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MESTRADO
NUTRIÇÃO CLÍNICA
Indicadores antropométricos e a sua associação
com fatores de risco cardiometabólico: Qual o
melhor preditor?
Sandra Isabel Órfão Gonçalves
M
2018
Indicadores antropométricos e a sua associação
com fatores de risco cardiometabólico
Qual o melhor preditor?
Anthropometric indicators and their association with
cardiometabolic risk factors
Which is the best predictor?
Sandra Isabel Órfão Gonçalves
Mestrado em Nutrição Clínica
Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto
Porto, 2018
ii
Título: Indicadores antropométricos e a sua associação com fatores de risco cardiometabólico:
Qual o melhor preditor?
Anthropometric indicators and their association with cardiometabolic risk factors: Which is
the best predictor?
Nome da autora: Sandra Isabel Órfão Gonçalves
Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto
Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, E.P.E.
Orientador: Doutor Bruno Lisandro de França Sousa, Nutricionista no Serviço de Saúde da
Região Autónoma da Madeira
Dissertação de candidatura ao grau de Mestre em Nutrição Clínica apresentada à Faculdade de
Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto
2018
iii
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Doutor Bruno Sousa, pela transmissão de conhecimentos e os constantes
desafios propostos ao longo deste trabalho, pela disponibilidade, apoio e compreensão. Foi sem
dúvida um privilégio ter sido sua orientanda.
À Doutora Eva Henriques e à Doutora Sónia Freitas da Unidade de Investigação do Serviço de
Saúde da Região Autónoma da Madeira, pela disponibilidade e ajuda no tratamento estatístico
dos dados.
À Doutora Liliane Costa, pela amizade, entusiasmo e imprescindível ajuda na recolha de
dados.
Aos participantes do estudo.
À Teresa e à Juliana, pela melhor companhia que podia ter tido em todo o percurso.
À minha família, pelo apoio incondicional desde sempre.
Ao Marcelo, por acreditar em mim e em que tudo isto valia a pena.
Um Muito Obrigada!
iv
RESUMO
Introdução: É reconhecido que a obesidade abdominal associa-se a um aumento do risco
cardiometabólico (RCM). Dadas as limitações do índice de massa corporal (IMC), as medidas
antropométricas que refletem a adiposidade abdominal têm sido sugeridas como medidas
viáveis na predição do RCM.
Objetivos: Identificar o melhor índice antropométrico na predição do RCM em adultos.
Metodologia: Este foi um estudo observacional descritivo transversal que analisou uma
amostra de conveniência de indivíduos de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os
30 e os 74 anos, e que frequentavam os centros de saúde do concelho da Calheta e da Ribeira
Brava, na ilha da Madeira. Vários índices antropométricos, tais como o IMC, perímetro da
cintura (Pc), perímetro da anca (Pa), razão perímetro da cintura/estatura (PcE), razão perímetro
da cintura/perímetro da anca (PcPa), A Body Shape Index (ABSI) e Body Roundness Index
(BRI), foram correlacionados com o risco de desenvolver doença cardiovascular (DCV) e/ou
diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Através da análise de curvas características de operação do
recetor (ROC), foi obtida a área sob a curva (AUC), de modo a avaliar a capacidade preditiva
de cada índice antropométrico na avaliação do RCM.
Resultados: A amostra foi constituída por 198 indivíduos, dos quais 16,7% homens e 83,3%
mulheres. Observou-se que 16,7% da amostra apresentava risco aumentado de desenvolver
DCV (≥10% no score de Framingham) e 55,6% apresentava risco aumentado de desenvolver
DM2 (≥12 no questionário FINDRISC). O RCM aumentado (Framingham≥10% e/ou
FINDRISC≥12) estava presente em 57,1% da amostra, sendo mais frequente em indivíduos
mais velhos (p<0,001) e com maiores medições antropométricas (p<0,001). No geral, o Pc
(0,838), a PcE (0,859) e o BRI (0,838), apresentaram os maiores valores da AUC, sendo as
estimativas de predição superiores pela PcE do que apenas pelo Pc.
v
Conclusão: Os índices que tomam em consideração o Pc e a estatura são os melhores índices
antropométricos para prever o RCM, destacando-se através do nosso estudo o BRI, a PcE e o
Pc. Porém e embora o BRI tenha apresentado o maior poder preditivo, devido à complexidade
no seu cálculo, defende-se o uso da PcE em detrimento do BRI.
Palavras-Chave: Antropometria, Risco cardiometabólico, Risco cardiovascular, Risco de
DM2.
vi
ABSTRACT
Introduction: It is recognized that abdominal obesity is associated with an increase in
cardiometabolic risk (RCM). Given the limitations of body mass index (IMC), the measures
that reflect abdominal adiposity have been suggested as the most feasible predictors of RCM.
Objectives: To identify the best anthropometric index in the prediction of RCM in adults.
Methods: This was a descriptive cross-sectional observational study that examined a
convenience sample of individuals of both genders, aged between 30 and 74 years, attending to
the health centers of the county of Calheta and the health center of Ribeira Brava, Madeira
Island. Various anthropometric indexes, such as BMI, waist circumference (Pc), hip
circumference (Pa), waist-to-height circumference (PcE), waist-to-hip circumference (PcPa),
The Body Shape Index (ABSI) and Body Roundness Index (BRI) were correlated with the risk
of developing cardiovascular disease (DCV) and/or diabetes mellitus type 2 (DM2). Through
the receiver operating characteristic (ROC), the area under the curve (AUC) was obtained in
order to evaluate the predictive capacity of each anthropometric index in the assessment of the
RCM.
Results: The sample consisted of 198 individuals, of whom 16.7% were men and 83.3% were
women. It was observed that 16.7% of the sample had an increased risk of developing DCV
(≥10% on the Framingham scale) and 55.6% had an increased risk of developing DM2 (≥12 on
the FINDRISC scale). The increased RCM (Framingham≥10% and/or FINDRISC≥12) was
present in 57.1% of the sample, being more prevalent in older individuals (p<0.001) and with
greater anthropometric measurements (p<0.001). Overall, the Pc (0.838), the PcE (0.859)
and the BRI (0.838), showed the highest AUC values, being the predictive estimative values
higher by the PcE rather than by the Pc alone.
Conclusion: The indexes that take into consideration the Pc and the stature are the best
anthropometric indexes to predict the RCM, highlighting through our study the BRI, the PcE
vii
and the Pc. However, although the BRI presented the greatest predictive power, due to its
calculation complexity, the use of the PcE over the BRI is advocated.
