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NDICE
LISTA DE ABREVIATURAS ................................................................................................................ 4
Introduo ..................................................................................................................................... 8
Captulo I As origens das polticas sociais em Portugal na Monarquia Constitucional (1890-1910)43
1.1. Trabalho e Leis Laborais ......................................................................................................... 48
1.2. Previdncia Social .................................................................................................................. 94
1.3. Beneficncia ........................................................................................................................ 112
1.4. Hospitalizao ..................................................................................................................... 125
Captulo II As polticas sociais em Portugal durante a primeira fase da I Repblica (1910-1916) 140
2.1. Governo Provisrio (1910-1911) .......................................................................................... 153
2.1.1. Trabalho ......................................................................................................................................153
2.1.2. Previdncia social ........................................................................................................................179
2.1.3. Assistncia pblica ......................................................................................................................184
2.1.4. Hospitalizao .............................................................................................................................195
2.2. A consolidao do regime e a lenta implementao das polticas sociais (1911-1916) ........... 198
2.2.1. Regime laboral e horrio de trabalho .........................................................................................198
2.2.2. Seguro social contra acidentes de trabalho e demais previdncia social ..................................237
2.2.3. Assistncia pblica ......................................................................................................................246
2.2.4. Os Hospitais Civis de Lisboa ........................................................................................................258
Captulo III A criao, funcionamento e extino do Ministrio do Trabalho e Previdncia Social e
o legado das suas instituies: o impacto da I Guerra Mundial e as polticas sociais (1916-1926) . 278
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3.1. O Governo de Unio Sagrada e o III Governo de Afonso Costa (1916-1917) ........................... 278
3.1.1. As relaes laborais sob o novo Ministrio ................................................................................278
3.1.2. A previdncia social no seio da nova orgnica ministerial .........................................................282
3.1.3. A assistncia pblica no contexto dos efeitos da I Guerra Mundial em Portugal ......................287
3.1.4. A hospitalizao central em Lisboa .............................................................................................293
3.2. O Sidonismo (1917-1918): reformas e reconfiguraes ......................................................... 298
3.2.1. Relaes laborais.........................................................................................................................300
3.2.2. Previdncia social ........................................................................................................................304
3.2.3. A Assistncia pblica como espelho da tipologia das polticas sociais .......................................308
3.2.4. Os Hospitais Civis de Lisboa: consagrao da autonomia tcnica e administrativa ...................315
3.3. A segunda fase da I Repblica: a emergncia da interveno no plano social (1918-1926) .... 320
3.3.1. 1918-1919: horrio de trabalho, seguros sociais obrigatrios, assistncia pblica e beneficncia
privada, os Hospitais Civis de Lisboa .....................................................................................................324
3.3.1.1. Leis laborais e horrio de trabalho: a jornada de trabalho das oito horas dirias ..................324
3.3.1.2. A nova previdncia social: os seguros sociais obrigatrios .....................................................330
3.3.1.3. A assistncia pblica ................................................................................................................339
3.3.1.4. Os Hospitais Civis de Lisboa .....................................................................................................343
3.3.2. Os anos posteriores (1919-1926): leis laborais, previdncia social, assistncia pblica
(misericrdias e instituies de assistncia), os Hospitais Civis de Lisboa ...........................................344
3.3.2.1. Regime laboral: as resistncias aplicao da legislao .......................................................346
3.3.2.2. Previdncia social: o falhano da aplicao dos seguros sociais obrigatrios na doena,
invalidez, velhice e sobrevivncia e o funcionamento do seguro por acidente de trabalho ...............373
3.3.2.3. A reformulao do regime de funcionamento da Assistncia Pblica: misericrdias e
instituies de assistncia .....................................................................................................................399
3.3.2.4. Hospitais Civis de Lisboa ..........................................................................................................431
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Captulo IV Breve exposio. As polticas sociais sob a Ditadura: a estruturao do corporativismo
social sobre o edifcio liberal (1926-1933) ................................................................................... 436
4.1. Relaes laborais ................................................................................................................. 440
4.2. Previdncia social ................................................................................................................ 447
4.3. Assistncia Pblica e beneficncia privada ........................................................................... 455
4.4. Hospitais Civis de Lisboa ...................................................................................................... 460
Concluso .................................................................................................................................. 462
Fontes e Bibliografia ................................................................................................................... 472
ANEXOS ..................................................................................................................................... 505
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LISTA DE ABREVIATURAS
ACAP Associao Central da Agricultura Portuguesa
ACL Associao Comercial de Lisboa
ACLL Associao Comercial dos Lojistas de Lisboa
AILD Associao Internacional para a Luta contra o Desemprego
AIP Associao Industrial Portuguesa
AIPLT Associao Internacional para a Proteco Legal dos Trabalhadores
AIPS Associao Internacional para o Progresso Social
AISS Associao Internacional para os Seguros Sociais
ANC Assembleia Nacional Constituinte
ANT Assistncia Nacional aos Tuberculosos
Art. Cit. Artigo Citado
BIT Bureau international du travail
C. Companhia
Cf. Conforme
Cit. Citado
CGA Caixa Geral de Aposentaes
CGD Caixa Geral de Depsitos
CGDIP Caixa Geral de Depsitos e Instituies de Previdncia
CGDCP Caixa Geral de Depsitos, Crdito e Previdncia
CGT Confederao Geral do Trabalho
CIS Comisso Intersindical
CNP Caixa Nacional de Previdncia
CPISS Comit Permanente Internacional dos Seguros Sociais
CUF Companhia Unio Fabril
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Cx. Caixa
D. Data
E. Editor
EIPM Escritrio Internacional Permanente da Mutualidade
EIT Escritrio Internacional do Trabalho
EUA Estados Unidos da Amrica
Fl. Folha
FAO Federao das Associaes Operrias
FIM Federao Internacional da Mutualidade
FNADC Federao Nacional dos Amigos e Defensores das Crianas
FNASM Federao Nacional das Associaes de Socorros Mtuos
FNIPI Federao Nacional das Instituies de Proteco Infncia
GNR Guarda Nacional Republicana
ILO International Labour Office
ILO International Labour Organisation
INE Instituto Nacional de Estatstica
INSP Instituto Nacional de Seguros e Previdncia
INTP Instituto Nacional do Trabalho e Previdncia
ISSOPG Instituto de Seguros Sociais Obrigatrios e de Previdncia Geral
L - Local
L. Livro
Mc. Mao
N. Nmero
OIT Organisation internationale du travail
OIT Organizao Internacional do Trabalho
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Op. Cit. Obra Citada
P. Pgina
Proc. Processo
PCP Partido Comunista Portugus
PIB Produto Interno Bruto
PNRP Partido Nacional Republicano Presidencialista
PRE Partido Republicano Evolucionista
PRED Partido Republicano da Esquerda Democrtica
PRL Partido Republicano Liberal
PRN Partido Republicano Nacionalista
PRP Partido Republicano Portugus
PRP/ PD Partido Republicano Portugus/ Partido Democrtico
PRR Partido Republicano Radical
PRRN Partido Republicano de Reconstituio Nacional
PRU Partido Republicano Unionista
PSP Partido Socialista Portugus
RACAP Real Associao Central da Agricultura Portuguesa
S. Sem
SCML Santa Casa da Misericrdia de Lisboa
SDN Sociedade das Naes
SPIC Seco Portuguesa da Internacional Comunista
ULR Unio Liberal Republicana
UON Unio Operria Nacional
URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
V. Verso
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Vol. Volume
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Introduo
A sociedade e a sua evoluo determinam as caractersticas fundamentais da situao existente
num dado contexto histrico. Neste mbito, os actores sociais adquirem um carcter prprio que pode
ser percepcionado atravs de diferentes ngulos e perspectivas. A escolha do estudo da interveno do
Estado na sociedade definindo as polticas sociais o objecto que consideramos mais adequado para a
anlise que pretendemos desenvolver nas pginas que se seguem. Assim, o Estado moderno, entendido
na sua complexificao crescente determinada no perodo contemporneo e conduzida pela sua
primeira edificao na idade liberal durante o sculo XIX limitado aco de salvaguarda da vida,
da segurana e da propriedade acaba por sofrer diversas alteraes que o obrigam a no mais
negligenciar a questo social e que no mais deixar de estar sob anlise e realce, sobretudo durante
todo o primeiro tero do sculo XX onde os efeitos das diferentes crises econmicas e convulses
sociais o modelam e redesenham. No entanto, esta seria uma anlise parcelar se no levasse em linha
de conta o papel decisivo que a aco das foras sociais produziu nessa evoluo, quer relativamente
sua insero na cadeia produtiva trabalhadores e patronato , quer na sua correspondncia social
classes, grupos e meios sociais , quer tambm relativamente sua representao poltica regime
poltico na verso demoliberal sem direitos polticos, econmicos ou sociais universais, promovendo a
excluso da maioria da populao da deciso poltica. O seu contexto histrico abarca um perodo
balizado entre o Portugal finissecular de Oitocentos, submetido aos efeitos de uma grave crise
econmica e financeira aps 1890, quando se identificam as primeiras medidas de interveno de
carcter global e o Portugal de entre as Guerras, quando se encerra a longa experincia demoliberal
iniciada com a Revoluo liberal de 1820 e se inicia o tambm extenso perodo ditatorial e de
edificao do fascismo nos planos poltico, econmico e social, aps 1926. As diferentes
reconfiguraes do Estado, tal como a evoluo das classes e grupos sociais em presena tero, pois,
de estar em permanente anlise no sentido de compreender a longa e complexa marcha das polticas
sociais promovidas pelo Estado em Portugal durante as cerca de quatro dcadas e meia que separam
1890 e 1933.
A definio das polticas sociais do Estado como objecto de estudo historiogrfico no encontra
ainda em Portugal os seus devidos promotores no plano da investigao cientfica. Para alm disso,
salvo alguns exemplos de estudos e linhas de investigao que focam esta temtica de forma parcelar
ou apenas sob o ponto de vista de algumas das suas temticas, no existe ainda na historiografia
nacional uma verdadeira reflexo estrutural sobre esta questo fundamental no plano da histria
contempornea portuguesa.
