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INCLUSÃO ESCOLAR: CONCEPÇÕES DE PROFESSORES DE ALUNOS DEFICIENTES MENTAIS NA EDUCAÇÃO REGULAR
MÁBIA CARDOSO OLIVEIRA1
ARLETE APARECIDA BERTOLDO MIRANDA2
RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo compreender as concepções de professores de alunos
com deficiência mental inseridos em suas salas de aula. Consideramos importante analisar as
concepções dos professores, pois sabemos que eles constroem sentidos que retratam o seu
modo de ser e agir, a partir das relações estabelecidas ao longo de sua vida, tanto ao nível
pessoal quanto profissional. Daí a importância de se conhecer de maneira mais aprofundada o
que pensam e como agem os professores de alunos com deficiência mental, pois sua maneira
de ser traz pistas importantes para compreendermos sua prática pedagógica. Para o
cumprimento deste objetivo analisamos as concepções de nove professoras da pré-escola a 4ª
série do Ensino Fundamental de uma escola pública estadual da cidade de Uberlândia/MG.
Delimitamos nossa opção metodológica a uma abordagem qualitativa e como estratégia de
coleta de dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada. Os dados obtidos apontaram que as
formas de pensar das professoras sobre temas relacionados à inclusão escolar ainda estão em
construçao. Observamos também que os deficientes mentais incluídos na escola pesquisada
estão à mercê do processo ensino-aprendizagem, e que os professores ainda estão se
familiarizando com a idéia de tê-los em suas salas de aula, de ensino regular. Acreditamos que
os resultados deste estudo possam contribuir, de alguma forma, com as discussões atuais em
torno da temática sobre formação de professores de alunos com necessidades educacionais
especiais.
Palavras-chave: Educação Especial – Inclusão Escolar – Deficiência Mental – Formação de
Professor.
1 Aluna do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Endereço: Rua Planalto, n. 234, Bairro Progresso, Uberlândia/MG, Cep: 38408-064. E-mail: [email protected] 2 Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Endereço: Rua Jataí, n. 803. Bairro: Aparecida. Uberlândia/MG. Cep: 38400-632. E-mail: [email protected]
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SUMMARY
The present work had as objective understands the students' teachers' conceptions with mental
deficiency inserted in your class rooms. We considered important to analyze the teachers'
conceptions, because we know that they build senses that portray your way of to be and to act,
that is, your conceptions, starting from the established relationships along your life, so much
at the personal level as professional. Then the importance of knowing in a deepened way what
think and as the students' teachers act with mental deficiency, because your personality brings
important tracks for us to understand your pedagogic practice. For the execution of this
objective we analyzed the nine teachers' conceptions of the pré-school to 4th series of the
Fundamental Teaching of a state public school of the city of Uberlândia/MG. We delimited
our methodological option to a qualitative approach. As strategy of collection of data was
used the semi-structured interview. The obtained data pointed that the forms of thinking of the
teachers on themes related to the school inclusion are being built. We also observed that the
deficient ones mental included at the researched school they are at the mercy of the process
teaching-learning, and that the teachers are still familiarizing if with the idea of having them
in your regular class rooms. We believed that the results of this study can contribute, in some
way, with the current discussions around the thematic about students' teachers' formation with
special educational needs.
Word-key: Special education - School Inclusion - Mental Deficiency - Formation of Teacher.
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INTRODUÇÃO
Atualmente, observamos uma
mobilização da escola frente ao novo
modelo escolar, que é a inclusão dos
alunos que apresentam necessidades
educacionais especiais nas salas de aulas,
de ensino regular. Esse movimento obriga
a escola a refletir sobre princípios desse
novo paradigma, que vai desde a
convivência com esses alunos em um
mesmo espaço até uma mudança na
organização de todo o trabalho pedagógico
da escola.
Em relação à criança deficiente
mental, acreditamos que a sua inserção na
escola, realizada dentro desse paradigma
da inclusão escolar, possa constituir uma
experiência fundamental que venha a
definir o sucesso ou fracasso de seu futuro
processo de inclusão na sociedade. Desse
modo, todos os indivíduos, inclusive os
deficientes mentais, devem ter garantido
seu direito de acesso e permanência na
escola pública gratuita e de qualidade,
possibilitando, assim, uma vida
independente e uma postura crítica frente
aos fatos ocorridos no cotidiano.
Apesar de reconhecermos a
importância da inclusão, temos de
considerar que o que sabemos sobre esse
novo paradigma é muito pouco, o que não
nos deixa seguros para afirmar quais
seriam suas possibilidades e limitações e,
conseqüentemente, quais as melhores
formas de viabilizar sua execução, sem o
risco de fracassos. No Brasil, as
experiências de inclusão escolar
envolvendo crianças deficientes mentais
ainda são muito incipientes, e questões
fundamentais a respeito deste complexo
processo ainda necessitam ser respondidas.
Temos convicção de que o
professor é uma peça muito importante no
conjunto que movimenta todo o sistema
educacional. Nesse sentido, é fundamental
que o professor da escola regular seja
devidamente capacitado para receber esse
novo alunado que está chegando à escola,
pois “juntar crianças em uma sala de aula
não lhes garante ensino, não lhes garante
escola cumprindo seu papel, não lhes
garante aprendizagem e, portanto, não lhes
garante desenvolvimento” (PADILHA,
2004, p. 96).
Consideramos importante analisar
as concepções dos professores, pois
sabemos que eles constroem sentidos que
retratam o seu modo de ser e agir, a partir
das relações estabelecidas ao longo de sua
vida, tanto no nível pessoal quanto
profissional. Daí, a importância de
conhecer de maneira mais aprofundada o
que pensam e como agem os professores
de alunos com deficiência mental, pois sua
maneira de ser traz pistas importantes para
compreendermos sua prática pedagógica.