Keywords: Anthropometry, Cardiometabolic risk, Cardiovascular risk, DM2 risk.
viii
ÍNDICE
Agradecimentos .......................................................................................................................... iii
Resumo ........................................................................................................................................ iv
Abstract ....................................................................................................................................... vi
Lista de Tabelas ........................................................................................................................... ix
Lista de Figuras ........................................................................................................................... ix
Lista de Siglas, Abreviaturas e Acrónimos .................................................................................. x
Introdução ..................................................................................................................................... 1
Objetivos ...................................................................................................................................... 8
Material e Métodos ....................................................................................................................... 9
Desenho do Estudo .............................................................................................................9
Amostra ..............................................................................................................................9
Recolha de Dados .............................................................................................................10
Análise Estatística ............................................................................................................12
Resultados .................................................................................................................................. 14
Caracterização da Amostra ...............................................................................................14
Risco Cardiovascular e Risco de Diabetes Mellitus Tipo 2 ..............................................15
Associação entre Índices Antropométricos e Variáveis de Risco Cardiometabólico .......16
Associação entre Índices Antropométricos e Risco Cardiometabólico ............................17
Discussão .................................................................................................................................... 19
Conclusões ................................................................................................................................. 26
Referências Bibliográficas ......................................................................................................... 27
ix
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Classificação do risco cardiovascular, através do score de Framingham ............... 11
Tabela 2 – Classificação do risco de DM2, através do questionário FINDRISC ...................... 12
Tabela 3 – Caracterização da amostra por sexo. ....................................................................... 15
Tabela 4 – Associações entre medidas antropométricas e fatores de RCM .............................. 16
Tabela 5 – Análise descritiva dos indivíduos com e sem RCM aumentado nas várias variáveis
................................................................................................................................................... 17
Tabela 6 – AUC para as medidas antropométricas na predição do risco cardiovascular, risco de
DM2 e RCM .............................................................................................................................. 18
LISTA DE FIGURAS
Gráfico 1 – Risco de desenvolvimento de DCV, segundo o score de Framingham. Risco de
desenvolvimento de DM2, segundo o FINDRISC. ................................................................... 15
Gráfico 2 – Curvas ROC de medidas antropométricas para a previsão do risco cardiovascular,
risco de DM2 e RCM. ............................................................................................................... 18
x
LISTA DE SIGLAS, ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS
ABSI: A body shape index
AUC: Área abaixo da curva
BRI: Body roundness index
C-HDL: colesterol HDL
C-LDL: colesterol LDL
DCV: doença cardiovascular
DM2: diabetes mellitus tipo 2
HTA: Hipertensão arterial
IMC: Índice de massa corporal
OMS: Organização mundial de saúde
Pa: Perímetro da anca
PAD: Pressão arterial diastólica
PAS: Pressão arterial sistólica
Pc: Perímetro da cintura
PcE: Razão perímetro da cintura/estatura
PcPa: Razão perímetro da cintura/perímetro da anca
ROC: Curva característica do recetor
SM: Síndrome metabólica
TG: Triglicerídeos
1
INTRODUÇÃO
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 1,9 mil milhões de adultos tenham
excesso de peso, entre os quais 600 milhões são obesos, tendo a prevalência de obesidade
duplicado ou mesmo triplicado em menos de duas décadas, constituindo a 5ª principal causa de
morte no mundo (1, 2). Com o aumento da obesidade, a síndrome metabólica (SM) tornou-se
uma pandemia global, sendo as doenças cardiovasculares (DCV) a causa de morte de 18
milhões de pessoas em todo o mundo com a diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e a hipertensão
arterial (HTA) entre os principais fatores de risco (2). A DM2 tornou-se um problema de saúde
global, sendo a sua prevenção o foco de atenção (3-5).
A SM é uma combinação de distúrbios metabólicos ou fatores de risco que incluem
hiperglicemia, HTA, obesidade central e dislipidemia, e está associada ao aumento do risco de
DM2 e DCV (2). De acordo com o Adult Treatment Panel III, a presença em simultâneo de
quaisquer 3 das seguintes anormalidades clínicas atenderia aos critérios para a definição de
SM: hiperglicemia, HTA, obesidade abdominal, triglicerídeos (TG) elevados ou níveis baixos
de colesterol HDL (c-HDL) (2, 6, 7). Os critérios da OMS centram-se na presença de
insulinorresistência, e de dois outros fatores de risco, entre os quais: obesidade, HTA, TG
elevados, redução do c-HDL ou microalbuminúria (2).
Durante muito tempo, o tecido adiposo foi considerado um órgão bastante passivo, cuja
única função era armazenar energia sob a forma de TG, que seria utilizada em caso de défice
energético. Porém, hoje sabemos que o tecido adiposo, longe de ser um conjunto de células
inertes, é capaz de produzir um elevado número de marcadores inflamatórios, como a proteína
c-reativa e as chamadas adipocitocinas, entre as quais a leptina, a adiponectina, as interleucinas
e o fator de necrose tumoral alfa (8, 9), sendo estes, fatores etiológicos no desenvolvimento de
HTA, dislipidemia e resistência à insulina (10, 11), principalmente se a acumulação de tecido
adiposo se verificar na zona visceral, em oposição à zona subcutânea, aumentando desta forma
2
o risco cardiometabólico (RCM) (6, 8, 12-17). Por este motivo, é aceite que a localização do
excesso de adiposidade é um forte determinante do RCM, e vários estudos indicam que o
conhecimento sobre a sua distribuição é fundamental (8, 12-14).
A tomografia computorizada e a ressonância magnética são considerados os padrões
áureos para a medição da gordura abdominal. Porém, devido ao elevado custo, falta de
disponibilidade e sofisticação, a sua utilização na prática clínica não é viável (13, 17). Além dos
métodos anteriormente referidos, a absorciometria por duplo feixe de raios-X, apesar de
também ser um método confiável na avaliação da massa gorda, não é capaz de diferenciar entre
gordura visceral e gordura subcutânea (15, 18).
Assim, devido à complexidade da avaliação da gordura corporal com técnicas de
imagem, as medidas antropométricas como o peso, a estatura e os perímetros são
frequentemente utilizadas na prática clínica devido ao seu baixo custo e alta conveniência,
sendo importantes ferramentas no rastreio do RCM (17).
Embora vários estudos tenham sido realizados para identificar indicadores simples e
efetivos de obesidade abdominal e RCM associado (17), continuam a ser necessários critérios
antropométricos adequados para delinear os indivíduos com maior RCM (14).
Índice de Massa Corporal
O IMC é o índice antropométrico mais utilizado (13, 15). No entanto, tem sido criticado por
não diferenciar entre massa gorda e massa isenta de gordura, ou refletir a distribuição de
gordura de um indivíduo (1, 3, 14, 15, 19), colocando indivíduos com elevada quantidade de massa
isenta de gordura em categorias elevadas de IMC, o que poderá levar a uma classificação
errónea da adiposidade (20-23). Para um mesmo IMC, indivíduos de diferentes etnias podem
exibir diferentes distribuições de gordura corporal, tendo sido relatado que para um mesmo
IMC, os asiáticos apresentam um maior RCM do que os europeus (13). Em 2002, a OMS
apresentou pontos de corte para asiáticos, sendo considerado excesso de peso um IMC entre 23
3
e 27,4 kg/m2, e obesidade um IMC igual ou superior a 27,5 kg/m2 (24). Um estudo de Tilin et al
(7) mostrou que, em termos de incidência de DM2, os valores médios de IMC de 25,2 kg/m2
nos asiáticos eram equivalentes ao ponto de corte convencional de obesidade de 30 kg/m2 nos
europeus, sugerindo um maior RCM em pontos de corte de IMC mais baixos nos asiáticos
comparativamente às populações de origem europeia.
