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∗COLÓQUIO DE DIREITO LUSO-BRASILEIRO, promovido pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – USP / Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, realizado de 12 a 16 de maio de 2014, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

∗∗Organizadores: José Fernando Simão, Professor Associado do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP e Fernando Araújo, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e presidente do Instituto de Direito Brasileiro da Universidade de Lisboa.

COLÓQUIO DE DIREITO LUSO-BRASILEIRO∗

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

12 a 16 de Maio de 2014

Parte I Organizadores

∗∗

José Fernando Simão

Fernando Araújo

n. 30, 2014

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Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 30, 2014

©2011 Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP / Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida desde que citada a fonte (Postgraduate Studies Commission of the School of Law of the University of Sao Paulo. This publication may be reproduced in whole or in part, provided the source is acknowledged / Comisión de Posgrado de la Facultad de Derecho de la Universidad de São Paulo. La presente publicación puede ser reproducida total o parcialmente, con tal que se cite la fuente.

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO / UNIVERSITY OF SAO PAULO / UNIVERSIDAD DE SÃO PAULO Reitor/Dean/Rector: Marco Antonio Zago Vice-Reitor/Vice Dean/Vice Rector: Vahan Agopyan Pró-Reitor de Pós-Graduação/Provost of Postgraduate Studies/Prorrector de Posgrado: Bernadette Dora Gombossy de Melo Franco Faculdade de Direito/Scholl of Law/Facultad de Derecho Diretor/ Principal/Director: José Rogério Cruz e Tucci Vice-Diretor/Deputy Principal/Vice Director: Renato de Mello Jorge Silveira Comissão de Pós-Graduação/Postgraduate Studies Commission/Comisión de Posgrado Presidente/President: Monica Herman Salem Caggiano Vice-Presidente/Vice President: Estêvão Mallet

Elza Antônia Pereira Cunha Boiteux Francisco Satiro de Souza Júnior Gilberto Bercovici José Maurício Conti Luis Eduardo Schoueri Renato de Mello Jorge Silveira Silmara Juny de Abreu Chinellato Serviço Especializado de Pós-Graduação/Postgraduate Specialized Service Office/Servicio Especializado de Posgrado Chefe Administrativo/Chief Administrator/Jefe Administrativo: Maria de Fátima S. Cortinal Serviço Técnico de Imprensa/Public Affairs Office/Servicio Técnico de Prensa Jornalista/Journalist/Periodista: Antonio Augusto Machado de Campos Neto Normalização Técnica/Technical Office/Normalización Técnica CPG – Setor/Sector CAPES: Marli de Moraes Bibliotecária – CRB-SP4414 Correspondência / Correspondence/Correspondencia A correspondência deve ser enviada ao Serviço Especializado de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP / All correspondence must be addressed to the Postgraduate Specialized Service Office of the School of Law of the University of São Paulo at the following adress / Toda correspondencia debe ser dirigida al Servicio Especializado de Posgrado de la Facultad de Derecho de la Universidad de São Paulo: Largo de São Francisco, 95 CEP/ZIP Code: 01005-010 Centro – São Paulo – Brasil Fone/fax: 3107-6234 e-mail: [email protected]

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação Faculdade de Direito da USP

Cadernos de Pós-Graduação em Direito : estudos e documentos de trabalho / Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 1, 2011-. Mensal ISSN: 2236-4544 Publicação da Comissão de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 1. Direito 2. Interdisciplinaridade. I. Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de

Direito da USP CDU 34

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Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 30, 2014

Os Cadernos de Pós-Graduação em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, constitui uma publicação destinada a divulgar os trabalhos apresentados em eventos promovidos por este Programa de Pós-Graduação. Tem o objetivo de suscitar debates, promover e facilitar a cooperação e disseminação da informação jurídica entre docentes, discentes, profissionais do Direito e áreas afins. The Postgraduate Legal Conference Papers are published by the School of Law of the University of Sao Paulo in order to publicize the papers submitted at various events organized by the Postgraduate Program. Our objective is to foster discussion, promote cooperation and facilitate the dissemination of legal knowledge among faculty, students and professionals in the legal field and other related areas. Los Cuadernos de Posgrado en Derecho de la Facultad de Derecho de la Universidad de São Paulo son una publicación destinada a divulgar los textos presentados en eventos promovidos por este Programa de Posgrado. Su objetivo es suscitar debates, promover la cooperación y facilitar la diseminación de información jurídica entre docentes, discentes, profesionales del entorno jurídico y de áreas relacionadas.

Monica Herman Salem Caggiano Presidente da Comissão de Pós-Graduação

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

President of the Postgraduate Studies Commission School of Law of the University of Sao Paulo Presidente de la Comisión de Posgrado de la

Facultad de Derecho de la Universidad de São Paulo

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APRESENTAÇÃO

A proposta de organização de colóquio de Direito luso-brasileiro entre a Faculdade de Direito da

Universidade de Lisboa e a Faculdade de Direito da USP – Largo de São Francisco surgiu naturalmente do

convívio acadêmico profícuo e diuturno dos organizadores do evento.

É verdade que as trocas acadêmicas entre as Instituições são antigas e têm sido mais ou menos intensas

de acordo com certos períodos de sua História. Apesar da existência de constantes convívios pessoais entre

docentes das Instituições, para uma perenidade das trocas, é importante que exista uma relação institucional.

Já em 2012, diversos docentes da Faculdade de Direito da USP foram recebidos em Lisboa, e se

discutiram formas de intensificar as atividades acadêmicas previstas em Convênio assinado pela FDL e a

FDUSP.

No ano de 2013, quando a Faculdade de Direito de Lisboa comemorou seu centenário, o então Diretor da

Faculdade de Direito da USP, Antonio Magalhães Filho, foi um dos convidados a palestrar, representando a mais

antiga Faculdade de Direito do Brasil.

O Colóquio de Direito Luso-Brasileiro (Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – USP /

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) ocorrido entre os dias 12 a 16 de Maio de 2014 somente

significou o prosseguimento da fundamental atividade de trocas acadêmicas.

Nos cinco dias de trabalhos profícuos, as conferências proferidas foram as seguintes:

1- Concorrência sucessória no Brasil: o estado da arte na lei, na doutrina e nos tribunais (Giselda Hironaka)

2- Biografias não autorizadas: liberdade de expressão e direitos da personalidade (Silmara de Abreu Chinellato)

3- Garantias (António Menezes Cordeiro)

4- Responsabilidade civil pelo risco da atividade (Claudio Luiz Bueno de Godoy)

5- Efeitos sucessórios da relação de filiação não decorrente de acto sexual (Jorge Duarte Pinheiro)

6- A experiência das parcerias público-privadas no Brasil (Floriano Azevedo Marques)

7- Responsabilidade civil por dano ecológico (Carla Amado Gomes)

8- O fenômeno da corrupção e financiamento das campanhas eleitorais (Monica Herman Caggiano)

9- A análise económica do crime: uma breve Introdução (Miguel Patrício)

10- Prova ilícita no processo penal (Antonio Magalhães Gomes Filho)

11- Discricionariedade judicial (Sílvia Anjos Alves)

12- Processo penal e criminalidade organizada (Gustavo Badaró)

13- Seguro de responsabilidade civil (Pedro Romano Martinez)

14- Interpretação dos contratos empresariais (Rodrigo Broglia Mendes)

15- Análise económica dos programas de clemência no direito da concorrência (Paula Vaz Freire)

16- Interpretação dos contratos empresariais (Paula Forgioni)

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17- A Experiência das PPP`s em Portugal (Nuno Cunha Rodrigues)

18- O processo em ebulição: as tentativas de reforma do processo civil brasileiro (Carlos Alberto de Salles)

19- As reformas do processo civil português: Insucessos e Mistificações (José Luís Ramos)

20- Proteção penal da integridade física do feto (Mariangela Gama de Magalhães Gomes)

21- Constituição Histórica versus Constituição Escrita. Portugal – Brasil (Gonçalo Sampaio e Melo)

Os textos que ora se publicam, na Revista de Direito Brasileiro editada pelo Instituto de Direito Brasileiro

da Faculdade de Direito de Lisboa e nos Cadernos de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP são

representativos das conferências proferidas e servem para aqueles que não puderam presenciar o evento

tenham acesso às importantes reflexões e debates ocorridos, revelando-se um importe contributo para a ciência

do Direito e para a investigação científica.

Lisboa e São Paulo, dezembro de 2014.

Fernando Araújo

José Fernando Simão

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SUMÁRIO/CONTENTS/ÍNDICE

Parte I

CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA NO BRASIL: O ESTADO DA ARTE NA LEI, NA DOUTRINA E NOS TRIBUNAIS ...................................7 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS: LIBERDADE DE EXPRESSÃO, OUTROS DIREITOS DA PERSONALIDADE E DIREITO DE AUTOR ....... 18 Silmara Juny de Abreu Chinellato RESPONSABILIDADE CIVIL PELO RISCO DA ATIVIDADE ........................................................................................................................ 38 Claudio Luiz Bueno de Godoy A EXPERIÊNCIA DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO BRASIL ..................................................................................................... 49 Floriano de Azevedo Marques Neto O FENÔMENO DA CORRUPÇÃO E FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS ELEITORAIS ........................................................................ 58 Monica Herman S. Caggiano A ANÁLISE ECONÓMICA DO CRIME: UMA BREVE INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 78 Miguel Patrício CADERNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: ESTUDOS E DOCUMENTOS DE TRABALHO .......................................................... 88

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Parte I

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CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA NO BRASIL: O ESTADO DA ARTE NA LEI,

NA DOUTRINA E NOS TRIBUNAIS∗

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka∗∗

Como primeiras palavras

No Brasil, infelizmente, passamos por um intenso problema com relação à interpretação de dispositivos

legais referentes à concorrência sucessória de cônjuge ou de companheiro sobrevivos com os descendentes do

autor da herança.

Com a publicação e entrada em vigor do Código Civil, em 2003, e com as alterações de monta que ali

foram produzidas, de sorte a reconfigurar a trajetória e o destino da sucessão por morte dos brasileiros, o que se

esperava, tanto na mídia quanto na Academia, era que acontecesse um movimento no sentido de

esclarecimento da população em geral, como já havia acontecido, no passado, com outros importantes e

inovadores temas, como as relações de consumo, por exemplo, e o correspondenteCódigo de Defesa do

Consumidor. De certo modo, todos os brasileiros “conhecem” minimamente os seus direitos, como ator

consumerista.

A ausência de divulgação e informação geral a respeito das significativas alterações pelas quais passou

o Direito das Sucessões no Brasil tem como consequência o fato de que “poucas são as pessoas, leigas ou não,

que sabem descrever o destino e endereçamento de seus bens, para depois de sua morte. As dúvidas a todos

assolam e as opiniões e pontos de vista díspares se multiplicam no cenário jurídico e judicial, colaborando, não

para a construção de um cenário mais esclarecedor, mas, sim, para o aumento da incompreensão, da confusão

e das decisões díspares”.1

Mesmo os profissionais da área jurídica, 11 anos depois do início de vigência do Código, encontram

muitas dificuldades, principalmente à face da maneira dezelosa e até mesmo atrapalhada, com a qual o novo

regramento foi escrito. As desculpas e explicações são inúmeras, soltas por todo o canto, mas a verdade é uma

só: “o Código deixa à deriva inúmeros aspectos, corriqueiros na vida comum, sem uma indicação mais precisa

do caminho a ser adotado, empurrando à literatura e à resposta judicial as tentativas de superação de seus

vazios”.2

Se estes vazios fossem apenas lacunas da lei, nada de excepcional ocorreria, uma vez que a lei não pode

prever todas as situações, exatamente porque ela é impessoal, geral e abstrata. Esta ocorrência é normal. Mas no

caso em relato, não se trata de uma simples deficiência a ser suprida pelos normais modos de fazê-lo, como se

sabe. Como tenho repetido, em minhas considerações, o que aconteceu mesmo – e infelizmente – “foi uma

espécie de indiferença, uma falta de atenção ou cuidado, no sentido de fazer constar, por previsão explícita,

∗Palestra proferida no dia 12.05.2014, na cidade de Lisboa (PT) no evento “Jornadas Científicas FDUSP/FDUL”, coordenado pelos Professores Doutores Fernando Araujo (FDUL) e José Fernando Simão (FDUSP), realizado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Portugal.

∗∗Professora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). 1HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Morrer e suceder: passado e presente da transmissão sucessória concorrente. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013. p. 387.

2Id. Ibid., p. 388.

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hipóteses das mais corriqueiras na vida dos homens e das sociedades”.3

O resultado de um desacerto legislativo como este acarretou, como não podia deixar de ser, decisões

judiciais díspares, o que causa sofrimento ao direito, uma vez que não consagram o justo, como deveria ser. E

mais, estas distintas decisões judiciais não resultam – e é muito importante que se registre – “da insuficiência ou

do desmando judiciário, mas tão somente da falha do legislador brasileiro, por ter produzido, não

acidentalmente, um vazio de previsão”.4

O estado da arte da concorrência sucessória no Brasil

a. O estado da arte no Código Civil brasileiro

O instituto da concorrência sucessória não foi conhecido pelo direito brasileiro, antes do Código Civil de

2002. No entanto, e como aconteceu com praticamente todo o V Livro do Código, o regramento da concorrência

sucessória deixou transparecer, mais uma vez, a ausência de um verdadeiro sistema de direito, o que tem

causado, entre nós, um enorme descompasso em tantos aspectos ou planos, bem como e até mesmo, um

desastrado acúmulo de regras descombinadas entre si, o que apenas faz nascer e se multiplicar um sem-

número de casos da vida real que não conseguem encontrar guarida segura na fortificação legal.

O novo Estatuto Civil manteve a ordem da vocação hereditária, já tradicionalmente aceita pelo

ordenamento jurídico brasileiro, com o cônjuge ocupando o terceiro lugar na chamada sucessória, depois dos

descendentes e dos ascendentes e antes dos colaterais. Mas garantiu ao cônjuge sobrevivo, certa posição de

igualdade – e, por vezes, até de primazia – relativamente aos descendentes, mas também relativamente aos

ascendentes que são chamados a herdar.

O art. 1.829 do CC, então, organiza a chamada vocatória, em níveis de preferência (por classes e por

graus, em divisão por cabeça), a tudo somando a chamada concorrente do cônjuge sobrevivo, desde que se

preencham todos os pressupostos ali apontados, referentes ao regime de bens adotado no casamento e à

situação que teve, de convívio, com o agora falecido, se a concorrência se der com os descendentes do autor da

herança. Por outra parte, se a concorrência se der com os ascendentes do morto, a lei não descreve

pressupostos que devam ser preenchidos, a validar a referida concorrência. Vale dizer, apenas se dá a

concorrência do cônjuge com os ascendentes, em todos os casos.

Veja-se a letra do dispositivo legal em evidência:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais. [grifo nosso]

3HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Morrer e suceder: passado e presente da transmissão sucessória concorrente, cit., p. 388.

4Id. Ibid., p. 389.

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“Como se observa, o cônjuge viúvo está, neste rol preferencial de vocação hereditária, em terceiro

lugar, mas se posiciona favorecido igualmente nas duas primeiras e antecedentes classes, eis que a lei dispõe

acerca de sua concorrência com aqueles primeiros chamados a herdar, isto é, com os descendentes e com os

ascendentes do falecido. A imissão do cônjuge nas classes anteriores à terceira se faz de forma gradativa e

proporcional à importância que o legislador empresta aos descendentes e aos ascendentes, em relação ao

apreço e carinho que o morto presumidamente guardaria para cada qual. Por isso é que a quota do cônjuge

aumenta de acordo com a classe em que se encontre (art. 1.832 do CC). A aquisição da fração hereditária que

será deferida ao cônjuge supérstite dependerá da verificação daqueles pressupostos registrados em lei, como já

mencionados, que garantirão, do ponto de vista social, a harmonia e a continuidade da vida em comum, como

forma de legitimar a presunção de que o cônjuge participou da construção do patrimônio familiar, ‘seja pela

cooperação direta de trabalho, seja pela participação direta de apoio, de economias, da harmonia, e até de

sacrifícios’5, apenas para ficarmos na enumeração expendida por Caio Mário da Silva Pereira, ‘um dos maiores

defensores do reconhecimento do cônjuge não só como herdeiro preferencial mas também como herdeiro

necessário’6.”7

No entanto – e este é o ponto nevrálgico a ser anotado - a concretude da disposição legal não

aconteceu, na prática, por uma razão surpreendentemente simples e até mesmo inexplicável: a norma não havia

sido testada antes de sua publicação e vigência. Um dos mais significativos dispositivo legal que registra esta

realidade é o art. 1832 que tem, por finalidade, tecer regras sobre como devem ser calculados os quinhões

hereditários dos herdeiros, em caso de concorrência sucessória do cônjuge sobrevivo com descendentes do

falecido. Diz o dispositivo:

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. [Grifo nosso]

Mas, não fez, o legislador, a previsão de como seria o cálculo dos quinhões se a concorrência se desse

com descendência híbrida do falecido, isto é, com descendentes comuns a ele e ao cônjuge concorrente e

também com descendentes exclusivos do morto. A ausência desta regra criou toda a sorte de empecilhos para

que a resposta judicial, aos casos concretos, desde 11 de janeiro de 2003 (data de início de vigência do Código

Civil), acontecesse de maneira harmoniosa e comum a todos os casos. A dúvida que remanesce, diante da

ausência de específica previsão legislativa para a hipótese de concorrência do cônjuge sobrevivo com

descendência híbrida do falecido, diz respeito afinal ao fato de se interpretar, com correção, se a reserva da

quarta parte dos bens a inventariar deve prevalecer, ou não, a favor do cônjuge concorrente.

Este é o quadro sucessório concorrente que é possível deixar registrado, ainda que de modo sumário,

para a sucessão do cônjuge sobrevivo.

Mas, se ao invés de casamento, tivessem sido aquelas pessoas unidas pela união estável? Como seria

a concorrência sucessória do companheiro sobrevivo, especialmente quando ela se desse com a

descendência híbrida do companheiro falecido? O Código Civil dispôs a respeito da sucessão do companheiro

em locus legislativo bem distinto do que aquele em que se encontra a regulamentação para a sucessão do

cônjuge. O dispositivo legal é o do art. 1790 do Código, artigo este que se encontra sob o Capítulo I –

5PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 129. 6HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 224. 7Id. Morrer e suceder: passado e presente da transmissão sucessória concorrente, cit., p. 403.

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Disposições Gerais, do Título I – Da Sucessão em Geral. Já o art. 1829, acerca da sucessão do cônjuge,

encontra-se adiante, no Título II – Da Sucessão Legítima...

Eis o que dispõe, então, o art. 1790, sobre a sucessão do cônjuge, com ênfase para a sua concorrência

sucessória com a descendência híbrida do falecido:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a 1/3 (um terço) da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. (Grifos nossos)

O que tem sido amplamente discutido no meio acadêmico e científico, relativamente a esse dispositivo, é

o fato de ele possuir mais problemas do que seria possível suportar um único preceito legal. São muitos os seus

pontos nevrálgicos e são muitos os reclamos e clamores dos estudiosos, intérpretes e aplicadores do direito na

direção não apenas da falta de prumo e de substância do dispositivo mas, sobretudo, de sua estrutura

inconstitucionalmente acintosa.

Na verdade, a Constituição Federal, promulgada em 1988, determina que:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

O que quis o legislador constitucional, parece-nos indene de dúvida, foi equalizar o casamento e a

união estável, emparelhando cônjuges e companheiros em uma mesma linha de proteção pelo Estado, eis que

tanto uma situação como outra se desenham constitucionalmente como entidades familiares.

Mas o Código Civil, ignorando o percurso corajoso do tratamento dos direitos pertinentes àqueles que

preferem viver em uniões estáveis, dispôs de forma incompreensivelmente retrógrada – para não dizer

preconceituosa – em relação aos companheiros, quando comparados aos cônjuges, como já tivemos

oportunidade de mencionar8. Gilmar Ferreira Mendes muito bem registra esses descompassos da lei, advertindo

sobre os perigos decorrentes, quando diz que:

A formulação apressada (e, não raras vezes, irrefletida) de atos normativos que acaba ocasionando as suas maiores deficiências: a incompletude, a incompatibilidade com a sistemática vigente, incongruência, inconstitucionalidade etc.9

b. O estado da arte na doutrina brasileira

Primeiramente, faço algumas considerações a respeito da posição da doutrina quanto à sucessão

concorrente do cônjuge sobrevivente, das as dificuldades deixadas pelo legislador, conforme antes anotado.

8Ver Capítulo 7 – Vocação, especialmente o item 7.5 (Sucessão de pessoa que houvesse sido unida estavelmente), com ênfase nas críticas contundentes de Zeno Veloso.

9MENDES, Gilmar Ferreira. Teoria da legislação e controle de constitucionalidade: algumas notas. Revista Jurídica Virtual, Brasília, v. 1, n. 1, maio 1999. Passim. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_01/teoria.htm>.

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A doutrina nacional, desde a promulgação e vigência da Lei Civil que ora vige, tem se debruçado sobre

inúmeros métodos de interpretação para a tentativa de identificar critérios que fossem coerentes e que

pudessem albergar a solução justa a ser oferecida pelas decisões de primeiro grau, ou pelas decisões de

instâncias superiores, aos casos concretos.

Por meio de uma observação atenta e criteriosa da realidade judicial, os doutrinadores esboçaram

certos critérios básicos que têm sido usados pelos julgadores, e que podem ser reduzidos ao número de apenas

três, uma vez que quaisquer outros critérios que pudessem ser aventados não passariam, apenas, de simples

variações daqueles três apontados. São estas as mais prováveis propostas de solução que se tem conhecido e

aplicado, mas a verdade é que nenhuma delas – sempre é imperioso repetir – é suficiente para dar feição definitiva

à partilha; ao contrário, todas as soluções que possam ser oferecidas são, invariavelmente, passíveis de

contestação recursal. O que é sempre muito ruim, se o assunto é divisão de quinhões em sucessão causa mortis...

Resumidamente, eis as três propostas, ou os três critérios, que têm sido mostrados pela doutrina e,

algumas vezes, acolhidos pelas decisões judiciais:

• Primeira proposta: deriva de critério adotado pelo intérprete ou pelo julgador que identifica os

descendentes que compõem a classe híbrida de herdeiros, como se todos fossem também

descendentes do cônjuge sobrevivente.

Problema efetivo a ser enfrentado, se este critério fundamentar a decisão judicial que ordenar a

partilha:sobreviria prejuízo aos herdeiros descendentes exclusivos do falecido, porque teriam suas

quotas diminuídas para que se pudesse compor a quota mínima a ser amealhada pelo cônjuge

concorrente. Prejudicados, por certo recorreriam da decisão, sob a alegação de estarem

desobrigados, pelo legislador, a observar a destinação mínima ao cônjuge viúvo que não é seu

ascendente.

• Segunda proposta: deriva de critério, adotado pelo intérprete ou pelo julgador, que identifica os

descendentes que compõem a classe híbrida de herdeiros, como se todos fossem descendentes

exclusivos do falecido.

Problema efetivo a ser enfrentado, se este critério fundamentar a decisão judicial que ordenar a

partilha:sobreviria prejuízo ao cônjuge viúvo que com eles concorre, pois se veria privado da

garantia de amealhar minimamente a quarta parte do monte. Prejudicado, por certo recorreria da

decisão, sob a alegação de ser ascendente de parte dos sucessores do falecido.

• Terceira proposta: deriva de critério que prevê a divisão do monte partível em dois submontes, um

proporcionalmente correspondente ao número de descendentes comuns e outro proporcionalmente

correspondente ao número de descendentes exclusivos, aplicando-se a cada um deles, e a seu turno,

as regras próprias. Ao submonte dos comuns aplicar-se-ia a regra da concorrência com os

descendentes comuns (resguardando-se a quarta parte a favor do cônjuge viúvo, ascendente deles);

ao submonte dos exclusivos aplicar-se-ia a regra da concorrência com os descendentes exclusivos

(dividindo-se em iguais porções, sem a obrigatoriedade de resguardar, minimamente, a quarta parte).

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Problema efetivo a ser enfrentado, se este critério fundamentar a decisão judicial que ordenar a

partilha: de alguma forma uns ou outros dos herdeiros (comuns ou exclusivos) se sentiriam

prejudicados porque, ao final dos cálculos baseados neste princípio matemático da proporcionalidade,

o resultado mostraria desigualdade nas quotas a serem recebidas por uns e outros dos herdeiros, o

que contraria o art. 1834 do próprio Código Civil e que também afronta ditames de natureza

constitucional. E certamente todos os que se sentissem prejudicados poderiam recorrer da decisão

assim prolatada...

E quotas desiguais não são admitidas no nosso sistema de direito sucessório, sequer na ambiência

constitucional, que exige que todos os filhos sejam tratados de igual maneira, independentemente de sua

origem. No Código Civil, o comando legal equivalente é o art. 1834:

Art. 1.834. Os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes. [Grifo nosso.]

Como se vê, não é possível encontrar uma solução matemática que possa atender a todos os

dispositivos do Código Civil, o que nos parece correr no sentido de abrir a chance de respostas judiciais as mais

diversas possíveis, num oferecimento de soluções diferentes para casos iguais. O ideal seria – tanto já se disse

– que o legislador ordinário corrigisse o texto em comento, e o refizesse de modo a que todas as hipóteses

(incluindo, principalmente a concorrência sucessória de cônjuge sobrevivo com descendência híbrida do falecido),

evitando, assim, o dissabor de soluções e/ou interpretações que corressem exclusivamente ao alvedrio do julgador

ou do hermeneuta quando intentam terminar a incompletude legal.

Já no que diz respeito à sucessão concorrente do companheiro sobrevivo,registro que aquele art.

1790 do Código Civil acarretou – não podia mesmo ter sido diferente – a crítica da doutrina que entendeu como

desarrazoada tal discrepância, não havendo base para que o companheiro sobrevivente ficasse em uma

situação distinta, e, às vezes, por incrível que possa parecer, até mais benéfica e vantajosa do que a do cônjuge

supérstite10. A necessidade de alteração legislativa é, pois, evidente, se o escopo for o de se retornar a uma

circunstância de equilíbrio, com o traçado de paridade das situações dos casados e dos companheiros, em

matéria sucessória.

O conserto dependia de uma moderada intervenção; o ajuste carecia de pequena modificação. Contrariando estas expectativas, o [...] Código Civil promove [u] um recuo notável. O panorama foi alterado, radicalmente. Deu-se um grande salto para trás11.

Restou, para a reflexão doutrinária a imensa questão a respeito da constitucionalidade daquele

dispositivo (1790).

10Conforme VELOSO. Zeno. Do direito sucessório dos companheiros. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.). Direito de família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 242.

11Id., loc. cit.

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c. O estado da arte nos Tribunais brasileiros

Primeiramente, faço breve anotação a respeito da posição de nosso Poder Judiciário, quanto às

decisões que têm sido prolatadas para os casos de concorrência sucessória do cônjuge com a descendência

híbrida do cônjuge sobrevivo. Infelizmente, se tem julgado, nesses 11 anos de vigência do Código Civil, de

maneira variada; o que se tem notado é a tendência enorme de partilhas amigáveis, isto é, feitas por acordo

entre os herdeiros, de maneira que, nesses casos, o inventário se extinguiria sem sequenciamento de segundo

grau.

Já as Cortes mais altas, acima de nossos Tribunais estaduais, não conheceram da matéria em número

de vezes que fosse suficiente para a construção de solução sumulada, o que igualmente poderia resolver o

assunto tão preocupante.

E assim, a posição jurisprudencial para estes casos que agora examino, é praticamente inexistente. À

face do caso concreto, o juiz julga conforme melhor pareça à sua convicção pessoal. Mas não deixo de anotar,

contudo, que parece começar a emergir uma tendência jurisprudencial, neste momento, de não se manter a

reserva da quarta parte a favor do cônjuge sobrevivente que concorre com descendência híbrida do falecido.12

Por outra parte, no que diz respeito à concorrência sucessória do companheiro sobrevivente com a

descendência híbrida do morto, a presença significativa, nos Tribunais, é aquela que discute a respeito da

constitucionalidade ou da inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil. As posições se dividem, mas

acredito que no momento atual esteja acontecendo interessante movimento de nossas Câmaras julgadoras no

sentido de encaminharem seus entendimentos para a inconstitucionalidade do dispositivo.

Tal solução, no entanto, não melhoraria muito o problema, pois a sucessão do companheiro, por

analogia constitucional passaria a ser tratada de modo equalizado à do cônjuge, com base nosarts. 1829 e 1830

do Código. Como já vimos, a solução exata e definitiva advinda da aplicação desses dispositivos é ainda muito

insipiente...

É verdade, ao que parece e pelo levantamento jurisprudencial até aqui realizado, que o reconhecimento

da inconstitucionalidade do art. 1.790do Código Civil tem prevalecido nos julgados brasileiros, mas não há uma

uniformidade de posicionamentos nem no mesmo Tribunal Estadual, nem no Tribunal Superior. Eis uma breve

demonstração, nos dois principais Tribunais de Justiça brasileiros, o do Estado de São Paulo e o do Estado do

Rio de Janeiro:

Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP

Pela inconstitucionalidade:

• Apelação com Revisão nº 587.852.4/4. Acordão 4131700, 9ª Câmara de Direito Privado, Jundiaí,

Rel. Des. Piva Rodrigues (2009), mas com a remessa do processo para o Órgão Especial do

Tribunal, para julgamento. No Estado de São Paulo parece prevalecer a tese da

inconstitucionalidade do dispositivo legal, aplicando-se, à sucessão do companheiro sobrevivo, as

mesmas regras aplicáveis à sucessão do cônjuge sobrevivo, especialmente arts. 1829, I e 1832,

12Assim afirma, por exemplo, Flávio Tartuce em sua obra Direito civil: direito das sucessões. 7.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ed. GEN; Método, 2014. v. 6, p. 196-197. Este autor refere, ainda, que também preferem esta solução vários outros autores brasileiros, como por exemplo, Caio Mário da Silva Pereira, Maria Helena Diniz, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno, Euclides de Oliveira, Zeno Veloso, entre outros.

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ambos do Código Civil, por ser esta a interpretação que se faz em conformidade com a

Constituição Federal (art.226). Por exemplo:

o Apelação Cível 520.626.4/3 – Acórdão 4223691, 4ª Câmara de Direito Privado,

Piracicaba, Rel. Des. Teixeira Leite (2009).

o Agravo de Instrumento 0078186-86.2013.8.26.0000, Acórdão 6878634, Peruíbe, Rel. Des.

Eduardo Sá Pinto Sandeville (2013).

o Agravo de Instrumento 994.09.283225-0, Acórdão 4391378, 1ª Câmara de Direito Privado,

Bauru, Rel. Des. De Santi Ribeiro (2010).

o Agravo de Instrumento 0042701-25.2013.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Privado, São

Paulo, Rel. Des. Caetano Lagrasta (2013).

Pela constitucionalidade:

• Agravo de Instrumento 589.196.4/4, Acórdão 3474069, 2ª Câmara de Direito Privado, Bragança

Paulista, Rel. Des. Morato de Andrade (2009).

• Arguição de Inconstitucionalidade nº 0359133-51.2010.8.26.0000; Rel. Des. CauduroPadin;

ÓrgãoEspecial (2011).

• Arguição de Inconstitucionalidade 0434423-72.2010.8.26.0000, Rel. Des.CauduroPadin, Órgão

Especial (2011).

No Estado de São Paulo, então, “a constitucionalidade do art. 1.790 do CC já foi reconhecida pelo

Órgão Especial do Tribunal de São Paulo e deve prevalecer. Em razão da cláusula constitucional de

reserva e da súmula vinculante nesse sentido, somente o Tribunal Pleno pode declarar a

inconstitucionalidade do dispositivo legal em referência, de modo que, já decidido em sentido contrário

pelo Órgão Especial do Tribunal de São Paulo, não se admite solução diferente, cumprindo ao órgão de

jurisdição fracionário de segundo grau aplicar a norma declarada constitucional”.13 O Órgão

Especialentendeu, portanto, que não há equalização constitucional entre casamento e união estável, e

que o legislador ordinário teria podido, sim, estabelecer regras sucessórias diferentes para uma ou

outra modalidade de entidades familiares.

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ

Pela inconstitucionalidade

• Arguição de inconstitucionalidade 0032655-40.2011.8.19.0000, Rel. Des. Bernardo Moreira Garcez

Neto, Órgão Especial, (2012).

• Arguição de inconstitucionalidade 0019097-98.2011.8.19.0000, Rel. Des. Bernardo Moreira Garcez

Neto, Órgão Especial, (2012).

13Agravo de Instrumento nº 0225760-84.2011.8.26.0000, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi – voto nº 9.867 (2012) acesso em 09/06/2014: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Portal e-SAJ. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=6171159>.

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No Estado do Rio de Janeiro, portanto, o Órgão Especial entendeu pela inconstitucionalidade do inciso

III do art. 1.790 do CC, por duas vezes, eis que houve duas arguições de inconstitucionalidade do

mesmo dispositivo, em julgamentos realizados em junho e agosto do [mesmo] ano. Da primeira

decisão, já foram interpostos recursos especial e extraordinário, ainda pendentes de análise de

admissibilidade.O TJRJ, então, decidiu que o disposto no art. 1790 do Código Civil correspondia a um

imperdoável retrocesso aos direitos já reconhecidos à união estável, no que diz respeito às leis da

década de 90, principalmente a Lei nº 9.278/96.

No que diz respeito aos demais Tribunais estaduais brasileiros, anoto que são poucos os que já veem

definindo suas posições, mas de modo ainda bastante tímido, diga-se assim. Vejamos aqueles que têm

realmente alguma manifestação indicativa de posicionamento, ao menos neste momento da coleta

jurisprudencial que se faz:

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS

Pela inconstitucionalidade

• Agravo de instrumento 70022652879, 8ª Câmara Cível, Bom Jesus, Rel. Des. Alzir Felippe

Schmitz (2008).

