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  • 7/29/2019 Incluso a passos lentos

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    Camila WeberMatheus KieslingCamila Weber

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    De um lado, o setor privado, sob a justificativa de que falta qualificao aoscandidatos para as vagas que, por lei, deveriam ser dedicadas pessoas comdeficincia. De outro, as prprias pessoas com deficincia, as chamadas PCD,que alegam falta de boa vontade por parte do empresariado em adaptarem osseus espaos para a chegada de um funcionrio com alguma limitao. Oresultado so milhares de empresas gachas em dvida com o Ministrio doTrabalho e tambm com a sociedade. A lei n 8.213/91, conhecida como Leide Cotas, completou, em 2011, duas dcadas de existncia. Segundo ela, asempresas que tiverem o nmero de funcionrios estipulado devem preencherde dois a cinco por cento dos seus cargos com beneficirios reabilitados ou

    pessoas com deficincia. Porm, embora a lei tenha surgido com o intuito deampliar as oportunidades de emprego a essas pessoas, o processo, na prtica,no to simples assim.

    O ltimo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), de2010, aponta que 23,9% da populao brasileira, ou 45 milhes de pessoas,possuem algum tipo de deficincia. E esse nmero tende a crescer, segundodados apresentados por um estudo realizado pelo Centro de Pesquisas Sociaisda Fundao Getlio Vargas. De acordo com a pesquisa, cerca de 10 milpessoas adquirem algum tipo de deficincia todos os meses, principalmentedevido a acidentes de trnsito ou com armas de fogo. Desse pblico, aindasegundo o IBGE, aproximadamente 27 milhes tm idade para trabalhar nomercado formal, com direitos trabalhistas e previdencirios. Muito poucos,porm, conseguem, de fato, passar a integrar o grupo dos economicamenteativos.

    Apesar da Lei das Cotas, criada pelo governo com o objetivo de proporcionaroportunidades de colocao no mercado de trabalho s PCD, os dados quanto empregabilidade desse pblico ainda so pouco expressivos. Dados de 2010do Ministrio do Trabalho e Emprego mostram que, naquele ano, menos dametade das empresas fiscalizadas pelo rgo cumpriam com a exigncia

    estabelecida por lei. De acordo com os dados da Relao Anual deInformaes Sociais (Rais) do Ministrio do Trabalho e Emprego, havia, em2010, 44,1 milhes de trabalhadores com carteira assinada no Brasil at o fimdaquele ano. Desse universo, 306 mil foram declarados como pessoas comdeficincia, representando apenas 0,7% do total de pessoas com registro emcarteira no perodo. Um ponto positivo, porm, que as contrataes depessoas com deficincia sob a fiscalizao do Ministrio vm aumentando acada ano: em 2010, 17,4 mil novos empregos formais foram ocupados pormeio das cotas no pas, um aumento de 6,2% em relao ao ano anterior.

    Diversos so os obstculos enfrentados pelos profissionais com necessidades

    especiais que buscam uma colocao no mercado. Segundo a representanteda Associao Canoense de Deficientes Fsicos, Iara Costa, muitas empresas

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    procuram preencher suas cotas com pessoas que possuam deficincias noaparentes, como algum que tenha apenas um dedo amputado, para noprecisarem adaptar seus espaos fsicos a pessoas com mais dificuldade.Esse preconceito por parte de muitas empresas no d oportunidade para queos cadeirantes, porexemplo, mostrem seus prprios limites,aponta. Por outro

    lado, Iara, que cadeirante, reconhece que tambm h diversos casos em quea pessoa com deficincia no busca aprimoramento e acaba no conseguindocolocao por falta de qualificao. Algumas pessoas com deficincia no tmsequer o ensino mdio completo e no buscam aperfeioar-se, diz.

    J na opinio de Melissa Bahia, gestora de empregabilidade da Associao deCegos do Rio Grande do Sul ACERGS, ainda existem muitos profissionaisdespreparados para as vagas disponveis, mas tambm no h grande esforopor grande parte das empresas para melhorar esse quadro. Outra questoapontada por Melissa, que tambm deficiente visual, o fato de que muitosdesses cidados recebem o beneficio do INSS e no buscam emprego por

    temerem a perda desse auxlio. Conheo muitos que tm medo do trabalhono dar certo e, por falta de esclarecimento, acham que no vo conseguirreaver o valor que recebiam", acrescentou.

