Indicadores Da Qualidade de Vida Nas Pessoas Utilizadoras de Cadeiras de Rodas

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Artigo sobre Indicadores de qualidade de vida em indivíduos que utilizam cadeiras de rodas.

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  • Anabela Correia Martins

    Indicadores da Qualidade de Vida nas Pessoas

    Utilizadoras de Cadeiras de Rodas

    Uma anlise exploratria dos hbitos de vida, caractersticas psicolgicas,

    clnicas, sociodemogrficas e relacionadas com tecnologias de apoio

    Dissertao apresentada na Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao da Universidade do Porto para obteno do grau de Doutor em Psicologia

    Orientador Professor Doutor Jos Lus Pais Ribeiro

    2008

  • Indicadores da Qualidade de Vida nas pessoas utilizadoras de cadeiras de rodas: uma anlise exploratria dos hbitos de vida, caractersticas psicolgicas, clnicas, sociodemogrficas e relacionadas com tecnologias de apoio

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    Resumo

    Enquadrada no domnio da Psicologia da Sade e considerando que o bem-estar e os constructos da qualidade de vida so parte de uma constelao que faz da relao entre o ser humano e as tecnologias, uma experincia inseparvel, a presente investigao pretende fundamentalmente explorar os principais indicadores de qualidade de vida nas pessoas com limitaes graves da mobilidade, de entre os seus hbitos de vida (participao social), as suas caractersticas psicolgicas, clnicas, sociodemogrficas e as relacionadas com as tecnologias de apoio, nomeadamente com a cadeira de rodas que utilizam. Nos ltimos anos, tem sido crescente a ateno dada participao social como medida de resultado dos programas de reabilitao, particularmente os que incluem tecnologias de apoio. Assumindo a Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade (WHO, 2001) como base terica desta investigao, propomo-nos estabelecer ligaes entre as suas componentes e a qualidade de vida, na expectativa de encontrar padres para avaliar este ltimo constructo. Desta forma, os objectivos foram definidos com vista a analisar a relao entre a participao social e a qualidade de vida, verificar se essa relao moderada pelo efeito de outros factores, e, finalmente, explorar o contributo de cada um deles na predio da qualidade de vida. Estudo descritivo, exploratrio e de desenho transversal, cuja amostra, seleccionada por convenincia, constituda por 190 indivduos utilizadores de cadeira de rodas, integrados na comunidade, com diagnsticos diversos, mas sem doena ou deficincia mental ou cognitiva (critrio de excluso). Instrumentos: verses portuguesas do Quality of Life Index (QLI) - Verso Utilizadores de Cadeira de Rodas (Ferrans & Powers, 1985; Martins & Pais Ribeiro, 2008), do Assessment of Life Habits (LIFE-H) (Fougeyrollas et al., 1993; Martins & Pais Ribeiro, 2008), da LOT-R Orientao para a Vida Revista (Scheier & Carver, 1985), da Subjective Happiness Scale (Lyubomirsky & Lepper, 1999; Bertoquini e Pais Ribeiro, 2004), da Attitudes Towards Disabled Persons (ATDP-O) (Yuker & Block, 1960, 1986; Martins & Pais Ribeiro, 2007), do Psychosocial Impact of Assistive Devices Scale (PIADS) (Day & Jutai, 1996; Jutai & Martins, 2007), da Evaluation envers une Aide Technique (ESAT) (Demers, Weiss-Lambrou & Ska, 1996, 2000; Rodrigues & Martins, 2003) e a Escala de Suporte Tangvel de 4-Itens (Martins & Pais Ribeiro, 2008) adaptada da Medical Outcomes Study (MOS) Social Support Survey Scale (Sherbourne & Stewart, 1991), a Escala de Satisfao com o Suporte Social (Pais Ribeiro, 1999), a Escala de Auto-Eficcia para Utilizadores de Cadeira de Rodas (Martins & Pais Ribeiro, 2008) e um questionrio para recolha de dados sociodemogrficos, clnicos e relacionados com a cadeira de rodas. Para verificao das questes norteadoras da nossa investigao foram aplicados designs estatsticos descritivos (medidas de tendncia central e de disperso); inferenciais (bivariados: t Student, para amostras independentes, ANOVA a um factor e r de Pearson; multivariados: regresso linear mltipla, regresso linear mltipla hierrquica [RLMH] e regresso linear mltipla hierrquica com efeito de moderao). O nvel de significncia foi de =0,05 com intervalo de confiana de 95%. Os resultados mostram que a qualidade de vida um constructo constitudo por vrias componentes, em que, tanto as actividades bsicas da vida como as regras sociais esto moderadamente associadas. Os factores psicolgicos, sociodemogrficos e relacionados com as tecnologias de apoio, embora determinantes da qualidade de vida, no modificam o efeito que a participao social exerce sobre a mesma. Embora a participao social seja um factor que prediz em 19% (r2=0,19) a varincia da qualidade de vida, os factores com mais relevncia explicativa so os psicolgicos, nomeadamente, a felicidade subjectiva, a satisfao com suporte social emocional e as atitudes em relao incapacidade, com uma percentagem significativa de 24% (r2=0,24) nessa varincia preditiva. Apesar de mais modesta, a satisfao relativamente cadeira de rodas que usam e os servios associados ainda acrescentam 3% (r2=0,03) na explicao da mesma varincia. Foram excludos deste modelo, factores como anos de escolaridade, ocupao e suporte social tangvel. Podemos concluir que, no seu conjunto, o modelo de RLMH prediz 46% (r2adj.=0,46) da varincia total da qualidade de vida percepcionada pelas pessoas utilizadoras de cadeira de rodas. Retiramos destes resultados implicaes para a interveno, que deve ser partilhada por vrios profissionais da reabilitao que, no conjunto, contribuam para a obteno dos melhores resultados em termos de participao social e de qualidade de vida das pessoas utilizadoras de cadeira de rodas ou de outro tipo de tecnologias de apoio, incluindo estratgias que considerem os factores psicolgicos e as tecnologias de apoio (equipamentos e servios) a par e em simultneo com outras, com enfoque na maximizao da participao social.

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    Abstract

    In the field of health psychology and considering well-being and quality of life constructs as part of the constellation that indissociates human being from technologies, in the present study we propose to explore key quality of life indicators of persons with severe limitations on their mobility, among their life habits (social participation), psychological, clinical and demographics characteristics, as well as, assistive technologies, namely the wheelchair they use to move around. In last years, outcome measures used in rehabilitation and assistive technologies fields have increased focus on social participation. Assuming the International Classification of Functioning, Disability and Health (WHO, 2001) as a theoretical frame of this research, we propose to link its components with quality of life, with a particular interest in finding standards to understand this construct. Objectives: To analyse the relation between wheelchair users life habits (social participation) and quality of life; to analyse the moderation effect of psychological, clinical, demographics and assistive technologies related factors and, to explore their possible contribution on quality of life, to find the best set of predictors. Data were collected by self-administered questionnaires at one moment (transversal) from a convenient sample of 190 persons with disabilities [wheelchair users, living in the community, with diverse health conditions, but without mental or cognitive impairments, between 18-65 years]. Outcome measures: Portuguese versions of Quality of Life Index (QLI) Wheelchair Users Version (Ferrans & Powers, 1985; Martins & Pais Ribeiro, 2008), Assessment of Life Habits (LIFE-H) (Fougeyrollas et al., 1993; Martins & Pais Ribeiro, 2008), LOT-Life Orientation Test (revised) (Scheier & Carver, 1985), Subjective Happiness Scale (Lyubomirsky & Lepper, 1999; Bertoquini e Pais Ribeiro, 2004), Attitudes toward persons with disability (ATDP-0) (Yuker & Block, 1960, 1986; Martins & Pais Ribeiro, 2007), Psychosocial Impact of Assistive Devices Scale (PIADS) (Day & Jutai, 1996; Jutai & Martins, 2007), Evaluation envers une Aide Technique (ESAT) (Demers, Weiss-Lambrou & Ska, 1996, 2000; Rodrigues & Martins, 2003) and 4-itens Tangible Social Support (Martins & Pais Ribeiro, 2008) adapted from MOS Social Support Survey Scale (Sherbourne & Stewart, 1991), Wheelchair-related Self-efficacy Scale (Martins & Pais Ribeiro, 2007), Emotional Social Support Satisfaction (Pais Ribeiro, 1999), and demographics, clinical and assistive technologies related questionnaire. The statistical design included descriptive analyses (measures of central tendency and dispersion); inferential analyses (bivariate: t-test for independent samples, One-Way ANOVA and Pearsons correlation coefficient; multivariate: linear multiple regression, moderated linear multiple regression and hierarchical linear multiple regression). The level of significance was =0,05 and 95% confidence interval. The results of this exploratory study indicate that quality of life is a construct composed by multiple components and is moderately associated with regular activities and social roles. Clinical factors are not correlated. Psychological, demographic and assistive technology related factors are also determinants of quality of life, but do not moderate the effect of social participation on quality of life. Social participation accounted for 19% of the variance in quality of life, the psychological factors (subjective happiness, attitudes towards disability, emotional social support), 24%, and satisfaction with wheelchair and services, 3%. Demographic factors were excluded from the model. The final hierarchical linear multiple regression model predicts 46% of the total variance of the quality of life of active wheelchair users. These findings suggest that social and health professionals and agencies should have knowledge and understanding of the multiple factors that influence wheelchair users quality of life and programs should provide appropriated wheelchairs and skills, physical training, self-management in activities of daily living and social participation, problem-solving strategies, self-confidence in order to enhance quality of life. Besides professional approach, family, friends and community can play an important emotional role, facilitating through inclusion in active life wheelchair users quality of life.