Pela constitucionalidade

• Agravo de instrumento 70025169244, 8ª Câmara Cível, Porto Alegre, Rel. Des. Claudir Fidellis

Faceenda (2008).

• Agravo de Instrumento 0268760-56.2013.8.21.700

Tribunal de Justiça do Paraná – TJPR

Pela inconstitucionalidade

• Agravo de instrumento 536.589-9/01, Curitiba, Rel. Des. Sérgio Arenhart (2010).

Tribunal de Justiça de Minas Gerais– TJMG

Pela constitucionalidade

• Agravo de instrumento 1.0512.06.032213-2/002, Rel. Des. Paulo Cézar Dias, Corte Superior (2011).

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT

Pela constitucionalidade

• Agravo de Instrumento 2010 002 004631 – 6, Rel. Des. Otavio Augusto, Conselho Especial (2010).

• Agravo de Instrumento 2011 00 2 012701-4, 6ª Turma Cível, Rel. Des. Maria Duarte Amarante Brito

(2011).

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• Recurso 2012.05.1.008499-9, Acórdão 742.035, 6ª Turma Cível, Rel. Des. Esdras Neves (2012).

Tribunal de Justiça de Sergipe – TJSE

Pela inconstitucionalidade

• Incidente de Insconstitucionalidade 2010114780, Rel. Des. Marilza Maynard Salgado de Carvalho,

Tribunal Pleno (2011).

Ainda são poucos os Tribunais estaduais, entre nós, que possuem julgamento pelo Órgão Especial, a

respeito da inconstitucionalidadeincidental do art. 1790 do Código Civil. O que se encontra, nas listagens dos

julgados, são decisões isoladas prolatadas em Agravos de Instrumento, quase sempre interpostos à face de

decisão que, adotando um ou outro posicionamento, determinou a retificação do plano de partilha para

readequação dos quinhões. Outros ainda aguardam pronunciamento do Órgão Especial.

A nossa Corte Suprema tem invalidado boa parte das decisões dos Tribunais estaduais que

desatendem à Constituição Federal e praticam o controle indireto de constitucionalidade. Os Tribunais estaduais

não têm observado o quórum necessário, nos julgamentos que pronunciam em incidentes de

inconstitucionalidade, e declaram a constitucionalidade, ou a inconstitucionalidade, do referido art. 1790 do

Código Civil, com um quórum equivalente à maioria simples, apenas.Duas estudiosas brasileiras do assunto,

Caroline Said Dias e Fernanda Barbosa Pederneiras Moreno,num estudo denominado Cenário jurisprudencial

atual sobre a Inconstitucionalidade das diferenças no tratamento sucessório de cônjuges e companheiros,

prepararam uma tabela bastante didática que admite uma boa visualização a respeito do quanto se procurou

demonstrar, até aqui, a respeito do estado da arte da resposta judicial que os Tribunais e as Cortes têm dado, à

face dos casos concretos. Ela segue ao final deste estudo.

Ao encerrar estas minhas breves palavras, desejo registrar a honra que me toma e me encanta, pelo

fato de tão honroso convite, e pela oportunidade de trazer meus estudos a esta famosa Universidade européia,

na presença de tão ilustres e destacados pares lusitanos.

Muitíssimo obrigada aos coordenadores deste belo evento denominado “Jornadas Científicas

FDUSP/FDUL”, Professor Dr. José Fernando Simão e Professor Dr. Fernando Araújo, respectivamente, pelas

instituições mencionadas.

São Paulo/Lisboa – outono/primavera de 2014.

Referências

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007

______. Morrer e suceder: passado e presente da transmissão sucessória concorrente. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013.

MENDES, Gilmar Ferreira. Teoria da legislação e controle de constitucionalidade: algumas notas. Revista Jurídica Virtual, Brasília, v. 1, n. 1, maio 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_01/teoria.htm>.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das sucessões. 7.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ed. GEN; Método, 2014. v. 6.

VELOSO. Zeno. Do direito sucessório dos companheiros. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.). Direito de família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

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Tabela Consultiva

Fonte: DIAS, Caroline Said; MORENO, Fernanda Barbosa Pederneiras. Cenário jurisprudencial atual sobre a inconstitucionalidade das diferenças no tratamento sucessório de cônjuges e companheiros. Disponível em: <http://www.editoramagister.com/doutrina_24213422>. Acesso em: abr. 2014.

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BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS: LIBERDADE DE EXPRESSÃO, OUTROS DIREITOS DA PERSONALIDADE E DIREITO DE AUTOR

Silmara Juny de Abreu Chinellato∗

Introdução. Biografias não autorizadas. I. O caso concreto: Ação Direta de Inconstitucionalidade número4815 ajuizada pela Associação Nacional de Editores de Livros (ANEL). II. Constituição da República: direitos e garantias fundamentais. III. Direitos da personalidade no Código Civil. IV. Liberdade de expressão versus direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. A alegada censura. V. Liberdade de expressão perante o Supremo Tribunal Federal. VI. Contributo das decisões judiciais para a formação de parâmetros. VII. Biografado e direito autoral. VIII. A inafastabilidade da responsabilidade civil. Conclusões. Anexo: Texto da apresentação na Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal (21de novembro de 2013).

Introdução

A Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4815 interposta pela Associação Nacional de Editores de

Livros (ANEL) perante o Supremo Tribunal Federal questiona a constitucionalidade dos artigos 20 e 21 do

Código Civil1 com o seguinte pedido:

“Seja declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21 do Código Civil para que, mediante intepretação conforme a Constituição, seja afastada do ordenamento jurídico brasileiro a necessidade do consentimento da pessoa biografada e, a fortiori, das pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas) para a publicação ou veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais”.

Faz, ainda, o seguinte pedido alternativo, colocando, após a expressão “para a publicação ou

veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais”, a seguinte delimitação quanto às obras, as

“elaboradas a respeito de pessoas públicas ou envolvidas em acontecimento de interesse coletivo”.2

Os itens números 37 e 38 da R. petição inicial fazem ressalvas, de grande relevância, quanto à

incidência e alcance da responsabilidade civil. No item número 37 propõe que ela somente incida em casos de

abusos de direito “caracterizado pelo uso doloso de informação sabidamente falsa e ofensiva à honra do

biografado”.

∗Professora Titular do Departamento de Direito Civil, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 1“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes. Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”

2“Seja declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21 do Código Civil para que, mediante intepretação conforme a Constituição, seja afastada do ordenamento jurídico brasileiro a necessidade do consentimento da pessoa biografada e, a fortiori, das pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas) para a publicação ou veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais elaboradas a respeito de pessoas públicas ou envolvidas em acontecimento de interesse coletivo” (grifos nossos).

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O item 38 pretende que não seja indenizada “a divulgação de informações verdadeiras, ainda que

jocosas ou desabonadoras da imagem do biografado. Ou ainda de versões sobre fatos históricos controvertidos

divergentes das defendidas pelo biografado e seus herdeiros, ou de opinião ou crítica a respeito do biografado.”

Supõe que o dano eventualmente causado ao biografado não seja ressarcível, por ser “justo”, derivado de

exercício regular e legítimo de direito: o de liberdade de expressão e de informação.

Em que pese a respeitabilidade de tal opinião, não nos convencemos a respeito da alegada

inconstitucionalidade, nem também assim pareceu à Advocacia Geral da União, em R. Parecer de 13 de agosto

de 2012 da lavra da Procuradora Federal Thelma Suely de Farias Goulart. Afirma ela que o direito de informar e

de ser informado “nem sempre têm seu pleno exercício assegurado, pois há limites para a divulgação pública de

informações pessoais.“

Conclui seu bem fundamentado Parecer:

“Os arts. 20 e 21 do CC orientam a relativização deste direito frente outro direito fundamental, de caráter personalíssimo e considerado inviolável pela Constituição, que é direito à privacidade. Tais dispositivos são, portanto, absolutamente constitucionais”.

A colisão de direitos fundamentais deve ser sopesada nos casos concretos, de riqueza ampla em

peculiaridades, não se podendo presumir que a liberdade de expressão prevaleça sempre.

Também não pareceu haver inconstitucionalidade nos dois artigos do Código Civil ao Instituto dos

Advogados de São Paulo, que ingressou na Ação, na qualidade de amicus curiae, após a Audiência Pública

realizada em 16 de novembro de 2013, no Supremo Tribunal Federal, convocada pela Senhora Ministra Relatora

Carmen Lúcia Antunes Rocha, da qual tivemos a honra de participar.3

O tema é bastante rico e multifário por envolver liberdade de expressão e outros direitos da

personalidade, reconhecidos tanto na Constituição da República, como no Código Civil, na Doutrina e na

Jurisprudência.4

II. Constituição da República: direitos e garantias fundamentais

A liberdade de expressão fundamenta-se no art. 5.º, IV e IX e a liberdade de informação, no art. 5.º,

XIV, que se enquadram entre os direitos e garantias fundamentais.5

Liberdade de expressão é subjetiva (criação intelectual) e direito à informação é objetivo.

O artigo 220 reforça que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob

qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

3O texto dessa apresentação encontra-se no Anexo de nosso artigo. 4Retomamos o tema iniciado no artigo Direitos da personalidade: o art. 20 do Código Civil e a biografia de pessoas notórias. In: CASSETTARI, Christiano (Org.). 10 anos de vigência do Código Civil brasileiro de 2002. Estudos em homenagem ao professor Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 126-151.

5“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; XIV- é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.“

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Enquanto o parágrafo 2.º enfatiza a proibição de censura6, o parágrafo 1.º expressamente impõe a

observância do disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. Os incisos IV e XIV já foram mencionados; o inciso XIII

garante o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

Os incisos V e X limitam ou restringem a liberdade de expressão em favor da pessoa retratada. Eis os

textos:

“V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.”

“X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Há colisão de direitos fundamentais, tema ao qual se dedicam vários constitucionalistas, entre os quais

Gilmar Mendes, também Ministro do Supremo Tribunal Federal, que com muita oportunidade e técnica analisou

a colisão e o princípio da proporcionalidade.7 Mencione-se, ainda, artigo do antigo Ministro da mesma Corte,

Carlos Alberto Menezes Direito, que empresta sua inteligência, sensibilidade e grandes conhecimentos que

alcançam o direito autoral, ao tema dos direitos da personalidade e ao da liberdade de expressão.8

Acresça-se que o artigo 93 da Constituição da República restringe a publicidade de julgamentos

judiciais, desde que não prejudique o direito à informação, para salvaguardar o direito à intimidade do

interessado no sigilo.9

Vê-se que não há direito absoluto, nem ilimitado.

III. Direitos da personalidade no Código Civil

Segundo Rubens Limongi França, direitos da personalidade são “as faculdades jurídicas cujo objeto

são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim seus prolongamentos e projeções”.10

A classificação fundamental segundo o autor é: direito à integridade física (à vida, ao corpo vivo e

morto, a partes separadas do corpo); à integridade intelectual (liberdade de pensamento, direito de autor, de

inventor, de esportista); à integridade moral (liberdade civil, política e religiosa, honra, honorificência, recato,

imagem, segredo, identidade pessoal/nome, familiar e social).

6“§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.” 7MENDES, Gilmar Ferreira. Colisão de direitos fundamentais. Liberdade de expressão e de comunicação e direito à honra e à imagem. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 31, n. 122, p. 297-302, abr./jun. 1994.

8DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Os direitos da personalidade e a liberdade de expressão. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 98, n. 363, p. 29-37, set./out. 2002.

9“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

10FRANÇA, Rubens Limongi. Direitos da personalidade: coordenadas fundamentais. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 72, n. 567, p. 9-16, jan. 1983.

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Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 30, 2014

Em outra classificação básica, proposta por Carlos Alberto Bittar, são direitos físicos, psíquicos e

morais.11

Qualquer que seja ela, entendemos que deve ser quadripartida, colocando-se à parte o direito à vida,

direito primeiro, condicionante. Além das características mencionadas no artigo, os direitos da personalidade

são, ainda, inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis e figuram em rol meramente exemplificativo. O

exercício de alguns direitos, como o direito à imagem (reprodução física da pessoa, no todo ou em parte) e à

voz, pode ser cedido, por contrato expresso, como o de licença de uso. O próprio direito é incessível, como

decorrência da inalienabilidade.

O artigo 20 do Código Civil tem sido criticado tanto pelos que pugnam pela limitação das exceções12,

hipóteses em que ele não incidiria, como pelos opositores que desejam ampliá-las, em favor da liberdade de

expressão, como os que defendem a tese objeto da ADIN 4815. Para facilidade de análise, eis a transcrição:

“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade ou se destinarem a fins comerciais.”

Antes de o analisarmos, é mister conceituar imagem que significa reprodução física da pessoa, no todo

ou em parte, por qualquer meio como pintura, fotografia, filme. Esse sentido é o corretamente empregado no

inciso XXVIII, a, do art. 5º da Constituição da República que, no inciso X do mesmo artigo, parece considerá-la

como patrimônio moral, razão de ter surgido um novo conceito doutrinário de imagem, para justificar esse inciso:

imagem-atributo.

No sentido tradicionalmente empregado pela Doutrina e também implicitamente pelas leis, antes da

Constituição, refere-se, no entanto, à reprodução física da pessoa, de modo autônomo, sem depender da

intimidade.13

A Súmula n. 403 do STJ, lastreada em vários acórdãos, considera esse conceito ao estabelecer que

“independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins

econômicos ou comerciais”.14

A imagem se presta a exemplificar a diferença entre disponibilidade do exercício e não do próprio direito,

considerando-se que uma das características dos direitos da personalidade é a inalienabilidade. Essa

disponibilidade de exercício é alcançada por meio de contratos de concessão de uso ou de licença de uso de

imagem, bastante usuais.

11BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 6. ed. Atualizada por Eduardo C. Bianca Bittar. São Paulo: Forense Universitária, 2006.

12JABUR, Gilberto Haddad. Questões controvertidas no novo Código Civil. Coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves. São Paulo: Método, 2003. p. 11-44. O autor inicia nessa obraa crítica da necessidade de observância dos direitos da personalidade e lhe dá continuidade e aprofundamento em diversas palestras. Nesse sentido, debate na ESA-OAB-SP, em dezembro de 2013, acerca das Biografias não autorizadas.

13Nesse sentidoo Resp n. 46.420, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. 14Não nos parece que a indenização dependa da finalidade lucrativa. O direito foi violado, mesmo com fins supostamente gratuitos, podendo haver, no entanto, reflexos no valor da indenização, que deverá ser maior em caso de finalidade lucrativa de qualquer natureza. Avalizamos a opinião ainda atual do Min. Ruy Rosado de Aguiar, como relator do Resp n. 100.764/RJ, j. 24.11.1997, no sentido de que o valor do dano sofrido pelo titular não está limitado ao lucro do infrator, pois o dano do lesado não se confunde com este, que pode, inclusive, ter sofrido prejuízo com o negócio.

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Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 30, 2014

Optou o Código por consagrar duas características dos direitos da personalidade, a intransmissibilidade e

a irrenunciabilidade, compreendendo nelas as demais. Acreditamos que melhor seria ter enfatizado a

inalienabilidade da qual decorrem a incessibilidade, a imprescritibilidade, a impenhorabilidade e a

incomunicabilidade, lembrando-se que, quanto à cláusula testamentária o Código vigente colocou fim à dúvida

acercada abrangência da inalienabilidade, que alcança, agora de modo expresso, a impenhorabilidade e a

incomunicabilidade (art. 1911).

A característica erga homens, comum a todos os direitos da personalidade significa o alcance, mas não

importa ser ilimitado, pois nenhum direito o é.

Contratos de direitos autorais com criadores assalariados, remunerados para tal fim, impõem limitação a

alguns direitos morais, cuja natureza jurídica é a de direitos da personalidade. Entre essas citem-se o direito de

inédito (art. 24, III da Lei de Direitos Autorais) e o direito de arrependimento (art. 24, VI da mesma lei), em relação

às obras criadas no âmbito do contrato de trabalho, sob pena de esvaziamento de seu conteúdo.

A redação do artigo 20do Código Civil peca pela extensão, o que traz dificuldade para compreendê-lo,

tarefa que se aclara quando se deduz a regra e as exceções. Já nos manifestamos no sentido de que o artigo em

tela deveria terminar nas palavras “indenização que couber”, suprimindo-se inteiramente o restante. Assim, seria

harmônico com a Constituição da República, com a Lei de Direitos Autorais (Lei n. 9.610/98), pois se a palavra

transmitida for do próprio biografado, pode estar ligada a uma criação intelectual, do mesmo modo que a

reprodução da imagem contém o direito de autor do fotógrafo, além da tutela da imagem do fotografado.

Se houvesse tal supressão, o elenco de três exceções seria mais adequado, permitindo-se a utilização de

direitos da personalidade, entre os quais se incluem direitos morais de autor e direitos patrimoniais: se autorizada; se

necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública.

A regra geral do artigo afirma, no entanto, que a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a

publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento:

a) na hipótese de lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade; ou b) se forem destinadas a fins

comerciais.

Só nesses casos a utilização poderia ser proibida, a não ser que: a) o titular consentisse

expressamente (hipótese difícil de ser vislumbrada, notadamente se a utilização atingir-lhe a honra, a boa fama

e a respeitabilidade); ou b) por razões de interesse público da Justiça c) ou manutenção da ordem pública.

A regra coloca restrições aos direitos de personalidade do titular, parecendo permitir, a contrario sensu,

a utilização por parte de terceiros se não configurarem as hipóteses que menciona. Viola a inalienabilidade e a

incessibilidade dos direitos da personalidade, descaracterizando o traço fundamental que subsume os demais:

ser personalíssimo. Essas restrições são inadmissíveis porque afrontam as características dos direitos da

personalidade reconhecidos, sem polêmica, pela doutrina, razão por que a interpretação literal da regra do artigo

não se sustenta. A interpretação sistemática leva a conclusão diversa. Só as razões de interesse público, da

alínea b, justificam a restrição.

Sob outro ângulo, no entanto, conforme explanado em comentário conciso publicado anteriormente,15 o

artigo 20, do Código Civil, com reflexos no artigo 21 merece ser excepcionado por outras razões de interesse

público, como o conhecimento da História, para alcançar biografias e obras que cuidem de pessoas notórias –

15CHINELLATO, Silmara Juny; MACHADO, Antônio Cláudio da Costa (Orgs.). Código Civil Interpretado artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 7. ed. São Paulo: Manole, 2014. 2014. Consulte-se comentário ao artigo 20.

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impropriamente denominadas “pessoas públicas” – cuja trajetória de vida seja relevante para esse conhecimento,

no que se relacione a fatos, passagens e episódios, afastando-se a mera curiosidade por detalhes da vida

privada, intimidade ou segredo que não tenham pertinência com os dados importantes para a História. Nesse

interesse diferenciado, incluem-se não só os personagens da evolução política do país, como os que se

destacaram, pela excelência, nas artes, nos esportes, no exercício de profissões e em outras atividades.

Essa é a discussão que interessa para a adequada interpretação dos artigos 20 e 21do Código Civil

que a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4815 pretende seja considerado inconstitucional.

IV. Liberdade de expressão versus direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.

A alegada censura

Existem fundamentos na Constituição da República que prestigiam o interesse público, bem como a

liberdade de expressão, consagrada como direito e garantia fundamental no inciso IX do art. 5º porém não

ilimitada, considerando outros direitos envolvidos entre os quais os expressamente mencionados nos incisos V e

X do mesmo artigo16, bem como noartigo220.

Nem sempre é fácil resolver o embate entre dois direitos consagrados, tais como os direitos à vida

privada, à intimidade, ao segredo, à honra e à imagem e a liberdade de expressão. A colisão de direitos de tal

natureza deve ser sopesada segundo o princípio da proporcionalidade- tantas vezes invocado nos acórdãos do

Supremo Tribunal Federal e, no mais das vezes, merece ser prestigiado o interesse público – que não se

confunde com mera curiosidade do público, sem, no entanto, prevalência ou hierarquia da liberdade de

expressão, considerada de modo geral e apriorístico.17

Acresça-se que o direito à informação não é absoluto. A Constituição Federal o garante em face do

Estado, completado pelo direito de petição aos órgãos públicos (inciso XXXIII do art. 5.º), mas o direito à

informação relativo a qualquer pessoa encontra maiores limitações. A informação com verdadeiro interesse

público diz respeito, por exemplo a: saúde, segurança, prevenção contra mensagens que abalemou iludam a

confiança do público, destinação de verbas públicas.

Paulo Gustavo Gonet Branco esclarece que a liberdade de expressão tutela,

“ao menos enquanto não houver colisão com outros direitos fundamentais e com outros valores constitucionalmente estabelecidos, toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou sobre qualquer pessoa, envolvendo tema de interesse público, ou não, de importância e de valor, ou não...”18

16“V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.” “X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

17O Enunciado 279 das IV Jornadas de Direito Civil do CEJ da Justiça Federal parece adotar essa prevalência a priori, com a qual não concordamos. “279 – Art. 20: A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.”

18MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. Saraiva, 2011. p. 299.

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Acrescenta que o caráter primordial é de pretensão a que o Estado não exerça a censura que, no texto

constitucional significa “ação governamental, de ordem prévia, centrada sobre o conteúdo da mensagem”.19

Explica que, por se tratar de um típico direito de abstenção do Estado, será exercido, em regra, contra o

Poder Público, enfatizando que a incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares “não se faz

automaticamente, mas deve ser ponderada em cada situação, mediante um balanço dos interesses envolvidos”.20

O autor analisa os limites da liberdade de expressão, tanto previstos pelo legislador, como pela colisão

desse direito com outros que considera do mesmo status. Entre aqueles, as inúmeras ressalvas feitas de modo

expresso no artigo 220. Invoca, ainda, o teste da razoabilidade que deve atender aos critérios que embasam o

princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), todos

exemplificados à luz das decisões do Supremo Tribunal Federal.21 Acresce, ainda, os critérios imanentes como:

mensagens que provoquem reações de violenta quebra da ordem; verificação do contexto em que o discurso é

proferido; inadmissibilidade do “discurso do ódio”.

Continuando seu relevante estudo sobre liberdade de expressão, Paulo Gustavo G. Branco enfatiza que

o veto à censura não significa a inexistência de sanções, citando a opinião de Konrad Hesse, a propósito da Lei

Fundamental alemã, hipótese que também pode ser aplicada, segundo pensamos, ao direito brasileiro.

Em relação à possibilidade de tutela preventiva para obstar uma publicação, por meio do Poder

Judiciário, responde afirmativamente, apoiando-se na opinião de Gilmar Mendes, para quem não teria sentido

proibição para se impedir a lesão, aceitando-se apenas a tutela reparatória, concluindo que nenhum dos dois

direitos pode ser tomado como absoluto, ressaltando sempre a importância do caso concreto para ser submetido

à ponderação do juiz.22

Quanto à divulgação de notícias pondera que nem todas têm interesse público; que o denominado

“homem público” não renuncia, necessariamente a sua privacidade e que não basta a veracidade da notícia sobre

alguém para que se lhe legitime a divulgação. Traz à colação vários acórdãos que limitam a liberdade de

expressão em favor dos retratados.23

No nosso modo de ver, uma boa diretriz, a ser ponderada em cada caso concreto, é expurgar da obra

trechos polêmicos, desnecessários à espinha dorsal, o que poderá contribuir para que ela não seja proibida ou

retirada de circulação.24

A liberdade de expressão e o direito à vida privada, à intimidade, ao segredo e à imagem devem ser

sopesados no caso concreto, não cabendo aludir-se à censura ou censura, termo de conteúdo negativo e

traumático, pelo muito que sofremos no passado, que, ao despertar grande repulsa, desloca o verdadeiro cerne

19MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. op. cit. Na página 301 o autor enfatiza que a liberdade de expressão se dirige, antes, a proibir que o Estado interfira no conteúdo da expressão.

20Id. Ibid. 21Id. Ibid., p. 306. 22Id. Ibid., p. 313-314. 23Id. Ibid., p. 321. Consultem-se, por exemplo, acórdãos mencionados nas notas de fls. 318 a 322. 24Seria essa a melhor solução para o denominado “caso Roberto Carlos”. A biografia escrita por Paulo Cesar Araujo, pesquisador com boa formação, foi publicada e recolhida por ordem judicial, por força de acordo celebrado em ação criminal perante a 20ª Vara de São Paulo. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiroconfirmou os efeitos do acordo, não aceitando o pedido do autor da obra para que a questão fosse revista. Fundada em pesquisa cuidadosa, sem sensacionalismos, não necessitaria ser retirada de circulação, mas apenas sofrer cortes das passagens que o retratado entendeu ferir sua intimidade. Teria, no nosso modo de ver, observado a ponderação entre liberdade de expressão e direito à intimidade.

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do embate e do debate. A censura estatal, sem contraditório, sem apreciação pelo Poder Judiciário, não se

confunde com sopesamento de direitos e garantias fundamentais e direitos da personalidade da mesma

relevância, mesmo quando se referem a pessoas notórias.

V. Liberdade de expressão perante o Supremo Tribunal Federal. Contributo de decisões judiciais para a

formação de parâmetros

O Colendo Supremo Tribunal Federal já enfatizou em várias oportunidades a relevância do caso

concreto, decidindo ora em favor da liberdade de expressão – como na denominada “ADIN do humor“ (Ação

direta de Inconstitucionalidade n. 4451. 2010)– ora em favor dos direitos humanos e direitos da personalidade-

direito à honra e ao respeito, como no caso Elwander (Habeas Corpus n. 82.424- Rio Grande do Sul, de 2003), o

que demonstra não haver a pretensa hierarquia em favor da liberdade de expressão, abstratamente

considerada.

Nesse acórdão, julgado em 17 de setembro de 2003, m.v., a falta de unanimidade se refere a outros

fundamentos, como a discussão a respeito de não caracterizar pertencer a uma raça, ser judeu. Logo, não

incide a imprescritibilidade lastreada no artigo 5.º, inciso XCLII da Constituição da República e no artigo 20 da

Lei 7716/89 com redação da Lei 8081/90, que pune crime de racismo.

Nesse Habeas Corpus há rico debate acerca da liberdade de expressão, anotando-se o item 13 da

ementa que consigna:

“Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta.”

No item 14 registra-se: “As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de

maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (art. 5.º § 2.º, primeira

parte).

Nos eruditos votos, colhemos a afirmação do Ministro Celso de Mello no sentido de que não há direito

de caráter absoluto. Segundo o voto, que cita vários precedentes relatados pelo mesmo Ministro, há limitações

como as de interesse social, sendo necessária a coexistência harmônica das liberdades.

Na rica e extensa análise do Ministro Marco Aurélio, enfatiza-se que o princípio da liberdade de

expressão, bem como os demais que compõem o sistema dos direitos fundamentais, não possui caráter

absoluto, encontrando limites nesses direitos, o que pode ensejar uma colisão de princípios. Frisa a importância

do caso concreto e do princípio da proporcionalidade.

No mesmo sentido, o R. voto do Ministro Gilmar Mendes, no qual anota que não se pode atribuir

primazia absoluta à liberdade de expressão em uma sociedade pluralista, em face de valores outros como os da

igualdade e dignidade humana que é “uma exigência do próprio sistema democrático”.

Enfatiza o Sr. Ministro a importância do princípio da proporcionalidade, devendo aplicar-se as três

máximas: adequação; necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Na denominada “ADINdo humor”- ADIN n. 4.451- ,25 interposta por Associação Brasileira de Emissoras

de Rádio e Televisão – ABERT, o Supremo Tribunal Federal decidiu em favor da liberdade de

25ADIn n. 4.451-MC-REF/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Ayres Britto, j. 02.09.2010, publicado em 01.07.2011.

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expressão,prestigiando os humoristas que seriam muito prejudicados com a aplicação dos incisos II e III do

artigo 45 da Lei n.9504/97. Ao primeiro suspendeu-lhe a eficácia; ao segundo deu-lhe interpretação conforme a

Constituição.

Do R. e bem fundamentado voto do Sr. Ministro Relator, Ayres Britto transcrevemos, com grifos nossos:

“Feitas estas considerações de ordem sumária (dado que sumária é a cognição das coisas em sede de decisão cautelar), tenho que o inciso III do art. 45 da Lei 9.504/97 comporta uma interpretação conforme à Constituição. Diz ele: “ ‘É vedado às emissoras de rádio e televisão veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes”.’

Ora, apenas estar-se-á diante de uma conduta vedada quando a crítica ou matéria jornalísticas venham

a descambar para a propaganda política, passando nitidamente a favorecer uma das partes na disputa eleitoral.

Hipótese a ser avaliada, caso a caso e sempre a posteriori, pelo Poder Judiciário. Sem espaço, portanto, para

qualquer tipo de censura prévia.26

Acentuamos uma vez mais, a importância do caso concreto para exame a posteriori pelo Poder

Judiciário, o que não se confunde com censura. O R. voto deixa bem claro que não se cogita de censura prévia

extrajudicial.

VI. Contributo das decisões judiciais para a formação de parâmetros

A interpretação do Colendo Supremo Tribunal Federal quanto à importância do caso concreto, sem

hierarquia em abstrato, entre liberdade de expressão e outros direitos da personalidade segue as diretrizes de

Tribunais internacionais, entre os quais a Corte Europeia de Direitos do Homem como, por exemplo, no Affaire

von Hannover, anotando-se uma decisão em favor da publicação de fotografias da família de Caroline, do

Principado de Mônaco- porque não se detectou interesse público na divulgação – e outra decisão em favor da

liberdade de expressão e direito à informação porque restou caracterizado esse interesse e não mera

curiosidade. Ambos os casos foram discutidos à luz dos artigos 8.º (direito à vida privada e familiar) e 10º

(liberdade de expressão) da Convenção para proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.

O caso Von Hannover conhecido como 1, julgado em 24.6.2001 (Requête n. 59320/00)27, refere-se à

publicação de fotos de 1993 e 1997 e resultou em decisão favorável à requerente, contrariamente ao que

decidira o Tribunal Constitucional alemão. Conforme consta no inteiro teor do acórdão prolatado no Affaire Von

26Transcrevemos parte do acórdão: “13. Por fim, quanto ao inciso II do art. 45 da Lei 9.504/97, tenho por necessária a suspensão de sua eficácia. É que o dispositivo legal não se volta, propriamente, para aquilo que o TSE vê como imperativo de imparcialidade das emissoras de rádio e televisão. Visa a coibir um estilo peculiar de fazer imprensa: aquele que se utiliza da trucagem, da montagem ou de outros recursos de áudio e vídeo como técnicas de expressão da crítica jornalística, em especial os programas humorísticos. Suspensão de eficácia, claro, que não imuniza tal setor de atividade jornalística quanto à incidência do inciso III do art. 45 da Lei 9.504/97, devidamente interpretado conforme a parte deliberativa desta decisão. 14. Ante o exposto, defiro parcialmente a liminar, ad referendum do Plenário deste Supremo Tribunal Federal, para suspender a eficácia do inciso II do art. 45 da Lei 9.504 /97 e conferir ao inciso III do mesmo dispositivo a seguinte interpretação conforme à Constituição : considera-se conduta vedada, aferida a posteriori pelo Poder Judiciário, a veiculação, por emissora de rádio e televisão, de crítica ou matéria jornalísticas que venham a descambar para a propaganda política, passando, nitidamente, a favorecer uma das partes na disputa eleitoral, de modo a desequilibrar o “princípio da paridade de armas”. Publique-se. Brasília, 26 de agosto de 2010. Ministro AYRES B RITTO Relator.”

27In EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS. Disponível em: <http://www.echr.coe.int/ech>. Acesso em: nov. 2012.

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Hannover x Allemagne (n. 2), Requêtes n. 40660/08 e 60641/08, a decisão da Corte Européia causou grande

inquietação na imprensa alemã.28

O segundo caso, também foi fundamentado no artigo 8,ª da Convenção para proteção dos direitos do

homem e das liberdades fundamentais à luz da liberdade de expressão, prevista no artigo 10.29

A Corte reconheceu margem de apreciação ampla, pelos países, do art. 8.º sobre o qual não há

consenso no âmbito europeu, desde que as autoridades nacionais façam um equilíbrio entre os interesses

públicos e o privados. Intervieram na Reclamação, Associações de jornais e de editores alemães. O longo e

minucioso acórdão ou decisão traz critérios para a fundamentação, informando que não pretende se substituir às

jurisdições nacionais. São eles, quatro, em resumo: 1) contribuição a um debate de interesse geral; 2)

notoriedade da pessoa visada e o objeto da representação, fazendo a seguinte distinção: pessoas privadas e

pessoas que agem em contexto público, estas divididas em personalidades políticas ou pessoas públicas; 3)

comportamento anterior da pessoa retratada; 4) o conteúdo, a forma e as repercussões da publicação, com

exame, inclusive a respeito de eventual consentimento. Acrescenta que a aplicação dos princípios ao caso

concreto levará em conta se o interesse dos leitores é mero divertimento ou tem outra finalidade.

No caso concreto, as fotos foram acompanhadas de reportagem sobre a doença do pai de Caroline,

príncipe Rainier, interessando ao público saber como a família, em férias, em Saint Moritz, se comportava diante

do fato, ligado à história contemporânea. A Corte recusou-se a antecipar decisões sobre fotos futuras, o que é

coerente com sua ênfase ao exame do caso concreto.

O exame da íntegra do acórdão da Corte Européia é um bom exemplo da riqueza de prismas pelos

quais pode ser analisada a questão da privacidade das pessoas notórias, os limites que seriam impostos a seus

direitos da personalidade bem como à liberdade de expressão dos que supõem dela poder dispor

irrestritamente.

Os Tribunais estaduais também têm dado valiosa contribuição para o estudo do embate entre liberdade

de expressão, de um lado, e vida privada, intimidade e imagem, de outro.

Entre nós, herdeiros de ex Presidente da República ingressaram com ação judicial contra a Editora X

fundamentada na publicação não autorizada de parte de seu inédito diário. O pedido abrangeu indenização por

violação à intimidade e direitos autorais patrimoniais e morais pela publicação não autorizada.

