existe a possibilidade de designar IGs para servios e protege-

    se o nome do local. Assim, a linguia de Maracaju, objeto da presente pesquisa,

    dever ser definida como IP Maracaju para linguia. A Europa no prev a

    proteo para servio e a nomenclatura protege o produto, ao exemplo do

    Prosciutto de Parma.

    O principal instrumento balizador das IGs o Acordo sobre os Aspectos

    dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comrcio (ADPIC), em

    que so estabelecidos critrios mnimos que os pases internalizam conforme suas

    convenincias. No Brasil somente so reconhecidos topnimos, enquanto na Europa

    possvel um nome que lembre determinada regio geogrfica, como no caso dos

    Vinhos Verdes em Portugal e a Cava na Espanha. O Brasil reconhece servios

    como passveis de registro para Indicao Geogrfica, o que no possvel em

    qualquer outra nao.

    Para Champredonde (2014), as divergncias nas nomenclaturas da

    Indicao Geogrfica na Amrica Latina podem ser explicadas pela adeso a

    diversos tratados. Alguns pases adotaram as definies de Indicao Geogrfica

    Protegida e de Denominao de Origem, outros, como o Brasil, definiram Indicao

    de Procedncia e Denominao de Origem, outros ainda, s reconheceram a

    Denominao de Origem.

    A confuso das definies das IGs pode ser observada no mundo todo,

    com exceo dos 27 Estados Membros da Comunidade Europeia, quando em 1992

    o sistema europeu padronizou a poltica de valorizao dos produtos

    agroalimentares na formulao de uma regulamentao europeia para os Estados

    Membros.

  • 25

    2.1.2 Experincia francesa em Indicaes Geogrficas

    Em 1962, logo aps o perodo ps-guerra, que levou a Europa a uma

    situao de desabastecimento e reconstruo, foi criada a Poltica Agrcola Comum

    (PAC). Esta poltica consistia em assegurar preos justos aos agricultores e

    alimentos com preos acessveis aos cidados, garantindo a segurana alimentar.

    Dez anos depois, apoiada por preos mnimos garantidos, a produo alimentar

    aumentou acima das necessidades, sem resolver as dificuldades da vida rural. Em

    consequncias, a orientao da PAC passou de um apoio ao mercado para um

    apoio ao produtor, centrado na qualidade dos alimentos com vista proteo dos

    produtos regionais e tradicionais, com procedimentos de rastreabilidade contnuo.

    Hoje, existe maior necessidade de acompanhar as exigncias do mercado, em

    relao a preservao do ambiente, ao bem-estar animal e a segurana alimentar,

    com o desafio de prover uma agricultura sustentvel, com uma paisagem natural

    bem conservada. Os produtores devem se preocupar com a gesto dos recursos

    naturais e a conservao de paisagens e patrimnio cultural (UE, 2012).

    Passados pouco mais de 50 anos da criao da PAC, a terceira gerao

    de agricultores passou a conciliar os papis de agricultor, protetor da paisagem

    natural e empreendedor. Neste ambiente de desenvolvimento rural baseado na

    pluralidade, estimula-se a economia local no s pela comercializao de produtos

    agroalimentares, como atravs do turismo rural, atividades culturais e a criao de

    novas empresas, abrindo espao para as regulamentaes que colocam em

    evidncia os Signos de Identificao de Qualidade de Origem (SIQO) (UE, 2012).

    Mais do que qualquer outro pas ocidental, a Frana aplicou o princpio

    patrimonial, especialmente em setores ligados a agricultura. Segundo Gade (2004),

    a patrimonializao expressa o interesse de alguns intelectuais, dos consumidores

    urbanos e de sindicatos agrcolas na proteo de paisagens rurais, das comidas

    tradicionais, dos produtos e de outros elementos relativos a identificao nacional e

    patrimnio regional.

    A qualidade considerada um elemento crucial na estratgia de

    desenvolvimento da agricultura e do setor agroalimentar na Frana. encarada

    como uma questo importante para todos os consumidores, do ponto de vista da

    segurana alimentar, do equilbrio alimentar e do prazer gustativo. As polticas

    agrcolas devem assegurar diversidade e qualidade na oferta de alimentos, aliadas a

  • 26

    um desenvolvimento sustentvel dos territrios com responsabilidades

    compartilhadas (EDELLI, 2013)

    Com uma superfcie de 675.417 km2, uma populao de 65.820.000

    habitantes e uma superfcie agrcola utilizada2 de 29 milhes de hectares, o que

    corresponde a 54% do territrio nacional, a Frana o 1 pas agrcola da Unio

    Europeia (UE) em termos de produo (INSEE, 2013; EDELLI, 2013).

    Com dados do Ministrio da Agricultura, Alimentao e Florestas Francs,

    h 490 mil fazendas na Frana. Entre 2000 e 2010 as fazendas tornaram-se maiores

    e passaram de uma mdia de 42 para 55 hectares. Mais de um milho de homens e

    mulheres participam regularmente da agricultura neste pas (MINISTRE DE

    LAGRICULTURE DE LAGROALIMENTAIRE ET DE LA FORET, 2010).

    A poltica de qualidade e origem dos produtos alimentares e agrcolas,

    desenvolvida pelo Ministrio da Agricultura francs, comeou h mais de um sculo.

    Ela vem sendo alterada constantemente, para oferecer aos consumidores uma viso

    abrangente e clara de todo o sistema francs e europeu, com o reconhecimento

    oficial da qualidade dos produtos agrcolas e dos gneros alimentcios, aumentando

    a credibilidade deste reconhecimento atravs do reforo da segurana do Estado e

    dos controles, garantindo a legitimidade do dispositivo e estimulando os produtores e

    os atores econmicos em melhorarem seus produtos (INSTITUTO NACIONAL DA

    ORIGEM E DA QUALIDADE, 2014).

    Rocha Filho (2009) salienta que motivado pelos problemas surgidos na

    rea vitivincola, foi criado por decreto em 30 de julho de 1935 o conceito de

    Applations dOrigine Contrle - AOC (Apelao de Origem Controlada). O decreto

    foi concebido para garantir a origem do vinho. Neste ato, segundo Edelli (2013) foi

    instaurado o Comit Nacional dos Vinhos e Destilados.