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Na verdade, tm havido alguns contributos vindos da histria como at de outras reas
cientficas que abordam reas to diversas como o direito do trabalho e a legislao laboral, a
previdncia social e os esquemas de proteco social em geral, a assistncia pblica aos indigentes e a
represso policial e penal da mendicidade, a hospitalizao e as polticas pblicas na rea da sade, a
habitao social, popular e operria, entre outras temticas. No entanto, continua a faltar uma reflexo,
que numa perspectiva estrutural, trace de forma integrada e articulada a histria das polticas pblicas
de mbito social promovidas pelo Estado. Este estudo tambm completado pelas suas bvias e
amplas relaes com os agentes sociais, tais como: o movimento autnomo dos trabalhadores e a sua
interveno nos planos do sindicalismo, do mutualismo e do cooperativismo, por um lado; o
associativismo patronal e o poder econmico e financeiro, por outro.
este o nosso propsito ao desenvolvermos esta linha analtica. Por um lado, delinear a
trajectria, os bloqueios e impasses, as rupturas e as continuidades e aquilatar a execuo prtica dos
modelos delineados, tal como as influncias externas e as caractersticas intrnsecas da evoluo da
interveno do Estado no plano social. Por outro lado, definir qual o real objectivo do Estado na sua
interveno legislativa no perodo, a que se junta ainda a prpria periodizao e insero de Portugal
no contexto europeu e mundial, a que no alheia igualmente a feio poltica e ideolgica dos
regimes polticos em questo e em que crucial compreender a sua verdadeira matriz e objectivos no
plano social. Por outro lado, o contexto internacional marca indelevelmente a actuao dos agentes
sociais nos diferentes contextos nacionais, ajudando a compreender a sua interaco e relao com o
prprio Estado.
So vrios os autores que no plano internacional tm delimitado dois grandes contextos
histricos de execuo das polticas sociais nos diferentes casos nacionais analisados. Num primeiro
perodo, com uma feio de interveno limitada, em que o Estado apenas actua sobre os excludos e
os indigentes para de forma estigmatizante os enquadrar e os isolar, prestando-lhes cuidados
assistencialistas bsicos, tal como apenas se confina ao domnio da previdncia social atravs do
potenciar do mercado no plano dos seguros sociais direccionados aos trabalhadores de menores
rendimentos, eximindo-se a intervir nos graus de acesso sade ou habitao, por exemplo. Num
perodo posterior, assumindo uma feio universalista, em que o Estado avana para alm da garantia
de direitos polticos, inscrevendo na sua actuao os direitos econmicos e sociais de carcter
universal, nos planos laboral, da segurana social, da sade e da habitao, para alm da construo de
mecanismos de redistribuio da riqueza e da garantia de um rendimento mnimo para a sua
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populao, para alm da elevao material do seu nvel de vida1. Cremos, que o perodo em que
centramos este nosso estudo se adequa perfeitamente caracterizao da primeira idade das polticas
sociais definidas pelos Estados, no nos parecendo minimamente enquadrvel no plano de um Estado
social. A concepo de Estado social , segundo a concebemos no caso do nosso Pas, correspondente
ao reconhecimento dos direitos sociais universais que a Constituio da Repblica Portuguesa
aprovada a 2 de Abril de 1976 consagra, designadamente nos seus artigos 48. e 64., onde se
explicitam os direitos dos cidados portugueses segurana social e proteco na sade, para alm
do reconhecimento dos direitos dos trabalhadores no plano central dos direitos, liberdades e garantias
dos cidados no texto constitucional. Por outro lado, at no plano constitucional, as Constituies de
1911 e 1933, tal como a Carta Constitucional de 1826 e suas revises pelas Actos Adicionais de 1852,
1885 e 1895-1896 eram apenas textos polticos, no avanando em matria econmica e social no
reconhecimento de quaisquer direitos aos sbditos ou cidados. Assim, poderemos seguir uma
definio de Asa Briggs que adquiriu enorme aceitao e prevalncia entre os autores que estudam o
Estado social. Nessa explicao um Estado social define-se como um Estado onde o poder organizado
deliberadamente utilizado (atravs da poltica e da administrao) num esforo de modificar as foras
do mercado no sentido de, pelo menos, atingir trs realidades: garantir um rendimento mnimo aos
indivduos e s famlias; reduzir o nvel de insegurana social; assegurar que todos os cidados,
independentemente do seu estatuto ou classe social, usufruem dos melhores padres disponveis em
relao a uma srie definida de servios sociais2. No entender de Rodney Lowe, por exemplo, o Estado
social, considerado aps 1975 e em contexto britnico, uma sociedade onde o governo deve
assegurar a todos os cidados no apenas a segurana social mas tambm uma srie de outros servios
a um padro bem superior ao limiar mnimo definido. O que requer recursos como a despesa em bens e
o emprego de mo-de-obra numa escala com repercusses no funcionamento da economia. Devido a
isso, procurando minorar a sua despesa e a possibilidade de agitao social, o Estado social beneficia
1 Cf. Bent Greve, The Danish Welfare State: The Legislative Framework and Future Prospects, in The Welfare State:
Past, Present, Future (ed. Henrik Jensen; coord. Anne Catherine Isaacs), Pisa, Edizioni Plus/ Universit di Pisa, Clioh`s
Workshop II, 2002, pp.41-57; John Rogers, Ibidem, pp.13-26; John Brown, The British Welfare State: a critical history,
Oxford, Blackwell, Historical Association Studies, 1995, pp.6-25; 38-54; Keith Laybourn, The evolution of British social
policy and the Welfare State: c.1800-1993, Keele, Staffordshire, UK University Press, 1995, pp.183-208; Timothy
Beresford Smith, Creating the Welfare State in France 1880-1940, Montral/ London/ Ithaca, McGuill/ Queen`s University
Press, 2003. Vide pp.3-12, 51-90, 91-124 e 193-222; Franois Ewald, Histoire de L`tat Providence : les origines de la
solidarit, Paris, B. Grasset, 1996. Vide pp.170-173; 220-221, 230, 242; 255-256; 286-294; Anson Rabinbach, Social
Knowledge, Social Risk, and the Politics of Industrial Accidents in Germany and France, in States, Social Knowledge and
the Origins of Modern Social Policies (edited by Dietrich Rueschemeyer; Theda Skocpol), Princeton New York/
Chicester; Princeton University Press, 1996, pp.48-89. 2 Cf. Asa Briggs, The Welfare State in Historical Perspective, European Journal of Sociology, vol.II, 1961, p.228. Cit.
por John Brown, op. cit., p.5 e nota 6; Rodney Lowe, The Welfare State in Britain since 1945, London, Macmillan, 1993,
pp.13-14 e nota 9.
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sobretudo de perodos de crescimento econmico. O Estado tem ento de cumprir um papel mais
activo na economia do que a mera vigilncia ou a auto-regulao do mercado3.
Deste modo, entendemos que devemos apresentar um estudo que equilibre de forma razovel
os contedos informativos relativamente temtica em causa com a necessria e desejvel
interpretao e anlise dos aspectos, tendncias, dinmicas e resultados da investigao realizada. Este
equilbrio ser tambm enquadrado pelos objectivos e limites com que partimos para a sua elaborao
e a que daremos maior desenvolvimento na abordagem ao estado da questo e no Captulo I desta tese.
Estado da Questo
Como j referimos, continuam a no abundar os estudos que abordam especificamente esta
questo relativa interveno do Estado nesta matria que nos propomos estudar durante este perodo.
Na verdade, se verificarmos o leque de estudos acerca do tema que nos propomos estudar, podemos
apontar-lhe como caractersticas principais o seu carcter diminuto, parcelar e com necessidade de
aquisio novos contributos.
Se optarmos por percorrer esses trabalhos por reas de estudos, verificamos igualmente que no
estudo da histria contempornea portuguesa esta questo ainda no mereceu propriamente uma
ateno aprofundada e que permitisse obter uma anlise global acerca das polticas sociais no perodo.
Apesar disso, devemos referir, como referncias historiogrficas incontornveis e correspondendo a
um perodo onde os estudos sobre a sociedade portuguesa iniciavam os primeiros desenvolvimentos,
os verbetes que abordam diferentes reas que estudaremos no nosso trabalho inseridos no Dicionrio
de Histria de Portugal. Esta obra, dirigida por Joel Serro (1919-2008), foi editada entre 1963 e 1968
com sucessivas reedies, apresentando uma organizao alfabtica que procura abarcar todos os
perodos da histria de Portugal, incluindo igualmente o perodo contemporneo. Desta forma merece
referncia a entrada Assistncia Pblica, de Maria de Lourdes Akola Meira do Carmo Neto, uma
autora que tambm estudou a questo da demografia urbana em perspectiva histrica4. Dentro do leque
de temticas que pretendemos abordar cabe considerar igualmente o verbete Associao, Direito de,
includo no mesmo Dicionrio, e da autoria de Fernando Piteira Santos (1918-1992), intelectual e
historiador contemporneo portugus, que desenvolveu estudos em torno das questes da economia e
sociedade no perodo contemporneo e sobre o fenmeno do fascismo em Portugal seguindo a
metodologia adoptada pela escola historiogrfica francesa da revista Annales. Desenvolveu uma
3 Cf. Rodney Lowe, op. cit., p.14.
4 Cf. Maria de Lourdes Akola Meira do Carmo Neto, Assistncia Pblica, in Dicionrio de Histria de Portugal (coord.
Joel Serro), vol. I, Porto, Livraria Figueirinhas, 1992, pp.234-236.
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actividade de vrias dcadas de oposio antifascista5. Igualmente na mesma obra, o autor David
Ferreira (1897-1989) redigiu o artigo Inquilinato, que mais uma vez se cinge ao simples enunciar da
legislao aprovada nesta matria. O autor desenvolveu alguns estudos sobre a I Repblica em que
colocou em evidncia o seu plano poltico, tendo-se associando ao grupo Seara Nova e colaborado na
revista homnima desde a sua fundao, em 1921, at 19576. O artigo Mendicidade, da autoria de
Ruy de Abreu Torres no vai alm da enunciao da legislao sobre a matria7. De entre os verbetes
do Dicionrio de Histria de Portugal, e tendo em conta o perodo que nos propomos a estudar e a
temtica que nos serve de fundo, h que mencionar ainda a abordagem realizada por David Ferreira em
Trabalho, Leis do8. Qualquer um dos artigos referidos serve apenas de introduo, em grandes
limnhas gerais, questo que iremos desenvolver, tendo avanado no plano da divulgao alguns
aspectos caracterizadores da questo num perodo em que a prpria historiografia portuguesa no se
desenvolvera decisivamente no sentido da livre criao e investigao devido ao cerceamento imposto
pelo regime vigente no plano acadmico e cientfico.