O R. acórdão prolatado na Apelação Cível n. 95.250-4/5, da Terceira Câmara de Direito Privado do E.

Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu apenas indenização por violação de direitos morais de autor, por se

tratar de obra inédita. Não reconheceu direito à indenização por ofensa à intimidade, pois verificou-se, no caso

concreto, que os fatos e atos mostrados não eram desairosos ao retratado, autor do diário.30

28FRANÇA. Corte Europeia dos Direitos do Homem. Requerimentos nos. 40660/08 e 60641/08 (Acórdão). Autores: Caroline von Hannover e Príncipe Ernst August von Hannover. Ré: República Federal da Alemanha. Estrasburgo, 7 de fevereiro de 2012. In EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS. Disponível em: <http://www.echr.coe.int/ech>. Acesso em: nov. 2012.

29ARTICLE 8. Droit au respect de la vie privée et familiale 1. Toute personne a droit au respect de sa vie privée et familiale, de son domicile et de sa correspondance. 2. Il ne peut y avoir ingérence d'une autorité publique dans l'exercice de ce droit que pour autant que cette ingérence est prévue par la loi et qu'elle constitue une mesure qui, dans une société démocratique, est nécessaire à la sécurité nationale, à la sûreté publique, au bien-être économique du pays, à la défense de l'ordre et à la prévention des infractions pénales, à la protection de la santé ou de la morale, ou à la protection des droits et libertés d'autrui. In EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS. Disponível em: <http://www.echr.coe.int/ech>. Acesso em: nov. 2011.

30Julgado em 6 de junho de 200, v.u., tendo sido Relator o Desembargador Alfredo Migliore .in RT 782:238-241.

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Em que pese o respeito aos nobres Desembargadores e ao Relator, não nos parece que a

circunstância de alguns fatos da intimidade do Ex-Presidente terem sido divulgados pela imprensa, configurando

invasão de privacidade, possa avalizar e tornar lícita a reprodução deles. Seria a “convalidação do ilícito” por

meio da reiteração do ilícito e do antijurídico.

Questão bastante delicada que merece ponderação é a divulgação de fatos da intimidade da pessoa

notória biografada ou de alguma forma retratada em obra, os quais não guardem pertinência com o motivo pelo

qual se tornou notória ou célebre. A pessoa notória, impropriamente denominada “pessoa pública”, não perde a

privacidade nem a intimidade, sofrendo restrições quanto a fatos ligadas ao interesse público, assim

considerados os relativos à res publica, como o são os agentes políticos, os servidores públicos, no exercício da

função. Res pública que legitima o interesse público não se confunde com o interesse do público, esse sempre

presente nas bisbilhotagens, na curiosidade pela vida alheia.

Interessam os amores de um Governante? A resposta depende de quanto esse relacionamento

interferiu no Governo. Se não interferiu, se não houve aproveitamento de recursos públicos, se não existiu o

denominado “tráfico de influência”, a resposta inclina-se para a não configuração de interesse público. Se, ao

contrário, esse relacionamento interfere no Governo, nas decisões do Governante, há interesse público na

divulgação da biografia.31

Pareceu-nos sensata a diretriz adotada por opção declarada do escritor Ronaldo Costa Couto, em

recente obra dedicada ao ex Presidente Juscelino Kubistchek, que não explora fatos da privacidade do

biografado, que nada interferiram em sua trajetória pública. 32

Há fatos que se relacionam com a res publica, entre os quais aproveitamento indevido de dinheiro

público; atitudes ilícitas no exercício da função (Deputados “pianistas” ao votar um pelo outro que estava

ausente); representante do país em Congresso ou Simpósio, no exterior, que é encontrado em outro local, no

horário em que aquele se realiza.

Não deve ser prestigiado o intuito meramente financeiro do biografado ou de sucessores a obstar

autorização para biografias de pessoas notórias. Se os direitos da personalidade são inalienáveis - entre os

quais a vida privada, a intimidade, o segredo – e se há lesão a eles, não podem ser objeto de transação o que,

em muitos casos é subjacente à negativa de sucessores do retratado ou biografado. É problema que não

desconhecemos e que não merece ser acolhido pelo Poder Judiciário, devendo ser analisado em cada caso

concreto, o que não justifica tornar disponíveis direitos da personalidade - nem direitos patrimoniais e morais de

autor -,a priori, afastando a responsabilidade civil, segundo presumido interesse público na publicação de

biografias de pessoas notórias.

VII. Biografado e titular de direito autoral

Registre-se, desde logo que biografado não é titular de direito autoral, próprio e exclusivo do criador da

obra intelectual, a menos que seja verdadeiro co-autor. Segundo o art. 15 § 1.º da Lei de direito autoral – não é

co-autor quem “simplesmente auxiliou o autor na produção da obra literária, artística ou científica, revendo-a,

31A História aponta a interferência de Madame Pompadour em algumas decisões de Luiz XV, ainda que de modo benéfico, como parece ter ocorrido, quanto à proteção à Arte e aos artistas. A imprensa brasileira aponta casos nacionais, fartamente noticiados.

32COUTO, Ronaldo Costa. O essencial de JK: visão e grandeza, paixão e tristeza. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2013.

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atualizando-a, bem como fiscalizando ou dirigindo sua edição ou apresentação por qualquer meio”.

VIIII-Inafastabilidade da responsabilidade civil

A responsabilidade civil é, desde antes das Leis das XII Tábuas, uma garantia em favor da pessoa

lesada que evoluiu muito no tempo, sempre em favor da vítima, alcançando-se hoje o pleno desenvolvimento

com a tendência de ampliar-se o âmbito da responsabilidade objetiva, também em benefício do lesado, pois

dispensa a prova da culpa.33

Não há atos em responsabilidade, registrando-se inúmeras obras filosóficas e jurídicas que embasam a

afirmação.34

A responsabilidade civil é uma das conquistas da democracia, em lenta mais firme e positiva evolução

durante séculos.

A Constituição da República alude à indenização, consequência da responsabilidade civil, em vários

artigos35 e todos os Códigos Civis dos países cultos assim o fazem.

A divulgação de imagens pode atingir a vida privada, a intimidade e/ou o segredo, resguardadas tanto

pelo inciso X do art. 5.º da Constituição da República, como pelo art. 21 do Código Civil cujo conteúdo não

constou na versão original do Anteprojeto, conforme informado pelo autor da Parte Geral, José Carlos Moreira

Alves.36 Não era intenção do ilustre jurista - um dos maiores entre nós, de ampla e sólida cultura- de início,

tutelar expressamente a vida privada e houve preocupação dele com as biografias, conforme menciona nos

debates travados com Clóvis do Couto e Silva. Frisou, no entanto, a incidência e relevância da responsabilidade

civil.37

Em favor do interesse público ligado à História, tratando-se de pessoa notória cuja trajetória de vida

seja relevante, o parágrafo proposto pelo Projeto de Lei 393/2011 que pretende incluir parágrafo 2.º ao artigo 20

do Código Civil pode ser aceito, pois fica implícita a responsabilidade civil a posteriori. Anteriormente, pareceu-

nos que o parágrafo proposto deveria conter a ressalva de incidência de responsabilidade civil, se houvesse

dano, o que hoje nos parece desnecessária.

Eis o texto: “A mera ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e

informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão

pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade”.

33Sobre a evolução da responsabilidade civil, há inúmera sobras, entre as quais as de Geneviève Viney, como Introduction à la responsabilité. 3. éd. Paris: LGDJ, 2008. (Traité de droit civil, sous la direction de J. Ghestin). Consulte-se, ainda, de Cláudio Luiz Bueno de Godoy. Responsabilidade civil pelo risco da atividade: uma cláusula geral no Código Civil de 2002. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Consulte-se, ainda, nosso artigo Da responsabilidade civil no Código de 2002: aspectos fundamentais. Tendências do direito contemporâneo. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Coords.). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas. Estudos em homenagem ao Professor Ricardo Pereira Lira. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 939-968.

34Entre as obras filosóficas, é muito relevante a de Hans Jonas O princípio da responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão por Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2011.

35Citamos, exemplificativamente, Art. 5º, incisos V e X; art. 6.º, XXVIII; art. 225 § 3.º 36ALVES, José Carlos Moreira. A parte geral do Projeto de Código Civil brasileiro: subsídios históricos para o novo Código Civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.137.

37Id. Ibid., p. 38-40.

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As exceções mencionadas no parágrafo proposto balizariam sua aplicação, com maior ponderação, no

interesse público, a ser visto no caso concreto, sem prejuízo da responsabilidade civil a ser apurada a posteriori.

Assim, a falta de consentimento prévio pode ser admitida, mas jamais poderá afastar, a priori a

responsabilidade civil por eventuais perdas e danos, a serem comprovadas no caso concreto. A dispensa de

autorização prévia não afasta, ainda, a incidência de direitos autorais pela utilização de obras protegidas, como

escritos, fotografias, obras audiovisuais, considerando-se que o parágrafo proposto alude a “escritos e imagens”.

A falta de autorização não excluirá eventual indenização pelos excessos cometidos, com fundamento

nos artigos 186 e 187 do Código Civil, a depender da análise do caso concreto, o que ocorreria, por exemplo, se

os fatos explorados pela biografia, mesmo verdadeiros ou verossímeis, não tivessem pertinência com os

aspectos da vida do biografado que fundamentam sua notoriedade ou relevância.

Em muitas hipóteses, há interesses de editoras e empresas de radiodifusão em divulgar obras

originárias ou derivadas que tenham por objeto a vida privada de pessoa notória, para atender a compreensível

objetivo empresarial e satisfazer à curiosidade do público, o que nem sempre se confunde com interesse

público. A generalidade da permissão a priori peca pelo excesso, a pressupor que toda pessoa notória ficará

restrita quanto a impedir a divulgação de imagens e/ou escritos e/ou informações com finalidade biográfica.

A tutela é preventiva também e não só a posteriori, para se converter em indenização como se

pretende, o que não se coaduna com a defesa da pessoa humana.

Dispõe o art. 5.º, -IX: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,

independentemente de censura ou licença;”

Por sua vez, o inciso X dispõe:

“X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

Esse inciso é amplo. Refere-se a qualquer hipótese e não só à lesão que advenha da liberdade de

expressão. É uma garantia constitucional quanto à indenização por danos, já consagrada pelo Código Civil de

todos os países.

Não afasta a tutela preventiva garantida na amplitude do inciso XXXV do art. 5.º da Constituição da

República, no Código de Processo Civil e legislação extravagante, por meio das medidas adequadas:

cautelares, com liminar; tutela antecipada; mandado de segurança com liminar (quando o lesante, for Poder

Público).

Só por meio de legislação expressa seria possível negar-se a tutela preventiva à lesão, à intimidade, à

vida privada, à honra e imagem. A tese da inaplicabilidade da tutela preventiva a direitos da personalidade, em

confronto com a liberdade de expressão – que não tem prioridade em relação àquelas – configuraria

inadmissível exceção à inafastabilidade da tutela jurisdicional a todo ato ou ameaça, consagrado no inciso XXXV

do artigo 5.º da Constituição da República.

Parece-nos inócuo e inepto o PL 393-C/2001, aprovado pela Câmara dos Deputados em 6 de maio de

2014, para afastar a tutela preventiva (instrumentos processuais: tutela antecipada; medidas cautelares com

liminar) objetivando suspensão de circulação de biografias que possam ofender a honra, intimidade e segredo

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do biografado. Essa tutela visa ao exame pelo Poder Judiciário para conhecer e conceder o pedido

liminarmente, sujeito ao contraditório, sempre com a possibilidade de revogação da liminar, se concedida.

O Projeto de Lei dispõe que o ofendido pode se socorrer do juizado especial, que é mais célere, para

pedir “a exclusão de trecho que lhe for ofensivo em edição futura da obra, sem prejuízo da indenização e da

ação penal pertinentes, sujeitas essas ao procedimento próprio”.

A exclusão em edição futura importa em grave dano a direito da personalidade do biografado. Se a

obra já foi divulgada com a agravante da rapidez dos meios de comunicação, o dano já terá sido consumado.

Direitos da personalidade não são reparáveis, mas meramente compensáveis.

Relembre-se, ainda, que essa lei não pode afrontar a Constituição da República que não excepciona

qualquer hipótese da tutela jurisdicional ampla: preventiva ou depois de consumado o dano.

Conclusões

1. Quer sejam considerados liberdades públicas, quer como direitos da personalidade, não há

hierarquia, em abstrato, entre liberdade de expressão (artigo 5.º,inc. IX da Constituição da República), de um

lado, e direito à vida privada, à intimidade, ao segredo, à imagem, também consagrados no mesmo artigo 5.º,

inciso X, igualmente prestigiados nos limites impostos pelo § 1.º do artigo 220 da mesma Constituição, ao tratar

da comunicação social.

2. Não cabe a definição apriorística de dano não indenizável ao se interpretara colisão entre liberdade

de expressão e direitos da personalidade, à luz da Constituição e dos artigos 20 e 21 do Código Civil.

3. Não há relação de causa e efeito entre autorização para biografia e isenção de responsabilidade

civil, bem como entre falta de autorização para biografia e existência de dano fundado em responsabilidade civil.

Não há essa relação de causa e efeito.

4. Não pode a lei nem interpretação jurisprudencial consignar expressa ou implicitamente a

inexistência de responsabilidade civil considerando a natureza da obra, como no caso das biografias.

5. Salvo na hipótese de concordância expressa do biografado ou retratado, à vista do inteiro teor da

obra, a responsabilidade civil existirá sempre, em tese, com ou sem consentimento do biografado por força dos

artigos 186 e 187 do Código Civil que acolheu a responsabilidade civil subjetiva, fundada na culpa.

6. Quando se cuida de pessoas notórias cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha

dimensão pública ou estejam inseridas em acontecimentos de interesse da coletividade, da História, a

interpretação dos artigos 20 e 21 do Código Civil à luz da Constituição da República, sopesados com a liberdade

de expressão, dispensa a autorização prévia para biografias e obras similares, mas não afasta a

responsabilidade civil, se houver dano patrimonial e/ou moral. Enfatiza-se, assim, a relevância do caso concreto

e da apreciação pelo Poder Judiciário.

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Referências

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FRANÇA, Rubens Limongi. Direitos da personalidade: coordenadas fundamentais. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 72, n. 567, p. 9-16, jan. 1983.

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JABUR, Gilberto Haddad. Questões controvertidas no novo Código Civil. Coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves. São Paulo: Método, 2003.

JONAS, Hans. O princípio da responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão por Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2011.

MENDES, Gilmar Ferreira. Colisão de direitos fundamentais. Liberdade de expressão e de comunicação e direito à honra e à imagem. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 31, n. 122, p. 297-302, abr./jun. 1994.

______; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. Saraiva, 2011.

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. São Paulo. OAB SP participa de audiência pública no STF sobre biografias. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/noticias/2013/11/21/oab-sp-participa-de-audiencia-publica-no-stf-sobre-biografias>.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>.

VINEY, Geneviève. Introduction à la responsabilité. 3. éd. Paris: LGDJ, 2008. (Traité de droit civil, sous la direction de J. Ghestin).

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ANEXO

Texto da apresentação na Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal

realizada em 21 de novembro de 2013

Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4815 (biografias não autorizadas)

Audiência Pública realizada no dia 21 de novembro de 2013, no Supremo Tribunal Federal38

Silmara Juny de Abreu Chinellato

Professora Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Membro da Comissão de Direito Autoral e da Comissão de Direito do Entretenimento da OAB-SP

Excelentíssimas Senhoras Ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber, excelentíssimo Sr. Sub Procurador

da República, ilustres colegas, senhores e senhoras.

Inicialmente agradecemos à Excelentíssima Sra. Ministra Carmen Lúcia por ter deferido nossa inscrição

para este importante debate, no qual temos a honra de representar a Ordem dos Advogados do Brasil- Secção

de São Paulo –Comissão de Direito Autoral, tendo sido indicada também pelo Instituto dos Advogados de São

Paulo.

Enfatizamos nosso respeito aos autores, criadores intelectuais, que temos defendido vigorosamente ao

longo de nossa trajetória como Professora Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, na

regência das disciplinas Direito Civil e Direito de autor.

O Código Civil de 2002 consagra direitos da personalidade, inalienáveis, que se referem à própria

pessoa do sujeito, bem como a suas projeções e prolongamentos, uma conquista em defesa da pessoa

humana, o que encontra pleno respaldo no princípio de sua dignidade, consagrado pelo artigo 1.º, inciso III da

Constituição da República, conceito que embora banalizado, aqui é plenamente oportuno.

Os direitos da personalidade há muito são reconhecidos pela Doutrina e pela Jurisprudência, inclusive

do Supremo Tribunal Federal, ambos forma de expressão do Direito, entre os quais, em rol não taxativo, o

direito à vida privada, à intimidade, ao segredo (círculos concêntricos), à imagem, à honra, à boa fama e à

respeitabilidade.

38Nota da Autora: segundoa regra da Audiência Pública realizada no dia 21.11.2013, no Supremo Tribunal Federal, com início às 9 horas, cada orador convidado dispunha de apenas quinze minutos para a apresentação. Assim, algumas palavras e citaçõesde lei foram suprimidas para caber no tempo rigorosamente seguido. Nenhum item, no entanto, deixou de ser expressamente mencionado. A íntegra da apresentação encontra-se na internet, na página do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. A manifestação escrita encontra-se em: ADIn 4.815. Professora da USP se manifesta sobre autorização prévia das biografias. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI191187,81042-Professora+da+USP+se+manifesta+sobre+autorizacao+previa+das+biografias>. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. São Paulo. OAB SP participa de audiência pública no STF sobre biografias. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/noticias/2013/11/21/oab-sp-participa-de-audiencia-publica-no-stf-sobre-biografias>.

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1. Quer sejam considerados liberdades públicas, quer como direitos da personalidade, não há

hierarquia, em abstrato, entre liberdade de expressão (artigo5.º,inc. IX da Constituição da República),

de um lado, e direito à vida privada, à intimidade, ao segredo, à imagem, também consagrados no

mesmoartigo5.º, inciso X, igualmente prestigiados nos limites impostos pelo § 1.º do artigo 220 da

mesma Constituição, ao tratar da comunicação social.

2. O Colendo Supremo Tribunal Federal já enfatizouem várias oportunidades a relevância do caso

concreto, decidindo ora em favor da liberdade de expressão – como na denominada ADIN do humor

(Ação direta de Inconstitucionalidade n. 4451, 2010)– ora em favor dos direitos humanos e direitos da

personalidade- direito à honra e ao respeito, como no caso Elwander (Habeas Corpus n. 82.424- Rio

Grande do Sul, de 2003), o que demonstra não haver a pretensa hierarquia em favor da liberdade de

expressão, abstratamente considerada.

Nesse Habeas Corpus há rico debate acerca da liberdade de expressão, anotando-se o item 13 da

ementa que consigna:

“Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta.”

No item 14 registra-se: “As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de

maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF art. 5.º § 2.º, primeira

parte). Noseruditos votos, colhemosa afirmação do Ministro Celso de Mello no sentido de que não há direito de

caráter absoluto. Há limitações como as de interesse social, sendo necessária a coexistência harmônica das

liberdades. No mesmo sentido, o R. voto do Ministro Gilmar Mendes, no qual anota que não se pode atribuir

primazia absoluta à liberdade de expressão em uma sociedade pluralista, em face de valores outros como os da

igualdade e dignidade humana que é “uma exigência do próprio sistema democrático”.Enfatiza oSr. Ministro a

importância do princípio da proporcionalidade, devendo aplicar-se as três máximas: adequação; necessidade e

proporcionalidade em sentido estrito.

Na rica análise do Ministro Marco Aurélio enfatiza-se que o princípio da liberdade de expressão, como

os demais que compõem o sistema dos direitos fundamentais, não possui caráter absoluto, encontrando limites

nesses direitos, o que pode ensejar uma colisão de princípios. Frisa a importância do caso concreto e do

princípio da proporcionalidade.

3. A interpretação do Colendo Supremo Tribunal Federal quanto à importância do caso concreto, sem

hierarquia em abstrato, entre liberdade de expressão e outros direitos da personalidadesegue as

diretrizes de Tribunais internacionais, entre os quais a Corte Europeia de Direitos do Homem como,

por exemplo no Affaire von Hannover, anotando-se uma decisão em favor da publicação de

fotografias da famíliade Caroline, do Principado de Mônaco- porque não se detectou interesse público

na divulgação – e outra decisão em favor da liberdade de expressão e direito à informação porque

restou caracterizado esse interessee não mera curiosidade. Ambos os casos foram discutidos à luz

dos artigos 8.º (direito à vida privada e familiar, entre outros) e 10º (liberdade de expressão) da

Convenção para proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.

4. A liberdade de expressão e o direito à vida privada, à intimidade, ao segredo e à imagem devem ser

sopesados no caso concreto, não cabendo aludir-se à censura ou censura privada, termo de

conteúdo negativo e traumático, pelo muito que sofremos no passado, que, ao despertar grande

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repulsa, desloca o verdadeiro cerne do embate e do debate. A censura estatal, sem contraditório, sem

apreciação pelo Poder Judiciário, não se confunde com sopesamento de direitos e garantias

fundamentais e direitos da personalidade da mesma relevância, mesmo quando se referem a pessoas

notórias.

5. Em relação a elas, há exceções a serem observadas, respeitados os princípios da

proporcionalidade e da razoabilidade sempre, sendo necessário fazer-se distinção entre interesse

público e mera curiosidade do público, tarefa nem sempre fácil, mas desafio a ser enfrentado

casuisticamente.

6. Há necessidade de se enfatizar que a responsabilidade civil é uma conquista democrática dos

países cultos, em lenta mas firme e positiva evolução durante séculos, que não poderá ser

apartadaem qualquer caso, sob pena deviolar-se o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional

à lesão ou ameaça a direito, conforme inciso XXXV (35) do artigo 5.º da Constituição Federal. Tutela

preventiva e compensatória.

7. Não háatosem responsabilidade, existindo inúmeras obras filosóficas, como as de Hans Jonas, e

jurídicas – como as diversas francesas - que embasam a afirmação.

A Constituição da República alude à indenização, consequência da responsabilidade civil, em vários

artigos- como, por exemplo, no Art. 5º, incisos V e X; art. 6.º, XXVIII (28); art. 225 § 3.º-e todos os Códigos Civis

dos países cultos assim o fazem.

8. A divulgação de imagens pode atingir a vida privada, a intimidade e/ou o segredo, resguardados

tanto pelo inciso X do art. 5.º da Constituição da República, como pelos artigos 20 e 21 do Código

Civil. O mesmo se diga quanto à divulgação ampla e irrestrita de fatos, mesmo verdadeiros, que não

guardem pertinência como o motivoda notoriedade ou com o interesse público ligado à História.

9. Não nos parece que o artigo 20 do CCexija autorização prévia para obra biográfica. Ao consignar

“salvo se autorizadas”, entre outros casos, o legislador civil da mais alta respeitabilidade, um dos

maiores juristas brasileiros de todos os tempos, avaliza a hipótese lógica que dá maior resguardo ao

biógrafo quanto à responsabilidade civil que a R. petição inicial pretende afastar (conforme n.s 38 a

41). Ressalve-se que, mesmo quando houver consentimento, se a autorização não tiver sido dada à

vista do inteiro teor da obra, poderá ensejar responsabilidade civil se houver dano, (grifamos), pois

não há responsabilidade civil sem dano.

10. Uma vez que não há necessidade inafastável de autorização prévia para biografias, ressalvada a

responsabilidade civil, pois essa parece ser a interpretação sistemática do Código, o R. Projeto de Lei

n.393/2011 seria justificável para aclarar essa interpretação, mas não poderá afastar a incidência de

responsabilidade, se houver dano. Uma vez que o Projeto de Lei não é objeto do debate em tela,

deixamosde examiná-lo com maior profundidade, ressalvando que a redação proposta, por sua

generalidade, pode ensejar violação de direitos autorais de terceiros, que não se confundem com os

do biógrafo.

Registre-se, desde logo que biografado não é titular de direito autoral, próprio e exclusivo do criador da

obra intelectual, a menos que seja verdadeiro co-autor. Segundo o art. 15 § 1.º da Lei de direito autoral – não é

co autor quem “simplesmente auxiliou o autor na produção da obra literária, artística ou científica, revendo-a,

atualizando-a, bem como fiscalizando ou dirigindo sua edição ou apresentação por qualquer meio”.

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11. A falta de autorização não excluirá eventual indenização pelos excessos cometidos, com

fundamento nos artigos186e 187 do Código Civil, a ser analisado no caso concreto, o que ocorreria,

por exemplo, se os fatos explorados pela biografia não tivessem pertinência com os aspectos da vida

do biografado que fundamentam sua notoriedade ou relevância. Há fatos que, mesmo verdadeiros,

não interessam ao cerne da biografia, ao interesse público, à necessária História da, a menos que

tenham ligação com a res publica ou com o próprio motivo da notoriedade.

12. Em muitas hipóteses, há interesses meramente empresariais em divulgar obras originárias ou

derivadas que tenham por objeto a vida privada de pessoa notória, para atender a compreensível

objetivo econômico e satisfazer à curiosidade do público, o que nem sempre se confunde com

interesse público.

13. A generalidade da permissão a priori pecaria pelo excesso, a pressupor que toda pessoa notória

não poderia impedir a divulgação de imagens e/ou escritos e/ou informações com finalidade

biográfica.

14. A razão ou motivo da notoriedade e os fatos a ela ligados é uma boa diretriz para balizamento do

conteúdo da biografia, mas somente o caso concreto é que dará a medida certa para a análise da

ponderação entre liberdade de expressão e os outros direitos da personalidade, incidindo a

responsabilidade civil se houver danos materiais e/ou morais.

Impedir a publicação ou retirar de circulação uma obra publicada depende do exame do caso concreto,

pelo Poder Judiciário. Preferível é expurgar os trechos considerados ofensivos à intimidade ou honra do

interessado, o que melhor atende ao sopesamento dos direitos envolvidos.

15. O intuito meramente financeiro a obstar autorização para biografias de pessoas notórias não deve

ser prestigiado. Se os direitos da personalidade são inalienáveis - entre os quais a vida privada, a

intimidade, o segredo – e se há lesão a eles, não podem ser objeto de transação o que, em muitos

casos é subjacente à negativa de sucessores do retratado ou biografado. É problema que não

desconhecemos e que não merece ser prestigiado pelo Poder Judiciário, devendo ser analisado em

cada caso concreto, o que não justifica tornar disponíveis direitos da personalidade - nem direitos

patrimoniais e morais de autor -,a priori, afastando a responsabilidade civil, segundo presumido

interesse público na publicação de biografias de pessoas notórias.

16. A hipótese não se enquadra no rol das exceções do artigo188 do Código Civil e não há justificativa

para se reconhecer uma espécie de “cheque em branco”, “ilha de imunidade” para os autores de

biografias de pessoa notória, ou obra similar a elas. Ao contrário, a delicadeza dos direitos da

personalidade e a irreparabilidade de eventuais danos, meramente compensáveis, reclamam cautela.

17. Com tais considerações acerca da relevância da responsabilidade civil, no nosso modo de ver:

17.1. Não cabe a definição apriorística de dano não indenizável ao se interpretara colisão entre

liberdade de expressão e direitos da personalidade, à luz da Constituição e dos artigos 20 e 21 do

Código Civil.

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Queremos enfatizar que

17.2. Não há relação de causa e efeito entre autorização para biografia e isenção de

responsabilidade civil, bem como entre falta de autorização para biografia e existência de dano

fundado em responsabilidade civil. Não há essa relação de causa e efeito.

17.3. Não pode a lei nem interpretação jurisprudencial consignar expressa ou implicitamente a

inexistência de responsabilidade civil considerando a natureza da obra, como no caso das biografias.

17.4. Salvo na hipótese de concordância expressa do biografado ou retratado, à vista do inteiro teor da

obra, a responsabilidade civil existirá sempre, em tese, com ou sem consentimento do biografado por

força dos artigos186 e 187 do Código Civil que acolheu a responsabilidade civil subjetiva, fundada na

culpa.

17.5. Quando se cuida de pessoas notórias cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha

dimensão pública ou estejam inseridas em acontecimentos de interesse da coletividade,da História,a

interpretação dos artigos 20 e 21 do Código Civil à luz da Constituição da República, sopesados com

a liberdade de expressão, dispensa a autorização prévia para biografias e obras similares, mas não

afasta a responsabilidade civil, se houver dano patrimonial e/ou moral. Enfatiza-se, assim, a

relevância do caso concreto e da apreciação pelo Poder Judiciário.

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RESPONSABILIDADE CIVIL PELO RISCO DA ATIVIDADE E O NEXO DE IMPUTAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR: REFLEXÕES PARA UM COLÓQUIO BRASIL-PORTUGAL

Claudio Luiz Bueno de Godoy∗

Sumário: 1. Introdução. 2. A disposição da matéria no direito português. 3. Uma interpretação evolutiva dos sistemas subjetivos: da presunção de culpa ao risco. 4. A disposição da matéria no Código Civil brasileiro e o seu confronto com o sistema português. 5. O nexo de imputação da responsabilidade objetiva do art. 927, par. único, do CC brasileiro. Referências

1. Introdução

Parece convir afinal a um colóquio Brasil-Portugal que, a tratar do tema da responsabilidade civil pelo

risco da atividade, se estabeleça um paralelo entre os sistemas dos dois Países e mesmo um confronto entre o

tratamento legal que ambos os Códigos Civis reservam à matéria, o do artigo 927, parágrafo único, no caso

brasileiro, e o do artigo 493º/2, no português. Impende sejam definidos pontos de contato, mas, ao revés,

também de separação da disciplina normativa do tema, especialmente a respeito do próprio nexo de imputação

da obrigação de ressarcir imposta ao agente. Tal o que permite, inclusive, encontrar eixos de interpretação ou,

antes, de compreensão de previsão positiva que, no direito brasileiro, ainda é nova e reclama, bem por isso, longo

tempo de maturação, a fim de que se construa um conteúdo para a cláusula geral em que, a rigor, se constitui.

Insista-se, isto quer a partir das semelhanças, mas também a partir das diferenças entre os dois sistemas.

Ademais, nem cabe olvidar a maior ancianidade da experiência portuguesa – tanto quanto da italiana,

igualmente influente à atual codificação brasileira – no trato das hipóteses de responsabilidade civil pelo

exercício de atividade que, na disposição do Código lusitano de 1966, seja perigosa (tal como no artigo 2050 do

CC italiano de 1942), campo fértil a que dele se retirem matizes de possível penetração no trabalho ainda a

desenvolver acerca do exato elastério do artigo 927, parágrafo único, do CC/02 e da cláusula geral de

responsabilidade pelo risco da atividade nele consubstanciada.

2. A disposição da matéria no Código Civil português

Segundo a previsão do artigo 493º/2, do CC português, “quem causar danos a outrem no exercício de

uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-

los”, ressalvando, porém, que “exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas

circunstâncias com o fim de os prevenir.”

Esta ressalva final traduz real prova liberatória facultada ao agente e coloca a responsabilidade pelo

exercício de atividade perigosa no âmbito, ainda, da responsabilidade subjetiva, posto que mediante presunção,

mas relativa, de culpa. Não por outro motivo o preceito citado, note-se, se põe em meio à Subseção I da Seção

V, contida no Capítulo II (Fontes) do Livro do Direito das Obrigações(o segundo). É dizer que o dispositivo está

inserido entre os casos de responsabilidade civil por fatos ilícitos, portanto não entre os casos de

∗Professor Livre Docente do Departamento de Direito Civil da Faculdadede Direito da Universidade de São Paulo.

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responsabilidade civil pelo risco, a que se destinam os artigos 499º/510º, que dão conteúdo à Subseção II e

cuidam da situação dos comitentes, do Estado e outras pessoas coletivas públicas, de quem se utiliza de

animais ou tem veículo de circulação terrestre sob sua direção, bem assim de quem tem a direção efetiva de

instalação destinada à condução ou entrega de energia elétrica ou gás. Portanto, casos de responsabilidade, aí

sim, objetiva, pelos danos resultantes de atos do comissário, do desempenho de atividade estatal, de fato do

animal, de acidentes de veículos ou causados por instalações de energia elétrica ou gás.

A lógica própria da organização desta matéria no sistema civil português atendeu à regra geral que se

manteve a da culpa enquanto nexo de imputação da obrigação de indenizar e reservou à responsabilidade

objetiva, pelo risco, apenas um campo exceptivo, dependente de previsão expressa1. A propósito, de se ter

presente a disposição do artigo 483º, que remete a um explicitado princípio geral segundo o qual “aquele que,

com dolo ou culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger

interesses alheios fica obrigado a indenizar o lesado pelos danos resultantes da violação.” (483º/1). Mais,

cuidou-se ainda de ressalvar que “só existe obrigação de indenizar independentemente de culpa nos casos

especificados em lei.” (483º/2). Pois neste contexto subjetivo se disciplinou o exercício de atividades perigosas e

a responsabilidade pelos danos daí decorrentes.

Calvão da Silva, tratando do assunto, depois de reiterar, para o direito posto português, o princípio geral

da responsabilidade subjetiva, na sua visão calcado na concepção de homem livre e responsável, que não deve

causar danos a outrem, menciona como que escapes aos quais se conforma, justamente, e dentre outros, o

caso da responsabilidade civil pelo exercício de atividades perigosas. Para o autor, tem-se hipótese que não é

ainda de responsabilidade sem culpa, mas por culpa presumida, de modo relativo, do agente. De qualquer

maneira, salienta que o direito português não conheceu, em seu Código, uma cláusula geral de responsabilidade

objetiva pelo “risco especial” ou pelo “alto risco”2.Bem ao revés, precisamente, do que dispôs o CC brasileiro,

como se verá.

