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Incineração, recuperação energética e a Nova Politica de Gestão de Residuos Solidos brasileira: o caso da Usina Verde S/A

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Incineração, recuperação energética e a Nova Politica de Gestão de Residuos Solidos brasileira:

o caso da Usina Verde S/A

SUMARIOApresentação 01

1. Justificativa e Metodologia 02

2. Caracteristicas da Gestão de Residuos Solidos brasileira 02

2.1 A gestão brasileira no século XX 03

3. A Usina Verde S/A 04

3.1 O surgimento da Usina Verde 04

3.2 Localização da Usina Prototipo 04

3.3 A Usina Verde, a produção de residuos urbanos no municpio do Rio de Janeiro e no entorno da Usinaa 05

3.4 Incineração, recuperação de energia e resfriamento dos gases: 7uma tecnologia adequada? 06

3.5 O processo de tratamento 06

3.5.1 Pré-tratamento 06

3.5.2 O tratamento térmico e a geração de energia 07

3.5.3 O tratamento térmico e a produção de externalidades 08

3.5.3.1 Emissão de gases 08

3.5.3.2 Escorias e cinzas 09

3.5.3.3 Não realização do Estudo de Impacto

Ambiental (EIA) para obtenção da Licença de Operação 10

3.6 A Usina Verde e os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) 11

Conclusão 13Bibliografia 15

Apresentação

O debate sobre a gestão dos Residuos Solidos Urbanos (RSU) ganhou grande destaque nas ultimas duas décadas. Sua importância para discussões sobre o meio ambiente, a saude publica, a geração de trabalho e o desenvolvimento técnologico, fazem deste um tema de relevo em todo o mundo.

Na historia recente, após a segunda guerra, apenas os países industrializados viram-se restritos à colocar em pratica uma politica nacional integrada de gestão de residuos. Muito por uma questão de necessidade, visto o grande volume produzido de residuos não orgânicos e impactantes ao meio ambiente e à saude publica. Tal afirmação é feita sem prejuizo para outras experiências descentralizadas ou pontuais ao redor do mundo.

No Brasil, até 1990, cerca de 75% dos residuos solidos produzidos eram orgânicos (o lixo umido). Por falta de regulamentação e de uma politica nacional sobre o tema, aliado à uma relativa facilidade de dispersão no meio ambiente, os lixões e aterros não controlados se disseminaram e são hoje a destinação final da maior parte dos residuos descartados.

Mas hoje, o pais esta chegando à um equilibro no descarte de residuos secos e umidos. Ainda, os numeros estão evoluindo rapidamente: em 1990 eramos 150 milhões de habitantes, que produziam cada um, em torno de 250 quilos por ano. Em 2010, os cerca de 190 milhões de brasileiros produziram em torno de 350 quilos de residuos cada um, durante todo o ano. Mantidas as atuais taxas de crescimento econômico, o Brasil deve chegar aos niveis de produção similares aos da Europa ocidental e da América do Norte em 20 anos.

Em consoância à essa nova dinâmica, o Estado brasileiro colocou em vigor no ano de 2010 a lei 12.305, que instituiu a Politica Nacional de Residuos Solidos (PNRS). É a primeira vez que o pais cria uma lei com objetivo de articular ações que visem o desenvolvimento de uma politica nacional de residuos solidos integrada.

Nesse âmbito, o governo brasileiro através de uma comissão interministerial, sob a liderança do Ministério do Meio Ambiente, vem submetendo à audiências publicas o documento preliminar do Plano Nacional de Residuos Solidos. Este Plano vai regulamentar a aplicação da lei 12.305/2010 pelos próximos 20 anos.

Além do estabelecimento de hierarquias para o tratamento e destinação dos residuos, o incentivo ao gerenciamento descentralizado e a regulamentação das fontes de financiamento, o Plano Nacional de Residuos Solidos pretende estabelecer o ano de 2014 como meta para pôr fim aos lixões e aterros não controlados.

Este é um momento chave para o futuro da gestão de residuos urbanos solidos no Brasil. É a partir deste documento que sairão as diretrizes, prioridades e formas de incentivo para uma nova pagina da gestão de residuos brasileira. É a primeira vez em que podera haver de fato uma politica nacional integrada para o setor.

A grande interrogação é sobre quais serão as alternativas aos lixões que serão desativados. O PNRS devera mediar os interesses de cada agente participante da gestão de residuos no Brasil, assim como estabelecer todas as regras, fontes de financiamente e, finalmente, propiciar a emergência de corpo técnico qualificado para levar à termo as atividades desse importante setor em todo o pais.

Neste estudo, tentaremos delimitar os desafios e analisar o caso particular da incineração de residuos, através da proposta da Usina Verde S/A, localizada no campus da Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro. Trata-se da única usina de incineração em funcionamento no Brasil, capaz de gerar energia elétrica. Tentaremos analisar sua proposta face aos desafios brasileiros, e traçando paralelos com experiências ocorridas em outros países.

1. Justificativa e Metodologia

O presente trabalho tem origem na necessidade de aprofundar o conhecimento coletivo sobre as formas de tratamento dos residuos no Brasil O Pais vive um momento crucial no setor, com a regulamantação da Politica Nacional de Residuos Solidos. Este estudo busca contribuir junto aos atores nacionais com informações tecnicas sobre o unico empreendimento no Brasil que pratica a incineração de residuos solidos com produção de energia. O objetivo do estudo é tambem fornecer informações atualizadas sobre este empreendimento que em seu lançamento situou-se de maneira ambigua entre pesquisa universitaria e busca de mercados. É preciso democratizar a informação, aprofundando e esclarecendo pontos e possiveis lugares-comuns presentes no imaginario coletivo. Sendo, ainda, o debate acerca da incineração muito recente em nosso pais, é necessario desmitificar certos pontos sobre o tema. E finalmente, trazer ao contexto socio-economico e cultural brasileiro perspectivas e cenarios possíveis.