    Em julho de 1947 o Comit Nacional dos Vinhos e Destilados foi

    substitudo pelo Institut National des Appellations (INAO) com foco em vinhos e

    destilados. O INAO surgiu como uma instituio pblica dotada de personalidade

    jurdica, vinculada ao Ministrio da Agricultura, Alimentao e Florestas,

    encarregado do reconhecimento, do controle e da proteo das AOC (INAO, 2006).

    Em 2 de julho de 1990, o INAO aumentou suas competncias, incluindo laticnios e

    2 A Superfcie Agrcola Utilizada (SAU) um conceito padronizado nas estatsticas agrcolas

    europeus. Ele inclui terras arveis (incluindo pastagens temporrias, pousio, culturas protegidas, hortas), a pastagens permanentes e culturas permanentes (vinhas, pomares) (INSEE, 2013).

  • 27

    produtos agroalimentares e em julho de 1999 incluiu as IGP (Indicao Geogrfica

    Protegida). A partir de 1 de janeiro de 2007, o INAO se transformou no Instituto

    Nacional da Origem e Qualidade, encarregado da totalidade dos selos de

    identificao DOC/DOP, IGP, Label Rouge, STG (Spcialit Traditionnelle Garantie)

    e Agricultura Orgnica (Figura 3). Em 1 de agosto de 2009, no momento em que a

    organizao comum do mercado vitivincola reconheceu os vinhos com Indicao

    Geogrfica e vinhos sem Indicao Geogrfica, os vinhos IGP, antes denominados

    somente vinhos, passaram a fazer parte das competncias do INAO (EDELLI, 2013;

    INAO, 2014).

    Figura 3 - Material promocional dos smbolos oficiais de qualidade e de

    origem na Frana

    Fonte: INAO (2014)

    Alm das figuras da Indicao Geogrfica, os outros smbolos presentes

    na figura 3 correspondem a:

  • 28

    - Agricultura biolgica: sistema de produo agrcola especfica, que

    assegura que um conjunto de prticas agrcolas respeita o equilbrio ecolgico e a

    independncia dos agricultores, excluindo o uso de fertilizantes qumicos, a sntese

    de pesticidas, Organismos Geneticamente Modificados (OGM) e limitando o uso de

    insumos. O bem-estar animal respeitado bem como o uso de medicamentos

    limitado e estritamente controlado.

    - Especialidade Tradicional Garantida destina-se a proteger a composio

    tradicional de um produto ou de um mtodo de produo tradicional, sem se referir a

    uma origem.

    - Label Rouge (selo vermelho) garante que um produto tem um conjunto

    de caractersticas que permitem um nvel superior de qualidade em comparao

    com produtos similares. As condies de produo ou fabricao do produto so

    peculiares e conferem qualidade superior.

    A Frana, com sua tradio artesanal, especificidade do local bem

    definida e refinamento culinrio, assumiu a liderana de um movimento que visa

    garantir e desenvolver uma produo de alimentos autntica, afirmando que pelo

    terroir3 a qualidade especial de um produto agrcola determinada pelo carter do

    lugar de onde ele vem (GADE, 2004).

    O INAO desempenha um papel importante na valorizao dos produtos

    de terroir, apoiando as iniciativas lanadas a nvel local, oferecendo um marco

    institucional que permite reconhecimento, proteo e apoio aos atores locais, nas

    diferentes etapas do projeto, antes e quando do reconhecimento da IG e ao longo de

    sua existncia e desenvolvimento (INAO, 2014). Entre as diferentes atribuies do

    INAO, conforme art. L 642.5 do Cdigo Rural, est o processamento de solicitaes

    para reconhecimento por selos oficiais, a proteo jurdica das denominaes, a

    superviso do controle de selos oficiais, a delimitao das zonas de produo, a

    proteo dos terroirs e informao a respeito do dispositivo de selos oficiais

    (EDELLI, 2013).

    Para a concretizao deste escopo, o Instituto trabalha em parcerias com

    indstrias (federaes, associaes), servios centrais e/ou descentralizados do

    3 A palavra terroir passa a exprimir a interao entre o meio natural e os fatores humanos. Esse um

    dos aspectos essenciais do terroir, de no abranger somente aspectos do meio natural (clima, solo, relevo), mas tambm, de forma simultnea, os fatores humanos da produo - incluindo a escolha das variedades, aspectos agronmicos e aspectos de elaborao dos produtos (TONIETTO, 2007).

  • 29

    Estado, profissionais (atravs de agrupamentos4, organismos de controle),

    coletividades territoriais (comunas, conselhos gerais e regionais), cmaras setoriais

    (cmara de agricultura, cmara de comrcio), escritrio de turismo, adidos de

    agricultura nas embaixadas (atividade internacional), instituies escolares e

    universitrias, escritrios de turismo entre outros (EDELLI, 2013).

    O INAO, organismo encarregado da implementao da poltica francesa

    relativa aos selos oficiais de identificao de origem e qualidade, teve um oramento

    anual de 22,96 milhes de euros em 2012, financiados em parte por um subsdio do

    Ministrio da Agricultura (cerca de 70 %) e por direitos sobre produtos e royalties. O

    instituto possui oito Unidades territoriais espalhadas pelo territrio nacional e tem em

    seu corpo tcnico um efetivo de 270 agentes, dos quais 70% regionais, que

    acompanham os produtores em seus procedimentos, com vistas a obteno um selo

    oficial de origem e qualidade, controlando e acompanhando o selo ao longo de toda

    a existncia do produto (INAO, 2014 e EDELLI, 2013).

    2.1.3 IGs na Unio Europeia

    A poltica francesa de valorizao dos produtos agrcolas e alimentares

    inspirou a elaborao de uma regulamentao europeia. O dispositivo francs de

    enquadramento desta poltica se articulou com o sistema europeu, estabelecido a

    partir de 1991/1992 (INAO, 2011).