Ainda num campo cientfico a que poderamos atribuir um carcter geral, temos de mencionar
o volume XI da Nova Histria de Portugal, coordenada por Joel Serro e por Antnio Henrique de
Oliveira Marques (1933-2007) e intitulado Portugal Da Monarquia para a Repblica, tendo sido
editado em 1991. Na verdade, tratando-se como outros ttulos congneres de uma Histria de Portugal,
este caso assume uma particularidade especial no contexto da anlise ao que foi produzido na
historiografia nacional sobre as polticas sociais do perodo em estudo. O volume em causa, balizando
a sua anlise entre 1900 e 1930, teve como principal autor Antnio Henrique de Oliveira Marques,
verificando-se uma base metodolgica onde a escola historiogrfica francesa da revista Annales est
bem presente, uma vez que a abordagem s estruturas econmicas e sociais no subalternizada,
ganhando antes um destaque relativamente ao relato factual do perodo, remetido para um nico
captulo do mesmo volume. De acordo com as temticas que pretendemos investigar, surge-nos desde
logo o captulo da mesma obra relativo propriedade, redigido por Oliveira Marques e Maria Fernanda
Rollo e assim justamente intitulado A Propriedade9. Da responsabilidade dos mesmos autores deve
mencionar-se igualmente o pequeno texto sobre os encargos sociais contido no captulo O Surto
Industrial10
. Segue-se nesta obra, o captulo que mais interesse desperta tendo em conta os objectos de
5 Cf. Fernando Piteira Santos, Associao, Direito de, in op. cit., vol. I, pp.236-238.
6 Cf. David Ferreira, Inquilinato, in op. cit., vol. III, pp.327-328.
7 Cf. Ruy d`Abreu Torres, Mendicidade, in op. cit., vol. IV, pp.254-256.
8 Cf. David Ferreira, Trabalho, Leis do, in op. cit., vo. VI, pp.184-188.
9 Cf. Antnio Henrique de Oliveira Marques; Maria Fernanda Rollo, A Propriedade, in Nova Histria de Portugal (dir.
Joel Serro e A.H. de Oliveira Marques), vol. XI Portugal Da Monarquia para a Repblica (coord. de A.H. de Oliveira
Marques), Lisboa, Editorial Presena, 1991, pp.61-64. 10
Cf. Idem, O Surto Industrial, in Ibidem, p.123.
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estudo do nosso trabalho: intitulado A Sociedade e as Instituies Sociais e da autoria de Oliveira
Marques e Lus Nuno Rodrigues, este texto subdivide-se ente os grupos e as instituies sociais e no
primeiro caso so considerados o mundo rural e o urbano11
. Contendo tratamento historiogrfico
importante para o nosso levantamento do estado da questo relativamente ao tema que nos propomos
estudar, outro captulo do volume XI da Nova Histria de Portugal merece igualmente referncia.
Trata-se de um texto intitulado O Estado e as Leis da autoria de Antnio Henrique de Oliveira
Marques, comportando anlise sumria evoluo da administrao pblica central desde os finais da
Monarquia Constitucional at aos primeiros anos da Ditadura Militar, cobrindo assim todas as
transformaes sofridas durante a vigncia da I Repblica (1910-1926)12
. O mesmo autor, no captulo
Aspectos da Vida Quotidiana da obra que temos abordado, refere ainda como ponto analtico a
questo relativa habitao, mas de forma sumria13
. Sobre este volume da Nova Histria de
Portugal, produzido com um cariz enciclopdico, h que mencionar o seu papel essencial na iniciao
a qualquer temtica que se integre na conjuntura em questo, uma vez que a riqueza dos seus
contedos possibilita o seu uso em investigaes historiogrficas como no caso da que pretendemos
desenvolver. Trata-se, por isso, de um exemplo incontornvel de uma Histria geral do Pas com
amplos benefcios para o descortinar da iniciao temtica que nos propomos desenvolver. No
entanto, no permite exactamente mais do que uma boa sntese a algumas das problemticas em
questo na abordagem s polticas sociais, uma vez que no poderia ser colocada em anlise uma
abordagem mais profunda exactamente pelo seu carcter global e enciclopdico.
Relativamente aos estudos especificamente dedicados s polticas sociais em Portugal no
perodo de 1910-1926, ou com incidncia importante nessa conjuntura, h que mencionar o artigo de
Miriam Halpern Pereira, As origens do Estado-Providncia em Portugal: As novas fronteiras entre
pblico e privado, que equivale comunicao desta autora apresentada ao Curso de Vero do
Instituto de Histria Contempornea da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade
Nova de Lisboa e intitulado A Primeira Repblica Portuguesa entre o Liberalismo e o
Autoritarismo. Este curso foi coordenado por Nuno Severiano Teixeira e Antnio Costa Pinto e as suas
actas foram publicadas em 2000. A autora Miriam Halpern Pereira (1937-), especialista em histria
econmica e social dos sculos XIX e XX, tem dedicado a sua carreira de investigao historiogrfica
a questes estruturais do processo de evoluo da economia e sociedade portuguesas aps o triunfo do
liberalismo em 1834, com um profundo cuidado em basear a sua anlise em investigaes suportadas
11
Cf. Antnio Henrique de Oliveira Marques e Lus Nuno Rodrigues, A Sociedade e as Instituies Sociais, in Ibidem,
pp.187-239. 12
Cf. Antnio Henrique de Oliveira Marques, O Estado e as Leis, in Ibidem, pp.281-305 e 330-335. 13
Cf. Idem, Aspectos da Vida Quotidiana, in Ibidem, pp.635-638.
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14
por elementos documentais que garantam uma base estrutural para as hipteses a serem lanadas14
. Na
ausncia de muitos estudos que abordem este perodo que pretendemos estudar e tendo como enfoque
esta temtica, este texto deve ser mencionado neste contexto, j que representa uma sistematizao
muito importante para o estudo das polticas sociais em Portugal. Tratou-se, desta maneira, de uma boa
abordagem origem das polticas sociais em Portugal, cruzando-a com o prprio desenvolvimento do
movimento mutualista, levantando algumas das caractersticas essenciais da progressiva evoluo da
questo em Portugal e tendo em conta dois dos actores sociais mais importantes no nosso entender
para compreender esta evoluo: o Estado e o movimento autnomo dos trabalhadores na sua vertente
mutualista.
De facto, a ausncia de uma grande abundncia de estudos sobre as polticas sociais no
perodo, mesmo se considerarmos as diferentes cincias sociais e humanas, no anulam a pertinncia e
carcter ilustrativo que estudos como o de Maria Alice Marques Almeida comportam. que tratando a
questo do estudo das polticas sociais como um todo no contexto da I Repblica s conhecemos a
elaborao da Dissertao de Mestrado em Sistemas Scio-Organizacionais da Actividade Econmica,
apresentada ao Instituto Superior de Economia e Gesto da Universidade Tcnica de Lisboa em 1997
pela autora, e intitulada A Primeira Repblica Portuguesa e o Estado Providncia. Este estudo
acadmico procura fazer o levantamento e a anlise das principais medidas de poltica social
defendidas e implementadas na I Repblica Portuguesa (1910-1926) e at que ponto essas iniciativas
corresponderam ou no a uma evoluo tendencial no sentido do estabelecimento dos primrdios de
um Estado-Providncia em Portugal. Assim, no apresenta uma profunda sustentao analtica a nvel
do contexto poltico, institucional e ideolgico em questo cariz e natureza do regime da I Repblica
ou uma fundamentao referencial acerca das especificidades nacionais no contexto da discusso da
interveno estatal no sector social acerca de um perfil portugus da interveno estatal na
implementao de polticas sociais , mas claramente inovador por colocar a questo dos primrdios
da interveno legislativa do Estado em matria social15
. O estudo de Maria Alice Marques Almeida
assume-se inovador, ainda que proveniente da cincia econmica, assumindo uma vertente
problematizadora ao enquadrar de forma articulada as diferentes reas de interveno pblica no plano
social. Por outro lado, rejeita uma leitura apressada ou simplista acerca destas questes, tentando no
ignorar o contexto histrico, ainda que essa seja a vertente menos aprofundada do seu trabalho,
14
Cf. Miriam Halpern Pereira, As origens do Estado-Providncia em Portugal: As novas fronteiras entre pblico e
privado, in A Primeira Repblica Portuguesa entre o Liberalismo e o Autoritarismo (coord. Nuno Severiano Teixeira e
Antnio Costa Pinto), Lisboa, Edies Colibri/ Instituto de Histria Contempornea da Faculdade de Cincias Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Coleco Cursos de Vero IHC/UNL, n. 3, 2000, pp.47-76. 15
Cf. Maria Alice Marques Almeida, A Primeira Repblica Portuguesa e o Estado Providncia, Tese de Mestrado em
Sistemas Scio-Organizacionais da Actividade Econmica apresentada ao Instituto Superior de Economia e Gesto da
Universidade Tcnica de Lisboa, 1997.
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15
faltando-lhe uma viso de conjunto sob o ponto de vista do objecto histrico para o enquadramento
procurado na anlise s polticas sociais em questo sob o contexto da I Repblica Portuguesa.