O estudo foi dividido em três etapas. A primeira realizada entre os meses de setembro e outubro em que foi realizada pesquisa bibliografica correlata e produção de um roteiro estruturante. A segunda, trabalho de campo realizado entre os dias 17 e 21 de outubro na cidade do Rio de Janeiro, com visitas de campo à Usina Verde na Ilha do Fundão, à grupos de Catadores que atuam no entorno da Ilha do Fundão, ao Centro de Tratamento de Residuos de Nova Iguaçu, além de pesquisa bibliografica complementar. Finalmente, a terceira etapa consistiu no tratamento e sistematização das informações coletadas e na redação deste trabalho.

2. Caracteristicas da Gestão de Residuos Solidos brasileira

O Brasil não é o primeiro pais à vivenciar um momento de transição na gestão dos seus residuos em direção a uma visão nacional estrategica que permita o avanço das politicas publicas. Na Europa, na América do Norte e na Asia, diversos países vêm passando por esse desafio desde os anos 1950.

De uma forma geral, essas experiências passaram por três diferentes fases. A primeira, nos anos 1950 e 60, foi a eliminação industrial em grande escala, onde a preocupação central era a retirada do lixo das ruas, dando como destinação final a eliminação dos residuos em aterros controlados e incineradores. Em seguida, ao final dos anos 1960, surge a preocupação com o meio ambiente e com o preço das commodities, e assim a primeira tentativa de criar uma industria da reciclagem. Essa tentativa fracassou nos países então industrializados, tanto pela falta de integração quanto por continuar à alimentar a industria da eliminação, paradoxalmente. Por fim, já com uma pesada industria de eliminação em movimento, começou-se a discutir como reduzir a produção de residuos e integrar as cadeias, responsabilizando os agentes com o objetivo de aumentar a circulação da matéria, ao invés de elimina-la1.

Com todo esse acumulo de experiência ao redor do mundo, a originalidade brasileira consiste na variante “social” da gestão dos residuos. Enquanto nos países anteriormente citados, o meio ambiente, a saude publica e o custo da matéria-prima eram os únicos fatores de preocupação, o brasileiro agrega a variante social2, pela existência de um forte segmento de catadores de materiaisd reciclaveis, organizados

1 DEMAJOROVIC, Jacques, A evolução dos modelos de gestão de residuos solidos e seusinstrumento, disponible sur http://www.fundap.sp.gov.br/publicacoes/cadernos/cad20/Fundap%2020/A%20EVOLUCAO%20DOS%20MODELOS%20DE%20GESTAO%20DE%20RESIDUOS%20SOLIDOS%20E%20SEUS.pdf Consultado em 13/10/2011

2ZANETI, Izabel Cristina Bruno Bacellar. Educação ambiental, resíduos sólidos urbanos e sustentabilidade: um estudo de caso sobre o sistema de gestão de Porto Alegre, RS. 2003. 176 f. + anexo. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável, área de concentração Gestão e Política Ambiental) - Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, 2003.

2.1 A gestão brasileira no século XX

Até então, a gestão de residuos no Brasil esteve concentrada na coleta e na destinação em lixões e aterros não controlados, com alguma presença de aterros controlados nos ultimos anos. Os municipios sempre estiveram à cargo de desenvolver suas proprias estratégias.

Entretanto, a desqualificação dos corpos técnicos municipais, aliada à falta de regras claras e de incentivos, fez emergir um oligopolio da coleta no Brasil, dominado em sua quase totalidade por cinco grupos empresariais, que controlam o conjunto de empresas que promovem os serviços de coleta e limpeza urbana no pais.

De acordo com o perfil do municipio, essas empresas apresentam “pacotes de serviços” às prefeituras, que por diversas razões acabam por “simplificar” o processo de contratação desses serviços, e deixam a cargo desse oligopolio o estabelecimento da politica de gerenciamento de residuos municipal. É de se esperar que, com poucos grupos dominando o mercado, hajam acordos de preços e de contratos. Esse talvez seja um dos grande desafios da nova Politica da Gestão de Residuos: transitar dos interesses de grupos estabelecidos que controlam o mercado, aos interesses de uma politica moderna e integrada

Paralelamente, a falta de controle e transparência no estabelecimento dos contratos de limpeza urbana municipais, favoreceu a emergência e relativa consolidação de uma classe de trabalhadores precarios que favorecem a triagem e a industria da reciclagem, os Catadores.

Ao contrario dos países que já consolidaram uma politica integrada de residuos, no Brasil a maior parte do mercado e dos contratos se fazem através de estimativas de volume e peso dos residuos à serem coletados. Esses numeros são geralmente inflados pelos municipios, não se sabe ao certo se por despreparo da tecnocracia ou interesses particulares.

Na Europa, no Japão e nos EUA, as contratantes são fiscalizadas no peso de cada tonelada tratada e destinada, de forma que toda e qualquer retirada de residuos das lixeiras por um tercerio, antes do tratamento, constitui em prejuizo às contratantes, podendo mesmo ser considerado crime.

Pela falta de contrôle da quantidade de residuos coletados e tratados, o trabalho dos Catadores acaba por não competir com o das empresas. Muito pelo contrario, rendem um duplo serviço sem serem remunerados para isso, promovendo a coleta seletiva em prol da sociedade e evitando a coleta de cerca de 5% de todo o residuo municipal gerado no pais – outra parte é triada pelos Catadores dentro dos próprios lixões, após a coleta.