Tendo em vista que a prática da
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inclusão tem sido bastante incentivada,
sem que suas implicações sejam
suficientemente conhecidas, parece-nos
relevante estudar as concepções dos
professores. Deste modo o objetivo deste
estudo foi buscar entender as concepções
dos professores de alunos que apresentam
deficiência mental incluídos na classe
comum do ensino regular. Para tanto,
foram consideradas as concepções de
inclusão, de deficiência mental e do aluno
com deficiência mental.
Em meados da década de 1990, no
Brasil, começaram as discussões em torno
do novo modelo de atendimento escolar,
denominado inclusão escolar. Esse novo
paradigma surgiu como uma reação
contrária ao processo de integração, e sua
efetivação prática tem gerado muitas
controvérsias e polêmicas.
O conceito de inclusão passou a ser
trabalhado na educação especial de forma
diferente do conceito de integração, no
entanto, eles têm a mesma proposta, que é
inserir os alunos que apresentam
necessidades educacionais especiais no
ensino regular.
Podemos declarar que a integração
passa a idéia de que a pessoa, para ser
inserida na escola regular, deve estar em
condições para isso, ou em condições de
corresponder às solicitações feitas pela
escola. Nesse sentido, não se questiona
sobre o papel e a função da escola, pois é
ela quem dita o modelo que o aluno deve
seguir. A inclusão considera a inserção de
alunos por meio de outro ângulo, isto é,
aquele que reconhece a existência de
inúmeras diferenças (pessoais, lingüísticas,
culturais, sociais etc.), e, ao reconhecê-las,
mostra a necessidade de mudança do
sistema educacional que, na realidade, não
se encontra preparado para atender a essa
clientela (BUENO, 1999).
É importante destacar que, em
relação à inclusão, dois eventos foram
mundialmente significativos e podem ser
considerados marcos dessa proposta, pois
trataram de questões referentes à
viabilização de educação para todos. Esses
eventos foram “A Conferência Mundial
sobre Educação para Todos”, realizada em
Jontiem, na Tailândia em 1990, que
buscava garantir a igualdade de acesso à
educação a pessoas com qualquer tipo de
limitação; e “A Conferência Mundial sobre
Educação Especial”, ocorrida em
Salamanca, na Espanha, em 1994. Nessa
conferência, foi elaborado o documento
“Declaração de Salamanca e Linha de
Ação sobre Necessidades Educativas
Especiais”, que “inspirada na igualdade de
valor entre as pessoas, propõe ações a
serem assumidas pelos governos em
atenção às diferenças individuais”
(CARVALHO, 1998, p. 146).
De acordo com a Declaração de
Salamanca, o conceito de inclusão é um
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desafio para a educação, uma vez que
estabelece que o direito à educação é para
todos e não só para aqueles que apresentam
necessidades educacionais especiais, como
podemos observar no trecho abaixo:
As escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Devem acolher crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidas ou marginalizadas (p. 17, 18).
A Declaração de Salamanca
defendia a idéia de que todos os alunos,
sempre que possível, devem aprender
juntos, independentemente de suas
capacidades. Ao mesmo tempo, ela
apontava a escolarização de crianças em
escolas especiais, nos casos em que a
educação regular não pode satisfazer às
necessidades educativas ou sociais do
aluno. No entanto a Declaração de
Salamanca trouxe um avanço importante
ao chamar atenção dos governantes para a
necessidade de aplicar todo o investimento
possível para o redimensionamento das
escolas, para que possam atender, com
qualidade, a todas as crianças, a despeito
de suas diferenças e/ou dificuldades.
Não podemos ser ingênuos ao
ponto de julgar que a inclusão é um
processo fácil e que uma mudança
significativa nas possibilidades
educacionais das pessoas que apresentam
deficiência já está se dando, como afirmam
os documentos oficiais (FERREIRA e
FERREIRA, 2004).
Reconhecemos que trabalhar com
classes heterogêneas, que acolhem todas as
diferenças, traz inúmeros benefícios ao
desenvolvimento das crianças deficientes e
também às não deficientes, porquanto estas
têm a oportunidade de vivenciar a
importância do valor da troca e da
cooperação nas interações humanas.
Portanto, para que as diferenças sejam
respeitadas e se aprenda a viver na
diversidade, é necessário uma nova
concepção de escola, de aluno, de ensinar e
de aprender.
O princípio da inclusão exige uma
radical transformação da escola, pois
caberá a ela adaptar-se às condições dos
alunos, ao contrário do que acontece hoje,
quando os alunos é quem têm que se
adaptar à escola. E ainda, a inclusão não se
limita ao atendimento aos indivíduos que
apresentam necessidades educacionais
especiais, mas demonstra apoio a todos que
fazem parte da escola: professores, alunos
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e pessoal administrativo (STAINBACK e
STAINBACK, 1999; MANTOAN, 1997;
DECHICHI, 2001).
De acordo com Correia (1997), a
proposta da inclusão defende uma escola
que volte o seu olhar para a criança em sua
totalidade, respeitando os três níveis de
desenvolvimento, o acadêmico, o sócio-
emocional e o pessoal, de forma a
propiciar à criança uma educação de
qualidade.
A efetivação de uma prática
educacional inclusiva não será garantida
por meio de leis, decretos ou portarias que
obriguem as escolas regulares a aceitarem
os alunos com necessidades especiais, ou
seja, apenas a presença física do aluno
deficiente mental na classe regular não é
garantia de inclusão, mas sim que a escola
esteja preparada para ser capaz de trabalhar
com os alunos que chegam até ela,
independentemente de suas diferenças ou
características individuais.
De acordo com Bueno (1999),
não podemos deixar de considerar que a implementação da educação inclusiva demanda, por um lado, ousadia e coragem, mas, por outro, prudência e sensatez, quer seja na ação educativa concreta (de acesso e permanência qualificada, de organização escolar e do trabalho pedagógico e da ação docente) ou nos estudos e
investigações que procurem descrever, explicar, equacionar, criticar e propor alternativas para a educação especial (p. 9).