Finalmente refira-se alguns dos no muito abundantes estudos pioneiros a nvel sectorial que
abordaram componentes importantes das polticas sociais onde o enquadramento poltico do regime da
I Repblica Portuguesa est presente ou mesmo se assume como motivao para balizar esses
trabalhos. No campo da assistncia e proteco infncia so de destaque obrigatrio dois trabalhos
acadmicos: A assistncia infantil na transio para o sculo XX e nos primeiros anos da Repblica,
dissertao de Mestrado em Histria Contempornea apresentada Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa em 1989 por Maria Manuela Lima Santos e Assistncia Infantil em Lisboa na
1 Repblica, obra publicada em 2004 e resultante de uma dissertao de Mestrado em Histria
Contempornea apresentada Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa, elaborada por Maria de Ftima Caldeira. As suas abordagens esto ligadas por tratarem
exactamente da questo da assistncia infantil, j que se no primeiro caso a anlise geral no contexto
da transio dos regimes monrquico e republicano, no segundo caso a motivao apresentar a rede
de instituies de beneficncia devotadas apenas proteco infncia durante a I Repblica na
cidade de Lisboa16
. No nosso entender, o estudo de Maria Manuela Lima Santos reveste-se de
importncia por tratar especificamente a questo relativa evoluo institucional da proteco
infncia no perodo que tambm motiva a nossa investigao, componente destacada de qualquer
poltica social digna dessa meno. Trata-se, para o perodo historiogrfico em que foi produzida, de
uma abordagem inovadora ao realizar um primeiro levantamento no plano legislativo e das
publicaes peridicas especializadas no perodo em causa, sobre a proteco infncia. No entanto, o
seu mbito circunscrito no permitiu avanar de forma mais incisiva para a definio de vrias
problemticas em questo, sendo qui a mais destacada a questo da encruzilhada entre o vector
punitivo e o vector regenerador que a legislao e a evoluo institucional sempre foram revelando ao
longo daquele contexto. Segue-se a meno ao trabalho de investigao empreendido por Maria de
Ftima Caldeira, resultante de uma dissertao de Mestrado apresentada em 1993 na Faculdade de
Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e que foi editada em livro em 2004 com
o ttulo de Assistncia Infantil em Lisboa na 1 Repblica. Trata-se de um autntico guia acerca desta
temtica no caso da cidade de Lisboa entre 1910 e 192617
. No entanto, pouco avana no plano do
questionamento das polticas sociais direccionadas infncia no seu plano mais geral, valendo mais
como uma abordagem centrada na capital do Pas e destacando no plano institucional as valncias
16
Cf. Maria Manuela Lima Santos, A assistncia infantil na transio para o sculo XX e nos primeiros anos da Repblica,
vol.1, Tese de Mestrado em Histria Contempornea apresentada Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1989. 17
Cf. Maria de Ftima Caldeira, Assistncia Infantil em Lisboa na 1. Repblica, Lisboa, Caleidoscpio, 2004.
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16
existentes. Passamos em seguida para a obra de Antnio Carlos Duarte-Fonseca, Internamento de
menores delinquentes. A Lei portuguesa e os seus modelos: um sculo de tenso entre proteco e
represso, educao e punio que foi editada em 2005. O seu autor, director-adjunto do Centro de
Estudos Judicirios desde 2004 e antigo vice-presidente do Instituto de Reinsero Social do
Ministrio da Justia (1997-1999) e director do Instituto Padre Antnio de Oliveira (1979-1992),
apresentou este estudo como dissertao de Mestrado em Cincias Jurdico-Criminais na Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra em 20 de Outubro de 2004. Trata-se de um olhar exaustivo sobre
as polticas promovidas pelo Estado portugus direccionadas para os menores delinquentes, partindo
do conceito de estudo comparado da matriz da legislao nacional do ltimo sculo e meio e das suas
congneres europeias. O autor baliza precisamente esse questionamento na encruzilhada entre os
conceitos de proteco e represso e de educao e de punio, tendo como pano de fundo o sculo
XX, mas no descurando os antecedentes legislativos na centria de Oitocentos18
. Na verdade, estas
so as seces da obra que nos interessam referir neste caso, se bem que o autor revele sobretudo as
evolues dos modelos de internamento penal de jovens nos casos da Frana e da Blgica, sistemas
que reciprocamente influenciaram e receberam influncias das solues adoptadas pelo Estado
portugus nesta matria. A obra estende-se at ao final do sculo XX, incluindo a evoluo havida no
sistema portugus depois da revoluo de 25 de Abril de 1974 e da construo do regime democrtico
posterior. Apesar de muito centrado nas questes do foro jurdico e criminal perfeitamente normais
numa dissertao apresentada precisamente nessa rea, este trabalho revela um contedo de
aprofundamento importante acerca da evoluo estrutural do sistema de internamento de menores
delinquentes como resposta do Estado aos fenmenos da delinquncia e demais comportamentos
desviantes no conformes ordem instituda nos seus mltiplos contextos histricos e que tambm
enformam a aco dos poderes pblicos durante o fim da Monarquia e os anos da I Repblica em
Portugal. Apesar disso, a sua origem jurdica transparece uma reduzida relao entre a exaustiva
problematizao existente e as diferentes conjunturas internas, destacando-se a ausncia praticamente
completa acerca do papel e do perfil assumido pelo Estado nos diferentes contextos abordados na
conjuntura em questo, o que nos parece essencial para melhor compreender o que est em questo.
H que igualmente citar o estudo realizado por Maria de Ftima Pinto intitulado Os Indigentes.
Entre a Assistncia e a Represso: a outra Lisboa no 1. tero do Sculo. Foi editado em 1999 e
corresponde a uma dissertao de Mestrado em Histria dos Sculos XIX e XX apresentada
Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa em Julho de 1995.
Tambm esta autora escolhe posicionar-se entre dois conceitos, o da assistncia pblica e o da
18
Cf. Antnio Carlos Duarte-Fonseca, Internamento de menores delinquentes. A Lei portuguesa e os seus modelos: um
sculo de tenso entre proteco e represso, educao e punio, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pp.98-222.
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represso promovida igualmente pelos poderes pblicos. Justamente numa perspectiva de histria do
quotidiano, Maria de Ftima Pinto prope-se estudar os indigentes na Lisboa do primeiro tero do
sculo XX, procurando identific-los e determinar as suas formas de vida19
. Entretanto, o trabalho
nestas questes abriu espao para um aprofundamento das abordagens cientficas na rea20
.
Num plano geral de anlise, devemos referir ainda a Tese de Mestrado em Gesto apresentada
Universidade da Beira Interior de Maria Otlia Mendes Nunes Duarte, O Estado-Providncia:
contribuio para o estudo e anlise do modelo portugus de 1996. Apesar de propor uma evoluo
para as funes sociais do Estado da qual discordamos totalmente, uma vez que propugna por uma
sistema de mercantilizao e misto que desfiguraria por completo o sistema pblico e universal da
segurana social em Portugal, procurou na histria da evoluo das polticas sociais no Pas a origem
da sua caracterizao feita para o perodo posterior revoluo de 25 de Abril de 1974. Entrando nas
diferentes vertentes a analisar e que servem de contexto subjacente ao trabalho que aqui apresentamos,
devemos referir a Tese de Mestrado em Histria Contempornea apresentada Faculdade de Cincias
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa em 2008 por Joana Dias Pereira com o ttulo
Sindicalismo Revolucionrio A histria de uma Ida, que interpreta a evoluo da teoria daquela
corrente sindical e ideolgica que predominou no movimento sindical portugus durante boa parte da
sua fase de expanso livre, anterior sua decapitao forada posterior a 1933. So tambm dignos de
realce nestas reas as abordagens s questes do direito do trabalho por Maria Cristina Fernandes
Rodrigues com Trabalhar em Portugal (1910-1933): anlise da legislao sobre os direitos dos
trabalhadores, uma Tese de Mestrado em Sociologia do Trabalho, das Organizaes e do Emprego, de
2006 e uma obra central sobre o movimento mutualista em Portugal de Vasco Rosendo O mutualismo
em Portugal: dois sculos de histria e as suas origens, editada em 1996. No mbito da previdncia
social, devemos tambm referir como importante o artigo de Jos Lus Cardoso e Maria Manuela
Rocha O seguro social obrigatrio em Portugal (1919-1928): aco e limites de um Estado
previdente. Na rea da sade e hospitalizao h que referir a obra genrica de Francisco Antnio
Gonalves Ferreira, Histria da Sade e dos Servios de Sade em Portugal, de 1990. Abordando o
papel dos mdicos e as questes da medicina legal de Maria Rita Lino Garnel, Vtimas e violncias na
Lisboa da Primeira Repblica, Coimbra, Tese de Doutoramento em Letras, especialidade de Histria
Contempornea, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2005 e de Eunice Relvas a
19
Cf. Maria de Ftima Pinto, Os Indigentes. Entre a Assistncia e a Represso: a outra Lisboa no 1. tero do Sculo,
Lisboa, Livros Horizonte, Coleco Cidade de Lisboa, n. 32, 1999. 20
Para mais detalhes acerca da bibliografia produzida sobre as diferentes polticas sociais aqui consideradas, vide David
Oliveira Ricardo Pereira, As Polticas Sociais em Portugal (1910-1926), Trabalho de Projecto para a obteno do grau de
Mestre em Histria Contempornea apresentado Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa, Junho de 2008, pp.9-38.
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18
questo da Esmola e Degredo: mendigos e vadios em Lisboa (1835-1910) editado em livro em 2002.
Podemos caracterizar mais estes exemplos como complementares produo cientfica sobre a
questo, faltando em todos os exemplos apontados uma verdadeira viso de conjunto,
problematizadora e analtica, sobre a questo do estudo das polticas sociais centradas como objecto de
estudo histrico. Essa abordagem permitiria, seguramente, garantir a estas abordagens um
conhecimento mais consolidado sobre as diferentes questes em anlise.
De qualquer forma, no se pretendeu assumir aqui um compromisso exaustivo neste elenco
apresentado, nem no plano da descrio dos contedos bibliogrficos em causa, nem no plano da sua
mera enunciao. O nosso objectivo to s o de apontar as extremas carncias que esta temtica
apresenta, sobretudo no que ateno da historiografia nacional diz respeito. Assim, confirmamos o
enorme desfasamento que estes estudos encontram na comparao com o estado da questo em outros
pases e realidades nacionais, o que tambm acarreta repercusses em possveis estudos comparativos.
Procuraremos ento contribuir para uma melhor conhecimento acerca do estudo das polticas sociais e
das origens da interveno do Estado no plano social em Portugal, ajudando a traar a sua evoluo e a
problematizar esse quadro no enquadramento mais dilatado do perodo circunscrito entre 1890 e 1933.
As polticas sociais como objecto de estudo histrico
O propsito com que partimos para a definio deste objecto de estudo iniciou-se com a
assumpo da necessidade de conhecer a longa trajectria histrica da interveno do Estado no plano
social no caso portugus. Os trabalhos realizados tm-nos conduzido a essa necessidade, at por
comparao com a historiografia produzida em outros pases, onde as grandes snteses conclusivas
foram sucessivamente surgindo suportadas em vrios trabalhos centrados nos diferentes mecanismos e
polticas de interveno do Estado nesta rea.