Entretanto, uma das prioridades do novo Plano Nacional de Residuos Solidos é criar no Brasil ferramentas que possibilitem a triagem dos residuos no momento do descarte, aumentando consequentemente o contrôle dos residuos gerados. E por outro lado, os aterros controlados passam também à controlar a origem e a quantidade dos residuos neles depositados.

Mediar as possibilidades de conflito de interesse entre a classe dos Catadores e das empresas que dominam o setor atualmente, face ao estabelecimento de regras mais claras, é um dos desafios da nova PNRS.

3. A Usina Verde S/A

3.1 O surgimento da Usina Verde

A Usina Verde S/A é uma empresa privada, pertencente ao Grupo ARBI e fundada no ano de 2001.

O Grupo ARBI por sua vez é de propriedade do ex-banqueiro e empresario gaucho Daniel Birmann. Birmann ficou conhecido nos anos 1980 e inicio dos anos 90 por pertencer à uma “promissora safra de jovens banqueiros brasileiros”. Proprietario do Banco gaucho Arbi, o empresario tinha como marca a agressividade nos negocios, conduzindo sucessivas operações de alavancagem para viabilizar suas operações no meio financeiro e empresarial. Birmann sempre teve predileção por investir em empresas em dificuldades financeiras e revendê-las com agio. Ou como ele mesmo dizia em suas entrevistas, “buscar oportunidades em qualquer setor da economia”.

A partir de 1995, o conglomerado ARBI, que chegou à faturar U$ 2 bilhões por ano, começou à passar por dificuldades. O Banco ARBI decretou falência e seu proprietario foi proibido pela Comissão de Valores Mobiliarios (CVM) de pertencer à quadros dirigentes de empresas em todo o territorio nacional. A CVM considerou que Birmann prejudicou acionistas minoritarios em diversas empresas do seu grupo, na tentativa de salvar seu banco da falência. Por este motivo, Daniel Brimann foi multado em R$ 243 milhões em 2005, a maior multa já imposta por essa autarquia até então3.

Desde o inicio dos anos 2000, o grupo ARBI vem buscando se reestruturar. O grupo continua à investir em setores diversos da economia, como petroleo e gás, infra-estrutura e energias “alternativas”. A Usina Verde S/A foi a primeira dessas novas apostas do grupo desde então.

Acreditando num novo nicho de mercado, Birmann adquiriu uma patente de mineralização de solidos desenvolvida por professores do Instituto Militar de Engenharia (IME-RJ). Em 2002, firmou um acordo de cooperação técnica com a Fundação COPPETEC (da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ), que permitiu a instalação de uma usina protoptio, no campus da Ilha do Fundão. A finalidade deste projeto é de dar continuidade ao desenvolvimento de uma tecnologia nacional para a incineração de residuos solidos, recuperando a energia despendida na forma de calor em energia elétrica e térmica.

3.2 Localização da Usina Prototipo

A Ilha do Fundão, na Zona Norte da Cidade, é uma das ilhas da Baia de Guanabara. Localiza-se entre o caminho que liga o Aeroporto Internacional ao Centro da cidade e o inicio da Linha Amarela, que extende-se até a Barra da Tijuca. Sua localização é ainda melhor definida pela proximidade do bairro de Bonsucesso e do Complexo de Favelas da Maré, a qual é limitada pela Linha Vermelha.

3 http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/12504_BIRMANN+VOLTA+AO+BALCAO e http://www.debentures.com.br/informacoesaomercado/noticias.asp?mostra=5129&pagina=-1

Figura 1: Localização da Usina Verde S/A. Produzido por: Marcelo Negrão. Imagem Google Earth.

Além da Usina Verde e da própria UFRJ, a Ilha do Fundão abriga o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobras (CENPES), considerado o maior centro de pesquisas sobre petroleo da América Latina. Empresas como Embratel, Renault e outras mais, também se fazem presente nos laboratorios da Universidade. Mas o contraste com o bairro vizinho aumenta quando avaliamos as perspectivas futuras: a Ilha do Fundão deve receber nos próximos anos, dezesseis novas multinacionais que irão instalar ali seus centros de pesquisa. A General Eletric, por exemplo, ira desenvolver tecnologias para fabricação de locomotivas e material hospitalar, naquele que sera seu maior centro de pesquisa fora dos Estados Unidos. Existe a expectativa de que a “Ilha do Petroleo” (como vem sendo recentemente chamada a Ilha do Fundão), equipare-se à Huston (EUA) como maior complexo de pesquisas do mundo4

Do outro lado da Linha Vermelha, o Complexo da Maré e o bairro de Bonsucesso abrigam pelo menos três Cooperativas e Associações de Catadores de Materiais Reciclaveis, além de um numero incerto de trabalhadores individuais, que têm na catação eventual ou rotineira, uma fonte de renda.

A Ilha do Fundão e o Complexo de Favelas da Maré contrapõem duas realidades distintas: a de uma ilha de excelência na produção de conhecimento e a cidade informal com suas precariedades. Exemplo das contradições urbanas de uma cidade partida.

3.3 A Usina Verde, a produção de residuos urbanos no municpio do Rio de Janeiro e no entorno da Usina.

O municipio do Rio de Janeiro, produz cerca 8.800 toneladas de residuos urbanos por dia, chegando à média de quase 550kg de residuos produzidos por habitante a cada ano. Numero comparavel à média nacional francesa.

Ao contrario da quase absoluta maioria dos municipios brasileiros, na cidade do Rio de Janeiro todo o serviço de limpeza urbana e coleta dos residuos é realizado por uma empresa publica

4 http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,ilha-do-petroleo-no-rio-pode-ser-o-maior-centro-de-pesquisa-do- mundo-,777228,0.htm Consultado em 11/10/2011.

municipal, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (COMLURB).Segundo a COMLURB, somente o complexo de favelas da Maré, que possui 130 mil

habitantes, produziu no ano de 2008 cerca de 56 mil toneladas de residuos (domiciliares e publicos). A planta experimental da Usina Verde na Ilha do Fundão tem capacidade para incinerar 30 ton/dia, como veremos adiante. Se funcionar os 365 dias do ano, a Usina Verde tem então capacidade para queimar cerca de 20% de todo o residuo produzido pelo Complexo da Maré.