O papel do IMC no risco de mortalidade cardiovascular é controverso, pois parece não
existir diferença significativa na mortalidade cardiovascular entre os indivíduos com peso
normal e indivíduos com excesso de peso ou obesidade segundo o IMC, enquanto indivíduos
com obesidade mórbida ou de baixo peso apresentam um aumento significativo na mortalidade
cardiovascular (15). Além disso, parece haver um aumento dos fatores de RCM em indivíduos
não obesos de acordo com o IMC, mas obesos segundo a percentagem de massa gorda (25),
sendo que segundo o estudo Interheart Study (26), a obesidade abdominal apresentava uma
maior contribuição para eventos cardiovasculares do que IMC. Além disso, o IMC também não
é referido em nenhuma das versões do score de Framingham, uma das ferramentas utilizadas
para definir o risco cardiovascular, presumindo-se nesse estudo que poderiam haver indivíduos
obesos metabolicamente saudáveis (15), tendo o mesmo sido defendido por outros autores (20, 27).
Perímetro da Cintura
O Pc é um parâmetro antropométrico típico que reflete a obesidade abdominal e está
fortemente relacionado com o risco cardiovascular e vários estudos demonstraram que prevê o
risco de mortalidade melhor do que o IMC (13, 14, 16, 28) e a PcPa (15, 16). Indivíduos com o Pc
elevado foram relatados como tendo maior prevalência de fatores de risco cardiovascular,
mesmo dentro da mesma categoria de IMC, sublinhando a importância do Pc (14, 16).
Embora o Pc seja frequentemente defendido como um marcador antropométrico simples
e preciso da obesidade abdominal e RCM, esta medida não está isenta de limitações. O Pc
pode sobrestimar o RCM em indivíduos mais altos e subestimá-lo em indivíduos mais baixos,
4
uma vez que pressupõe que o risco não é influenciado pela estatura (12). O limiar do Pc é menor
para os asiáticos do que para os europeus (7, 29), sendo que os pontos de corte do Pc usualmente
utilizados podem subestimar o RCM em não-europeus (7).
Razão Perímetro da Cintura/Perímetro da Anca
A PcPa foi amplamente utilizada no passado para a avaliação da distribuição do tecido
adiposo (15). O Pc e o Pa medem diferentes aspetos da composição corporal e distribuição da
gordura e têm efeitos independentes e muitas vezes oposto sobre os fatores de risco de DCV,
sendo que uma cintura estreita e ancas largas podem proteger contra DCV (15). Cameron et al
(30) demonstraram o importante efeito confundidor do Pa na associação entre obesidade
abdominal e mortalidade cardiovascular, sendo o Pa inversamente associado à mortalidade
após ajuste para o Pc.
O IMC, o Pc e a PcPa têm sido propostos como os principais indicadores
antropométricos de obesidade com melhor relação com o risco de DM2 (31), porém, não está
claro qual a melhor medida para prever a DM2 (32). A PcPa, comparativamente aos outros
marcadores que refletem a obesidade abdominal, tais como o Pc e a PcE, parece ser inferior na
predição de DM2, pois apresenta correlações mais fracas (29).
Razão Perímetro da Cintura/Estatura
O ajuste do Pc para a estatura foi proposto para uma avaliação potencialmente mais
precisa do acúmulo de gordura central (33, 34). A PcE é uma medida antropométrica simples na
avaliação da distribuição da gordura abdominal (35, 36), tornando-se mais favorável para fatores
de RCM do que o IMC e o Pc (13, 15-17, 28, 36). Além disso, mostrou detetar o RCM entre
indivíduos não obesos (12, 14, 28, 31). A estatura influencia a forma e o tamanho dos indivíduos,
sendo que indivíduos mais altos tendem a ser mais magros do que os indivíduos mais baixos
(16).
5
O ponto de corte que indica um RCM aumentado deverá ser de 0,5, sendo que este valor
reflete o valor médio de todos os valores limite em relação a vários fatores de risco (32, 35, 36).
Ashwell et al (28) mostraram que a PcE foi um melhor preditor para DM2, dislipidemia,
HTA e risco cardiovascular em ambos os sexos e várias etnias, comparativamente ao Pc e
IMC. Os resultados de uma metanálise de Savva et al (36) mostraram que a PcE foi superior ao
IMC na deteção da incidência de DM2 e DCV em populações asiáticas, e incidência de DCV e
mortalidade por todas as causas em populações não asiáticas. Esta metanálise forneceu
evidências de que a PcE poderia ser usada como uma ferramenta de rastreio de RCM em
populações asiáticas e não asiáticas. Contudo, numa metanálise de Dijk et al (14), o Pc foi
superior ao IMC, PcE e PcPa na deteção de fatores de risco cardiovascular. Kodama et al (31)
concluíram que, comparativamente ao Pc, a PcE não teve uma associação mais forte com o
risco de incidência de DM2, o que sugere não existir nenhum benefício adicional em medir a
estatura. Embora as evidências mostrem que a PcE seja superior ao Pc, pois corrige o Pc para a
estatura do indivíduo, não é unânime que a estatura afete a relação entre Pc e gordura visceral,
sendo possível que a PcE não seja uma ferramenta útil para a predição do risco de DM2.
Uma das vantagens propostas no uso da PcE é a capacidade de usar um único ponto de
corte em todas as idades, sexos e etnias (36). Outra vantagem é o facto de a PcE contornar o
problema dos asiáticos desenvolverem DM2 com um menor IMC, porque o ajuste do Pc para
estatura significa que os mesmos valores limite são adequados para ambos os grupos étnicos
(35). Em comparação com o IMC, Pc e PcPa, a PcE pode ser o melhor indicador para DM2 não
diagnosticada (32). Embora seja sugerido que a PcE possa ser um dos melhores preditores do
risco de desenvolvimento de DM2, os estudos que comparam os vários índices ainda
apresentam resultados inconsistentes.
6
Novos Índices Antropométricos para a predição do Risco Cardiometabólico
Apesar de todos as medidas antropométricas existentes, existe ainda um grande esforço
para otimizar a identificação de indivíduos com RCM aumentado, sendo que novos índices têm
sido propostos.
Foram desenvolvidos dois novos índices antropométricos, o ABSI e o BRI, como
possíveis alternativas melhoradas ao IMC e ao Pc (3, 19, 37, 38).
