Índice geral - Imprensa Nacional-Casa da Moeda · Árvore genealógica da família...
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ndice geral
ndice geral..................................................................................................................... 17
Siglas e abreviaturas....................................................................................................... 20
Dedicatria
Prefcio
In limine
INTRODUO ............................................................................................................. 21
I PARTE Uma vida plena e peregrina.................................................................... 29
Cap. 1 Prembulo......................................................................................................... 31
Cap. 2 Do nascimento partida de Portugal (1517-1535)........................................... 35
Cap. 3 De Anturpia at Ferrara (1535-1540)............................................................. 51
Cap. 4 De Ferrara at Ragusa (1540-1556)................................................................. 83
Cap. 5 Em Ragusa (1556-1599)................................................................................... 119
Apndice documental..................................................................................................... 126
rvore genealgica da famlia PiresCohen.................................................................. 134
II PARTE A poesia e a didctica: uma relao simbitica.................................. 135
Cap.1 Da concepo de poeta e poesia na Antiguidade Clssica s origens da
poesia didctica.....................................................................................................
137
Cap. 2 A poesia como instrumento pedaggico-didctico.......................................... 149
Cap. 3 Sententia () versus prouerbium (): definio e
virtualidades..
163
Cap. 4 Colectneas de textos sentenciosos.................................................................. 171
1. Em lngua grega................................................................................................ 171
2. Em lngua latina................................................................................................ 184
Cap. 5 As Sententiae de Publlio Siro e os Disticha Catonis: dois exemplos
paradigmticos......................................................................................................
193
1. As Sententiae de Publlio Siro........................................................................... 193
2. Os Disticha Catonis.......................................................................................... 202
Antnio Manuel Lopes Andrade
18
Cap. 6 Colectneas de textos sentenciosos: um breve olhar de Roma at ao
Renascimento........................................................................................................
219
Cap. 7 Colectneas de textos proverbiais e sentenciosos no Renas-
cimento.................................................................................................................
225
1. A fortuna do modelo sentencioso...................................................................... 225
2. A abelha e o mel: da recolha criao.............................................................. 234
3. O enunciado proverbial-sentencioso: teoria e prtica da pedagogia humanista 246
4. Breve olhar sobre a edio de colectneas de textos proverbiais-sentenciosos
em portugus e castelhano...........................................................................
261
Cap. 8 As colectneas de textos proverbiais-sentenciosos em lngua latina no
Portugal de Quinhentos.........................................................................................
271
1. Observao prvia............................................................................................. 271
2. Os Prouerbia de Cataldo Parsio Sculo........................................................... 272
3. Andr Rodrigues Eborense................................................................................ 274
4. As Sententiae de Diogo de Teive...................................................................... 287
5. Jernimo Cardoso e os Adgios de Erasmo...................................................... 290
6. As colectneas de Frei Lus de Granada........................................................... 292
7. O Cato Minor siue Disticha Moralia de Diogo Pires....................................... 294
III PARTE O Cato Minor siue Disticha Moralia de Diogo Pires......................... 297
Cap. 1 A gnese da obra.............................................................................................. 299
Cap. 2 As edies do Cato Minor................................................................................ 315
Cap. 3 Descrio do contedo da obra........................................................................ 327
1. Em jeito de nota prvia...................................................................................... 327
2. Moralium distichorum libri III.......................................................................... 328
3. Xenia ad Ianum Claudium ciuem Rhacusanum................................................ 339
4. Nomina Portugalliae regum et aliquot insignium urbium Hispaniae ad
Andream Marini filium................................................................................
345
5. Qui poetae et oratores imitatione digni ad Vessallum poetam......................... 347
6. Quinque magnorum regum insignia ad Dominicum Rhanniam, patritium
Rhacusanum.................................................................................................