3.4 Incineração, recuperação de energia e resfriamento dos gases: uma tecnologia adequada?

A planta instalada na UFRJ foi inaugurada no ano de 2005 e é uma usina experimental, não comercial. Como dito anteriormente, ela tem capacidade de incinerar 30 toneladas de lixo por dia e gerar 440kWh de energia elétrica, revertidos integralmente para o funcionamento da própria usina, sem excedentes, segundo a própria empresa.

Comercialmente, a Usina Verde dispõe de modulos com capacidade de incinerar 150 ou 300 toneladas de residuos por dia, podendo ser acoplados para atingirem 1.200 ton/dia. O custo inicial estimado para implantação de um desses modulos hoje é de R$ 35 milhões. O custo para implantação por tonelada tratada é estimado entre R$ 30,00 e R$ 50,00, variando de acordo com a capacidade da usina e da qualidade do material incinerado. Deve-se adicionar os custos operacionais, não disponiveis pela empresa.

Entretanto, verificamos que a Usina Verde ainda não realizou nenhuma comercialização desde a sua fundação, não existindo modulos instalados que permitam uma analise aplicada à realidade de um municipio brasileiro. Todas as analises deste trabalho, são realizadas tendo como parâmetro a planta experimental, e consequentemente sua proposta comercial de venda. Portanto em condições que podem estar condicionadas.

3.5 O processo de tratamento

3.5.1 Pré-tratamento

Antes de chegarem à Usina Verde, os residuos classe II5 que serão incinerados são recolhidos nos bairros do entorno da Ilha do Fundão e armazenados no entreposto de coleta do Caju pela COMLURB. La o lixo é pré-triado, chegando à Usina uma mistura heterogênea entre os diversos tipos de materiais, constituida basicamente por residuos secos. Essa pré-triagem realizada no entreposto do Caju é fundamental para viabilizar o processo de incineração, que depende de uma mistura com alto potencial carorifico.

Ao chegar no galpão da Usina Verde, uma equipe de 3 Catadores por turno, da Cooperativa Amigos do Meio Ambiente (Coopama), fica à cargo de refinar o processo de triagem. Os Catadores separam os metais, vidros, tocos de madeira, além de outras matérias que possam prejudicar a rapida incineração dos residuos. Além da remuneração contratual, os Catadores recebem esse material triado para revenderem à industria da reciclagem através da Cooperativa6.

Neste ponto, é importante frisar que nenhum tipo de material passivel de reciclagem, que possua grande potencial de queima, é destinado a este fim. Plasticos, papéis, madeiras finas, etc são incinerados, pois o equilibrio da combustão e o bom funcionamento do forno incinerador depende deles.

Feito o pré-tratamento, os residuos são encaminhados para o forno de combustão

5 ABNT NBR 10004 / Revisão 20046Ressalta-se que as frequentes paradas (a Usina Verde já ficou até 6 meses sem operar) para manutenção ou realização de estudos, constitui um fator de instabilidade para a Coopama.

3.5.2 O tratamento térmico e a geração de energia

Segundo o site da Usina Verde7, “O tratamento térmico dos resíduos no forno ocorre, em média, a 950º C. A oxidação dos gases, na câmara de pós-queima, ocorre a +/- 1050°C, com tempo de residência de 2 segundos. As cinzas são recolhidas em arrastadores submersos em corrente de água e lançadas no decantador. Os gases quentes (cerca de 1000º C) são aspirados através de uma Caldeira de Recuperação, onde é produzido vapor a 45 Bar de pressão e 400° C. O vapor gerado pela caldeira acionará um Turbo-gerador, gerando aproximadamente 600 kW de energia elétrica por tonelada de lixo tratado.(...)”

Apesar de ser um dado de amplo conhecimento em países que promovem o debate acerca da incineração, é importante alertar que a taxa de eficiência de recuperação de energia, sobretudo da energia elétrica, é extremamente baixa, girando entre 7% e 15% da recuperação do calor liberado na combustão. Portanto, apesar de a própria Usina Verde reconhecer que essa não deve ser uma forma de geração de energia comparavel às formas convencionais (nuclear, hidroelétrica ou termelétricas), grande parte do apelo e do debate sobre esta forma de tratamento dos residuos, passa pela “magia de transformar lixo – um problema – em energia – uma notavel solução”.

A taxa de recuperação de energia mais eficiente é a energia térmica, muito utilizada em países frios para aquecimento residencial, comercial e de prédios publicos. Entretanto, como é notorio, este tipo de energia não teria serventia em países tropicais. O uso da energia térmica fica restrito a alguns poucos segmentos industriais.

Segundo testemunho de membros da direção da empresa Usina Verde S/A, a tecnologia de mineralização dos residuos solidos passa a ser viavel economicamente com a aprovação da Politica Nacional de Residuos, que obriga as prefeituras a erradicaram os lixões e buscarem soluções para a correta destinação dos residuos solidos. A diretoria da empresa reconhece que se não fosse a nova lei, os municipios não teriam estimulo para a inicneração, pois no Brasil o custo do tratamento dos RSU é relativamente baixo, em torno de 35 a 50 reias por tonelada. Ainda segundo testemunho da direção da Usina Verde, o chamado « gate feed » inicial é baixo, obrigando os empreendimentos a buscarem incentivos fiscais e fundos climaticos para tornarem viaveis economicamente os empreendimentos.