Segundo Skliar (2001), a escola
inclusiva constitui-se num espaço de
consenso, de tolerância para com os
indivíduos considerados diferentes. A
experiência no dia-a-dia, ao lado dos
colegas normais, seria vista como elemento
de integração. Parece mais importante a
convivência com os colegas normais do
que a aquisição de conhecimento
necessário para sua inserção social. Assim,
é oferecido o mesmo espaço escolar, a
mesma escola para todas as crianças, como
se isso fosse suficiente, ou o mesmo
proporcionasse igualdade de condições de
acesso aos saberes.
A idéia de escola inclusiva teve
início com a abertura de suas portas para
receber os que estão fora dela, os
excluídos. No entanto, permanece, em
essência, com as mesmas condições
deficitárias ministradas àqueles que já
estavam supostamente incluídos (SOUZA
e GÓES, 1999), e ainda com um ensino
exatamente igual para todos, sendo que o
que deveria acontecer seria a escola efetuar
as devidas adaptações com propostas
diferenciadas perante a heterogeneidade
das deficiências (GÓES, 2002).
A literatura evidencia que, no
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cotidiano da escola, os alunos com
necessidades educacionais especiais,
inseridos nas salas de aula regulares, vivem
uma situação de experiência escolar
precária, ficando, quase sempre, à margem
dos acontecimentos e das atividades em
classe, porque muito pouco de especial é
realizado em relação às características de
sua diferença.
De acordo com Góes (2002),
Vigotski fez muitas críticas à escola
especial de sua época, no entanto ele
insistiu na existência de uma educação
especial que atendesse àquilo de que a
criança necessitava. Segundo ele, a
educação escolar deveria levar em conta a
organização sociopsicológica peculiar dos
casos de deficiência; embora as leis gerais
do desenvolvimento sejam as mesmas para
todas as crianças, seria preciso manter
metas educacionais elevadas, promovendo
a construção de capacidades, sem se atrelar
ao nível de desenvolvimento já alcançado
pelo aluno, com condições que atendam às
singularidades ligadas ao tipo de
deficiência. Deste modo, os recursos
especiais e caminhos alternativos não
ficam dispensados, porque o aluno está
freqüentando uma escola regular. Portanto,
pensar a inclusão pressupõe políticas
educacionais claras, coerentes e
fundamentadas nas relações sociais.
As questões teóricas do processo de
inclusão têm sido amplamente discutidas
por estudiosos e pesquisadores da área de
Educação Especial, entretanto pouco se
tem feito no sentido de sua aplicação
prática. O como incluir tem se constituído
a maior preocupação de pais, professores e
estudiosos, considerando que a inclusão só
se efetivará se ocorrerem transformações
estruturais no sistema educacional.
Glat (1998) aponta uma série de
perguntas no sentido de problematizar a
implementação da inclusão na realidade
educacional brasileira.
Vamos baixar um decreto desativando as classes especiais? E daí? Vamos instruir as famílias para matricular seus filhos portadores de deficiência diretamente na escola mais próxima de sua casa, independentemente das condições ou do desejo dessa escola de recebê-lo? Vamos colocar, por exemplo, um aluno surdo, que não tem domínio do português oral, assistindo a uma aula de história sobre o mercantilismo? Vamos colocar uma criança com deficiência múltipla numa classe de quarenta alunos com uma professora mal remunerada e sem capacitação, que mal dá conta dos problemas da aprendizagem e da disciplina de seus alunos ‘normais’? Qual será o rendimento acadêmico e cognitivo desses alunos? (p. 27).
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É fundamental haver uma mudança
da escola, pois trabalhar com todos os
alunos tem sido um grande desafio ao
sistema escolar. De acordo com Souza e
Góes (1999), “é quase impossível, no
momento, que uma escola, seja qual for, dê
conta do todo e qualquer tipo de aluno,
como é o caso do deficiente mental, do
surdo, da criança de rua ou do trabalhador
rural” (p.165).
É realmente por isso que a escola
necessita de grandes transformações, e
estas devem sempre estar vinculadas a uma
transformação radical da própria
sociedade; conforme Sassaki (1997), o
movimento de inclusão social é
o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade (p.41).
Portanto, a inclusão social é um
processo que contribui para a construção
de um novo tipo de sociedade por meio de
transformações, pequenas e grandes, nos
ambientes físicos e na mentalidade de
todas as pessoas, atingindo, desse modo, o
próprio indivíduo que tenha necessidades
especiais.
Qualquer tentativa de inclusão deve
ser analisada e avaliada em seus mais
diversos aspectos, a fim de termos a
garantia de que esta será a melhor opção
para o indivíduo que apresenta
necessidades especiais (CORREIA, 1997).
Atualmente, em todos os
documentos referentes à educação dos
indivíduos com deficiência, o princípio da
inclusão é o eixo norteador, e o
atendimento segregado é visto como
alternativa que deve ser evitada. Apesar do
predomínio de orientações inclusivistas,
fica a preocupação do quanto o eixo
norteador pode se tornar realidade, pois
sabemos que, ainda que os alunos sejam
matriculados em escolas regulares, esse
fato, por si só, não altera a qualidade de
sua escolarização.
É possível observar, por parte dos
professores e de profissionais da educação,
grande resistência em aceitar o desafio
colocado pelo processo de construção da
escola inclusiva, o que consideramos
perfeitamente compreensível, dada à
ausência de sua formação para enfrentar
esse desafio. Tal resistência surge, entre
outros diversos determinantes, em
decorrência da não problematização do
assunto, tendo em vista que, raramente,
este é contemplado nos momentos de
formação inicial e/ou continuada, o que
conduz a formas inadequadas de
entendimento.