348
7. Dialogismus inter honestum adolescentem et pudicam uirginem ad
O Cato Minor de Diogo Pires e a poesia didctica do sculo XVI
19
Antonium Suarium....................................................................................... 349
8. Epigrammatum partim moralium et partim non moralium libri IIII ................ 351
9. Hendecasyllabi ad Antonium Riccobonnum uirum undecumque doctiss.......... 356
10. Lyrica ad Aldum Mannuccium........................................................................ 357
11. Tumuli ad Reuerendum Maurum Abbatem Melitensem.................................. 360
12. Illustres familiae Rhacusanae......................................................................... 362
Cap. 4 Temas dominantes dos Disticha Catonis......................................................... 365
1. Critrios de uma inventariao.......................................................................... 365
2. Educao........................................................................................................... 367
3. Costumes e moral.............................................................................................. 378
a) Virtudes e vcios........................................................................................... 378
b) Est modus in rebus....................................................................................... 386
c) Verdade e aparncia..................................................................................... 391
4. A felicidade....................................................................................................... 395
a) A fortuna....................................................................................................... 395
b) A morte......................................................................................................... 404
5. A mulher e o amor............................................................................................. 411
6. Religio............................................................................................................. 420
7. Res publica........................................................................................................ 428
a) A dimenso poltica: governantes e cidados............................................... 428
b) Justia........................................................................................................... 435
c) Guerra e paz.................................................................................................. 444
Cap. 5 O Cato Minor e a poesia didctica................................................................... 457
1. O didactismo do Cato Minor............................................................................. 457
2. Ruptura com a matriz da poesia didctica......................................................... 473
CONCLUSES............................................................................................................. 491
Bibliografia..................................................................................................................... 499
A. Fontes......................................................................................................................... 499
1. Manuscritas....................................................................................................... 499
2. Impressas........................................................................................................... 501
B. Estudos....................................................................................................................... 510
Antnio Manuel Lopes Andrade
20
ndice onomstico........................................................................................................... 533
O Cato Minor de Diogo Pires e a poesia didctica do sculo XVI
21
Siglas e abreviaturas
AGR Archives Gnrales du Royaume, Bruxelas................................................
AHD Arquivo Histrico de Dubrovnik.................................................................
ASA Archivio di Stato di Ancona........................................................................
ASCDF Archivio della Sacra Congregazione per la Dottrina della Fede, Roma......
ASF Archivio di Stato di Ferrara.........................................................................
ASM Archivio di Stato di Modena.......................................................................
ASV Archivio di Stato di Venezia.......................................................................
AUS Archivo Histrico de la Universidad de Salamanca....................................
BGUC Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra............................................
BNP Biblioteca Nacional de Portugal..................................................................
BPE Biblioteca Pblica de vora........................................................................
IANTT Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo...................................
Para os autores gregos, adoptaram-se as abreviaturas que constam de H. G.
LIDDELLR. SCOTT, Greek-English Lexicon. Oxford, Clarendon Press, 91996; para os
autores latinos, as de P. G. W. GLARE, Oxford Latin Dictionary. Oxford, Clarendon Press,
1992. Nas citaes dos livros bblicos, utilizaram-se as abreviaturas estabelecidas por
A.COLUNGA L. TURRADO (eds.), Biblia sacra iuxta vulgatam Clementinam. Madrid,
Biblioteca de Autores Cristianos, 71985.
IN MEMORIAM
Aron di Leoni Leone
com quem aprendi a acompanhar de perto os tortuosos caminhos do desterro,
trilhados pelos membros da Nao Portuguesa
Antnio Manuel Lopes Andrade
22
Prefcio
De Diogo Pires se pode dizer que foi, na mais plena acepo da palavra, um
andarilho. Judeu errante lhe chamou Aquilino, com toda a propriedade. vora,
Salamanca, Anturpia, Londres, Lige, Paris, Ferrara, Ancona, Ragusa (Dubrovnik), eis
apenas alguns dos destinos que tocou no seu vaguear incessante. No fcil, pois,
seguir-lhe a pista, mormente quando sobre o seu rasto tomba j a poeira de quatro
sculos e meio.
Antnio Andrade abalana-se, aqui, a essa tarefa, difcil e complexa, antes de
dedicar a sua ateno ao tema que se prope tratar e que o centro das segunda e
terceira partes deste livro: uma reflexo sobre a literatura de sentenas e a literatura
didctica, desde a antiguidade greco-latina at ao sc. XVI; e, enfim, um estudo de
pormenor do Cato Minor de Diogo Pires.
Pensava o autor destas linhas, h meia dzia de anos atrs, ser difcil ir mais longe
do que at ento se tinha ido no conhecimento deste cristo-novo portugus e poeta
humanista. Depois do Prof. Costa Ramalho, esse grande Mestre e infatigvel estudioso
do Humanismo portugus, de Tommaso Chersa, de Djuro Krbler e do modesto
contributo de quem este prefcio subscreve, a investigao parecia chegada a um beco
sem sada. Perdia-se-lhe a pista, sempre, no emaranhado de vias e encruzilhadas de que
se tece a histria conturbada de Quinhentos. Pura iluso!... Antnio Andrade logrou, sem
sombra de dvida, ir mais alm, com persistncia, com eficcia e com xito.
