ÍNDICE - run.unl.ptrun.unl.pt/bitstream/10362/8421/2/Tese de Doutoramento 2012... · Capítulo II...

629
1 ÍNDICE LISTA DE ABREVIATURAS ................................................................................................................ 4 Introdução ..................................................................................................................................... 8 Capítulo I As origens das políticas sociais em Portugal na Monarquia Constitucional (1890-1910)43 1.1. Trabalho e Leis Laborais ......................................................................................................... 48 1.2. Previdência Social .................................................................................................................. 94 1.3. Beneficência ........................................................................................................................ 112 1.4. Hospitalização ..................................................................................................................... 125 Capítulo II As políticas sociais em Portugal durante a primeira fase da I República (1910-1916) 140 2.1. Governo Provisório (1910-1911) .......................................................................................... 153 2.1.1. Trabalho ......................................................................................................................................153 2.1.2. Previdência social ........................................................................................................................179 2.1.3. Assistência pública ......................................................................................................................184 2.1.4. Hospitalização .............................................................................................................................195 2.2. A consolidação do regime e a lenta implementação das políticas sociais (1911-1916) ........... 198 2.2.1. Regime laboral e horário de trabalho .........................................................................................198 2.2.2. Seguro social contra acidentes de trabalho e demais previdência social ..................................237 2.2.3. Assistência pública ......................................................................................................................246 2.2.4. Os Hospitais Civis de Lisboa ........................................................................................................258 Capítulo III A criação, funcionamento e extinção do Ministério do Trabalho e Previdência Social e o legado das suas instituições: o impacto da I Guerra Mundial e as políticas sociais (1916-1926) . 278

Transcript of ÍNDICE - run.unl.ptrun.unl.pt/bitstream/10362/8421/2/Tese de Doutoramento 2012... · Capítulo II...

  • 1

    NDICE

    LISTA DE ABREVIATURAS ................................................................................................................ 4

    Introduo ..................................................................................................................................... 8

    Captulo I As origens das polticas sociais em Portugal na Monarquia Constitucional (1890-1910)43

    1.1. Trabalho e Leis Laborais ......................................................................................................... 48

    1.2. Previdncia Social .................................................................................................................. 94

    1.3. Beneficncia ........................................................................................................................ 112

    1.4. Hospitalizao ..................................................................................................................... 125

    Captulo II As polticas sociais em Portugal durante a primeira fase da I Repblica (1910-1916) 140

    2.1. Governo Provisrio (1910-1911) .......................................................................................... 153

    2.1.1. Trabalho ......................................................................................................................................153

    2.1.2. Previdncia social ........................................................................................................................179

    2.1.3. Assistncia pblica ......................................................................................................................184

    2.1.4. Hospitalizao .............................................................................................................................195

    2.2. A consolidao do regime e a lenta implementao das polticas sociais (1911-1916) ........... 198

    2.2.1. Regime laboral e horrio de trabalho .........................................................................................198

    2.2.2. Seguro social contra acidentes de trabalho e demais previdncia social ..................................237

    2.2.3. Assistncia pblica ......................................................................................................................246

    2.2.4. Os Hospitais Civis de Lisboa ........................................................................................................258

    Captulo III A criao, funcionamento e extino do Ministrio do Trabalho e Previdncia Social e

    o legado das suas instituies: o impacto da I Guerra Mundial e as polticas sociais (1916-1926) . 278

  • 2

    3.1. O Governo de Unio Sagrada e o III Governo de Afonso Costa (1916-1917) ........................... 278

    3.1.1. As relaes laborais sob o novo Ministrio ................................................................................278

    3.1.2. A previdncia social no seio da nova orgnica ministerial .........................................................282

    3.1.3. A assistncia pblica no contexto dos efeitos da I Guerra Mundial em Portugal ......................287

    3.1.4. A hospitalizao central em Lisboa .............................................................................................293

    3.2. O Sidonismo (1917-1918): reformas e reconfiguraes ......................................................... 298

    3.2.1. Relaes laborais.........................................................................................................................300

    3.2.2. Previdncia social ........................................................................................................................304

    3.2.3. A Assistncia pblica como espelho da tipologia das polticas sociais .......................................308

    3.2.4. Os Hospitais Civis de Lisboa: consagrao da autonomia tcnica e administrativa ...................315

    3.3. A segunda fase da I Repblica: a emergncia da interveno no plano social (1918-1926) .... 320

    3.3.1. 1918-1919: horrio de trabalho, seguros sociais obrigatrios, assistncia pblica e beneficncia

    privada, os Hospitais Civis de Lisboa .....................................................................................................324

    3.3.1.1. Leis laborais e horrio de trabalho: a jornada de trabalho das oito horas dirias ..................324

    3.3.1.2. A nova previdncia social: os seguros sociais obrigatrios .....................................................330

    3.3.1.3. A assistncia pblica ................................................................................................................339

    3.3.1.4. Os Hospitais Civis de Lisboa .....................................................................................................343

    3.3.2. Os anos posteriores (1919-1926): leis laborais, previdncia social, assistncia pblica

    (misericrdias e instituies de assistncia), os Hospitais Civis de Lisboa ...........................................344

    3.3.2.1. Regime laboral: as resistncias aplicao da legislao .......................................................346

    3.3.2.2. Previdncia social: o falhano da aplicao dos seguros sociais obrigatrios na doena,

    invalidez, velhice e sobrevivncia e o funcionamento do seguro por acidente de trabalho ...............373

    3.3.2.3. A reformulao do regime de funcionamento da Assistncia Pblica: misericrdias e

    instituies de assistncia .....................................................................................................................399

    3.3.2.4. Hospitais Civis de Lisboa ..........................................................................................................431

  • 3

    Captulo IV Breve exposio. As polticas sociais sob a Ditadura: a estruturao do corporativismo

    social sobre o edifcio liberal (1926-1933) ................................................................................... 436

    4.1. Relaes laborais ................................................................................................................. 440

    4.2. Previdncia social ................................................................................................................ 447

    4.3. Assistncia Pblica e beneficncia privada ........................................................................... 455

    4.4. Hospitais Civis de Lisboa ...................................................................................................... 460

    Concluso .................................................................................................................................. 462

    Fontes e Bibliografia ................................................................................................................... 472

    ANEXOS ..................................................................................................................................... 505

  • 4

    LISTA DE ABREVIATURAS

    ACAP Associao Central da Agricultura Portuguesa

    ACL Associao Comercial de Lisboa

    ACLL Associao Comercial dos Lojistas de Lisboa

    AILD Associao Internacional para a Luta contra o Desemprego

    AIP Associao Industrial Portuguesa

    AIPLT Associao Internacional para a Proteco Legal dos Trabalhadores

    AIPS Associao Internacional para o Progresso Social

    AISS Associao Internacional para os Seguros Sociais

    ANC Assembleia Nacional Constituinte

    ANT Assistncia Nacional aos Tuberculosos

    Art. Cit. Artigo Citado

    BIT Bureau international du travail

    C. Companhia

    Cf. Conforme

    Cit. Citado

    CGA Caixa Geral de Aposentaes

    CGD Caixa Geral de Depsitos

    CGDIP Caixa Geral de Depsitos e Instituies de Previdncia

    CGDCP Caixa Geral de Depsitos, Crdito e Previdncia

    CGT Confederao Geral do Trabalho

    CIS Comisso Intersindical

    CNP Caixa Nacional de Previdncia

    CPISS Comit Permanente Internacional dos Seguros Sociais

    CUF Companhia Unio Fabril

  • 5

    Cx. Caixa

    D. Data

    E. Editor

    EIPM Escritrio Internacional Permanente da Mutualidade

    EIT Escritrio Internacional do Trabalho

    EUA Estados Unidos da Amrica

    Fl. Folha

    FAO Federao das Associaes Operrias

    FIM Federao Internacional da Mutualidade

    FNADC Federao Nacional dos Amigos e Defensores das Crianas

    FNASM Federao Nacional das Associaes de Socorros Mtuos

    FNIPI Federao Nacional das Instituies de Proteco Infncia

    GNR Guarda Nacional Republicana

    ILO International Labour Office

    ILO International Labour Organisation

    INE Instituto Nacional de Estatstica

    INSP Instituto Nacional de Seguros e Previdncia

    INTP Instituto Nacional do Trabalho e Previdncia

    ISSOPG Instituto de Seguros Sociais Obrigatrios e de Previdncia Geral

    L - Local

    L. Livro

    Mc. Mao

    N. Nmero

    OIT Organisation internationale du travail

    OIT Organizao Internacional do Trabalho

  • 6

    Op. Cit. Obra Citada

    P. Pgina

    Proc. Processo

    PCP Partido Comunista Portugus

    PIB Produto Interno Bruto

    PNRP Partido Nacional Republicano Presidencialista

    PRE Partido Republicano Evolucionista

    PRED Partido Republicano da Esquerda Democrtica

    PRL Partido Republicano Liberal

    PRN Partido Republicano Nacionalista

    PRP Partido Republicano Portugus

    PRP/ PD Partido Republicano Portugus/ Partido Democrtico

    PRR Partido Republicano Radical

    PRRN Partido Republicano de Reconstituio Nacional

    PRU Partido Republicano Unionista

    PSP Partido Socialista Portugus

    RACAP Real Associao Central da Agricultura Portuguesa

    S. Sem

    SCML Santa Casa da Misericrdia de Lisboa

    SDN Sociedade das Naes

    SPIC Seco Portuguesa da Internacional Comunista

    ULR Unio Liberal Republicana

    UON Unio Operria Nacional

    URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas

    V. Verso

  • 7

    Vol. Volume

  • 8

    Introduo

    A sociedade e a sua evoluo determinam as caractersticas fundamentais da situao existente

    num dado contexto histrico. Neste mbito, os actores sociais adquirem um carcter prprio que pode

    ser percepcionado atravs de diferentes ngulos e perspectivas. A escolha do estudo da interveno do