    Torre (2006) afirma que a regulamentao da Unio Europeia reconheceu

    os Signos de Identificao de Qualidade de Origem (SIQO), entre eles o DOP

    (Denominao de Origem Protegida) e o IGP (Indicao Geogrfica Protegida), que

    foram criados para incentivar a diversificao na produo agrcola, protegendo

    produtores das usurpaes do nome de seus produtos e permitindo aos

    consumidores identificar as caractersticas especficas dos produtos.

    O modelo europeu de agricultura, citado por Belletti et al. (2013), evoluiu a

    partir de meados dos anos 80, substituindo de maneira gradual as polticas de apoio

    ao mercado vinculado exclusivamente a produo, por polticas direcionadas para os

    4 Entende-se por agrupamento qualquer organizao, independentemente da sua forma jurdica ou

    composio, de produtores ou de transformadores do mesmo produto agrcola ou do mesmo gnero alimentcio (SOEIRO, 2014).

  • 30

    mercados de produtos de qualidade, com o vis cultural, ambiental e social, e

    preocupado com o desenvolvimento rural e polticas estruturais.

    A Itlia o pas europeu com o maior nmero de produtos alimentares

    com Denominao de Origem e Indicao Geogrfica reconhecida pela Unio

    Europeia. Da mesma maneira que os demais Estados Membros da Unio Europeia,

    para obter a certificao um grupo de produtores deve definir o produto, com base

    em dados precisos e transmitir o pedido autoridade nacional competente. Neste

    caso, o art. 53 da Lei n. 128/1998 localiza no "Ministrio da Agricultura, Alimentao

    e Florestas da Itlia a autoridade nacional responsvel pelo controle da certificao.

    Na Itlia existem os selos Indicazione Geogrfica Tipica (IGT), Denominazione di

    Origine Controllata (DOC) e Denominazione di Origine Controllata e Garantita

    (DOCG) que so usados somente para vinhos, enquanto para produtos

    agroalimentares este pas utiliza-se do sistema europeu IGP e DOP (ITALIA, 2014).

    Tibrio, Cristovo e Fragata (2001) ressaltam a importncia das IGs para

    os produtos agroalimentares tradicionais portugueses. Eles consideram os

    regulamentos (CEE) 2081/92 e 2082/92 como pilares importantes da poltica

    europeia de qualidade, na medida em que protegem, a nvel europeu, produtos cujas

    caractersticas de qualidade so devidas sua origem geogrfica ou ao seu modo

    particular de produo. Afirmam ainda que os regulamentos so instrumentos

    importantes para a valorizao dos produtos, pois facilitam a promoo do seu saber

    fazer particular de produo, contribuindo para a afirmao comercial da sua

    qualidade superior.

    Na Europa, a Denominao de Origem Protegida (DOP) uma etiqueta

    que indica que o produto agrcola de uma regio especfica. uma denominao

    local utilizada para designar um produto cujas qualidades e caractersticas so

    principalmente causadas pela localizao geogrfica da produo (uma rea de

    produo bem conhecida e bem definida), mas que inclui os fatores naturais e

    humanos (TORRE, 2006).

    A garantia de uma qualidade que resulta de um terroir indica uma relao

    entre um produto e seu territrio. Significa um produto tradicional, de uma qualidade

    associada a um modo de produo que respeita o meio ambiente e o bem-estar

    animal, bem como um produto de qualidade superior (INAO, 2014).

    No conceito europeu h espao para dois tipos diferentes de figuras da

    Propriedade Intelectual, a Denominao de Origem Protegida e a Indicao

  • 31

    Geogrfica Protegida. Apesar de diferentes, elas possuem a mesma proteo

    jurdica. Segundo a secretria Geral da Qualifica5, Ana Soeiro, elas no so selos,

    no so sistemas de certificao e no so etiquetas nem rtulos, mas sim figuras

    da Propriedade Intelectual (SOEIRO, 2014).

    Na acepo do regulamento (CE) n 2081/92 do Conselho, de 14 de Julho

    de 1992, relativo proteo das indicaes geogrficas e denominaes de origem

    dos produtos agrcolas e dos gneros alimentcios, entende-se por:

    a) Denominao de Origem, o nome de uma regio, de um local

    determinado ou, em casos excepcionais, de um pas, que serve para designar um

    produto agrcola ou um gnero alimentcio; originrio dessa regio, desse local

    determinado ou desse pas e; cuja qualidade ou caractersticas se devem essencial

    ou exclusivamente ao meio geogrfico, incluindo os fatores naturais e humanos, e

    cuja produo, transformao e elaborao ocorrem na rea geogrfica delimitada;

    b) Indicao Geogrfica, o nome de uma regio, de um local determinado,

    ou, em casos excepcionais, de um pas, que serve para designar um produto

    agrcola ou um gnero alimentcio; originrio dessa regio, desse local determinado

    ou desse pas e; cuja reputao, determinada qualidade ou outra caracterstica

    podem ser atribudas a essa origem geogrfica e cuja produo e/ou transformao

    e/ou elaborao ocorrem na rea geogrfica delimitada.

    O produto que possui uma DOP um produto que respeita condies de

    produo validadas pelos poderes pblicos, apresenta caractersticas especficas

    referentes a um terroir, delimitado e pode ser identificado graas ao seu logotipo

    (Figuras 1 e 3). controlado por um organismo terceiro de controle, sendo o

    resultado de uma abordagem coletiva.

    Gade (2004) considera a qualificao de um produto com DOP uma

    patrimonializao de um pas, sendo que no caso de produtos agroalimentares

    espera-se que agreguem valor.

    Um produto IGP um produto que respeita um caderno de encargos

    validado pelos poderes pblicos, dispe de caractersticas e de uma denominao

    relacionadas com a zona de produo, est registrado pela UE e pode ser

    identificado por um logotipo (EDELLI, 2013).