Utilizou, valha a verdade, um percurso diferente: seguiu os caminhos da dispora
judaica, para neles encontrar pegadas de Diogo Pires. E conseguiu: um sinal aqui, uma
referncia ali, um fugaz contacto acol, um parente mais alm. Assim se fica a conhecer
melhor este poeta andarilho, os locais por onde passou, os amigos e parentes, as
pessoas com quem conviveu.
Por aqui se fica a saber, por exemplo, que foi um homem de negcios, num negcio
de famlia. Alm, claro, de ter sido poeta latino, como poucos. Genuno, como se romano
tivera nascido. Caso raro, valha a verdade; ao contrrio do que muitas vezes se apregoa,
aos poetas do Humanismo renascentista sobra-lhes em valia tcnica o que lhes
escasseia em qualidade potica. Tresandam, no raro, a artifcio e falta-lhes o golpe de
asa que feito de alma ou de corao. Talvez por no rirem, chorarem, amarem em
Latim, quem sabe?
O Cato Minor de Diogo Pires e a poesia didctica do sculo XVI
23
O nosso Diogo Pires, por fora das circunstncias ou do destino, privado que foi de
ptria e forado a ter em cada canto uma ptria, ter feito do latim a sua lngua do
quotidiano, que outra lngua franca lhe no era fcil utilizar. Lngua de cada dia; lngua de
poesia.
Assim se lhe sucederam as obras, sempre respeitadas, sempre sadas dos prelos
das melhores tipografias, o que , j em si mesmo, sinal de prestgio.
Retomemos, entretanto, o percurso de Antnio Andrade, na senda do poeta que
elegeu. Procurou seguir de perto, como se disse, a dispora dos judeus portugueses, por
entender e bem que Diogo Pires no devia desse movimento ser dissociado. Por isso
d particular ateno a alguns desses expatriados. A famlia Mendes-Benveniste, por
exemplo: o famoso banqueiro portugus foi uma das personagens mais importantes da
dispora judaico-portuguesa e um dos mais influentes homens de finanas portugueses
no sc. XVI; notoriedade reforada, vale a pena record-lo, pela aura que envolveu a sua
viva, Beatriz de Luna, que, no h muitos anos, Catherine Clment tomou por
protagonista do romance A Senhora.
Pioneiras so as revelaes sobre a relao entre a famlia Pires-Cohen e a casa
de Este, em Ferrara; pioneiras e surpreendentes, porquanto levam a uma leitura bem
diferente da to falada poltica de mecenatismo cultural dos Duques de Este e da sua
proverbial tolerncia em relao aos judeus. O velho Duque, afinal, aproveitou-se da
famlia Pires e do seu patrimnio, de que a espoliou sem o menor escrpulo.
Esta e tantas outras informaes, reflexes, suspeitas abrem a porta a uma nova
viso da dispora judaico-portuguesa, mesmo depois da Inquisio. O que vale por dizer
que este livro , em si mesmo, um contributo de inegvel importncia para o estudo da
histria dos Judeus portugueses na Europa do sculo XVI. Sem que seja esse o objectivo
central da obra, , sem dvida, um dos seus mais importantes legados, que deixa vrias
pistas abertas para novas e interessantes indagaes.
Outro mrito, no menos relevante, o que resulta do estudo pioneiro sobre o Cato
Minor, obra central de Diogo Pires, e o seu enquadramento no contexto geral da poesia
didctica.
Filia-se este subgnero nos Disticha Catonis, colectnea de autor incerto e de
enorme sucesso ao longo da Idade Mdia e, tambm, no Renascimento, posto que a
outros gneros literrios v colher origens e influncias. Ora, as reflexes aqui feitas a
respeito da poesia didctica tm, entre outros, o mrito de fazer o ponto da situao
sobre o assunto e de melhor nos ajudarem a compreender a razo de ser da opo do
poeta portugus e, j entes dele, por exemplo, de Erasmo.
Antnio Manuel Lopes Andrade
24
Na apreciao da obra de Diogo Pires, segue Antnio Andrade um rumo de
estimulante hermenutica: a organizao temtica. Pode ser discutvel a seleco feita,
mas nem por isso deixa de ser um precioso instrumento ao servio do estudo do Cato
Minor e do seu autor, mas tambm de uma certa histria das mentalidades no sculo
XVI.