A Body Shape Index
Krakauer e Krakauer (19) desenvolveram um índice conhecido como ABSI. Este índice
foi desenvolvido especificamente como uma transformação do Pc, estatisticamente
independente do IMC para uma melhor avaliação da contribuição relativa do Pc para a
obesidade central e desfechos clínicos (39). Um ABSI elevado relaciona-se com uma maior
quantidade de gordura visceral em comparação com a gordura subcutânea numa determinada
estatura e peso (19), o que prediz um RCM mais elevado. Em alguns estudos, o ABSI
apresentou associação positiva com o risco de doença e mortalidade (3, 4), estando
significativamente associado à quantidade de tecido adiposo abdominal e à morte prematura,
do que o Pc ou o IMC (13, 19). Embora um estudo tenha concluído que o ABSI é capaz de prever
o início da DM2, este parece ser um preditor mais fraco para identificar DM2 (4), HTA e risco
cardiovascular, comparativamente ao IMC (1, 3, 13).
Body Roundness Index
Thomas et al (37) desenvolveram outro índice denominado BRI. Este índice é baseado no
Pc e na estatura, sendo um preditor que poderia melhorar as previsões da percentagem de
gordura corporal e tecido adiposo visceral comparativamente ao IMC, Pc ou Pa (37). Vários
estudos mostraram que o BRI poderia ser usado como um bom preditor para o
desenvolvimento de hipertrofia ventricular esquerda, hiperuricemia, DCV e DM2 (1, 3). Porém,
foi demonstrado que embora o BRI fosse capaz de identificar os fatores de RCM, não era
7
superior nem ao IMC nem ao Pc (1, 3, 13). Os valores para o BRI variam de 1 a 16, sendo que
indivíduos mais redondos tendem a ter valores maiores (37).
8
OBJETIVOS
Este trabalho tem por objetivo geral identificar o melhor índice antropométrico na
predição do RCM em adultos.
Apresenta ainda como objetivos específicos:
Analisar as caraterísticas sociodemográficas, antropométricas e bioquímicas da
amostra;
Quantificar o número de pessoas com risco de DM2 e com risco de DCV;
Verificar a associação entre índices antropométricos (IMC, Pc, Pa, PcE. PcPa,
ABSI, BRI) e variáveis bioquímicas (perfil lipídico e glicémico, e pressão
arterial);
Verificar a associação entre índices antropométricos e o risco cardiovascular,
risco de DM2 e RCM;
Determinar a capacidade preditiva dos índices antropométricos na predição do
RCM.
9
MATERIAL E MÉTODOS
Desenho do Estudo
Este foi um estudo observacional descritivo transversal que analisou todas as pessoas
atendidas nos diversos centros de saúde da Calheta e da Ribeira Brava, pertencentes ao Serviço
de Saúde da Região Autónoma da Madeira, E.P.E. Estes dados foram recolhidos entre os
meses de fevereiro e junho de 2018.
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do Serviço de Saúde da Região Autónoma
da Madeira, E.P.E., tendo sido também obtido o consentimento informado por escrito dos
participantes antes da recolha de dados.
Amostra
O tamanho amostral foi estimado fazendo uma análise de poder estatístico. Considerou-
se uma significância de 5% e um poder estatístico de 80%. Para que fossem consideradas
significativas correlações cujo módulo fosse superior a 0,2, esta análise indicou que seria
necessária uma amostra de pelo menos 194 indivíduos.
Inicialmente foram avaliados 215 indivíduos, dos quais 17 não tinham todos os dados
bioquímicos necessários. Assim, os resultados apresentados ao longo do trabalho reportam-se a
198 indivíduos.
Os participantes deste estudo eram de ambos os sexos e tinham idades compreendidas
entre os 30 e os 74 anos. Na análise de dados foram incluídos todos aqueles que tinham
avaliação do peso, estatura, Pc, Pa, pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica
(PAD), dados bioquímicos (glicemia, colesterol total (CT), colesterol LDL (c-LDL), c-HDL e
TG), pontuação de risco de DM2 definido pelo questionário FINDRISC e pontuação de risco
cardiovascular definido pelo score de Framingham. Foram excluídos indivíduos que
apresentavam DCV e/ou DM2 já diagnosticadas; indivíduos com doença crónica que pudesse
10
afetar o estado metabólico ou a composição corporal (ex.: síndromes de má-absorção, doença
de crohn, doença celíaca, fibrose quística); indivíduos com antecedentes de cirurgia bariátrica
ou intestinal; indivíduos com doença oncológica ativa; e mulheres grávidas.
Recolha de Dados
Dados sociodemográficos e clínicos
Foi aplicado um questionário onde foram recolhidos dados referentes ao sexo, idade,
estado civil, hábitos tabágicos, presença de DM2, HTA e/ou dislipidemia, história familiar de
DCV e/ou de DM2.
Dados antropométricos
A medição do peso e estatura foram feitas sem sapatos e com roupa leve. Para o peso foi
utilizado uma balança da marca TANITA TBF 300. Na medição da estatura foi utilizado um
estadiómetro da marca SECA 222 e foi feita de acordo com as normas do International Society
for the Advancement of Kinanthropometry (40). Com estes valores foi calculado o IMC (peso
(kg)/estatura2 (m)) (41). O Pc e o Pa foram medidos com uma fita métrica flexível, não elástica.
O Pc foi avaliado no ponto médio entre o bordo inferior da última costela e a crista ilíaca, no
fim de uma expiração normal (40). Para o Pa foi considerada a maior protuberância a nível do
glúteo (40). Com estes valores foi calculado a PcE (razão entre o Pc e a estatura) e a PcPa (razão
entre o Pc e o Pa).
O ABSI e BRI foram calculados usando as fórmulas correspondentes:
𝐴𝐵𝑆𝐼 =𝑃𝑐
𝐼𝑀𝐶2/3×𝑒𝑠𝑡𝑎𝑡𝑢𝑟𝑎1/2 (19) e 𝐵𝑅𝐼 = 364.2 − 365.5 × √1 −
(𝑃𝑐/(2𝜋))2
(0.5∗𝑒𝑠𝑡𝑎𝑡𝑢𝑟𝑎)2 (37).
11
Dados bioquímicos e pressão arterial
Os dados bioquímicos, nomeadamente glicemia, CT, c-HDL, c-LDL e TG, foram
obtidos através da última análise de sangue realizada pelo participante, que não poderia ter sido
realizada numa data superior a 12 meses.
As medidas da PAS e PAD foram feitas no local com recurso a um tensiómetro da marca
OMRON M7 INTELLI IT. A leitura foi realizada no braço não dominante do participante,
com o participante sentado, e com um descanso de pelo menos 2 a 3 minutos.
Avaliação do risco cardiometabólico
O RCM inclui todos os fatores de risco para DM2 e DCV, tais como a obesidade,
resistência à insulina, hiperglicemia, dislipidemia e HTA que podem ocorrer em grupo ou
individualmente (42, 43).
O RCM neste trabalho foi definido através da presença de risco cardiovascular moderado
ou superior (score de Framingham≥10%) e/ou da presença de risco moderado ou superior de
desenvolver DM2 (pontuação do questionário FINDRISC≥12).