Assim, verificamos que uma das
implicações da inclusão escolar mais
discutidas tem sido o aspecto da formação
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do corpo docente das escolas (tanto a
formação inicial como a continuada).
Quanto a essa questão, julgamos
necessário que os professores sejam
efetivamente capacitados para transformar
sua prática pedagógica. Essa capacitação
não deve resumir-se a uma palestra, a um
curso ou a um seminário isolado, e, sim, a
um acompanhamento contínuo (GLAT,
1998), pois ações isoladas são vistas como
paliativas e não resolvem o problema em
questão.
O atual movimento pela inclusão
escolar de pessoas deficientes mentais,
desencadeou importantes discussões sobre
a qualidade do ensino oferecida em nossas
escolas, não só para deficientes, mas para
todos os alunos.
Revisitando a nossa história a
respeito da deficiência mental, observamos
que ela tem sido entendida, para efeitos
educacionais, como aquela deficiência em
que o desenvolvimento dos indivíduos que
a apresentam é mais lento e mais
comprometido do que os que não a
manifestam. Não podemos negar a
existência de dificuldades individuais
geradas por limitações de ordem
neurológica e intelectual, inerentes ao
próprio indivíduo, que exigem mediações
especiais para sua constituição como na
condição de aprendizes. Essa limitação
afeta de maneira acentuada a sua
capacidade para resolver problemas frente
às exigências a que são submetidos no seu
dia-a-dia. À escola cabe, porém, dispor de
recursos e procedimentos não uniformes
para que os alunos tenham possibilidades
de caminhar além de seus limites.
Essas dificuldades que o deficiente
mental apresenta têm levado os educadores
a proporem atividades curriculares de
menor complexidade, mais pragmáticas
etc. Assim, os alunos que apresentam
deficiência mental sentem-se mais
incapazes, porque essas práticas não
propiciam seu desenvolvimento cognitivo,
o que faz com que eles desenvolvam
baixas expectativas quanto a sua
aprendizagem. Deste modo, podemos
afirmar que a criança se sente excluída de
seu contexto social e escolar.
É importante ponderar que as
pessoas não devem ser rotuladas de
deficientes mentais pelo simples fato de
apresentarem um comportamento
adaptativo prejudicado, pois existem vários
outros fatores que podem levar a um
desenvolvimento maturacional lento, como
um processo escolar sem qualidade ou um
ajustamento social e ocupacional
inadequado. (TELFORD e SAWREY,
1988).
De acordo com Tessaro (2005),
acredita-se que as limitações maiores na
deficiência mental não estão relacionadas
com a deficiência em si, mas com a
credibilidade e as oportunidades que são
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oferecidas às pessoas com deficiência
mental. Para a autora, a vida de uma
pessoa deficiente passa a girar em torno de
sua limitação ou incapacidade, quando as
suas potencialidades e aptidões não são
levadas em conta.
Estudos demonstram que os
problemas enfrentados pelo indivíduo que
apresenta deficiência mental são mais de
limitações e deficiências da sociedade e do
meio do que do próprio organismo
deficiente (OMOTE, 1994). Nas palavras
de Omote (1994)
O nome deficiente se refere a um status adquirido por essas pessoas. Nesse modo de encarar a deficiência, uma variável crítica é a audiência, porque é ela que, em última instância vai determinar se uma pessoa é deficiente ou não. Significa que ninguém é deficiente apenas pelas qualidades que possui ou que deixa de possuir. Uma pessoa só pode ser deficiente perante uma audiência que a considera, segundo seus critérios como deficiente (p. 07).
Portanto, não se pode pensar a
questão da deficiência sem se analisar o
tipo de relação que as pessoas, de modo
geral, estabelecem com os indivíduos
deficientes mentais. Como a sociedade não
está preparada para lidar com as diferenças
manifestadas pelas pessoas com
deficiência mental, de uma maneira geral,
passa a culpá-las por suas próprias
impossibilidades e limitações. Atentar
apenas para os aspectos orgânicos da
deficiência mental é desconsiderar os
aspectos sociais e isentar a sociedade de
sua responsabilidade na constituição da
deficiência mental.
MATERIAL E MÉTODOS
Para a compreensão das
concepções das professoras, no contexto da
sala de aula do ensino regular com
deficiente mental incluído, optamos por
encaminhar este trabalho dentro da
abordagem qualitativa.
Por entendermos a pesquisa como
um processo em construção é que
concordamos com Bodgan e Biklen
(1994), quando eles afirmam que o
planejamento da pesquisa qualitativa
precisa ser refeito de acordo com as
necessidades do trabalho, pois os
“investigadores qualitativos partem para
um estudo munidos dos seus
conhecimentos e da sua experiência com
hipóteses formuladas com o único objetivo
de serem modificadas e reformuladas à
medida que vão avançando (p. 84).
Gonzáles Rey (2002) afirma que,
quando estão envolvidos aspectos da
subjetividade humana, somente a
metodologia qualitativa de pesquisa tem
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condições apropriadas de compreender
melhor essa subjetividade.
Com essa modalidade de pesquisa,
acreditamos que poderemos entender de
maneira mais aprofundada o nosso objeto
de estudo e construir, dessa forma, nossas
reflexões em torno dessa temática.
Participaram desta pesquisa nove
professoras do Ensino Fundamental da pré-
escola à quarta série, que atuam no período
da tarde de uma Escola Estadual de
Uberlândia que possuíam alunos com
deficiência mental inseridos em suas salas
de aula.
Para a realização desta pesquisa,
primeiramente, foi feito um contato da
pesquisadora com a direção da escola, em
que foi exposta a proposta de trabalho para
promover o interesse desta em participar
do projeto. Após a autorização da direção
da escola, houve um encontro com as
professoras para verificar o seu interesse
em participar da pesquisa. Tanto a Diretora
quanto as professoras mostraram-se
bastante interessadas e disponíveis em
participar do processo de pesquisa.