A mulher e o amor, por exemplo: o poeta parece contraditrio em relao mulher
e ao casamento, na medida em que se debate entre a viso epicurista de Virglio, que
dita a sua misoginia, ou a viso sarcstica de um poeta como Marcial, que imita, muitas
vezes, quando deixa vir ao de cima a sua natureza satrica, sem renunciar, em certos
momentos, a manifestaes lricas muito prximas dos poetas de amor clssicos.
Mas outros temas merecem ateno especial: a justia, a paz e a guerra, a poltica
(res publica), a felicidade, a religio e a educao, para referir, apenas, as grandes reas.
A respeito de todos eles, o humanista eborense exprime, em versos breves e concisos,
como era de regra na literatura sentenciosa, um juzo de valor, uma opinio, uma linha de
rumo, uma reflexo arguta.
Ao adoptar a tradicional formulao da poesia didctica, Diogo Pires nem por isso
menos inovador: no cede diluio da presena do autor, como era normal neste tipo
de colectneas, confere lugar predominante ao subjectivismo e ao lirismo (duas faces da
mesma moeda), revela enorme variedade temtica e formal. Ou seja: o poeta lrico que
assumidamente no se apaga nem perde a sua identidade neste esforo de construo
de uma obra diferente, de feio didctica e moralizadora.
Ficamos a conhecer melhor, ao cabo da leitura deste excelente trabalho de Antnio
Andrade, um dos melhores poetas do Humanismo portugus que, infelizmente, tem
passado quase despercebido entre ns; mas ficamos a conhecer, tambm, atravs do
seu Cato Minor, um tipo de literatura que teve amplo sucesso desde a Antiguidade
Clssica e a que o Renascimento conferiu, igualmente, lugar de amplo destaque;
ficamos, ainda, a conhecer alguns episdios da dispora judaico-portuguesa, esse
movimento que tanto deu cultura europeia a partir do sculo XVI.
Como sempre deve acontecer quando ao estudo da literatura nos dedicamos, no
um ciclo que nestas pginas se encerra, antes so muitos ciclos que, atravs delas, se
abrem. O que nelas vai escrito estimular, por certo, a novas indagaes: sobre o poeta
Diogo Pires, que bem o merece; sobre os portugueses em dispora nessa Europa de
Quinhentos; sobre o Humanismo renascentista portugus.
Carlos Ascenso Andr
O Cato Minor de Diogo Pires e a poesia didctica do sculo XVI
25
In Limine
A obra que agora vem a lume representa o corolrio de alguns anos de dedicao
apaixonada ao estudo da vida e obra de Diogo Pires, o talentoso poeta eborense que tive o
privilgio de conhecer pela mo do Prof. Doutor Carlos Ascenso Andr.
Depois de apresentado como dissertao de doutoramento Universidade de Aveiro,
em 21 de Dezembro de 2005, no domnio da Literatura, o presente livro foi sujeito a uma
reviso geral que teve em conta tanto as sugestes e reparos feitos pelos arguentes como a
necessidade de proceder a correces, aditamentos e melhoramentos com a consequente
actualizao documental e bibliogrfica.
Este trabalho no teria sido possvel sem o contributo decisivo prestado por vrias
pessoas, a quem desejo aqui manifestar publicamente o meu reconhecimento.
Ao Professor Doutor Amrico da Costa Ramalho, com quem dei os meus primeiros
passos nos caminhos do Humanismo Portugus e a cuja escola tenho a honra de pertencer,
devo um agradecimento especial pelo apoio e incentivo com que sempre me distinguiu.
Ao Professor Doutor Joo Manuel Nunes Torro, quero tambm dar testemunho da
minha gratido pelo acompanhamento, ateno e estmulo permanentes, que se revelaram
verdadeiramente decisivos na execuo deste projecto.
Aos Professores Doutores Anbal Pinto de Castro, Aron di Leoni Leone, Herman
Prins Salomon, Kiril Bahcevanziev, Maria do Rosrio Morujo, Saul Antnio Gomes,
Telmo Verdelho, Vesna Miovi, Vinicije B. Lupis e Virgnia Soares Pereira, estou grato
pelas lies de saber, pelas indicaes bibliogrficas e documentais e, sobretudo, pelas
manifestaes de apoio e incentivo.