    Estado na sociedade definindo as polticas sociais o objecto que consideramos mais adequado para a

    anlise que pretendemos desenvolver nas pginas que se seguem. Assim, o Estado moderno, entendido

    na sua complexificao crescente determinada no perodo contemporneo e conduzida pela sua

    primeira edificao na idade liberal durante o sculo XIX limitado aco de salvaguarda da vida,

    da segurana e da propriedade acaba por sofrer diversas alteraes que o obrigam a no mais

    negligenciar a questo social e que no mais deixar de estar sob anlise e realce, sobretudo durante

    todo o primeiro tero do sculo XX onde os efeitos das diferentes crises econmicas e convulses

    sociais o modelam e redesenham. No entanto, esta seria uma anlise parcelar se no levasse em linha

    de conta o papel decisivo que a aco das foras sociais produziu nessa evoluo, quer relativamente

    sua insero na cadeia produtiva trabalhadores e patronato , quer na sua correspondncia social

    classes, grupos e meios sociais , quer tambm relativamente sua representao poltica regime

    poltico na verso demoliberal sem direitos polticos, econmicos ou sociais universais, promovendo a

    excluso da maioria da populao da deciso poltica. O seu contexto histrico abarca um perodo

    balizado entre o Portugal finissecular de Oitocentos, submetido aos efeitos de uma grave crise

    econmica e financeira aps 1890, quando se identificam as primeiras medidas de interveno de

    carcter global e o Portugal de entre as Guerras, quando se encerra a longa experincia demoliberal

    iniciada com a Revoluo liberal de 1820 e se inicia o tambm extenso perodo ditatorial e de

    edificao do fascismo nos planos poltico, econmico e social, aps 1926. As diferentes

    reconfiguraes do Estado, tal como a evoluo das classes e grupos sociais em presena tero, pois,

    de estar em permanente anlise no sentido de compreender a longa e complexa marcha das polticas

    sociais promovidas pelo Estado em Portugal durante as cerca de quatro dcadas e meia que separam

    1890 e 1933.

    A definio das polticas sociais do Estado como objecto de estudo historiogrfico no encontra

    ainda em Portugal os seus devidos promotores no plano da investigao cientfica. Para alm disso,

    salvo alguns exemplos de estudos e linhas de investigao que focam esta temtica de forma parcelar

    ou apenas sob o ponto de vista de algumas das suas temticas, no existe ainda na historiografia

    nacional uma verdadeira reflexo estrutural sobre esta questo fundamental no plano da histria

    contempornea portuguesa.

  • 9

    Na verdade, tm havido alguns contributos vindos da histria como at de outras reas

    cientficas que abordam reas to diversas como o direito do trabalho e a legislao laboral, a

    previdncia social e os esquemas de proteco social em geral, a assistncia pblica aos indigentes e a

    represso policial e penal da mendicidade, a hospitalizao e as polticas pblicas na rea da sade, a

    habitao social, popular e operria, entre outras temticas. No entanto, continua a faltar uma reflexo,

    que numa perspectiva estrutural, trace de forma integrada e articulada a histria das polticas pblicas

    de mbito social promovidas pelo Estado. Este estudo tambm completado pelas suas bvias e

    amplas relaes com os agentes sociais, tais como: o movimento autnomo dos trabalhadores e a sua

    interveno nos planos do sindicalismo, do mutualismo e do cooperativismo, por um lado; o

    associativismo patronal e o poder econmico e financeiro, por outro.

    este o nosso propsito ao desenvolvermos esta linha analtica. Por um lado, delinear a

    trajectria, os bloqueios e impasses, as rupturas e as continuidades e aquilatar a execuo prtica dos

    modelos delineados, tal como as influncias externas e as caractersticas intrnsecas da evoluo da

    interveno do Estado no plano social. Por outro lado, definir qual o real objectivo do Estado na sua

    interveno legislativa no perodo, a que se junta ainda a prpria periodizao e insero de Portugal

    no contexto europeu e mundial, a que no alheia igualmente a feio poltica e ideolgica dos

    regimes polticos em questo e em que crucial compreender a sua verdadeira matriz e objectivos no

    plano social. Por outro lado, o contexto internacional marca indelevelmente a actuao dos agentes

    sociais nos diferentes contextos nacionais, ajudando a compreender a sua interaco e relao com o

    prprio Estado.

    So vrios os autores que no plano internacional tm delimitado dois grandes contextos

    histricos de execuo das polticas sociais nos diferentes casos nacionais analisados. Num primeiro

    perodo, com uma feio de interveno limitada, em que o Estado apenas actua sobre os excludos e

    os indigentes para de forma estigmatizante os enquadrar e os isolar, prestando-lhes cuidados

    assistencialistas bsicos, tal como apenas se confina ao domnio da previdncia social atravs do

    potenciar do mercado no plano dos seguros sociais direccionados aos trabalhadores de menores

    rendimentos, eximindo-se a intervir nos graus de acesso sade ou habitao, por exemplo. Num

    perodo posterior, assumindo uma feio universalista, em que o Estado avana para alm da garantia

    de direitos polticos, inscrevendo na sua actuao os direitos econmicos e sociais de carcter

    universal, nos planos laboral, da segurana social, da sade e da habitao, para alm da construo de

    mecanismos de redistribuio da riqueza e da garantia de um rendimento mnimo para a sua

  • 10

    populao, para alm da elevao material do seu nvel de vida1. Cremos, que o perodo em que

    centramos este nosso estudo se adequa perfeitamente caracterizao da primeira idade das polticas

    sociais definidas pelos Estados, no nos parecendo minimamente enquadrvel no plano de um Estado

    social. A concepo de Estado social , segundo a concebemos no caso do nosso Pas, correspondente

    ao reconhecimento dos direitos sociais universais que a Constituio da Repblica Portuguesa

    aprovada a 2 de Abril de 1976 consagra, designadamente nos seus artigos 48. e 64., onde se

    explicitam os direitos dos cidados portugueses segurana social e proteco na sade, para alm

    do reconhecimento dos direitos dos trabalhadores no plano central dos direitos, liberdades e garantias

    dos cidados no texto constitucional. Por outro lado, at no plano constitucional, as Constituies de

    1911 e 1933, tal como a Carta Constitucional de 1826 e suas revises pelas Actos Adicionais de 1852,

    1885 e 1895-1896 eram apenas textos polticos, no avanando em matria econmica e social no

    reconhecimento de quaisquer direitos aos sbditos ou cidados. Assim, poderemos seguir uma

    definio de Asa Briggs que adquiriu enorme aceitao e prevalncia entre os autores que estudam o

    Estado social. Nessa explicao um Estado social define-se como um Estado onde o poder organizado

    deliberadamente utilizado (atravs da poltica e da administrao) num esforo de modificar as foras

    do mercado no sentido de, pelo menos, atingir trs realidades: garantir um rendimento mnimo aos

    indivduos e s famlias; reduzir o nvel de insegurana social; assegurar que todos os cidados,

    independentemente do seu estatuto ou classe social, usufruem dos melhores padres disponveis em

    relao a uma srie definida de servios sociais2. No entender de Rodney Lowe, por exemplo, o Estado

    social, considerado aps 1975 e em contexto britnico, uma sociedade onde o governo deve

    assegurar a todos os cidados no apenas a segurana social mas tambm uma srie de outros servios

    a um padro bem superior ao limiar mnimo definido. O que requer recursos como a despesa em bens e

    o emprego de mo-de-obra numa escala com repercusses no funcionamento da economia. Devido a

    isso, procurando minorar a sua despesa e a possibilidade de agitao social, o Estado social beneficia

    1 Cf. Bent Greve, The Danish Welfare State: The Legislative Framework and Future Prospects, in The Welfare State:

    Past, Present, Future (ed. Henrik Jensen; coord. Anne Catherine Isaacs), Pisa, Edizioni Plus/ Universit di Pisa, Clioh`s

    Workshop II, 2002, pp.41-57; John Rogers, Ibidem, pp.13-26; John Brown, The British Welfare State: a critical history,

    Oxford, Blackwell, Historical Association Studies, 1995, pp.6-25; 38-54; Keith Laybourn, The evolution of British social

    policy and the Welfare State: c.1800-1993, Keele, Staffordshire, UK University Press, 1995, pp.183-208; Timothy

    Beresford Smith, Creating the Welfare State in France 1880-1940, Montral/ London/ Ithaca, McGuill/ Queen`s University

    Press, 2003. Vide pp.3-12, 51-90, 91-124 e 193-222; Franois Ewald, Histoire de L`tat Providence : les origines de la

    solidarit, Paris, B. Grasset, 1996. Vide pp.170-173; 220-221, 230, 242; 255-256; 286-294; Anson Rabinbach, Social

    Knowledge, Social Risk, and the Politics of Industrial Accidents in Germany and France, in States, Social Knowledge and

    the Origins of Modern Social Policies (edited by Dietrich Rueschemeyer; Theda Skocpol), Princeton New York/

    Chicester; Princeton University Press, 1996, pp.48-89. 2 Cf. Asa Briggs, The Welfare State in Historical Perspective, European Journal of Sociology, vol.II, 1961, p.228. Cit.

    por John Brown, op. cit., p.5 e nota 6; Rodney Lowe, The Welfare State in Britain since 1945, London, Macmillan, 1993,

    pp.13-14 e nota 9.

  • 11

    sobretudo de perodos de crescimento econmico. O Estado tem ento de cumprir um papel mais

    activo na economia do que a mera vigilncia ou a auto-regulao do mercado3.

    Deste modo, entendemos que devemos apresentar um estudo que equilibre de forma razovel

    os contedos informativos relativamente temtica em causa com a necessria e desejvel

    interpretao e anlise dos aspectos, tendncias, dinmicas e resultados da investigao realizada. Este

    equilbrio ser tambm enquadrado pelos objectivos e limites com que partimos para a sua elaborao

    e a que daremos maior desenvolvimento na abordagem ao estado da questo e no Captulo I desta tese.

    Estado da Questo

    Como j referimos, continuam a no abundar os estudos que abordam especificamente esta

    questo relativa interveno do Estado nesta matria que nos propomos estudar durante este perodo.