    5 Associao Nacional de Municpios e de Produtores para a Valorizao e Qualificao dos

    Produtos Tradicionais Portugueses

  • 32

    necessrio para a obteno de uma DOP um agrupamento na origem

    do procedimento e que seja identificada a importncia da solicitao, que mostre a

    relao com o terroir e o territrio. J para a IGP necessrio, alm de um

    agrupamento na origem da solicitao, mostrar o vnculo da rea geogrfica com a

    reputao ou qualidade especfica. Em ambas as IGs um agrupamento

    responsvel pela definio das regras de produo, de seus controles,

    monitoramento e da sua evoluo no tempo (INAO, 2011)

    Edelli (2013) afirma que o agrupamento na origem do procedimento

    definido na Frana, pelo Art. L 642.22 do Cd. Rural, que indique o organismo de

    defesa e gesto, que representa e rene os operadores da cadeia do produto, como

    o nico interlocutor do INAO e o nico habilitado para solicitar o reconhecimento de

    um produto com Signos de Identificao de Qualidade de Origem (SIQO). O mesmo

    ocorre nos Estados Membros da Unio Europeia onde o agrupamento o

    responsvel pela gesto da DOP/IGP e sua finalidade dever ser bem esclarecida e

    reconhecida.

    O agrupamento deve tambm garantir a representatividade equilibrada

    entre os diferentes atores locais da cadeia produtiva, elaborando o projeto de

    caderno de encargos dos SIQO. Ele conduz sua implementao junto aos

    operadores, prope seu Organismo de Controle ao INAO e a autoridade europeia,

    participa da elaborao dos planos de controle e/ou inspeo. Deve assegurar-se do

    conhecimento estatstico da indstria, da valorizao do produto, da proteo de sua

    denominao e de seu terroir (EDELLI, 2013).

    Gade (2004) enfatiza o mesmo aspecto e menciona que os produtores de

    uma DOP devem formar um grupo de interesse, legalmente reconhecido, que pode

    solicitar coletivamente mudanas no decreto de denominao quando se adapte s

    suas necessidades e propsitos. O autor afirma que a IG funciona porque os

    membros aceitam seguir regras, a maioria das quais eles prprios definiram.

    Enquanto a Unio Europeia designa a DOP e a IGP como um produto que

    tenha qualidade ou caractersticas que se devem essencial ou exclusivamente ao

    meio geogrfico, as diferenas entre DOP e IGP esto em relao a totalidade das

    fases, ou seja, produo, transformao e elaborao. Para um produto ser

    registrado como DOP, todas as fases devem ser realizadas na rea delimitada que

    lhe d o nome, mostrando uma forte ligao com essa regio, provando que a

    qualidade do produto influenciada pelo seu meio geogrfico seja ele o solo, o

  • 33

    clima, as raas dos animais ou as variedades vegetais envolvidas na produo e

    pelo saber fazer das pessoas desta regio. No caso da IGP, ao menos uma destas

    etapas deve ocorrer na rea geogrfica que lhe nomina e que tenha uma reputao

    aferida pelo consumidor ou outras caractersticas associadas a essa mesma rea

    delimitada.

    Gade (2004), citando Brard e Marchenay (1996), afirma que o conceito

    se espalhou para outros pases, incluindo os EUA, mas sem os mesmos requisitos

    rigorosos ou aplicabilidade. Rocha Filho (2009) considera que existem discordncias

    conceituais e de terminologia entre as Indicaes Geogrficas, o que gera confuso

    no s nos princpios da IG, como na legislao internacional, e piora o

    entendimento sobre ela.

    H concordncia, contudo, que as IGs tornaram famosos alguns produtos

    que comearam a ser mais conhecidos e reputados que outros vendidos sob marca

    de indstria ou comrcio. H dois tipos de proteo possveis: um feito dentro do

    pas da IG e outro feito no pas para onde se destina a exportao. A Frana, pas

    onde as IGs desenvolveram-se muito, partidria do primeiro tipo de proteo

    enquanto outros pases, entre os quais Inglaterra e EUA, preferem o segundo. Os

    desdobramentos de tal disputa, que nasce com a Conveno Unio de Paris (CUP)

    em 1883, provocam muitos atritos (ROCHA FILHO, 2009).

    As IGs, segundo todos os tratados internacionais, no tm qualquer

    restrio quanto possibilidade de sua aplicao para produtos industriais. Todavia,

    a legislao interna de vrios pases europeus, consequentemente a legislao

    europeia, s prev a proteo de uma IG para produtos agrcolas, sendo excees o

    Swiss Made, para relgios, e diversos bens russos (ROCHA FILHO, 2009).

    O interesse pelas Indicaes Geogrficas condiz principalmente pela

    necessidade de adequao das normativas nacionais junto s normas do comercio

    internacional. At o momento a maioria dos pases considera as IGs como

    ferramentas de mercado e de proteo da Propriedade Intelectual (DALLABRIDA,

    2014). Dentro do arcabouo de acordos e tratados internacionais, os pases tm o

    grande desafio de harmonizar suas legislaes.

  • 34

    2.1.4 A contraposio ao sistema IG

    Em contraposio ao sistema de Signos de Identificao de Qualidade de

    Origem adotado na Europa, esto os Estados Unidos da Amrica (EUA). Para Farley

    (2000), esta oposio a Indicao Geogrfica deveria ser esperada, j que o pas

    no tem uma longa histria de produo tradicional e no poderia se beneficiar na

    mesma medida que os Europeus nos acordos comerciais. Marie-Vivien and

    Thvenod-Motet (2007) afirmam que h uma oposio aos signos europeus e

    franceses pelo resto do mundo, sob a alegao de ferirem a clusula de nao mais

    favorecida.

    Segundo Calliari (2010), a proteo das Indicaes Geogrficas nos

    Estados Unidos deriva do princpio da common law6, onde nenhuma pessoa pode

    obter o direito exclusivo de usar um nome geogrfico. Muito embora a lei de marcas

    americana no conceda proteo para Indicaes Geogrficas, a no ser que elas

    tenham adquirido um significado secundrio suficiente para ser qualificada como

    marca, a marca de certificao a principal maneira pela qual a Indicao

    Geogrfica pode ser protegida e no tornar-se genrica. O objetivo da marca de

    certificao, no mbito das Indicaes Geogrficas, claramente de indicar que

    determinados produtos so provenientes de uma regio especfica.