A mais expressiva prova de gratido, cumpre-me dirigi-la ao Professor Doutor
Carlos Ascenso Andr, profundo conhecedor da obra de Diogo Pires, que em boa hora me
sugeriu o tema deste trabalho. Devo-lhe, em particular, a sua conduo experiente e
avisada pelos meandros do Humanismo Portugus de Quinhentos, de que possui um vasto
saber e experincia, e tambm a confiana que em mim depositou desde a primeira hora.
Aveiro, 12 de Julho de 2011
Antnio Andrade
Antnio Manuel Lopes Andrade
26
O Cato Minor de Diogo Pires e a poesia didctica do sculo XVI
27
INTRODUO
Diogo Pires publicou na ltima dcada de Quinhentos, em Veneza, aquela que pode
ser justamente considerada a sua obra-prima: uma extensa colectnea potica, em lngua
latina, intitulada Cato Minor siue Disticha Moralia. O poeta eborense, j nos ltimos anos
de vida, dedicou o seu livro aos mestres-escola de Lisboa, a capital da sua querida ptria
que h muitos anos o vira partir para sempre.
O trabalho que nos propomos apresentar, como fica expresso no prprio ttulo,
assenta no estudo especfico desta obra potica, luz das relaes privilegiadas que ela
mantm, quer com a pedagogia humanista, quer com a antiga tradio do uso da poesia
como instrumento pedaggico-didctico, mormente na formao tica e lingustica da
juventude.
A poesia e a didctica estabeleceram desde tempos recuados uma relao simbitica
que fez do texto potico um dos instrumentos mais adequados ao processo educativo e nele
utilizados. A associao ntima entre poesia e educao corresponde a uma realidade bem
palpvel no mundo greco-latino, que perdurou ao longo dos tempos e foi recuperada, em
toda a sua plenitude, pelos humanistas.
Torna-se necessrio, por isso, reflectir sobre a natureza desta relao privilegiada e
sobre as formas principais, como ela se manifestou desde a Antiguidade at ao
Renascimento. O valor moral e educativo comummente reconhecido poesia, a que no
ser estranha a antiga concepo do poeta como algum possuidor de inspirao divina e
acesso privilegiado ao conhecimento, subjaz ao estabelecimento de um gnero literrio em
que criao potica e inteno didctica do corpo a um tipo muito particular de
composio: o poema didctico.
Deve notar-se, porm, que a utilizao da poesia enquanto instrumento educativo tem
um mbito muito mais alargado do que o gnero especfico da poesia didctica, abarcando
inclusivamente, a um nvel mais lato, o uso abrangente que sempre se fez da obra dos
poetas na educao.
No obstante o privilgio concedido desde tempos recuados ao texto potico como
instrumento de ensino, afigura-se-nos por demais evidente que esta prtica recorrente e
prolongada se consubstancia, muito particularmente, na utilizao de um tipo peculiar de
Antnio Manuel Lopes Andrade
28
texto no processo educativo: o enunciado proverbial-sentencioso. Por conseguinte, no
podia deixar de merecer a nossa ateno o estudo aprofundado da chamada literatura de
sentenas, pela enorme importncia que sempre adquiriu no processo educativo. , pois,
este um dos objectos principais do nosso trabalho, sobretudo nos exemplos assaz
frequentes em que estes textos apresentam forma potica.
A literatura de sentenas integra-se, em certa medida, no quadro da poesia didctica
de carcter filosfico-moral, compartilhando com ela algumas caractersticas, das quais a
mais saliente , sem dvida, a marcada inteno didctica de ambos os textos.
Os enunciados de tipo proverbial-sentencioso, que assumem, no raras vezes, forma
versificada, so colhidos, com frequncia, de mltiplas fontes e organizados em
colectneas, que constituem, indiscutivelmente, algumas das obras com maior divulgao
desde o mundo greco-latino at ao sculo XVI.
luz destes pressupostos, estruturmos o trabalho em trs partes distintas, das quais
a primeira ter um cariz marcadamente biogrfico. De facto, no obstante toda a
investigao que tem sido dedicada, at presente data, ao estudo de Diogo Pires,
a verdade que inmeros aspectos da sua vida e obra continuam a ter contornos pouco
claros. Os poucos elementos conhecidos sobre a famlia, as actividades, as relaes,
as deambulaes, em suma, sobre o prprio autor fundavam-se, em grande medida, em
testemunhos que o poeta faculta na sua obra.