Por outro lado, centrando igualmente a sua situao cronolgica e estrutural em termos
econmicos e sociais, cremos ser possvel aquilatar at que ponto se diferenciaram os propsitos
prvios realizao das polticas, a sua aplicao e a apreciao final acerca do seu sucesso ou
malogro. Para o enquadramento necessrio a esta temtica necessitamos do contexto final da
Monarquia Constitucional, assim como ser aps o golpe de 28 de Maio de 1926 e a rpida construo
do Estado fascista que delinearemos as necessrias concluses para o nosso estudo.
Devemos notar que, nas suas grandes linhas interpretativas, as questes que colocmos para
este estudo continuam vlidas e as perspectivas iniciais foram confirmadas pela anlise efectuada. A
ausncia de um Estado social durante o perodo, num contexto de igual ausncia de direitos polticos e
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19
sociais universais para a populao portuguesa e de prevalncia de concepes de interveno
direccionada aos mais desfavorecidos que declaradamente no desempenhavam qualquer actividade
profissional, tal como o atendimento apenas aos trabalhadores de rendimentos mais baixos foram
realidades nunca superadas. Para alm disto, no podemos esquecer a poltica de grande animosidade e
violncia prosseguida contra as associaes de classe e o movimento sindical em geral que marcam
como pano de fundo esta rea social. Isto num contexto de indisponibilidade oramental comum,
acompanhada da grande instabilidade poltica e governativa e uma trajectria nas diferentes
conjunturas internas do perodo onde a I Guerra Mundial uma realidade que marca todos os
contextos em que o Estado intervm em Portugal. Confirmamo-lo sucessivamente ao longo do nosso
estudo. , portanto, com esta perspectiva que partimos para o seu estudo, enquadrando-as no seu
contexto histrico prprio e que no caso concreto de Portugal entre 1890 e 1933 tambm
condicionado pela prpria evoluo do contexto de polticas sociais. A construo conceptual da
grelha analtica, que fazemos sucessivamente para abordar as questes ligadas a estas polticas sociais,
tambm ela determinada, partida, pelo ponto de chegada das funes sociais do Estado efectivadas
em Portugal aps a revoluo de 25 de Abril de 1974, quando o Pas finalmente alcana a consagrao
constitucional da universalidade dos direitos sociais ao incluir as classes mdias no sistema de
segurana social. nesse momento operada uma concomitante desmercantilizao que revolucionou o
acesso aos diferentes servios mediante o reconhecimento na Constituio da Repblica Portuguesa de
1976 dos direitos sociais, visando promover a igualdade entre os cidados. O que no implica qualquer
tipo de perspectiva anacrnica ou omisso do longo caminho da evoluo das polticas sociais, uma
vez que mesmo na fase da recusa da garantia de direitos sociais a todos os portugueses, a que
corresponde o nosso estudo, a interveno do Estado foi existindo sobretudo ao sabor da presso social
diversa ou at para convenincia da manuteno do contexto econmico e social vigente (luta e
conflitualidade social, presso demogrfica urbana, conteno e ataque a epidemias endmicas,
proliferao da pobreza e mendicidade no meio urbano, crescimento da organizao e nvel numrico
da sindicalizao, conhecimento e percepo das realidades noutros pases e regies). Por isso,
pensamos ser justificado o estudo da legislao laboral (horrio de trabalho, inspeco e
regulamentao do trabalhos dos menores e das mulheres, arbitragem e conciliao de conflitos
mltiplos atravs dos tribunais de rbitros avindores), da previdncia social (seguros sociais
obrigatrios nas situao de desastre de trabalho, doena, invalidez, velhice e sobrevivncia e tribunais
arbitrais de previdncia social, tribunais especiais de rbitros avindores para desastres no trabalho,
tribunais de desastres no trabalho), da assistncia pblica e beneficncia privada (institucionalizao
de crianas e adultos, cuidados pr e ps natais, puericultura na primeira infncia, sustentao
alimentar, represso da mendicidade) e da sade e hospitalizao (internamento de doentes e consultas
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20
externas nos hospitais de carcter supra regional e nacional e nos hospitais postos clnicos
dispensrios das misericrdias).
Assim, tambm fomos obrigados a determinar diversos limites prpria dimenso do objecto
de estudo das polticas sociais, procurando adequ-lo e centr-lo ao plano social. Poderia ser atractivo
estudar as polticas relativas habitao social por parte do Estado, mas a abordagem que iremos fazer
ser circunscrita devido inoperncia na sua concretizao do Estado central durante o perodo,
exceptuando alguns casos que apenas confirmam a regra de ausncia da construo de habitaes
econmicas sobretudo para as famlias operrias no perodo. Tambm elencaremos a evoluo da
questo do arrendamento e do regime do inquilinato, onde a poltica do Estado se viu confrontada com
amplas reivindicaes do movimento sindical organizado. Por outro lado, no perodo em causa, trata-
se mais de um elenco de diversas iniciativas que no tiverem depois concretizao prtica, mas que se
justifica pela insistncia cada vez mais frequente dos interlocutores do movimento operrio, tal como
de diversos estudiosos da questo, alto funcionrios pblicos e deputados e ministros. Tambm seria
interessante uma eventual incurso na instruo pblica, que a ser considerada no seu todo,
compreenderia a instruo primria elementar e complementar, a instruo secundria, a instruo
superior e a instruo profissional (agrria, industrial e comercial). Assim entendida, cremos que daria
lugar a um estudo por si s desta vasta temtica e por isso optmos por no a incluir na abordagem
aqui realizada. O que tambm se verifica no caso das questes de poltica econmica em torno do
custo da vida, nveis salariais e abastecimentos bens de primeira necessidade no perodo. Foram
questes conexas s polticas sociais e a eles nos referiremos vrias vezes neste estudo, mas numa
perspectiva de enquadramento e contextualizao e procurando no entrar num plano de estudo
detalhado das polticas econmicas subjacentes aos resultados alcanados. No entanto, estaro sempre
em equao, uma vez que influenciaram decisivamente a vida dos actores sociais em causa, constando
dos cadernos reivindicativos das associaes de classe, das suas federaes e da prpria UON e CGT,
por exemplo, mas tambm das representaes patronais da AIP, da ACAP e da ACL. Estaramos j no
estudo da economia poltica no perodo, assim como dos mecanismos do Estado para intervir na
economia e das matrizes ideolgicas que lhes presidiram.
As abordagens que adoptmos neste estudo so tambm condicionadas pelas conjunturas
polticas aqui consideradas: Monarquia Constitucional, Primeira Repblica, Ditadura Militar e Estado
Novo. Na realidade, a evoluo das polticas sociais predominantemente determinada pelos contextos
econmicos e financeiros vigentes, mas no plano do estudo das mesmas adquire maior pertinncia, em
nosso entender, a abordagem integrada no plano da evoluo poltica e institucional. Obviamente que
existem vrios perodos em que essas conjunturas se entrecruzam e concorrem para o mesmo efeito e
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21
tm consequncia na deciso poltica, como por exemplo, o ano de 1919 como o primeiro do imediato
ps Primeira Guerra Mundial, tal como sendo o primeiro ano aps o Governo de Sidnio Pais e da
defesa do regime republicano face tentativa de restaurao monrquica, assim como o ano que marca
amplas transformaes no contexto internacional que no deixaram de influenciar Portugal.
O Estado, o seu papel e o seu perfil
Foi desta forma que procurmos limites abrangentes para o mbito da nossa tese de
doutoramento. No s pelas razes j aduzidas, mas tambm porque entendemos que s uma anlise
estrutural a esta questo pode contribuir para o avano na sua abordagem, mas tambm no sentido de
alcanar uma viso estrutural sobre as polticas sociais promovidas em Portugal pelo Estado. Desta
forma, devemos igualmente apontar as carncias e insuficincias que no plano das fontes histricas
disponveis encontramos na realidade actual em Portugal. Assim, temos de apontar a ausncia de
importantes fundos documentais. Devido a vicissitudes vrias que se prendem com a situao dos
arquivos histricos dos organismos pblicos da administrao central em Portugal, no contaremos
com documentao para este estudo. Procurmos colmat-la atravs de anlise indirecta de outra
documentao e de diferentes fontes impressas. Parece-nos importante destacar este aspecto por se
tratar de acervos correspondentes documentao produzida pelos servios dos ministrios que
integram, afinal, o agente social responsvel pelo objecto de estudo que aqui consideramos: o Estado.
O papel do Estado e o perfil que este assumiu nesta conjuntura que aqui consideramos para
estudo tambm importante para melhor compreender o alcance e o efectivo funcionamento das
instituies. Como em outros aspectos aqui considerados, tambm neste contexto as grandes alteraes
surgiram com as necessidades desesperadas que os dirigentes republicanos sentiram no final da
Primeira Guerra Mundial e aps o fim da experincia sidonista. No ano econmico de 1919-1920
aumentaram em grande monta as estruturas, os organismos e as instituies pblicas nos ministrios.
Se olharmos para os servios que directamente tiveram relao com a concretizao das polticas
sociais, verificaremos esse facto plenamente confirmado, sobretudo no contexto da criao e expanso
dos servios do Ministrio do Trabalho, assim como no caso do Ministrio do Interior. Neste caso,
essa tendncia vinha j da primeira fase do regime republicano, dando continuidade sucessiva
complexificao que desde o final da Monarquia Constitucional fora necessrio assumir. O mesmo se
verifica no caso do Ministrio do Fomento, se tivermos em conta o perodo em que tutelava as
questes do trabalho e previdncia social, entre 1903 e 1916. Reparemos nessa evoluo atravs do
quadro seguinte.