    Na verdade, se verificarmos o leque de estudos acerca do tema que nos propomos estudar, podemos

    apontar-lhe como caractersticas principais o seu carcter diminuto, parcelar e com necessidade de

    aquisio novos contributos.

    Se optarmos por percorrer esses trabalhos por reas de estudos, verificamos igualmente que no

    estudo da histria contempornea portuguesa esta questo ainda no mereceu propriamente uma

    ateno aprofundada e que permitisse obter uma anlise global acerca das polticas sociais no perodo.

    Apesar disso, devemos referir, como referncias historiogrficas incontornveis e correspondendo a

    um perodo onde os estudos sobre a sociedade portuguesa iniciavam os primeiros desenvolvimentos,

    os verbetes que abordam diferentes reas que estudaremos no nosso trabalho inseridos no Dicionrio

    de Histria de Portugal. Esta obra, dirigida por Joel Serro (1919-2008), foi editada entre 1963 e 1968

    com sucessivas reedies, apresentando uma organizao alfabtica que procura abarcar todos os

    perodos da histria de Portugal, incluindo igualmente o perodo contemporneo. Desta forma merece

    referncia a entrada Assistncia Pblica, de Maria de Lourdes Akola Meira do Carmo Neto, uma

    autora que tambm estudou a questo da demografia urbana em perspectiva histrica4. Dentro do leque

    de temticas que pretendemos abordar cabe considerar igualmente o verbete Associao, Direito de,

    includo no mesmo Dicionrio, e da autoria de Fernando Piteira Santos (1918-1992), intelectual e

    historiador contemporneo portugus, que desenvolveu estudos em torno das questes da economia e

    sociedade no perodo contemporneo e sobre o fenmeno do fascismo em Portugal seguindo a

    metodologia adoptada pela escola historiogrfica francesa da revista Annales. Desenvolveu uma

    3 Cf. Rodney Lowe, op. cit., p.14.

    4 Cf. Maria de Lourdes Akola Meira do Carmo Neto, Assistncia Pblica, in Dicionrio de Histria de Portugal (coord.

    Joel Serro), vol. I, Porto, Livraria Figueirinhas, 1992, pp.234-236.

  • 12

    actividade de vrias dcadas de oposio antifascista5. Igualmente na mesma obra, o autor David

    Ferreira (1897-1989) redigiu o artigo Inquilinato, que mais uma vez se cinge ao simples enunciar da

    legislao aprovada nesta matria. O autor desenvolveu alguns estudos sobre a I Repblica em que

    colocou em evidncia o seu plano poltico, tendo-se associando ao grupo Seara Nova e colaborado na

    revista homnima desde a sua fundao, em 1921, at 19576. O artigo Mendicidade, da autoria de

    Ruy de Abreu Torres no vai alm da enunciao da legislao sobre a matria7. De entre os verbetes

    do Dicionrio de Histria de Portugal, e tendo em conta o perodo que nos propomos a estudar e a

    temtica que nos serve de fundo, h que mencionar ainda a abordagem realizada por David Ferreira em

    Trabalho, Leis do8. Qualquer um dos artigos referidos serve apenas de introduo, em grandes

    limnhas gerais, questo que iremos desenvolver, tendo avanado no plano da divulgao alguns

    aspectos caracterizadores da questo num perodo em que a prpria historiografia portuguesa no se

    desenvolvera decisivamente no sentido da livre criao e investigao devido ao cerceamento imposto

    pelo regime vigente no plano acadmico e cientfico.

    Ainda num campo cientfico a que poderamos atribuir um carcter geral, temos de mencionar

    o volume XI da Nova Histria de Portugal, coordenada por Joel Serro e por Antnio Henrique de

    Oliveira Marques (1933-2007) e intitulado Portugal Da Monarquia para a Repblica, tendo sido

    editado em 1991. Na verdade, tratando-se como outros ttulos congneres de uma Histria de Portugal,

    este caso assume uma particularidade especial no contexto da anlise ao que foi produzido na

    historiografia nacional sobre as polticas sociais do perodo em estudo. O volume em causa, balizando

    a sua anlise entre 1900 e 1930, teve como principal autor Antnio Henrique de Oliveira Marques,

    verificando-se uma base metodolgica onde a escola historiogrfica francesa da revista Annales est

    bem presente, uma vez que a abordagem s estruturas econmicas e sociais no subalternizada,

    ganhando antes um destaque relativamente ao relato factual do perodo, remetido para um nico

    captulo do mesmo volume. De acordo com as temticas que pretendemos investigar, surge-nos desde

    logo o captulo da mesma obra relativo propriedade, redigido por Oliveira Marques e Maria Fernanda

    Rollo e assim justamente intitulado A Propriedade9. Da responsabilidade dos mesmos autores deve

    mencionar-se igualmente o pequeno texto sobre os encargos sociais contido no captulo O Surto

    Industrial10

    . Segue-se nesta obra, o captulo que mais interesse desperta tendo em conta os objectos de

    5 Cf. Fernando Piteira Santos, Associao, Direito de, in op. cit., vol. I, pp.236-238.

    6 Cf. David Ferreira, Inquilinato, in op. cit., vol. III, pp.327-328.

    7 Cf. Ruy d`Abreu Torres, Mendicidade, in op. cit., vol. IV, pp.254-256.

    8 Cf. David Ferreira, Trabalho, Leis do, in op. cit., vo. VI, pp.184-188.

    9 Cf. Antnio Henrique de Oliveira Marques; Maria Fernanda Rollo, A Propriedade, in Nova Histria de Portugal (dir.

    Joel Serro e A.H. de Oliveira Marques), vol. XI Portugal Da Monarquia para a Repblica (coord. de A.H. de Oliveira

    Marques), Lisboa, Editorial Presena, 1991, pp.61-64. 10

    Cf. Idem, O Surto Industrial, in Ibidem, p.123.

  • 13

    estudo do nosso trabalho: intitulado A Sociedade e as Instituies Sociais e da autoria de Oliveira

    Marques e Lus Nuno Rodrigues, este texto subdivide-se ente os grupos e as instituies sociais e no

    primeiro caso so considerados o mundo rural e o urbano11

    . Contendo tratamento historiogrfico

    importante para o nosso levantamento do estado da questo relativamente ao tema que nos propomos

    estudar, outro captulo do volume XI da Nova Histria de Portugal merece igualmente referncia.

    Trata-se de um texto intitulado O Estado e as Leis da autoria de Antnio Henrique de Oliveira

    Marques, comportando anlise sumria evoluo da administrao pblica central desde os finais da

    Monarquia Constitucional at aos primeiros anos da Ditadura Militar, cobrindo assim todas as

    transformaes sofridas durante a vigncia da I Repblica (1910-1926)12

    . O mesmo autor, no captulo

    Aspectos da Vida Quotidiana da obra que temos abordado, refere ainda como ponto analtico a

    questo relativa habitao, mas de forma sumria13

    . Sobre este volume da Nova Histria de

    Portugal, produzido com um cariz enciclopdico, h que mencionar o seu papel essencial na iniciao

    a qualquer temtica que se integre na conjuntura em questo, uma vez que a riqueza dos seus

    contedos possibilita o seu uso em investigaes historiogrficas como no caso da que pretendemos

    desenvolver. Trata-se, por isso, de um exemplo incontornvel de uma Histria geral do Pas com

    amplos benefcios para o descortinar da iniciao temtica que nos propomos desenvolver. No

    entanto, no permite exactamente mais do que uma boa sntese a algumas das problemticas em

    questo na abordagem s polticas sociais, uma vez que no poderia ser colocada em anlise uma

    abordagem mais profunda exactamente pelo seu carcter global e enciclopdico.

    Relativamente aos estudos especificamente dedicados s polticas sociais em Portugal no

    perodo de 1910-1926, ou com incidncia importante nessa conjuntura, h que mencionar o artigo de

    Miriam Halpern Pereira, As origens do Estado-Providncia em Portugal: As novas fronteiras entre

    pblico e privado, que equivale comunicao desta autora apresentada ao Curso de Vero do

    Instituto de Histria Contempornea da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade

    Nova de Lisboa e intitulado A Primeira Repblica Portuguesa entre o Liberalismo e o

    Autoritarismo. Este curso foi coordenado por Nuno Severiano Teixeira e Antnio Costa Pinto e as suas

    actas foram publicadas em 2000. A autora Miriam Halpern Pereira (1937-), especialista em histria

    econmica e social dos sculos XIX e XX, tem dedicado a sua carreira de investigao historiogrfica

    a questes estruturais do processo de evoluo da economia e sociedade portuguesas aps o triunfo do

    liberalismo em 1834, com um profundo cuidado em basear a sua anlise em investigaes suportadas

    11

    Cf. Antnio Henrique de Oliveira Marques e Lus Nuno Rodrigues, A Sociedade e as Instituies Sociais, in Ibidem,

    pp.187-239. 12

    Cf. Antnio Henrique de Oliveira Marques, O Estado e as Leis, in Ibidem, pp.281-305 e 330-335. 13

    Cf. Idem, Aspectos da Vida Quotidiana, in Ibidem, pp.635-638.

  • 14

    por elementos documentais que garantam uma base estrutural para as hipteses a serem lanadas14

    . Na

    ausncia de muitos estudos que abordem este perodo que pretendemos estudar e tendo como enfoque

    esta temtica, este texto deve ser mencionado neste contexto, j que representa uma sistematizao

    muito importante para o estudo das polticas sociais em Portugal. Tratou-se, desta maneira, de uma boa

    abordagem origem das polticas sociais em Portugal, cruzando-a com o prprio desenvolvimento do

    movimento mutualista, levantando algumas das caractersticas essenciais da progressiva evoluo da

    questo em Portugal e tendo em conta dois dos actores sociais mais importantes no nosso entender

    para compreender esta evoluo: o Estado e o movimento autnomo dos trabalhadores na sua vertente

    mutualista.