De qualquer maneira, colhe-se da disposição da matéria no sistema português que a periculosidade

não sustenta, de per si, a obrigação indenizatória do agente. A clara topografia do artigo 493º/2 e a ressalva final

à prova liberatória evidenciam uma opção diversa, ainda atrelada à culpa, posto que presumida. Na justa

lembrança de Fernando Pessoa Jorge, a periculosidade pode até, no direito lusitano, ser fundamento da

obrigação de indenizar, objetivamente tomada, pelo risco, porém tão somente quando a lei o diga

expressamente, tal como, no seu exemplo, se levou ao texto dos artigos 502º e seguintes do CC3. Ainda

segundo o autor, fora desses casos, e mesmo nas hipóteses de danos resultantes do exercício de atividades

perigosas, torna-se à regra geral da culpa, se bem que, para a específica situação do artigo 493º/2, presumida,

e de modo relativo porque ao agente se faculta a prova liberatória, na sua visão a prova de que agiu com

diligência, empregando as providências exigidas pelas circunstâncias para o fim de prevenir os danos4.

Nada obstante, ainda assim é sintomática a preocupação do legislador português em erigir hipótese

agravada, malgrado subjetiva, de responsabilidade civil. E, cabe acrescentar, o que se revela não apenas pela

previsão já de uma culpa presumida do agente. Com efeito, outro fator importante, cuja menção importa

inclusive ao desenvolvimento do item seguinte,porque diz precisamente com a extensão das matérias

defensivas articuláveis pelo ofensor, foco potencial do afastamento da sua obrigação de indenizar, traduz sinal

1Por todos: ALMEIDA COSTA, Mário Júlio. Direito das obrigações. 7. ed. reimp. Coimbra: Almedina, 1999. v. 1. p. 635-636. 2SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor. Reimpr. Coimbra: Almedina, 1999. p. 359-376. 3PESSOA JORGE, Fernando. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 1999. p. 88. 4Id. Ibid.

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indicativo de como se deve compreender – de modo mais rigoroso – a responsabilidade civil pelo exercício de

atividades perigosas. Quer-se referir o problema da ocasional relevância negativa da causa virtual.

Veja-se que, no CC português, antes do caso das atividades perigosas, outras hipóteses de presunção

de culpa são disciplinadas, assim a partir do artigo 491º. E, em todas elas, evidencia-se a relevância negativa da

causa também chamada hipotética, a causa virtual. Assim que a responsabilidade das “pessoas obrigadas à

vigilância de outrem” se exclui “se mostrarem quecumpriram seu dever de vigilância ou queos danos se teriam

produzido ainda que o tivessem cumprido”; a responsabilidade do proprietário ou possuidor do edifício que ruir

se elide “se provar que não houve culpa de sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam

evitado os danos”; a responsabilidade de quem tiver em seu poder coisas ou animais a que se liguem os danos

causados se afasta “se provar que nenhuma culpa houve de sua parte ou que os danos se teriam igualmente

produzido ainda que não houvesse culpa sua.”

Pois nada semelhante se previu no artigo 493º/2. A despeito da prova liberatória, isto é, da eximente

que está na demonstração do emprego, pelo agente, de todas as providências exigidas pelas circunstâncias

com o fim de prevenir os danos, não se acrescentou que a responsabilidade se afastaria mediante a prova de

que, mesmo empreendidas estas medidas acautelatórias, de qualquer maneira eles, os danos, se produziriam,

assim que por outra causa, justamente a causa virtual. Dito em diversos termos, para as atividades perigosas,

no sistema português, não há relevância negativa da causa virtual ou hipotética5.

A constatação, como se disse, releva para se ter a exata noção do tratamento diferenciado, e mais

rigoroso, da presunção de culpa de quem exerce atividade perigosa, no Código português, tanto quanto não

deixa de concorrer à interpretação da justa extensão da excludente desta responsabilidade e da própria

evolução da sua compreensão. Tal como se verá, agora, no item que segue.

3. Uma interpretação evolutiva dos sistemas subjetivos: da presunção de culpa ao risco

Certo, consoante se vem de examinar, que, por si, sistemas como o português e, igualmente, o italiano,

quando estabelecem uma presunção de culpa afeta a quem exerce uma atividade, na dicção de sua lei,

perigosa, já agravam a responsabilidade do agente, no mínimo por dispensar a vítima de comprovar a culpa do

ofensor, insista-se, porque presumida, posto que de modo relativo. Contudo, possível identificar uma interpretação

que se pode dizer evolutiva da disciplina e que, sem dúvida, acaba aproximando estes sistemas de outros, adiante-

se, como o brasileiro, nos quais a responsabilidade, em hipóteses análogas, é desenganadamente objetiva,

portanto independente de culpa, de tal sorte a afastar, pois, a possibilidade da prova liberatória.

A constatação básica a este respeito, de um lado, está em que, conforme a atividade desenvolvida, a

periculosidade a ela inerente não se afasta por medidas preventivas que sejam possíveis; de outro, mesmo

tomadas todas as providências acautelatórias, se afinal o dano ainda assim se produz, e não deriva de causa

outra estranha e de rompimento do nexo causal, então se evidencia a insuficiência daquelas mesmas

providências.

5V., a respeito: ANTUNES VARELLA, João de Matos. Das obrigações em geral. 10. ed. Coimbra: Almedina, 2000. v. 1, p. 617. Ainda em passagem anterior, categórica a asserção do autor, quando comenta os artigos 493º/2 do CC: “afasta-seindirecta, mas concludentemente, a possibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa, mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas providências.” (Id. Ibid., p. 595). No mesmo sentido: FARIA, Jorge Leite Areais Ribeiro de. Direito das obrigações. Coimbra: Almedina, 1990. v. 1, p. 480.

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Tratei do assunto em outra sede e, na ocasião, tive oportunidade de descrever processo de

interpretação evolutiva própria de sistemas em que a responsabilidade pelo exercício de atividades perigosas foi

disciplinada na lei sob a perspectiva da presunção de culpa6. Isto a partir, primeiro, de uma tendência em avaliar

a própria prova liberatória de maneira mais rigorosa, assim que apreciada objetivamente, destarte não vinculada

à situação específica do ofensor7 e à luz do que se veio a considerar ser uma diligência profissional qualificada,

portanto mais aguda8.

Contudo, indo além, chegou-se mesmo a equiparar a prova liberatória à verdadeira ocorrência de um

fortuito, malgrado não sem discussão9, mas o que, convenha-se, acaba retirando a discussão do plano tão

somente da não-culpa e, verdadeiramente, tornando objetiva a responsabilidade de que se agita.

Depois, também retomado, para a hipótese em exame, raciocínio semelhante àquele desenvolvido para

outras situações de presunção de culpa, particularmente a do dono ou detentor do animal por danos que ele

tenha provocado. De resto o que representou mesmo uma tendência no próprio direito brasileiro, quando ainda

vigente o artigo 1.527 do Código de 1.916. Com efeito, consoante lá se estabelecia, o dono ou detentor do

animal deveria ressarcir o dano por este causado se não provasse, entre outras causas verdadeiramente de

rompimento do nexo causal, “que o guardava e vigiava com cuidado preciso.” Ora, se o nexo de imputação

estava na culpa, posto que presumida, assim na guarda e vigilância do animal, então se tratava, ainda ali, de

facultar prova liberatória, a prova da não-culpa. Exatamente como no caso em estudo, do direito luso.

Todavia, bem certo que a interpretação do preceito evoluiu para nele se entrever uma responsabilidade

somente elidível pelas excludentes comuns de quebra do nexo, ao pressuposto de que, se o dano ocorreu, e

não por fortuito ou culpa da vítima, então foi decerto porque o dono ou detentor não guardava ou vigiava o

animal com o cuidado preciso10. Aliás, intepretação que se veio a consolidar na atual redação do artigo 936 do

atual Código brasileiro, de 2002, alusiva a uma responsabilidade objetiva, afastada por culpa da vítima ou força

maior; e, cabe o acréscimo, que se deverá ainda desenvolver para aplicação do artigo 937, contemplativo da

responsabilidade por dano infecto e persistente na previsão – ainda que a contrario – de prova liberatória,

consubstanciada na demonstração, pelo dono da construção, de que os danos provieram da falta de reparos

cuja necessidade não era manifesta. Ou seja, será admitir que se os danos ocorreram, e não por fortuito ou

culpa da vítima, foi porque havia necessidade manifesta de reparos. A rigor, de novo uma hipótese que se há de

compreender como objetiva.

Mas, a bem dizer, igual construção a respeito da responsabilidade do dono do animal, já muito antes,

se havia laborado, por exemplo, na França, sistema, como é sabido, pródigo na instituição de casos de

presunção de culpa. Conforme noticiam GenevièveViney, Patrice Jourdain e Suzanne Carval, já em 1885 a

6GODOY, Claudio Luiz Bueno. Responsabilidade civil pelo risco da atividade. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 60-62. 7Por todos: TRIMARCHI, Pietro. Rischio e responsabilità oggettiva. Milano: Giuffrè, 1961. p. 48-49 e 270. 8Vale conferir, a respeito, a remissão jurisprudencial a que, na Itália, procede: B BIANCA, Massimo. Diritto civile: la responsabilità. Milano: Giuffrè, 1994. v. 5, p. 709-710. O autor refere o que considera ser “unimpegnoprofessionalequalitificato”.

9Para um escorço a propósito da discussão, ver: COMPORTI, Marco. Esposizione al pericolo e responsabilità civile. Napoli: Morano, 1965. p. 266.

10Para um escorço deste processo evolutivo no direito brasileiro, ver: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 107-110. No sentido exposto no texto, colhe-se, ainda, da jurisprudência precedente ao atual CC: “O ´cuidado preciso` referido no inciso I do artigo 1.527 do CC não é o cuidado normal, mas o necessário para que não ocorra o dano. Se há o dano é porque o dono do animal não o vigiou com o cuidado preciso, tornando inócuo e supérfluo o aludido incido, sendo, portanto, despicienda a oitiva de testemunhas para demonstrar o mencionado cuidado.” (1º TAC-SP, Apciv., 6ª Cam., rel. Carlos Roberto Gonçalves, in RT 641/182).

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Corte de Cassação francesa, embora aludindo a uma presunção de culpa, a rigor deliberou-a absoluta,

porquanto impediu o dono de, a escusar-se de responsabilidade, alegar sua não culpa, destarte somente isento

da obrigação de indenizar uma vez provado caso fortuito ou culpa exclusiva da vítima, assim, na realidade,

superando a ideia de presunção de culpa e erigindo uma presunção de responsabilidade, de pleno direito, nas

suas palavras11. Lembram os autores, inclusive, que foi justamente a partir de uma interpretação evolutiva e

extensiva do fato do animal (art. 1.385 do CC francês) que a responsabilidade, chamada de pleno direito, se

estendeu para as coisas inanimadas em geral, ampliando-se a regra do artigo 1.384-1 do Code e contemplando-

se os casos de acidentes derivados do maquinismo que então se estabelecia12, muito próprio do período pós

Revolução Industrial.

Enfim, um processo evolutivo que, sem dúvida, parece indicar uma aproximação dos sistemas de

presunção relativa de culpa, mesmo aos casos de exercício de atividades perigosas, ao que, afinal, se veio a

dispor, para o que se considerou ser uma responsabilidade objetiva pelo risco da atividade, no atual Código Civil

brasileiro. E a seu exame se destina o item seguinte.

4. A disposição da matéria no Código Civil brasileiro e seu confronto com o sistema português

O Código Civil brasileiro de 2002, inovando, porquanto ausente preceito análogo no Código de 1916, no

seu artigo 927, parágrafo único, dispôs haver obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,

“quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os

direitos de outrem.” Portanto, diga-se de pronto, à semelhança da legislação codificada portuguesa, estabeleceu

uma responsabilidade agravada e afeta a quem desenvolva uma atividade, assim não a quem pratique um ato

ou um negócio qualquer, por maior risco ou perigo que provoque. Tanto cá, como lá, não se deve olvidar a exata

compreensão do que seja uma atividade: um conjunto de atos coordenados entre si e voltados a um fim, a um

objetivo último, a um escopo comum13.

Não basta, destarte, que um ato ou mesmo uma sequência de atos se consumem, ademais a que

inerente um risco ou perigo próprio e, afinal, causando dano a terceiro, para atrair quer a incidência do art. 927,

par. único, do CC brasileiro, quer do art. 493º/2 do CC português. Bem lembra Fernando Noronha que a

atividade se toma qualitativamente, no seu todo, de modo unitário e não se confunde, por isso, com a mera

sequência ou repetição de atos, exemplificando com o mandatário que pratica vários atos de venda e com o

mandatário que administra o patrimônio do mandante, ao que, aí sim, praticando vários e diferenciados atos,

mas coordenados e funcionalizados a um fim último, exerceuma atividade14.

Mais ainda, explicitou-se no CC brasileiro que a atividade deva ser normalmente desenvolvida pelo

agente, o que, de um lado, pressupõe habitualidade, portanto atividade ordinária e, de outro, indica, conforme se

entende, a sua própria licitude. É dizer que a responsabilidade pelo risco da atividade, no direito brasileiro, de

11VINEY, Geneviève; JOURDAIN, Patrice; CARVAL, Suzanne. Traité de droit civil: les conditions de la responsabilité. Dir.: Jacques Ghestin. 4. ed. Paris: LGDJ, 2013. p. 781. Em termos textuais: “Ainsi, dès 1885, encequi concerne laresponsabilitédu fait desanimaux, lajurisprudenceavaitdépassélestade de laprésomption de faute em créantceq´on a appeléensuite une ´présomption de responsabilité` et qui est em réalité une ´responsabilité de pleindroit` ne pouvantêtreécartée que par lapreuve de la ´causa étrangère`.”

12VINEY, Geneviève; JOURDAIN, Patrice; CARVAL, Suzanne. op. cit., p. 782-783. 13COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 125.

14NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 339.

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resto como próprio deste título de imputação15– aqui, diferentemente da opção original referente à própria

alocação do art. 493º/2 do CC português, conforme se viu no item 2 –, se desprende da noção clássica de ilícito

aquiliano, traduzido por conduta despida da prudência exigida. Assiste-se a um deslocamento e a uma

multiplicação dos critérios de atribuição da obrigação de indenizar, que deixam de estar ligados exclusivamente

ao ilícito e se podem amparar no exercício, justamente, de uma atividade de cria risco aos direitos de outrem16.

De qualquer maneira, se se explicitou na lei brasileira que o agente responde independentemente de

culpa e, senão pelo perigo – ao que se tornará no item seguinte e derradeiro –, mas pelo risco da atividade,

então marcada uma distinta opção, quando confrontada com a lei portuguesa, ao menos na sua originária

interpretação (agora cabendo remeter ao item 3). Tem-se um caso de desenganada responsabilidade objetiva e,

assim, desprendida do cometimento de um ilícito comum e da ideia de culpa, posto que presumida. E se não se

trata de presunção relativa de culpa, não cabe, portanto, a prova liberatória, isto é, a prova pelo agente, uma vez

consumado o dano, de que tomou todas as cautelas para preveni-lo.

Porém, diga-se, nem sempre foi assim na tramitação do projeto do atual Código Civil. Pelo contrário,

expressamente se previa, no que era o projetado artigo 963, que seria sim possível ao agente, a eximir-se de

sua responsabilidade pelo risco da atividade, comprovar o “emprego de medidas preventivas tecnicamente

adequadas”, o que somente foi retirado do texto por emenda supressiva apresentada na Câmara dos Deputados

(Emenda n. 526). Aliás, a se demonstrar o que foi, verdadeiramente, a consagração, na lei, de um processo

evolutivo de estudo do tema, veja-se que, além do Projeto de CC, já no Projeto de Código das Obrigações de

1.965, de Caio Mário, igualmente (ademais de referir-se o perigo da atividade) se erigia ressalva à prova

liberatória, no artigo 87217. Portanto, a supressão no texto atual e, de resto, compatível com a previsão de uma

responsabilidade independente de culpa, não apenas presumida, de modo relativo, representa um real giro no

eixo causal da obrigação de indenizar em razão de danos decorrentes do desempenho de uma atividade de cria

risco aos direitos de outrem.

Todavia, omitiu-se o Código brasileiro na explicitação de que o risco da atividade pode estar na sua

própria natureza ou, também, na natureza dos meios utilizados para seu desempenho. Ou seja, deixou de

expressar a mesma ressalva do artigo 493º/2 do CC português, que estabeleceu a responsabilidade pelo

exercício de uma atividade “perigosa por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados”. Pois aqui cabe a

intepretação extensiva, valendo para o direito brasileiro – posto que com referência ao risco – a mesma lição e

exemplificação, para o direito português, de Antunes Varela: o caráter perigoso da atividadepode resultarou da

própria natureza da atividade, tal como o fabrico de explosivos ou a confecção de peças pirotécnicas,ou da

natureza dos meios utilizados, e os exemplos do autor são, entre outros, do corte de papel com guilhotina

15A expressão é utilizada por Menezes Cordeiro que assenta, no caso do risco, um diverso título de imputação, justamente, dissociado do fato ilícito. Nas suas palavras, “a imputação pelo risco tem lugar quando o Direito faça correr por determinada esfera a eventualidade de danos registrados em esferas diferentes; independentemente de qualquer facto ilícito”, ainda ressalve que, no CC português, “tal só sucederá em situações previstas na lei com este efeito – cf. artigo 483º/2.” (MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2000. v. 1, t. 1, p. 275-276).

16Ver, a respeito: JANNARELLI, Antonio. La responsabilità civile. In: BESSONE, Mario (Dir.). Lineamenti di diritto privato. 5. ed. Torino: Giappichelli, 2004. p. 600 e 619. No mesmo sentido e, ainda mais, citando como exemplo da multiplicidade atual dos critérios de atribuição da obrigação de indenizar, portanto não adstrita ao ilícito, justamente o exercício de atividades perigosas, numa interpretação evolutiva, tal como analisada no item 3, do art. 2050 do CC, conferir: RODOTÀ, Stefano. Il problema della responsabilità civile. Milano: Giuffrè, 1964. p. 144 e 176-177.

17Art. 872: “Aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evita-lo.”

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mecânica, dos transportes de combustíveis ou do comércio de produtos que contém material inflamável18. Se os

meios utilizados a rigor condicionam ou são inerentes ao exercício da atividade e se, por isso, de todo modo se

cria risco aos direitos de outrem, não há motivo bastante a que, também no direito brasileiro, em que se procura

assegurar a indenidade da vítima na situação de maior exposição, não se os considerem para incidência do

parágrafo único do art. 927 do CC.

5. O nexo de imputação da responsabilidade objetiva do art. 927, par. único, do CC brasileiro

Cabe perquirir, por fim, qual exatamente o nexo da imputação da obrigação de indenizar,

independentemente de culpa, que se estabeleceu no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil brasileiro.

Referiu-se no preceito o desempenho de uma atividade que traga risco, por sua natureza, aos direitos de

outrem, mas sem se definir, exatamente, o que significa este critério de atribuição ou, se se preferir, o que

significa este risco da atividade.

Pois comum, a respeito, justamente a remissão à ideia das atividades perigosas, como está no CC

português e se vem de examinar, no item 2, acima. É também o que se previu, igualmente tal qual se mencionou

antes, no artigo 2050 do CC italiano. Mas, ao que se entende, cabe ponderar se, a despeito da coincidência

semântica, da real sinonímia que se queira afirmar entre as expressões19, ou mesmo de igual indiferença

conceitual que em outros campos do direito já se quis assentar20, para fins de responsabilidade civil o significado

é o mesmo.

Tome-se, a esta reflexão, um exemplo, o da atividade de exploração de um estacionamento, que os

Tribunais brasileiros em mais de uma ocasião já consideraram induzir especial risco21. Pois será adequado dizer

que a responsabilidade se erige porque a atividade é perigosa, do mesmo modo que o fabrico ou

comercialização de explosivos, fornecimento de energia ou transporte de material inflamável? Não parece, com

efeito, que, para fins de incidência do artigo 927, parágrafo único, se deva associar o risco ao perigo da

atividade. Parafraseando Antônio Junqueira de Azevedo, o CC brasileiro cuidou do risco da atividade e não da

atividade de risco. Exigiu, portanto, menos que o perigo, ainda que a periculosidade da atividade, à evidência,

com maior razão atraia a incidência da norma. E, ao assim fazer, permitiu uma maior expansão da previsão,

portanto a casos que não são de perigo, propriamente, mas nos quais a atividade desenvolvida induz maior risco

aos direitos de outrem.

Seja dado, em abono à tese, retornar à exemplificação. Alguns serviços bancários não podem ser

considerados exatamente perigosos. Todavia, nem por isso deixam, inclusive pelo modo como se exercem (no

caso, a forma da contratação), de induzir especial risco. Ocorrência muito comum, no Brasil, têm sido as fraudes

na abertura de contas, com utilização de dados de terceiros, cujos nomes são levados ao cadastro de proteção

18ANTUNES VARELLA, João de Matos. op. cit., v. 1, p. 595. 19Interessante notar que, em seu dicionário, Antônio Houaiss, ao tratar do verbete perigo, identifica possível sinonímia com risco; mas, no verbete destinado ao significado de risco, menciona a probabilidade do perigo (HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2001. p. 2189 e 2.463).

20Por exemplo, nos contratos de seguro, foi muito comum definir o risco como, justamente, o perigo que provoca um dano, ou a que são expostas as coisas que constituem o interesse segurado (ver, a respeito: ALVIM, Pedro. O contrato de seguro. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 214-215). Se bem que ressalva o autor mais se conformar a definição aos casos de seguro de dano, eis que, nas demais hipóteses, o evento segurável, a seu ver, não é necessariamente danoso, exemplificando com o seguro para educação dos filhos, por isso conceituando o risco “como o acontecimento possível, futuro e incerto, ou de data incerta, que não depende somente da vontade das partes.” (Id. Ibid.).

21V.g: STJ, Resp. n. 131.662/SP, 4ª T., rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 17.08.2000, DJU 16.10.2000.

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ao crédito quando os cheques sacados, evidentemente, não são pagos, tanto quanto produtos de crédito ligados

à conta, como o cheque especial, não são honrados. Pois sumulado, pelo Superior Tribunal de Justiça, o

entendimento de que os bancos são responsáveis pelos prejuízos daí decorrentes22. Mas há de se indagar: sob

que fundamento? Qual o nexo de imputação?

O exemplo vem a calhar porque permite desfazer-se uma outra associação comum empreendida na

tentativa de identificar o nexo de imputação da obrigação de indenizar prevista no artigo 927, parágrafo único, do

CC brasileiro: com o defeito da atividade. E, ao que se crê, também não é disso que se trata. Não só o Código

Civil não estabeleceu semelhante restrição à obrigação indenizatória derivada do exercício de atividade indutiva

de especial risco, como, ao revés, parece tê-la afastado quando aludiu à atividade normalmente desenvolvida,

isto é, justamente sem defeito. Ou seja, não se cuida de uma atividade dotada de periculosidade anormal e

adquirida, o que configuraria o defeito de segurança23. Não se tem forçosamente uma quebra da expectativa

legítima em relação à atividade, portanto tisnada por uma periculosidade acima do que seria normal e previsível

ao destinatário. Ao revés, há um risco inerente e conhecido à atividade.

Portanto, respondendo à indagação que antes se formulou: a responsabilidade das instituições

bancárias, no exemplo dado, nem se define pelo perigo, nem pelo defeito da atividade. No primeiro caso, não

há, tal como na atividade de exploração do estacionamento, um perigo, propriamente dito. Ao menos não há

necessidade, em nosso sistema, de semelhante esforço de subsunção. Não é preciso artificial equiparação a

atividades, já citadas (fornecimento de energia, fabrico de explosivos, manipulação de material combustível), de

evidente perigo. De outra parte, também inexiste defeito porque todas as medidas de segurança razoavelmente

esperadas podem ter sido adotadas. Não se deslembre de que o defeito se afere em função da segurança

legitimamente esperada (arts. 12, par. 1º, e 14, par. 1º, do CDC). E não são razoavelmente esperadas

providências extremas na abertura de contas ou mesmo na proteção ao estacionamento, que possam conter ou

fraudes muito bem produzidas ou ataques de grande porte praticado por assaltantes. A responsabilidade, num

ou noutro caso, se dá pelo risco da atividade.

Todavia, mesmo superada a ideia do que se poderia chamar de risco-perigo ou derisco-defeito, ainda

não se completa ou se alcança a identificação do nexo de imputação da obrigação de indenizar que se levou ao

artigo 927, parágrafo único, do CC brasileiro. E isto por não se considerar seja bastante qualquer risco inerente

à atividade para atrair a incidência da norma referida. Ora, se se admitir que toda a atividade – mesmo por

traduzir a prática de atos em série, como se viu no item anterior – induz algum risco, maior ou menor, posto que

inerente24, então se reputa ser imperativo distinguir, justamente, a extensão do risco provocado.

Duas são as ordens de reflexão que, segundo se considera, aqui se impõem. A primeira delas diz com

a própria origem do preceito normativo de que se cuida. Se, como se colhe da advertência de Miguel Reale25, se

pretendeu responsabilizar mais gravemente, de modo objetivo, aquele que desencadeia uma estrutura

social26capaz de por em risco os interesses e direitos alheiros, não parece seja adequado, ao próprio desiderato

22Súmula n. 479, STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito das operações bancárias.”

23Ver, a propósito: BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos e. In: OLIVEIRA, Juarez de (Coord.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 49-51.

24A propósito: COMPORTI, Marco. op. cit., p. 173. No direito brasileiro: BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil nas atividades nucleares. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985. p. 84 e 87-89.

25REALE, Miguel. O projeto de Código Civil. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 8. 26Ainda sobre o tema das estruturas sociaise em diversa obra, vale conferir: REALE, Miguel. O direito como experiência. São Paulo: Saraiva,1992. p. 150 e 153.

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manifestado, que toda e qualquer estrutura social acabe equiparada. E isto, em segundo lugar, também porque,

se fosse assim, bastaria ao Código ter previsto que quem desenvolve uma atividade responde objetivamente

pelos prejuízos deste mesmo exercício decorrentes. Uma real hipótese de risco integral ou de causalidade pura

que, ao que se entende, nem se quis prever, nem se previu.

Dito de outro modo, se de toda atividade se colhe um risco e se todo risco fosse suficiente a determinar

a objetiva responsabilização do agente, então seria bastante à lei que estabelecesse a responsabilidade pelo

exercício de uma atividade. Tem-se, porém, que a norma, ao referir o risco da atividade, não só a particularizou,

como, ainda, determinou a qualificação do risco. Exigiu que fator especial se agregasse à causalidade, não a

deixando pura, mitigando o risco (risco mitigado). Aí o nexo de imputação a identificar. Algo símile ao papel que

a culpa desempenha na responsabilidade subjetiva ou que o defeito cumpre na responsabilidade objetiva do

CDC.

No caso do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, este nexo de imputação ou o especial

elemento de qualificação e que se agrega à causalidade entre o dano e o desempenho da atividade é que se

precisa assentar, insista-se, mas ao que insuficiente somente dizer que a atividade induz risco aos direitos de

outrem, porque, como se viu, esta aptidão é própria de toda e qualquer atividade. Daí supor-se devido reavivar o

que, a rigor, estava na própria redação original do artigo, o 963, do Projeto de Código Civil. Era bem uma

adjetivação do risco. Mencionava-se a existência de um “grande risco” que a atividade desenvolvida, por

natureza, implicava aos direitos de outrem. Pois, ainda suprimida a menção a um risco diferenciado, porque

grande, com a subemenda n. 28 da Câmara dos Deputados, tem-se ser bem o caso de repristiná-la, como forma

de dar sentido adequado à previsão legal.

E nem isto se dá de maneira inédita, cabendo socorro, de novo aqui, ao direito comparado. De se

lembrar da referência inicial (item 2) de Calvão da Silva à tese do “risco especial” ou pelo “alto risco”27. No direito

italiano, ainda que tratando do perigo, entende-se, igualmente, deva ser ele destacado28, relevante ou

apreciável29. É ainda o que Ennecerus considera ser um risco considerável30e SantosBriz um risco específico31.

Mas, isto assentado, impõe-se ainda perquirir de que forma se identifica esta particularidade, esta

especificidade do risco que constitui o critério de atribuição da obrigação de indenizar na hipótese do artigo 927,

parágrafo único, do CC. Pois, a propósito, lembre-se de pronto que a própria lei, não raro, expressa o risco

especial de determinada atividade, por exemplo quando a considera, mesmo que a fins específicos, até

mesmode caráter laboral, de alta periculosidade. Porém, e seja como for, cabe em mais esta passagem colher a

experiência de sistemas que já há muito possuem norma sobre “atividades de risco”, se assim se quer, de

qualquer maneira cuja incidência longeva permitiu a identificação de critérios comuns de identificação de um

risco (ou perigo, nessas legislações) especial. Com efeito, a tanto será sempre possível o recurso a uma

constatação estatística(verdadeiramente um estudo de sinistralidade), à ciência e aos meios técnicos de

demonstração que ela propicia; e, nada disso sendo viável, ainda às máximas de experiência, à experiência

27SILVA, João Calvão da. op. cit., p. 359-376. 28FRANZONI, Massimo. La responsabilità oggettiva: il danno da cose, da esercizio di attività pericolose, da circolazione diveicoli. Padova: CEDAM, 1995. v. 2, p. 143. (I Grandi Orientamenti della Giurisprudenza Civile e Commerciale, 3, 27. Direção de Francesco Galgano). O autor menciona o que reputa deva ser uma “spiccatapotenzialità ofensiva”.

29TRIMARCHI, Pietro. op. cit., p. 44-50. 30ENNECERUS, Ludwig. Derecho civil. Trad.: Blas Pérez Gonzáles e Jose Alguer. Barcelona: Bosch, 1935. v. 2, t. 1, p. 440. 31SANTOS BRIZ, Jaime. La responsabilidad civil: derecho sustantivo e derecho procesal. Madrid: Montecorvo, 1970. p. 376-377.

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comum ou ao que ordinariamente ocorre32.

Em suma, então, entende-se dispor o CC brasileiro sobre a responsabilidade objetiva pelo desempenho

de uma atividade que, por sua natureza, ou pela natureza dos meios utilizados, induz risco especial aos direitos

de outrem, avaliado em função da estatística, da ciência ou da experiência comum. E tal a tese que, defendida

antes em outra sede33, tive a oportunidade de expor e que acabou aprovada e levada ao Enunciado n. 448 da V

Jornada de Direito Civil, do Centro de Estudos da Justiça Federal, segundo o qual: “a regra do art. 927,

parágrafo único, segunda parte, do CC, aplica-se sempre que a atividade normalmente desenvolvida, mesmo

sem defeito, e não necessariamente perigosa, induza, por sua natureza, risco especial ou diferenciado aos

direitos de outrem. São critérios de avaliação desse risco, entre outros, a estatística, a prova técnica e as

máximas de experiência.”

Finalmente, cumpre ainda realçar que, ao contrário do que é comum defender, mesmo no direito

português34, tanto quanto no italiano35, não se considera que este risco diferenciado precise se ligar ao exercício

de uma atividade lucrativa, assim empresarial ou profissional. Ou seja, não se reputa que o risco do artigo 927,

parágrafo único, do CC brasileiro, seja necessariamente o risco profissional ou o risco empresa, portanto o risco

proveito, mas tomado em sua acepção econômica (ubiemolumentum, ibionus). É tão somente o risco especial criado

por quem desenvolva uma atividade qualquer, mesmo não lucrativa, foco de maior potencialidade lesiva a terceiros.

Não se nega que a responsabilidade objetiva de que se trata se tenha desenvolvido sob a perspectiva

da maior possibilidade de controle e diluição do risco criado por quem dele tira proveito e que, assim, por

imperativo de equidade, deve por ele responder de maneira mais rigorosa. E por isso a associação comum com

a atividade empresarial ou profissional. Mas, de qualquer maneira, não é menos verdade que esta distinção não

se levou ao texto da lei. E não seria difícil ao legislador ter dito apenas que quem exercitasse atividade

empresarial ou profissional, com isso criando risco aos direitos de outrem, responderia de modo objetivo. Ao

contrário, sintomático que a lei não só não o tenha feito, como, ainda, tenha aludido a uma atividade

normalmente desempenhada, assim não esporádica, é certo, mas também não profissional ou empresarial,

porque forçosamente habitual. Quer dizer, não seria uma preocupação da lei se a remissão fosse apenas às

atividades empresariais ou profissionais que, por natureza, não são mesmo ocasionais, esporádicas36. Depois,

ao contrário do Código português e do italiano, o brasileiro referiu o desenvolvimento e não o exercício de uma

atividade, bem o que, no direito peninsular, Massimo Franzoni sustenta ter sido empecilho para a extensão da

responsabilidade do artigo 2050 também às atividades não lucrativas, o que sempre reputou devido, importando,

a rigor, quem organiza e dirige esta atividade37, tal como no direito pátrio se afinal se erige uma responsabilidade

pelo fato da atividade ou da organização.

Depois, no direito brasileiro há, ainda, um dado histórico importante, que vem realçado com tintas

claras por Caio Mário. Conforme salienta o autor, a discussão remonta à própria previsão do artigo 1.522 do CC

de 1916, que estendia a responsabilidade do patrão, por atos dos empregados, prevista no inciso II do artigo

precedente, apenas às pessoas jurídicas que exercessem exploração industrial. Portanto, atividade empresarial.

Mas nota o civilista que semelhante preceito nem em seu projeto de Código das Obrigações se reproduziu,

32Por todos: COMPORTI, Marco. op. cit., p. 291. 33GODOY, Claudio Luiz Bueno. op. cit., p. 110-118. 34Por todos: MONTEIRO, Jorge Sinde. Estudos sobre a responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 1983. p. 10. 35Por todos: TRIMARCHI, Pietro. op. cit., p. 31-35. 36A respeito, conferir: GOMES, José Jairo. Responsabilidade civil e eticidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 192. 37FRANZONI, Massimo. op. cit., p. 105 e 115.