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Quadro 1 Evoluo Institucional dos organismos responsveis pelas polticas sociais em Portugal (1890-1933)
Monarquia Constitucional (1890-1910)
Assistncia Pblica e Hospitalizao
Ministrio Servio Responsvel Perodo de vigncia
Reino/ Interior Direco-Geral de Sade e Beneficncia Pblica (tutela o Hospital Real de
So Jos e Anexos)
4.12.1899-9.2.1911
Trabalho e Previdncia Social
Obras
Pblicas,
Comrcio e
Indstria
2. Seco da Repartio dos Servios Tcnicos de Minas e da Indstria
(tutela do Tribunal de rbitros Avindores de Lisboa e do trabalho das
mulheres e dos menores na indstria)
1.12.1892-28.12.1899
2. Seco da Repartio do Ensino e Estatstica Industrial da Direco-
Geral do Comrcio e Indstria (tutela de assuntos relativos inspeco,
fiscalizao, higiene e trabalho das mulheres, dos menores e dos adultos na
indstria, desastres no trabalho, seguros contra esses desastres e casos de
invalidez do pessoal da indstria; greves, coligaes, horas de trabalho,
descanso, falta de trabalho industrial, tribunais de rbitros avindores e
bolsas de trabalho)
28.12.1899-21.1.1903
Obras
Pblicas,
Comrcio e
Indstria/
Fomento
Repartio do Trabalho Industrial da Direco-Geral do Comrcio e
Indstria (tutela do trabalho industrial, segurana e salubridade nas fbricas
e oficinas, situao dos operrios e sua proteco e servio de pesos e
medidas, recebendo em 25.5.1915 uma seco responsvel pela estatstica
industrial, dos inquritos industriais, e das exposies e congressos
industriais e comerciais)
21.1.1903-16.3.1916
I Repblica (1910-1926)
Assistncia Pblica e Hospitalizao
Interior 2. Repartio de Assistncia Pblica da Direco-Geral de Administrao
Poltica e Civil (tutela o Hospital de So Jos e Anexos)
9.2-25.5.1911
Direco-Geral de Assistncia (tutela o Hospital So Jos e Anexos/ os
Hospitais Civis de Lisboa)
25.5.1911-13.7-1918
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Direco-Geral dos Hospitais Civis de Lisboa 9.7.1918-30.9.1918
Trabalho e Previdncia Social
Trabalho Direco-Geral do Trabalho (tutela a Repartio Tcnica do Trabalho
inspeco de salubridade, higiene e segurana no trabalho e a Repartio
de Defesa do Trabalho trabalho das mulheres, dos menores e dos adultos,
fiscalizao sobre o cumprimento da legislao laboral em vigor, horrio,
remunerao e contratos de trabalho; acidentes de trabalho, tal como todo o
tipo de conflitos entre o capital e o trabalho)
16.3.1916-25.5.1925
Direco-Geral de Previdncia Social (tutela a Repartio das Associaes
de Classe e Mutualistas acompanhamento das associaes de classe e das
federaes sindicais, das associaes de socorros mtuos e das federaes
mutualistas, acrescentando-se ainda o trabalho dos tribunais mutualistas em
geral, assim como a elaborao de inquritos relativos situao do
operariado portugus e a Repartio de Defesa Econmica habitao
operria, cooperativas de consumo, de produo e de crdito, caixas
econmicas, interveno social patronal, custo da vida dos trabalhadores,
regulao dos preos das subsistncias pblicas)
16.3.1916-10.5.1919
Inspeco do Trabalho (sete circunscries territoriais dependentes da
Direco-Geral do Trabalho)
16.3.1916-25.5.1925
Inspeco de Previdncia Social (trs circunscries territoriais dependentes
da Direco-Geral de Previdncia Social)
16.3.1916-10.5.1919
Inspeco Sanitria do Trabalho (higiene e doenas profissionais,
salubridade e segurana no trabalho)
13.4.1918-10-5-1919
Direco-Geral de Previdncia Social (recebe a Repartio das Associaes
Profissionais e Mutualistas que substitui a Repartio das Associaes de
Classe e Mutualistas e a nova Repartio de Companhias e Sociedades de
Seguros)
13.7.1918-10.5.1919
Direco-Geral de Assistncia 13.7.1918-10.5.1919
Direco-Geral dos Hospitais Civis de Lisboa 30.9.1918-25.11.1925
ISSOPG (superintendncia de todo o sistema de seguros sociais obrigatrios
nas situaes de doena, de desastres de trabalho, de invalidez, de velhice e
de sobrevivncia e dos seguros industriais exercidos pelas sociedades
10.5.1919-25.11.1925
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annimas e as sociedades mtuas, das bolsas sociais de trabalho, dos
servios de mutualidade livre e das associaes profissionais e dos servios
de assistncia pblica e privada)
Ditadura Militar (1926-1933)
Assistncia Pblica e Hospitalizao
Interior Direco-Geral de Assistncia 25.5.1925-1.7.1927
Direco-Geral dos Hospitais Civis de Lisboa 25.5.1925-1.7.1927
Direco-Geral de Assistncia (Assistncia Pblica e Hospitais Civis de
Lisboa)
1.7.1927-
Trabalho
Comrcio e
Comunicaes
Direco-Geral das Indstrias (herdando a tutela referente antiga
Direco-Geral do Trabalho)
25.5.1925-
Inspeco Tcnica das Indstrias (herdando a tutela referente antiga
Inspeco do Trabalho)
25.5.1925-
Interior Instituto Social do Trabalho (tutela da Repartio da Poltica Social do
Trabalho trabalho das mulheres e menores; horrio do trabalho; descanso
semanal; salrios; salrio mnimo; bolsas sociais do trabalho; contratos;
conflitos tribunais de rbitros avindores; associaes de classe; educao e
instruo social dos trabalhadores e da Repartio de Estatstica do
Trabalho estatstica social do trabalho: profisses, salrios, conflitos,
conciliaes, julgamentos)
25.5.1925-
Previdncia Social
Finanas ISSOPG (superintendncia de todo o sistema de seguros sociais obrigatrios
nas situaes de doena, de desastres de trabalho, de invalidez, de velhice e
de sobrevivncia e dos seguros industriais exercidos pelas sociedades
annimas e as sociedades mtuas, das bolsas sociais de trabalho, dos
servios de mutualidade livre e das associaes profissionais)
25.5.1925-11.4.1928
INSP (herdando a tutela referente ao antigo ISSOPG) 11.4.1928-
Fonte: Diario do Governo, Lisboa, Imprensa Nacional, 1889-1911; Dirio do Govrno, Lisboa, Imprensa Nacional, 1911-
1914; Dirio do Govrno, Lisboa, Imprensa Nacional, I srie, 1914-1933.
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25
Sem termos pretenses a uma excessiva descrio do percurso evolutivo dos servios pblicos
centrais que tutelaram as matrias que abordaremos posteriormente, podemos confirmar as
caractersticas fundamentais desta evoluo do papel e dos perfis assumidos pelo Estado durante este
perodo atravs da anlise ao Quadro 1. Verifica-se o avano motivado pelas necessidades prementes
que a conjuntura poltica, econmica e social foi ditando, apesar de um esforo presente na teorizao
dos organogramas ministeriais que garantissem racionalidade estruturao interna do Estado. No
entanto, a realidade prtica desmentiu no raras vezes essa concepo, ou condenou letra morta a sua
edificao terica.
A evoluo dos paradigmas das polticas sociais e o contexto internacional
Como natural, para um perodo de mais de quatro dcadas, os paradigmas prevalecentes
relativos implementao de polticas sociais tambm revelam uma evoluo. Por outro lado, tendo
em conta o contexto europeu e mundial em que Portugal se inseria, tambm nesse plano a sua
concretizao pelos diversos governos foi diversa, mas revelou tendncias diferentes consoante o
perodo e a sua realidade nacional. Neste caso, balizado entre 1890 e 1933, tambm aqui verificamos
as diferenas verificadas, quer no mbito da interveno do Estado, quer no tipo de interveno
promovida. Por outro lado, tambm uma realidade insofismvel para todo o perodo que antes da
entrada em vigor das medidas em letra de lei, o debate produzido em torno das mesmas foi antecipado
por diferentes actores sociais consoante as necessidades ou interesses especficos dos mesmos nas
questes. Assim, se as reivindicaes salariais e contra o aumento do custo da vida foram uma
constante bandeira de luta empunhada pelo movimento operrio e sindical ao longo do perodo, o que
se reflectiu muitas vezes no apelo para interveno no campo social no sentido do combate
especulao dos preos das rendas pagas pelos inquilinos no meio urbano, por exemplo, tambm
verdade que em outros domnios, como o dos seguros sociais obrigatrios, o alargamento da sua
cobertura para alm de situaes como a dos acidentes de trabalho foi discutida e aprofundada vrios
anos antes de qualquer aprovao legal. Tambm no saber acadmico estas teorias comearam a
ganhar protagonismo, assim como o progresso no plano do levantamento estatstico e do registo
sistemtico das ocorrncias, sobretudo no que concerne teoria do risco profissional que foi
conquistando paulatinamente a prevalncia das legislaes sobre acidentes de trabalho entre os finais
do sculo XIX e o incio do sculo XX.