    Basedow e Bonvicini (2009) afirmam que o Velho Mundo, junto com

    outras naes emergentes, est comprometido em intensificar sua vasta cultura

    gastronmica de excelncia, tentando definir uma estrutura apropriada baseada em

    regras mais restritivas. Em lado oposto, outro grupo de pases, liderado pelos

    Estados Unidos, Argentina, Austrlia, Japo e Nova Zelndia, quer um sistema de

    proteo menos rgido, mantendo o status quo, sem ter que prover proteo

    (CALLIARI, 2010).

    Continuando nas diferenas substanciais na maneira como os pases

    lidam com as IGs, Rocha Filho (2009, p. 208) descreve como o assunto tratado

    nos EUA:

    6 do ingls "direito comum", o direito que se desenvolveu em certos pases por meio das decises

    dos tribunais, e no mediante atos legislativos ou executivos. Lei que existe e aplica-se a um grupo com base nos costumes e precedentes jurdicos desenvolvidos ao longo de centenas de anos na Gr-Bretanha.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_inglesahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Direitohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Tribunalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Poder_Legislativohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Poder_Executivo

  • 35

    [...] alguns tm regras especficas; outros se valem da lei de marcas, da lei de negcios, da lei de proteo do consumidor, da lei de proteo do empreendedor, somente aceitam proteger o nome geogrfico, aceitam proteger tambm o nome do Bem ligado a uma regio de que provm. H sistemas mistos, como nos EUA, em que marcas de certificao vm atestar que um produto se originou em dada regio geogrfica especfica ou que certificam que as mercadorias esto dentro de certos padres de qualidade, material ou modo de produo ou, ainda, que o manufatureiro apresenta padres ou pertence a organizao determinada. Para vinhos e s para vinhos reconhece-se uma Appellation of Origin (igual a IG) ou uma American Viticultural Area (rea determinada para cultivo de tal vitisvinfera) que s reconhecida como tal, a partir de 1978. H aproximadamente umas 170 AVAs nos EUA sendo - como Napa Valley, Sonoma Valley, etc. - 100 s na Califrnia.

    Marie-Vivien e Thvenod-Motet (2007), explicam que a raiz das

    contradies entre os modelos europeu e francs em relao ao resto do mundo se

    situa no campo da governana, onde se contrapem modelos de governanas

    territoriais e setoriais. A maior parte das normas europeias e francesas se assenta

    numa lgica do territrio, onde so definidos critrios especficos a partir do

    continente ou de seus pases membros, enquanto que no resto do mundo prevalece

    uma lgica setorial.

    Neste embate entre duas posies antagnicas, em 1 de junho de 1999

    os EUA afirmaram que o Regulamento CE 2081/92, conforme alterado, no fornecia

    o tratamento nacional no que diz respeito s Indicaes Geogrficas e no oferecia

    proteo suficiente para marcas que so semelhantes ou idnticas a uma Indicao

    Geogrfica pr-existentes. Os EUA consideravam que esta situao era

    incompatvel com as obrigaes da Unio Europeia no mbito do acordo sobre

    aspectos relativos aos direitos de propriedade intelectual concernentes ao comrcio

    (ADPIC), ou Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights

    (TRIPS), com base em dois fundamentos: (1) a discriminao contra estrangeiros e

    produtos estrangeiros com respeito a proteo da Indicao Geogrfica e; (2) falta

    de proteo de marcas estrangeiras. Tambm obriga a naes fora do bloco em

    adotar o sistema equivalente a classificao de Indicao Geogrfica Europeia e

    respeit-la de maneira recproca (USPTO, 2015).

    Ainda de acordo com o documento, o governo estrangeiro deve fornecer

    proteo em sistema equivalente para as aproximadamente 700 IGs, alm de

    apresentar a EU uma declarao quanto a inspeo da estrutura usada para

    garantia de atendimento das normas de uso e no acompanhamento da estrutura de

    controle das IGs (USPTO, 2015).

  • 36

    O princpio do tratamento nacional incorporado na Organizao Mundial

    do Comrcio (OMC), do ADIPC, exige que os pases membros da OMC forneam o

    mesmo (ou melhor) tratamento aos produtos estrangeiros em relao aos direitos de

    propriedade intelectual, tal como previsto para os nacionais no mercado interno

    (WTO, 2014).

    Em 17 de abril de 2003, em movimento semelhante aos EUA, a Austrlia

    solicitou consultas com a Comisso Europeia em matria de registro e proteo das

    Indicaes Geogrficas para os gneros alimentcios e produtos agrcolas da UE. A

    medida em causa inclui o Regulamento CEE n 2081/92 de 14 de Julho de 1992,

    relativo proteo das Indicaes Geogrficas e Denominaes de Origem dos

    produtos agrcolas e gneros alimentcios e medidas conexas basicamente sob as

    mesmas alegaes (WTO, 2015).

    O Regulamento da Unio Europeia pode no ser compatvel com a

    obrigao da Unio Europeia em fornecer os meios legais para que os interessados

    evitem a utilizao fraudulenta de uma Indicao Geogrfica ou qualquer uso que

    constitua um ato de concorrncia desleal, na acepo do artigo 10 da Conveno de

    Paris (1967). A Austrlia alegou tambm que a Unio Europeia pode no ter

    cumprido as suas obrigaes de transparncia no que diz respeito ao Regulamento;

    e de que o Regulamento pode ser mais restritivo ao comrcio do que o necessrio

    para cumprir um objetivo legtimo. Alega que o Regulamento da Unio Europeia

    considerado incompatvel com as obrigaes dela (WTO, 2015).