    Para o Superintendente Substituto da Superientendncia Regional do Trabalhoe Emprego do Rio Grande do Sul (SRTERS), Luiz Felipe Brando de Mello, umdos grandes entraves no momento da contratao de uma PCD diz respeito acessibilidade. Mello tambm destaca que as empresas no costumamprocurar a entidade para verificar possibilidades de adequao Lei de Cotas:No me lembro de nenhum caso em que as empresas tenham nos procuradopara se adequar s normas. Na maioria das vezes a SRTE quem procura asempresas para que as mesmas se regularizem, destacou.

    A mesma observao feita por Silvana Rossetto, pedagoga da FADERS(Fundao de Articulao e Desenvolvimento de Polticas Pblicas paraPessoas Portadoras de Deficincia no Rio Grande do Sul). Algumas empresasacabam se dando conta de que essas pessoas muitas vezes tem desempenhoigual ou melhor do que muitos outros funcionrios, mas essa primeira chance dada s porque h fiscalizao, destaca. As empresas geralmente chegamat ns depois de serem autuadas e receberem indicao da fiscalizao doMinistrio do Trabalho. Quase todas as empresas com que trabalhamos hoje

    chegaram ate ns assim, nenhuma nos procura voluntariamente,completa.Alm de oferecer cursos de capacitao, a FADERS tambm realiza umtrabalho de preparao em empresas que contratam colaboradores comdeficincia, buscando conscientizar os demais funcionrios quanto importciada cooperao de todos para o xito do processo de incluso.

    Um bom exemplo da concluso a que chegou a representante da FADERS ode Deisi Hagg. Vtima de uma meningite que a deixou com uma limitao fsicanos membros inferiores ainda na infncia , Deisi conseguiu seu primeirotrabalho em uma escola que procurava contratar uma pessoa com deficincia -mas faz questo de destacar que foram a sua persistncia e determinao em

    atingir seus objetivos que garantiram sua permanncia e xito nesse e nosempregos seguintes. No porque sou do jeito que sou que vou ter uma

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    colher de ch, no acho certo, destaca. Para ela, ir atrs de capacitaestambm no uma atribuio da empresa, e sim do profissional PCD. Cadaum deve ser responsvel pela sua evoluo. A falta de preparo das PCD hojeum dos principais entraves para as empresas no momento do preenchimentodas vagas obrigatrias, completa.

    Na tentativa de aumentar os esforos para a construo de uma sociedademais inclusiva, o Ministrio do Trabalho e Emprego publicou, no ultimo dia 16de agosto, uma nova instruo normativa (IN 98) que pretende tornar aindamais rgido o controle das regras sobre a contratao de pessoas comdeficincia. Segundo Fernanda Pessoa, auditora nacional do Ministrio doTrabalho, isso significar uma maior uniformidade de procedimentos relativos fiscalizao da Lei em mbito nacional, evitando diferenciaes no momentodas avaliaes.

    Somente no estado do Rio Grande do Sul, existem hoje 840,4 mil pessoas com

    algum tipo de deficincia no grupo das chamadas economicamente ativas, que composto por toda a populao com dez anos de idade ou mais. Dessas,41% tm problemas de viso, 28% deficincia motora, 16% possuem algumadificuldade cognitiva e outros 13% enfrentam problemas com a audio.Juntas, essas pessoas somam cerca de 7% da populao gacha, que demais de 10 milhes de pessoas. Segundo Fernanda, em 31 de dezembro de2010, 27,1 mil postos de trabalho em empresas privadas do RS deveriam serpreenchidos com PCDs. Todavia, estavam contratados na data 12,3 milpessoas por empresas com 100 ou mais empregados e 3,4 mil por empresascom menos de 100 empregados, totalizando apenas 16,2 mil PCDsempregados em dezembro de 2010. O nmero representa somente x% dototal de pessoas com carteira assinada no estado hoje, que de xxxx.

    Fernanda explica que o cumprimento da Lei das Cotas fiscalizado por meiodas superintendncias regionais do trabalho, que atuam de formaindependente nos estados brasileiros. A auditora salienta que as fiscalizaespodem ocorrer de duas formas. Na fiscalizao indireta, a empresa convocada a comparecer superintendncia para comprovar o cumprimentoda cota por meio de documentos. No caso da fiscalizao direta, o grupo deauditores verifica in loco a veracidade e qualidade das informaesrepassadas. s empresas que no estiverem atuando de acordo com a Lei

    aplicada uma multa administrativa que varia de de R$ 1,5 mil a R$ 152,3 mil.Alm disso, essas organizaes podero ser alvo de aes civis pblicas,impetradas pelo Ministrio Pblico do Trabalho, com indenizaes por danomoral.