Como procedimento de construção
dos dados, foram realizadas entrevistas
semi-estruturadas com as professoras
participantes.
André e Lüdke (1986) apontam a
entrevista como um dos componentes
fundamentais do trabalho de campo na
pesquisa qualitativa. Assim, optamos pela
utilização de entrevistas semi-estruturadas,
contendo questões abertas. De acordo com
Biasoli Alves & Dias da Silva (1992), com
esta estratégia é possível
Evocar ou suscitar uma verbalização que expresse o modo de pensar ou de agir das pessoas face aos temas focalizados, surgindo então a oportunidade de investigar crenças, sentimentos, valores, razões e motivos que se fazem acompanhar de fatos e comportamentos, numa captação, na integra da fala dos sujeitos (p.6).
Quando a entrevista é utilizada na
análise qualitativa, a complexidade do
fenômeno faz com que os limites da
neutralidade de um simples instrumento de
coleta de dados seja ultrapassado, abrindo
para o pesquisador um imenso campo de
possibilidades de investigação e análise
(DECHICHI, 2001).
As entrevistas com as professoras
foram realizadas na escola, num horário
previamente agendado entre as docentes e
a pesquisadora. As entrevistas foram
registradas em áudio e, posteriormente,
transcritas, transformadas em textos que
foram submetidos à análise.
O roteiro das entrevistas continha
os seguintes questionamentos: 1) Qual a
sua concepção sobre Inclusão? Como você
se posiciona em relação à inclusão? 2)
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Qual a sua concepção em relação ao
deficiente mental? Para você, quem é o
deficiente mental? 3) Qual foi sua reação
ao receber um aluno deficiente mental? 4)
O que você proporia para a aprendizagem
desse aluno deficiente mental? 5) Você
observa que a escola traz alguma
contribuição para seus alunos? Quais? 6)
Fale um pouco sobre o dia-a-dia da sua
classe: como você lida com as diferenças
das crianças, como você desenvolve sua
prática? 7) Fale sobre as dificuldades que
você encontra para trabalhar com alunos
deficientes mentais? 8) Você já estudou
sobre Educação Especial? Tem cursos na
área?
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para analisar os dados fomos
recortando o discurso das professoras sobre
as suas concepções, o que nos permitiu
compreender os processos de significação
construídos pelas docentes sobre o aluno
com deficiência mental.
Com relação à concepção sobre a
inclusão, constatamos que, no geral, as
professoras relataram que não são
favoráveis e nem contra a inclusão, pois,
para elas, a inclusão que está acontecendo
nas escolas possuem dois lados: há o lado
positivo, que é o lado da socialização, em
que as crianças conseguem interagir muito
bem umas com as outras; e há o outro lado,
em que é importante que aconteça a
inclusão, mas do jeito que está ocorrendo
nas escolas elas são contra, pois falta apoio
por parte da escola e do governo. As
professoras não se sentem preparadas para
lidar com essa clientela, e, para que
acontecesse realmente uma inclusão com
qualidade, as escolas deveriam ter o apoio
de vários tipos de especialistas, como
psicólogos, psicopedagogos,
fonoaudiólogos, neurologistas e assistentes
sociais. Comentou-se, ainda, a relevância
da presença de outra professora na sala de
aula, para auxiliá-las, pois, segundo elas, o
atendimento às crianças deficientes
mentais tem de ser individualizado, e elas
não têm esse tempo, devido ao grande
número de alunos na sala de aula.
Esses dados denotam que as
professoras não têm clareza, ou melhor,
informação suficiente sobre os princípios
que norteiam a inclusão.
De todas as professoras
entrevistadas, apenas uma afirmou com
convicção que não é a favor da inclusão,
para ela, a presença de alunos com
deficiência “acaba que atrapalha as outras
crianças no desenvolvimento da
aprendizagem, porque a gente tem que
diminuir o ritmo das aulas” (Profª Rita).
Manifestando, assim, falta de
credibilidade, considerando a inclusão
como uma utopia, bem como afirma Glat
(1998) em seu estudo. Segundo a autora,
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para que possa sair do plano imaginário, a
escola inclusiva necessita de condições
muito especiais de recursos humanos,
pedagógicos e, até mesmo, físicos de que
não dispomos no Brasil, nem nos grandes
centros que não dependem do MEC.
Esses resultados também foram
comuns em outros estudos. Tessaro (2005),
em sua pesquisa, concluiu que houve
docentes contrários à inclusão expondo
vários aspectos negativos, o que indica a
necessidade de um maior investimento
nesse processo, bem como maior
envolvimento dos professores nas
discussões, no planejamento e na
implementação da educação inclusiva.
Ao abordar a questão da concepção
sobre o aluno deficiente mental, as
professoras relataram que o deficiente
mental é aquele que tem uma disfunção
neurológica ou outros problemas
provenientes de acidentes, são crianças
mais agressivas e que possuem
dificuldades na aprendizagem, na
assimilação, na memorização e na
percepção. Segundo elas, é uma das
deficiências mais difíceis de ser trabalhada,
pois são crianças que possuem um
comportamento diferente das outras, são
mais inquietas, mais lentas e também
enfrentam uma dificuldade maior em
“pegar as coisas” (Profª Mônica). Uma das
professoras participante relatou que “é essa
criança que não consegue aprender a ler e
escrever nas condições oferecidas pela
escola” (Profª Júlia), ou seja, que vem para
escola somente para socializar. A posição
dessas professoras deixa claro o descrédito
quanto à capacidade intelectual dos alunos
que apresentam deficiência mental.
Percebemos que a professora está
muito centrada na falta, no déficit, naquilo
que precisa ser trabalhado para sanar suas
dificuldades. Ao direcionar a intervenção
para as habilidades deficitárias, os
professores podem atribuir ao deficiente
mental mais incapacidades do que ele
realmente manifesta e, conseqüentemente,
agir de acordo com essas expectativas
negativas, podendo, assim, prejudicar o
desempenho desses indivíduos.