    Em 13 de fevereiro de 2004, os Estados Unidos e a Austrlia solicitaram

    ao Diretor-Geral da OMC a criao de um painel7, o que foi aceito em 23 de

    fevereiro de 2004. Sobre o resultado do painel, Rocha Filho (2009, p.220) resumiu:

    [...] Em 15 de maro de 2005 o painel concorda com Estados Unidos e Austrlia no sentido que as regulamentaes da UE no proporcionam tratamento nacional (conforme art. 3.1 do TRIPS) aos membros da WTO, que, por outro lado, no foram encontrados indcios de que a substncia do sistema de proteo de IGs da UE que requer a inspeo dos produtos seja inconsistente com as obrigaes da WTO e que, finalmente, concorda com UE que, embora sua Regulamentao de IGs permita seu registro mesmo quando conflitarem com uma prvia marca, esta Regulamentao, como escrita, suficientemente restringida para que possa ser considerada como exceo limitada dos direitos das marcas; concorda, todavia, com EUA e

    7 No procedimento de soluo de controvrsias da OMC, um organismo independente, ou painel,

    estabelecido pelo rgo de Soluo de Controvrsias, constitudo por trs especialistas, para examinar e emitir recomendaes sobre uma disputa particular, luz das disposies da OMC (WTO, 2014).

  • 37

    Austrlia que o TRIPS no permite coexistncia no qualificada e incondicional de IGs com marcas pr-existentes [...].

    Sendo assim, o painel corrobora com as argumentaes de Estados

    Unidos e Austrlia ao afirmar que o regulamento da CE discrimina produtos

    estrangeiros por exigir sistemas equivalentes de proteo no pas estrangeiro e

    proteo recproca para IGs naquele pas e naqueles termos (USPTO, 2015)

    A UE diante do resultado obrigou-se a editar novo Regulamento que

    acolha as prescries do painel. Assim, com a edio do Regulamento (CE)

    509/2006 do Conselho de 20/03/2006 e do Regulamento (CE) 510/2006 do

    Conselho de 20/03/2006 as prescries foram aceitas e internadas. EUA e Austrlia

    discordaram com veemncia e convidaram a UE em revisar a nova Regulamentao

    (ROCHA FILHO, 2009).

    O entendimento diferente das IGs nas naes faz com que haja casos

    atpicos, principalmente entre os pases produtores de vinho, como na classificao

    de vinhos na Alemanha. Nesse pas, a classificao de vinhos de maior

    prestgio, Qualittswein mit Prdikat (QmP), baseada na maturao das uvas,

    independentemente da sua regio especfica. Assim, a classificao alem para

    vinhos quanto a denominao de origem, Qualittswein bestimmter

    Anbaugebiete (QbA), equivalente segunda classificao francesa, Vin Dlimit

    de Qualit Superieure (inferior Appellation dOrigine Contrle - AOC) (WIKIPEDIA,

    2014).

    Ainda sobre a classificao dos vinhos alemes, Rocha Filho (2009, p.

    152) comenta sobre a IP:

    Tm na IP uma diviso entre Tafelwein (vinhos engarrafados na Alemanha e que dela provm mas de que no necessariamente procedem, podendo ser blendados com vinhos alemos ou no caso em que procedem de qualquer parte do mundo), Deutscher Tafelwein (das genricas regies vitivincolas alems) e Deutscher Landwein (procedente de regies genricas demarcadas e com mais categoria que a anterior) e na DO uma diviso entre qualittswein bestimmter Anbaugebiete, os QbA e os qualittswein mit Prdikkat, os famosos QmP (que se dividem em Kabinett, Sptlese, Auslese, Beerenauslese e Trockenbeerenauslese, ficando o Eiswein em categoria especial) ambos passando por complexo Exame Oficial de Controle de Qualidade por rgo do governo que lhes confere o conhecido A.P.Nr. (Amtiliche Prfungsnummer) quando aprovados.

    Em princpio, a IGP considerada com menor especificidade que a DOP.

    Esta ltima possui maior grau de tipicidade que a IGP. De outro modo, a IGP mais

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Vin_D%C3%A9limit%C3%A9_de_Qualit%C3%A9_Superieurehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Vin_D%C3%A9limit%C3%A9_de_Qualit%C3%A9_Superieure

  • 38

    abrangente e a DOP mais tpica que a IGP (ROCHA FILHO, 2009). Pode-se assim

    dizer que a DOP mais rigorosa que a IGP. Ao citar como exemplo a IGP Jambon

    de Bayonne, em que a produo e o abate de sunos esto localizados em uma

    zona de 22 departamentos do Sudoeste da Frana, enquanto o terroir do produto

    est justificado em outra rea de produo do presunto, bem menor denominada

    Bassin de lAdour. Ao passo que, conforme o Consrzio del Prosciutto di Parma

    (2015), o DOP Prosciutto de Parma est na provncia de Parma (Emilia-Romagna -

    Itlia) em um local mais diminuto, em que a produo de matrias-primas e sua

    transformao at o produto acabado ocorre somente dentro de uma rea

    delimitada.

    2.2 Legislaes sobre Indicaes Geogrficas

    Este item aborda a evoluo da legislao internacional buscando

    entender o posicionamento de cada pas perante o tema da Indicao Geogrfica e

    a sua internalizao, bem como as implicaes comerciais.

    2.2.1 Legislao Internacional

    Bruch (2011) descreve que no princpio, os Signos Distintivos de Origem,

    que tinham objetivo de distinguir a origem de um produto, no eram protegidos,

    facilitando as falsificaes. Existiam aes isoladas na tentativa de coibir este

    procedimento, como no caso da Frana, com legislaes nacionais para tentar

    impedir essas falsas indicaes, mas que se tornavam incuas do ponto de vista do

    comrcio internacional, cada vez mais dinmico a partir de meados do sculo XIX.

    Para o autor, era necessrio criar legislaes entre as naes que protegessem os

    direitos de propriedade industrial, entre elas a IG. Neste sentido, os Estados

    produtores de vinho organizaram um tratado internacional com obrigaes mtuas

    entre os partcipes e com trocas de concesses entre eles.

    As IGs evoluram em funo dos avanos dos acordos internacionais

    (FREITAS, 2012). Bruch (2011) explica que o primeiro passo foi com o objetivo de

    impedir as falsas Indicaes de Procedncia. Assim, foi celebrada a Conveno

  • 39

    Unio de Paris - CUP, em 1883. Para Rocha Filho (2009), nesta ocasio a IG foi

    retratada, mas no definida.