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    Resum

    Encadr dans le domaine de la Psychologie de la Sant, ce travail de recherche a essentiellement pour but ltude des principaux indicateurs de qualit de vie chez des individus qui souffrent de graves limitations au niveau de la mobilit, notamment en ce qui concerne leurs habitudes de vie (voir participation sociale), aussi bien que leurs caractristiques psychologiques, cliniques, sociodmographiques et celles qui dcoulent directement de lutilisation de certaines technologies de soutien (en particulier les fauteuils roulants). On y considre galement le bien-tre et le construit/concept de qualit de vie font partie dune constellation o ltre humain et la technologie sont indissociables (relation humain-technologie). Ces dernires annes, la participation sociale est de plus en plus perue comme tant un indicateur/critre de mesure du rsultat des programmes de rhabilitation, surtout ceux des personnes qui sappuient sur des solutions technologiques pour faire face leur handicap. En prenant la Classification International du Fonctionnement, du Handicap et de la Sant (CIF, WHO, 2001) comme base thorique pour cette recherche, on a pour but dtablir des relations entre ses composants et la qualit de vie pour essayer de trouver des modles qui puissent servir valuer ce dernier construit/concept. Les objectifs de cette tude ont donc t dfinis de faon ce que soit analyse la relation qui existe entre participation sociale et qualit de vie, pour vrifier si elle est dicte par dautres facteurs et, finalement, pour explorer la contribution que chacun de ces derniers apporte la qualit de vie. Pour cette tude (descriptive, exploratoire et de conception transversale) a t utilis un lchantillon de convenance, de 190 sujets. Ceux-ci utilisent tous des fauteuils roulants, ils sont intgrs dans la communaut et ils ont reus diffrents types de diagnostiques. Nanmoins, ils nont aucune maladie ou handicap au niveau mental ou cognitif (critre dexclusion). Instruments: version portugaise de Quality of Life Index (QLI) Version Utilisateurs de Fauteuils Roulants (Ferrans & Powers, 1985; Martins & Pais Ribeiro, 2008), de Assessment of Life Habits (LIFE-H) (Fougeyrollas et al., 1993; Martins & Pais Ribeiro, 2008), de LOT-R Orientation pour la Vie Revue (Scheier & Carver, 1985), de Subjective Happiness Scale (Lyubomirsky & Lepper, 1999; Bertoquini e Pais Ribeiro, 2004), de Attitudes Towards Disabled Persons (ATDP-O) (Yuker & Block, 1960, 1986; Martins & Pais Ribeiro, 2007), de Psychosocial Impact of Assistive Devices Scale (PIADS) (Day & Jutai, 1996; Jutai & Martins, 2007), de Evaluation envers une Aide Technique (ESAT) (Demers, Weiss-Lambrou & Ska, 1996, 2000; Rodrigues & Martins, 2003) et lchelle de Support Tangible de 4-Items (Martins & Pais Ribeiro, 2008), une adaptation de Medical Outcomes Study (MOS) Social Support Survey Scale (Sherbourne & Stewart, 1991), lchelle de Satisfaction envers le Support Social (Pais Ribeiro, 1999), lchelle dAuto-Efficacit pour des Utilisateurs de Fauteuils Roulants (Martins & Pais Ribeiro, 2008) et un questionnaire pour recueillir des donnes sociodmographiques, cliniques et en rapport avec les fauteuils roulants. Pour vrifier les questions centrales de notre recherche, ont t appliqus des plans (designs) statistiques descriptifs (mesures de tendance centrale et de dispersion) et infrentiels ( deux variables : test t de Student, pour des chantillons indpendants, analyse de variance un seul facteur et r de Pearson ; multidimensionnels : rgression linaire multiple, rgression linaire multiple hirarchique [RLMH] et rgression linaire multiple hirarchique avec un effet de modration), le niveau de signifiance considr tant =0,05 (intervalle de confiance de 95%). Les rsultats montrent que la qualit de vie est un construit/concept constitu de plusieurs composants parmi lesquels les activits basiques de la vie quotidienne et les rgles sociales sont associes dune faon modre. Les facteurs psychologiques, sociodmographiques et en rapport avec les technologies de soutien ne modifient pas leffet de la participation sociale sur la qualit de vie, bien quils soient importants pour celle-ci. On suppose que ceci puisse tre d linfluence surprenante que chacun de ces facteurs exerce lui seul sur celle-ci. Bien que la participation sociale prdise 19% (r2=0,19) la variance de la qualit de vie, les facteurs qui ont le plus dimportance explicative sont les psychologiques, notamment le bien-tre subjectif, la satisfaction envers le support social motionnel et les attitudes envers lincapacit, avec une hausse significative de 24 % (r2=0,24) pour la variance prdictive. Bien que plus modeste, le niveau de satisfaction envers les fauteuils roulants utiliss et les services associs contribuent une hausse de 3% ((r2=0,03) pour celle-ci. De ce modle ont t exclus les variables annes de scolarit, occupation et support social tangible. On peut conclure que, globalement, le modle RLMH prdis 46% (r2adj.=0,46) de la variance totale de la qualit de vie qui est perue par ceux qui utilisent des fauteuils roulants. Les rsultats obtenus ont plusieurs implications au niveau de lintervention, notamment ladoption de stratgies qui considrent les facteurs psychologiques et les technologies de soutien (quipements et services) en simultan et au mme titre que ceux dont lobjectif est de maximiser la participation sociale. Lintervention doit tre partage par plusieurs professionnels de la rhabilitation qui, dans leur ensemble, contribuent de meilleurs rsultats en ce qui concerne la participation sociale et la qualit de vie des personnes qui utilisent des fauteuils roulants ou toute autre technologie de soutien.

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    Agradecimentos

    O meu agradecimento incondicional vai para o Professor Doutor Jos Lus Pais Ribeiro,

    por ter aceite orientar este trabalho, pelo seu rigor cientfico e pelo sistemtico

    encorajamento e confiana ao longo de todo o trajecto.

    Os restantes agradecimentos, so para todos que de alguma forma colaboraram

    neste trabalho, em particular,

    os participantes, pela prontido e seriedade com que se disposeram a colaborar;

    sem eles, este estudo nunca teria sido uma realidade;

    os profissionais, alguns fisioterapeutas, colegas e amigos, e responsveis das

    instituies, pela confiana, disponibilidade e colaborao na recolha de dados;

    o meu colega e amigo Joo Paulo Figueiredo, pela preciosa ajuda no tratamento

    estatstico;

    o Jos Marinho e a Manuela Vilar, pela traduo francesa do resumo da tese;

    os meus amigos Paulo Cortez e Joo Lobo, pelo apoio, disponibilidade e pelo

    exemplo de fora e entusiasmo que transmitem;

    o meu pai, a minha me e o meu irmo, pela grandiosidade das suas ajudas e

    incentivos, no s ao longo destes ltimos anos, mas durante toda a minha vida;

    a minha filha, a lmpada de 500 watts que me iluminou dia e noite, pelo

    companheirismo e compreenso. Dedico-lhe este trabalho.

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    Lista de abreviaturas e siglas

    ADA American with Disability Act

    APA American Psychological Association

    DCP Disability Creation Process

    ICC Correlao Intraclasse

    ICD-10 International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems

    ICF International Classification of Functioning, Disability and Health (em portugus,

    Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade)

    ICIDH International Classification of Impairment, Disabilities and Handicaps

    ESAT Avaliao da Satisfao em Relao a uma Ajuda Tcnica

    i.e. id est (latim); isto (portugus)

    IM Institute of Medicine

    INR Instituto Nacional para a Reabilitao (ex- SNRIPD)

    INIDD Inqurito Nacional s Incapacidades, Deficincias e Desvantagens

    LIFE-H Avaliao dos Hbitos de Vida

    LVM Leso Vertebro-Medular

    MTSS Ministrio do Trabalho e da Solidariedade Social

    NIDRR National Institute on Disability and Rehabilitation Research

    NUTS Nomeclaturas de Unidades Territoriais - para fins Estatsticos

    OMS Organizao Mundial de Sade

    PC Paralisia Cerebral

    P-PIADS Escala do Impacto Psicossocial das Tecnologias de Apoio

    QLI ndice de Qualidade de Vida

    QVRS Qualidade de Vida Relacionada com a Sade

    SNRIPD Secretariado Nacional para a Reabilitao e Integrao das Pessoas com Deficincia

    TA Tecnologias de Apoio

    WHO World Health Organization

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    ndice Geral

    Resumo ................................. Abstract ................................ Resum ................................. Agradecimentos ................................. Lista de abreviaturas ......................... ndice geral ........................... ndice de figuras ................................. ndice de quadros .............................. ndice de anexos ................................

    iii v vii ix xi xiii xvi xvii xxi

    Introduo ............................

    1

    Parte I ENQUADRAMENTO TERICO ...........................

    9

    Captulo I Constructos tericos relevantes na abordagem do tema que nos propomos estudar ................................... Sade, funcionalidade e qualidade de vida ......................

    Sade - um conceito reinventado para o sculo XXI ............ Promoo da Sade e Incapacidade .......................... A Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade .. A Qualidade de Vida como varivel de resultado ..................... Factores pessoais (positivos) e qualidade de vida ...................

    Felicidade Subjectiva ................................ Auto-eficcia Atitudes em relao incapacidade ... Optimismo Suporte social emocional ..

    Participao Social: uma medida de resultados emergente Tecnologias de Apoio e Qualidade de Vida Tecnologias de Apoio: constrangimentos no processo e nos resultados ..

    11 13 13 17 20 25 30 31 32 37 37 40 41 45 48

    Captulo II Do tema formulao do problema e os objectivos da investigao Sntese e justificao do tema .. Questes da Investigao e objectivos do estudo .