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como igualmente no Código Civil atual, pelo que não se autoriza a distinção38.

Mas, queira-se ainda argumentar com a necessidade de diferenciação, ainda assim restará imperiosa a

verificação de um risco especial, conforme já se sustentou, desde que nele se entrevê o nexo de imputação

específico da obrigação de indenizar prevista no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil.

Referências

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38PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. cit., p. 122-123, n. 99.

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A EXPERIÊNCIA DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO BRASIL:

O ATUAL ESTADO DA ARTE∗

Floriano de Azevedo Marques Neto∗∗

Resumo: O cenário brasileiro atual aponta para um incremento na adoção das parcerias público-privadas para implementação de grandes projetos de gestão de infra-estrutura e outros cometimentos públicos. A prática contratual da administração pública ruma para uma gama diversificada de possibilidades de execução de obras e serviços de interesse público. O presente artigo sintetiza os principais projetos em andamento e em elaboração, destacando os principais desafios a serem enfrentados nesta seara.

Palavras-chave:parcerias público-privadas; PPP; contratações públicas; Brasil.

1. As PPP no cenário das contratações públicas no Brasil; 2. Projetos em andamento; 3. Projetos em gestação; 4. Projetos não implementados; 5. Principais desafios

1. As PPP no cenário das contratações públicas no Brasil

Não é de hoje que o legislador e o administrador público brasileiros vêm buscando criar e colocar em

prática um novo ferramental jurídico para implementar a contratação de grandes projetos de gestão e de infra-

estrutura.

Sob a égide da legislação aprovada na década de 1990, foram colocados à disposição da

Administração Pública instrumentos pouco flexíveis, no que concerne à modelagem de contratos e,

especialmente, à alocação de obrigações e riscos para com os particulares interessados em executar os

cometimentos públicos.

Nesse contexto, sob influência da experiência das public-privatepartnerships do direito anglo-saxão, foi

aprovada no Brasil a Lei das Parcerias-Público Privadas (Lei 11.079/2004). Em uma descrição abrangente e

superficial, o novo diploma legislativo permitiu ao Poder Público de todas as esferas federativas a celebração de

contratos de valor superior a R$20 milhões (equivalente a US$9 milhões), com prazo entre cinco e trinta e cinco

anos, para construção e/ou operação de obras e equipamentos públicos.

A literatura especializada dos contratos públicos confere uma acepção ampla ao termo "parceria

público-privada", nele abrangidas todas as espécies de termos cooperativos entre o Estado e a iniciativa

privada, na busca de uma finalidade de interesse público. Nessa semântica, o gênero parcerias compreende

ajustes das mais variadas formas, tais quais os tradicionais contratos de concessão, joint-ventures, sociedades

de economia mista, bem como outras formas específicas de parceria.

∗ O presente artigo foi extraído de exposição do autor proferida no Colóquio de Direito Luso-Brasileiro promovido em Lisboa, em 13 de maio de 2014, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

∗∗Professor titular do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Brasil

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Não foi essa, contudo, a acepção acolhida pela Lei 11.079, segundo a qual a PPP é conceituada como

a parceria contratual cujo objeto é a delegação ao particular da implantação e oferta de utilidades públicas. Em

contraponto à concessão "comum" criada pela Lei 8.987/1995, a Lei das PPP instituiu duas modalidades

específicas de concessões.

A concessão denominada "patrocinada" é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de

que trata a Lei 8.987, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação

pecuniária paga pelo parceiro público ao parceiro privado. A referida lei fez superada a antiga divergência

doutrinária a respeito da possibilidade de a Administração aportar recursos orçamentários diretamente ao

contratado. Pacificou a questão, classificando apenas como concessão "comum" (da Lei 8.987) aquela em que o

particular se remunera exclusivamente pela tarifa paga pelo usuário e/ou outras fontes alternativas de receitas

previstas no contrato.

Por outro lado, a dita concessão "administrativa" é o contrato de prestação de serviços no qual a

Administração figura como usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e

instalação de bens. Presta-se, portanto, às obras e serviços não passíveis de remuneração por tarifa, cujo

cometimento reverta mediata ou imediatamente em benefício do Poder Público.

A disciplina das concessões especiais, como também são designadasas PPP no Brasil, ao instituir esse

novo instrumental contratual, encontra seu mérito nas vantagens para os contratantes, em especial, para o

Poder Público.

Em virtude da autorização para uma contratação com prazo mais alargado, conferiu-se ao

administrador maior margem de planejamento orçamentário, garantindo flexibilidade quanto à periodicidade dos

aportes financeiros pelo parceiro público. A amortização do investimento e as despesas de custeio tornaram-se

variáveis mais abertas na fase de modelagem do edital, bem como durante as negociações com o contratado.

Deve ser mencionada também como inflexão advinda da lei a possibilidade de negociação quanto aos

arranjos de riscos envolvidos no contrato. Antes prevista na legislação de forma estática, a atual regulamentação

fez com que a distribuição de áleas entre contratante e contratado passasse a fazer parte da negociação e da

equação do equilíbrio econômico-financeiro de forma mais dinâmica.

A conjugação desses fatores fez com que as contratações públicas, pela via das PPP, tivessem seu

escopo ampliado, permitindo o estabelecimento de parcerias em áreas até então não delegadas ao particular,

como a prestação de serviços públicos não remuneráveis apenas por tarifa, serviços públicos indivisíveis,

serviços sociais e serviços administrativos.

Em uma análise retrospectiva, até a aprovação da Lei das PPP é possível encontrar algumas

experiências inovadoras de gestão contratual no Brasil, a exemplo do caso do serviço de coleta de resíduos do

Município de São Paulo. Desde o advento da Lei 11.079/2004, a contratação de parcerias pelo Poder Público

tem evoluído de modo gradual, passando por um período inicial (2004 a 2010) com algumas experiências

precursoras, posteriormente por uma fase de maturação (2010 a 2012), culminando no momento atual, em que

o direito brasileiro vivencia uma ampliação das possibilidades de contratação, a exemplo da criação da figura

jurídica do aporte pela Lei nº 12.766/12.

Atualmente, existem cerca de trinta e dois projetos contratados por PPP sendo executados no Brasil,

sendo três deles sob responsabilidade da União, vinte e dois a cargo dos governos estaduais (sendo São Paulo,

Bahia e Minas Gerais os estados que mais contratam) e sete contratações em curso pelas municipalidades. Os

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Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós

investimentos superam a ordem de R$51 bilhões (equivalente a US$23 bilhões), o que representa 1,04% do PIB

brasileiro de 2013. O gráfico abaixo representa a distribuiçã

2. Projetos em andamento

Na atualidade, diversos projetos encontram

� Linha 4 do Metrô de São Paulo

Estado de São Paulo e a Via Quatro, consórcio formado por CCR, Montgomery e Mitsui. Essa

concessão patrocinada tem por objeto a exploração dos serviços de transporte de passageiros da

Linha 4 – Amarela do metrô da região metropo

Serra. Foi contratada em 29 de novembro de 2006, tendo sido estimados R$940 milhões de

investimentos. Encontra-se em operação.

� Sistema de Disposição Oceânica do Jaguaribe

Águas e Saneamento S/A

pela Odebrecht. A concessão administrativa tem por objeto a construção e operação do sistema de

disposição oceânica para tratamento e disposição final das

Foi contratada em 27 de dezembro de 2006, por um prazo de 18 anos, com investimentos estimados

em R$260 milhões. Encontra

� Rodovia MG-050. O Departamento de Estadas e Rodagem de Minas Gerais (DER

Equipav S/A, por concessão patricinada, para recuperação, ampliação e manutenção da Rodovia MG

050. Contrato celebrado em 21 de julho de 2007 com investimentos estimados em R$274 milhões.

Encontra-se em operação.

Irrigação

3%

Educação

3%

Segurança

6%

Habitação

3%

Energia

3%

Revitalização

Urbana

3%

Infraestrutura da

administação

pública

14%

Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n.

investimentos superam a ordem de R$51 bilhões (equivalente a US$23 bilhões), o que representa 1,04% do PIB

brasileiro de 2013. O gráfico abaixo representa a distribuição setorial desses investimentos.

Fonte: Elaborado pelo autor

Na atualidade, diversos projetos encontram-se em andamento, merecendo destaque os seguintes:

Linha 4 do Metrô de São Paulo. Figuram como partes a Secretaria de Transporte Metropolitano do

Estado de São Paulo e a Via Quatro, consórcio formado por CCR, Montgomery e Mitsui. Essa

concessão patrocinada tem por objeto a exploração dos serviços de transporte de passageiros da

Amarela do metrô da região metropolitana de São Paulo, ligando a Luz até Taboão da

Serra. Foi contratada em 29 de novembro de 2006, tendo sido estimados R$940 milhões de

se em operação.

Sistema de Disposição Oceânica do Jaguaribe. Contrato celebrado entre Empresa Ba

Águas e Saneamento S/A – Embasa e Jaguaribe S/A sociedade de propósito específico controlada

pela Odebrecht. A concessão administrativa tem por objeto a construção e operação do sistema de

disposição oceânica para tratamento e disposição final das cidades de Salvador e Lauro de Freitas.

Foi contratada em 27 de dezembro de 2006, por um prazo de 18 anos, com investimentos estimados

em R$260 milhões. Encontra-se em operação.

. O Departamento de Estadas e Rodagem de Minas Gerais (DER

Equipav S/A, por concessão patricinada, para recuperação, ampliação e manutenção da Rodovia MG

050. Contrato celebrado em 21 de julho de 2007 com investimentos estimados em R$274 milhões.

se em operação.

Mobilidade urbana

22%

Saneamento

19%

Estádios

19%

Saúde

6%

Irrigação

Segurança

Energia

3%

Revitalização

DISTRIBUIÇÃO SETORIAL

51

Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 30, 2014

investimentos superam a ordem de R$51 bilhões (equivalente a US$23 bilhões), o que representa 1,04% do PIB

o setorial desses investimentos.

se em andamento, merecendo destaque os seguintes:

Transporte Metropolitano do

Estado de São Paulo e a Via Quatro, consórcio formado por CCR, Montgomery e Mitsui. Essa

concessão patrocinada tem por objeto a exploração dos serviços de transporte de passageiros da

litana de São Paulo, ligando a Luz até Taboão da

Serra. Foi contratada em 29 de novembro de 2006, tendo sido estimados R$940 milhões de

. Contrato celebrado entre Empresa Baiana de

Embasa e Jaguaribe S/A sociedade de propósito específico controlada

pela Odebrecht. A concessão administrativa tem por objeto a construção e operação do sistema de

cidades de Salvador e Lauro de Freitas.

Foi contratada em 27 de dezembro de 2006, por um prazo de 18 anos, com investimentos estimados

. O Departamento de Estadas e Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) contrata

Equipav S/A, por concessão patricinada, para recuperação, ampliação e manutenção da Rodovia MG-

050. Contrato celebrado em 21 de julho de 2007 com investimentos estimados em R$274 milhões.

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Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 30, 2014

� Alto do Tietê. Figuram como partes a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo – Sabesp e

o Consórcio Águas de São Paulo, formado entre CAB Ambiental e Galvão Engenharia. A concessão

administrativa tem como objeto a ampliação e melhoria do sistema produtor do Alto do Tietê e

prestação de serviços correlatos à atividade de tratamento de água. Celebrado em 18 de junho de

2006, o contrato tem prazo de 15 anos, com investimentos estimados em R$280 milhões. Encontra-se

em andamento.

� Habitação Mangueiral. São partes no contrato a Secretaria de Estado de Habitação do Distrito

Federal e a empresa Bairro Novo, na modalidade de concessão administrativa. Celebrado em março

de 2009, o contrato visa a construção, manutenção e operação de centro habitacional, envolvendo

cometimentos como parcelamento do solo, construção das unidades habitacionais, construção e

gestão da infraestrutura urbana e equipamentos comunitários, bem como obtenção de financiamento

aos adquirentes das unidades. Com prazo de 15 anos e investimentos estimados em R$455 milhões,

as obras encontram-se em andamento.

� Centro administrativo do DF. A Secretaria de Estado de Obras do Distrito Federal contrata o

consórcio composto por Odebrecht e Via Engenharia, na modalidade concessão administrativa, para

construção, operação e manutenção do centro administrativo destinado a abrigar cerca de 15 mil

servidores. Celebrado em 8 de abril de 2009, o contrato tem paro de 22 anos e investimentos

estimados em R$430 milhões. Encontra-se em operação.

� Complexo penal de MG. Figuram como partes nessa concessão administrativa a Secretaria de

Estado de Defesa Social de Minas Gerais e a concessionária Gestores Prisionais Associados S/A,

consórcio entre CCI, Augusto Velloso, Tejofran, N. F. Motta e Instituto Nacional de Administração

Prisional. Projetado para construção e gestão do complexo penal, o contrato foi celebrado em 16 de

junho de 2009, tem prazo de 27 anos e investimentos estimados em R$180 milhões. Encontra-se em

andamento.

� Centro de Ressocialização de Itaquitinga. O Comitê Gestor do Programa Estadual de Parcerias

Público-Privadas do Estado de Pernambuco contrata a Reintegra Brasil, consórcio entre Advance

Construções e Socializa, na modalidade de concessão administrativa. O contrato tem por objeto a

construção e exploração do centro de ressocialização, com capacidade para 3.126 detentos, com

duração de 33 anos. Com investimentos estimados em R$287 milhões, o pacto foi celebrado em

outubro de 2009. Encontra-se em operação.

� Complexo Datacenter. O Consórcio Datacenter, formado por Banco do Brasile Caixa Econômica

Federal, contrata o Consórcio União Digital, composto por Delta e Termoeste, via concessão

administrativa, para gerenciamento, manutenção e operação da infraestrutura predial do complexo,

precedida da edificação, fornecimento e instalação de equipamentos de infraestrutura e link externo.

Celebrado em maio de 2010, o ajuste tem prazo de 15 anos, com investimentos estimados em R$260

milhões. Encontra-se em operação.

� Hospital do Subúrbio. A Secretaria da Saúde do Estado da Bahia contrata o Consórcio Prodal

Saúde S/A, sob a forma de concessão administrativa, para operação e gestão da unidade hospitalar,

incluindo a prestação de serviços de atenção à saúde. Com prazo de 10 anos e investimentos

estimados em R$58 milhões, o acordo, celebrado em maio de 2010, encontra-se em operação.

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� Porto Maravilha. Figuram como partes a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do

Porto do Rio de Janeiro S/A – CDURP e a Porto Novo S.A., consórcio abrangendo Odebrecht, OAS e

Carioca Christiani-Nielsen Engenharia. Celebrado em 26 de novembro de 2010, o contrato tem por

objeto a prestação de serviços e obras visando a revitalização, operação e manutenção da área de

especial interesse urbanístico portuária. Tem prazo de duração de 15 anos e investimentos estimados

em R$7,78 bilhões. Encontra-se em andamento.

� Complexo Esportivo Mineirão. Contrato celebrado entre a Secretaria de Estado de Planejamento

e Gestão do Estado de Minas Gerais e o Consórcio Novo Mineirão (Construcap, Engesa e HAP), em

21 de dezembro de 2010, sob a forma de concessão administrativa. Tendo por objeto a operação e

manutenção do complexo do Mineirão, precedidas de obra de reforma, renovação e adequação, o

pacto tem prazo de 27 anos e investimentos estimados em R$850 milhões. Encontra-se em

andamento.

� Unidades de Atendimento Integrado. Essa concessão administrativa foi celebrada entre a

Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais, em 23 de dezembro de 2010, tendo

por objeto a implantação, operação, manutenção e gestão das unidades de atendimento integrado

aos cidadãos (UAI). Com prazo de 20 anos e investimentos estimados em R$10 milhões, encontra-se

em andamento.

� Estádio Arena das Dunas. A Secretaria Extraordinária para Assuntos Relativos à Copa do Mundo

do Estado do Rio Grande do Norte celebrou concessão administrativa com a Construtora OAS em

abril de 2011 para construção, manutenção e gestão do estádio Arena das Dunas e de seu

estacionamento. Com prazo de 30 anos e investimentos estimados em R$400 milhões, encontra-se

em andamento.

� Unidades de Ensino de BH. Figuram como partes nessa concessão administrativa celebrada em

25 de julho de 2012 a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte e Odebrecht Properties.

Tendo por objeto a delegação de obras e serviços não pedagógicos das unidades de ensino infantil e

fundamental, o pacto tem prazo de 20 anos e investimentos estimados em R$190 milhões. Encontra-

se em andamento.

� Veículo Leve sobre Trilhos do Rio de Janeiro. A Secretaria Municipal da Casa Civil do Rio de

Janeiro celebra contrato de concessão patrocinada com o Consórcio VLT Carioca, formado por OTP,

Invepar, CCR, Riopar, RATP e BRT. O pacto, celebrado em junho de 2013, estabelece obrigações

para prestação dos serviços, incluindo a realização das obras e fornecimetnos da rede prioritária,

visando à implantação, operação e manutenção de sistema de veículos leves sobre trilhos na região

portuária e central do Rio de Janeiro. Com prazo de 30 anos e investimentos estimados em R$1,1

bilhão, o termo encontra-se em andamento.

� Sistema Produtor de São Lourenço. Essa concessão administrativa foi firmada em 21 de agosto

de 2013 entre a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp e o Consórcio

Sistema Produtor São Lourenço S/A (Camargo Correia e Andrade Gutierrez). Buscando a

implantação e manutenção de novo sistema produtor de água para abastecimento da Zona Oeste da

Região Metropolitana de São Paulo, o tratamento, captação, adução e reserva de água bruta, bem

como a reserva e adução de água tratada, os investimentos estão estimados em R$2,21 bilhões, a

serem diluídos no prazo de 25 anos de contrato. Encontra-se em andamento.

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� Planta de Produção Américo de Brasiliense. O Governo do Estado de São Paulo, por meio da

Fundação para o Remédio Popular (FURP), e a EMS S/A celebraram contrato de concessão

administrativa em 22 de agosto de 2013, cujos objetos são a finalização da construção e operação da

fábrica para produção de medicamentos genéricos, a ampliação do atendimento com medicamentos

de alta necessidade de assistência farmacêutica, a produção de medicamentos genéricos de alta

complexidade e, ainda, a implantação e transferência de P&D. Com investimentos estimados em

R$162,5 milhões em um prazo de 15 anos, o projeto encontra-se em andamento.

� Linha 6 do Metrô de São Paulo. A Secretaria de Transporte Metropolitano do Estado de São Paulo

e o Consórcio Move São Paulo (OTP e Queiroz Galvão) celebraram concessão patrocinada em 18 de

dezembro de 2013 para exploração dos serviços de transporte de passageiros da Linha 6 – Laranja

do Metrô de São Paulo. Com prazo de 25 anos e R$9,6 bilhões de investimentos estimados, sendo

metade do aporte a cargo do parceiro público e a outra metade sob incumbência do privado, o

contrato encontra-se em fase de implantação.

3. Projetos em gestação

Em complemento aos projetos já aprovados e em execução arrolados acima, é significativo o número

de empreendimentos que estão na iminência do início de sua implementação. Evidencio os principais:

� Linha 18 do Metrô de São Paulo. Essa concessão patrocinada será contratada pela Secretaria de

Estado dos Transportes Metropolitanos de São Paulo, para exploração dos serviços de transporte

de passageiro da Linha 18 – Bronze da rede metroviária de São Paulo. Com prazo contratual

previsto em 25 anos e investimentos estimados na ordem de R$4,2 bilhões, a licitação.

� Sistema Integrado Metropolitano da Baixada Santista. A Empresa Metropolitana de Transportes

Urbanos de São Paulo S/A (EMTU), visando à implantação do tronco de VLT com 24 km de

extensão e à aquisição e racionalização da frota de ônibus intermunicipais, contratará, celebrará

contrato de concessão patrocinada por prazo de 20 anos. Os investimentos estimados de R$1,83

bilhãoestão distribuídos em duas fases: trecho Barreiros-Valongo (16 km, R$940 milhões) e trecho

Samaritá-Barreiros (8 km, R$895 milhões). A consulta pública está finalizada.

� Rodovia SP-099 (Tamoios). A Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte

do Estado de São Paulo (ARTESP) realizará licitação para realização de obras de duplicação dos

trechos de serra e de planalto e de adequação no trecho de serra existente, bem como contratação

de serviços de gestão, manutenção e conservação da rodovia. Essa concessão patrocinada terá

prazo de 30 anos e estimam-se investimentos de R$3,74 bilhões. Está em fase de licitação.

� Complexo Hospitalar São Paulo. A concessão administrativa a ser contratada pela Secretaria de

Estado da Saúde de São Paulo terá por objeto construção, fornecimento de equipamentos,

manutenção e gestão dos serviços não assistenciais em três complexos hospitalares no Estado de

São Paulo. Com prazo de 20 anos, a concessão será dividida em dois lotes: Sorocaba (R$1,8

bilhões) e São José dos Campos e Hospital da Mulher (R$3,2 bilhões). A licitação está em curso.

� Hospital de Sorocaba. A implantação da infraestrutura e dos serviços de apoio não assistenciais é

o escopo da concessão administrativa a ser contratada pela Secretaria de Saúde do Município de

Sorocaba. O contrato terá duração de 30 anos, com investimentos estimados em R$250 milhões.

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� Hospital Estadual Infantil de Vitória. A Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo celebrará

um acordo para implantação da infraestrutura e prestação dos serviços de apoio não assistenciais

do Hospital Estadual Infantil na capital, por concessão administrativa. Ainda sem investimentos

estimados, a concessão terá prazo de 25 anos.

� Hospital do Distrito Federal. A Secretaria do Estado da Saúde do Distrito Federal contratará

concessão administrativa para prestação de serviços de apoio à operação de hospitais da rede

distrital, precedida da implantação da infraestrutura respectiva. Os investimentos estimados em

R$6,1 bilhões serão diluídos ao longo dos 20 anos de contrato. A licitação está suspensa.

� Diagnóstico por imagem na Bahia. A concessão administrativa promovida pela Secretaria da

Saúde do Estado da Bahia tem por objeto a gestão e operação de serviços de apoio ao diagnóstico

por imagem em uma central de imagem e em doze unidades hospitalares integrantes da rede

própria da Secretaria. O contrato tem prazo de 11 anos e 6 meses, com R$81 milhões por ano de

investimentos estimados. A licitação encontra-se suspensa.

� Logística farmacêutica em São Paulo. A Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo procura

parceiro para reorganizar, estruturar, implantar e operar os processos logísticos da assistência

farmacêutica, imunização e outros insumos do Estado de São Paulo, por meio de concessão

administrativa. Com investimentos estimados em R$188,2 milhões, o edital que prevê um contrato

com prazo de 20 anos, recém concluída a consulta pública.

� Infraestrutura judiciária em São Paulo. A concessão administrativa da Secretaria da Justiça e da

Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo tem por objeto a construção, operação, manutenção,

gestão e prestação dos serviços não jurisdicionais em seis fóruns localizados no Estado (Itaquera,

Lapa, Bauru, Carapicuiba, Guarulhos e Presidente Prudente). Os investimentos chegam a R$130

milhões, para um contrato de 25 anos. O Conselho Nacional de Justiça, porém, se opôs a essa

modalidade de parceria..

� Habitação em São Paulo. O governo do Estado de São Paulo promove concessão administrativa

para implantação de 20.221 unidades habitacionais no centro expandido da capital, sendo 12.508

unidades de habitação de interesse social e 7.713 para habitação de mercado popular. Além disso,

o contrato buscará operacionalizar a gestão do financiamento e da carteira de mutuários, bem como

a gestão condominial. A concessão terá prazo de 20 anos, com investimentos estimados em R$4,6

bilhões. O projeto já teve sua consulta pública finalizada.

� Pátio veicular integral em São Paulo. A concessão administrativa a ser contratada pelo Estado de

São Paulo tem por escopos a implantação e operação da logística de remoção, depósito, guarda e

destinação de veículos, bem como da modernização das atividades decorrentes da fiscalização de

trânsito dos órgãos estaduais. Em 15 anos de contrato, o projeto envolverá investimentos na ordem

de R$185 milhões. A consulta pública foi finalizada.

� Complexos prisionais em São Paulo. Encontra-se em estudo uma concessão administrativa do

governo do Estado de São Paulo para construção, operação e manutenção de três complexos

prisionais masculinos com 7.200 vagas em regime fechado e 3.300 em regime semiaberto. O

contrato de 30 anos envolverá o investimento de R$750 milhões.

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� Saneamento no Vale do Juqueri. Também está em estudo uma concessão administrativa do

governo paulista para universalização do saneamento no Vale do Juqueri e constituição do polo

produtor de água de reuso. O projeto abrangerá os municípios de Caieiras, Franco da Rocha,

Francisco Morado, Cajamar, Mairiporã e distritos da capital como Perus, Jaraguá e Anhanguera. O

contrato terá prazo de 30 anos e R$835 milhões de investimentos.

4. Projetos não implementados

Existe, ainda, uma terceira categoria de projetos aos quais é necessária a alusão. Por vezes, embora já

arquitetadas, as concessões não são implementadas por opção do administrador ou por fato alheio à vontade da

Administração. Algumas delas são:

� Centro administrativo de Ribeirão Preto. A Secretaria Municipal de Administração de Ribeirão

Preto planejava contratar uma concessão administrativa para construção, operação e manutenção do

centro administrativo que abrigaria órgãos e entidades da administração municipal. Com previsão de

investimentos de R$35 milhões e 25 anos de duração, não foi dada continuidade ao projeto por força

de endividamento da municipalidade.

� Aula interativa em São Paulo. Uma concessão administrativa seria contratada pela Secretaria da

Educação do Estado de São Paulo para prestação de serviços de gestão, desenvolvimento e

elaboração de conteúdos digitais interativos, incluindo atividades conexas para formação de

profissionais e fornecimento de dispositivos móveis, bem como realização de obras e serviços de

engenharia para infraestrutura de suporte técnico. Com investimentos estimados em R$1,5 bilhão e

prazo de 10 anos, a licitação não foi realizada por opção do governo em desenvolver modelo próprio

de tecnologia e conteúdo.

� Piscinões em São Paulo. O Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo

planejava contratar uma concessão administrativa para prestação de serviços de operação,

manutenção e expansão do sistema de reservatórios de controle de cheias da bacia hidrográfica do

Alto Tietê, recuperação e modernização dos reservatórios existentes, bem como para construção de

novos. Os estudos complementares indicaram a inviabilidade econômica do empreendimento, que

teria duração de 20 anos e R$891 milhões de investimentos.

� Hospital do Município de São Paulo. A concessão administrativa para implantação, recuperação,

aparelhamento e manutenção de infraestrutura hospitalar, e apresentação de serviços e utilidades

não assistenciais era um projeto da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo. Com prazo

estimado em 15 anos e investimentos de R$1,1 bilhão, o projeto não foi implementado ante a

morosidade na realização da licitação, que ocasionou a desatualização dos estudos.

5. Principais desafios

Considerando todos os projetos neste estudo apresentados e analisando as inflexões e resistências

que permeiam sua implantação, observo que a realidade administrativa brasileira, no que concerne à

contratação e concretização de parcerias público-privadas, encontra-se diante de alguns desafios.

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Primeiro, passamos por um momento de formação da cultura de parceria entre o poder público e o

agente privado. É superada a visão segundo a qual os interesses dos contratantes se contrapõem, em um jogo

de perde-ganha. Deve prevalecer no espírito dos contratantes a noção de relação comutativa de ganhos

recíprocos durante a execução do contrato.

Além disso, é necessário adequar a estrutura e a cultura orgânica da administração pública para

organizar, estrutura e planejar os projetos almejados. É traço característico das nossas gestões o déficit de

planejamento a longo prazo e a fragilidade organizacional. As concessões especiais devem se fundar em

estudos sólidos quanto à viabilidade econômico-financeira de projetosa longo prazo, exigindo-se perfeito

balanceamento de investimentos e custeio.

A cultura administrativa brasileira demonstra uma dificuldade de articulação entre todos os órgãos

envolvidos nas políticas, o que se agrava com as interferências dos órgãos de assessoramento e controle, como

procuradorias e Tribunais de Contas. A atuação conservadora dos órgãos de controle se verifica em diversas

práticas corriqueiras, a exemplo da sindicabilidade de custos unitários e adoção da lógica da medição, exigência

paulatina de projetos básicos e baixa capacitação para avaliar a matriz de risco envolvida em cada projeto.

Daí se extrai a premente necessidade de capacitação de agentes para avaliação de projetos,

especialmente no âmbito dos procedimentos de manifestação de interesse que antecedem a elaboração dos

projetos e realização dos certames licitatórios.

O sucesso das concessões especiais demanda, ainda, um aprimoramento da prática contratual da

administração pública no que tange à avaliação e alocação de riscos. Os projetosde PPP exigem uma atenção

especial para a calibração específica da álea pertinente a cada um dos polos do contrato.

O sexto desafio se consubstancia no tratamento fiscal diferenciado às parcerias. A modicidade tarifária

e a redução dos custos dos projetos dependem da desoneração financeira e tributária dos bens, serviços e

operações que envolvem a implementação dos cometimentos.

O incremento da confiança do setor privado no parceiro público também parte do pressuposto que este

será capaz de honrar seus compromissos contratuais. Para tanto, é imperativo o desenvolvimento de

mecanismos que confiram maior liquidez às garantias oferecidas pela administração.

Como decorrência dos anseios sociais pela melhoria na prestação dos serviços públicos, é preciso

considerar que a elevação do padrão de qualidade enseja, consequentemente, uma adequação dos valores dos

pagamentos. Não mais cabe entender que a "proposta mais vantajosa para a administração" equivale sempre à

de menor custo. O fator qualitativo é uma variável que, inevitavelmente, deve ser considerado nas contratações,

mas que traz consigo um incremento nos recursos orçamentários desembolsados.

Por fim, a enumeração dos projetos de PPP em curso no Brasil demonstra um pioneirismo dos estados

na adesão à essa modalidade contratual, em detrimento da adesão pelo governo federal. No modelo federal

brasileiro, a União exerce fundamental papel pedagógico no desenvolvimento de práticas administrativas, o que

não vem se verificando no campo das parcerias. Esse vácuo vem sendo suprido por estados com maior

experiência nas contratações, notadamente São Paulo, Bahia e Minas Gerais.

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O FENÔMENO DA CORRUPÇÃO E FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS ELEITORAIS

Monica Herman S. Caggiano∗

Aspectos Gerais. Corrupção/Conceito e tipos. Corrupção e Anomia. A Corrupção Eleitoral. Objeto do Controle. Técnicas de Controle/Um Estudo Comparativo. Referências.

1. Aspectos gerais

É lugar comum retomar o tema corrupção a cada início de período eleitoral, por ocasião desses

momentos em que a atividade de “fund raising” se acelera, adota tons mais agressivos e a demanda de recursos

financeiros para enfrentar os custos da campanha eleitoral transforma partidos políticos e candidatos em

espaços amplamente permeáveis à ação corrosiva de lobbies, de grupos de pressão, das potências econômicas

e, em geral, de interesses individuais e individualísticos.

De fato, a atividade política, os meios e técnicas de difusão das idéias, os instrumentos de conquista de

novos simpatizantes e adeptos, demandam importâncias cada vez mais volumosas, principalmente, nos dias de

hoje, diante das sofisticadas metodologias de marketing político de avançada tecnologia e precisão.

A título ilustrativo, basta verificar, entre nós, o valor, não desprezível, do voto:

O preço do voto* Qual o valor de uma campanha política em reais Deputado federal

400 000

Senador 1,5 milhão Governador 15 milhões Presidente 35 milhões

*Fonte: revista Veja, ed. de 25 de fevereiro de 1998

E mais, o pleito em nível municipal de 2000, a maior eleição da história, por ter envolvido 321 000

candidatos (306 000 para vereador e 15 000 para prefeito), 5 milhões de cabos eleitorais e militantes, 355 000

urnas eletrônicas e 1,9 milhão de mesários e escrutinadores, foi realizado a um custo de cerca de 2 bilhões de

∗Professora Associada de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Presidente da Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito – USP. Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professora Titular de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Procuradora Geral do Município de São Paulo (1994 - 1996). Secretária dos Negócios Jurídicos do Município de São Paulo (1995 - 1996). Procuradora Municipal do Município de São Paulo (1972/1996). Chefe do Gabinete do Vice-Governador do Estado de São Paulo (2003-março/2006). Assessora Especial do Governador do Estado de São Paulo (2006). Consultora jurídica em São Paulo.

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reais ou 700 milhões de dólares.1

Mais até, de conformidade com pesquisa procedida junto aos TRE´s, o custo médio por voto

conquistado, nesse último pleito municipal (ano de 2000), foi identificado como de R$ 2,05. É certo que,

em alguns municípios, a campanha foi mais dispendiosa, elevando essa média, e, em outros, o valor restou

aquém desse montante. Em verdade, no panorama brasileiro, municipal, a campanha encontrou um clima

extremamente conturbado diante dos inúmeros escândalos envolvendo corrupção, principalmente no Município

de São Paulo, onde vários vereadores tiveram seus mandatos cassados, por via de processos decorrentes de

CPI´s2. O ambiente, pois, mostrava-se propício para a redução dos gastos e campanhas mais modestas.

Assim é que poderíamos oferecer a seguinte visualização do valor investido, por voto3:

Prefeito/Partido/Município4

Valor do Voto em reais

Quanto gastou comparado com a média de R$ 2,00

Cássio Taniguchi PFL, Curitiba

3,37 65% a mais

Edmilson Rodrigues PT, Belém

2,87 40% a mais

Alfredo Nascimento PL, Manaus

2,84 39% a mais

Juraci Magalhães PMDB, Fortaleza

2,72 33% a mais

Pedro Wilson PT, Goiânia

2,59 26% a mais

Antonio Imbassahy PFL, Salvador

2,21 8% a mais

Tarso Genro PT, Porto Alegre

1, 76 14% a menos

Célio de Castro PSB, Belo Horizonte

1,66 20% a menos

Marta Suplicy PT, São Paulo

1,23 40% a menos

César Maia PTB, Rio de Janeiro

0,77 63% a menos

João Paulo PT, Recife

0,52 75% a menos

Diante desse quadro, que, de qualquer forma, revela o dispendioso custo da atividade política e

apesar da observação lançada por V. O Key Jr., no sentido de que contribuir para atividades político - eleitorais

1O levantamento foi efetuado com base em dados fornecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral que cuidou de uma consulta eletiva a abarcar 109 milhões de eleitores a exercer o direito de sufrágio em 5 549 municípios.