So exemplos desta evoluo as tomadas de posio de alguns autores ainda durante esses anos
anteriores interveno mais sistemtica em Portugal do Estado nestas matrias relativas aos acidentes
-
26
de trabalho: em 1892, Antnio Lus Gomes21
j advogava a existncia de um seguro social obrigatrio
na situao de acidente de trabalho, numa obra dedicada s questes da mendicidade, vagabundagem e
ociosidade:
() Uma outra circunstancia, que vamos mencionar, influe largamente no crescimento da
ociosidade. Em Portugal, onde desgraadamente para todos ns se olha para tudo com indifferena
criminosa, no existe uma lei contra os riscos do trabalho, succedendo frequentes vezes por incuria e
desleixo dos empreiteiros e patres ficarem numerosas famlias lanadas na viuvez, na orfandade, na
misria e na desgraa. Os desastres repetem-se com uma constncia assombrosa, e comtudo os poderes
publicos, que s sabem fazer eleies, no teem adoptado nenhumas providencias, tendentes a prevenir os
males que resultam d`esta imprevidencia. So palpaveis para toda a gente que quer ver as consequencias
que derivam d`esta imperdoavel negligencia.22
Dedicadas especificamente s questes do trabalho e sua legislao regulamentadora, foram
sendo editadas vrias obras que defendiam o compromisso obrigatrio do Estado e das entidades
patronais para com o seguro nas situaes de acidentes de trabalho, uma das reas mais sensveis
durante os anos anteriores primeira legislao na matria em Portugal que datou de 1913. No
contexto internacional, crescia cada vez mais o interesse na questo social e operria e vrios autores,
sobretudo recusando a viso liberal de ausncia completa do Estado na regulao do trabalho, mas
tambm procurando rebater as anlises dos autores socialistas e sindicalistas, vinham defender a
adopo dos princpios do solidarismo, uma sntese das duas correntes que reunia os princpios da
conciliao de classes muito influenciados pela doutrina social da Igreja sistematizada na Encclica de
15 de Maio de 1891, De Rerum Novarum, do Papa Leo XIII23
. Nesse texto as questes dos direitos e
dos deveres, do capital e do trabalho e acerca das desigualdades e justia social so abordadas,
rejeitando-se a via revolucionria do socialismo, mas igualmente a viso unilateral do capitalismo sem
regulao do Estado. Nesta linha de interveno surge-nos entre os autores portugueses, Rui Enes
21
Antnio Lus Gomes (Gndara, Oliveira de Azemis, 23.9.1863-Porto, 28.11.1961) notabilizou-se como advogado e
estudou direito na Universidade de Coimbra, onde obteve o bacharelato em 1890 e depois o doutoramento. Foi presidente
da Associao Acadmica de Coimbra enquanto estudante, durante 4 anos. Obteve fortuna no Rio Grande do Sul, Brasil,
tendo regressado a Portugal. Filiou-se inicialmente no PRP, integrando o seu Directrio (1905-1908) e depois saiu desta
formao partidria para o PRL. Foi eleito deputado por Lisboa do PRP em 28 de Agosto de 1910. Foi o ministro do
Fomento aps a Revoluo de 5 de Outubro de 1910 (5.10-22.11.1910) e ministro plenipotencirio no Rio de Janeiro
Brasil (1911-1912). Foi provedor da Santa Casa da Misericrdia do Porto (1912-1921; 1930-1944). Dirigiu o Dirio do
Norte durante o ano de 1913 e foi deputado no Congresso da Repblica pelo PRL (1921-1922). Foi reitor da Universidade
do Porto (1921-1924) e presidente do I Congresso Republicano de Aveiro (Outubro de 1957). 22
Antonio Luiz Gomes, Ociosidade, vagabundagem e mendicidade: estudo social e juridico, Dissertao Inaugural para o
Acto de Concluses Magnas na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade,
1892, pp.192-193. 23
Papa Leo XIII, Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi Pecci (Carpineto Romano, Roma, Imprio Francs-2.3.1810-
Roma, Itlia, 20.7.1903), ordenado em 31 de Dezembro de 1837 e consagrado em 19 de Fevereiro de 1843, o seu perodo
papal iniciou-se em 20 de Fevereiro de 1878 e terminou em 20 de Julho de 1903 com o seu falecimento.
-
27
Ulrich24
que interpretou luz desses princpios a legislao operria nacional e que defendia tambm
em 1906, face ausncia da alterao da legislao, a rpida adopo do princpio da teoria do risco
profissional e do seguro social obrigatrio contra acidentes de trabalho:
() o Codigo Civil funda na culpa a responsabilidade do patro pelos accidentes de
trabalho e nenhuma das leis posteriores, que citmos, alteraram este principio. Tratam estas sobretudo de
impr nas differentes industrias ao patro a obrigao de communicar officialmente o accidente, de
determinar as auctoridades competentes para inquirirem acerca do sinistro e de fixar o modo por que o
devem fazer.
O principio antiquado do Codigo Civil continua pois de p.
O art. 2398., que reproduzimos, no mais do que a reproduco e a applicao a um caso
especial do preceito generico do art. 2361.: Todo aquele, que viola ou offende os direitos de outrem,
constitue-se na obrigao de indemnizar o leso, por todos os prejuizos em causa.
Em face da nossa lei, a responsabilidade do patro para com o operario portanto a mesma,
em que se achar investido para com elle um qualquer terceiro que o haja prejudicado.
Numa palavra, a doutrina que o nosso Codigo sancciona ainda a pura theoria delictual!
() O que urge que a nossa legislao deixe de permanecer estacionaria, num vergonhoso
confronto com as legislaes de todos os povos civilizados.
Todos nos devemos empenhar para que ella se modifique de harmonia com o modo de sentir e de
pensar humanitrio e justo, que caracterisa as sociedades modernas, e por que entre ns se estabeleam a
responsabilidade baseada no risco profissional e o seguro obrigatorio.25
Essas ideias continuaram a fazer escola nos autores portugueses que se dedicavam a estas
questes no plano acadmico, acompanhando a evoluo internacional com o atraso verificado na
aprovao nesta rea de interveno no campo laboral no caso portugus. Foram tambm os casos de
24
Rui Enes Ulrich (Lisboa, 20.4.1883-Lisboa, 20.1.1966) formou-se em direito na Universidade de Coimbra em 1904,
tendo-se doutorado em 1906. Foi logo nomeado lente da mesma Universidade em 1907, tendo pedido exonerao aps a
implantao da Repblica devido s suas convices monrquicas. Retornou universidade em 1936, para reger a cadeira
de Economia Poltica na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sendo seu director entre 1937 e 1950. Ingressou
na Junta do Crdito Pblico em 1911, onde se manteve at 1914, quando foi nomeado director do Banco de Portugal (1914-
1927). Devido s convices monrquicas, apoiou a fundao do Integralismo Lusitano e foi eleito deputado em 1921-1922
por Lisboa. Devido lei das incompatibilidades, saiu do Banco de Portugal em 1928, mas estabeleceu carreira na
administrao na presidncia da Companhia dos Caminhos-de-Ferro Portugueses (1922-1933) e da Companhia de
Moambique (1920-1933) e foi presidente da Companhia Nacional de Navegao a partir de 1936. Foi ainda vogal da Junta
Nacional da Marinha Mercante (1940), presidente do Centro de Estudos Econmicos do INE (desde 1944), administrador
das Companhias Reunidas de Gs e Electricidade, administrador da Companhia de Caminho-de-Ferro de Benguela e
administrador da Companhia de Seguros Ultramarina. Foi um activo apoiante do golpe de 28 de Maio de 1926 e da
edificao do Estado Novo. Em 1929-1930 foi delegado por Portugal Conferncia das Reparaes de Haia na Holanda, e
foi embaixador em Londres (1933-1935; 1950-1953). Foi procurador Cmara Corporativa (1936-1942). Publicou obra
vasta sobre direito, finanas, administrao colonial e histria. 25
Ruy Ennes Ulrich, Legislao operaria portugueza (exposio e critica), Coimbra, Frana Amado Editor, Estudos de
Economia Nacional, II, Dissertao para o acto de Licenciatura, 1906, pp.281-282.
-
28
Jos Lobo de vila Lima26
e de Fernando Emdio da Silva27
. No primeiro caso, debruando-se sobre o
sistema de seguros sociais e a sua articulao com as associaes de socorros mtuos, o autor defende
que as ideias que promovem a interveno do Estado para alm da simples quotizao individual dos
indivduos so as que progressivamente se vo impondo nos diversos pases: a sua tutela, atravs de
um sistema de seguros sociais obrigatrios que abarcasse os riscos mais recorrentes, como os acidentes
no trabalho, nas tambm situaes de doena, velhice ou invalidez28
. Alguns anos mais tarde, poucas
semanas depois da aprovao da Lei n. 83, de 24 de Julho de 1913, que instituiu o seguro social
obrigatrio por desastre de trabalho em Portugal, Fernando Emdio da Silva fundamenta a teoria do
risco profissional como especial no contexto de um risco especfico s possvel de ser verificado no
mundo do trabalho, ampliando os riscos inerentes proximidade dos meios de produo mecanizados
por parte dos operrios em termos gerais. Por outro lado, o autor entende que ao garantir-se o princpio
do risco profissional na lei, torna-se necessrio assegurar ao operrio o pagamento da indemnizao
correspondente, contra o risco aleatrio da insolvncia do patro. A legitimidade da interveno do
Estado no oferecia dvida para o autor, porque o Estado devia ter uma funo de tutela, de proteco
intrnseca derivada da insuficincia proletria, quando abandonada aos seus recursos e energias para
afrontar, sob a mera gide da liberdade dos contratos, a omnipotncia patronal. O Estado podia ainda
optar entre deixar a escolha do meio de pagamento pelo patro, garantindo o pagamento da
indemnizao aos operrios, ou organizar um sistema de seguro obrigatrio. Para Fernando Emdio da
Silva parecia claro que nos seguros sociais, pela proteco devida ao operrio e pela misso tutelar
incumbente ao Estado, se podia estabelecer como regra a trplice participao nos encargos do seguro
do operrio, do patro e do Estado. No entanto, no caso do seguro contra os acidentes de trabalho e
pelas circunstncias especiais oriundas da aplicao do risco profissional, os encargos da operao do
seguro deveriam ficar todos a cargo do patro29
.
26
Jos Caetano Lobo de vila da Silva Lima (1885-3.12.1956) professor da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, onde se doutorou em 1909. Redigiu vrios estudos sobre questes laborais, polticas sociais, administrao
colonial e poltica internacional. 27
Fernando Emdio da Silva (Lisboa, 29.1.1886-Lisboa, 4.1.1972) licenciou-se em direito pela Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra (1907) e ali se doutorou tambm (1911), vindo a ingressar no quadro da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa em 1913, aps prestar provas. Ali chegou a professor catedrtico, sendo seu director (1950-1956),
dirigindo tambm a respectiva biblioteca. Especializou-se em finanas pblicas. Foi administrador do Banco de Portugal
(1919), sendo seu vice-presidente desde 1931. Foi procurador Cmara Corporativa do Estado Novo por designao do
Conselho Corporativo (1935-1972). Ocupou ainda cargos administrativos em empresas: presidente do Conselho de
Administrao da Sociedade Industrial Farmacutica; administrador da Companhia de Cabinda; presidente do Conselho
Fiscal, Assembleia-Geral e Conselho de Administrao da Sociedade dos Tabacos de Portugal; presidente do Conselho de
Administrao da Empresa Industrial de Tabacos; presidente da Sociedade do Jardim Zoolgico de Lisboa. 28
Cf. Jos Caetano Lobo d`vila da Silva Lima, Socorros mutuos e seguros sociais, Coimbra, Imprensa da Universidade,
Dissertao Inaugural para o acto de Concluses Magnas da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1909,
pp.317-322. 29
Fernando Emygdio da Silva, Acidentes de Trabalho, Volume I, Lisboa, Imprensa Nacional, Dissertao de concurso ao
professorado da Seco de Scincias Econmicas da Faculdade de Direito de Lisboa, 1913, pp.13-55.