    59 61 67

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    Parte II ESTUDO PRTICO .

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    Captulo III Mtodo .. .......................... Participantes ............................. Variveis em Estudo ........................... Material .

    ndice de Qualidade de Vida (verso portuguesa da QLI) Avaliao dos Hbitos de Vida (verso portuguesa da LIFE-H) .. Escala de Felicidade Subjectiva (verso portuguesa da AHS) . Orientao para a Vida - Revista (verso portuguesa da LOT-R) .. Escala de Auto-eficcia do Utilizador de Cadeira de Rodas Atitudes em Relao s Pessoas com Incapacidade (verso portuguesa da ATDP-O) Escala do Impacto Psicossocial das Tecnologias de Apoio (verso portuguesa do PIADS) . Avaliao da Satisfao em Relao a uma Ajuda Tcnica (verso portuguesa do ESAT) ... Escala de Satisfao com o Suporte Social (ESSS) . Escala de Suporte Social Tangvel ... Questionrio sociodemogrfico, sobre a condio de sade, a cadeira de rodas e os servios .

    Procedimentos Anlise estatstica ...

    73 76 82 83 84 89 95 96 97

    101

    105

    108 111 112

    115 116 118

    Captulo IV Resultados ..... Anlise Descritiva das Variveis em Estudo . Anlise Correlacional das Variveis em Estudo ...

    Anlise correlacional dos Hbitos de Vida e da Qualidade de Vida ... Anlise correlacional das Variveis Psicolgicas e da Qualidade de Vida ... Anlise correlacional das Variveis relacionadas com a Cadeira de Rodas e Servios e da Qualidade de Vida Anlise das diferenas da Qualidade de Vida em funo das Variveis relacionadas com a Cadeira de Rodas e Servios ... Anlise correlacional da Varivel Tempo de Evoluo da Condio de Sade e da Qualidade de Vida Anlise das diferenas da Qualidade de Vida em funo da Varivel Diagnstico Anlise correlacional das Variveis Sociodemogrficas e da Qualidade de Vida ... Anlise das diferenas da Qualidade de Vida em funo de Variveis Sociodemogrficas ..

    121 123 129 130 132

    134

    136

    137 138 139

    140

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    Anlise dos Preditores da Qualidade de Vida ..

    Anlise dos Hbitos de Vida e Variveis Psicolgicas como Preditores da Qualidade de Vida Anlise dos Hbitos de Vida e Variveis Relacionadas com a Cadeira de Rodas e Servios como Preditores da Qualidade de Vida .. Anlise dos Hbitos de Vida e Variveis Clnicas como Preditores da Qualidade de Vida Anlise dos Hbitos de Vida e Variveis Sociodemogrficas como Preditores da Qualidade de Vida .. Anlise do Efeito de Moderao das Variveis Psicolgicas na Relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida . Anlise do Efeito de Moderao das Variveis Relacionadas com a Cadeira de Rodas e Servios na Relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida . Anlise do Efeito de Moderao das Variveis Sociodemogrficas na Relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida ...

    Anlise dos Preditores que explicam a variao da Qualidade de Vida: o modelo escolhido ..

    145

    148 149

    151

    152

    155

    160

    163

    168

    Captulo V Discusso dos resultados e concluses

    173

    Referncias

    205

    Anexos

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    ndice de figuras

    Figura 1 Interaces dos componentes da ICF ..

    25

    Figura 2 Interaces das variveis em estudo e ligao com os componentes da ICF ..

    64 Figura 3 Resumo das diferenas das mdias da Qualidade de Vida relativamente situao sociofamiliar, modelo da cadeira de rodas e ocupao e das variveis no relacionadas

    144 Figura 4 Interaces dos factores associados e preditivos da qualidade de vida

    202

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    ndice de quadros

    Quadro 1 Caracterizao da Amostra quanto a Idade, Educao Formal, Tempo de Evoluo de Diagnstico e Tempo de Utilizao de Cadeira de Rodas .

    76 Quadro 2 Caracterizao da Amostra quanto a Sexo, rea de Residncia, Educao Formal (Anos de Escolaridade), Estado Civil, Situao Scio-Familiar e Ocupao Actual ..

    77 Quadro 3 Caracterizao da Amostra quanto a Diagnstico, Tipo de Cadeira de Rodas que usa, Participao na Escolha, Treino Orientado por Profissionais ..

    79 Quadro 4 Consistncia Interna do ndice de Qualidade de Vida

    87 Quadro 5 Correlaes do ndice de Qualidade de Vida e suas sub-escalas ..

    87 Quadro 6 Consistncia Interna da Avaliao dos Hbitos de Vida (verso portuguesa da LIFE-H 3.1 General Short Form)

    93 Quadro 7 Consistncia Interna da Escala de Auto-eficcia do Utilizador de Cadeira de Rodas .

    100 Quadro 8 Caracterizao da amostra (Idade e sexo)

    106 Quadro 9 Dados descritivos, consistncia interna e estabilidade teste-reteste do P-PIADS ...

    107 Quadro 10 Consistncia Interna da verso portuguesa do P-PIADS neste estudo ..

    108 Quadro 11 Consistncia Interna da verso portuguesa do ESAT utilizada neste estudo

    110 Quadro 12 Consistncia Interna da Escala de Satisfao Com o Suporte Social neste estudo ..

    111 Quadro 13 Mdia, Desvio Padro e Coeficiente (r) de correlao dos itens com a escala, corrigida para sobreposio da Escala de Suporte Social Tangvel ..

    113

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    Quadro 14 Dados descritivos da Qualidade de Vida ..

    124

    Quadro 15 Dados descritivos da Avaliao dos Hbitos de Vida .

    126 Quadro 16 Dados descritivos das Variveis Psicolgicas .

    127 Quadro 17 Dados descritivos das Variveis relacionadas com a Cadeira de Rodas e Servios e com o Suporte Social Tangvel ...

    128 Quadro 18 Correlaes das Variveis Hbitos de Vida e Qualidade de Vida .

    130 Quadro 19 Correlaes das Variveis Psicolgicas e Qualidade de Vida ...

    132 Quadro 20 Correlaes das Variveis Relacionadas com a Cadeira de Rodas e Servios e Qualidade de Vida .....

    134 Quadro 21 Diferenas das mdias do QLI em funo das Variveis relacionadas com a Cadeira de Rodas e Servios .

    136 Quadro 22 Correlaes das Variveis Tempo de Evoluo da Condio de Sade e Qualidade de Vida ..

    137 Quadro 23 Diferenas das mdias do QLI em funo do Diagnstico

    138 Quadro 24 Correlaes das Variveis Qualidade de Vida e Idade, Educao Formal e Suporte Social Tangvel ..

    139 Quadro 25 Diferenas das mdias do QLI em funo das variveis Sexo e Situao sociofamiliar ..

    140 Quadro 26 Diferenas das mdias do QLI em funo da rea de Residncia ..

    141

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    Quadro 27 Diferenas das mdias do QLI em funo do Estado Civil

    141 Quadro 28 Diferenas das mdias do QLI em funo da Ocupao Actual ..

    142 Quadro 29 Resumo das Correlaes entre as Variveis Secundrias e a Qualidade de Vida .

    143 Quadro 30 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla para Variveis que Predizem a Qualidade de Vida (Hbitos de Vida e Grupo 1) .

    148 Quadro 31 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla para Variveis que Predizem a Qualidade de Vida (Hbitos de Vida e Grupo 2a) ...

    149 Quadro 32 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla para Variveis que Predizem a Qualidade de Vida (Hbitos de Vida e Grupo 2b) ...

    150 Quadro 33 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla para Variveis que Predizem a Qualidade de Vida (Hbitos de Vida e Grupo 3) .

    151 Quadro 34 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla para Variveis que Predizem a Qualidade de Vida (Hbitos de Vida e Grupo 4a) ...

    152 Quadro 35 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla para Variveis que Predizem a Qualidade de Vida (Hbitos de Vida e Grupo 4b) ...

    153 Quadro 36 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla para Variveis que Predizem a Qualidade de Vida (Hbitos de Vida e Grupo 4c) ...

    154 Quadro 37 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla com Efeito de Moderao da Felicidade Subjectiva na relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida ....

    155 Quadro 38 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla com Efeito de Moderao da Auto-Eficcia na relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida .......

    156

  • Indicadores da Qualidade de Vida nas pessoas utilizadoras de cadeiras de rodas: uma anlise exploratria dos hbitos de vida, caractersticas psicolgicas, clnicas, sociodemogrficas e relacionadas com tecnologias de apoio

    xx

    Quadro 39 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla com Efeito de Moderao da Atitude em Relao Incapacidade na relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida ...

    157

    Quadro 40 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla com Efeito de Moderao da Satisfao com o Suporte Social na relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida .

    158

    Quadro 41 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla com Efeito de Moderao do Optimismo na relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida

    159

    Quadro 42 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla com Efeito de Moderao da Satisfao com a Cadeira de Rodas e Servios na relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida

    160

    Quadro 43 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla com Efeito de Moderao do Impacto Psicossocial da Cadeira de Rodas na relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida ...

    161

    Quadro 44 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla com Efeito de Moderao do Modelo de Cadeira de Rodas na relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida ...

    162

    Quadro 45 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla com Efeito de Moderao do Suporte Social Tangvel na relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida ...

    163

    Quadro 46 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla com Efeito de Moderao da Idade na relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida .

    164

    Quadro 47 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla com Efeito de Moderao da Educao Formal na relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida

    165

    Quadro 48 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla com Efeito de Moderao da Ocupao Actual na relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida .

    166

    Quadro 49 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla com Efeito de Moderao da Situao Sociofamiliar na relao entre os Hbitos de Vida e a Qualidade de Vida ...

    167

    Quadro 50 Resumo da Anlise de Regresso Linear Mltipla Hierrquica do Modelo final escolhido dos Preditores da Qualidade de Vida .......................................................

    169

  • Indicadores da Qualidade de Vida nas pessoas utilizadoras de cadeiras de rodas: uma anlise exploratria dos hbitos de vida, caractersticas psicolgicas, clnicas, sociodemogrficas e relacionadas com tecnologias de apoio

    xxi

    ndice de anexos

    Anexo I Apresentao do estudo e Declarao de Consentimento Informado

    Anexo II Protocolo do Estudo

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    INTRODUO

    3

    Para muitas pessoas com incapacidade a inovao mais importante do sculo XX foi a

    cadeira de rodas moderna. A cadeira de banho e a cadeira de invlido que dominaram

    o final do sculo XIX eram pesadas, inestticas e desenhadas para serem empurradas

    por outrem em vez de controladas pelo prprio ocupante (Woods & Watson, 2005a;

    Woods & Watson, 2005b). A ideia de que um utilizador de cadeira de rodas pudesse ser

    activo no se colocava.

    Foi a revoluo tecnolgica dos finais do sculo passado que introduziu no

    mercado equipamentos cada vez mais poderosos do ponto de vista funcional.

    Actualmente, os equipamentos existentes apresentam caractersticas que tm em conta

    as particularidades de cada utilizador. Assim, a nfase no design e nas estratgias de

    marketing das cadeiras de rodas, sofisticadas e dispendiosas, disponveis nos nossos

    dias, visa proporcionar a independncia do seu utilizador e no de uma populao.

    Scherer (2002) expe de forma exemplar as razes dessa viragem. Conclui que

    no pelo facto de existirem milhares de tecnologias de apoio classificadas e de se

    estimar existir mais de 6,4 milhes de utilizadores de tecnologia de apoio para a

    mobilidade, que esta temtica pertinente; apesar do nmero elevado de opes de

    tecnologia de apoio, muitas no so usadas, sendo abandonadas ou, quando usadas,

    no o so da forma mais efectiva e com eficcia para o utilizador, alertando para que se

    preste mais ateno pessoa como nica utilizadora de uma particular cadeira de rodas.

  • Indicadores da Qualidade de Vida nas pessoas utilizadoras de cadeiras de rodas: uma anlise exploratria dos hbitos de vida, caractersticas psicolgicas, clnicas, sociodemogrficas e relacionadas com tecnologias de apoio

    INTRODUO

    4

    Paralelamente, esta mudana acompanha-se de outra; o movimento associado

    incluso social das pessoas com incapacidade, um indicador de independncia e de

    participao activa na sociedade (Woods & Watson, 2005c), d um significado diferente

    incapacidade e vida das pessoas com limitaes e restries na mobilidade e em

    outras reas fundamentais, em funo das suas necessidades e expectativas.

    Para alm do envelhecimento, as doenas degenerativas, as doenas

    neuromusculares ou do sistema nervoso, como distrofias, miopatias, esclerose mltipla,

    paralisia cerebral ou leses cerebrais, como traumatismos craneo-enceflicos ou

    acidentes vasculares ou leses vertebro-medulares representam um problema grave de

    sade pblica nas sociedades industrializadas, ao qual o nosso pas j no fica alheio.

    Recorrente destes problemas, surgem incapacidades graves com elevados custos aos

    nveis individual, familiar, clnico e de reabilitao (Burleigh, Farber & Gillard, 1998;

    Sherer, Madison & Hannay, 2000).

    Parece consensual que o objectivo ltimo da reabilitao e dos programas de

    reintegrao social a participao social (Fougeyrollas et al., 1998). Depreendemos,

    ento, que avaliar a participao social de uma pessoa que utiliza uma cadeira de rodas de

    apoio seja importante pelo seu potencial valor como medida de resultado.

    Para alm deste motivo, Levasseur, Desrosiers e St-Cyr Tribble (2008) e Whiteneck

    (2006) acrescentam outro, que tambm assumimos neste trabalho - o interesse do estudo

    da relao da participao social com a satisfao, o bem-estar e a qualidade de vida.

    O bem-estar e os constructos relacionados com a qualidade de vida e a

    funcionalidade, incluindo a vertente psicolgica, so parte de uma constelao que faz da

    relao do ser humano com a tecnologia, uma experincia inseparvel. De um modo

    geral, a tecnologia em sade refere-se s aplicaes da cincia e da tecnologia no

    diagnstico, na teraputica e na reabilitao.

    Apesar de no se colocarem dvidas sobre o impacto positivo destas tecnologias,

    nomeadamente das tecnologias de apoio para a mobilidade, na qualidade de vida e no

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    INTRODUO

    5

    bem-estar do ser humano, a verdade que no deixa de ser importante analisar

    criticamente essa assuno.

    Pelo que conseguimos apurar, em Portugal, no existem modelos nem se utilizam

    instrumentos vlidos que avaliem os resultados alcanados pelos utilizadores de cadeiras

    de rodas, nem to pouco se tem estudado a relao entre factores contextuais (pessoais

    e/ou ambientais), participao social e qualidade de vida dos utilizadores de tecnologias

    de apoio prescritas e financiadas pelo Estado.

    Fayers e Machin (2007) afirmam que o estudo da qualidade de vida tem sido

    alimentado por sistemticos julgamentos sobre os seus diferentes estados e

    dimenses, comparando-os entre eles, estabelecendo rankings em termos do seu

    valor ou em termos das preferncias, incorporando o peso ou a importncia que cada

    pessoa atribui a uma dimenso especfica.

    Na tentativa de responder utilmente a muitas interrogaes que se tm colocado

    sobre o significado da qualidade de vida dos utilizadores de cadeiras de rodas e que

    constructos devem ser medidos, assumimos a viso pragmtica de que todos os

    conceitos e constructos reflectem aspectos importantes, merecendo ser investigados e

    quantificados. Contudo, no podemos negar que a nossa opo, exposta neste trabalho

    desenvolvido no mbito do Programa de Doutoramento em Psicologia, Ramo da

    Psicologia da Sade, deriva da nossa experincia clnica ao longo de treze anos como

    fisioterapeuta, pautada pela sistemtica vontade e viso crtica de que as abordagens

    interdisciplinares trazem inmeras vantagens em qualquer contexto, no s para o

    utilizador de tecnologias de apoio, mas tambm para a organizao dos servios que as

    providenciam e financiam, e para o aumento do conhecimento sobre um fenmeno que

    atravessa vrias reas de saber.

    Para alm da relevncia que esta matria parece apresentar face aos desafios do

    sculo XXI, outras razes ligadas ao nosso trajecto pessoal podero justificar esta nossa

    escolha; o facto de conhecermos o meio em que estes actores (sobre)vivem, por termos

    trabalhado durante mais de uma dcada num servio de reabilitao, o Servio de

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    INTRODUO

    6

    Medicina Fsica e de Reabilitao dos Hospitais da Universidade de Coimbra, com

    adultos com incapacidades, a maioria adquirida em idade jovem, um deles.

    Essa experincia deu-nos a oportunidade de acompanhar pessoas com diversas

    condies mdicas, essencialmente condies neurolgicas, desde a fase aguda

    (hospitalizao), passando por perodos longos de ajustamento nova condio e

    mudanas nas trajectrias de vida associadas organizao familiar, escolar/educao,

    trabalho, percurso que nem sempre terminava com o regresso ao seu ambiente natural

    de casa ou comunidade. Quando assim era, na maior parte das vezes, este tinha sido

    completamente reconfigurado. Est assim tambm justificado um dos motivos porque

    escolhemos uma populao em idade activa.

    O facto de trabalharmos num servio que tambm era um centro prescritor e

    financiador de tecnologias de apoio e de lhe apontarmos um conjunto vasto de

    caractersticas que impediam que as decises quanto seleco, o treino e a avaliao

    de resultados fossem considerados e interpretados como elementos chave em todo

    processo de reabilitao, no s pelos profissionais mas tambm pelos utentes e

    familiares, assim como a falta de conhecimentos e de articulao entre os profissionais

    de vrias reas e, inclusivamente, entre outros servios, tornou-nos mais atentos no

    julgamento da realidade.

    Embora as tecnologias sejam sistematicamente mencionadas como meios

    facilitadores da participao social, e vrios estudos tenham demonstrado essa

    evidncia, a verdade que muitos utilizadores continuavam a no conseguir faz-lo,

    nomeadamente, manter ou obter um emprego, voltar escola ou universidade, ou

    mesmo participar em actividades de recreao e lazer, mesmo depois de terem passado

    meses a frequentar programas de exerccios para treino de fora e potncia musculares,

    treinar o uso de uma cadeira de rodas, quase sempre escolhida em funo de decises

    clnicas, por sua vez, centradas em avaliaes pouco criteriosas e precoces da

    capacidade funcional ou, outras vezes, em funo de prognsticos clnicos ou da idade

    do utilizador, penalizando quase sempre os mais dependentes e os mais velhos.

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    INTRODUO

    7

    Parte das razes que motivaram este estudo foram apresentadas. Consideramos

    fundamental neste momento referir que a nossa convico pessoal de que a Psicologia,

    concretamente a Psicologia da Sade, cada vez menos alheia a esta temtica, pode

    complementar a viso de outras reas do conhecimento, como o caso da reabilitao.

    Assume-se, ento, que partir descoberta de factores pessoais, nomeadamente de

    variveis psicolgicas e aspectos sociodemogrficos nos poder ajudar a explicar ou, pelo

    menos, a compreender o processo de adaptao ou integrao social e a relao desse

    perfil de participao com a qualidade de vida.