    Freitas (2012) analisa os artigos 9 e 10 da CUP:

    A CUP no se referiu especificamente s indicaes geogrficas, apenas somente regulamentou preceitos relativos utilizao de falsa indicao de procedncia, se atendo ao fato de que o produto poderia denotar uma falsa origem. Neste sentido a CUP permitiria a utilizao de nomes fictcios ou de fantasia, desde que no demonstrasse o intuito de falsear a verdadeira origem do produto.

    Assim, a CUP deixava possvel o uso, por exemplo, de Champagne da

    Califrnia, posto que, nesse caso, a verdadeira procedncia estaria ressaltada

    (BRUCH, 2011).

    Rocha Filho (2009 p. 159) indica que:

    Pela CUP o tema est dentro do contexto propriedade industrial: o seu artigo 1.2 diz que a proteo da propriedade industrial tem por objetivo as patentes de inveno, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de servio, o nome comercial e as indicaes de provenincia (note-se a traduo oficial brasileira que confunde neste artigo provenincia com procedncia) ou denominaes de origem, bem como a represso da concorrncia desleal (Grifos nossos).

    Freitas (2012) cita o texto da Organizao Mundial da Propriedade

    Intelectual (OMPI), em que os direitos de propriedade industrial devem ser

    entendidos em acepo mais ampla e se aplicam no somente a indstria e ao

    comrcio, mas tambm s indstrias agrcolas e extrativas e a todos os produtos

    fabricados ou naturais.

    Rocha Filho (2009) afirma que a CUP enfoca diretamente as acepes

    Indicao de Procedncia e Denominao de Origem que ficam tambm sem

    conceituao. Mesmo sem estabelecimento comercial ou industrial, uma coletividade

    podia se agregar em torno de uma ou de algumas marcas coletivas e apresentar ao

    mercado produtos conforme seu critrio de exigncia.

    De acordo com a OMPI (2015) o texto da Conveno passou por revises

    de Bruxelas (1900), Washington (1911), Haia (1925), Londres (1934), Lisboa (1958)

    e Estocolmo (1967) e foi alterado em 1979. Mascarenhas e Wilkinson (2013) relatam

    que pelo Acordo de Haia, em 1925, em sua quinta reviso, Indicao de

    Procedncia e Denominao de Origem passaram a ser protegidas como

    propriedade industrial.

  • 40

    Freitas (2012) ressalta que o Brasil foi um dos primeiros pases a assinar

    a CUP, aderindo a ela pelo Decreto n 9.233, de 28 de junho de 1884, alm de

    ratificar trs atos do texto da Reviso de Haia, por meio do Decreto n 19.056, de 31

    de dezembro de 1929. O Brasil aderiu ao texto da Reviso de Estocolmo atravs do

    Decreto n 75.572, de 8 de abril de 1975.

    Em 1891, firmou-se o Acordo de Madri buscando uma represso mais

    efetiva contra o uso das falsas indicaes de procedncia, uma vez que a CUP se

    mostrava ineficiente para esta finalidade. Esse acordo tinha como foco principal os

    produtos vincolas, sendo que a adeso foi bem menor que a dos pases que se

    filiaram CUP.

    No Acordo de Madri (1891) prestou-se ateno ao problema das

    indicaes indiretas, que so aquelas que fazem crer, falsamente, em certa

    procedncia, sem que se mencione o nome geogrfico. Freitas (2012) conclui que o

    acordo excluiu as indicaes consideradas genricas de seu mbito protetivo,

    atribuindo aos tribunais de cada pas a competncia para se pronunciar sobre os

    critrios a serem aferidos para tais distines. Com relao aos vinhos, o acordo

    trouxe uma proteo especial, pois os pases partcipes deveriam se comprometer a

    proibirem o emprego, a venda, a exposio e a oferta de produtos de todas as

    indicaes suscetveis de levarem ao erro quanto procedncia dos vinhos, em

    qualquer tipo de propaganda, rtulo, etiqueta comercial, etc. (FREITAS, 2012).

    Com relao a extenso da proteo aos produtos agrcolas, Locatelli

    (2007) relata que Portugal pleiteava que a proteo especial dada aos vinhos

    tambm se estendesse a todos os produtos agrcolas. As indicaes atribudas a

    estes produtos no deveriam se tornar de uso comum, pois estariam relacionadas s

    peculiaridades especficas do clima, do solo, dentre outras. A proposta portuguesa

    no foi acolhida no mbito do Acordo de Madri.

    O acordo de Madri teve cinco revises: Washington em 1911, Haia em

    1925, Londres em 1934, Lisboa em 1958 e Estocolmo em 1967. Bruch (2011)

    justifica a pouca evoluo nos anos que se seguiram em virtude das Primeira (1914-

    1918) e Segunda (1939-1945) Guerras Mundiais, intercaladas pela quebra da bolsa

    de valores de Nova York, tambm conhecida como a Grande Depresso (1929).

    Passado este perodo de turbulncia, novas rodadas de negociao aconteceram

    em 1958 com o avano em termos de regulao das IGs em nveis internacionais,

  • 41

    com a mobilizao dos pases tradicionalmente produtores buscando uma nova

    maneira de avanarem na proteo das Indicaes Geogrficas (BRUCH, 2011).

    Freitas (2012) pondera que o Acordo de Lisboa, assinado em 1958, surgiu

    como uma alternativa para incrementar a proteo s Denominaes de Origem que

    no foram contempladas nem pela CUP, nem pelo Acordo de Madri, pois ambos se

    restringiram apenas represso s falsas indicaes de provenincia. O Brasil no

    aderiu ao Acordo.

    O Acordo de Lisboa, pela primeira vez, atravs de seu artigo 2, concorda

    como sendo a Denominao de Origem uma denominao geogrfica de um pas,

    uma regio ou localidade, prevendo uma proteo positiva para as Indicaes

    Geogrficas na forma de Denominao de Origem. Ao mesmo tempo, reconhece as

    Indicaes Geogrficas j existentes nos pases signatrios por meio de um registro

    internacional. Outro marco, a determinao de que uma Indicao geogrfica no

    pode se tornar genrica (BRUCH, 2011). Neste acordo, tambm assegura-se contra

    qualquer usurpao ou imitao, ainda que se indique a verdadeira origem do

    produto ou que a denominao seja usada em traduo ou acompanhada de termos

    como tipo, gnero, imitao, maneira entre outros termos semelhantes (OMPI,

    2015).