Score de Framingham: A probabilidade de desenvolver doença coronária em 10 anos foi
estimada através de um algoritmo validado e desenvolvido pelo estudo de Framingham. Este
modelo incorpora como variáveis a idade, o sexo, os níveis de c-LDL e HDL, PAS e PAD,
presença de DM2 e hábitos tabágicos, sendo amplamente utilizado em diversos estudos de
diversos países (6). O score de Framingham avalia a mortalidade e a morbilidade por doença
coronária em 10 anos, estando as classes de risco descritas na Tabela 1 (44).
Score de Framingham Classe de Risco
<10% Baixo Risco
10-20% Risco Moderado
>20% Alto Risco
Tabela 1 – Classificação do risco cardiovascular, através do score de Framingham.
12
FINDRISC (Finnish Diabetes Risk Score): O risco de desenvolver DM2 foi avaliado
através do questionário FINDRISC. Esta ferramenta foi desenvolvida pelo Finnish Diabetes
Prevention Study e tem sido considerada um método simples, rápido, pouco dispendioso e não
invasivo para avaliar o risco de vir a desenvolver DM2 nos 10 anos seguintes, tendo em conta
os seguintes parâmetros: idade, IMC, Pc, atividade física, consumo diário de vegetais e frutas,
uso de medicação para a pressão arterial, história pessoal de hiperglicemia e história familiar
de DM2 (45). As classes de risco e a probabilidade de desenvolver a doença em 10 anos estão
descritas na Tabela 2.
Pontuação do Questionário
FINDRISC Classe de risco
Nº aproximado de indivíduos que
desenvolveram DM2, a 10 anos
<7 Baixo Risco 1 em cada 100
7-11 Risco Ligeiramente Elevado 1 em cada 25
12-14 Risco Moderado 1 em cada 6
15-20 Risco Alto 1 em cada 3
>20 Risco Muito Alto 1 em cada 2
Tabela 2 – Classificação do risco de DM2, através do questionário FINDRISC.
Análise Estatística
A análise estatística dos dados foi realizada através do programa IBM SPSS Statistics
para Windows, versão 25.0.0.0.
A análise descritiva consistiu na utilização de mínimos, máximos, médias e desvios
padrões para variáveis contínuas, e frequências para variáveis nominais e ordinais.
A normalidade foi avaliada usando o critério do coeficiente de simetria e de
achatamento, verificando-se que todas as variáveis seguiam uma distribuição próxima da
normal, com exceção, para o c-HDL e TG.
Para comparar dois grupos realizaram-se testes t-Student para amostras independentes,
para as variáveis que seguem uma distribuição próxima da normal, e testes de Mann-Whitney,
para as variáveis que seguem uma distribuição diferente da normal.
13
Para avaliar a correlação entre pares de variáveis cardinais ou ordinais, calculou-se o
coeficiente de correlação de Pearson, quando ambas tinham distribuição próxima da normal.
As curvas ROC foram estudadas de modo a analisar o melhor indicador antropométrico
na predição do RCM. Através destas curvas foram também obtidos os valores da AUC, sendo
que uma AUC de 1,0 indica uma discriminação positiva perfeita, enquanto uma AUC inferior a
0,5 indica que o poder discriminatório do preditor não é melhor do que o acaso.
Considerou-se um nível de significância de 0,05.
14
RESULTADOS
Caracterização da Amostra
A amostra foi constituída por 198 indivíduos, dos quais 16,7% homens e 83,3%
mulheres. A média de idades foi de 52 anos (dp=10,8; min=30; máx= 74). Os hábitos tabágicos
estavam presentes em 15,7% da amostra, e cerca de 46% apresentava HTA (dos quais 82,4%
estavam medicados) e 51,5% dislipidemia (dos quais 53% estavam medicados). A prática de
atividade física era recorrente em 61,6 % da amostra com uma média de 3,91 horas/semana
(dp=2,03).
A análise descritiva encontra-se na tabela 3. Os homens, em média, eram mais pesados e
mais altos, apresentando um Pc e uma PcPa maiores comparativamente às mulheres. A nível
bioquímico, os homens tiveram menor média de c-HDL e maior média de TG do que as
mulheres, e valores séricos superiores de glicemia em jejum.
Sexo Masculino
(n=33)
(média (dp))
Sexo Feminino
(n=165)
(média (dp))
p
Idade (anos) 52,7 (9,9) 52,3 (11,0) 0,821
Peso (kg) 90,4 (15,2) 74,7 (14,8) <0,001
Estatura (m) 1,72 (0,07) 1,59 (0,06) <0,001
Índice de massa corporal (kg/m2) 30,6 (4,8) 29,6 (5,6) 0,348
Perímetro da cintura (cm) 104,1 (12,5) 93,0 (13,4) <0,001
Perímetro da anca (cm) 107,3 (7,9) 107,8 (11,4) 0,837
Razão perímetro da cintura/estatura 0,61 (0,08) 0,59 (0,09) 0,189
Razão perímetro da cintura/perímetro da anca 0,97 (0,09) 0,86 (0,08) <0,001
A body shape index 0,081 (0,004) 0,077 (0,005) <0,001
Body roundness index 5,70 (1,83) 5,24 (1,91) 0,208
Pressão arterial sistólica (mmHg) 135,3 (15,8) 128,4 (16,8) 0,031
Pressão arterial diastólica (mmHg) 79,4 (10,7) 76,9 (9,5) 0,181
Glicemia em jejum (mg/dL) 92,9 (15,3) 87,8 (12,4) 0,038
Colesterol total (mg/dL) 186,5 (33,8) 197,9 (38,7) 0,118
Colesterol LDL (mg/dL) 105,9 (29,6) 116,0 (33,1) 0,087
Colesterol HDL (mg/dL) 46,1 (10,4) 56,7 (13,4) <0,001MW
15
Triglicerídeos (mg/dL) 170,7 (92,7) 122,7 (56,1) 0,002MW
Tabela 3 – Caracterização da amostra por sexo (apresentação da média e desvio padrão (dp)). Comparação das amostras pelos testes t-
Student e Mann-Whitney (MW).
Risco Cardiovascular e Risco de Diabetes Mellitus Tipo 2
Após a aplicação do score de Framingham verifica-se que a amostra apresenta em média
6,16% de risco de desenvolver doença coronária em 10 anos, sendo o risco significativamente
superior no sexo masculino comparativamente ao sexo feminino (9,58% (dp=5,86) vs 5,48%
(dp=4,02); p<0,001). A maior parte dos indivíduos que compõem a amostra apresentam baixo
risco (risco inferior a 10%) de desenvolver esta patologia, sendo que apenas 16,7% apresenta
risco aumentado.
Através da aplicação do questionário FINDRISC, observou-se que 55,6% da amostra
obteve pontuações iguais ou superiores a 12, o que representa um risco moderado a muito alto
de desenvolver DM2, não existindo diferenças estatisticamente significativas entre sexos
(Figura 1).
O RCM, definido por ter risco moderado ou superior de desenvolvimento de DCV e/ou
DM2, está presente em 57,1% da amostra.