    Rejane Carneiro, analista de Recursos Humanos da Vonpar, empresa atuanteno ramo de alimentos e bebidas com mais de mil funcionrios, afirma que hum esforo por parte da empresa para aumentar a cultura de incluso de PCDentre os colaboradores: H cerca de um ano e meio iniciamos o trabalho desensibilizao de lideranas quanto ao tema. Nosso novo prdio j foiconstrudo visando atender as necessidades das PCD, com elevadores,

    rampas e banheiros que facilitam o transito dos mesmos,conta.

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    Apesar disso, Rejane lamenta o fato de que ainda falta muito para que aempresa consiga cumprir a cota prevista por lei. Recebemos muitos currculos,uma quantidade enorme, mas em alguns dos casos no conseguimosprofissionais capacitados. Para contribuir para a soluo desse problema, aempresa tem investido em capacitaes para PCD em diversas reas

    relacionadas ao ramo em que atua. Oferecemos atualmente um curso decapacitao no SENAI para a rea de logstica, com 10 aprendizes, e temosmais alguns projetos sendo implantados.

    Por outro lado, a empresa gacha Ferramentas Gerais, comerciante desuprimentos industriais com 1,5 mil funcionrios em todo pas, j alcanou onmero suficiente de colaboradores com deficincia para considerar-se emdia em relao Lei de Cotas. Catherine Etchebeste, analista de RH daempresa, tambm coloca a qualificao dos candidatos como um dos pontosde maior dificuldade no momento de contratar PCD.Atualmente estamos coma cota cumprida, mas bastante difcil, afirma. A maioria dos currculos que

    chegam empresa, segundo Catherine, so encaminhados ao RH porconsultorias especializadas parceiras.

    Uma dessas consultorias a Egalit Recursos Humanos Especiais, empresaque oferece cursos e capacitaes para profissionais que j empregam oupretendem contratar pessoas com deficincia. Para o consultor da Egalit,Marcelo Rodrigues, h atualmente um nmero muito grande de empresasprocurando orientao nesse sentido. Isso est ocorrendo especialmentedevido ao aumento no rigor da fiscalizao do Ministrio do Trabalho. A Lei dasCotas uma lei um tanto antiga, mas h cerca de cinco anos o controle passoua ser mais rgido,aponta. Para ele, importante que as empresas estejam

    conscientes das peculiaridades que envolvero a incluso de uma PCD.Embora um cego e um cadeirante sejam considerados igualmente pela Lei deCotas, a demanda de acessibilidade dos dois ser completamente diferente,explica.

    Marcelo expe ainda que muitas empresas tm um conceito equivocado deacessibilidade, um dos temas trabalhados durante as capacitaes:Normalmente, quando falamos em acessibilidade, as pessoas se remetem auma rampa, sinal luminoso ou outro elemento que auxilie no acesso fsico dasPCDs. Na verdade esse conceito vai muito alm disso, e est relacionado,

    principalmente, incluso por parte dos colegas. O consultor defende que aideia de assistencialismo exagerado cultivada h anos atrs, em que defendia-se que as empresas no deveriam exigir muito das PCDs, est defasada.Defendemos que a empresa deve dar condies da pessoa se desenvo lverprofissionalmente l dentro, mas que ela tambm deve dar um retorno empresa. Uma PCD pode dar um resultado to bom quanto ou at melhor doque uma pessoa que no tenha deficincia, explica.

    Se, por um lado, os dados apontam que o estado do Rio Grande do Sul e opas como um todo ainda esto muito aqum de um cenrio ideal no que setrata no cumprimento da Lei de Cotas, a norma sem dvida funciona como

    mola impulsora para a incluso de pessoas com deficincia no mercado detrabalho. Sem a determinao do Ministrio do Trabalho, certamente o nmero

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    de PCD empregados no viria aumentando a cada ano o que no exatamente uma concluso animadora, j que o melhor seria que essainiciativa partisse das empresas espontaneamente. Contudo, a partir de umaprimeira experincia, muitas companhias comeam a perceber que a inclusodessas pessoas tem um impacto social fundamental e pode, sim, gerar ganhos

    mtuos.