2O período do mandato do Prefeito Celso Pitta em São Paulo (1997 a 2000) foi atingido por uma série de CPI`s, chegando-se a, até mesmo, instaurar um processo de “impeachment” contra o próprio alcaide. Este não teve sucesso e o prefeito chegou a completar o seu mandato de 4 anos. No entanto nesse período, a exemplo do ambiente italiano de 1992, vários políticos perderam o mandato e passaram a responder criminalmente pela prática de atos rotulados de “corrupção”. Nesse rol o caso do Vereador Vicente Viscome (até hoje preso), de Maria Helena Pereira Fontes, do PL, conhecida por andar armada com um revólver de calibre 32 e pelos rompantes de agresividade (Cf. revista Veja, edição de 11 de agosto 1999), do Deputado Hana Gharib, envolvido em episódios de corrupção ainda na vereança, em São Paulo, e outros tantos.

3Os dados apresentados na tabela foram extraídos da revista Veja, edição de 20 de dezembro de 2000, p. 36. 4Cuida-se dos Prefeitos de capitais, eleitos no último pleito de 2000.

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e partidos deva ser considerado quase: “as honorable in motive as alms giving”, a verdade é que o processo de

arrecadação, as dádivas e os gastos têm sido encarados com bastante reserva não só em virtude do lastro de

dependência que possam originar, como também em face do iminente perigo de desfiguração da vontade

popular expressa pelo sufrágio.

Reflexo desse panorama, ainda, os infindáveis escândalos eleitorais que vem aflorando em todas as

partes5 e que integram um negro repertório de casos a envolver captação, dispêndio e irregular uso de

dinheiro no curso de campanhas políticas, muitas vezes transitando esse numerário numa via marginal,

secreta e inaccessível a qualquer controle e a justa preocupação no sentido de inibir a ação corruptora do

financiamento político-eleitoral.

Convém, no entanto, registrar que a corrupção não pode ser entendida como um estigma peculiar e

particular ao campo do financiamento político-partidário-eleitoral. E, portanto, aí não pode vir a ser isolada como

fenômeno exclusivo. Em verdade, como já assinalado em outros trabalhos6, vem ela acompanhando a própria

evolução do mundo. A Bíblia Sagrada não a ignorava, apresentando-se de elevada sensibilidade a passagem

que recomenda: “Não receberás dádiva, porque a dádiva cega aos que a vêm e perverte as palavras justas.”

(Êxodo, XXIII – 8).

E hoje, vê-se o mundo abalado por um processo de corrupção globalizado, notadamente, em razão

da acelerada linha de integração do comércio e dos mercados financeiros, fatores de elevada ingerência e

produtores de corrupção, fato a impor aos analistas posturas inovadoras, na busca de instrumentos mais

adequados ao seu combate, agora, em nível internacional. 7

Espelhando essa preocupação, a esse passo em espectro internacional, o conhecido Índice de

Percepções da Corrupção (IPCorr), uma iniciativa da Universidade de Göttingen e que foi adotado pela

Transparência Internacional (TI), uma ONG com sede em Berlim e que tem por meta a erradicação do

fenômeno no mundo. Nesse propósito e com uma atuação de bastante evidência, essa entidade elabora e

publica periodicamente o ranking dos países em matéria de corrupção, com base exatamente no IPcorr, ou seja

no grau perceptível de corrupção. A Revista The Economist, edição de 30 de junho a 6 de julho/2001, divulgou o

índice, apresentando uma escala8 em que a Nigéria encabeça a lista dos mais corruptos e o Brasil ocupando a

46a. posição, ex vi do seguinte quadro:

5Clássicos já se apresentam os casos Baker, Dodd e Watergate, integrantes do longo elenco de exemplos extraídos do panorama norte-americano. Ver a respeito o nosso Finanças partidárias. Brasília: Ed. do Senado Federal, 1983. Também, na Áustria, célebre é o escândalo a envolver a construção do Hospital Geral de Viena, que acabou por rotular esse país, na Europa, como uma república particularmente corrupta. (cf. SCAEFFER, Heinz, Finanziamento della política e corruzione: il caso austríaco. In: LANCHESTER, Fulco (A cura de). Finanziamento della política e corruzione. Milano: Giuffrè, 2000. p. 101 e ss. E, mais recentemente, os episódios a conduzir, entre nós, ao impeachment do Presidente Fernando Collor, os fatos referentes ao governo socialista espanhol de Felipe Gonzáles, as investigações que ainda estão em curso relativas ao Presidente francês François Mitterand e, por que não arrolar aqui, as denúncias contra o Primeiro Ministro germânico Helmut Kohl, acusado, ao final do ano de 1999, de ter recebido doações políticas, irregulares, destinadas ao seu partido, o CDU (União Democrata-Cristã), criando, para tanto, “contas secretas”. (v. nesse sentido, O Estado de São Paulo, ed. de 30.12.99, p. A 14, The Economist, janeiro/fevereiro de 2000, p. 57 e ss

6Ver a respeito o nosso Legalidade, legitimidade e corrupção em campanhas eleitorais. São Paulo: Centro de Estudos Políticos e Sociais, CEPS, 1994. 24 p. (Cadernos Liberais/CEPS/D).

7SCHÖNBOHM, Horst. La corrupción en el derecho comparado. In: U �BERHOFEN, Michael (Ed.) La corrupcio’n en el derecho comparado. Buenos Aires: Ciedla; Fundacio �n Konrad Adenauer, 1997 e.V.

8Na referida escala cada país é citado com um valor único numa linha que vai de 0 a 10, sendo o 0 referente a “absolutamente corrupto” e 10 a “absolutamente íntegro” - in SPECK, Bruno Wilhelm. Mensurando a corrupção: uma revisão de dados provenientes de pesquisas empíricas. In: Os custos da corrupção. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, Centro de Estudos, 2000. p. 25-26.

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Impende, pois, antes de se adentrar no exame da corrupção no específico campo do financiamento das

atividades político-eleitorais, uma breve incursão na análise intrínseca do próprio fenômeno.

2. Corrupção: conceito e tipos

Pois bem, nesse escaninho, a primeira dificuldade enfrentada pelo pesquisador é pertinente ao

delineamento de um conceito preciso de corrupção. Como definir este fenômeno – indaga-se – já que

noções com as quais mantém evidente vizinhança e que o complementam, a exemplo de concussão, tráfico de

influência, prevaricação, propina, improbidade etc. reivindicam, sistematicamente sua individualidade e

originalidade. E, ademais, é mister que se ressalte a conotação difusa do termo, de elevada plasticidade, bem

assim a refratária postura doutrinária que vem dedicando ao tema tímidas investidas, talvez em face da

penosidade da tarefa de se indicar um tratamento terapêutico adequado a obter respostas satisfatórias. Assim,

poderíamos anotar que o termo corrupção indica quaisquer ações praticadas de forma camuflada, a partir

de uma zona de penumbra, à margem das linhas comportamentais norteadas pela lei e pela moral,

sempre com vistas à obtenção de vantagens individuais ou em prol de um grupo, intangíveis pelas vias

ordinárias.

De fato, verificando o verbete no Dicionário Aurélio: “corrupção – (do lat. corruptione) – S. f. 1.Ato ou

efeito de corromper, decomposição, putrefação. 2. Devassidão, depravação, perversão. 3. Suborno, peita.9.

E o moderníssimo Houais explicita:

Similar a esses conceitos, as definições contidas no Black´s Law Dictionary, in verbis: “Corrupt –

Spoiled; tainted; vitiated; depraved; debassed; moraly degenerate. As used as a verb, to change ones morals

and principles from good to bad. ... Corruption – An act done with an intend to give some advantage

inconsistent with official duty and the rights of others. The act of an official or fiduciary person who unlawfully and

wrongfully uses his station or character to procure some benefit for himself or for another person, contrary to duty

and the rights of others. See Bribe; Extortion”.10

Nessa trilha, ainda, a observação de PHILIPPE ARDANT, no sentido de alinhar à idéia de corrupção

“as situações e os meios de pressão ilícita e oculta utilizados para a obtenção de resultados que os

procedimentos legais não garantam”11.

A seu turno, MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, em palestras proferidas sobre o tema, associa

o sentido genérico do elemento corrupção a “tudo o que for condenável”, frisando o sentido metafórico do

vocábulo – “a podridão interna de um fruto que vez ou outra arrebenta”.

Forçoso, portanto, reconhecer a presença da corrupção em todos os escaninhos que a vasta teia de

relações sociais desvenda. Sob nuanças e coloridos diferenciados, o fenômeno atua nos mais variados setores

da atividade humana, tanto no campo empresarial, como no político; em esfera pública e na privada. Esta

evidente flexibilidade do elemento corrupção – com o seu potencial mutante – lhe assegura aclimatação a

distintas situações, conduzindo a uma vasta possibilidade classificatória, na conformidade com as suas múltiplas

manifestações e atendendo às diferentes perspectivas do analista.

9FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 486.

10BLACK, Henry Campbell. Black´s law dictionary. St. Paul Mn, EUA: West Publishing Co. 1990. p. 345. 11ARDANT, Philippe. La corruption. Pouvoirs, Paris, n. 31, 1984.

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Assim é que, num primeiro plano é viável apresentar uma classificação partindo do critério do lócus

que a acolhe, onde se identifica:

a) a corrupção praticada no âmbito governamental e

b) a corrupção que se opera na área privada.

No que toca a primeira das categorias, pouco há que se alinhavar, refletindo tal modalidade condutas

que, em menor ou maior grau, se apresentam contrárias às boas práticas governamentais, as quais devem

perseguir metas de interesse público. Alberga esta categoria situações a envolver servidores públicos atuando

em proveito próprio, de seus amigos ou familiares, ensejando a incidência de figuras penais (crimes funcionais,

a improbidade administrativa) ou ilícitos administrativos. Nesse escaninho, posiciona-se, por evidente, a

atuação dos administradores públicos (agentes políticos), atuação acobertada pela aparência de legalidade;

adentra-se nos domínios do desvio do poder, do abuso do poder a conter atos, muitas vezes formalizados

por lei, os quais, todavia, estampam a intenção de alcançar interesses estranhos aos fins públicos.

De maior interesse, no entanto, afigura-se a segunda das hipóteses apresentadas: a corrupção

praticada a partir da esfera privada, não governamental. Isto porque essa categoria detém efeito infiltrante,

podendo contaminar o setor público, comportando, pois, desdobramentos a demandar maior atenção. Assim,

nesses domínios depara-se o analista com a corrupção bi-setorial, a abarcar figuras como: o suborno a

burocratas, o suborno do Judiciário, o suborno de políticos12.

Sob a ótica da intensidade do mecanismo utilizado para produzir corrupção, MANOEL GONÇALVES

FERREIRA FILHO destaca: o suborno, o favorecimento o salopamento.

Nova possibilidade classificatória é vislumbrada se o enfoque da análise fixar a qualidade dos efeitos

produzidos por força de ação corruptora. É que, as conseqüências, via de regra nocivas e prejudiciais ao

corpo social, por vezes, podem assumir contornos favoráveis e vetoriais do desenvolvimento.

Nessa linha, inovadores e, de certa forma, corajosos os registros de OSTERFELD13 no sentido de

acoplar o rótulo de benéfica à corrupção praticada, por exemplo, pelos ambulantes para obter a respectiva

licença em países onde o mercado de trabalho se apresenta deficitário e, portanto, conta com elevados índices

de desemprego. Nessa condição, o ato marginal conduziria a resultados benéficos, positivos, concorrendo,

inclusive, para uma reorientação normativa, no sentido de adequar o quadro normativo à realidade social. Daí a

distinção idealizada entre a corrupção de:

a) resultados positivos;

b) resultados nocivos.

Aliás, aplicado referido critério ao campo do suborno de políticos, alcançar-se-ia, ainda na visão de

OSTERFELD,

a) a corrupção de caráter expansivo e

12Ver nesse sentido, OSTERFELD, David. Corrupción y desarrollo. Contribuciones, Buenos Aires, ano 9, n. 2, p. 163, 1992. Publicação trimestral da Konrad Adenauer Stiftung.

13Id. Ibid.

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b) a de caráter restritivo14.

A primeira corresponderia a uma atuação que, conquanto afastada do quadro legal, concorreria de

forma a estimular o desenvolvimento, como elemento de incentivo a remodelações de cunho legislativo e

acomodações às exigências de um novo quadro econômico e social. Sensível à idéia apresenta-se o

entendimento de JEANNE BECQUART-LECLERCQ, em estudo que aborda os “Paradoxes de la Corruption

Politique” e onde anota, a título de justificativa funcional da expansão das práticas de corrupção, o seu efeito de

“óleo lubrificante da engrenagem”. 15 Isto porque a sua dinâmica autoriza, não raras vezes, uma participação

direta na esfera do poder e, de outra parte, agilizando o oferecimento de respostas governamentais mais céleres

e consentâneas com as expectativas sociais, contribuirá para o atingimento de índices mais elevados de

eficiência administrativa. A segunda, a corrupção restritiva, ao invés, contraria as liberdades públicas, obsta o

progresso e reduz o crescimento social, atuando, destarte, de forma prejudicial e de inequívocos efeitos

negativos.

Na esteira das múltiplas possibilidades classificatórias que o fenômeno corrupção autoriza, oferece

BECQUART-LECLERCQ uma interessante visão classificatória do fenômeno corrupção, a partir do critério

funcional:

a) a corrupção atuando na consolidação de uma rede de relacionamentos a assegurar à

sociedade civil o acesso, muitas vezes bloqueado, ao mundo das decisões políticas; uma rede de

relações “de atuação discreta e sigilosa a franquear as fronteiras da legitimidade, senão da própria

legalidade”;

b) a corrupção operando uma ilegal e irregular redistribuição de recursos públicos, por via

paralela, contemplando grupos que, por meios legais, estariam excluídos. Nesse escaninho

situam-se as contribuições reservadas a partidos políticos de sustentação governamental por

entidades que firmam contratos com os governos. Essa específica modalidade, de fato, é amplamente

detectada no cenário internacional, onde inúmeros são os casos registrados pela literatura

especializada, pela imprensa e pela mídia;16

c) a corrupção atuando como “cimento” a fortalecer a solidariedade, tanto entre as elites políticas e

econômicas, como, ainda, entre partidos políticos, atuação que, em geral, implica na possibilidade de,

por exemplo, utilizar a máquina estatal para campanhas político-eleitorais. Nessa esfera, ainda, a

tradicional obrigação dos servidores públicos (notadamente daqueles que ocupam cargos de

confiança, em comissão) de reverter em favor do partido vencedor do pleito uma porcentagem de

seus vencimentos, prática que nos Estados Unidos se tornou famosa com o “2% Club” do Estado de

Indiana, que impunha a todo trabalhador/empregado a contribuição, em forma de taxa, para o maior

partido local e aos funcionários públicos contribuição similar para o partido situacionista.17

14OSTERFELD, David. op. cit., p. 174. 15BECQUART-LECLERCQ, Jeanne. Paradoxes de la corruption politique. Pouvoirs, Paris, n. 31, 1984. p. 19. Aliás, é interessante a expressão em francês : l´huile dans les rouages”, utilizada pela autora.

16Nesse nicho situam-se os casos do Chanceler germânico Helmut Kohl, do governo socialista espanhol de Felipe Gonzáles e o francês de François Mitterrand (nota n. 3); em terreno brasileiro, doméstico, encontramos os episódios a envolver várias Comissões Processantes de Inquérito (CPI´s) em nível municipal, a exemplo do caso do lixo em São Paulo.

17cf. BECQUART-LECLERCQ, Jeanne. op. cit., p. 24.

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3. Corrupção e Anomia

Parece-nos relevante, a esse passo, uma reflexão acerca da possibilidade de irrupção de condutas

corruptoras em ambientes desestruturados, marcados por processos de erosão da lei e da ordem. Este é o

estado de anomia, caracterizado pela ausência de normas, ou melhor, pela perda de eficácia da ordem jurídica,

cujos efeitos são discutidos por DAHRENDORF no clássico “A Lei e a Ordem”18. Em verdade, a idéia de anomia

a designar o estágio de um Estado em deterioração, caracterizado pela inobservância da ordem jurídica, pela

impunidade, enfim por profunda crise a perturbar a sociedade, foi introduzida por DURKHEIM, no célebre

“Suicide”19. Encontrou, contudo, na obra de DAHRENDORF uma das mais aprimoradas análises, sob a ótica

liberal.

O diagnóstico de anomia a atingir uma determinada sociedade, porém, implica na falta de um quadro

normativo que tenha assegurada a implementação de sua eficácia. Deriva, assim, de uma ruptura na estrutura

social e produz o afastamento entre a norma posta e o grupo social , aniquilando aquela. Nesse panorama,

destarte, não há que se falar em corrupção. Esta implica no reconhecimento da existência de uma ordem legal,

orientada por valores culturais e, à margem dessa ordem, uma outra, paralela, meramente operacional.

Forçoso convir, porém, que o fenômeno da corrupção, quando elevado a potências máximas,

poderá conduzir à anomia, uma plataforma de deterioração total; alcançado esse momento – qualificado

pelo vazio de normas coercitivas – a corrupção perde sua função e linha operativa. Não há mais razão para o

acionamento deste conceito. E, na qualidade de fenômeno da patologia política e econômica, nesse quadro de

deterioração, atos – que em situações de normalidade seriam rotulados de corrupção – acabam igualando-se e

nivelando-se ao próprio clima degenerativo, de anomia, ali instalado.

4. A Corrupção Eleitoral

A relevância do processo eleitoral para as democracias é evidente. Ninguém ignora o fato de que

eleições são convocadas toda vez que um regime democrático se instala em determinado Estado. É que, no

mundo atual, irrealizável e utópica a idéia do demos governante – um povo, reunido em praça pública, adotando

as decisões políticas de per si. Impõe-se, ao menos, que esse mesmo demos possa, livremente e contando

com elevado grau de assepsia, escolher os homens que, em seu nome, estarão legitimados a debater e

deliberar sobre as questões de interesse público20. Daí porque, assume o período eleitoral a configuração de um

dos mais preciosos e peculiares momentos da democracia, com estreita vinculação com a exigência de “free

and fair elections”, elemento de maior densidade dentre os caracteres de definição do modelo democrático, que

repousa sobre bases preordenadas ao atendimento da exigência de eleições livres e amplamente

competitivas para a seleção dos representantes e dos dirigentes de postos executivos

Pois bem, exatamente nesse ambiente que, do campo da patologia eleitoral e partidária, emerge o

fenômeno da corrupção a atingir, preferentemente, o espectro financeiro das campanhas, um dos campos

de extrema permeabilidade e, ao que tudo indica, de difícil imunização no tocante aos elementos poluentes que

deterioram o momento de exteriorização das preferências eleitorais, maculando os respectivos resultados.

18DAHRENDORF, Ralf. A Lei e a ordem. Tradução Tamara D. Barile. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1997. 19DURKHEIM, Emile. Suicide. Glencoe, Illinois: Free Press, 1951. 20MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat, barão de la Brède. Espírito das Leis. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962.

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Em verdade, falar em dinheiro como fator de corrupção no campo das campanhas eleitorais é mero

simbolismo. A luta que nesses domínios é travada constitui pura disputa de poder ou em busca de prestígio.

Portanto o dinheiro comparece como algo instrumental, o meio que viabiliza alcançar o poder, o prestígio ou

outros objetivos perseguidos. Por isso, relevante é identificar a sua origem, como, ainda, o seu destino, ou seja

como é gasto, pois essa é a trilha que irá desvendar a linha utilizada para a conquista de influência a ser

convertida em outras vantagens e recursos próprios da esfera do poder político.

Nesse sentido a advertência de HERBERT E. ALEXANDER: “...money also is a tracer element in the

study of political power. Light thrown upon transactions involving money illuminates political processes and

behavior and improves understanding of the flow of influence and power.”21

Forçoso convir, pois, que a idealização de um sistema de controle apto a assegurar a integridade do

processo eleitoral, sob o comando de seus corolários básico – “free and fair elections” e “one person, one vote” -

apresenta-se impositiva, porquanto o que deve se perseguir é exatamente essa luminosidade sobre as

atividades de arrecadação e gastos de partidos e candidatos, incidente, inclusive, sobre os aportes legais.

Pois bem, dois, a nosso ver, constituem os pontos nevrálgicos do tema atinente ao controle da faceta

financeira do processo eleitoral. O primeiro consiste em definir o campo que deve ser submetido a controle.

O que se deve fiscalizar e em que momentos.

Já sob um outro enfoque é mister impedir que o controle incidente sobre as operações financeiras

dos partidos - em períodos pré-eleitorais ou não – venha a nulificar o direito de livre manifestação e

exteriorização do pensamento, a liberdade de atuação política, de pregação, de batalhar pela conquista dos

votos, enfim de agir politicamente buscando expandir a respectiva densidade eleitoral, ampliar sua

representatividade, perseguir o atingimento da meta máxima que é a de alcançar o poder22.

21HERBERT, Alexander E. Financing politics, money, elections and political reform. 4. ed. Washington-DC: Congressional Quartely Press, Foreword, 1992. p. 3. Tradução nossa: “... o dinheiro constitui traço elementar ao estudo do poder político. Conhecer as transações que envolvem dinheiro coloca à luz os processos políticos e o comportamento e implementa o entendimento acerca das ondas de flutuação das influências e do poder”.

22A liberdade de manifestação – a liberdade da palavra – em períodos eleitorais, o que impede limitações excessivas sobre os gastos que os candidatos venham a realizar para poder alcançar os seus eleitores, foi um dos pontos consagrados por força da decisão BUKLEY X VALEO, (proferida em 30 de janeiro de 1976, pela Suprema Corte dos Estados Unidos. A discussão girava em torno das limitações de campanha introduzidas pela Emenda de 1974 e acabou impondo ao Congresso norte-americano a revisão do quadro normativo em 30 dias. Ver a respeito: HERBERT, Alexander E. op. cit., e nosso Finanças partidárias, cit. p. 68-69.) E, mais recentemente, na Grã-Bretanha, atrai a atenção dos analistas o caso Bowman, que provocou decisão emanada da Corte Européia, similar ao precedente norte-americano, acima referido, no sentido de que os limites estabelecidos para fins de despesas eleitorais não podem representar restrição injustificável à liberdade de expressão. Cuidava-se nesse caso de ação levada a efeito por Phyllis Bowman, diretora executiva da Sociedade para a Proteção dos Nascituros (SPUC – Society for the Protection of the Unborn Child). No período anterior às eleições inglesas de 1992, Phyllis distribuiu milhares de folhetos e volantes de propaganda de 3 candidatos, principalmente no colégio eleitoral de Halifax. Acusada de ter violado o art. 75 do Representation of the People Act, por gastos excedentes na promoção de campanha eleitoral de candidato e sem a autorização deste – simplesmente na qualidade de terceiros simpatizantes – Bowman levou o caso à Corte Européia, onde obteve referida decisão favorável e que, de certa forma, interferiu nos estudos que estão sendo realizados na Inglaterra em busca de uma remodelação da legislação eleitoral, incluindo a questão do financiamento. (Neste sentido as Comissões: Neill Comittee e Lord Jenkins Comittee) - FISHER, Justin. Il finanziamento dei partiti politici in Gran Bretagna. In: LANCHESTER, Fulco (A cura de). op. cit.

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5. Objeto do Controle

Pois bem, sob o prisma da área sujeita à vigilância, contrariamente ao que usualmente ocorre, ou seja

uma preocupação específica voltada aos gastos eleitorais, parece-nos irretorquível o fato de que a sua

incidência tanto deve recair sobre a arrecadação e as fontes desses aportes, como, ainda, sobre as

despesas, escaninho que implica na verificação de sua legitimidade do montante de recursos utilizados e a

moralidade dos meios e técnicas a envolver sua aplicação. Isto porque a obtenção de recursos financeiros, além

de árdua, oferece-se de extrema periculosidade, porquanto é nesta etapa que se descortina um promissor

campo à ação corruptora de elementos ou organizações que, por intermédio do financiamento das campanhas,

visam conquistar margens de influência nos canais decisórios do Estado.23

Assim é que, no panorama definido pelos americanos sob rótulo de “raising the money” (fund raising-

uma especialidade, hoje em dia, bastante valorizada), é que o analista detecta um ponto de alta

vulnerabilidade a abrir a porta para a atuação desintegradora dos lobbies, o uso indireto e indevido da

máquina estatal e, ainda, a interferência da fortuna pessoal que acaba por desequilibrar o ambiente da

disputa.

Entre nós, o legislador, ao editar a Lei n. 9 504, de 30 de setembro de 1997, aprimorando os textos que

comandaram os pleitos de 1994 e 199624, estabeleceu normas mais consentâneas com as práticas de

arrecadação de fundos, reconhecendo e regulamentando a captação de recursos no âmbito da esfera

privada, de pessoas físicas e jurídicas, de molde a assegurar um determinado equilíbrio à campanha, e a

transparência necessária a identificar as fontes de financiamento que operam por de trás dos partidos e dos

candidatos, enfim medidas que buscam garantir a lisura e a autenticidade das consultas. Aprimorou o

mecanismo pertinente à inserção de tetos máximos de contribuição e acerca do controle das interferências

advindas da utilização dos bens públicos.

O tema, aliás, vem tratado em capítulo específico, sob a rubrica “Da Arrecadação e da Aplicação de

Recursos nas Campanhas Eleitorais” (Lei n. 9 504, de 30 de setembro de 1997, arts. 17 a 27), preceitos que,

no entanto, não detém exclusividade na regulamentação, porquanto outras normas, inseridas no bojo de textos

legislativos diferentes, a exemplo da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei n. 9.096, de 19 de setembro de

1995), a seu turno cuidam da matéria.

De forma geral, os aportes autorizados, nos termos do art. 20 do referido diploma (Lei n. 9 504, de 30

de setembro de 1997), devem advir do próprio partido, do comitê financeiro, do Fundo Partidário (sempre

canalizados por intermédio dos partidos), de pessoas físicas ou jurídicas (excluídos aquelas sobre as

quais incidem vedações – art. 24), e recursos próprios do candidato.

23Theodor Roosevelt, aliás, já em 1905 já reclamava pela necessidade de vedação de contribuições a partidos e a candidatos, recomendando que a lei viesse a proibir “todas as contribuições oferecidas por associações a qualquer partido político ou para qualquer fim político” (in Finanças partidárias, cit. p. 18-19).

24Entre nós, até o advento do diploma de 1997, era da tradição eleitoral a edição de um texto legal específico para cada pleito. É, sem dúvida, louvável a ação do legislador, produzindo um documento com o ar de generalidade e permanência, buscando, assim, evitar o casuísmo típico da esfera eleitoral. Aguarda-se, porém, com curiosidade, verificar em que medida esta lei (Lei n. 9.504/97) resistirá ao tempo e às demandas políticas a indicar a necessidade de ajustes para cada consulta eleitoral. Por ora, com poucas alterações (A Lei n. 9.840, de 28 de setembro de 1999, alterou o seu art. 73, § 5o , revogou o § 6o do art. 96 e introduziu um art. 41-A), o documento serviu de regência às eleições nacionais de 1998, ao pleito municipal de 2000 e, aguardam-se as alterações a albergar a realização da consulta, de caráter geral/nacional de 2002.

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Interessante a perspectiva do legislador brasileiro que admite doações de pessoas físicas para

campanhas eleitorais, somente, “a partir do registro dos comitês financeiros” – (art. 23 - Lei n. 9 504/ 1997),

enquanto que na França, por exemplo, se reconhece o fato de que, durante todo o ano que precede as eleições,

essa atividade deve ser permitida e regulada (artigo L. 52-4, do Código Eleitoral, por força de alteração

introduzida em 1995)25

Restam vedadas, no entanto, contribuições oriundas de: entidades ou governos estrangeiros, órgãos

da Administração Pública Direta ou Indireta, concessionários ou permissionárias de serviços públicos, entidades

de utilidade pública, sindicatos, pessoas jurídicas que recebam auxílios financeiros estrangeiros ou beneficiados

com contribuições compulsórias fixadas por lei e, ainda, cataloga o legislador, na rubrica de ingressos

financeiros indevidos, quaisquer colaborações à campanha, por meio de material, serviços, locação de bens e

uma série de condutas que implicam em recursos oferecidos de forma camuflada (Lei n. 9 504/97, art. 26).

Singular a norma do art. 27, da já assinalada lei eleitoral, que consagra, entre nós, embora ainda de

forma tímida, prática já consolidada em território norte-americano. Trata-se da debatida atuação dos Political

Action Comittees, organizações de simpatizantes das campanhas político-eleitorais que são constituídos por

ocasião dos momentos pré-eleitorais e que atuam no domínio do “fund raising”, arrecadando contribuições de

reduzido valor, sem necessidade de registro quanto à origem. Importa, sem dúvida, numa fórmula de estimular a

participação política e o exercício da cidadania. Implica, no entanto, também, num mecanismo de arrecadação e

de realização de despesas de campanha fora do alcance do controle efetivo que é proposto nesse domínio26.

De fato, introduz aquele preceito (art. 27 da Lei n. 9 504/97) nova modalidade de colaboração com

campanhas político-eleitorais: a possibilidade de qualquer eleitor “realizar gastos, em apoio a candidato de

sua preferência, até a quantia equivalente a um mil UFIR, não sujeitos a contabilização, desde que não

reembolsados.” Ora, a técnica é excelente e oferece a brecha para, por via de múltiplas e pequenas

contribuições, passe o dinheiro de campanhas a circular por uma via marginal, sem qualquer transparência e a

salvo de qualquer controle27.

O impacto da Emenda Constitucional n. 16, de 4 de junho de 1997, que inovou no tocante ao

tratamento do instituto da ireelegibilidade28, suavizando a vedação para permitir que os titulares dos cargos de

Presidente da República, Governador de Estado e Prefeitos venham a postular por mais uma vez, em linha

subseqüente29, o mesmo posto, deflagrou novas limitações às campanhas e, destarte, à liberdade de divulgar

25MANOD, Alain. Le Financement des campagnes électorales. Paris: Berger Levrault, 2000. 26cf. HERBERT, Alexander E. op. cit. 27Referida possibilidade de arrecadar pequenas quantias (de muitos) lembra a polêmica e discutida técnica dos PAC´s que dominam o quadro eleitoral estatudinense. São os Political Action Comittees, que podem ser inaugurados e mantidos por amigos e simpatizantes dos candidatos. Toda a contabilidade corre por conta desses comitês que, a rigor, atuam em prol da candidatura que suportam. Podem receber doações até um determinado limite e, por vezes, até de fontes que não poderiam financiar partidos e candidatos diretamente, a exemplo de sindicatos; podem doar importâncias (até um determinado limite, dependendo da legislação do respectivo Estado) a partidos políticos e candidatos; enfim gozam de uma acentuada liberdade de manipulação de orçamento de campanha, muito mais ampla que a admitida em relação a partidos e candidatos. É verdade que nos domínios norteamericanos, onde cada Estado conta com sua própria legislação eleitoral, inclusive em matéria de “fund raising”, há registros de tratamentos diferenciados, buscando-se limitar a interveniência dos PAC´s no financiamento de candidaturas, em especial, introduzindo limites aos montantes com que tais organizações podem doar à campanha. In HERBERT, Alexander E. op. cit.

28A regra da irreelegibilidade, homenagem ao standard da alternância e modelada de forma a afastar os riscos do continuísmo e a deterioração do pólo do poder por força da ação corrosiva de sua concentração, por um longo período, nas mãos de um grupo ou de um só homem estréia entre nós com o texto da Constituição republicana de 1891(art. 43), afigurando-se ausente tão só na Carta de 1937.

29A possibilidade de recondução do Chefe máximo do Executivo, para mais um mandato consecutivo, encontra guarida na

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posturas e plataformas políticas, disputando a simpatia, a confiança e o voto dos eleitores.

Assim é que, a Lei n. 9. 504, de 30 de setembro de 1997, dedica todo um capítulo às “condutas

vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais” (arts. 73 a 78 – Condutas Vedadas aos Agentes

Públicos em Campanhas Eleitorais), visando impedir o uso da máquina estatal, principalmente, por parte dos

candidatos à reeleição. E mais, as restrições introduzidas foram objeto de reforço por parte da Justiça Eleitoral,

ao baixar as respectivas Instruções, culminando por impedir, de certa forma, até uma adequada segurança das

autoridades, quando em campanha política. Dentre tais proibições pode-se destacar:

� a impossibilidade de participação das campanhas políticas de assessores ou funcionários

subordinados ao pretendente à reeleição, impondo-lhes, para tanto, prévio afastamento do cargo,

o que na prática impunha a realização de atos de campanha eleitoral com vistas à recondução de

uma equipe governamental e para a continuidade do programa desenvolvido por essa mesma equipe,

porém sem a equipe - essa tarefa restou atribuída com exclusividade ao respectivo chefe;

� a impossibilidade de uso de veículo oficial para comparecer a atos de campanha - avião ou

automóvel. Paradoxalmente, o corpo de segurança poderia se deslocar com veículos oficiais e, na

hipótese de aeronave, o usuário restaria obrigado a ressarcir o erário público pelo valor da viagem. A

regra logo fez a primeira vítima, o Ministro da Saúde que se utilizou de aeronave da Companhia

Energética de São Paulo para se deslocar de São Paulo a Piracicaba, para reunião de “cunho

político-partidária”, como alcunhado referido encontro, ensejando a instalação de processo judicial e

condenação da autoridade;

� neutralidade por parte da equipe de segurança que eventualmente acompanhar a autoridade a

eventos de campanha, no sentido de lhe restar vedada a possibilidade de distribuição de material ou

ato que pudesse ser considerado como de propaganda do candidato;

� aparelhos de telefone e fax do candidato a reeleição não podem ser utilizados para contatos de

campanha;

� residência oficial não podendo ser utilizada para jantares ou eventos que possam vir a ser

qualificados como reuniões de campanha político-eleitoral.