Gráfico 1 – Risco de desenvolvimento de DCV, segundo o score de Framingham. Risco de desenvolvimento de DM2, segundo o
FINDRISC.
83,3%
5,6%
24,7%
15,2%
25,3%
1,5%
15,2%
29,3%
16
Associação entre Índices Antropométricos e Variáveis de Risco Cardiometabólico
Existem correlações positivas e estatisticamente significativas entre as medidas
antropométricas e glicemia em jejum, TG, PAS e PAD, com exceção das associações entre o
Pa e a glicemia em jejum, e os TG, e das associações entre a PcPa e o ABSI com a PAD que
não apresentaram significado estatístico. Correlações negativas e estatisticamente significativas
foram verificadas entre as medidas antropométricas e o c-HDL.
Todas as correlações embora estatisticamente significativas são fracas ou muito fracas.
De todas as correlações existentes as maiores correlações verificam-se entre as variáveis
antropométricas e o c-HDL, da qual se destaca a correlação negativa entre o c-HDL e o Pc (ρ=-
0,469, p<0,001). O Pa foi a medida antropométrica que se associou a menos variáveis
bioquímicas.
Não se estabeleceram correlações com significado estatístico entre o CT e o c-LDL com
qualquer uma das medidas antropométricas avaliadas (Tabela 4).
Glicemia CT c-LDL c-HDL TG PAS PAD
Índice de massa corporal R=0,205
p=0,004
R=0,027
p=0,704
R=0,099
p=0,167
ρ=-0,369
p<0,001
ρ=0,213
p=0,003
R=0,256
p<0,001
R=0,257
p<0,001
Perímetro da cintura R=0,300
p<0,001
R=-0,011
p=0,876
R=0,063
p=0,380
ρ=-0,469
p<0,001
ρ=0,291
p<0,001
R=0,328
p<0,001
R=0,202
p=0,004
Perímetro da anca R=0,133
p=0,062
R=0,033
p=0,643
R=0,093
p=0,193
ρ=-0,252
p<0,001
ρ=0,103
p=0,149
R=0,200
p=0,005
R=0,236
p=0,001
Razão perímetro da
cintura/estatura
R=0,278
p<0,001
R=0,009
p=0,896
R=0,085
p=0,236
ρ=-0,417
p<0,001
ρ=0,281
p<0,001
R=0,327
p<0,001
R=0,168
p=0,018
Razão perímetro da
cintura/perímetro da anca
R=0,300
p<0,001
R=-0,041
p=0,563
R=0,009
p=0,896
ρ=-0,435
p<0,001
ρ=0,335
p<0,001
R=0,280
p<0,001
R=0,067
p=0,350
A body shape index R=0,254
p<0,001
R=-0,045
p=0,527
R=-0,009
p=0,900
ρ=-0,302
p<0,001
ρ=0,267
ρ<0,001
R=0,237
p=0,001
R=-0,050
p=0,486
Body roundness index R=0,281
p<0,001
R=0,006
p=0,935
R=0,077
p=0,280
ρ=-0,414
p<0,001
ρ=0,282
p<0,001
R=0,324
p<0,001
R=0,164
p=0,021
Tabela 4 – Associações entre medidas antropométricas e fatores de RCM. Correlação de Spearman (ρ) e Pearson (R).
17
Associação entre Índices Antropométricos e Risco Cardiometabólico
Relacionou-se a presença de RCM com a idade e variáveis antropométricas (peso, IMC,
Pc, Pa, PcE, PcPa, ABSI e BRI) e como é observável na Tabela 5, os indivíduos com RCM
aumentado eram os que tinham maiores valores antropométricos. O RCM também está mais
presente em indivíduos mais velhos.
Sem RCM
(n=85)
(média (dp))
Com RCM
(n=113)
(média (dp))
p
Idade (anos) 47,0 (9,8) 56,4 (9,6) <0,001
Peso (kg) 69,8 (13,9) 83,0 (15,1) <0,001
Estatura (m) 1,62 (0,08) 1,61 (0,07) 0,413
Índice de massa corporal (kg/m2) 26,7 (4,6) 32,0 (5,0) <0,001
Perímetro da cintura (cm) 85,8 (11,1) 101,6 (11,6) <0,001
Perímetro da anca (cm) 102,8 (9,4) 111,4 (10,6) <0,001
Razão perímetro da cintura/estatura 0,53 (0,07) 0,63 (0,07) <0,001
Razão perímetro da cintura/perímetro da anca 0,83 (0,08) 0,91 (0,08) <0,001
A body shape index 0,076 (0,005) 0,080 (0,005) <0,001
Body roundness index 4,04 (1,37) 6,28 (1,67) <0,001
Tabela 5 – Análise descritiva (apresentação da média e desvio padrão (dp)) dos indivíduos com e sem RCM
aumentado nas várias variáveis. Comparação das amostras utilizando o teste t-Student.
Tal como é mostrado no Gráfico 2, no geral, o Pc (0,838), a PcE (0,859) e o BRI
(0,860), apresentaram os maiores valores da AUC para a predição do RCM, sendo as
estimativas de predição superiores pela PcE do que pelo Pc isoladamente.
Na predição do risco cardiovascular não existe nenhuma medida que se destaque,
ficando o Pa (0,587) e o IMC (0,669) um pouco aquém dos restantes índices antropométricos.
Na predição do risco de DM2, o BRI (0,866), a PcE (0,864) e o Pc (0,839) destacam-se pela
sua boa capacidade preditiva.
18
Gráfico 2 – Curvas ROC de medidas antropométricas para a previsão do risco cardiovascular (A), risco de DM2 (B) e RCM (C).
Risco
Cardiovascular Risco de DM2 RCM
Índice de massa corporal 0,669 0,797 0,790
Perímetro da cintura 0,741 0,839 0,838
Perímetro da anca 0,587 0,745 0,737
Razão perímetro da cintura/estatura 0,754 0,864 0,859
Razão perímetro da cintura/ perímetro da anca 0,758 0,746 0,751
A body shape index 0,762 0,717 0,721
Body roundness index 0,756 0,866 0,860
Tabela 6 – AUC para as medidas antropométricas na predição do risco cardiovascular, risco de DM2 e RCM.
19
DISCUSSÃO
No presente estudo, cerca de 1 em cada 2 indivíduos apresentava RCM aumentado,
porém conhecer o melhor indicador antropométrico parece relacionar-se com um melhor
prognóstico. Contudo, após a revisão bibliográfica verificou-se que a nível mundial não existe
um consenso sobre qual o índice antropométrico ideal usar na predição do RCM.
Em comparação com as mulheres, os homens eram mais pesados, mais altos,
apresentavam valores mais elevados de Pc, PcPa, glicemia e TG, bem como um maior risco
cardiovascular. Aqueles que apresentaram maior RCM foram mais propensos a ter parâmetros
antropométricos médios mais elevados e uma maior média de idades.