Ao interpretar a deficiência como
um fenômeno centrado no indivíduo,
inúmeras distorções de sentido ocorrem.
Os atendimentos educacionais e
terapêuticos são encaminhados para uma
linha de ação que acentua as condições
patológicas do aluno e subestima, entre
outros aspectos, as condições deficitárias
de ensino (FERREIRA, 1995).
Não estamos afirmando com isso
que não exista a deficiência, mas o
professor precisa modificar o seu olhar
sobre ela. As deficiências dos alunos
devem ser consideradas como condições a
que a escola precisa atender. Assim, sem
negar a etiologia orgânica que uma
considerável parcela de deficientes
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carregam, Pessotti (1984) alerta para os
radicalismos nas considerações sobre a
deficiência, no sentido de evitar uma
postura totalmente organicista e unitária,
lembrando que o conceito de deficiência
mental, seu diagnóstico e classificação
devem considerar o homem dentro de uma
visão integrativa e global.
Segundo Mantoan (1997), o
processo de inclusão exige da escola novos
recursos de ensino e aprendizagem,
concebidos a partir de uma mudança de
atitudes dos professores e da própria
instituição, reduzindo todo o
conservadorismo de suas práticas, em
direção de uma educação verdadeiramente
interessada em atender às necessidades de
todos os alunos.
De acordo com os dados
encontrados, pudemos verificar que a
garantia dos indivíduos que apresentam
deficiência mental de aprender e se
desenvolver está apenas escrito no papel,
pois, quando observamos a realidade da
escola, o que encontramos é bem diferente
do que está determinado nas leis e nos
decretos. Verificamos que os alunos
apenas têm o direito de ocupar o mesmo
espaço escolar e a garantia de aprender é
deixada em segundo plano.
No geral, todas as professoras
relataram que, ao receber o aluno
deficiente mental, sentiram um certo receio
de não saber lidar diante da situação,
acharam que “não fossem dar conta” (Profª
Rosana). Segundo elas, a falta de preparo e
o medo do novo causam essa insegurança;
é interessante citar que uma delas relatou
que “se fosse pra eu optar pra trabalhar
só com crianças deficientes, acho que eu
não tenho muita aptidão, talvez eu não
escolhesse esse ramo” (Profª Júlia). De
acordo com este depoimento da professora
Júlia, podemos concluir que trabalhar com
crianças deficientes torna-se uma
imposição da direção da escola e não uma
escolha voluntária das professoras.
Somente uma professora relatou
que, para ela, foi muito bom receber os
alunos com deficiência em sua sala de
aula, “adoro vê-los assim desenvolvendo”
(Profª Sandra). Essa professora já
trabalhou com crianças deficientes em
escolas especiais e possui experiência com
crianças especiais.
O resultado que prevaleceu entre as
professoras entrevistadas foram
sentimentos negativos, tais como “medo”,
“angústia”, “desespero” etc. É importante
destacar que outros resultados semelhantes
foram obtidos em estudos desenvolvidos
por Miranda (2003) e Tessaro (2005), nos
quais os professores expressaram
sentimentos como: “medo”, “repulsa”,
“impotência”, “insegurança” e “ansiedade”
em relação ao aluno deficiente incluído na
sala de aula regular.
Esses resultados nos levam a
15
questionar sobre o estado emocional dos
docentes que têm alunos deficientes
mentais incluídos em suas salas. Ainda que
a inclusão escolar seja contemplada em lei
e tenha como meta recuperar toda a
história de segregação, discriminação e
preconceito, sua prática está longe desse
ideal. O que encontramos são professores
assustados, amedrontados e inseguros
(TESSARO, 2005).
Para uma melhor aprendizagem
dos alunos deficientes mentais, as nove
professoras propuseram cursos de
capacitação para os profissionais da escola;
uma sala de recursos com muito material
concreto; trabalho em equipe para a troca
de experiências; e um acompanhamento
diário com um psicólogo e um
psicopedagogo, para analisar, acompanhar,
diagnosticar esse aluno tanto na
aprendizagem quanto no comportamento, e
ainda um profissional que saiba libras e
braile para auxiliá-las com os alunos que
apresentam deficiência auditiva e visual.
Para as professoras entrevistadas, as
turmas deveriam ser menores para um
melhor atendimento.
Os resultados obtidos mostram o
quanto às professoras estão preocupadas
com a falta de infra-estrutura das escolas e
com a não preparação dos profissionais,
especificamente, delas mesmas, para
participar da inclusão escolar.
Em nosso contexto social, hoje,
temos a convicção de que os
conhecimentos mudam rapidamente.
Portanto, a formação do professor, assim
como de qualquer outro profissional, não
deve terminar com o diploma de graduação
ou de pós-graduação. É importante uma
constante atualização de seus
conhecimentos e, neste sentido,
entendemos que a pesquisa bibliográfica,
cursos e a leitura de obras sobre temas
educacionais contribuem de modo
fundamental com a formação continuada
do professor.
Melo (1998) acredita que é
conveniente para o professor estar em
constante processo de formação, exigindo-
se iniciativas de formação continuada. O
educador deve criar condições para que o
próprio exercício da profissão seja local de
aperfeiçoamento das práticas pedagógicas,
vendo a competência como algo em
contínuo desenvolvimento, como
desenvolvimento profissional.
As professoras relataram que a
contribuição que a escola traz para esses
alunos deficientes mentais é a socialização,
ou seja, a escola dá-lhes a oportunidade
para esses alunos estarem interagindo com
as crianças normais. Para elas, é
importante tais crianças estarem
convivendo com a diversidade, pois, desta
forma, aprendem a conviver coletivamente,
e assim todos se beneficiam, já que os
colegas aprendem a lidar com o diferente.