    De facto, a ausncia de uma grande abundncia de estudos sobre as polticas sociais no

    perodo, mesmo se considerarmos as diferentes cincias sociais e humanas, no anulam a pertinncia e

    carcter ilustrativo que estudos como o de Maria Alice Marques Almeida comportam. que tratando a

    questo do estudo das polticas sociais como um todo no contexto da I Repblica s conhecemos a

    elaborao da Dissertao de Mestrado em Sistemas Scio-Organizacionais da Actividade Econmica,

    apresentada ao Instituto Superior de Economia e Gesto da Universidade Tcnica de Lisboa em 1997

    pela autora, e intitulada A Primeira Repblica Portuguesa e o Estado Providncia. Este estudo

    acadmico procura fazer o levantamento e a anlise das principais medidas de poltica social

    defendidas e implementadas na I Repblica Portuguesa (1910-1926) e at que ponto essas iniciativas

    corresponderam ou no a uma evoluo tendencial no sentido do estabelecimento dos primrdios de

    um Estado-Providncia em Portugal. Assim, no apresenta uma profunda sustentao analtica a nvel

    do contexto poltico, institucional e ideolgico em questo cariz e natureza do regime da I Repblica

    ou uma fundamentao referencial acerca das especificidades nacionais no contexto da discusso da

    interveno estatal no sector social acerca de um perfil portugus da interveno estatal na

    implementao de polticas sociais , mas claramente inovador por colocar a questo dos primrdios

    da interveno legislativa do Estado em matria social15

    . O estudo de Maria Alice Marques Almeida

    assume-se inovador, ainda que proveniente da cincia econmica, assumindo uma vertente

    problematizadora ao enquadrar de forma articulada as diferentes reas de interveno pblica no plano

    social. Por outro lado, rejeita uma leitura apressada ou simplista acerca destas questes, tentando no

    ignorar o contexto histrico, ainda que essa seja a vertente menos aprofundada do seu trabalho,

    14

    Cf. Miriam Halpern Pereira, As origens do Estado-Providncia em Portugal: As novas fronteiras entre pblico e

    privado, in A Primeira Repblica Portuguesa entre o Liberalismo e o Autoritarismo (coord. Nuno Severiano Teixeira e

    Antnio Costa Pinto), Lisboa, Edies Colibri/ Instituto de Histria Contempornea da Faculdade de Cincias Sociais e

    Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Coleco Cursos de Vero IHC/UNL, n. 3, 2000, pp.47-76. 15

    Cf. Maria Alice Marques Almeida, A Primeira Repblica Portuguesa e o Estado Providncia, Tese de Mestrado em

    Sistemas Scio-Organizacionais da Actividade Econmica apresentada ao Instituto Superior de Economia e Gesto da

    Universidade Tcnica de Lisboa, 1997.

  • 15

    faltando-lhe uma viso de conjunto sob o ponto de vista do objecto histrico para o enquadramento

    procurado na anlise s polticas sociais em questo sob o contexto da I Repblica Portuguesa.

    Finalmente refira-se alguns dos no muito abundantes estudos pioneiros a nvel sectorial que

    abordaram componentes importantes das polticas sociais onde o enquadramento poltico do regime da

    I Repblica Portuguesa est presente ou mesmo se assume como motivao para balizar esses

    trabalhos. No campo da assistncia e proteco infncia so de destaque obrigatrio dois trabalhos

    acadmicos: A assistncia infantil na transio para o sculo XX e nos primeiros anos da Repblica,

    dissertao de Mestrado em Histria Contempornea apresentada Faculdade de Letras da

    Universidade de Lisboa em 1989 por Maria Manuela Lima Santos e Assistncia Infantil em Lisboa na

    1 Repblica, obra publicada em 2004 e resultante de uma dissertao de Mestrado em Histria

    Contempornea apresentada Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de

    Lisboa, elaborada por Maria de Ftima Caldeira. As suas abordagens esto ligadas por tratarem

    exactamente da questo da assistncia infantil, j que se no primeiro caso a anlise geral no contexto

    da transio dos regimes monrquico e republicano, no segundo caso a motivao apresentar a rede

    de instituies de beneficncia devotadas apenas proteco infncia durante a I Repblica na

    cidade de Lisboa16

    . No nosso entender, o estudo de Maria Manuela Lima Santos reveste-se de

    importncia por tratar especificamente a questo relativa evoluo institucional da proteco

    infncia no perodo que tambm motiva a nossa investigao, componente destacada de qualquer

    poltica social digna dessa meno. Trata-se, para o perodo historiogrfico em que foi produzida, de

    uma abordagem inovadora ao realizar um primeiro levantamento no plano legislativo e das

    publicaes peridicas especializadas no perodo em causa, sobre a proteco infncia. No entanto, o

    seu mbito circunscrito no permitiu avanar de forma mais incisiva para a definio de vrias

    problemticas em questo, sendo qui a mais destacada a questo da encruzilhada entre o vector

    punitivo e o vector regenerador que a legislao e a evoluo institucional sempre foram revelando ao

    longo daquele contexto. Segue-se a meno ao trabalho de investigao empreendido por Maria de

    Ftima Caldeira, resultante de uma dissertao de Mestrado apresentada em 1993 na Faculdade de

    Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e que foi editada em livro em 2004 com

    o ttulo de Assistncia Infantil em Lisboa na 1 Repblica. Trata-se de um autntico guia acerca desta

    temtica no caso da cidade de Lisboa entre 1910 e 192617

    . No entanto, pouco avana no plano do

    questionamento das polticas sociais direccionadas infncia no seu plano mais geral, valendo mais

    como uma abordagem centrada na capital do Pas e destacando no plano institucional as valncias

    16

    Cf. Maria Manuela Lima Santos, A assistncia infantil na transio para o sculo XX e nos primeiros anos da Repblica,

    vol.1, Tese de Mestrado em Histria Contempornea apresentada Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1989. 17

    Cf. Maria de Ftima Caldeira, Assistncia Infantil em Lisboa na 1. Repblica, Lisboa, Caleidoscpio, 2004.

  • 16

    existentes. Passamos em seguida para a obra de Antnio Carlos Duarte-Fonseca, Internamento de

    menores delinquentes. A Lei portuguesa e os seus modelos: um sculo de tenso entre proteco e

    represso, educao e punio que foi editada em 2005. O seu autor, director-adjunto do Centro de

    Estudos Judicirios desde 2004 e antigo vice-presidente do Instituto de Reinsero Social do

    Ministrio da Justia (1997-1999) e director do Instituto Padre Antnio de Oliveira (1979-1992),

    apresentou este estudo como dissertao de Mestrado em Cincias Jurdico-Criminais na Faculdade de

    Direito da Universidade de Coimbra em 20 de Outubro de 2004. Trata-se de um olhar exaustivo sobre

    as polticas promovidas pelo Estado portugus direccionadas para os menores delinquentes, partindo

    do conceito de estudo comparado da matriz da legislao nacional do ltimo sculo e meio e das suas

    congneres europeias. O autor baliza precisamente esse questionamento na encruzilhada entre os

    conceitos de proteco e represso e de educao e de punio, tendo como pano de fundo o sculo

    XX, mas no descurando os antecedentes legislativos na centria de Oitocentos18

    . Na verdade, estas

    so as seces da obra que nos interessam referir neste caso, se bem que o autor revele sobretudo as

    evolues dos modelos de internamento penal de jovens nos casos da Frana e da Blgica, sistemas

    que reciprocamente influenciaram e receberam influncias das solues adoptadas pelo Estado

    portugus nesta matria. A obra estende-se at ao final do sculo XX, incluindo a evoluo havida no

    sistema portugus depois da revoluo de 25 de Abril de 1974 e da construo do regime democrtico

    posterior. Apesar de muito centrado nas questes do foro jurdico e criminal perfeitamente normais

    numa dissertao apresentada precisamente nessa rea, este trabalho revela um contedo de

    aprofundamento importante acerca da evoluo estrutural do sistema de internamento de menores

    delinquentes como resposta do Estado aos fenmenos da delinquncia e demais comportamentos

    desviantes no conformes ordem instituda nos seus mltiplos contextos histricos e que tambm

    enformam a aco dos poderes pblicos durante o fim da Monarquia e os anos da I Repblica em

    Portugal. Apesar disso, a sua origem jurdica transparece uma reduzida relao entre a exaustiva

    problematizao existente e as diferentes conjunturas internas, destacando-se a ausncia praticamente

    completa acerca do papel e do perfil assumido pelo Estado nos diferentes contextos abordados na

    conjuntura em questo, o que nos parece essencial para melhor compreender o que est em questo.

    H que igualmente citar o estudo realizado por Maria de Ftima Pinto intitulado Os Indigentes.

    Entre a Assistncia e a Represso: a outra Lisboa no 1. tero do Sculo. Foi editado em 1999 e

    corresponde a uma dissertao de Mestrado em Histria dos Sculos XIX e XX apresentada

    Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa em Julho de 1995.

    Tambm esta autora escolhe posicionar-se entre dois conceitos, o da assistncia pblica e o da

    18

    Cf. Antnio Carlos Duarte-Fonseca, Internamento de menores delinquentes. A Lei portuguesa e os seus modelos: um

    sculo de tenso entre proteco e represso, educao e punio, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, pp.98-222.

  • 17

    represso promovida igualmente pelos poderes pblicos. Justamente numa perspectiva de histria do

    quotidiano, Maria de Ftima Pinto prope-se estudar os indigentes na Lisboa do primeiro tero do

    sculo XX, procurando identific-los e determinar as suas formas de vida19

    . Entretanto, o trabalho

    nestas questes abriu espao para um aprofundamento das abordagens cientficas na rea20

    .