Digna de nota, aliás, a última das hipóteses arroladas, a partir do elenco restritivo a incidir sobre os

postulantes a mais um mandato. Isto porque não há como impedir alguém de receber, no local da sua

moradia, quem quer que seja. Não dando abrigo a criminosos, a inviolabilidade do domicílio é princípio

constitucional, território que assegura, também, o direito à privacidade.

Portanto ilusório que tal norma viria a impedir a realização de jantares e almoços com personalidades

importantes na trajetória da reeleição. Nem há que se falar, ademais, que a técnica “Jantar com o Presidente”

configura uma das mais antigas e tradicionais no catálogo do “Fund Raising”, vindo a se celebrizar, na análise

evolução do sistema presidencialista norte-americano, quando, no ensejo de se recusar “replay” à pretensão do Presidente Roosevelt de concorrer a um terceiro e quarto mandatos, foi consagrada, em esfera constitucional, com o advento e a retificação da Emenda n. XXII, a possibilidade de se pleitear uma e uma só vez a reeleição. No panorama sul-americano, contudo, a prática afigura-se rara e de recente introdução. É o que denota a mais breve incursão no quadro dos sistemas eleitorais ali em vigor, onde se destacam, tão só, os exemplos da Argentina e do Perú, que passaram a agasalhar referida postura na década 90, viabilizando a manutenção no poder dos respectivos Presidentes.

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procedida por Prof. Herbert E. Alexander, como financiamento “on the cash and calorie plan”30 31. Absurda a

regra, ainda, porque impraticável uma eficaz fiscalização, passando a se afigurar muito difícil a comprovação de

eventual incidência. Reflete um dispositivo fadado a servir de simples fachada e a uma triste permanência no

papel.

Restou vedado mais: a publicidade institucional, salvo em caso de grave e urgente necessidade

pública, assim entendida pela Justiça Eleitoral, e quaisquer pronunciamentos em cadeia de rádio e televisão

fora do horário eleitoral gratuito, excetuando-se as hipóteses de urgência, a critério da Justiça Eleitoral (art. 73,

VI, b e c), postura legislativa que reintroduziu, entre nós, a censura, abolida pela Constituição de 5 de outubro

de 1988.

Aliás, é de se registrar o diferenciado tratamento oferecido pelo legislador no tocante à reeleição

para os cargos do Legislativo. Nesse terreno, restou consagrada apenas a vedação quanto à utilização da

Gráfica para a produção de material publicitário.32 Nada mais, sob a argumentação de que o parlamentar deve

se comunicar com o seu eleitorado. Mas aí resta a questão: o Chefe do Executivo, que hoje é eleito e cuja

legitimidade encontra por superfície exatamente o seu respaldo eleitoral, não seria merecedor de tratamento

idêntico, mormente ante o “standard” igualitário que preordena os direitos consagrados no Estatuto Fundamental ?

De outra parte, convém reconhecer que, uma vez admitida a hipótese da reeleição, não há como

ignorar o núcleo central em torno do qual gira o Instituto, ou seja a possibilidade que se abre ao eleitor

de realizar uma opção por um programa de governo já em pleno desenvolvimento.

Desse mesmo sentir, a linha jurisprudencial construída a partir dessas novas hipóteses restritivas do

texto legal. Assim, na Representação eleitoral n. 68 - Distrito Federal, o Relator, Ministro Garcia Vieira, do E.

Tribunal Superior Eleitoral, em seu voto vencedor, pronunciou-se:

“A ação governamental do Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social, além de legítima, no âmbito de suas responsabilidades constitucionais e funcionais, não configurando propaganda eleitoral, mas, no máximo, publicidade institucional autorizada por lei ......, em nada permite concluir sobre “conduta tendente a afetar a igualdade de oportunidade entre candidatos” da parte do Presidente da República. A lei não poderia (para ser constitucional) e não pretendeu paralisar a ação governamental, de forma compatível com a correta exegese da Emenda Constitucional n. 16/97, que, segundo orientação jurisprudencial deste Egrégio TSE e do Colendo STF, ao introduzir a possibilidade de reeleição para o Executivo, observa o princípio da continuidade administrativa (vide, e.g., Consulta ns. 327,328,332,Relator o Eminente Ministro Neri da Silveira, e ADIn n. 1.805, idem).” (DJ de 20.08.98, seção 1, p. 73)

E, no âmbito da Representação eleitoral n.57 - Distrito Federal, o Ministro Fernando Neves, Relator,

ressaltou:

30Money in Politics, PAP, 1972, Washington, D.C. e Financing Politics, Congressional Inc. April, 1978. 31Interessante a esse respeito verificar os métodos “on the cash and calorie plan” utilizados na reeleição do Presidente Clinton, eleições de 1996. São apontadas nesse período as seguintes alternativas: uma contribuição de cerca de US$ 25 mil confere o direito a evento com o Vice-Presidente Al Gore; o dobro dessa contribuição implica na possibilidade de uma reunião de 10 pessoas, na Casa Branca, para ver o Presidente e US$ 100 mil viabiliza um jantar com o Presidente no Hay Adams Hotel, na frente da Casa Branca. (apud Times, novembro 11 – 1996, p. 15)

32Nesse sentido e de acentuada flexibilidade o tratamento assegurado, consagrado, inclusive em resposta do E. TSE a consulta promovida pelo Presidente da Câmara dos Deputados, litteris: “Deputados. Trabalhos Gráficos. Possibilidade de que sejam fornecidos pela Câmara, no ano eleitoral, desde que relativos à atividade parlamentar e com obediência às normas estabelecidas em ato da Mesa, vedada sempre qualquer mensagem que tenha conotação de propaganda eleitoral” (Consulta n. 444, Classe 5a. Distrito Federal, DJ 26.06.1998)

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“O que me parece importante examinar é se a publicidade institucional vedada temporariamente pelo art. 73 da Lei n. 9 504, de 1997, abrange as placas de obras ou serviços em andamento, cuja presença decorre de exigência legal ou contratual e não contenha promoção indevida de autoridades, de servidores ou de administrações. .....- e registra o eminente jurista: ....Não me parece que essa placa possa estar incluída na vedação referida, até porque ela atende ao que determina o artigo 16 da Lei 5 194, de 1966: Enquanto durar a execução de obras, instalações e serviços de qualquer natureza, é obrigatória a colocação e manutenção de placas visíveis e legíveis ao público, contendo o nome do autor......., assim como os dos responsáveis pela execução dos trabalhos”(TSE - D.J. 17/08/98, seção 1, p. 53/54) - grifo nosso.

Sob essa ótica, é toda uma equipe governamental e o seu plano que se coloca à apreciação popular. A

opinião pública colhida a partir da consulta eleitoral não será, certamente, influenciada pela equipe de segurança

que acompanha a autoridade a postular a recondução e, também, muito mais visível, digno, e dotado de maior

lisura, o deslocamento com os meios de transporte próprios do cargo que ocupa do que, artificialmente, por

intermédio de equipamentos oferecidos, por vezes, por terceiros, a partir da penumbra.

Isto conduz, fatalmente, a entender como ilusórios os efeitos concretos de grande parte das restrições

introduzidas, em frontal confronto com a técnica mais moderna que recomenda a aplicação da razoabilidade na

inserção de limitações a recursos e despesas no âmbito das campanhas eleitorais, alinhando-se isto a um

regular e eficiente sistema de acompanhamento da atividade financeira e garantia de ampla publicidade33.

Evidente que grande parte do resultado da captação de recursos destina-se à realização de despesas

de publicidade em campanhas eleitorais; daí a tendência de inclusão indireta de aportes, por via de mecanismos

que, dos bastidores, de forma indireta, podem alimentar e incrementar sua evolução. Reflexo imediato as

incessantes tentativas do legislador em impor maior rigor às limitações e restrições, até mesmo diante das

perspectivas de se alcançar situações de favorecimento diante da nova tecnologia.

Assim é que, na onda de atualização do texto de regência dos pleitos eletivos e na expectativa de

obstaculizar benefícios decorrentes de brechas até então inexistentes, há projetos de lei em curso visando:

� regulamentar a propaganda eleitoral por meio de serviços de valor adicionado e Internet, com o

escopo de evitar o abuso do poder econômico (projeto 2.358/2000, de autoria do Deputado Nelson

Proença, PMDB-RS);

� proibir a publicidade de prestadoras de serviços de telefonia que tenham os mesmos números de

identificação de partidos políticos, entre 6 de julho e 30 de novembro de 2002 (projeto 4.867/2001, de

autoria do Deputado Bispo Rodrigues (PL-RJ).34

O campo de incidência do controle abarca, não há dúvida, também, as despesas. E, nesse nicho, cabe

investigar a par da questão quantitativa, também a ótica da legalidade e da moralidade do dispêndio

realizado. São, pois, dois os enfoques reconhecidos e recomendados pelo legislador.

33Nessa linha a obra de KRAEHE, Rainer. Le financement des partis politiques. Paris: FUF, 1972. Sobre o tema, o nosso Finanças partidárias, cit.

34Há outros projetos, da mesma forma relevantes mas que não tocam de perto a questão do financiamento. Merecem especial registro o projeto de autoria do Deputado José Carlos Coutinho (PFL-RJ), que visa preservar a moralidade do cargo público, exigindo para o registro da candidatura o exame antidrogas, e o apresentado pelo Deputado Aldo Arantes ( PC do B – GO), de n. 4.404/2001, que obriga os veículos de comunicação a divulgar pesquisas eleitorais conjuntamente, no ensejo de oferecer ao eleitor a possibilidade de análise comparativa e identificar discrepâncias.

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O primeiro, em verdade, não oferece maiores dificuldades ao analista. Consubstancia-se num exame

acerca da observância dos limites que o próprio partido ou coligação fixou e oficializou (Lei n. 9 504, de 30 de

setembro de 1997/ art. 18).35 Impõe-se a verificação numérica do limite estabelecido, a verificação contábil das

despesas de campanha que não podem ultrapassa-lo e a investigação real do aspecto geral e do volume da

propaganda utilizada, se de conformidade com os números declarados.

O segundo aspecto, qualitativo, o destino e a finalidade dos gastos, todavia, é o que mais de perto

interessa à investigação. É sobre esse específico campo, nos parece, que o analista deve debruçar sua atenção,

porque é nessa esfera que se verificam – ou que se abre a oportunidade para a verificação – de

irregularidades que venham a comprometer a lisura da consulta eletiva, a sinceridade do voto, em razão

da interveniência dos fatores poluentes que maculam a exteriorização da vontade política expressa na

cédula, introduzindo, portanto, máculas sobre o próprio resultado.

Os dispêndios preconizados na lei eleitoral dizem respeito basicamente à publicidade autorizada. Vem,

destarte, cuidados nos capítulos que cuidam dessa temática, a partir do art. 36 da assinalada Lei n.

9.504/97. Evidencia-se, aí, uma forte preocupação em oferecer tratamento distinto aos diferentes métodos de

marketing conhecidos e permitidos, a exemplo daqueles concretizados por via cartazes, equipamentos de alto-

falante e amplificadores de som, sistema de outdoor (art. 42), publicidade por via da imprensa (art. 43) e através

da mídia (rádio e televisão – arts. 44 a 57).

O legislador, em verdade, buscou assegurar um determinado equilíbrio ao desenvolvimento da

campanha, evitando - aliás em homenagem ao próprio princípio inscrito no art. 237 do Código Eleitoral, que

busca inibir a interferência do poder econômico – excessos resultantes da disparidade de recursos. Nesse

diapasão e reconhecendo que períodos longos para a publicidade afiguram-se extremamente onerosos aos

candidatos, consagrou, num primeiro momento, a redução do período de campanha : 3 meses anteriores ao

pleito36 para as fórmulas de marketing que não impliquem em radio e televisão e para esses últimos

veículos, apenas, 45 dias37.

Nessa linha, ainda, a exigência de horário gratuito na rádio e televisão e repartição dos horários,

atendendo à densidade eleitoral do partido ou coligação, ou seja em razão do número de integrantes da(s)

respectiva(s) bancada(s) na Câmara dos Deputados (§ 2o, art. 47- Lei n. 9 504/97). E, mais ainda,a partilha dos

espaços destinados a outdoors, outra questão espinhosa, que põe em relevo o potencial econômico, encontrou

solução nas regras de distribuição por bandas partidárias, em razão da respectiva relevância eleitoral, e por via

de sorteio (art. 42 - Lei n. 9 504/97).

No tocante à prática atinente a cartazes, panfletos, banners, etc, o legislador de 1997 (Lei 9 504/97)

seguiu de perto o texto imediatamente anterior38 e autorizou: a fixação de faixas, placas, cartazes, pinturas e

inscrições em bens particulares (§ 2o, art. 37), a panfletagem na via pública (art. 38), a realização de comícios

(art. 39), a propaganda mediante uso de equipamentos de ampliação do som, no período compreendido entre

as 8 e 22 horas, desde que a 200 metros das sedes dos Poderes Públicos e, quando em funcionamento, dos

35 No quadro doméstico, brasileiro, a fixação do limite de dispêndios por candidatura é obrigação do Partido, figura que deve proceder à declaração e registro desse dado junto à Justiça Eleitoral, sujeita a superação desse limite à sanção pecuniária de multa “no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.” art. 18, § 1o e 2o , Lei n. 9 504/97.

36O art. 36 da Lei n. 9504/97 prevê: “A Propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição”. Considerando que os pleitos se realizam em 3 de outubro – data oficial, isto implica num período de cerca de 3 meses para a campanha publicitária dos candidatos.

37Este é o prazo fixado pelo art. 47 da Lei n. 9 504/97. 38Lei 9 100/95.

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hospitais, escolas, bibliotecas, igrejas e teatros (§ 3o, art. 39). E mais, cometeu ao Poder Legislativo – ou mais

especificamente à sua Mesa Diretora – a deliberação acerca de atos de marketing eleitoral nas suas

dependências (§ 3o, art. 37).

Ao lado desse quadro publicitário, de grande plasticidade quanto aos meios e instrumentos de

divulgação, há, é certo, um considerável elenco de vedações, em sua grande parte destinadas a afastar do

ambiente eleitoral os fatores de poluição, em especial, o uso da máquina estatal (arts. 37), o desrespeito ao dia

de reflexão que é a data da realização das eleições39, que deve assegurar um clima que garanta a assepsia do

voto (§ 5odo art. 39), o uso indevido de símbolos ou imagens governamentais (art. 40), atos de aliciamento (art.

41-A).40

6. Técnicas de Controle Um estudo comparativo

O problema trazido a debate constitui, de fato, o ponto nevrálgico desse estudo, girando em torno da

questão do financiamento da atividade político-partidário-eleitoral. É que essa vigilância deve, a rigor, se mostrar

assecuratória da transparência das operações contábeis, identificando eventuais vínculos, os lobistas e

também o destino do dinheiro. Mais, impõe-se que se apresente de simples manuseio ou seja capaz de operar

de forma célere e segura. Demais disso, é necessário que o sistema seja apto a identificar com segurança os

responsáveis, porquanto a prática de irregularidade sem a devida sanção – em razão da diluição da

responsabilidade – implica num estágio de impunidade que desprestigia qualquer sistema ou técnica de

controle, por mais sofisticado que se apresente o seu mecanismo.

Por derradeiro, não poderá o estudioso ignorar a exigência constitucional atinente à garantia da

livre manifestação do pensamento e das idéias41, afastando os excessos – tendência natural de qualquer

sistema de controle - que limitem e venham a cingir a atividade do candidato direcionada à expansão de suas

propostas, da ideologia e do seu programa.

O método adotado na Alemanha (financiamento pelos cofres públicos42) é que, sob este aspecto,

mais se evidencia, evoluindo para o pedestal de matriz de toda uma linha de tentativas de imitação, sem grande

êxito no entanto.

A sua mola mestra consiste em impor financiamento público para as campanhas político-eleitorais, o

que implica em identificar perfeitamente o volume e a origem dos recursos. Quanto aos gastos, prevê um

ajuste entre as lideranças para a fixação de limites. Em suma a solução germânica, que se destaca, também,

pelo tratamento menos proibitivo, repousa sobre aportes públicos e, conseqüentemente, um rígido controle do

39Um tratamento especial no que concerne ao “Dia da Eleição” já é tradicional em território norte-americano. Entre nós, o legislador, também, lhe oferece um disciplinamento peculiar com vistas a assegurar a livre expressão das preferências políticas. Ver a respeito CAGGIANO, Mônica Herman. Eleições Municipais de 1996, com ênfase para o quadro de São Paulo. Revista Jurídica da Procuradoria Geral do Município de São Paulo, São Paulo, p. 49-83, 1997. p. 49-83.

40Apesar da preocupação com o Dia da Eleição, certo é que esta data tem demandado significativos recursos financeiros aos promotores de campanhas políticas. É, também, do espectro norte-americano que são extraídos os seguintes dados: Election Day (eleições presidenciais de 1996) – dispêndios do Partido Democrata: US$ 250 milhões; Partido Republicano: US$ 400 milhões. (apud Times, novembro 11 – 1996, p. 15)

41Já no célebre caso Buckley X Valeo registrava a decisão do Supremo norte-americano “o candidato, não menos que as demais pessoas, encontra-se amparado pelo preceito do 1o Aditamento, tendo o direito de participar das discussões acerca dos problemas públicos e advogar, tenaz e incansavelmente, sua eleição...”. (v. Finanças partidárias, cit. p. 120).

42Em terreno brasileiro tem sido intensa a preocupação legislativa no sentido de introduzir um efetivo financiamento público. Ver o projeto de Lei do Senado, n. 353, de 1999, de autoria do Senador Sérgio Machado, com parecer favorável, que, no entanto, continua em tramitação sem qualquer definição quanto a sua futura e eventual transformação em lei.

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destino dessas verbas. A prestação de contas, pública, deve se realizar sob os “princípios da correta

contabilidade” (art. 28 da Lei dos Partidos Políticos)43.

Vale assinalar que o esquema engendrado afigurou-se, de certa forma, eficaz para refrear a desregrada

e abusiva ação do dinheiro em ambientes político-eleitorais; não os tornou imunes, contudo, a episódios de

malversação do dinheiro, a exemplo dos fatos, noticiados pela imprensa, a envolver o ex - Chanceler Helmut

Kohl44, até hoje sob investigação, em razão de aportes advindos do plano privado para o reforço das finanças

eleitorais.

O quadro norte-americano, que nos oferece um vasto repertório de unsavory tales of political money,45

hoje se apresenta com um sistema híbrido de controle.

Tendo adotado, em termos facultativos, o financiamento público das campanhas46 para os pleitos

presidenciais, gira em torno de limitações - até drásticas – quanto à arrecadação e aos dispêndios. Prevê

sanções e o sistema de fiscalização quanto à observância das leis é atribuído à Federal Election Commission,

apesar das críticas de que tem sido alvo em razão de sua estrutura considerada frágil. Os PAC´s foram

legalizados e a legislação dos Estados tem se orientado, nas suas reformas, pelo modelo federal. Mas

remanesce em panorama americano o problema das “despesas independentes”, isto é de recursos privados que

podem advir de particulares ou de PAC´s sem qualquer interferência de candidato ou de comitê financeiro, e que

podem ser utilizados tanto a favor como contra uma determinada candidatura. E, mais ainda, a questão do “soft

money”, ou seja o numerário que prescinde de declaração quanto à origem e que pode ser utilizado em eleições

locais para uma série de práticas publicitárias – a partir do registro de eleitores, organização das primárias, até a

confecção de bottons, cartazes, panfletos, jornais e tablóides partidários, etc.47

Aliás, o panorama norte-americano, rico em estudos e levantamentos acerca da questão “money in

politics” nos oferece, ainda, uma visão clara da arrecadação oriunda do “hard money”, ou seja a arrecadação

proveniente de fontes regulares e sujeita ao controle da Federal Election Commission, e do denominado “soft

money”, e, conseqüentemente, a relevância desses recursos para efeito de campanha:

43v. CAGGIANO, Monica Herman. Finanças partidárias, cit., p 207 e ss. 44O ex-Chanceler alemão Helmut Kohl, que governou a Alemanha por 16 anos, foi acusado, ao final do ano de 1999, de ter recebido doações políticas, irregulares, destinadas ao seu partido, o CDU (União Democrata-Cristã), criando, para tanto, “contas secretas”. (v. nesse sentido, O Estado de S. Paulo, ed. de 30.12.99, p. A 14, The Economist, janeiro/fevereiro de 2000, p. 57 e ss., The Economist, Dez. 11-17/1999, p. 45). A denúncia foi formulada por um ex-tesoureiro do partido, Walter Leisler Kiep, arrolado num processo atinente à evasão fiscal. Demais disso, está sendo investigada a participação do Presidente da França, François Mitterrand, que teria ordenado o pagamento de uma “comissão” para o partido de Kohl, em cenário de campanha eleitoral para reeleição, em 1994, “comissão” esta proveniente da refinaria ELF nas negociações envolvendo a compra e reforma da refinaria alemã LEUNA. (in The Economist, Jan./Feb. 2000, p. 57 e ss)

45Repulsivas histórias acerca do dinheiro na política – tradução nossa; ver, ainda, Finanças partidárias, cit. 46O financiamento público das campanhas foi uma das bandeiras do Presidente Jimmy Carter, conforme relata HERBERT, Alexander E. op. cit., p. 41. Ademais foi entendido como uma das melhores terapias para impedir a corrupção nos ambientes das campanhas eleitorais, após o episódio “Watergate”.

47Id.Ibid.,p. 66.

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� “hard money” (em milhões de dólares)

Republicanos 1992 1996 164 milhões 278 milhões Democratas 85 milhões 146 milhões

� “soft money” (em milhões de dólares)

Republicanos 1992 1996 46 milhões 121 milhões Democratas 31 milhões 106 milhões

Fonte: Time, Nov. 11, 1996, p. 15.

A seu turno, o modelo francês passou a adotar a opção do financiamento público para as campanhas

(cf. quadro final), vedando, a partir de 1995, as contribuições advindas de pessoas jurídicas e de sindicatos.

Mas, curiosamente, o legislador de 1995 não mais permitiu computar como despesa de campanha, gastos não

autorizados, expressamente, pelo candidato; daí, considerando a inexistência de vedação para que comitês

simpatizantes de candidaturas promovam seus candidatos, as pessoas jurídicas e físicas passaram a

poder realizar doações e financiar tais atividades fora de qualquer controle48. É a transposição para o

cenário francês do modelo “soft money” norte-americano e essa inspiração parece mais evidente ainda se

traçado um paralelo com o PAC´s, que pode ter inspirado o legislador. De qualquer modo, este mostrou-se mais

restritivo do que a regulamentação tedesca, porquanto proíbe contribuições de origem estrangeira e fixa limites

para dispêndios por parte dos candidatos, como também no tocante às doações, impondo ainda a sua

declaração, mediante registro.

No cenário italiano, após o episódio conhecido como ”Tangentopoli”, que desvendou uma extensa

rede de corrupção envolvendo políticos, empreiteiros e intermediários, diversas foram as tentativas de se

introduzir uma adequada regulamentação do quadro partidário, incluindo a questão do financiamento da

atividade política.

A idéia de financiamento público, aliás, foi acolhida em 1974, com o advento da Lei n 195; transcorrido

um período de intensa nebulosidade, porém, em 1997 o legislador introduziu um novo modelo: “o financiamento

voluntário dos partidos políticos” (lei n. 2, de 1997), sem abandonar a idéia de financiamento público que passou

a constar como norma transitória, inserida, por vezes até em textos legais de matiz tributário49.

A perspectiva de edição de novo texto, promovendo o retorno ao financiamento público das atividades

dos partidos e movimentos, foi alcançada com a edição da Lei n. 157, de 3 de junho de 1999, que dispôs sobre

“Nuove norme in matéria di rimborso delle spese per consultazioni elettorali e referendarie e abrogazione delle

disposizioni concernenti la contribuzione volontaria ai movimenti e partiti politici”.

48cf. MÉDARD, Jean-François. Finanziamento della política e corruzione: il caso francese. In: LANCHESTER, Fulco (A cura de). op. cit.

49De fato, a Lei italiana de n. 146, de 8 de maio de 1998, que cuidava da simplificação e racionalização do sistema tributário para o funcionamento da Administração Fazendária, trazia um dispositivo – art. 30, que previa a dotação de 110 milhões de liras a favor de movimentos e partidos políticos. cf. (FROSINI, Tommaso Edoardo. Finanziamento dei partiti e corruzione: brevi note critiche sul caso italiano. In: LANCHESTER, Fulco (A cura di). op. cit., p. 424).

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Porém, perdura, na Itália, a preocupação com a ausência de regulamentação a nortear e disciplinar a

atuação dos partidos e movimentos, ganhando simpatia a proposta legislativa de Mancina (Atto Câmera n.

5326, de 20 de outubro de 1998), que preconiza “Normas sobre a democracia interna dos partidos, sobre a

seleção dos candidatos e sobre o financiamento”.50

Quanto aos mecanismos adotados em terreno brasileiro, o padrão permanece fiel ao método das

limitações e controles relativos. Os limites quanto às doações são pertinentes à pessoa física. Não há tetos

estabelecidos para pessoas jurídicas51. Os limites de gastos, para a realização de campanhas eleitorais, os

próprios partidos apontam (art. 18, caput, Lei n. 9 504/97). É vedada a contribuição financeira oriunda de

entidade ou governo estrangeiro ou que tenha lastro estrangeiro. São afastados os recursos que possam vir

canalizados do erário público, excetuado os do Fundo Partidário, mecanismo de financiamento que busca

implantar aqui o padrão germânico.

Com efeito, a idéia de financiamento público das campanhas, seguindo a matriz alemã, tem

conquistado um número considerável de adeptos, principalmente, em razão da ampla possibilidade de controle

(pelo Tribunal de Contas da União) e, portanto, em face da idéia de garantia de maior transparência que

oferece. Esse Fundo, disciplinado por força da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei n. 9 096, de 19 de

setembro de 1995 – art. 38), iniciou sua trajetória de forma extremamente tímida. Criado em 1965 (Lei n. 4

740/65), foi reforçado no tocante à sua constituição pelo diploma editado em 1971 (Lei n. 5 682/71) e,

remodelado o conteúdo por força da atual LOPP (art. 38), é objeto, hoje, de proposta de reforma de lege

ferenda. Nesse sentido, o projeto de Lei do Senado, n. 353, de 1999, de autoria do Senador Sérgio

Machado, com parecer favorável, que, no entanto, continua em tramitação sem qualquer definição

quanto a sua futura e eventual transformação em lei.

De outra parte, embora, tenha apresentado um volume de recursos maior do que nas primeiras

décadas de sua existência, o Fundo Partidário, ainda, não oferece um suporte adequado para poder suportar o

elevado custo do voto52. Assim é que, a consulta eleitoral, a nível municipal, envolveu um custo de cerca de 2

bilhões de reais, enquanto o Fundo Partidário distribuiu apenas R$ 70.224.978,61(cf. dados do TSE)

Certo é que, o nosso sistema busca respaldo na técnica das vedações (acima especificadas) e na

50cf. FROSINI, Tommaso Edoardo. op. cit., p. 411 e ss. 51De acordo com registros do jornal O Estado de S. Paulo, ed. de 26.11.98 (Fonte:TSE), os principais financiadores das campanhas do atual Presidente da República Federativa do Brasil, Fernando Henrique Cardoso foram: Banco Itaú – 2.6 milhões de reais; La Fonte Investimentos – 1 milhão de reais; Grupo Bradesco – 1 milhão de reais; Banco Real e Banco Real de Investimentos - 1 milhão de reais; Companhia Brasileira de Petróleo Ipiranga - 1 milhão de reais; Inepar – Indústria e Construções – 1 milhão de reais; Copesul – Companhia Petroquímica do Rio Grande do Sul – 1 milhão de reais; Volkswagen Serviços – 0,8 milhão de reais; Florestas Rio Doce – 0,75 milhão de reais; Vale do rio Doce Alumínio (Aluvale) – 0,75 milhão de reais; Estrel Administração e Corretagem de seguros – 0,6 milhão de reais; Gerdau S. A. - 0,6 milhão de reais; Banco Safisa S. A. - 0,6 milhão de reais; BBA Trading – 0,5 milhão de reais; Petroquímica do Nordeste (Copene) - 0,5 milhão de reais; Banco Real - 0,5 milhão de reais; Techint Engenharia - 0,5 milhão de reais; Construtora Andrade Gutierrez - 0,5 milhão de reais.

52O volume de recursos advindos do Fundo Partidário (solução brasileira para o público financiamento das atividades político-partidárias-eleitorais) vem, de fato, se ampliando nos últimos anos, não mais apresentando o tradicional tom anêmico. Assim, em2001 (até 24.09) tinham sido distribuídos recursos no montante total de R$ 65.883.508,49. A partilha, porém, continua sendo regida por regras que privilegiam as agremiações de maior proeminência. O PSDB, partido do Presidente Fernando Henrique Cardoso foi contemplado com a maior fatia: R$ 13.085.723.09 (19,85%); o PFL (partido do Vive-Presidente, Marco Maciel) foi agraciado com R$ 12.910.417,36 (19,58%); o PMDB com R$ 11.322.308,01(17,17%), o PT com R$ 9.846.301,64 (14,94%), o PPB, em decadência, com R$ 8.466.389,87 (12,84%). Mas o restante de partidos, em número de 26, participaram com menos de 1% dessa repartição, com exceção do PSB, que ganhou R$ 717.387,43 (1,09%). Fonte: TSE – partidos. fundo partidário.

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idealização de um mecanismo de controle que, a par do registro das doações, exige escrituração contábil e

uma prestação de contas ao final de cada pleito. Tudo sob o comando da Justiça Eleitoral, responsável

pela fiscalização e pelo atendimento da lei nos períodos eleitorais.

A engrenagem visualizada pelo legislador, porém, ainda não configura o sistema ideal, haja vista o

elenco de casos de espúria canalização do dinheiro nesses períodos. Isto, em parte, em razão das vedações

excessivas que pressionam em demasia partidos e candidatos, conduzindo as finanças político-partidárias-

eleitorais a transitar por uma via marginal, ilegal. E, de outro, porque diante da ausência de um financiamento

público - de difícil prática num país com um erário deficitário e onde o voto tem um elevado preço – a imposição

de transparência é que deveria ser merecedora de maior atenção e privilégio, idealizando-se mecanismos de incentivo

às doações registradas e destinadas a partidos políticos ou candidatos, de molde a, ao menos, aclarar ao eleitor quem

ou que potência econômica encontra-se nos bastidores da candidatura objeto de sua opção política.

Por derradeiro e resultado da pesquisa realizada, é apresentado um quadro ilustrativo do tratamento

dessa questão financeira a envolver partidos políticos e campanhas eleitorais em alguns dos ordenamentos

jurídicos que foram abordados na produção deste trabalho:

País Financiamento Público

Doações de pessoas jurídicas e sindicatos

Doações provenientes do estrangeiro

Limites de Limites de Prestação Doações Despesas de (obrig de Contas declarar) (publicidade)

Bélgica Sim Não Sim US$ 125 Sim Sim Brasil Pouco Só pessoas Jurídicas Não Pessoas O limite Sim

Físicas: declarado 10% do rendimento bruto.

Inglaterra Não Sim Sim Não Recomendo Não Rep. Checa

Sim Sim Sim US$ 2.800 Não Não

França Sim∗ Não∗∗ Não US$ 150*** Sim**** Sim

Itália Sim Sim Sim US$ 2 600 Sim Sim Espanha Sim Sim Não Sim Sim Sim Alemanha Sim Sim Sim US$ 10.300 Não Sim Japão Sim***** Sim Não US$ 475 Sim Sim Suécia Sim Sim Sim Não há Não Sim USA Sim Não; há exceções****** Não US$ 250 Sim Sim Fonte base: The Economist, jan./fev. 2000, p. 57. (dados acrescidos de acordo com pesquisas em outras bases, acima referidas) ∗Um dos mecanismos adotados pela reforma de 1995 consiste no público financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, mediante um reembolso pelo Estado de 50% do respectivo teto limite de despesas, mecanismo que beneficia apenas os partidos que conquistaram 5% dos votos. Em 1995, de acordo com tais regras, foi repassado um total de 526 milhões de francos, distribuídos a partir da divisão de metade desse valor de acordo com o desempenho nas eleições gerais para a Assembléia Nacional e a segunda metade em razão do número de parlamentares filiados ao partido. (cf. MÉDARD, Jean-François. Finanziamento della política e corruzione: il caso francese. In: LANCHESTER, Fulco (A cura de). Finanziamento della política e corruzione. Milano: Giuffrè, 2000).

∗∗desde 1995 e há exceções. ∗∗∗cada candidato pode receber o valor máximo de 30.000 francos por doador e os partidos podem receber o montante máximo de 50.000 francos por ano de cada contribuinte (La France aux Urnes).

∗∗∗∗Para as eleições presidenciais: 120 milhões de francos e para as eleições legislativas 250.000 francos por candidato. (cf. MÉDARD, Jean-François. Finanziamento della política e corruzione: il caso francese, cit.).

∗∗∗∗desde 1994. ∗∗∗∗∗∗a legislação de alguns Estados permite.