Por conseguinte, entendemos ser bastante proveitoso e oportuno traar um renovado
esboo da biografia de Diogo Pires, naquele que pretende ser um contributo vlido para
uma melhor compreenso do importante papel dos judeus portugueses, em geral, e da
famlia eborense Pires-Cohen, em particular, nos meandros do complexo xadrez
poltico-econmico e religioso da Europa do sculo XVI. A se estabelecem novos dados
para o conhecimento da biografia deste ilustre humanista portugus e para a compreenso
do que era a intrincada teia da comunidade judaica em dispora. Porque esse foi um
trabalho no realizado, at agora, pelos vrios bigrafos e estudiosos de Diogo Pires, ele
mereceu, da nossa parte, uma ateno muito especial e prolongada, como se ver.
No tocante ao poeta eborense, nossa inteno proceder, em concreto, ao
esclarecimento de muitos aspectos que estavam, at agora, obscuros. Na verdade, o papel
desempenhado pelos judeus portugueses e pelo prprio Diogo Pires adquire, em nosso
O Cato Minor de Diogo Pires e a poesia didctica do sculo XVI
29
entender, uma importncia inegvel para a compreenso do Humanismo portugus e
sobretudo das relaes nicas que este estabeleceu com o vasto espao cultural da Europa
de Quinhentos.
O Cato Minor siue Disticha Moralia representa um exemplo deveras significativo e
original, no mbito da literatura de sentenas do Humanismo portugus, de uma colectnea
potica de tipo proverbial-sentencioso, com uma inteno marcadamente educativa.
Procedemos, por isso, na segunda parte do trabalho, anlise das relaes privilegiadas
que se estabelecem entre poesia e didctica, desde a Antiguidade Clssica at ao
Renascimento. Dada a importncia incontornvel que o enunciado proverbial-sentencioso
assume nesta relao, concede-se uma nfase particular ao estudo das colectneas deste
tipo de textos do mundo greco-latino, que constituem, naturalmente, o lastro no qual se
funda a obra do humanista portugus. Em razo disso, merecero da nossa parte um
tratamento mais aprofundado os Disticha Catonis e as Sententiae de Publlio Siro, que so
dois exemplos paradigmticos deste gnero.
Os textos dos humanistas so, como se sabe, profundamente devedores aos autores
clssicos; por isso, muitos dos estudos que lhes so consagrados dedicam particular
ateno crtica de fontes. Muito embora se reconhea a pertinncia desse tipo de anlise,
no foi essa a nossa opo, na medida em que uma tal via nos afastaria consideravelmente
do objectivo a que nos propusemos.
Muito importante se revela tambm, por outro lado, a questo da recepo, da
criao e da utilizao de colectneas de textos proverbiais e sentenciosos, no quadro da
prtica e da teoria da pedagogia humanista. Assim, impe-se como necessria uma anlise
das colectneas mais significativas no Renascimento, embora se tenha procurado
privilegiar, por motivos compreensveis, as recolhas em lngua latina, no Portugal de
Quinhentos.
A ltima parte do nosso estudo ser inteiramente dedicada anlise especfica do
Cato Minor siue Disticha Moralia de Diogo Pires. No deixar de se abordar a questo das
circunstncias que estiveram na gnese desta obra e de se proceder ao estudo comparativo
das duas edies venezianas, com a necessria descrio do contedo das vrias e distintas
partes do livro.
Antnio Manuel Lopes Andrade
30
Convm, desde j, deixar bem claro que, no obstante ser nosso propsito abarcar, no
trabalho ora apresentado, todas as partes da extensa colectnea potica, sero apenas dois
os conjuntos que merecero um estudo mais exaustivo. Deste modo, ser dada,
evidentemente, uma ateno muito especial colectnea potica dos Disticha Moralia,
bem como aos Carmina Moralia, que lhe deram seguimento.
Referimo-nos, de forma objectiva, tanto ao conjunto inaugural dos Moralium
distichorum libri III, que se encontra na origem do livro, como fica bem patente, desde
logo, no prprio ttulo Cato Minor siue Disticha Moralia, como tambm parte mais
extensa e diversificada da obra, a colectnea dos Epigrammatum partim moralium et
partim non moralium libri III. Este captulo parece ter sido, no plano inicial do autor,
um conjunto coerente e organizado de carmina moralia, que dava continuidade ao captulo
inicial dos dsticos morais.