    Num plano geral de anlise, devemos referir ainda a Tese de Mestrado em Gesto apresentada

    Universidade da Beira Interior de Maria Otlia Mendes Nunes Duarte, O Estado-Providncia:

    contribuio para o estudo e anlise do modelo portugus de 1996. Apesar de propor uma evoluo

    para as funes sociais do Estado da qual discordamos totalmente, uma vez que propugna por uma

    sistema de mercantilizao e misto que desfiguraria por completo o sistema pblico e universal da

    segurana social em Portugal, procurou na histria da evoluo das polticas sociais no Pas a origem

    da sua caracterizao feita para o perodo posterior revoluo de 25 de Abril de 1974. Entrando nas

    diferentes vertentes a analisar e que servem de contexto subjacente ao trabalho que aqui apresentamos,

    devemos referir a Tese de Mestrado em Histria Contempornea apresentada Faculdade de Cincias

    Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa em 2008 por Joana Dias Pereira com o ttulo

    Sindicalismo Revolucionrio A histria de uma Ida, que interpreta a evoluo da teoria daquela

    corrente sindical e ideolgica que predominou no movimento sindical portugus durante boa parte da

    sua fase de expanso livre, anterior sua decapitao forada posterior a 1933. So tambm dignos de

    realce nestas reas as abordagens s questes do direito do trabalho por Maria Cristina Fernandes

    Rodrigues com Trabalhar em Portugal (1910-1933): anlise da legislao sobre os direitos dos

    trabalhadores, uma Tese de Mestrado em Sociologia do Trabalho, das Organizaes e do Emprego, de

    2006 e uma obra central sobre o movimento mutualista em Portugal de Vasco Rosendo O mutualismo

    em Portugal: dois sculos de histria e as suas origens, editada em 1996. No mbito da previdncia

    social, devemos tambm referir como importante o artigo de Jos Lus Cardoso e Maria Manuela

    Rocha O seguro social obrigatrio em Portugal (1919-1928): aco e limites de um Estado

    previdente. Na rea da sade e hospitalizao h que referir a obra genrica de Francisco Antnio

    Gonalves Ferreira, Histria da Sade e dos Servios de Sade em Portugal, de 1990. Abordando o

    papel dos mdicos e as questes da medicina legal de Maria Rita Lino Garnel, Vtimas e violncias na

    Lisboa da Primeira Repblica, Coimbra, Tese de Doutoramento em Letras, especialidade de Histria

    Contempornea, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2005 e de Eunice Relvas a

    19

    Cf. Maria de Ftima Pinto, Os Indigentes. Entre a Assistncia e a Represso: a outra Lisboa no 1. tero do Sculo,

    Lisboa, Livros Horizonte, Coleco Cidade de Lisboa, n. 32, 1999. 20

    Para mais detalhes acerca da bibliografia produzida sobre as diferentes polticas sociais aqui consideradas, vide David

    Oliveira Ricardo Pereira, As Polticas Sociais em Portugal (1910-1926), Trabalho de Projecto para a obteno do grau de

    Mestre em Histria Contempornea apresentado Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de

    Lisboa, Junho de 2008, pp.9-38.

  • 18

    questo da Esmola e Degredo: mendigos e vadios em Lisboa (1835-1910) editado em livro em 2002.

    Podemos caracterizar mais estes exemplos como complementares produo cientfica sobre a

    questo, faltando em todos os exemplos apontados uma verdadeira viso de conjunto,

    problematizadora e analtica, sobre a questo do estudo das polticas sociais centradas como objecto de

    estudo histrico. Essa abordagem permitiria, seguramente, garantir a estas abordagens um

    conhecimento mais consolidado sobre as diferentes questes em anlise.

    De qualquer forma, no se pretendeu assumir aqui um compromisso exaustivo neste elenco

    apresentado, nem no plano da descrio dos contedos bibliogrficos em causa, nem no plano da sua

    mera enunciao. O nosso objectivo to s o de apontar as extremas carncias que esta temtica

    apresenta, sobretudo no que ateno da historiografia nacional diz respeito. Assim, confirmamos o

    enorme desfasamento que estes estudos encontram na comparao com o estado da questo em outros

    pases e realidades nacionais, o que tambm acarreta repercusses em possveis estudos comparativos.

    Procuraremos ento contribuir para uma melhor conhecimento acerca do estudo das polticas sociais e

    das origens da interveno do Estado no plano social em Portugal, ajudando a traar a sua evoluo e a

    problematizar esse quadro no enquadramento mais dilatado do perodo circunscrito entre 1890 e 1933.

    As polticas sociais como objecto de estudo histrico

    O propsito com que partimos para a definio deste objecto de estudo iniciou-se com a

    assumpo da necessidade de conhecer a longa trajectria histrica da interveno do Estado no plano

    social no caso portugus. Os trabalhos realizados tm-nos conduzido a essa necessidade, at por

    comparao com a historiografia produzida em outros pases, onde as grandes snteses conclusivas

    foram sucessivamente surgindo suportadas em vrios trabalhos centrados nos diferentes mecanismos e

    polticas de interveno do Estado nesta rea.

    Por outro lado, centrando igualmente a sua situao cronolgica e estrutural em termos

    econmicos e sociais, cremos ser possvel aquilatar at que ponto se diferenciaram os propsitos

    prvios realizao das polticas, a sua aplicao e a apreciao final acerca do seu sucesso ou

    malogro. Para o enquadramento necessrio a esta temtica necessitamos do contexto final da

    Monarquia Constitucional, assim como ser aps o golpe de 28 de Maio de 1926 e a rpida construo

    do Estado fascista que delinearemos as necessrias concluses para o nosso estudo.

    Devemos notar que, nas suas grandes linhas interpretativas, as questes que colocmos para

    este estudo continuam vlidas e as perspectivas iniciais foram confirmadas pela anlise efectuada. A

    ausncia de um Estado social durante o perodo, num contexto de igual ausncia de direitos polticos e

  • 19

    sociais universais para a populao portuguesa e de prevalncia de concepes de interveno

    direccionada aos mais desfavorecidos que declaradamente no desempenhavam qualquer actividade

    profissional, tal como o atendimento apenas aos trabalhadores de rendimentos mais baixos foram

    realidades nunca superadas. Para alm disto, no podemos esquecer a poltica de grande animosidade e

    violncia prosseguida contra as associaes de classe e o movimento sindical em geral que marcam

    como pano de fundo esta rea social. Isto num contexto de indisponibilidade oramental comum,

    acompanhada da grande instabilidade poltica e governativa e uma trajectria nas diferentes

    conjunturas internas do perodo onde a I Guerra Mundial uma realidade que marca todos os

    contextos em que o Estado intervm em Portugal. Confirmamo-lo sucessivamente ao longo do nosso

    estudo. , portanto, com esta perspectiva que partimos para o seu estudo, enquadrando-as no seu

    contexto histrico prprio e que no caso concreto de Portugal entre 1890 e 1933 tambm

    condicionado pela prpria evoluo do contexto de polticas sociais. A construo conceptual da

    grelha analtica, que fazemos sucessivamente para abordar as questes ligadas a estas polticas sociais,

    tambm ela determinada, partida, pelo ponto de chegada das funes sociais do Estado efectivadas

    em Portugal aps a revoluo de 25 de Abril de 1974, quando o Pas finalmente alcana a consagrao

    constitucional da universalidade dos direitos sociais ao incluir as classes mdias no sistema de

    segurana social. nesse momento operada uma concomitante desmercantilizao que revolucionou o

    acesso aos diferentes servios mediante o reconhecimento na Constituio da Repblica Portuguesa de

    1976 dos direitos sociais, visando promover a igualdade entre os cidados. O que no implica qualquer

    tipo de perspectiva anacrnica ou omisso do longo caminho da evoluo das polticas sociais, uma

    vez que mesmo na fase da recusa da garantia de direitos sociais a todos os portugueses, a que

    corresponde o nosso estudo, a interveno do Estado foi existindo sobretudo ao sabor da presso social

    diversa ou at para convenincia da manuteno do contexto econmico e social vigente (luta e

    conflitualidade social, presso demogrfica urbana, conteno e ataque a epidemias endmicas,

    proliferao da pobreza e mendicidade no meio urbano, crescimento da organizao e nvel numrico

    da sindicalizao, conhecimento e percepo das realidades noutros pases e regies). Por isso,

    pensamos ser justificado o estudo da legislao laboral (horrio de trabalho, inspeco e

    regulamentao do trabalhos dos menores e das mulheres, arbitragem e conciliao de conflitos

    mltiplos atravs dos tribunais de rbitros avindores), da previdncia social (seguros sociais

    obrigatrios nas situao de desastre de trabalho, doena, invalidez, velhice e sobrevivncia e tribunais

    arbitrais de previdncia social, tribunais especiais de rbitros avindores para desastres no trabalho,

    tribunais de desastres no trabalho), da assistncia pblica e beneficncia privada (institucionalizao

    de crianas e adultos, cuidados pr e ps natais, puericultura na primeira infncia, sustentao

    alimentar, represso da mendicidade) e da sade e hospitalizao (internamento de doentes e consultas

  • 20

    externas nos hospitais de carcter supra regional e nacional e nos hospitais postos clnicos

    dispensrios das misericrdias).

    Assim, tambm fomos obrigados a determinar diversos limites prpria dimenso do objecto

    de estudo das polticas sociais, procurando adequ-lo e centr-lo ao plano social. Poderia ser atractivo

    estudar as polticas relativas habitao social por parte do Estado, mas a abordagem que iremos fazer

    ser circunscrita devido inoperncia na sua concretizao do Estado central durante o perodo,

    exceptuando alguns casos que apenas confirmam a regra de ausncia da construo de habitaes

    econmicas sobretudo para as famlias operrias no perodo. Tambm elencaremos a evoluo da

    questo do arrendamento e do regime do inquilinato, onde a poltica do Estado se viu confrontada com

    amplas reivindicaes do movimento sindical organizado. Por outro lado, no perodo em causa, trata-

    se mais de um elenco de diversas iniciativas que no tiverem depois concretizao prtica, mas que se

    justifica pela insistncia cada vez mais frequente dos interlocutores do movimento operrio, tal como

    de diversos estudiosos da questo, alto funcionrios pblicos e deputados e ministros. Tambm seria

    interessante uma eventual incurso na instruo pblica, que a ser considerada no seu todo,

    compreenderia a instruo primria elementar e complementar, a instruo secundria, a instruo

    superior e a instruo profissional (agrria, industrial e comercial). Assim entendida, cremos que daria

    lugar a um estudo por si s desta vasta temtica e por isso optmos por no a incluir na abordagem

    aqui realizada. O que tambm se verifica no caso das questes de poltica econmica em torno do

    custo da vida, nveis salariais e abastecimentos bens de primeira necessidade no perodo. Foram

    questes conexas s polticas sociais e a eles nos referiremos vrias vezes neste estudo, mas numa

    perspectiva de enquadramento e contextualizao e procurando no entrar num plano de estudo

    detalhado das polticas econmicas subjacentes aos resultados alcanados. No entanto, estaro sempre

    em equao, uma vez que influenciaram decisivamente a vida dos actores sociais em causa, constando

    dos cadernos reivindicativos das associaes de classe, das suas federaes e da prpria UON e CGT,

    por exemplo, mas tambm das representaes patronais da AIP, da ACAP e da ACL. Estaramos j no

    estudo da economia poltica no perodo, assim como dos mecanismos do Estado para intervir na

    economia e das matrizes ideolgicas que lhes presidiram.