    Na tentativa de interromper um cenrio, de certo modo enraizado, na investigao

    tradicional na Psicologia da Sade e, particularmente, na Reabilitao, decidimos dar

    enfoque aos factores psicolgicos positivos em vez de continuar a considerar aspectos

    como a ansiedade, a depresso ou a gravidade da condio de sade ou deficincias.

    Enquadramos, assim, este estudo na rea da Psicologia da Sade, concretamente na

    Psicologia Positiva.

    No havendo dvida que o nmero dos potenciais clientes dos centros

    financiadores, i.e. pessoas com incapacidade devido a acidentes de trabalho, de viao e

    a doenas crnicas, como as consideradas neste estudo, em idade jovem ou activa, est

    a crescer e que, simultaneamente, os recursos financeiros, no s ao nvel da sade mas

    tambm da segurana social, a que no ficam alheios os centros financiadores de

    tecnologias de apoio em Portugal, so cada vez mais limitados, h a necessidade de

    estabelecer prioridades relativamente aos recursos pblicos. Contudo, para que essas

    prioridades se definam devero conhecer-se os resultados fornecidos pela evidncia

    relativamente aos benefcios dos equipamentos, mas acima de tudo, identificar os

    factores que podero ser determinantes da participao social e da qualidade de vida do

    utilizador.

    Est, assim, apresentada a ltima razo que, exposta desta forma sucinta,

    pretende alertar para o interesse e a utilidade de que este estudo se pode revestir.

    Admitindo-se poder ser inovador em Portugal, propomo-nos, assim, a dar um contributo

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    INTRODUO

    8

    sobre esta temtica, explorando no mesmo estudo um conjunto de factores que inclui os

    hbitos de vida (participao social) e quatro grupos de factores (psicolgicos, relacionados

    com a cadeira de rodas, clnicos e sociodemograficos) quanto s suas propriedades

    relacionais e preditivas da qualidade de vida no que respeita aos resultados alcanados

    pelos utilizadores de cadeiras de rodas.

    Aps esta sntese das razes/motivaes que estiveram na origem da ideia e

    concretizao deste trabalho passamos, de forma resumida, a apresentar a estrutura desta

    dissertao.

    Na primeira parte, que dividimos em dois captulos, apresentamos os constructos

    tericos relevantes na abordagem do tema que nos propomos estudar (Captulo I); no

    Captulo II, fazemos uma sntese do tema, formulamos o problema e definimos os

    objectivos desta investigao.

    Na segunda parte, inclumos os Captulo III, referente aos aspectos

    metodolgicos, onde se inclui a caracterizao dos participantes, a identificao das

    variveis, os instrumentos utilizados, os procedimentos e as anlises estatsticas

    efectuadas; o Captulo IV, onde se apresentam os resultados; e o Captulo V, relativo

    discusso dos mesmos, suas limitaes, implicaes do estudo e concluses.

  • Indicadores da Qualidade de Vida nas pessoas utilizadoras de cadeiras de rodas: uma anlise exploratria dos hbitos de vida, caractersticas psicolgicas, clnicas, sociodemogrficas e relacionadas com tecnologias de apoio

    CAPTULO I

    13

    Sade, funcionalidade e qualidade de vida

    Segundo a Eurostat, estima-se que em 2050 existiro em todo o mundo 2 bilies de pessoas

    com mais de 60 anos de idade (European Statistical Data Support, 2001), o que significa que

    no devemos dar apenas ateno ao aumento da esperana de vida relacionada com o

    envelhecimento; devemos pensar tambm no aumento da longevidade, nomeadamente das

    pessoas com condies crnicas, como o caso das distrofias e miopatias, da paralisia

    cerebral, das leses vertebro-medulares, das doenas degenerativas, entre outras.

    O aumento da esperana mdia de vida, a crescente preocupao relativa ao

    bem-estar e as mudanas de viso da sociedade sobre a sade e a doena impem que

    olhemos para alm dos aspectos negativos do envelhecimento e das condies crnicas;

    exige-nos uma abordagem holstica nas dimenses biopsicossociais, dando nfase a

    elementos positivos, como sade, bem-estar, qualidade de vida, e funcionalidade (Levasseur,

    Desrosiers & St-Cyr Tribble, 2008; Olshanksy, Rudberg & Carnes, 1991; Richardson,

    1991; Whiteneck, 2006; World Health Organization [WHO], 1998).

    Sade - um conceito reinventado para o sculo XXI

    A sade um bem inquestionvel, constituindo a base do desenvolvimento pessoal,

    social e produtivo. Mas nem sempre foi assim; por vezes encarada numa perspectiva

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    CAPTULO I

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    reducionista, como mera ausncia de doena, a sade, enquanto conceito, ganhou uma

    dimenso mais global e holstica, ao ser definida, pela Organizao Mundial de Sade

    (OMS)1, em 1948, como um estado de completo bem-estar fsico, psquico e social.

    A definio de sade deixou para trs a viso biomdica, associada morbilidade

    e mortalidade, chamando a ateno para novos elementos associados ao bem-estar

    humano em geral (Larson, 1991).

    Segundo Chatterji et al. (2002), esta definio considera trs domnios de bem-

    estar que se aspiram atingir. Todavia, contestada tambm de alguma forma por nos

    propor uma perspectiva de sade ineficiente como base para a prtica clnica, por no

    desenvolver indicadores operacionais de sade.

    Para a WHO (1997, 2001, 2002a, 2002b), a definio de sade deve ser

    consistente e consensual, resultando da sua operacionalizao e consequente medio;

    no pode basear-se apenas em compreenses intuitivas e de senso comum, sendo que

    fundamental que o conceito de sade obedea a um entendimento comum em todo o

    mundo.

    No final da dcada de 70, formalizado atravs da Declarao de Alma-Ata, o

    Programa de Sade para Todos no Ano 2000 adopta uma perspectiva global de sade,

    integrando a promoo e proteco da sade e a preveno, tratamento e reabilitao de

    doenas como um todo, sobrepondo-se s abordagens anteriores que se centravam

    essencialmente no tratamento e, esporadicamente, atendiam preveno das doenas

    (Pais Ribeiro, 1994, 2006).

    Em 1986, a promoo da sade foi definida na Carta de Ottawa pela OMS (cit.

    por McColl & Bickenbach, 1998), como o processo que visa aumentar a capacidade dos

    indivduos e das comunidades para controlarem a sua sade, no sentido de a melhorar.

    Para atingir um estado de completo bem-estar fsico, mental e social, o indivduo ou o

    grupo deve estar apto a identificar e realizar as suas aspiraes, a satisfazer as suas

    1 Ao longo deste trabalho, utilizaremos as siglas OMS (Organizao Mundial de Sade) ou WHO (World Health Organization), consoante a fonte que estamos a citar.

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    CAPTULO I

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    necessidades e a modificar ou adaptar-se ao meio. As condies fundamentais e os pr-

    requisitos para a sade identificados nesta carta so paz, abrigo, educao, alimentao,

    recursos econmicos, ecossistema estvel, recursos sustentveis, justia social e

    equidade.

    A promoo da sade desenvolveu-se como resposta a uma forma de vida

    artificial num ambiente alterado pelo homem, ambiente esse que se revelou prejudicial

    para a vida humana e para a sade (Abelin, 1991). Segundo este autor, deve ser vista

    como um termo moderno para abranger conjuntamente a rea de preveno da doena e

    a rea de reduo dos factores de risco para as doenas crnicas relacionados com o

    estilo de vida.

    O conceito de promoo da sade e o de preveno primria da doena so

    geralmente reagrupados debaixo do mesmo espectro para definir actividades

    desenvolvidas pelos servios de sade que no se encaixem nem na perspectiva de

    tratamento ou cura, nem na perspectiva de reabilitao. No entanto, apesar de estarem

    interligados, esses termos descrevem perspectivas e aces diferentes. Isto , servios

    de sade preventivos tm como objectivo minimizar resultados negativos, tratando-se

    assim de um comportamento de preveno especfica de uma doena ou de um

    problema de sade. Contrariamente, os servios de promoo da sade incentivam o

    desenvolvimento positivo da sade, sem focar um problema de sade em particular, mas

    sim comportamentos de estilo de vida que aumentam o potencial para a sade (Allen-

    Wright, 1999).

    O reconhecimento deste novo constructo de sade, que tambm comeou a ter

    um lugar de destaque na rea da Psicologia (Pais Ribeiro, 1989), exigiu novas

    abordagens e instrumentos que o avaliassem (Pais Ribeiro, 2005).

    Desde h sensivelmente quatro dcadas, a tendncia tem sido descrever o

    estado de sade de uma pessoa em termos de mltiplos domnios, o que exigiu o

    desenvolvimento de instrumentos auto-administrados que pesquisassem informao

    em cada um desses domnios. O Sickness Impact Profile, de Carter, Bobbitt, Bergner,

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    CAPTULO I

    16

    Gilson & Morris (1976), o Nottingham Health Profile, de Hunt, McKenna, McEwen,

    Williams e Papp (1981), ou o MOS SF-36, de Ware e Sherbourne (1992), so apenas

    alguns exemplos de instrumentos que surgiram nessa altura.

    Em suma, podemos afirmar que a promoo da sade visa a sade em geral e

    as actividades que a promovem, sendo fundamental salientar o papel dos indivduos,

    grupos e organizaes enquanto agentes da definio e implementao de prticas de

    sade e de polticas que conduzam simultaneamente, ao bem-estar individual e

    colectivo, enquanto a preveno das doenas salienta o papel das organizaes

    mdicas tradicionais (McIntyre, 1994).