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A ANÁLISE ECONÓMICA DO CRIME: UMA BREVE INTRODUÇÃO∗

Miguel Patrício∗∗

Uma forma didáctica de expor – para quem não tenha familiariedade com a área – as principais

características e contributos da Análise Económica do Crime para o Direito e para a Economia pode passar

pela apreciação tópica de meras três questões que um curioso ou simples leigo poderia fazer. Nessa

medida, compreender-se-á que a escolha das questões seja pessoal (e até discutível) e que as respostas

às mesmas sejam tão só o quantum satis. De qualquer forma, na parte final deste texto, a resposta a uma

quarta questão permitirá ilustrar, de maneira necessariamente breve, alguns dos temas e dos desafios da

investigação nesta área específica.

1. Qual é a razão de ser da Análise Económica do Crime e quais as suas principais características?

À primeira vista, poderia parecer estranha a ligação da Economia ao Crime (e ao Direito Penal). Por

um lado, porque se tem considerado objecto de estudo da Economia as transacções de mercado nas quais

as partes agem de forma voluntária na procura de vantagens mútuas e, ao invés disto, na maioria dos actos

criminosos (como, por ex., no homicídio ou no roubo), não há consentimento (e é até frequente a coacção);

e, por outro lado, porque, no plano metodológico, o paradigma de actuação adoptado para o agente

económico é o do “homo œconomicus” (i.e., o daquele que age de acordo com uma racionalidade limitada);

e, ao invés disto, na realização do crime, o processo de decisão seria, frequentemente, impulsivo (ou até

puramente irracional).1

Apesar do que se disse, tal ligação é hoje evidente. Contudo – descontando as premonições de

racionalidade no comportamento dos criminosos em autores clássicos como Montesquieu, Cesare Beccaria

ou Jeremy Bentham2 –, será apenas a partir do trabalho pioneiro de Gary Becker3, que se irá desenvolver,

extraordinariamente, a ideia de que, como nota Isaac Ehrlich4, “os autores de delitos respondem a incentivos,

quer positivos, quer negativos, e que o volume efectivo de delitos em relação à população é influenciado pela

afectação de recursos públicos e privados à repressão penal [...] e a outros meios de prevenção criminal. [...].

Não é necessário que todos aqueles que cometem delitos específicos respondam a incentivos [...]; é suficiente

que um número significativo de potenciais autores de delitos se comporte marginalmente de tal modo”.

∗Este texto corresponde, no essencial, à versão escrita de participação em Colóquio de Direito Luso-Brasileiro que teve lugar na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em Maio de 2014.

∗Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 1Sobre a racionalidade limitada e a sua complexa relação com a irracionalidade, ver: O'NEILL, Michael E. The biology of irrationality: crime and the contingency of deterrence. In: PARISI, Francesco; SMITH, Vernon L. (Eds.). The law and economics of irrational behavior. Stanford, SUP, 2005. p. 295 e ss.

2Ver, a este respeito, por ex.: POLINSKY, A. Mitchell; SHAVELL, Steven. The economic theory of public enforcement of law. Journal of Economic Literature, v. 38, n. 1, p. 45, 2000.

3BECKER, Gary S. Crime and punishment: an economic approach. Journal of Political Economy, v. 76, n. 2, p. 169-217, 1968.

4EHRLICH, Isaac. Crime e punição. Sub Judice, n. 2, p. 39, 1992. (Este texto é a reprodução traduzida e autorizada do artigo “Crime and punishment”, publicado em 1987).

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Segundo Steven Levitt e Thomas Miles5, há quatro características distintivas da Análise Económica

do Crime para o estudo do crime e das suas implicações, a saber:

a) Uma ênfase no papel que os incentivos têm ou podem ter no comportamento dos indivíduos

(sejam criminosos, vítimas ou forças da ordem e autoridades judiciais), partindo do princípio de que todos

estes (também) têm como objectivo principal a maximização de utilidades dentro de um contexto limitativo

que lhes é específico;

b) O uso de instrumentos econométricos (ou seja, de ferramentas matemáticas e métodos

estatísticos) por forma a distinguir casos de correlação de casos de causalidade, em especial quando o

contexto de aplicação de potenciais medidas públicas de combate ao crime não é passível (ou não se deseja

que seja passível) de experimentação;

c) Uma ênfase em políticas públicas, e nas suas implicações, em detrimento da avaliação de

intervenções de pequena escala (i.e., há uma preferência por comparações de eficiência entre Estados com

diferentes políticas criminais e sistemas judiciais penais, tendo em vista encontrar soluções “transplantáveis”,

que permitam contrariar, da forma mais eficiente possível, o comportamento criminoso racional);

d) O uso da chamada análise custo-benefício (ACB) como principal medida de avaliação da eficácia

de políticas públicas contra o crime.

2. Por que é todo o crime pode ser (entendido como) uma “externalidade” mas só algumas

“externalidades” é que são consideradas crimes?

Numa perspectiva económica, todo o crime pode ser definido como um tipo especial de

“externalidade”, uma vez que consiste numa actividade pela qual um agente concretiza as suas preferências,

independentemente de outros agentes afectados por esse comportamento terem preferências incompatíveis

e de essa incompatibilidade não ter sido resolvida através de uma transacção no mercado.

Perante “externalidades” deste tipo, Gary Becker configura a sanção criminal como uma adaptação

(ainda que noutros moldes) da chamada “solução pigouviana” (da autoria do economista A. Cecil Pigou,

1920)6. De acordo com essa adaptação, a sanção criminal pode ser entendida como uma “taxa” ou como um

“preço” a pagar pelo crime (preferencialmente um “preço” de ordem monetária); tendo sempre em vista fazer

com que esse “preço” seja igual ou superior (se existir o risco de não captura ou de não condenação) aos

denominados “custos externos do crime” (como sejam: danos directos e indirectos resultantes do crime, ou

custos de prevenção, julgamento e aprisionamento).

Esta é, eminentemente, uma avaliação da sanção criminal numa perspectiva de eficiência. Mas se

se quiser ilustrar a mesma recorrendo a uma “função de bem-estar social” (i.e., a uma avaliação social custo-

benefício, que pondere eventuais “benefícios sociais do crime”), então uma solução de tipo “pigouviano” pode

vir a ser considerada insatisfatória, dado que, como lembra Kenneth Dau-Schmidt, é difícil acreditar que uma

sociedade avalie os benefícios do crime e inclua os mesmos nos seus cálculos para a obtenção do que

5LEVITT, Steven D.; MILES, Thomas J. Economic contributions to the understanding of crime. Annual Review of Law and Social Science, n. 2, p. 148, 2006.

6A este respeito, ver, a título de mero exemplo: DAU-SCHMIDT, Kenneth G. Opportunity shaping, preference shaping, and the theory of criminal law. In: COUGHLIN, Richard M. (Ed.). Morality, rationality and efficiency: new perspectives on socio-economics. New York: M.E. Sharpe, 1991. p. 43-44.

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entende por máximo de bem-estar social – principalmente se o crime em causa for, como acontece com a

grande maioria dos tipos penais, “malum in se” (como é o caso, por ex., do homicídio ou da violação), e não

“malum in prohibitum” (como pode ser o caso, por ex., do furto realizado em estado de necessidade).

Acresce que todas as sociedades admitem e defendem a existência de uma função punitiva do Direito Penal,

tanto por razões de prevenção específica como geral, o que significa que, à partida, rejeitam (ou não

configuram) a possibilidade de existência de um “crime socialmente benéfico”.7

Assim sendo, se as sociedades não reconhecem uma “valia social” ao crime, poderia,

legitimamente, perguntar-se o que é que obsta ao estabelecimento de sanções criminais de custo

exorbitante, que impeçam a prática “racional” do crime (porque ultrapassariam qualquer ganho esperado pelo

criminoso, mesmo que este fosse muito optimista), e que permitam a tendencial redução dos crimes para

zero...

Steven Shavell responde a esta questão dizendo que a redução dos crimes para zero com recurso a

sanções de valor exorbitante não ocorre dadas, entre muitas outras, as seguintes razões: a) por haver

informação imperfeita que pode alimentar expectativas puramente irracionais; b) porque é necessário

estabelecer sanções “suaves” para certos crimes; c) porque há falhas na identificação, captura e julgamento

de criminosos.8

Por outro lado, como também alerta George Stigler, estabelecer penas severas para “crimes triviais”

(por ex., a pena de morte para um crime de furto simples), pode significar aniquilar quaisquer incentivos para

o bom (ou menos mau) comportamento por parte dos criminosos (porque, nessa circunstância, pareceria a

estes que as “ofensas à sociedade” não tinham uma escala valorativa associada).9

Assim, no entender de Steven Shavell, a medida concreta das sanções criminais terá de passar pela

fixação de valores elevados que, naturalmente, excedam os referidos “custos externos do crime”, mas não

tão elevados ao ponto de os “custos sociais da sanção” (por ex., ao nível do impacto sobre os standards de

actividade económica) poderem vir a ser superiores aos “benefícios sociais” que decorrem da utilização da

mesma (por ex., ao nível da prevenção de futuros crimes).10

Tentando, agora, responder à questão inicial, dir-se-á que, no entender de Gary Becker11, uma

“externalidade” só passa a ser considerada como sendo um “crime” (i.e., uma externalidade não

7Ver DAU-SCHMIDT, Kenneth G. An economic analysis of the criminal law as a preference-shaping policy. Duke Law Journal, n. 1, p. 12-13, 1990.

8Especificamente, sobre a questão dos erros judiciais (também ligados a questões informativas), ver, por exemplo: SHAVELL, Steven. Criminal law and the optimal use of nonmonetary sanctions as a deterrent. Columbia Law Review, v. 85, n. 6, p. 1232 e ss., 1985; e The optimal use of nonmonetary sanctions as a deterrent. The American Economic Review, v. 77, n. 4, p. 584 e ss., 1987.

9Nas palavras de G. Stigler: “If the offender will be executed for a minor assault and for a murder, there is no marginal deterrence to murder. If the thief has his hand cut off for taking five dollars, he had just as well take $5,000. Marginal costs are necessary to marginal deterrence.” STIGLER, Georg J. The optimum enforcement of laws. In: BECKER, Gary; LANDES, William M. (Eds.). Essays in the economics of crime and punishment. New York: CUP, 1974. p. 57.

10A este respeito, ver: DAU-SCHMIDT, Kenneth G. An economic analysis of the criminal law as a preference-shaping policy, cit., p. 14.

11Nas palavras de G. Becker: “[...] certain crimes, like murder or rape, are so heinous that no amount of money could compensate for the harm inflicted. This argument has obvious merit and is a special case of the more general principle that fines cannot be relied on exclusively whenever the harm exceeds the resources of offenders. For then victims could not be fully compensated by offenders, and fines would have to be supplemented with prison terms or other punishments in order to discourage offenses optimally. This explains why imprisonments, probation, and parole are major punishments for the more serious felonies; considerable harm is inflicted, and felonious offenders lack sufficient resources to compensate.” Ver BECKER, Gary S. Crime and punishment: an economic approach, cit., p. 196.

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transaccionável) quando não há montante que possa compensar o dano provocado. Contudo, para autores

como Guido Calabresi e Douglas Melamed (1972), a questão da definição do que deve ser considerado

crime (ou não) tem, antes, que ver com a necessidade de impedir (ou evitar) o incumprimento das chamadas

“regras de propriedade” e “regras de inalienabilidade”. Com efeito, Guido Calabresi e Douglas Melamed12

argumentam que a sociedade utiliza 3 tipos de regras para prevenir a ocorrência de danos por via de

externalidades: a) as “property rules” (ou “regras de propriedade”), que impõem que o externalizador

“compre” o seu direito a realizar a externalidade; b) as “liability rules” (ou “regras de responsabilidade”), que

determinam que o externalizador é livre de realizar a externalidade desde que pague o que um tribunal (ou

outra autoridade competente) determine que deve ser a compensação a atribuir aos que tenham sido

negativamente afectados; e c) as “inalienability rules” (ou “regras de inalienabilidade”), que simplesmente

proíbem a realização da actividade externalizadora, mesmo que os afectados estivessem dispostos a

transaccionar.

A definição de crimes passaria, portanto, por procurar evitar (seja por razões de eficiência,

distributivas ou outras) que, por ex., um ladrão furte um relógio e depois pague apenas os respectivos danos

(neste caso, a eventual falta de uma sanção criminal permitiria converter uma “regra de propriedade” numa

“regra de responsabilidade”), ou que um político anexe um território independente e depois pague apenas os

danos (materiais ou outros) decorrentes dessa anexação (neste caso, a eventual falta de uma sanção

criminal permitiria a conversão de uma “regra de inalienabilidade” numa “regra de responsabilidade”).

Por outras palavras, as sanções associadas aos vários tipos penais servem, no entender destes

autores, para evitar que os agentes económicos consigam (ou tentem) converter “regras de propriedade” (ou

“regras de inalienabilidade”) em meras “regras de responsabilidade”.13

3. Em que linhas gerais se baseia a “teoria económica do comportamento criminoso”?

Ao contrário de algumas outras teorias explicativas do crime, que se focam em conceitos como

“insanidade” ou “anormalidade comportamental”, ou que investigam causas de ordem sociológica ou cultural,

os autores da referida “teoria económica” (sem menosprezarem aquelas outras teorias), adoptam, no

entanto, o “modelo” do agente económico racional colocado em contexto de incerteza.

Nesse “modelo”, o criminoso – tal como qualquer outro indivíduo dito “normal” –, escolhe praticar o

acto criminoso se o resultado final do mesmo (incluindo o risco de sofrer uma sanção) ultrapassar o resultado

que o mesmo poderia alcançar com recurso a alternativas legais. É certo que múltiplas causas

circunstanciais podem ser convocadas para esta análise, mas apenas para a complementarem, i.e., apenas

para se perceber em que medida é que o mencionado “modelo de base” sofre variações em função dessas

mesmas causas.

Por outro lado, apesar da influência que ainda hoje exercem certas correntes criminológicas que

enfatizavam a importância dos estudos em torno da reabilitação e do tratamento do criminoso, pode-se dizer

que a maioria dos economistas (e mesmo dos sociólogos) tem mostrado, desde finais da década de 1960,

12Ver CALABRESI, Guido; MELAMED, Douglas A. Property rules, liability rules, and inalienability: one view of the cathedral. Harvard Law Review, v. 85, n. 6, p. 1092-1093, 1972.

13Como notam, de forma explícita, Guido Calabresi e Douglas Melamed, “we impose criminal sanctions as a means of deterring future attempts to convert property rules into liability rules.” (CALABRESI, Guido; MELAMED, Douglas A. op. cit., p. 1126).

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um maior interesse pela realização de estudos sobre prevenção (e, em particular, pela realização de estudos

sobre prevenção baseados em “modelos de comportamento criminoso racional”).

Aliás, em bom rigor, a lógica de racionalidade e de prevenção subjacente a estes “modelos” já tinha

sido primitivamente apresentada por autores como Jeremy Bentham, quando este afirmou, por ex., que “the

profit of the crime is the force which urges a man to delinquency: the pain of the punishment is the force

employed to restrain him from it. If the first of these forces be the greater, the crime will be committed; if the

second, the crime will not be committed.”14

A mesma lógica foi também apresentada, de uma forma eventualmente mais sofisticada, por Cesare

Beccaria, quando este assinalou que, “de uma maneira geral, o peso da pena [que deve ser pronta e próxima

da acção criminosa], e a consequência de um delito, devem ser os mais eficazes para os outros e os menos

duros possíveis para quem os sofre”.15

Não se estranha, portanto, que estas afirmações e raciocínios estejam próximos da construção

(aparentemente) pioneira de Gary Becker.16 Com efeito, para este autor, é possível construir uma “useful

theory of criminal behavior [that] can dispense with special theories of anomie, psychological inadequacies, or

inheritance of special traits and simply extend the economist�s usual analysis of choice”.17 Por outras

palavras: para Becker, os criminosos são (quase) como quaisquer outros indivíduos e, nesse sentido, pode

supor-se que os seus comportamentos serão, por norma, os típicos de um agente económico racional que

procura maximizar utilidades.

Recorrendo, agora, a uma útil simplificação facultada por Alison Oliver18, pode dizer-se que, no

“modelo padrão” de Becker, todos os potenciais criminosos recorrem a 3 variáveis para as suas análises

maximizadoras de utilidades. Por um lado, ponderam o benefício do crime (representado pela letra “B”) –

benefício este que é subjectivamente configurado, pelo que inclui vantagens monetárias e psicológicas

decorrentes da prática do crime. Por outro lado, deduzem a esse benefício os custos relacionados com as

actividades de repressão do crime, sendo estes custos o resultado da multiplicação da severidade da pena

(letra “C”) pela probabilidade de aplicação da mesma (letra “P”).

Assim sendo, para que um crime seja cometido, o resultado final desta análise custo-benefício terá

que ser positivo, i.e.: B – C.P > 0.

Desta expressão podem, ainda, extrair-se, entre outros, os seguintes corolários, sempre num

contexto cæteris paribus: a) se o resultado final da análise aumentar, a frequência de crimes e o número de

criminosos aumenta (numa lógica similar à da lei da oferta); b) a redução do crime pode ser alcançada pela

redução de “B”, ou então pelo aumento de “C” ou de “P”; c) considerando que “P” varia entre 0 (0%) e 1

(100%), pode concluir-se que a diminuição da probabilidade de aplicação da pena pode anular eventuais

agravamentos das penas aplicáveis e, menos intuitivamente, pode também concluir-se que o aumento da

probabilidade de aplicação da pena pode ter um grande efeito dissuasor, mesmo que essa probabilidade

esteja associada a penas ligeiras.

14BENTHAM, Jeremy. The rationale of punisment. London: Robert Heward, 1830. p. 33. 15BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998. p. 103. 16Como assinala, entre muitos outros, POSNER, Richard A. An economic theory of the criminal law. Columbia Law Review, v. 85, n. 6, p. 1193 e 1230, 1985.

17BECKER, Gary S. Crime and punishment: an economic approach, cit., p. 2. 18Ver OLIVER, Alison. The economics of crime: an analysis of crime rates in America. The Park Place Economist, v. 10, n. 1, p. 30-31, 2002.

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Note-se, contudo, que, no entender de Isaac Erlich19, os custos de oportunidade (vantagens

perdidas decorrentes de alternativas legais de obtenção de rendimento) estão ausentes da referida

equação20, embora possam ser incorporados na mesma (através, p. ex., da letra “O”). Neste caso, o crime já

só será racionalmente cometido se se preencher a condição: B – (C.P + O) > 0.

Entre outros factores, Isaac Erlich destaca, também, a importância dos efeitos contraditórios dos

níveis de educação em duas das variáveis desta última fórmula: se, por um lado, o aumento médio dos níveis

de educação contribui para aumentar “B”, porque “dirige” os criminosos para as áreas mais sofisticadas e,

consequentemente, mais lucrativas (caso típico do crime organizado), em contrapartida aumenta-lhes o custo

de oportunidade, dada a maior probabilidade de inserção desses indivíduos em actividades legais lucrativas

(veja-se o caso dos cibercriminosos que aceitam ofertas de emprego em empresas de segurança online ou

em agências nacionais de informação).21

4. Que temas específicos têm sido objecto da Análise Económica do Crime e que desafios se colocam

diante desta?

A excelente recolha editada por Nuno Garoupa em 200922, pode ser usada, dada a sua abrangência

e a qualidade dos autores envolvidos, para sumariar os principais temas objecto de investigação na

actualidade.

Assim, podemos considerar, e.g., os temas da aplicação pública e privada da Lei (“public and private

law enforcement”), da responsabilidade (e do processo) criminal numa óptica económica, da negociação

privada de penas (“plea-bargaining”), ou da análise económica do crime empresarial, do crime organizado, da

corrupção, do crime ambiental, da evasão fiscal, do cibercrime ou do terrorismo, entre outros.

Estes e ainda outros temas relacionados têm sido objecto de estudo por múltiplos autores, em

particular nos últimos 15 a 20 anos, como se poderá ver pela (crescente e já significativa) bibliografia

existente, bem ilustrada por Fernando Araújo em 200823.

Atendendo aos objectivos definidos para este texto, não se justifica (nem seria razoável) tratar aqui

dos principais contributos dados nas múltiplas áreas referidas.24

Contudo, selecciona-se, pelos desafios que tem colocado e pela influência que se presume que

poderá vir a ter em desenvolvimentos futuros da Análise Económica do Crime, a investigação que se vem

fazendo em torno da denominada análise económico-comportamental do crime (“behavioral criminal law and

economics”).

19OLIVER, Alison. op. cit., p. 31. 20Mesmo não tendo sido aprofundadamente tratada no seu artigo de 1968, Gary Becker colocou a hipótese de tais custos influenciarem o número de ofensas praticadas. Ver BECKER, Gary S. Crime and punishment: an economic approach, cit., p. 177.

21Outras extensões relativamente ao “modelo básico” são genericamente apresentadas, p. ex., em: EIDE, Erling. Economics of criminal behavior. In: BOUCKAERT, Boudewijn; DE GEEST, Gerrit (Eds.). Encyclopedia of Law and Economics. The economics of crime and litigation. Cheltenham: Edward Elgar, 2000. v. 5, p. 347 e ss.

22Ver GAROUPA, Nuno (Ed.). Criminal law and economics. Cheltenham: Edward Elgar, 2009. 23Ver ARAÚJO, Fernando. Análise económica do direito. Coimbra: Almedina, 2008. p. 107 a 113, notas 432 e ss. 24É necessário não esquecer que, também no contexto da Análise Económica do Crime, outra dimensão de contributos é igualmente (ou até mais) relevante: a dos estudos que recorrem a aplicações empíricas e econométricas. Ver, a este respeito, por ex.: EHRLICH, Isaac. op. cit., p. 40-41.

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Com efeito, os contributos da “behavioral law and economics” para a canónica “criminal law and

economics” são evidentes, e até desejáveis, porque, como refere Alon Harel, a “behavioral law and

economics” tem feito uso dos contributos da Psicologia para complementar e (até mesmo) desafiar a análise

económica tradicional baseada na racionalidade dos indivíduos: “sometimes behavioral law and economics

complements traditional economic analysis, e.g., when it identifies certain preferences individuals have.

Behavioral law and economics often predicts when individuals are risk averse or risk loving, when they

discount the future and by how much, etc. At other times, behavioral law and economics challenges traditional

law and economics when it identifies contexts in which individuals act irrationally, form false beliefs

concerning the state of the world, make decisions in ways that do not maximize their utility, make decisions

based not on the way the world actually is but on the way the world is described (framing), etc. In the criminal

law context, the relevance of behavioral studies is evident, because it challenges the assumption that

criminals are rational.”25

Esta evolução seria, assim, o “fechar de um ciclo”: ultrapassada a hegemonia do “modelo

beckeriano”, marcadamente racionalista e utilitarista, submeter-se-ia agora o mesmo a uma espécie de prova

de flexibilidade (e de vida), por via da qual se apuraria se aquele pode ser compatibilizado com as mais

recentes contribuições da “behavioral decision theory”/“BDT”, ou se tem que ser substituído por um novo

modelo explicativo do comportamento criminoso (o qual obedeceria, ainda, a uma formulação económica26,

mas já pouco ou quase nada “beckeriana”...).

As implicações de uma eventual mudança de paradigma seriam, escusado será dizer, muito

significativas numa série de áreas (por ex., na responsabilidade e processo criminais ou no desenho das

políticas de prevenção geral).

Não se pense, contudo, que esta perspectiva é partilhada por todos os autores.27 Só para dar um

exemplo da natureza das críticas feitas pelos adversários dessa mudança de paradigma, leia-se Doron

Teichman: “[...] although behavioral studies have offered many insights as to the way humans behave, they

do not offer clear predictions as to the way criminals are expected to behave. The indeterminacy of behavioral

analysis stems from three distinct factors. First, the cognitive biases upon which behavioral analysis is built

are often ill-defined. Second, for many cognitive biases, there exist «counter biases» that function in an

opposing manner. Finally, social forces, such as norms and culture, interact in an unpredictable fashion with

cognitive biases.”28

25Ver HAREL, Alon. Economic analysis of criminal law: a survey. In: HAREL, Alon; HYLTON, Keith N. (Eds.). Research handbook on the economics of criminal law. Cheltenham: Edward Elgar, 2012. p. 37-38.

26É necessário não esquecer que as crenças, as preferências subjectivas ou a heurística obedecem ainda a padrões, e que os “desvios” tanto podem ser agrupados segundo categorias cientificamente elaboradas (tal como sucede na psicologia), como introduzidos em modelos de probabilidade ou plausibilidade (tal como sucede na economia). A influência da psicologia na BDT (com os seus “legal decision theorists”) é, aliás, salientada por Gregory Mitchell: “The claim of uniform and widespread irrational behaviors flows from the legal decision theorists reading of the psychological literature to say that all judgment and decision making involves a set of basic but flawed psychological processes.” (Ver MITCHELL, Gregory. Taking behavioralism too seriously?: the unwarranted pessimism of the new behavioral analysis of law. William and Mary Law Review, v. 43, n. 5, p. 1923, 2002.

27Até porque, para alguns autores da tradicional “law and economics”, tal mudança poderia significar a progressiva absorção desta disciplina por outras como a (já citada) “behavioral law and economics”, a “socioeconomic analysis of law”, a “evolutionary analysis of law” ou a “neuroeconomic analysis”.

28Ver TEICHMAN, Doron. The optimism bias of the behavioral analysis of crime control. University of Illinois Law Review, n. 5, p. 1697, 2011.

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Contudo, para outros autores, é possível extrair resultados úteis da aplicação da economia

comportamental sem que tal abale gravemente o “modelo beckeriano”.

Por exemplo, com uma postura mais conciliatória, Richard McAdams e Thomas Ulen notam:

“[Gregory] Mitchell (2002a; 2002b)[29] has argued that behaviorists have not provided a comprehensive and

empirically sound account of human decisionmaking that warrants abandoning rational choice theory.

Moreover, he argues, there is substantial empirical evidence that, at least with respect to some explicit

economic decisions, people behave as rational choice predicts that they will. [Chad] Oldfather (2007)[30]

makes the different point that, even if one takes behavioral biases to be true of the average member of the

population, we know that criminals differ from the average in many ways; so, absent experiments focused on

criminals, we cannot assume the applicability of the behavioral literature to this unusual subpopulation. Both

points are well taken.”31 Reconhecendo valor aos argumentos alegados de parte a parte, McAdams e Ulen

lembram, contudo, que, sabendo-se ainda tão pouco a respeito dos processos de decisão humana, há

suficiente consenso científico em torno da necessidade da literatura behaviorista continuar o seu trabalho de

exploração de causas e predições alternativas, evitando-se, assim, que a rational choice theory “cristalize”

assente em presunções de automatismo comportamental que são, inquestionavelmente, ilusórias.

Posição próxima tem F. Cross: “Behavioralism is not so much an alternative to law and economics as it is

a complement. It supplements the classic model and explains why deviations may occur from the model, but it does

not supplant that model. Both models are valuable only insofar as they explain actual behavior, and their descriptive

validity can be tested empirically, yielding the knowledge necessary for policy.”32

Por último, Russell Korobkin salienta o que pensa poder vir a ser o paradigma de uma terceira via

entre a “rational choice theory”/“RCT” (que, como se pôde observar, representa, na área específica da

Análise Económica do Crime, a base em que assenta o “modelo beckeriano”) e as correntes behavioristas ou

comportamentais.

Para Russell Korobkin, das “certezas teóricas” não se passaria, de um só golpe, para as “certezas

empíricas”, supostamente requeridas pelas correntes comportamentais, mas antes para uma definição de

“assumpções plausíveis”: “the choice between using an RCT-based behavioral assumption and a BDT-based

behavioral assumption in law and economics analysis should turn on the relative plausibility of competing

accounts in light of existing knowledge, which is often incomplete and indeterminate.”33

Em síntese, conclui o referido autor que a Análise Económica do Direito requer pressupostos quanto

a comportamentos esperados, mas esses pressupostos não têm que ser assumpções baseadas na referida

RCT – isto porque, se a eficácia das prescrições legais depende do rigor das assumpções comportamentais

subjacentes, não será desvio prejudicial o recurso a métodos científicos para testar essas assumpções,

[29]Remissão para: MITCHELL, Gregory. Why law and economics perfect rationality should not be traded for behavioral law and economics equal incompetence. The Georgetown Law Journal, v. 91, n. 1, 91 (1), p. 67-168, 2002; e MITCHELL, Gregory. Taking behavioralism too seriously?: the unwarranted pessimism of the new behavioral analysis of law, cit., p. 1907-2021.

[30]Remissão para: OLDFATHER, Chad. Heuristics, biases, and criminal defendants. Marquette Law Review, v. 91, n. 1, p. 249-262, 2007.

31Ver McADAMS, Richard H.; ULEN, Thomas S. Behavioral criminal law and economics. In: GAROUPA, Nuno (Ed.). Criminal Law and Economics. Cheltenham: Edward Elgar, 2009. p. 413.

32Frank B. Cross (texto de 2000) apud MITCHELL, Gregory. Taking behavioralism too seriously?: the unwarranted pessimism of the new behavioral analysis of law, cit., p. 2020, n. 238.

33KOROBKIN, Russell. Possibility and plausibility in law and economics. Florida State University Law Review, v. 32, n. 2, p. 783, 2005.

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sempre que tal se afigure possível. Contudo, “the law must act; it cannot wait for empirical certainty. So, in

many – perhaps most – cases, our touchstone must be plausibility.”34

Qual será o desfecho deste debate e quais as consequências do mesmo para a área da Análise

Económica do Crime? Não se sabe, mas há quem não deixe de constatar que “the classical theory, even

though suffering from some weak aspects [...], is still the best approach to law enforcement. [...]. The

successfulness of a theory depends crucially on the empirical adherence. The empirical analysis of criminal

deterrence has been involved in serious controversy. The essential reason for such controversy is that the

existing empirical literature seems to have findings in both (positive and negative adherence) directions. [...]. It

is true that Jolls, Sunstein, and Thaler (1998)[35] present several testable predictions with respect to the

behavioral approach of law enforcement. However, how much this theory adds to the predictive power of the

classical approach is still an open question.”36

Referências

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BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998.

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BENTHAM, Jeremy. The rationale of punisment. London: Robert Heward, 1830.

CALABRESI, Guido; MELAMED, Douglas A. Property rules, liability rules, and inalienability: one view of the cathedral. Harvard Law Review, v. 85, n. 6, p. 1089-1128, 1972.

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GAROUPA, Nuno. Behavioral economic analysis of crime: a critical review. European Journal of Law and Economics, v. 15, n. 1, p. 5-15, 2003.

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HAREL, Alon. Behavioural analysis of criminal law: a survey. Bergen Journal of Criminal Law and Criminal Justice, v. 2, n. 1, p. 32-55, 2014.

34KOROBKIN, Russell. op. cit., p. 795. Para uma clarificação possível dos termos em causa, em particular da distinção entre os conceitos “provável”, “possível” e “plausível”, ver: VAN DER HELM, Ruud. Towards a clarification of probability, possibility and plausibility: how semantics could help futures practice to improve. Foresight, v. 8, n. 3, p. 17-27, 2006.

[35]Remissão para: JOLLS, Christine; SUNSTEIN, Cass R.; THALER, Richard. A behavioral approach to law and economics. Stanford Law Review, v. 50, p. 1471-1550, 1998.

36Ver GAROUPA, Nuno. Behavioral economic analysis of crime: a critical review. European Journal of Law and Economics, v. 15, n. 1, p. 12-13, 2003. Idênticas dúvidas, e até descrença a respeito da “behavioral approach”, podem ser encontradas em HAREL, Alon. Behavioural analysis of criminal law: a survey. Bergen Journal of Criminal Law and Criminal Justice, v. 2, n. 1, p. 52 e ss., 2014.

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Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 30, 2014

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ESTUDOS E DOCUMENTOS DE TRABALHO

Normas para Apresentação

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ESTUDOS E DOCUMENTOS DE TRABALHO

Normas para Apresentação

A apresentação do artigo para publicação nos Cadernos de Pós-Graduação em Direito deverá obedecer

as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)

● Titulo: Centralizado, em caixa alta. Deverá ser elaborado de maneira clara, juntamente com a versão

em inglês. Se tratar de trabalho apresentado em evento, indicar o local e data de realização.

● Identificação dos Autores: Indicar o nome completo do(s) autor(res) alinhado a direita. A titulação

acadêmica, Instituição a que pertence deverá ser colocado no rodapé.

● Resumo e Abstract: Elemento obrigatório, constituído de uma seqüência de frases concisas e objetivas

e não de uma simples enumeração de tópicos, não ultrapassando 250 palavras. Deve ser apresentado

em português e em inglês. Para redação dos resumos devem ser observadas as recomendações da

ABNT - NBR 6028/maio 1990.

● Palavras-chave: Devem ser apresentados logo abaixo do resumo, sendo no máximo 5 (cinco), no

idioma do artigo apresentado e em inglês. As palavras-chave devem ser constituídas de palavras

representativas do conteúdo do trabalho. (ABNT - NBR 6022/maio 2003).

As palavras-chave e key words, enviados pelos autores deverão ser redigidos em linguagem natural,

tendo posteriormente sua terminologia adaptada para a linguagem estruturada de um thesaurus, sem, contudo,

sofrer alterações no conteúdo dos artigos.

● Texto: a estrutura formal deverá obedecer a uma seqüência: Introdução, Desenvolvimento e

Conclusão.

● Referências Bibliográficas - ABNT – NBR 6023/ago. 2000.

Todas as obras citadas no texto devem obrigatoriamente figurar nas referências bibliográficas.

São considerados elementos essenciais à identificação de um documento: autor, título, local, editora e

data de publicação. Indicar a paginação inicial e final, quando se tratar de artigo de periódicos, capítulos de livros

ou partes de um documento. Deverão ser apresentadas ao final do texto, em ordem alfabética pelo sobrenome do

autor.

● Citações: devem ser indicadas no texto por sistema numérico, obedecendo a ABNT - NBR 10520/ago.

2002.

As citações diretas, no texto, de até 3 linhas, devem estar contidas entre aspas duplas.

As citações diretas, no texto, com mais de três linhas devem ser destacadas com recuo de 4 cm da

margem esquerda, com letra menor que a do texto utilizado e sem aspas.

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