    As abordagens que adoptmos neste estudo so tambm condicionadas pelas conjunturas

    polticas aqui consideradas: Monarquia Constitucional, Primeira Repblica, Ditadura Militar e Estado

    Novo. Na realidade, a evoluo das polticas sociais predominantemente determinada pelos contextos

    econmicos e financeiros vigentes, mas no plano do estudo das mesmas adquire maior pertinncia, em

    nosso entender, a abordagem integrada no plano da evoluo poltica e institucional. Obviamente que

    existem vrios perodos em que essas conjunturas se entrecruzam e concorrem para o mesmo efeito e

  • 21

    tm consequncia na deciso poltica, como por exemplo, o ano de 1919 como o primeiro do imediato

    ps Primeira Guerra Mundial, tal como sendo o primeiro ano aps o Governo de Sidnio Pais e da

    defesa do regime republicano face tentativa de restaurao monrquica, assim como o ano que marca

    amplas transformaes no contexto internacional que no deixaram de influenciar Portugal.

    O Estado, o seu papel e o seu perfil

    Foi desta forma que procurmos limites abrangentes para o mbito da nossa tese de

    doutoramento. No s pelas razes j aduzidas, mas tambm porque entendemos que s uma anlise

    estrutural a esta questo pode contribuir para o avano na sua abordagem, mas tambm no sentido de

    alcanar uma viso estrutural sobre as polticas sociais promovidas em Portugal pelo Estado. Desta

    forma, devemos igualmente apontar as carncias e insuficincias que no plano das fontes histricas

    disponveis encontramos na realidade actual em Portugal. Assim, temos de apontar a ausncia de

    importantes fundos documentais. Devido a vicissitudes vrias que se prendem com a situao dos

    arquivos histricos dos organismos pblicos da administrao central em Portugal, no contaremos

    com documentao para este estudo. Procurmos colmat-la atravs de anlise indirecta de outra

    documentao e de diferentes fontes impressas. Parece-nos importante destacar este aspecto por se

    tratar de acervos correspondentes documentao produzida pelos servios dos ministrios que

    integram, afinal, o agente social responsvel pelo objecto de estudo que aqui consideramos: o Estado.

    O papel do Estado e o perfil que este assumiu nesta conjuntura que aqui consideramos para

    estudo tambm importante para melhor compreender o alcance e o efectivo funcionamento das

    instituies. Como em outros aspectos aqui considerados, tambm neste contexto as grandes alteraes

    surgiram com as necessidades desesperadas que os dirigentes republicanos sentiram no final da

    Primeira Guerra Mundial e aps o fim da experincia sidonista. No ano econmico de 1919-1920

    aumentaram em grande monta as estruturas, os organismos e as instituies pblicas nos ministrios.

    Se olharmos para os servios que directamente tiveram relao com a concretizao das polticas

    sociais, verificaremos esse facto plenamente confirmado, sobretudo no contexto da criao e expanso

    dos servios do Ministrio do Trabalho, assim como no caso do Ministrio do Interior. Neste caso,

    essa tendncia vinha j da primeira fase do regime republicano, dando continuidade sucessiva

    complexificao que desde o final da Monarquia Constitucional fora necessrio assumir. O mesmo se

    verifica no caso do Ministrio do Fomento, se tivermos em conta o perodo em que tutelava as

    questes do trabalho e previdncia social, entre 1903 e 1916. Reparemos nessa evoluo atravs do

    quadro seguinte.

  • 22

    Quadro 1 Evoluo Institucional dos organismos responsveis pelas polticas sociais em Portugal (1890-1933)

    Monarquia Constitucional (1890-1910)

    Assistncia Pblica e Hospitalizao

    Ministrio Servio Responsvel Perodo de vigncia

    Reino/ Interior Direco-Geral de Sade e Beneficncia Pblica (tutela o Hospital Real de

    So Jos e Anexos)

    4.12.1899-9.2.1911

    Trabalho e Previdncia Social

    Obras

    Pblicas,

    Comrcio e

    Indstria

    2. Seco da Repartio dos Servios Tcnicos de Minas e da Indstria

    (tutela do Tribunal de rbitros Avindores de Lisboa e do trabalho das

    mulheres e dos menores na indstria)

    1.12.1892-28.12.1899

    2. Seco da Repartio do Ensino e Estatstica Industrial da Direco-

    Geral do Comrcio e Indstria (tutela de assuntos relativos inspeco,

    fiscalizao, higiene e trabalho das mulheres, dos menores e dos adultos na

    indstria, desastres no trabalho, seguros contra esses desastres e casos de

    invalidez do pessoal da indstria; greves, coligaes, horas de trabalho,

    descanso, falta de trabalho industrial, tribunais de rbitros avindores e

    bolsas de trabalho)

    28.12.1899-21.1.1903

    Obras

    Pblicas,

    Comrcio e

    Indstria/

    Fomento

    Repartio do Trabalho Industrial da Direco-Geral do Comrcio e

    Indstria (tutela do trabalho industrial, segurana e salubridade nas fbricas

    e oficinas, situao dos operrios e sua proteco e servio de pesos e

    medidas, recebendo em 25.5.1915 uma seco responsvel pela estatstica

    industrial, dos inquritos industriais, e das exposies e congressos

    industriais e comerciais)

    21.1.1903-16.3.1916

    I Repblica (1910-1926)

    Assistncia Pblica e Hospitalizao

    Interior 2. Repartio de Assistncia Pblica da Direco-Geral de Administrao

    Poltica e Civil (tutela o Hospital de So Jos e Anexos)

    9.2-25.5.1911

    Direco-Geral de Assistncia (tutela o Hospital So Jos e Anexos/ os

    Hospitais Civis de Lisboa)

    25.5.1911-13.7-1918

  • 23

    Direco-Geral dos Hospitais Civis de Lisboa 9.7.1918-30.9.1918

    Trabalho e Previdncia Social

    Trabalho Direco-Geral do Trabalho (tutela a Repartio Tcnica do Trabalho

    inspeco de salubridade, higiene e segurana no trabalho e a Repartio

    de Defesa do Trabalho trabalho das mulheres, dos menores e dos adultos,

    fiscalizao sobre o cumprimento da legislao laboral em vigor, horrio,

    remunerao e contratos de trabalho; acidentes de trabalho, tal como todo o

    tipo de conflitos entre o capital e o trabalho)

    16.3.1916-25.5.1925

    Direco-Geral de Previdncia Social (tutela a Repartio das Associaes

    de Classe e Mutualistas acompanhamento das associaes de classe e das

    federaes sindicais, das associaes de socorros mtuos e das federaes

    mutualistas, acrescentando-se ainda o trabalho dos tribunais mutualistas em

    geral, assim como a elaborao de inquritos relativos situao do

    operariado portugus e a Repartio de Defesa Econmica habitao

    operria, cooperativas de consumo, de produo e de crdito, caixas

    econmicas, interveno social patronal, custo da vida dos trabalhadores,

    regulao dos preos das subsistncias pblicas)

    16.3.1916-10.5.1919

    Inspeco do Trabalho (sete circunscries territoriais dependentes da

    Direco-Geral do Trabalho)

    16.3.1916-25.5.1925

    Inspeco de Previdncia Social (trs circunscries territoriais dependentes

    da Direco-Geral de Previdncia Social)

    16.3.1916-10.5.1919

    Inspeco Sanitria do Trabalho (higiene e doenas profissionais,

    salubridade e segurana no trabalho)

    13.4.1918-10-5-1919

    Direco-Geral de Previdncia Social (recebe a Repartio das Associaes

    Profissionais e Mutualistas que substitui a Repartio das Associaes de

    Classe e Mutualistas e a nova Repartio de Companhias e Sociedades de

    Seguros)

    13.7.1918-10.5.1919

    Direco-Geral de Assistncia 13.7.1918-10.5.1919

    Direco-Geral dos Hospitais Civis de Lisboa 30.9.1918-25.11.1925

    ISSOPG (superintendncia de todo o sistema de seguros sociais obrigatrios

    nas situaes de doena, de desastres de trabalho, de invalidez, de velhice e

    de sobrevivncia e dos seguros industriais exercidos pelas sociedades

    10.5.1919-25.11.1925

  • 24

    annimas e as sociedades mtuas, das bolsas sociais de trabalho, dos

    servios de mutualidade livre e das associaes profissionais e dos servios

    de assistncia pblica e privada)

    Ditadura Militar (1926-1933)

    Assistncia Pblica e Hospitalizao

    Interior Direco-Geral de Assistncia 25.5.1925-1.7.1927

    Direco-Geral dos Hospitais Civis de Lisboa 25.5.1925-1.7.1927

    Direco-Geral de Assistncia (Assistncia Pblica e Hospitais Civis de

    Lisboa)

    1.7.1927-

    Trabalho

    Comrcio e

    Comunicaes

    Direco-Geral das Indstrias (herdando a tutela referente antiga

    Direco-Geral do Trabalho)

    25.5.1925-

    Inspeco Tcnica das Indstrias (herdando a tutela referente antiga

    Inspeco do Trabalho)

    25.5.1925-

    Interior Instituto Social do Trabalho (tutela da Repartio da Poltica Social do

    Trabalho trabalho das mulheres e menores; horrio do trabalho; descanso

    semanal; salrios; salrio mnimo; bolsas sociais do trabalho; contratos;

    conflitos tribunais de rbitros avindores; associaes de classe; educao e

    instruo social dos trabalhadores e da Repartio de Estatstica do

    Trabalho estatstica social do trabalho: profisses, salrios, conflitos,

    conciliaes, julgamentos)

    25.5.1925-

    Previdncia Social

    Finanas ISSOPG (superintendncia de todo o sistema de seguros sociais obrigatrios

    nas situaes de doena, de desastres de trabalho, de invalidez, de velhice e

    de sobrevivncia e dos seguros industriais exercidos pelas sociedades

    annimas e as sociedades mtuas, das bolsas sociais de trabalho, dos

    servios de mutualidade livre e das associaes profissionais)

    25.5.1925-11.4.1928

    INSP (herdando a tutela referente ao antigo ISSOPG) 11.4.1928-

    Fonte: Diario do Governo, Lisboa, Imprensa Nacional, 1889-1911; Dirio do Govrno, Lisboa, Imprensa Nacional, 1911-

    1914; Dirio do Govrno, Lisboa, Imprensa Nacional, I srie, 1914-1933.