16
Em relação à contribuição da escola
na aprendizagem dos alunos, também
houve um consenso, todas as professoras
relataram que a escola não traz
contribuição nessa área, ou seja, os alunos
com deficiência mental não aprendem
“nada”. Pode ser que isto ocorra porque as
professoras querem que elas aprendam,
como, por exemplo, a ler e a escrever nos
métodos oferecidos pela escola. Contudo,
de acordo com a fala da Profª Simone,
“essas crianças deficientes mentais tem um
crescimento, não tanto na aprendizagem,
mas no relacionamento, na socialização
que é o objetivo nosso, estamos
conseguindo”. Nota-se que o objetivo
maior dos profissionais da escola com os
alunos deficientes mentais é a socialização,
e não a aprendizagem de conteúdos
significativos, o que demonstra falta de
compreensão e clareza dos princípios
norteadores da inclusão escolar, segundo
os quais, a escola deve se adequar às
necessidades dos alunos, garantindo-lhes
aprendizagem e desenvolvimento.
Quatro professoras referiram que,
para a melhor aprendizagem das crianças
deficientes, o ensino especial seria mais
conveniente, pois as escolas especiais estão
preparadas para atender a essas crianças
com toda a estrutura necessária, seja de
recursos humanos ou físicos. Resultado
semelhante foi encontrado por Miranda
(2003), no seu estudo sobre a prática
pedagógica do professor de alunos com
deficiência mental. Segundo a autora, as
professoras participantes da pesquisa
acreditavam que a escola especial era o
melhor espaço para trabalhar com crianças
deficientes mentais, porque elas precisam
de muita ajuda de profissionais, como
fonoaudiólogo, fisioterapeuta, psicólogo,
neurologista etc, e a escola comum não
tem esses profissionais para atendê-las.
De acordo com o resultado desses
estudos, está claro que as professoras têm
uma visão médica da deficiência mental.
Observamos uma tendência em avaliar a
deficiência sob o ponto de vista biológico,
passando o deficiente mental a ser tratado
como um doente, ou seja, uma pessoa
fragilizada sempre necessitada de
assistência (MARQUES, 2001).
A história aponta que, ao serem
percebidos como doentes, os indivíduos
deficientes mentais eram tratados
socialmente com atitudes paternalistas,
benevolentes e custodiais, que visavam a
cuidar mais do seu bem estar físico, do que
de alguém que poderia se desenvolver e
cujos problemas exigissem soluções
educacionais (MENDES, 1995).
Em relação ao desenvolvimento da
prática pedagógica com alunos deficientes
mentais, todas as professoras mencionaram
que usam atividades lúdicas que englobam
músicas, poesia, teatro, artes, e outras
atividades que fazem com que todas as
17
crianças interajam. Explicaram, também,
que tentam dar uma formação crítica para
eles, conversando muito com eles, pedindo
opinião deles em tudo o que fazem. A
respeito das atividades, foi questionado
também se há o uso de atividades e
avaliações diferenciadas, todas as nove
professoras confirmaram que usam, sim,
atividades e avaliações diferenciadas,
“porque você não consegue trabalhar
igual, você tem que atender aos objetivos
de cada aluno” (Profª Simone). Essa é
uma fala de uma professora de quarta série
que tem uma aluna deficiente mental em
sua sala, com dezoito anos de idade, e que
não sabe ler e nem escrever.
As professoras relataram também
que procuram tratar as crianças com
deficiência como se fossem crianças
normais, no entanto não fazem a mesma
cobrança que fazem com os outros alunos
no sentido da aprendizagem, o tratamento
para eles tem de ser mais individual,
segundo uma professora, “você tem que
achar tempo para eles, e também você não
pode deixar eles na sala sem fazer nada”
(Profª Cristina).
A respeito das dificuldades
encontradas em lidar com aluno deficiente
mental, as professoras mencionaram que as
maiores dificuldades estão centradas nos
aspectos pedagógicas. Segundo elas, para o
aprendizado da criança deficiente ser mais
produtivo precisaria haver mais apoio,
como a assistência de um psicopedagogo,
de um psicólogo, de um fonoaudiólogo, de
um neurologista, isto é, uma orientação
diária com esses especialistas.
Não podemos negar a importância
desses serviços, entretanto, dentro de uma
instituição escolar, o atendimento na área
da saúde não deveria se sobrepor ao
atendimento pedagógico.
Para as professoras, falta material
pedagógico e de consumo, e a estrutura
física da escola é inadequada para receber
os alunos deficientes mentais. Temos que
ponderar que as condições físicas
inadequadas são inerentes às dificuldades
de todo o ensino e não só para o deficiente
mental. Assim, não podemos generalizar
esse problema para toda a situação de
inserção escolar de deficientes mentais, e
devemos considerar, também, que é uma
situação possível de ser mudada, ainda que
difícil e a longo prazo.
Segundo uma participante da
pesquisa, as professoras sentem-se muito
sozinhas para trabalhar com salas
numerosas e ainda com crianças com
necessidades educacionais especiais
inseridas, assim, elas propõem um outro
profissional (monitora ou professora)
dentro da sala para estarem auxiliando-as,
pois, de acordo com a Profª Lúcia, “a
gente aqui tem que ser tudo”.
Tais resultados revelam que, para a
maioria das professoras, o que dificulta o
18
processo de inclusão escolar é a falta de
preparo, capacitação dos profissionais e a
falta de estrutura das escolas, e isso,
segundo elas, é uma das barreiras para que
ocorra a inclusão. Parece claro que, se
esses fatores dificultadores não forem
derrubados, a inclusão escolar não passará
de boa intenção (TESSARO, 2005).
Nenhuma das nossas professoras
entrevistadas possuía graduação ou pós-
graduação (lato-Sensu) na área de
Educação Especial, apesar da nova LDB,
artigo 59, inciso III (p.319) estabelecer que
deve ser assegurado “professores com
especialização adequada em nível médio
ou superior, para atendimento
especializado, bem como professores do
ensino regular capacitados para a
integração desses educando nas classes
comuns”.