Segundo a a empresa, seu modelo de negocios repousa sobre quatro formas de receita : O tratamento dos residuos por tonelada ; A venda da energia gerada ; Os créditos de Carbono ou Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) sobre o metano evitado e a exportaçao eventual do vapor para outras atividades industriais.

Porém curiosamente a unidade da Ilha do Fundão permanece deficitaria desde sua criação, pois não obteve créditos MDL - apesar de ter sido homologada pelo UNFCCC - , não produz excedente de energia e não exporta vapor. Executivos da empresa alegam que este modelo econômico seria viavel e lucrativo em unidades com capacidade de mais de 150ton/dia, porém nada indica que a tecnologia adotada na planta piloto tenha capacidade de geração de lucro, mesmo porquê a propria usina depende de um gerador a diesel para suprir suas proprias necessidades de alimentação em energia, estando ainda longe da autosuficiência energética. Segundo a diretoria da Usina Verde, « para produção de energia, o lixo não pode ser qualquer tipo de residuos solidos urbanos, masmajoritariamente plasticos, papéis secos e petroquimicos de uma forma geral. »

No contexto atual brasileiro, acreditamos que é importante avaliar o planejamento energético do pais, e abrir o debate publico sobre se existe estratégicamente a intenção de incorporar este tipo de produção de energia à matriz energética nacional. Entretanto, até o presente momento não existem discussões nesse sentido. Esses fatos tornam a geração de energia pela queima de residuos marginal para o pais, sobretudo pela sua baixa eficiência – a menor dentre as diversas formas de geração de energia elétrica.

Por outro lado, existe uma superexploração comercial da geração de energia a partir do lixo, 7http://www.usinaverde.com.br/tecnologia.php?cod=3D1F7E27-42EF-FFE5-BE21-F1D126D77DDD consultado em 01/11/2011.

o que muitas vezes prejudica o avanço do debate, deixando questões importantes como a eliminação massiva de matéria e a emissão de poluentes em segundo plano.

Figura 2: Parte do filtro do incinerador da Usina Verde S/A

3.5.3 O tratamento térmico e a produção de externalidades

3.5.3.1 Emissão de gases

Ainda segundo informações da Usina Verde, “os gases exauridos da Caldeira de Recuperação são neutralizados por processo que ocorre em circuito fechado (filtro de mangas, lavadores de gases e tanque de decantação) não havendo a liberação de quaisquer efluentes líquidos. (…) Os gases limpos, após passagem por eliminador de gotículas (demister), são liberados para a atmosfera pela chaminé.8”

A Usina Verde veicula que as emissões de poluentes de sua tecnologia se enquadram nas normas estabelecidas pela legislação do Estado de São Paulo (Resolução SMA-079 de 04 de novembro de 2009), sobretudo por uma questão de foco de mercado.

Analisada e comparada com a legislação federal sobre incineração de residuos Classe II (Resolução CONAMA 316 de 19 de Outubro de 2002), constata-se que ambas determinam os mesmos valores limites para a emissão de furanos e dioxinas, que por sua vez, são também os mesmos limites estabelecidos pela Diretiva 2000/76/CE do Parlamento Europeu.

Entretanto, a Resolução CONAMA 316 não arbitra sobre outras emissões, como material particulado, Oxido de Enxofre (SOx), Oxidos de Nitrogenio (NOx), Acido Cloridrico (HCl), Acido 8 Idem

Fluoridrico (HF), Hidrocarbonetos totais e outros. Os limites para emissão desses gases estão presentes tanto na legislação paulista, quanto na diretiva européia. Esta ultima, é ainda mais completa em sua abragência de produtos e poluentes do que a SMA-079. E também mais rigida quanto a metodologia de monitoramento.

Apesar da importância no monitoramento e no contrôle das emissões de todos os gases e elementos supracitados, aqueles que trazem ainda maior preocupação e geram maior polêmica são os furanos e as dioxinas.

Furanos e dioxinas são na verdade nomenclaturas simples para duas classes de mais de 150 compostos quimicos diferentes. Esses compostos são também chamados de Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs). São compostos altamente estáveis e que persistem no ambiente, resistindo à degradação biologica, química e fotolítica. Eles possuem a capacidade de bio-acumular nos seres vivos e de serem transportados através do ar e da agua por longas distâncias. Isso quer dizer que qualquer ser-humano esta vulneravel ao contato com essas substâncias. Não são apenas aqueles expostos diretamente à uma fonte geradora, que estão vulneraveis. O contato pode se dar no consumo de alimentos (animais ou vegetais) contaminados, ou pelo ar, com o transporte dessas particulas pelo passar do tempo, para lugares distantes da fonte geradora.

A exposição aos furanos e dioxinas são consideradas nos dias de hoje pelo Centro Internacional de Pesquisa sobre o Câncer e a Organização Mundial de Saúde, um dos fatores de maior risco ao desenvolvimento de patologias cancerigenas, além do nascimento de fetos anencéfalos. Mas além dos seres humanos, os animais também são vulneraveis à exposição à essas substancias. Sobretudo, o carater persistente desses compostos quimicos, conferem a eles um risco longevo à vida em nosso planeta, uma vez que eles se acumulam indefinidamente, por menor que seja a produção. Em outras palavras, não há uma diminuição da quantidade de furanos e dioxinas à que estamos expostos, mas sim um aumento mais ou menos acelerado.

A Usina Verde S/A, por sua vez, somente realiza um controle anual para a emissão dessas substâncias na atmosfera. O motivo declarado foi o alto custo para realização de cada teste (cerca de R$ 8 mil)9. Tanto a legislação brasileira quanto a do Estado de São Paulo, não têm um grau de exigência do monitoramento comparaveis à européia e outras mais exigentes no mundo. A empresa declara tambem que ha cinco anos nenhum laboratorio brasileiro teria condições de realizar as analises de maneira correta.A legislação européia exige quatro verificações anuais nos primeiros 12 meses de operação da usina e ao menos outras duas nos anos seubsequentes. Além de medições extraordinarias a qualquer tempo, e sem prévio aviso, pelas autoridades sanitarias dos Estados-Membros.