-
29
No plano internacional este perodo entre 1890 e 1933 assistiu a um impulso importante na
aplicao de medidas sociais pelos Estados, caminhando do plano da legislao social para polticas
que implementaram os primeiros esquemas de previdncia social nas eventualidades da vida dos
trabalhadores (acidente de trabalho, doena, invalidez, velhice, desemprego) com diferentes
conjunturas e contexto para essa implementao. Essa evoluo e as propostas assumidas pelos
diferentes pases no deixaram tambm de ser acompanhadas em Portugal pelos diferentes actores
sociais, mas tambm pelos estudiosos da questo. No entender de Rui Enes Ulrich, em 1906 as
legislaes dos pases entrados no processo industrial dividiam-se: no grupo francs e belga, em que o
regime corporativo fora completamente abolido, se estimulava o associativismo livre dos operrios e
onde existia j um importante corpo legislativo destinado a proteger o seu trabalho; no grupo anglo-
americano, onde os rgos de inspeco do trabalho estavam cada vez mais fortes e a vigilncia da
actividade laboral era tambm cada vez mais intensa no zelo pelo cumprimento da legislao laboral,
sendo sobretudo nos EUA que as instituies de arbitragem oficial funcionavam habitualmente para
dirimir conflitos entre os patres e os operrios; no grupo germnico abrangendo as legislaes da
Alemanha, da ustria e Hungria, da Sucia, Noruega e Dinamarca, onde as legislaes operrias
estavam j compiladas, notando-se maior favorecimento ao regime corporativo e impondo o seguro
obrigatrio contra os diferentes riscos a que o operrio estava sujeito a Sua tinha uma legislao
muito prxima destes pases, apesar de no ter aprovado o seguro social obrigatrio em qualquer dos
riscos para o trabalhador e a Holanda estava numa situao hbrida entre esta tipologia e outros
modelos menos rgidos em matria laboral; nos pases eslavos mantinha-se o regime corporativo e
apenas tinha sido implementada legislao correspondente ao momento do presente do trabalhador,
no assumindo esses pases quaisquer compromissos ao nvel do futuro dos operrios; no grupo da
Austrlia e da Nova Zelndia onde se avanara para campos inovadores como no caso da fixao de
um salrio mnimo nacional ou regional30
.
Relativamente ao perfil assumido pela legislao, j em 1913, Fernando Emdio da Silva
alinhava tambm uma diferenciao segundo as tipologias dos pases em matria de acidentes de
trabalho: legislaes que estabeleciam o risco profissional e o seguro obrigatrio Alemanha, ustria,
Hungria, Luxemburgo, Noruega, Srvia, Sua, Romnia; legislaes que s indirectamente
estabeleciam o princpio do seguro obrigatrio ou o substituam por um sistema de garantias legais
Blgica, Frana, Sucia, Finlndia; legislaes que simplesmente admitiam o risco profissional
Inglaterra, Grcia, Rssia, Dinamarca, Espanha, Holanda, Itlia; legislaes ainda presas tradio da
30
Cf. Ruy Ennes Ulrich, op. cit., pp.15-16.
-
30
responsabilidade baseada na culpa Turquia, EUA, Canad, Japo, pases da Amrica Central e do
Sul31
.
Em termos de contexto internacional sobre as polticas sociais dos pases, o quadro seguinte
sintetiza alguns dos casos nacionais mais paradigmticos no plano dos modelos assumidos:
Quadro 2 Aprovao legislativa de polticas sociais (primeira interveno do Estado na questo)
Portugal Espanha Frana Gr-Bretanha Alemanha Dinamarca Sucia Noruega
Seguro social
por desastre de
trabalho
1913 1900 1898 1897 1884 1898 1901 1894
Seguro social na
doena
1919 1919 1928 1911 1883 1892 1891 1909
Seguro social de
invalidez ou
velhice
1919 1919 1910 1908 1889 1921 1913 1936
Seguro social de
desemprego
1975 1931 1905 1911 1927 1907 1934 1915
Fontes e bibliografia para a construo do quadro: Ruy Ennes Ulrich, op. cit., pp.265-272; Industrial and Labour
Information, Vol. I, Geneva, International Labour Office, 1922; Ian Gough, The Political Economy of the Welfare State,
London, Macmillan, 1979, p.895. Cit. por Maria Alice Marques Almeida, op. cit., p.22; Henrik Jensen, The Welfare State,
the Individual and the Revolution of Rising Expectations, John Rogers, The Swedish Welfare State: Yesterday, Today
and Tomorrow, Pat Thane, Histories of the Welfare State, Bent Greve, The Danish Welfare State: The Legislative
Framework and Future Prospects, Heide Barmeyer, Bismarck and the Origins of the Modern Welfare State in 19th
Century Germany in The Welfare State: Past, Present, Future (ed. Henrik Jensen; coord. Anne Catherine Isaacs), Pisa,
Edizioni Plus/ Universit di Pisa, Clioh`s Workshop II, 2002, pp.1-57; 87-110; John Brown, The British Welfare State: a
critical history, Oxford, Blackwell, Historical Association Studies, 1995, pp.6-25; 38-54; Keith Laybourn, The evolution of
British social policy and the Welfare State: c.1800-1993, Keele, Staffordshire, UK University Press, 1995, pp.183-208;
Rodney Lowe, The Welfare State in Britain since 1945, London, Macmillan, 1993, pp.13-14; 66-70; Timothy Beresford
Smith, Creating the Welfare State in France 1880-1940, Montral/ London/ Ithaca, McGuill/ Queen`s University Press,
2003. Vide pp.3-12, 51-90, 91-124 e 193-222 ; Franois Ewald, Histoire de L`tat Providence : les origines de la
solidarit, Paris, B. Grasset, 1996. Vide pp.170-173; 220-221, 230, 242; 255-256; 286-294; Anson Rabinbach, Social
Knowledge, Social Risk, and the Politics of Industrial Accidents in Germany and France, in States, Social Knowledge and
31
Cf. Fernando Emygdio da Silva, op. cit., pp.55-72.
-
31
the Origins of Modern Social Policies (edited by Dietrich Rueschemeyer; Theda Skocpol), Princeton New York/
Chicester; Princeton University Press, 1996, pp.48-89.
Na verdade, o quadro demonstra a evoluo no plano dos seguros sociais voluntrios e
obrigatrios relativamente s situaes em que o trabalhador sofria um acidente de trabalho, adoecia,
se tornava invlido ou era atingido por uma situao de desemprego. A relao directa entre as
condies impostas pelo regime de trabalho no sector industrial e as lutas conduzidas pelo movimento
operrio nos pases industrializados da Europa no sculo XIX vem produzir transformaes face
ausncia completa de interveno do Estado em matrias laborais e sociais.
Quadro 3- Ano de fundao dos partidos polticos aderentes II Internacional e III Internacional
Pas Alemanha Dinamarca Portugal Espanha Frana Blgica Noruega Sua
II Internacional 1875 1871 1875 1879 1882 1885 1887 1888
III Internacional 1918 1919 1921 1921 1920 1921 1923 1918
Pas Sucia Hungria Itlia Holanda Rssia Finlndia Gr-Bretanha Luxemburgo Grcia
II Internacional 1889 1890 1892 1893 1898 1899 1900 1902 1920
III Internacional 1921 1918 1921 1919 1918 1918 1921 1921 1918
Nota: elaborado pelo autor.
Este Quadro pretende elucidar acerca da importncia poltica que os partidos polticos operrios
assumiram progressivamente a partir do ltimo quartel do sculo XIX na Europa. Igualmente se aponta
a formao de partidos comunistas correspondendo ao sucesso da revoluo socialista na Rssia em
1917. Recordem-se a fundao da Associao Internacional dos Trabalhadores em 1864 (I
Internacional) e a evoluo do movimento socialista internacional aps 1889 com a II Internacional.
Nesse contexto so fundados partidos socialistas, social-democratas, trabalhistas e operrios que
tinham, normalmente, fortes relaes com o sindicalismo e o movimento operrio organizado nos
respectivos pases. Tambm nos pases onde a corrente sindicalista revolucionria se tornou
predominante no seio do movimento operrio, como em Portugal, a perspectiva de presso
-
32
reivindicativa junto dos poderes do Estado no cessou de crescer. No plano do contexto internacional,
h que tambm ter em conta os efeitos da conflagrao resultante da I Guerra Mundial (1914-1918) na
economia e na sociedade de ento, e os efeitos posteriores na redefinio das foras polticas e
sindicais do ps I Guerra na Europa: a revoluo socialista de Outubro de 1917 na Rssia e a
inspirao para a fundao dos partidos comunistas e da III Internacional em 1919, por um lado, e a
entrada ainda durante o conflito para governos de unidade nacional de vrios partidos aderentes II
Internacional, cindindo definitivamente esse movimento entre reformistas e revolucionrios no
contexto europeu e mundial, no esquecendo a evoluo poltica do sindicalismo revolucionrio no Sul
da Europa. Se as cises no seio dos partidos socialistas, social-democratas, trabalhistas ou operrios
foram a norma em todo o continente europeu para a formao dos partidos comunistas, existiu a
excepo representada exactamente pelo caso portugus, em que essa ciso ocorreu no seio do
sindicalismo revolucionrio. O crescimento numrico e o reforo no plano organizacional dos
trabalhadores nos diversos pases influenciaram decisivamente as primeiras medidas sociais adoptadas
nas legislaes, superando o estreito plano da assistncia pblica e internamento dos pobres e
indigentes onde o Estado j intervinha. Desta forma, ainda que num contexto onde em nenhum caso se
assume uma feio universalista na garantia dos direitos sociais, sendo at a garantia do acesso
limitada sempre a franjas populacionais determinadas (trabalhadores do sector industrial, indigentes,
menores, mulheres), evolui-se paulatinamente para um enquadramento cada vez mais abrangente da
interveno do Estado atravs das polticas sociais. A grande diferena para com a edificao do
Estado social nos pases estar no carcter unificado e complementar das estruturas pblicas de
interveno social.
Em matria de assis