  • 25

    Sem termos pretenses a uma excessiva descrio do percurso evolutivo dos servios pblicos

    centrais que tutelaram as matrias que abordaremos posteriormente, podemos confirmar as

    caractersticas fundamentais desta evoluo do papel e dos perfis assumidos pelo Estado durante este

    perodo atravs da anlise ao Quadro 1. Verifica-se o avano motivado pelas necessidades prementes

    que a conjuntura poltica, econmica e social foi ditando, apesar de um esforo presente na teorizao

    dos organogramas ministeriais que garantissem racionalidade estruturao interna do Estado. No

    entanto, a realidade prtica desmentiu no raras vezes essa concepo, ou condenou letra morta a sua

    edificao terica.

    A evoluo dos paradigmas das polticas sociais e o contexto internacional

    Como natural, para um perodo de mais de quatro dcadas, os paradigmas prevalecentes

    relativos implementao de polticas sociais tambm revelam uma evoluo. Por outro lado, tendo

    em conta o contexto europeu e mundial em que Portugal se inseria, tambm nesse plano a sua

    concretizao pelos diversos governos foi diversa, mas revelou tendncias diferentes consoante o

    perodo e a sua realidade nacional. Neste caso, balizado entre 1890 e 1933, tambm aqui verificamos

    as diferenas verificadas, quer no mbito da interveno do Estado, quer no tipo de interveno

    promovida. Por outro lado, tambm uma realidade insofismvel para todo o perodo que antes da

    entrada em vigor das medidas em letra de lei, o debate produzido em torno das mesmas foi antecipado

    por diferentes actores sociais consoante as necessidades ou interesses especficos dos mesmos nas

    questes. Assim, se as reivindicaes salariais e contra o aumento do custo da vida foram uma

    constante bandeira de luta empunhada pelo movimento operrio e sindical ao longo do perodo, o que

    se reflectiu muitas vezes no apelo para interveno no campo social no sentido do combate

    especulao dos preos das rendas pagas pelos inquilinos no meio urbano, por exemplo, tambm

    verdade que em outros domnios, como o dos seguros sociais obrigatrios, o alargamento da sua

    cobertura para alm de situaes como a dos acidentes de trabalho foi discutida e aprofundada vrios

    anos antes de qualquer aprovao legal. Tambm no saber acadmico estas teorias comearam a

    ganhar protagonismo, assim como o progresso no plano do levantamento estatstico e do registo

    sistemtico das ocorrncias, sobretudo no que concerne teoria do risco profissional que foi

    conquistando paulatinamente a prevalncia das legislaes sobre acidentes de trabalho entre os finais

    do sculo XIX e o incio do sculo XX.

    So exemplos desta evoluo as tomadas de posio de alguns autores ainda durante esses anos

    anteriores interveno mais sistemtica em Portugal do Estado nestas matrias relativas aos acidentes

  • 26

    de trabalho: em 1892, Antnio Lus Gomes21

    j advogava a existncia de um seguro social obrigatrio

    na situao de acidente de trabalho, numa obra dedicada s questes da mendicidade, vagabundagem e

    ociosidade:

    () Uma outra circunstancia, que vamos mencionar, influe largamente no crescimento da

    ociosidade. Em Portugal, onde desgraadamente para todos ns se olha para tudo com indifferena

    criminosa, no existe uma lei contra os riscos do trabalho, succedendo frequentes vezes por incuria e

    desleixo dos empreiteiros e patres ficarem numerosas famlias lanadas na viuvez, na orfandade, na

    misria e na desgraa. Os desastres repetem-se com uma constncia assombrosa, e comtudo os poderes

    publicos, que s sabem fazer eleies, no teem adoptado nenhumas providencias, tendentes a prevenir os

    males que resultam d`esta imprevidencia. So palpaveis para toda a gente que quer ver as consequencias

    que derivam d`esta imperdoavel negligencia.22

    Dedicadas especificamente s questes do trabalho e sua legislao regulamentadora, foram

    sendo editadas vrias obras que defendiam o compromisso obrigatrio do Estado e das entidades

    patronais para com o seguro nas situaes de acidentes de trabalho, uma das reas mais sensveis

    durante os anos anteriores primeira legislao na matria em Portugal que datou de 1913. No

    contexto internacional, crescia cada vez mais o interesse na questo social e operria e vrios autores,

    sobretudo recusando a viso liberal de ausncia completa do Estado na regulao do trabalho, mas

    tambm procurando rebater as anlises dos autores socialistas e sindicalistas, vinham defender a

    adopo dos princpios do solidarismo, uma sntese das duas correntes que reunia os princpios da

    conciliao de classes muito influenciados pela doutrina social da Igreja sistematizada na Encclica de

    15 de Maio de 1891, De Rerum Novarum, do Papa Leo XIII23

    . Nesse texto as questes dos direitos e

    dos deveres, do capital e do trabalho e acerca das desigualdades e justia social so abordadas,

    rejeitando-se a via revolucionria do socialismo, mas igualmente a viso unilateral do capitalismo sem

    regulao do Estado. Nesta linha de interveno surge-nos entre os autores portugueses, Rui Enes

    21

    Antnio Lus Gomes (Gndara, Oliveira de Azemis, 23.9.1863-Porto, 28.11.1961) notabilizou-se como advogado e

    estudou direito na Universidade de Coimbra, onde obteve o bacharelato em 1890 e depois o doutoramento. Foi presidente

    da Associao Acadmica de Coimbra enquanto estudante, durante 4 anos. Obteve fortuna no Rio Grande do Sul, Brasil,

    tendo regressado a Portugal. Filiou-se inicialmente no PRP, integrando o seu Directrio (1905-1908) e depois saiu desta

    formao partidria para o PRL. Foi eleito deputado por Lisboa do PRP em 28 de Agosto de 1910. Foi o ministro do

    Fomento aps a Revoluo de 5 de Outubro de 1910 (5.10-22.11.1910) e ministro plenipotencirio no Rio de Janeiro

    Brasil (1911-1912). Foi provedor da Santa Casa da Misericrdia do Porto (1912-1921; 1930-1944). Dirigiu o Dirio do

    Norte durante o ano de 1913 e foi deputado no Congresso da Repblica pelo PRL (1921-1922). Foi reitor da Universidade

    do Porto (1921-1924) e presidente do I Congresso Republicano de Aveiro (Outubro de 1957). 22

    Antonio Luiz Gomes, Ociosidade, vagabundagem e mendicidade: estudo social e juridico, Dissertao Inaugural para o

    Acto de Concluses Magnas na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade,

    1892, pp.192-193. 23

    Papa Leo XIII, Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi Pecci (Carpineto Romano, Roma, Imprio Francs-2.3.1810-

    Roma, Itlia, 20.7.1903), ordenado em 31 de Dezembro de 1837 e consagrado em 19 de Fevereiro de 1843, o seu perodo

    papal iniciou-se em 20 de Fevereiro de 1878 e terminou em 20 de Julho de 1903 com o seu falecimento.

  • 27

    Ulrich24

    que interpretou luz desses princpios a legislao operria nacional e que defendia tambm

    em 1906, face ausncia da alterao da legislao, a rpida adopo do princpio da teoria do risco

    profissional e do seguro social obrigatrio contra acidentes de trabalho:

    () o Codigo Civil funda na culpa a responsabilidade do patro pelos accidentes de

    trabalho e nenhuma das leis posteriores, que citmos, alteraram este principio. Tratam estas sobretudo de

    impr nas differentes industrias ao patro a obrigao de communicar officialmente o accidente, de

    determinar as auctoridades competentes para inquirirem acerca do sinistro e de fixar o modo por que o

    devem fazer.

    O principio antiquado do Codigo Civil continua pois de p.

    O art. 2398., que reproduzimos, no mais do que a reproduco e a applicao a um caso

    especial do preceito generico do art. 2361.: Todo aquele, que viola ou offende os direitos de outrem,

    constitue-se na obrigao de indemnizar o leso, por todos os prejuizos em causa.

    Em face da nossa lei, a responsabilidade do patro para com o operario portanto a mesma,

    em que se achar investido para com elle um qualquer terceiro que o haja prejudicado.

    Numa palavra, a doutrina que o nosso Codigo sancciona ainda a pura theoria delictual!

    () O que urge que a nossa legislao deixe de permanecer estacionaria, num vergonhoso

    confronto com as legislaes de todos os povos civilizados.