3.5.3.2 Escorias e cinzas

Inicialmente cabe contextualizar que a legislação brasileira é omissa quanto à manipulação, utilização, tratamento e descarte das cinzas e escorias. De tal modo, as incineradoras presentes no pais (de material hospitalar, cimenteiras ou mesmo a Usina Verde), ficam relativamente livres para adotar os procedimentos que julgarem necessarios.

Sobre as cinzas e escorias, “restará no decantador um precipitado salino (concentração de cálcio e potássio) e material inerte, correspondendo a algo em torno de 8%, em peso, dos resíduos para tratados. Este material está sendo testado, em substituição à areia, na fabricação de tijolos e pisos. Um módulo de 150 ton/dia gera material suficiente para a produção de 1500 tijolos/dia (1 casa de 50 m2 por dia). (...)”10

É importante ressaltar que foi verificado que os testes à que dizem respeito o texto acima, são de ordem técnica, e não toxicologica. Em outras palavras, o produto residual da queima

9 Na verdade, para haver valor amostral e legal, são necessarias três testes diferentes para cada evento de contrôle, o que perfaz um custo total de R$ 24 mil para cada evento.

10 http://www.usinaverde.com.br/tecnologia.php?cod=3D1F7E27-42EF-FFE5-BE21-F1D126D77DDD consultado em 01/11/2011.

(Escorias e cinzas) formam uma massa quimica rica em substâncias toxicas. É de grande importância o monitoramento continuo da presença de metais pesados, Furanos e Dioxinas, e outras substâncias toxicas que podem estar contidas nessa massa residual da queima. Na Europa alguns testes, como os promovidos pelo Departamento de Meio Ambiente, Transportes, Energia e Comunicação11 da Suiça, e outros estudos acadêmicos correlatos (FAYOMI et al, 1993) indicam que depois de muitos anos utilizando as cinzas e escorias da incineração de residuos para fabricação de asfalto, podem estar ocorrendo processos de lixiviação que estejam contaminando os lençóis fraticos.

A fabricação de tijolos a partir desse mesmo subproduto da queima, coloca em duvida a segurança daqueles que vierem a manipular esses materiais e, também, daqueles que frequentarão as instalações construidas a partir desta técnica. Uma vez mais a falta de Estudo de Impacto Ambiental deixa uma lacuna, para indicar a segurança ou não de tais processos, assim como, se for o caso, estabelecer as regras claras de manipulação e emprego desses materiais.

Mas essa forma de destinar as cinzas não é empregada assiduamente pela Usina Verde. Boa parte dos subprodutos da queima vêm sendo depositado em aterros. Não foi possível no entanto, identificar qual ou quais locais recebem essas cinzas e se passam por algum tratamento suplementar. Durante a visita técnica à Usina, verificou-se que de fato a disposição adequada das cinzas não parece uma preocupação da empresa. A estocagem é feita a céu aberto, em contêiner simples, coberto por uma lona plastica que sequer vedava a possibilidade de contaminação da area da propria usina. É possível verificar com uma simples visita do local, o descaso e a falta de investimento da empresa no controle das cinzas, assim como fica claro que as instalações de uma forma geral apresentavam evidentes sinais de deterioração.

Figura 3: Cinzas e escorias armazenadas em container sem proteção na Usina Verde S/A

3.5.3.3 Não realização do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para obtenção da Licença de Operação

Finalmente, as três legislações anteriormente citadas (paulista, brasileira e européia), estabelecem que um estudo anterior à instalação desses empreendimentos – na figura do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) –, é fundamental para implantar medidas mitigadoras e compensatorias 11 http://www.bafu.admin.ch/dokumentation/fokus/06063/06181/index.html?lang=fr

aos prejuizos causados pela instalação de tal empreendimento – e nesse caso, concretamente sobre a emissão dos gases poluentes. Entretanto, beneficiando-se do fato de estar localizada em um territorio universitario e alegando ser esta uma usina experimental e com finalidade cientifica, a Usina Verde não realizou tal estudo – com o consentimento das autoridades que expediram a Licença de Operação à época .

Além de não contribuir para a transparência do debate (tendo em conta inclusive seu “apelo cientifico”), a Usina Verde é na pratica um modulo de cunho comercial do grupo ARBI. E que incinera 30ton/dia de residuos, quantidade não negligenciavel como dito anteriormente e suficiente para impactar o meio ambiente e aqueles que habitam ou frequantam seu entorno. Este impacto no entorno da usina pode ser potencialmente grande, visto que alem da presença de milhares de estudantes no campus da UFRJ, as instalações estão muito proximas de areas densamente habitadas, como as comunidade do Caju e da Maré, além dos Bairros de Bonsucesso, Olaria e Penha, onde mais de 100 mil familias vivem a apenas alguns kilometros de distância da Usina.

Dentre outros aspectos que deixam lacunas importantes de informações, estão a sistematização e disponibilização publica das emissões geradas pelo empreendimento, regras claras de monitoramento – face à uma tecnologia que esta ainda em desenvolvimento – e assim possíveis medidas mitigadoras. E por fim o possível impacto socio-econômico face ao trabalho dos Catadores dos bairros do entorno da Ilha do Fundão12.