    Petersen e Lupton (1996) reforam a importncia da responsabilizao das

    pessoas na descoberta de solues para os seus problemas, de formas de interagir com

    os outros:

    [n]as sociedades ocidentais contemporneas, o estado de sade e a vulnerabilidade do corpo so temas centrais existncia, [] os indivduos devero assumir a responsabilidade de cuidar dos seus corpos e limitar o seu potencial de causar danos a outros, atravs de vrias aces preventivas. Espera-se, cada vez mais, que integrem como fazendo parte das suas responsabilidades de cidadania a gesto da sua relao com os riscos ambientais que existem em todo o lado e em tudo. [] A nova sade pblica um domnio do saber e uma arena de prticas [construdas e reproduzidas] um novo sistema moral nas sociedades ocidentais, cada vez mais secularizadas, um meio de estabelecer um conjunto de pressuposies morais face aos opostos - saudvel/doente, eu/outro, controlado/descontrolado, masculino/feminino, natureza/cultura, civilizado/grotesco, limpo/sujo, interno/externo e racional/emocional (p: ix).

    Conclui-se, ento, que a promoo da sade se baseia na aceitao de que os

    comportamentos em que nos envolvemos e as circunstncias em que vivemos tm um

    impacto sobre a nossa sade e de que alteraes adequadas podem melhorar a sade.

    Dever, desta forma, envolver a populao como um todo, no contexto da sua vida diria,

    e no as pessoas em risco de doenas especficas visa tornar as pessoas aptas para

    assumirem o controlo sobre a, e a responsabilidade pela, sua sade, enquanto

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    CAPTULO I

    17

    componente importante da vida diria e deve ser vista, simultaneamente, como aco

    espontnea e organizada, visando a sade.

    No final da dcada de 90, na Declarao de Jakarta (WHO, 1997), reforado

    que a promoo da sade consiste num elemento essencial no desenvolvimento

    sanitrio, contribuindo para a reduo considervel das desigualdades em matria de

    sade, para a promoo dos direitos fundamentais do ser humano, para o

    desenvolvimento social e ainda para a igualdade de oportunidades e de recursos que

    permitem s pessoas alcanar o seu mais alto nvel de sade.

    Segundo Webb (1997), a promoo da sade abrange todas as actividades que

    procuram melhorar o estado de sade das pessoas e comunidades, inclui a educao

    para a sade e todos os esforos que visam as mudanas ambientais e legislativas

    conducentes com uma boa sade.

    Para Kirsten (1998), os valores humanstico e social da promoo da sade

    constituem por si s o grande argumento a favor do reforo e avano no campo.

    Promoo da Sade e Incapacidade

    Enquanto que, h algumas dcadas atrs, as pessoas com doenas ou incapacidade

    graves, como o caso das doenas degenerativas, miopatias, distrofias, leso vertebro-

    medular, entre outras, morriam precocemente devido a complicaes clnicas, hoje em

    dia, os avanos mdicos e tecnolgicos fizeram com que a sua esperana de vida se

    tornasse semelhante da populao saudvel. Por outro lado, h cada vez mais pessoas

    que apresentam incapacidades graves, associadas a diversas condies de sade

    crnicas. Desta forma, o objectivo da interveno mudou de aumento dos anos de vida

    para aumento da independncia e da qualidade de vida (Hicks et al., 2003; Smith, 2000).

    Contudo, na perspectiva de Rimmer (1999), os termos bem-estar e

    promoo da sade no so frequentemente associados s pessoas com

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    CAPTULO I

    18

    incapacidade. Murphy-Southwick e Seekins (2000) corroboram essa opinio,

    acrescentando que a participao das pessoas com incapacidade nos programas de

    promoo da sade e bem-estar poder promover uma melhoria da sua qualidade de

    vida, uma reduo de custos de cuidados mdicos e uma diminuio da taxa de

    mortalidade, tal como acontece com a populao em geral.

    Enquanto a definio de sade se restringiu a ausncia de doena, as pessoas

    com incapacidade no representavam bons candidatos para programas de promoo da

    sade (Rimmer, 1999). No entanto, se a sade for vista como um recurso para a vida ou

    um conceito positivo que enfatiza os recursos sociais e pessoais assim como as

    capacidades fsicas (Buetow & Kerse, 2001), mais fcil entender que tambm pessoas

    com incapacidade podem melhorar ou piorar o seu estado de sade.

    Marge, j em 1994 sugeria que um programa de promoo da sade deve fazer

    parte integrante do processo de reabilitao, comeando na fase inicial de tratamento e

    continuando por toda a vida, cujo principal objectivo seria o de prevenir o aparecimento

    de condies secundrias, condies estas que, segundo Traci, Geurts, Seekins, Burke

    & Humphries (2001), dizem respeito aos problemas adicionais adquiridos por uma

    pessoa com incapacidade, reduzindo a sua independncia e limitando significativamente

    a sua participao, requerendo cuidados de sade prolongados e dispendiosos.

    Realizar trabalho preventivo pode ter significados diferentes dependendo da

    populao em que se aplica. Em indivduos saudveis, a preveno procura evitar ou

    atrasar o aparecimento de uma doena ou deficincia. Em indivduos com incapacidade,

    a preveno visa evitar o aparecimento de condies secundrias e outras condies

    associadas a estilos de vida (tabagismo, sedentarismo, m-nutrio) (Rimmer &

    Braddock, 2005).

    Segundo o Healthy People 2010 (2000), a promoo da sade em pessoas com

    incapacidade traduz-se nos esforos desenvolvidos para criar estilos de vida e ambientes

    saudveis, de modo a prevenir condies secundrias e outras condies de sade

    susceptveis de surgir ao longo da vida. Esses esforos incluem ensinar o indivduo a

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    perceber e monitorizar a sua prpria sade assim como promover oportunidades de

    participar em actividades da vida diria.

    Para alm da sua eficincia na populao em geral, a promoo da sade em pessoas

    com incapacidade tem um potencial ainda maior, j que a independncia e a qualidade de vida

    dessas pessoas depende da capacidade para manter a sua sade (Smith, 2000).

    A promoo da sade no contexto das pessoas com incapacidade , por isso,

    mais complexa (Hughes, 2006), porque envolve a promoo de estilos de vida e

    ambientes saudveis, preveno de complicaes mdicas, preparao dos indivduos

    para perceberem e monitorizarem a sua sade e promoo da participao em

    actividades comunitrias (Healthy People with Disabilities 2010, 2000).

    Embora as estratgias de interveno especificamente orientadas para a

    preveno de condies secundrias nas pessoas com incapacidade se encontrem em

    fase embrionria, Campbell e colaboradores (1994) incentivam o desenvolvimento de

    aces e estratgias que visem diminuir a incidncia e o impacto negativo dessas

    consequncias, encorajando as pessoas com incapacidade e as suas famlias a

    investirem no desenvolvimento das suas competncias relacionadas com o auto-cuidado

    e independncia.

    indiscutvel que as pessoas com incapacidade apresentam fortes restries na

    participao social, quando comparadas com as outras pessoas (Healthy People 2010,

    2000). Por esta razo, os programas de promoo da sade devero ter em conta a total

    participao destas pessoas no seu ambiente social e cultural (Patrick, Richardson,

    Starks & Rose, 1994; Rimmer, 1999; Rimmer & Braddock, 2005).

    Estes ltimos dois autores, acrescentam que a participao em programas de

    promoo da sade na sua comunidade um direito. Esses programas tm como

    objectivos a melhoria da participao social, do bem-estar fsico, psicolgico e

    emocional dos seus participantes, aumentando assim a sua sade e qualidade de vida

    (Zemper et al., 2003).

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    Noutra perspectiva, assumido na Classificao Internacional de Funcionalidade,

    Incapacidade e Sade (ICF), que um programa de promoo da sade para pessoas

    com incapacidade pode funcionar como um factor ambiental susceptvel de provocar

    diferenas significativas nas suas vidas (WHO, 2001).

    Actualmente, a sade um fenmeno multidimensional e multideterminado,

    sendo encarada cada vez mais como o resultado do equilbrio dinmico entre factores

    intrnsecos ao ser humano, de natureza biolgica, psicolgica, afectiva e

    comportamental, e factores extrnsecos, prprios do meio ambiente fsico e relacional que

    o rodeia (Chatterji et al., 2002; WHO, 2001), o que nos leva a concluir que a sade ,

    tambm, a capacidade de desenvolver recursos e potencialidades, quer no plano

    individual, quer colectivo, com vista obteno de melhores nveis de bem-estar e

    qualidade de vida, permitindo efectuar escolhas, obter satisfao com a vida, orientar e

    alterar os seus ambientes. Neste sentido, deve ser entendida como um recurso para a

    vida, que necessrio aprender a manter e promover.

    A Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade

    A OMS tem contribudo para conceptualizar o impacto que determinada condio de sade

    gera na vida das pessoas (stn, Chatterji, Bickenbach, Kostansjek & Schneider, 2003).

    Actualmente, a ICF apresenta-se como uma classificao com mltiplas

    finalidades, desenhada para servir vrias disciplinas e sectores de diferentes pases e

    culturas. considerada o recurso do futuro para organizar a informao sobre a

    funcionalidade e a incapacidade.

    O seu principal objectivo o de estabelecer uma linguagem comum para

    descrever a sade e os estados relacionados com esta, para melhorar a comunicao

    entre os diferentes utilizadores, tais como profissionais de sade, investigadores,

    populao em geral, incluindo as pessoas com incapacidade (WHO, 2001).

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    A famlia internacional das classificaes da WHO constitui uma ferramenta

    valiosa para a descrio e comparao da sade das populaes num contexto

    internacional (Bphty, 2004; Heerskens & van Ravensberg, 2003; WHO, 2001; Sabino,

    Coelho & Sampaio, 2008).