    Freitas (2012) acredita que muitos pases no aderiram ao acordo pois

    sentiram-se desfavorecidos, devido a sua maior abrangncia e eficcia da proteo

    as Denominaes de Origem, frente a pases de maior tradio, como a Frana e

    Portugal, que j contavam com produtos agrcolas de grande notoriedade e que h

    muito pleiteavam este reconhecimento. Bruch (2011) acrescenta que,

    diferentemente de hoje, no havia obrigatoriedade de aceitao pelos Pases de

    todos os tratados administrados pela Organizao Mundial da Propriedade

    Intelectual (OMPI), que participa da Organizao Mundial do Comrcio (OMC).

    Mascarenhas e Wilkinson (2013) ressaltam que com a criao da

    Organizao Mundial do Comrcio (OMC), em 1995, dentro de uma nova dinmica

    das relaes comerciais entre os pases, a propriedade industrial teve a necessidade

    de readequar o tema. O ponto de partida desta nova discusso ocorreu na Rodada

    do Uruguai, de onde foi institudo o Acordo sobre aspectos relativos aos direitos de

    propriedade intelectual concernentes ao comrcio (ADPIC), ou Agreement on Trade-

    Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS), em ingls, acordo que se

  • 42

    tornou o principal referencial na rea de propriedade intelectual e, em especial, para

    as Indicaes Geogrficas entre os pases membros da OMC.

    Bruch (2011) constata que no mbito da OMC, alm de tratados

    relacionados com tarifas e comrcio, negociou-se e aprovou-se o Acordo sobre

    aspectos relativos aos direitos de propriedade intelectual concernentes ao comrcio

    (ADIPC). Tornou-se compulsivo para todos os signatrios e membros da OMC e

    contemplou o previsto pela CUP. Ele estabeleceu, dentre outras regras, a proteo

    obrigatria das IGs. Assim foi imposto um nvel mnimo de proteo ou garantia,

    sendo possvel cada membro estabelecer formas mais elevadas de proteo, desde

    que no se constituam em um obstculo ao comrcio.

    Ao mesmo tempo em que os acordos bilaterais eram celebrados no ps-

    guerra, alguns pases criaram e aprimoraram suas legislaes internas. Buscaram

    uma proteo positiva, definindo as IGs, estabelecendo regras para proteo,

    registro e reconhecimento, criando, objetivamente, um direito sobre o uso e ao

    uso do signo (PLAISANT, 1949 apud BRUCH, 2011). O autor cita a Frana,

    Espanha, Itlia e Portugal. Outros Pases, como Inglaterra, Alemanha, Austrlia,

    Estados Unidos da Amrica e Brasil optaram por uma proteo negativa, voltada

    represso s falsas indicaes de procedncia e proteo do consumidor, coibindo

    a concorrncia desleal. Ao mesmo tempo, acordos bilaterais eram celebrados entre

    pases que defendiam a proteo positiva, tais como entre Frana e Espanha e entre

    Frana e Portugal, mas tambm entre pases com posies diferentes, como Frana

    e Alemanha (BRUCH, 2011).

    Freitas (2012) ressalta que a definio trazida no ADPIC abrange tanto a

    eventual Indicao de Provenincia (produto originrio do territrio de um membro),

    quanto as IGs propriamente ditas, conforme definidas pelo Acordo de Lisboa

    (Indicao de Procedncia e Denominao de Origem). Da mesma maneira que o

    Acordo de Lisboa, as IGs so tratadas na ADPIC com conceitos e normas gerais de

    proteo, coibindo a utilizao de qualquer meio que na designao ou

    apresentao do produto indique ou sugira que a IG provenha de uma rea

    geogrfica distinta do verdadeiro lugar de origem. Locatelli (2007) exemplifica essa

    situao com um vinho que tenha o rtulo Champagne, mas descreve, no mesmo

    rtulo, que produzido na cidade de Garibaldi, hiptese proibida pelo ADPIC.

    Contudo, para produtos que no os vinhos e destilados, a hiptese permitida, se a

    descrio da verdadeira origem do produto indicada.

  • 43

    Este tratamento diferenciado concedido aos vinhos e destilados probe as

    indicaes ditas falsas, quando acompanhadas das expresses tipo, gnero ou

    imitao. Locatelli (2007) afirma que a inteno de alguns pases europeus era

    para que fosse estendida tal proibio a todos os demais produtos agrcolas,

    entretanto no houve ressonncia deste entendimento na redao final deste

    acordo.

    Desta maneira o TRIPS, ou ADPIC, em seus artigos 22 e 24, regula as

    IGs, identificando um produto como originrio do territrio de um Estado Membro, ou

    regio, ou localidade naquele territrio, onde determinada qualidade, reputao ou

    outra caracterstica deste produto essencialmente atribuda a sua origem

    geogrfica. Este Acordo veda a utilizao de qualquer meio que sugira que o

    produto originrio de regio diferente da verdadeira origem, induzindo o

    consumidor a erro. O mesmo acordo preconiza que os Estados Membros recusem o

    registro de uma marca quando consiste em falsa indicao geogrfica, como

    exemplo o produto Castanha do Par, sem indicar um produto originrio do Par

    (MAPA, 2010).

    Para que uma IG seja vlida no territrio de outros pases necessrio

    requerer seu registro em cada um dos pases, com exceo da Unio Europeia, pois

    existe um registro comunitrio que gera efeitos em todos os pases que a constituem

    (MAPA, 2010). O reconhecimento de uma IG no Brasil passa por seu registro no

    Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

    Bruch (2011) afirma que concomitantemente ao TRIPS, ou ADPIC,

    firmaram-se diversos acordos regionais. Primeiramente, houve a criao da

    Comunidade Europeia (CE), depois, nasceram a Comunidade Andina de Naes

    (CAN), o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), o Tratado de Livre Comrcio de

    Amrica do Norte (NAFTA), etc. Nesses a