3.6 A Usina Verde e os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL)

A Usina Verde foi certificada como sendo uma atividade que evita a emissão de gases causadores do efeito-estufa, segundo as regras do Painel Intergovernamental de Mudanças Climaticas das Nações Unidas (UNFCCC, sigla em inglês). É importante detalhar e compreender qual é o contexto e os motivos que originaram essa certificação. Para compreendermos um pouco melhor, começamos pelo texto disponivel no sitio da empresa na internet:

“O processo de certificação da Usina Modelo do CT USINAVERDE como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) foi elaborado em conjunto com o ‘CentroClima’ (IVIG/COPPE/UFRJ) e aprovado em 14 de outubro de 2005 pela Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima. (…) O escopo do Projeto de MDL da Usina do CT USINAVERDE é, exclusivamente, a eliminação das emissões do gás metano que seria gerado caso a mesma matéria orgânica tratada termicamente fosse depositada em seu destino final atual (Aterro de Gramacho/RJ). Entretanto, nas Usinas comerciais este escopo poderá ser bastante ampliado, considerando:

a) A localização da Unidade ao lado de um aterro ou lixão desativado, com a captação do biogás e sua utilização como combustível auxiliar no processo ou mesmo na geração de energia adicional, dará margem a créditos de carbono oriundos da redução de emissão do metano (cerca de 50% da composição do biogás de aterro) gerado pelo material ali depositado.

b) A substituição da energia produzida a partir de combustíveis fósseis pela energia gerada a partir do lixo, considerada internacionalmente como fonte alternativa e renovável. No Norte do Brasil, por exemplo, parte expressiva da energia consumida é gerada em termelétricas a diesel.

c) Redução das emissões do transporte do lixo, durante a coleta e na transferência para o aterro, que em geral localiza-se distante dos centros geradores de resíduos.”13

É importante notar que, segundo a própria empresa, a demanda inicial feita pelo reconhecimento da “certificação verde” é em decorrência do metano não emitido pelos residuos que ali são incinerados – e que seriam enviados ao Aterro de Gramacho. O Aterro de Gramacho, como é de conhecimento amplo, era um lixão a céu aberto que foi recentemente fechado e para onde ia todo o lixo coletado pela COMLURB. Foi alvo de incontaveis contestações judiciais impetradas pelo 12 Atualmente são apenas 6 Catadores trabalhando em turnos de 12 horas na Usina Verde.13http://www.usinaverde.com.br/tecnologia.php?cod=3D1F7E27-42EF-FFE5-BE21-F1D126D77DDD consultado em 01/11/2011.

ministério publico brasileiro e por instâncias administrativas da propria Secretaria de Meio Ambiente Estadual e do Ministério do Meio Ambiente (tanto pelo viés ambiental, quanto social – das pessoas que ali viviam e ganhavam suas vidas da forma mais precaria possível).

Portanto, o apelo ecologico da Usina Verde se da pelo fato de emitir menos metano do que um lixão que já foi considerado o maior da América Latina e talvez do mundo. E não por ser uma fonte geradora de energia elétrica “ambientalmente correta”, como muito se faz sugerir sua marca e publicidade.

Ressaltamos também que a demanda de certificação da USINAVERDE foi recebida com surpresa pela sociedade civil brasileira, e foi contestada na época, em 2005, pelo FBOMS, o Forum Brasileiro sobre Mudanças Climaticas, em carta enderçada às autoridades brasileiras. No texto da carta fica clara a posição do Forum14 :

“Em 28 de fevereiro de 2005 foi apresentado ao Painel Metodológico da Convenção do Clima (UNFCCC) o Documento de Desenho de Projeto (PDD) "USINAVERDE:Incineração de resíduos sólidos urbanos, com carga de composição similar ao RDF (Refused Derived Fuel - combustível derivado de rejeito), evitando a formação de metano, com aproveitamento energético para geração de eletricidade para autoconsumo".

O projeto foi desenhado pelo Centro Clima - Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Instituto Alberto Luiz Coimbra - COPPE da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É financiado pelo Grupo USINAVERDE S/A, que será responsável pela operação e manejo da planta piloto já instalada no campus universitário da Ilha do Fundão, da UFRJ.

Esta planta piloto consiste basicamente de um pátio para recebimento de resíduos sólidos, uma esteira para separação manual de vidros e metais, forno de incineração, equipamentos de lavagem de gases, equipamento para tratamento de efluentes e equipamento termoelétrico para recuperação de energia gerada durante o processo de queima dos resíduos sólidos. A planta tem capacidade máxima de gerar o equivalente a 440 kW, onde 320kW serão utilizados na própria instalação e o restante disponibilizado para a Universidade. Deverá incinerar em torno de 30 toneladas diárias de resíduos, fornecidos pela empresa COMLURB (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) provenientes de coleta do próprio campus e da Estação de Transbordo do Caju.

Mesmo tratando-se de um incinerador, o projeto não contou com a realização de Estudo de Impacto Ambiental e posterior Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), pois a autoridade ambiental do Estado do Rio de Janeiro entendeu que por se tratar de um projeto piloto, estes estudos eram dispensáveis. A licença de instalação foi concedida pela FEEMA em 15 de janeiro de 2004, com a posterior licença de operação concedida em 12 de maio de 2005.

Os propositores do projeto têm usado em seus materiais de divulgação que o mesmo é candidato ao Gold Standard, um selo de qualidade para projetos Mecanismo do Desenvolvimento Limpo (MDL) desenvolvido e apoiado para una coalizão de ONGs.

Mesmo sem ter dado entrada na sua candidatura, as iniciais do programa Gold Standard (GS) estão presentes na capa do PDD e em todas as suas páginas, o que facilmente pode levar à falsa percepção que este projeto passou pelo crivo e detém o selo Global Standard.