    As classificaes internacionais da OMS so a ICD-10 International Statistical

    Classification of Diseases and Related Health Problems e a ICF International

    Classification of Functioning, Disability and Health. So classificaes complementares,

    propondo-se a sua utilizao em conjunto; a primeira, indica o diagnstico e a segunda, a

    informao adicional sobre a funcionalidade humana. O uso de ambas as classificaes

    permite obter uma caracterizao mais completa e significativa das necessidades das

    pessoas e das populaes (WHO, 2001). A informao sobre o diagnstico acrescido da

    funcionalidade fornece um quadro mais amplo sobre a sade dos indivduos ou

    populaes. Por exemplo, duas pessoas com a mesma doena podem ter diferentes

    nveis de funcionalidade, e duas pessoas com o mesmo nvel de funcionalidade no tm

    necessariamente a mesma condio de sade (Ministrio do Trabalho e da Solidariedade

    Social [MTSS], 2006; Sabino et al., 2008; Threats, 2003).

    Embora ambas as classificaes faam referncia aos sistemas do corpo e s

    deficincias, a ICD-10 utiliza 'deficincias' como sinais e sintomas caractersticos de

    uma condio de sade, ao passo que a ICF refere-se s 'deficincias' como sinnimo

    de problemas/alteraes funcionais e estruturais associadas condio de sade

    (Ministrio do Trabalho e da Solidariedade Social [MTSS], 2006).

    A ICF resultou de um longo processo de reviso da International Classification of

    Impairment, Disabilities and Handicaps (ICIDH) (WHO, 1980). Esta, fornecia uma

    linguagem comum para descrever os processos de incapacidade. Contudo era, ainda,

    muito baseada nas causalidades e efeitos, focalizando-se muito na doena e nos

    aspectos negativos da sade. No que toca aos conceitos, a Deficincia (impairment) ou

    outra condio de sade era descrita como a anormalidade nos rgos e sistemas e nas

    estruturas do corpo; a Incapacidade (disability) era vista como um estado do indivduo,

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    causado directamente pela doena, caracterizada como as consequncias da deficincia

    do ponto de vista funcional, ou seja, no desempenho das actividades; e a Desvantagem

    (handicap) reflectia a adaptao do indivduo ao meio ambiente resultante da deficincia

    e incapacidade (Brundfland, 2002; Farias & Buchalla, 2005; Ministrio do Trabalho e da

    Solidariedade Social [MTSS], 2006; Perenboom & Chorus, 2003; Sabino et al., 2008;

    WHO, 2002a).

    O modelo da ICIDH apresentava algumas fragilidades, como dimenses

    associadas doena, ser causal e unidireccional, e inadequado no que concerne ao

    papel do ambiente na criao e desenvolvimento da incapacidade (Farias & Buchalla,

    2005; Ministrio do Trabalho e da Solidariedade Social [MTSS], 2006; WHO, 2002b).

    A ICF e a antecedente ICIDH-2 foram o resultado de um esforo que teve incio

    em 1993, e que envolveu a participao activa de 1800 experts de mais de 60 pases.

    Em Maio de 2001, na 54 Assembleia Mundial de Sade que decorreu em Genebra

    entre os dias 14-22, a 2. edio da ICIDH, marcou o final da sua reviso, tendo surgido

    a classificao com o ttulo de International Classification of Functioning, Disability and

    Health ICF (WHO, 2001).

    Ao contrrio do que muitas pessoas consideram, a ICF no se utiliza unicamente

    em pessoas com incapacidade, mas tem uma aplicao universal. Em vez de classificar

    pessoas, a ICF descreve a situao de cada pessoa dentro de um conjunto de domnios

    da sade ou outros, com ela relacionados, permitindo uma descrio de situaes sobre

    a funcionalidade e suas restries.

    Nesta classificao, a incapacidade e a funcionalidade so vistas como resultado

    da interaco entre as condies de sade (doenas, desordens e leses) e factores

    contextuais. Encontra-se, assim, assente em duas partes, cada uma das quais com duas

    componentes. A primeira parte - Funcionalidade e Incapacidade, consiste nas

    componentes Estruturas e Funes do corpo; e Actividades e Participao, enquanto,

    que a segunda parte - Factores Contextuais compreende os Factores Ambientais e

    Pessoais. Na componente estruturas, so consideradas todas as partes anatmicas, tais

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    CAPTULO I

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    como rgos, membros ou suas componentes, enquanto, que as funes so

    consideradas as funes fisiolgicas dos sistemas orgnicos, incluindo as funes

    psicolgicas. Assim, as deficincias correspondem a um desvio relativamente ao que

    normalmente aceite como um estado biomdico normal/padro do corpo e das funes.

    Expressam tambm uma condio de sade, mas no indicam necessariamente a

    presena de uma doena (ex: aumento da presso sangunea, dor ou deficit cognitivo).

    Quanto s Actividades, estas so consideradas tarefas ou aces realizadas por um

    indivduo - so organizadas desde as simples tarefas e aces at s reas mais

    complexas da vida, sendo includos itens referentes aprendizagem e aplicao do

    conhecimento, comunicao, mobilidade, cuidados pessoais, actividades e situaes da

    vida domstica; a Participao consiste no envolvimento de um indivduo numa situao da

    vida real. Assim, as limitaes da actividade so as dificuldades que um indivduo pode

    encontrar na execuo das actividades (ex: dificuldades para voltar ao trabalho, ou para

    preencher um papel social na famlia); e as restries na participao so problemas que

    um indivduo pode experimentar no envolvimento em situaes reais da sua vida

    quotidiana (Ministrio do Trabalho e da Solidariedade Social [MTSS], 2006; Sabino et al.,

    2008; WHO, 2001; WHO, 2002b).

    No que toca aos factores contextuais, existem factores externos como os factores

    ambientais, que incluem atitudes sociais, caractersticas arquitectnicas, estruturas legais

    e sociais, assim como o clima (estes podem ter uma influncia positiva ou negativa sobre

    o desempenho do indivduo); e internos como os factores individuais/pessoais: gnero,

    idade, estilos de coping, background social, educao, ocupao, experincias actuais e

    passadas e outros factores, que influenciam a forma como a incapacidade

    experienciada pelo indivduo. Contudo, estes factores pessoais ainda no se encontram

    disponveis na classificao (Finger, Cieza, Stoll, Stucki & Huber, 2006; Perenboom &

    Chorus, 2003; WHO, 2002b).

    Por sua vez, os factores ambientais encontram-se organizados em dois nveis

    distintos nesta classificao: Individual ambiente imediato do indivduo, englobando

    espaos como domicilio, o local de trabalho e a escola. Inclui tambm as caractersticas

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    fsicas e materiais do ambiente em que se encontra, bem como o contacto com a famlia,

    colegas, conhecidos e estranhos; e Social todas a as estruturas sociais formais e

    informais, servios e regras de conduta ou sistemas na comunidade ou cultura que tm

    um impacto sobre os indivduos. Inclui tambm organizaes e servios relacionados

    com o trabalho, actividades na comunidade ou organismos governamentais, bem como

    servios de comunicao e de transporte, redes sociais informais, leis, regulamentos,

    regras formais e informais, atitudes e ideologias (WHO, 2001).

    Como vimos, a incapacidade caracterizada como a consequncia ou resultado

    das relaes complexas entre a condio de sade dos indivduos e os factores

    pessoais e ambientais que representam as circunstncias em que o indivduo vive. Por

    causa desta relao, ambientes diferentes podem ter impactos muito diferentes no

    mesmo indivduo com determinada condio de sade. Um ambiente com barreiras ou

    sem facilitadores, vai restringir a performance individual; outros ambientes, mais

    facilitadores podem aumentar a performance.

    Deste modo, e para concluir, a ICF afasta-se da classificao de consequncias

    da doena (verso de 1980), aproximando-se de uma classificao de componentes da

    sade, identificando os constituintes da sade, enquanto as consequncias da doena

    focam os impactos da doena ou de outras condies de sade que podem surgir como

    resultado. Desta forma, toma uma posio neutra no que respeita etiologia, permitindo

    aos investigadores o desenvolvimento de inferncias causais usando mtodos cientficos

    apropriados (WHO, 2001).

    A ICF providencia uma abordagem numa perspectiva mltipla, baseada na

    interaco de dois modelos opostos, o modelo mdico e o modelo social, no intuito de

    proporcionar uma viso coerente das diferentes dimenses de sade, da mesma forma

    que permite elaborar um perfil de funcionalidade, assumida como um processo interactivo

    e evolutivo.

    De acordo com a Figura 1, a funcionalidade do indivduo num determinado

    domnio especfico traduzida pela interaco ou relacionamento complexo e dinmico

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    entre estruturas e funes do corpo, actividades e participao, condio de sade e

    factores contextuais.

    Condio de sade

    (desordens ou doenas)

    Estruturas e Actividade Participao Funes corporais

    Factores Factores Ambientais Pessoais

    Figura 1: Interaces entre os componentes da ICF (adaptada de WHO, 2001, p. 16)

    A qualidade de vida como varivel de resultado

    A qualidade de vida descrita como um conceito dinmico, multidimensional e

    multideterminado, o que significa que tem diferentes interpretaes para pessoas

    diferentes (Bowling, 2004; Bowling et al., 2003; Fayers & Machin, 2007).

    Segundo Pais Ribeiro (2002, 2004, 2006), este conceito complexo e atravessa

    vrias cincias e diversas reas de aplicao desde a economia, a sociologia ou a

    poltica. Tornou-se objecto nas reas da medicina e da psicologia aps a II Guerra

    Mundial, fazendo uma meno especfica sade, sendo muitas vezes confundido com a

    prpria definio de sade, apresentada em 1948 pela OMS, reconhecendo e reforando

    a importncia das suas trs dimenses fsica, mental e social.