Na análise das correlações, todas as medidas antropométricas foram estatisticamente
associadas ao risco cardiovascular (com exceção do Pa), ao risco de DM2 e ao RCM. Sendo
que para a previsão do RCM, o BRI e a PcE foram os índices antropométricos que
apresentaram as maiores AUC, verificando-se o mesmo para a previsão do risco de DM2
isoladamente. Já a AUC para a previsão do risco cardiovascular foi maior para o ABSI.
Relativamente às correlações entre variáveis bioquímicas e medidas antropométricas,
vários estudos (46, 47) relatam uma correlação positiva e estatisticamente significativa, mas fraca
entre o IMC e o Pc com o CT, o c-LDL e os TG, enquanto apresentavam uma correlação
negativa e fraca com o c-HDL, sendo que os TG mostravam coeficientes de correlação
ligeiramente superiores aos das análises do c-LDL e c-HDL. Porém, no nosso estudo, o c-LDL
e o CT não mostraram qualquer correlação significativa com as medidas antropométricas,
sendo o c-HDL aquele que apresentava os coeficientes de correlação ligeiramente superiores.
Tal como neste estudo, o estudo de Lichtash et al (48), mostrou que o Pa foi correlacionado com
um menor número de variáveis cardiometabólicas, sendo a falta de correlação encontrada com
a PAD e o c-LDL, enquanto neste estudo apenas se verificou associação com a PAD.
20
A obesidade tornou-se uma epidemia mundial, sendo que cerca de 57% dos portugueses
têm excesso de peso ou obesidade (49). Neste estudo, 82,3% dos indivíduos avaliados
apresentavam excesso de peso ou obesidade, de acordo com os critérios da OMS, o que é
superior à média portuguesa, porém isto pode ser explicado por grande parte da amostra
frequentar consultas de nutrição, o que faz com que fosse mais provável já apresentarem algum
grau de excesso de peso ou obesidade.
A obesidade está intimamente relacionada com a morbilidade e mortalidade
cardiometabólica (50). Os resultados obtidos no nosso estudo mostraram uma correlação
positiva entre o IMC e o RCM, o que realça a importância do controlo ponderal o mais
precocemente possível. Em particular nos homens, há que ter especial atenção ao rastreio dos
fatores de risco, uma vez que na nossa amostra os homens, não só tiveram maior IMC, como
também valores séricos superiores de glicemia em jejum, TG, PAD e um maior risco
cardiovascular. Porém e não descurando a importância do IMC, neste estudo as correlações
entre o RCM e o IMC não foram as mais fortes, provavelmente porque o IMC não consegue
diferenciar entre adiposidade geral e adiposidade visceral (1, 3, 14, 15, 19), que é mais
frequentemente associada a doenças cardiometabólicas (6, 8, 12-17). Apesar destas evidências,
noutros estudos o IMC continua a ser descrito como o melhor preditor do RCM, sendo que
Mooney et al (51) concluíram que o IMC prevê a presença de componentes da SM com a
mesma precisão do Pc, da PcE ou da percentagem de massa gorda. Outros estudos concluem
que o IMC foi de facto sobreponível ao Pc na identificação e predição da prevalência e risco de
futura resistência à insulina e SM na população em geral e nos grupos com excesso de peso e
obesidade, e apoiam fortemente o conceito de que em populações de meia-idade com IMC
elevado, incrementos no IMC podem-se refletir em grande parte num aumento do tecido
adiposo central (33, 34). Contra o uso do IMC na predição do RCM, está um estudo realizado na
Noruega (52) e outro em Espanha (53) que apoia que a obesidade geral, medida pelo IMC,
apresenta uma associação fraca e é claramente superada pelos indicadores de obesidade
21
abdominal e volume corporal, apresentando uma baixa capacidade preditiva no enfarte do
miocárdio, o que vai de encontro aos resultados apresentados no nosso estudo. Assim, e
ponderando os prós e contras, consideramos que o IMC não deverá ser substituído ou
comparado com outras medições antropométricas, mas utilizado em conjunto com uma medida
de adiposidade central de modo a melhorar a predição do RCM.
O Pa neste estudo, tal como esperado, foi a medida antropométrica que ficou mais
aquém na previsão do RCM, tendo o mesmo sido demonstrado num estudo espanhol que
observou que o Pa não apresentava força discriminatória na curva ROC relativamente à
predição do enfarte do miocárdio, verificando que mesmo combinando o Pa com o Pc, de
modo a obter a PcPa, esta razão mostrava uma capacidade preditiva enviesada e superestimava
o risco real da obesidade abdominal (53). Porém, no presente estudo a PcPa apresenta a
correlação mais elevada com o risco cardiovascular, o que vai de encontro aos resultados
obtidos no Interheart Study (26), um estudo realizado com uma amostra de 27098 indivíduos
provenientes de 52 países, que demonstrou que a PcPa é um preditor mais forte do enfarte do
miocárdio do que o IMC e o Pc.
O interesse clínico no ABSI foi levantado pela sua associação e maior valor preditivo
para a mortalidade por todas as causas em comparação com outros marcadores
antropométricos, incluindo o IMC (19, 54). No nosso estudo, o ABSI foi o melhor índice
antropométrico para predizer o risco cardiovascular, apresentando uma maior AUC e uma
correlação positiva, moderada e estatisticamente significativa com o risco cardiovascular. No
entanto, a relação entre ABSI e RCM permanece controversa na literatura. À semelhança deste
estudo, um estudo realizado na Turquia, verificou que o ABSI isoladamente previu o risco
cardiovascular a 10 anos melhor do que o IMC ou outras medidas de obesidade, usando como
padrão o questionário de Framingham (55). Também Bertoli et al (39) num estudo realizado em
Milão com 6081 indivíduos caucasianos, chegaram à conclusão, que o ABSI está associado a
todos os componentes do SM e à espessura da gordura abdominal visceral, sendo que o uso
22
conjunto do ABSI com o IMC permite uma melhor avaliação da probabilidade de apresentar c-
HDL baixo, TG elevados e valores elevados de glicemia em jejum em comparação com o IMC
isolado, tornando o ABSI um índice útil, sendo o mesmo verificado noutro estudo (56). Porém
existem estudos que apoiam que apesar da relevância potencial do ABSI como preditor de
risco de mortalidade, o ABSI não deve ser recomendado para uso clínico na previsão do RCM
(33, 57). Um estudo transversal com indivíduos com DM2, onde o ABSI foi associado à gordura
visceral estimada por análise de impedância bioelétrica, parecendo refletir a adiposidade
visceral independentemente do IMC, sendo também um marcador substancial de
arteriosclerose em pacientes com DM2 (58).
Relativamente ao papel do ABSI na predição do risco de DM2, no nosso estudo o ABSI
foi um dos piores preditores quando comparado a outros índices.
Como principais resultados, descobrimos que o BRI foi o melhor índice antropométrico
para estimar o RCM. Além disso, descobrimos que o BRI e a PcE tinham praticamente a
mesma capacidade em identificar o RCM, provavelmente porque tanto o BRI como a PcE são
baseados no Pc e na estatura.