Entretanto, de acordo com o Manual de Desenvolvimento de Projetos do Gold Standard, incineração de resíduos ou metano evitado, não são elegíveis para o Gold Standard. Isto porque o Gold Standard pretende promover apenas tecnologias para produção de energia genuinamente sustentáveis e práticas que oferecem soluções de longo prazo para mudanças climáticas, devendo ser as mesmas apoiadas por diversos grupos sociais, devido aos seus incontestáveis benefícios. Nosso entendimento é que este projeto não é elegível para o Gold Standard e, portanto não deve empregar os seus termos de maneira a conduzir a solicitações e conclusões indevidas.”

Por outro lado, é importante ressaltar que o certificado foi emitido especificamente para essa planta da Ilha do Fundão, no contexto de evitar que os residuos ali incinerados fossem enviados ao Lixão de Gramacho. Isso explica porquê diferentemente de muitos outros incineradores, esse possui certificação de MDL, mesmo sem exportar energia para fora da Usina.

14 Carta enviada ao Minsterio do meio Ambiente, 2005, assinada por quatro coordenadores do FBOMS

Os eventuais modulos que serão comercializados pela Usina Verde S/A não têm garantidos essa certificação.

Com o fechamento do Lixão de Gramacho, os residuos solidos da cidade do Rio de Janeiro passaram à ser enviados para o Centro de Tratamento de Seropédica, desde o primeiro semestre de 2011, que é certificado como um aterro sanitario controlado e que possui sistemas de recuperação do metano emitido. Seria importante realizar novo estudo comparativo entre a eficiência da Usina Verde e do CT Seropédica e confirmar ou não a pertinência do certificado de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

Por fim, é importante ressaltar que, apesar de ter adiquirido a certificação de MDL, a Usina Verde S/A não recebe beneficios financeiros pela venda dos créditos de carbono.

Conclusão

Apos realização do estudo de caso e da visita técnica à Usina Verde, podemos concluir que existe uma grande ambiguidade entre o que afirma a empresa oficialmente através de seu site internet, suas apresentações comerciais e a realidade encontrada no local do empreendimento. Segundo afirma a direção da empresa, a Usina Verde nunca gerou lucros nem energia excedente, mas sua presença se justifica pela “força da marca” e sua manutenção é possivel “pelo tamanho da empresa controladora”. Trata-se portanto de um projeto que:

− Dispensou estudos de impacto ambiental ( EIA ) e relatorio de impacto sobre o meio ambiente ( RIMA ), apesar de manter atividade altamente poluidora

− Aproveitando-se das lacunas da legislação brasileira no controle de emissões e da disposição das cinzas, não realiza controles e tratamento adequados como seria de se esperar de uma empresa que pretende consolidar-se no mercado

− Não logrou sucesso na proposta de aferir a viabilidade comercial da tecnologia patenteada pela empresa, visto que suas instalações apresentam sinais visiveis de fadiga de material e falta de renovação

A empresa USINAVERDE S/A apresenta-se tambem como pioneira e unica com tecnologia nacional, visando com este argumento situar-se em posição privilegiada no mercado, mesmo se esta tecnologia parece não apresentar os resultados esperados. Paradoxalmente, a empresa parece ir contra às leis do mercado, visto que a usina segue deficitaria e com funcionamento irregular desde sua inauguração ha mais de seis anos.

De fato a proposta da Usina Verde apresenta-se como uma vitrine, visando consolidar a incineração como alternativa aos lixões à céu aberto em um contexto de forte concorrência Mas ela não leva em consideração e busca se sobrepor às outras formas de tratamento dos residuos, como a produção de biogas, a compostagem, a reciclagem e a reutilização.

Ainda, podemos averiguar que ela se insere como uma atividade oportunista em um ambiente caotico, onde ainda estão sendo realizadas as audiências publicas do plano nacional de residuos solidos. Ela se apresenta como uma boa pratica face aos lixões, que são de fato a pior de todas as formas de tratamento dos residuos.

Em um contexto mais amplo, onde buscamos uma visão estatégica sobre o futuro da politicas publicas na area de residuos no Brasil, fica claro que o interesse econômico do grupo Usina Verde vai de encontro às boas praticas de governança para o setor. Outros grupos privados também buscam ganhar espaço e firmar contratos de longo prazo com as prefeituras, sem adequarem-se à uma visão de governança de longo prazo, amplamente debatida pela sociedade, no contexto do marco regulatorio atual e que caminha na direção da redução, do reuso e da reciclagem. Esta “ofensiva” comercial também se explica pelo endurecimento das normas ambientais, principalmente na Europa, o que representa a perda de mercados locais e a redução expressiva nas margens de lucro as empresas lideres no mercado europeu.

O investimento em uma usina de incineração é bastante elevado, e para que se justifique, deve operar à plena capacidade por décadas. Isso quer dizer que fazer a opção por um incinerador, é optar por queimar durante quarenta ano residuos que poderiam ser reciclados se fosse colocado em pratica um sistema de triagem eficaz, separando os residuos no momento do descarte.

É também função do novo marco legal brasileiro, imputar responsabilidade aos geradores dos residuos, sejam eles empresas, poder publico, consumidores intermediarios ou consumidores finais, respeitando os principios de uma gestão moderna e integrada.

Finalmente, muitos países industrializados como Alemanha, Holanda, Noruega e Bélgica, passaram pela fase da eliminação industrial e tiveram grandes dificuldades em transpôr esse modelo e chegarem hoje ao que é conhecido como Fluxo Circular da Matéria, onde a eliminação é reduzida ao maximo e a circulação é maximizada. O Brasil tem hoje a oportunidade de alinhar-se com as mais recentes praticas desenvolvidas por esses países e evitar erros cometidos por eles no passado, passando diretamente para a fase de circulação da matéria. Ou então repetir os erros de outros países e despender recursos, capital humano e tempo com técnicas ultrapassadas em outros países.