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    Num documento histrico sobre esta matria, Campbell, Converse e Rodgers

    (1976) concluram que a sade era a varivel que melhor explicava a qualidade de vida.

    Esta gerao de questionrios, do final dos anos 70 e incio dos anos 80, quantificava o

    estado de sade para avaliar a sade em geral, focando-se na funo fsica, sintomas

    fsicos e psicolgicos e satisfao com a vida (Fayers & Machin, 2007). Zautra e Hempel

    (1984) assumem que a qualidade de vida depende quase exclusivamente da sade e da

    felicidade. Diener (1984) acrescenta que a felicidade um sinnimo de bem-estar,

    introduzindo, assim, uma dimenso subjectiva ao conceito.

    Bradburn (1969) j tinha escrito que o bem-estar era o resultado do equilbrio

    entre o afecto positivo e o afecto negativo e que quanto maior fosse a diferena entre o

    primeiro e o segundo, maior seria o sentido do bem-estar. Desde essa altura,

    gradualmente ao longo do tempo, este conceito passou a ser considerado como

    imprescindvel para avaliar globalmente a qualidade de vida ou a satisfao com a vida

    de uma pessoa (Galinha & Pais Ribeiro, 2005). Para Pais Ribeiro (1994), o bem-estar

    subjectivo, tal como hoje assumido, inclui as experincias pessoais positivas.

    Segundo Patrick e Deyo (1989), ao longo do tempo, as medidas do estado de

    sade passaram a incluir os conceitos de sade, de bem-estar e de qualidade de vida.

    Surge, assim, uma outra dimenso de qualidade de vida, que est relacionada com a

    sade fsica e mental e com a realizao de funes sociais associadas a uma condio

    de sade, ou mesmo s polticas e servios de sade: a Qualidade de Vida Relacionada

    com a Sade (QVRS).

    Embora algumas vezes seja usada como sinnimo de qualidade de vida (Bowling,

    2004; Fayers & Machin, 2007; Schipper, Chinch & Powers, 1990), deve ser lembrado que a

    QVRS apenas considera dimenses que podem ser influenciadas pelas doenas, leses,

    servios e polticas de sade que, por sua vez, podem interferir na qualidade de vida.

    Embora no haja dvida que a qualidade de vida inclui uma vertente subjectiva

    (Fayers & Hand, 2002; Scherer, 1996), tradicionalmente, so os indicadores objectivos,

    como os factores scio-demogrficos, clnicos e relacionados com as deficincias, i.e.

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    alteraes estruturais e das funes do corpo, que tm sido mais estudados no sentido de

    explorar possveis correlaes (Campbell et al., 1976; Chubon, 1985; Katz, 1987; Fuhrer, 2000).

    Em 1997, numa meta-anlise realizada por Dijkers que estudou os efeitos da

    componente das deficincias na qualidade de vida de pessoas com incapacidade,

    demonstrou existirem associaes fracas entre estas e a qualidade de vida. Contudo,

    reportou associaes fortes entre esta e o handicap, sugerindo que a participao uma

    determinante importante na qualidade de vida.

    Ao longo do tempo, uma perspectiva mais reflexiva, fez com que a definio

    de qualidade de vida comeasse a incluir, para alm da perspectiva dos especialistas,

    a das pessoas comuns e das suas expectativas; no campo da reabilitao, as

    abordagens deixaram de ser exclusivamente centradas nos sinais e nos sintomas ou

    outros indicadores biomdicos, passando a contemplar as percepes das prprias

    pessoas e as suas prprias dimenses de qualidade de vida (Armstrong, Ogden,

    Wessley & Lilford, 2003; Fayers & Machin, 2007). Desta forma, as medidas para

    avaliar a qualidade de vida mudaram de medidas centradas em critrios extrnsecos

    ao indivduo para medidas centradas na percepo pessoal, que pode mudar ao

    longo do tempo (Fayers & Machin, 2007; Pais Ribeiro, 1994a, 1994b).

    Com a expanso para as reas de preveno e promoo da sade, a

    necessidade de envolver o prprio indivduo tornou-se mais evidente. Deste modo, com

    um modelo centrado em si prprio, o indivduo consegue descobrir as suas foras e

    fraquezas e determinar o melhor caminho para ultrapassar os obstculos com que se

    depara e, consequentemente, melhorar a sua qualidade de vida. J em 1999, esta foi

    definida pelo Consortium for Spinal Cord Medicine, como uma avaliao, pessoal e

    global, do bem-estar e da satisfao com a vida que determinada pessoa faz, de acordo

    com as suas condies de vida.

    Parece, ento consensual que a qualidade de vida um constructo central em

    contextos de sade e de doena (Pais Ribeiro, 2006) assim como em contextos de

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    incapacidade; como tal, deve ser vista como um resultado da interveno.

    Consequentemente, avalia o seu sucesso.

    Embora a sade e a qualidade de vida sejam constructos transversais a vrias

    disciplinas, a sua avaliao obedece a tcnicas bem conhecidas na psicologia, tcnicas

    essas estranhas para as tradicionais reas de estudo da sade e da doena.

    Em Portugal, o interesse para avaliar estes constructos desenvolveram-se no

    contexto da psicologia nos finais da dcada de 80, prolongando-se at aos dias de hoje,

    essencialmente, atravs dos estudos de Pais Ribeiro e colaboradores.

    Reportando-nos a 1982, Matarazzo definiu a Psicologia da Sade como o

    domnio da psicologia que tem, entre outros, o objectivo de contribuir, com

    conhecimentos provenientes das diversas reas da psicologia, para promover e proteger

    a sade. Contudo, durante muito tempo a psicologia apenas estudava o comportamento

    das pessoas para perceber como sobreviviam em condies de adversidade. Essa viso

    era fortemente influenciada pelos modelos centrados na doena, negligenciando a

    pessoa e desvalorizando os factores que contribuem para o seu desenvolvimento

    saudvel.

    Mais recentemente, outros autores da Psicologia da Sade salientam o papel das

    variveis psicolgicas enquanto variveis protectoras do mal-estar ou potenciadoras do

    bem-estar (Adler, 1994; Bennet & Carrol, 1990; Lightsey, 1996; Seligman, 1992).

    Seligman e Csikszentmihalyi (2000) propem que se liguem perspectivas

    positivas s experincias subjectivas com o sentido de promover a qualidade de vida e

    prevenir as doenas, centrando-se na construo de qualidades positivas, valorizando as

    foras e as virtudes da pessoa humana.

    O estudo das experincias positivas, dos traos individuais positivos e dos

    aspectos que facilitam o seu desenvolvimento , ento, o grande foco da psicologia

    positiva, ultrapassando o objectivo da psicologia clnica de aliviar o sofrimento associados

    a uma condio de sade (Duckworth, Steen & Seligman, 2005).

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    Este novo paradigma da Psicologia, cuja gnese remonta aos anos 40, foi

    realado nos trabalhos de Seligman, destacando a obra Optimismo Aprendido, publicado

    em 1991, onde o autor inverte os seus interesses de investigao, que passam a centrar-

    se nos aspectos positivos da vida. Embora j bastante abordado pela investigao e pela

    clnica, promete continuar a gerar grande entusiasmo ou no fosse a sistemtica procura

    de meios e estratgias para potenciar as emoes e os valores positivos, o bem-estar, a

    qualidade de vida e a funcionalidade humana.

    Segundo Calvetti, Muller e Nunes (2007), a compreenso da interaco da

    pessoa com o ambiente, permite aumentar o entendimento dos factores de risco e de

    proteco envolvidos no processo sade/doena; os factores de risco esto relacionados

    com os eventos negativos, que aumentam a probabilidade da pessoa apresentar

    problemas fsicos, psicolgicos e sociais. Os factores de proteco referem-se s

    influncias que transformam ou melhoram as respostas pessoais.

    Enumerando algumas das variveis psicolgicas protectoras mais estudadas na

    rea da Psicologia da Sade referimos o optimismo, a esperana, o coping, a auto-

    eficcia, o bem-estar, o suporte social, o locus de controlo (Gaspar, Matos, Pais Ribeiro &

    Leal, 2006; Gomes & Pais Ribeiro, 2001; Leal, Pais Ribeiro, Oliveira & Roquette, 2005;

    Pais Ribeiro & Pombeiro, 2004; Pinto & Pais Ribeiro, 2007; Silva et al., 2003).

    Como referido anteriormente, e assumido neste estudo, sendo a qualidade de

    vida um resultado, ser de todo o interesse explorar o papel das variveis psicolgicas na

    determinao do mesmo.

    Pais Ribeiro (2006) classifica estas variveis em dois tipos, latentes e

    emergentes, podendo actuar antes, durante e no ajustamento condio de sade que,

    no contexto da Psicologia da Sade, devem ser conceptualizados separadamente. As

    variveis latentes so estveis ao longo da vida, independentemente da aco; as

    emergentes, so mais flexveis e resultam da aco.

    Para melhor entender a influncia das variveis psicolgicas nos resultados,

    continuamos a citar o mesmo autor que explica que, no momento 1 (antes da condio de

  • Indicadores da Qualidade de Vida nas pessoas utilizadoras de cadeiras de rodas: uma anlise exploratria dos hbitos de vida, caractersticas psicolgicas, clnicas, sociodemogrficas e relacionadas com tecnologias de apoio

    CAPTULO I

    30

    sade) variveis como o sentido interno de coerncia, a robustez ou o optimismo trao

    (disposicional) actuam como amortecedoras, tendo maior probabilidade de melhorar ou

    promover a sade e menos probabilidade de adoecer. No momento 2 (durante a ocorrncia

    da condio