A anlise dos temas dominantes dos Moralium distichorum libri III e dos
Epigrammatum partim moralium et partim non moralium libri III (neste ltimo caso,
atendemos sobretudo s composies de natureza eminentemente moral e didctica) ocupa
uma posio central nesta parte do trabalho, em que se procede ao estudo dos temas
considerados mais representativos: educao, costumes e moral, felicidade, a mulher e o
amor, religio e Res publica.
Procura reflectir-se, ainda, sobre as caractersticas individualizadoras do didactismo
do Cato Minor siue Disticha Moralia, que permitem inscrever esta obra no quadro da
antiga tradio da poesia didctica, em particular da utilizao especfica do enunciado
proverbial-sentencioso como instrumento de ensino por excelncia.
A despeito da filiao da colectnea potica no gnero em que obviamente se insere,
no possvel deixar de assinalar, de outro modo, as marcas prprias e distintivas que
revelam, em determinados aspectos, a ruptura com a tradio e que fazem desta obra do
poeta eborense um exemplo realmente significativo, no mbito da poesia novilatina e da
literatura de sentenas do Humanismo portugus e europeu.
Convir, tambm, esclarecer alguns aspectos de pormenor sobre a metodologia
utilizada na seleco e apresentao dos textos. Ao longo do trabalho, faremos uso de
inmeros textos que se encontram, na maior parte das vezes, em latim. Por regra, proceder-
se- transcrio do texto original, seguido da respectiva verso portuguesa, que da
O Cato Minor de Diogo Pires e a poesia didctica do sculo XVI
31
nossa autoria, com a excepo dos casos devidamente assinalados. Tomamos a opo,
meramente formal, de apresentar em verso a nossa traduo dos poemas latinos, por forma
a facilitar o cotejo com a verso original.
Na transcrio dos textos latinos, adoptamos, no respeitante grafia e pontuao,
os critrios mais em uso na edio moderna de textos clssicos, nomeadamente na coleco
Les Belles Lettres de que, alis, nos serviremos, regra geral, sempre que for necessrio citar
fontes greco-latinas1.
Importa, por ltimo, prestar um esclarecimento adicional sobre as opes tomadas na
edio e citao dos textos pertencentes ao Cato Minor siue Disticha Moralia, a obra que
se constitui como objecto principal do nosso trabalho. Assim, transcrevem-se os textos
utilizados, a no ser em situaes muito pontuais e devidamente ressalvadas, a partir da
segunda edio veneziana, publicada em 1596, por ser mais completa e organizada.
O Cato Minor subdivide-se em 11 partes distintas, das quais a primeira Moralium
distichorum libri III ser objecto de uma anlise mais pormenorizada da nossa parte.
conveniente assinalar, por conseguinte, a forma diferenciada como sero citados os
dsticos morais dos trs livros e do apndice final. Em relao aos dsticos de cada um dos
trs livros independentes, indicar-se- apenas o livro e os versos respectivos (e. g. Disticha
Moralia 1.1-2); sempre que se referir um dstico pertencente ao apndice final que foi
publicado entre as pginas 38 e 41, nesse caso, menciona-se o nmero da pgina e dos
versos (e. g. Disticha Moralia, p. 38, 15-16). No que toca s restantes composies de
qualquer das outras partes do Cato Minor, procede-se sempre simples indicao da
pgina em que se encontram e. g. Cato Minor (1596), 56.
1 Veja-se a pormenorizao dos critrios em S. T. PINHO (1987), 255-262.
FRONTISPCIO DA EDITIO PRINCEPS DO CATO MINOR DE DIOGO PIRES
JOANA DE USTRIA NA COMPANHIA DE SEU FILHO FILIPPO COSIMO, O DESTINATRIO
INICIAL DO CATO MINOR SIVE DISTICHA MORALIA1
1 Retrato de autor desconhecido, pertencente coleco da Galleria degli Uffizi, em Florena.
Aproveitamos o ensejo para agradecer a ajuda inestimvel prestada por Maike Vogt-Lerssen, investigadora dedicada ao estudo da histria da arte, da cultura e da mulher, em particular na Idade Mdia e Renascimento, na seleco e identificao deste e de outros retratos dos Medici (veja-se o excelente stio desta historiadora http://www.asn-ibk.ac.at/bildung/faecher/geschichte/maike/geschichte.html).