Barazzonni et al (33) chegaram à conclusão que o BRI e a PcE identificam e preveem
efetivamente complicações metabólicas, mas não oferecem vantagem clínica adicional sobre o
Pc e o IMC, tendo também noutros estudos sido relatado que apesar do BRI poder prever a
presença de DCV (1), a sua capacidade preditiva para o risco cardiovascular não foi melhor do
que o IMC ou o Pc (1, 46). Também Chang et al (3) viram que a capacidade preditiva de BRI para
DM2 foi comparável à do IMC. O estudo de Liu et al (13), por outro lado e a apoiar as
conclusões deste estudo, foi o único estudo analisado que defendeu o uso do BRI, onde ao
avaliar os fatores de RCM, verificou que o BRI poderia ser usado como um índice corporal
alternativo à PcE, tendo este último também sido indicado como um índice simples e efetivo
na avaliação de fatores de RCM.
23
Relativamente à PcE, Hori et al (59) observaram poucas diferenças nas AUCs entre a PcE
e o IMC, concluindo que o desempenho de triagem de PcE para detetar os fatores de RCM não
foi superior ao do IMC, o que vem refutar os resultados deste estudo, porém alega também o
facto de a PcE≥0,5 ser constante em todos os grupos etários e sexos, podendo ser por isso uma
vantagem da PcE sobre outros índices antropométricos. Por outro lado, vários estudos têm
vindo a apoiar o uso da PcE na predição do RCM. Mozaffor et al (43), num estudo com uma
amostra composta por 195 médicos, chegaram à conclusão que a PcE, com uma AUC de
0,625, foi considerado um bom índice antropométrico pelo seu valor preditivo do RCM
(AUC>0,5), sendo que no nosso estudo obtiveram-se conclusões idênticas mas com um valor
da AUC superior ao deste (0,859). Kahn e Cheng (60) afirmaram ainda que a PcE em vez do
IMC pode definir melhor a adiposidade associada à resistência à insulina, acrescentando que se
esses achados transversais, se se confirmassem em estudos prospetivos, poderiam melhorar a
predição do RCM. Por fim, uma meta-análise também relatou que a PcE é o melhor
discriminador para a HTA, DM2 e dislipidemia em indivíduos de ambos os sexos, enquanto o
IMC foi o mais fraco na determinação de fatores de RCM (61).
A par destes dois últimos índices, foi visto que o Pc também não fica aquém na previsão
do RCM. O Pc continua a ser defendido por muitos estudos como um índice, que embora não
discrimine bem entre a localização subcutânea e visceral da gordura, está de alguma forma
associado ao acúmulo de gordura visceral e consequente RCM, sendo considerado que o Pc
deva ser usado como um complemento ao IMC e não de forma isolada (8, 10). No estudo de Tran
et al (57), numa população vietnamita, o principal achado foi que o Pc ou um índice baseado no
Pc estava mais fortemente associada ao risco cardiovascular nos homens, e com a glicemia em
jejum nas mulheres, enquanto o IMC estava mais fortemente associado à pressão arterial e ao
CT entre as mulheres.
Assim, e após todas as conclusões é possível defender que, de forma geral os índices que
tomam em consideração o Pc e a estatura são os melhores índices antropométricos para prever
24
o RCM, destacando-se através deste estudo o BRI, a PcE e o Pc. Porém e embora o BRI tenha
apresentado o maior poder preditivo, devido à complexidade no seu cálculo, e beneficiando do
facto das AUCs entre o BRI e a PcE serem muito semelhantes, defende-se o uso da PcE em
detrimento do BRI, pois é uma medida simples que ajusta o Pc para a estatura e apresenta um
valor constante (PcE≥0,5) para todas as idades, etnias e sexo, corrigindo deste modo as
limitações inerentes ao Pc, onde poderá haver uma subestimação do RCM em indivíduos mais
altos e uma sobrestimação em indivíduos mais baixos.
Assim, é aconselhado o uso da PcE para a predição do RCM ou para a predição do risco
de DM2 isoladamente. Já para a predição do risco cardiovascular isoladamente, continua a
haver muita controvérsia na literatura e o mesmo se verificou neste estudo, onde embora o
ABSI seja o índice com uma maior AUC, múltiplos estudos desaconselham o seu uso, sendo
que a PcPa surge como o segundo melhor preditor para o risco cardiovascular. Porém este
último índice também apresenta desvantagens, tendo sido descrito na literatura como uma
medida menos precisa da adiposidade em pessoas que perderam peso (32). Assim mais estudos,
nomeadamente a cerca do melhor índice antropométrico na predição do risco cardiovascular
isoladamente continuam a ser necessários.
Este estudo tem como principais limitações, o facto da amostra deste trabalho ser de
conveniência, sendo que estes resultados não poderão ser extrapolados para a população
portuguesa, pois para isso seriam necessários estudos com amostras representativas da
população portuguesa. Além disso, neste estudo é utilizado o questionário de Framingham, o
qual não é o mais adequado para a população europeia, e mais especificamente para a
população portuguesa, para a qual o SCORE é o questionário recomendado para a avaliação do
risco cardiovascular. Porém o SCORE apenas prevê os eventos cardiovasculares fatais, ponto
este que não seria interessante utilizar para este estudo. Por fim, o desenho do estudo
transversal pode ser incapaz de distinguir entre causa e efeito, sendo que seriam necessários
dados de acompanhamento, através da realização de estudos prospetivos.
25
Como forças deste estudo podemos destacar o facto de as medições terem sido feitas
pelo mesmo medidor, sendo que deste modo não houveram variações inter-individuais. Por
outro lado, este estudo é uma mais-valia para análises futuras desta população, visto
representar parte da população da ilha da Madeira, com o potencial de que, segundo o nosso
conhecimento, este é um estudo pioneiro nesta região sobre o melhor índice antropométrico na
predição do RCM, podendo fornecer informações valiosas para a identificação atempada de
indivíduos que estejam em RCM aumentado, levando a um aumento das probabilidades de
uma prevenção efetiva.
26
CONCLUSÕES
Cerca de 1 em cada 2 indivíduos apresentava RCM aumentado, sendo que aqueles que
apresentaram maior RCM foram mais propensos a ter parâmetros antropométricos médios mais
elevados e uma maior média de idades.
Em comparação com as mulheres, os homens eram mais pesados, mais altos,
apresentavam valores mais elevados de Pc, PcPa, glicemia e TG, bem como um maior risco
cardiovascular.
Este estudo mostra que as medidas antropométricas baseadas no Pc parecem ser
superiores na predição do RCM do que o IMC, sendo o BRI, PcE e Pc, os que apresentaram as
maiores AUC. Devido à complexidade do BRI, a PcE surge como o índice com melhor
desempenho na predição do RCM, corrigindo as limitações do Pc, uma vez que ajusta o Pc
para a estatura.
Porém, apesar de a OMS continuar a recomendar o IMC na prática clínica para
diagnóstico do excesso de peso/obesidade e RCM associado, o uso adicional destes índices
deve ser encorajado.
27
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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