Alguns autores comentam sobre a
precariedade que, em geral, caracteriza o
processo de formação básica nas
universidades. A formação do professor,
tanto para o magistério do Ensino
Fundamental, como para o Ensino Médio,
é realizada, em sua maior parte, por
instituições isoladas de ensino superior,
que funcionam em condições deficitárias
de atendimento, oferecendo uma qualidade
de formação acadêmica discutível
(COLLARES e MOYSÉS, 1995; GATTI,
1992).
Alguns pesquisadores apontam
ainda que a formação dos professores que
trabalham com alunos que apresentam
deficiência mental também é de má
qualidade. Tiveram uma formação baseada
no reprodutivismo e na mera transmissão
do conhecimento (BUENO, 1994;
MASINI, 1994). Além disso, recebem
baixos salários e são muito desvalorizados
profissionalmente, no entanto são
reconhecidos como abnegados guardiões
de “crianças-problema” (MAZZOTTA,
1993; FONSECA, 1995; CARVALHO,
1997).
Nenhuma das professoras
participantes tinha habilitação na área de
educação especial. Questionadas a respeito
da preparação para trabalhar com crianças
deficientes mentais, as professoras
informaram que já fizeram vários cursos,
leram muito a respeito do tema e estão
sempre se atualizando. A respeito dos
cursos, elas esclareceram que eles foram
importantes e que mudaram a sua prática,
tiraram muitas dúvidas, porque há muitas
coisas que elas precisam saber para ajudar
os alunos deficientes mentais na
aprendizagem. Falaram, também, que
ainda são poucos os cursos oferecidos para
o tanto de deficiências diferentes existentes
e que elas não se sentem preparadas para
trabalhar com esses alunos. Ainda
reclamaram dos cursos serem mais teóricos
do que práticos, visto que gostariam que
fossem cursos mais práticos, para que as
19
ajudassem a lidar melhor com os
problemas e possibilidades dos alunos.
Acreditamos que realizar cursos
breves de extensão, palestras, congressos,
são recursos de pouco alcance, apesar de
serem importantes para dinamizar o
conhecimento e possibilitar a troca de
experiências entre as pessoas. Entretanto
tais eventos isolados não dão conta da
complexidade da formação profissional,
nem da apropriação da compreensão sobre
as deficiências.
De acordo com nossa experiência
profissional, e que o presente estudo veio a
confirmar, a precariedade da capacitação
do professor, em nosso país, se faz
principalmente pela ausência de uma
formação continuada, capaz de promover o
desenvolvimento profissional dos
docentes.
Somente uma professora declarou
que não faz cursos devido ao seu tempo ser
muito pouco, “para ser sincera, nem ler
muito, eu não leio, meu tempo realmente é
curtíssimo, não dá tempo, não tenho
tempo” (Profª Rita).
Pelo relato da professora,
constatamos o desinteresse pela busca de
novas informações. A razão deste
desinteresse talvez esteja naquilo que
alguns autores (MAZZOTTA,1993;
FONSECA, 1995) apontam como a
desvalorização do profissional, que
contribui para a falta de motivação do
professor na busca por complementar sua
capacitação, quer seja realizando cursos,
quer seja pesquisando e lendo a
bibliografia disponível na área.
Com base na análise das entrevistas
realizadas, concordamos com Mantoan
(1997), ao afirmar que o atendimento à
pessoa com deficiência é complexo e exige
dos profissionais conhecimentos novos que
contradizem, muitas vezes, o que lhes foi
ensinado e o que utilizam em sala de aula.
CONCLUSÃO
Pode-se afirmar que a inclusão de
alunos deficientes mentais na escola
regular não condiz com o conceito de
inclusão, pois uma escola que adota
princípios inclusivistas deve estar
preparada para receber os alunos com
necessidades especiais, com todos os
recursos necessários. Dentre esses, estão o
oferecimento de cursos para capacitação de
professores; o apoio da família do aluno
com necessidades educacionais especiais;
menor número de alunos na sala de aula; a
eliminação de barreiras arquitetônicas; o
apoio da sociedade política; a destinação
de verbas; a adequação de currículos;
metodologias de ensino; recursos didáticos
e materiais e sistemas de avaliação
diferenciada.
Dessa forma, a inclusão escolar é
um desafio, pois implica mudanças e torna-
20
se um motivo para que a escola se
modernize e os professores aperfeiçoem
suas práticas, não só para os alunos
deficientes, mas para todos os alunos. A
inclusão ainda enfrenta muitas barreiras e
tem caminhos para percorrer, o importante
é que isto já se iniciou e, no futuro, espera-
se que a escola seja um lugar onde não haja
discriminação e preconceito, que seja um
lugar onde as diferenças e o tempo de
aprendizagem de cada um seja valorizado.
Com base nos aspectos que foram
contemplados na pesquisa, podemos
salientar que as formas de pensar das
professoras sobre temas relacionados à
inclusão estão sendo construídas. Também
observamos que os deficientes mentais
incluídos na escola pesquisada estão à
margem do processo ensino-aprendizagem
e que os professores ainda estão se
“familiarizando” com a idéia de tê-los em
suas salas de aulas regulares.
Acreditamos que os resultados
deste estudo possam contribuir de alguma
forma, com as discussões atuais em torno
da temática sobre formação de professores
que trabalham com alunos que possuem
necessidades educacionais especiais.
AGRADECIMENTOS
À Universidade Federal de
Uberlândia, que me proporcionou a
oportunidade de ampliar meus
conhecimentos na área de Educação.
À Professora Drª Arlete Aparecida
Bertoldo Miranda por ter acreditado no
meu trabalho, pela sua dedicação e
amizade.
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