    Todos nos devemos empenhar para que ella se modifique de harmonia com o modo de sentir e de

    pensar humanitrio e justo, que caracterisa as sociedades modernas, e por que entre ns se estabeleam a

    responsabilidade baseada no risco profissional e o seguro obrigatorio.25

    Essas ideias continuaram a fazer escola nos autores portugueses que se dedicavam a estas

    questes no plano acadmico, acompanhando a evoluo internacional com o atraso verificado na

    aprovao nesta rea de interveno no campo laboral no caso portugus. Foram tambm os casos de

    24

    Rui Enes Ulrich (Lisboa, 20.4.1883-Lisboa, 20.1.1966) formou-se em direito na Universidade de Coimbra em 1904,

    tendo-se doutorado em 1906. Foi logo nomeado lente da mesma Universidade em 1907, tendo pedido exonerao aps a

    implantao da Repblica devido s suas convices monrquicas. Retornou universidade em 1936, para reger a cadeira

    de Economia Poltica na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sendo seu director entre 1937 e 1950. Ingressou

    na Junta do Crdito Pblico em 1911, onde se manteve at 1914, quando foi nomeado director do Banco de Portugal (1914-

    1927). Devido s convices monrquicas, apoiou a fundao do Integralismo Lusitano e foi eleito deputado em 1921-1922

    por Lisboa. Devido lei das incompatibilidades, saiu do Banco de Portugal em 1928, mas estabeleceu carreira na

    administrao na presidncia da Companhia dos Caminhos-de-Ferro Portugueses (1922-1933) e da Companhia de

    Moambique (1920-1933) e foi presidente da Companhia Nacional de Navegao a partir de 1936. Foi ainda vogal da Junta

    Nacional da Marinha Mercante (1940), presidente do Centro de Estudos Econmicos do INE (desde 1944), administrador

    das Companhias Reunidas de Gs e Electricidade, administrador da Companhia de Caminho-de-Ferro de Benguela e

    administrador da Companhia de Seguros Ultramarina. Foi um activo apoiante do golpe de 28 de Maio de 1926 e da

    edificao do Estado Novo. Em 1929-1930 foi delegado por Portugal Conferncia das Reparaes de Haia na Holanda, e

    foi embaixador em Londres (1933-1935; 1950-1953). Foi procurador Cmara Corporativa (1936-1942). Publicou obra

    vasta sobre direito, finanas, administrao colonial e histria. 25

    Ruy Ennes Ulrich, Legislao operaria portugueza (exposio e critica), Coimbra, Frana Amado Editor, Estudos de

    Economia Nacional, II, Dissertao para o acto de Licenciatura, 1906, pp.281-282.

  • 28

    Jos Lobo de vila Lima26

    e de Fernando Emdio da Silva27

    . No primeiro caso, debruando-se sobre o

    sistema de seguros sociais e a sua articulao com as associaes de socorros mtuos, o autor defende

    que as ideias que promovem a interveno do Estado para alm da simples quotizao individual dos

    indivduos so as que progressivamente se vo impondo nos diversos pases: a sua tutela, atravs de

    um sistema de seguros sociais obrigatrios que abarcasse os riscos mais recorrentes, como os acidentes

    no trabalho, nas tambm situaes de doena, velhice ou invalidez28

    . Alguns anos mais tarde, poucas

    semanas depois da aprovao da Lei n. 83, de 24 de Julho de 1913, que instituiu o seguro social

    obrigatrio por desastre de trabalho em Portugal, Fernando Emdio da Silva fundamenta a teoria do

    risco profissional como especial no contexto de um risco especfico s possvel de ser verificado no

    mundo do trabalho, ampliando os riscos inerentes proximidade dos meios de produo mecanizados

    por parte dos operrios em termos gerais. Por outro lado, o autor entende que ao garantir-se o princpio

    do risco profissional na lei, torna-se necessrio assegurar ao operrio o pagamento da indemnizao

    correspondente, contra o risco aleatrio da insolvncia do patro. A legitimidade da interveno do

    Estado no oferecia dvida para o autor, porque o Estado devia ter uma funo de tutela, de proteco

    intrnseca derivada da insuficincia proletria, quando abandonada aos seus recursos e energias para

    afrontar, sob a mera gide da liberdade dos contratos, a omnipotncia patronal. O Estado podia ainda

    optar entre deixar a escolha do meio de pagamento pelo patro, garantindo o pagamento da

    indemnizao aos operrios, ou organizar um sistema de seguro obrigatrio. Para Fernando Emdio da

    Silva parecia claro que nos seguros sociais, pela proteco devida ao operrio e pela misso tutelar

    incumbente ao Estado, se podia estabelecer como regra a trplice participao nos encargos do seguro

    do operrio, do patro e do Estado. No entanto, no caso do seguro contra os acidentes de trabalho e

    pelas circunstncias especiais oriundas da aplicao do risco profissional, os encargos da operao do

    seguro deveriam ficar todos a cargo do patro29

    .

    26

    Jos Caetano Lobo de vila da Silva Lima (1885-3.12.1956) professor da Faculdade de Direito da Universidade de

    Coimbra, onde se doutorou em 1909. Redigiu vrios estudos sobre questes laborais, polticas sociais, administrao

    colonial e poltica internacional. 27

    Fernando Emdio da Silva (Lisboa, 29.1.1886-Lisboa, 4.1.1972) licenciou-se em direito pela Faculdade de Direito da

    Universidade de Coimbra (1907) e ali se doutorou tambm (1911), vindo a ingressar no quadro da Faculdade de Direito da

    Universidade de Lisboa em 1913, aps prestar provas. Ali chegou a professor catedrtico, sendo seu director (1950-1956),

    dirigindo tambm a respectiva biblioteca. Especializou-se em finanas pblicas. Foi administrador do Banco de Portugal

    (1919), sendo seu vice-presidente desde 1931. Foi procurador Cmara Corporativa do Estado Novo por designao do

    Conselho Corporativo (1935-1972). Ocupou ainda cargos administrativos em empresas: presidente do Conselho de

    Administrao da Sociedade Industrial Farmacutica; administrador da Companhia de Cabinda; presidente do Conselho

    Fiscal, Assembleia-Geral e Conselho de Administrao da Sociedade dos Tabacos de Portugal; presidente do Conselho de

    Administrao da Empresa Industrial de Tabacos; presidente da Sociedade do Jardim Zoolgico de Lisboa. 28

    Cf. Jos Caetano Lobo d`vila da Silva Lima, Socorros mutuos e seguros sociais, Coimbra, Imprensa da Universidade,

    Dissertao Inaugural para o acto de Concluses Magnas da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1909,

    pp.317-322. 29

    Fernando Emygdio da Silva, Acidentes de Trabalho, Volume I, Lisboa, Imprensa Nacional, Dissertao de concurso ao

    professorado da Seco de Scincias Econmicas da Faculdade de Direito de Lisboa, 1913, pp.13-55.

  • 29

    No plano internacional este perodo entre 1890 e 1933 assistiu a um impulso importante na

    aplicao de medidas sociais pelos Estados, caminhando do plano da legislao social para polticas

    que implementaram os primeiros esquemas de previdncia social nas eventualidades da vida dos

    trabalhadores (acidente de trabalho, doena, invalidez, velhice, desemprego) com diferentes

    conjunturas e contexto para essa implementao. Essa evoluo e as propostas assumidas pelos

    diferentes pases no deixaram tambm de ser acompanhadas em Portugal pelos diferentes actores

    sociais, mas tambm pelos estudiosos da questo. No entender de Rui Enes Ulrich, em 1906 as

    legislaes dos pases entrados no processo industrial dividiam-se: no grupo francs e belga, em que o

    regime corporativo fora completamente abolido, se estimulava o associativismo livre dos operrios e

    onde existia j um importante corpo legislativo destinado a proteger o seu trabalho; no grupo anglo-

    americano, onde os rgos de inspeco do trabalho estavam cada vez mais fortes e a vigilncia da

    actividade laboral era tambm cada vez mais intensa no zelo pelo cumprimento da legislao laboral,

    sendo sobretudo nos EUA que as instituies de arbitragem oficial funcionavam habitualmente para

    dirimir conflitos entre os patres e os operrios; no grupo germnico abrangendo as legislaes da

    Alemanha, da ustria e Hungria, da Sucia, Noruega e Dinamarca, onde as legislaes operrias

    estavam j compiladas, notando-se maior favorecimento ao regime corporativo e impondo o seguro

    obrigatrio contra os diferentes riscos a que o operrio estava sujeito a Sua tinha uma legislao

    muito prxima destes pases, apesar de no ter aprovado o seguro social obrigatrio em qualquer dos

    riscos para o trabalhador e a Holanda estava numa situao hbrida entre esta tipologia e outros

    modelos menos rgidos em matria laboral; nos pases eslavos mantinha-se o regime corporativo e

    apenas tinha sido implementada legislao correspondente ao momento do presente do trabalhador,

    no assumindo esses pases quaisquer compromissos ao nvel do futuro dos operrios; no grupo da

    Austrlia e da Nova Zelndia onde se avanara para campos inovadores como no caso da fixao de

    um salrio mnimo nacional ou regional30

    .

    Relativamente ao perfil assumido pela legislao, j em 1913, Fernando Emdio da Silva

    alinhava tambm uma diferenciao segundo as tipologias dos pases em matria de acidentes de

    trabalho: legislaes que estabeleciam o risco profissional e o seguro obrigatrio Alemanha, ustria,

    Hungria, Luxemburgo, Noruega, Srvia, Sua, Romnia; legislaes que s indirectamente

    estabeleciam o princpio do seguro obrigatrio ou o substituam por um sistema de garantias legais

    Blgica, Frana, Sucia, Finlndia; legislaes que simplesmente admitiam o risco profissional

    Inglaterra, Grcia, Rssia, Dinamarca, Espanha, Holanda, Itlia; legislaes ainda presas tradio da

    30

    Cf. Ruy Ennes Ulrich, op. cit., pp.15-16.

  • 30

    responsabilidade baseada na culpa Turquia, EUA, Canad, Japo, pases da Amrica Central e do

    Sul31

    .

    Em termos de contexto internacional sobre as polticas sociais dos pases, o quadro seguinte

    sintetiza alguns dos casos nacionais mais paradigmticos no plano dos modelos assumidos:

    Quadro 2 Aprovao legislativa de polticas sociais (primeira interveno do Estado na questo)

    Portugal Espanha Frana Gr-Bretanha Alemanha Dinamarca Sucia Noruega

    Seguro social

    por desastre de

    trabalho

    1913 1900 1898 1897 1884 1898 1901 1894

    Seguro social na

    doena

    1919 1919 1928 1911 1883 1892 1891 1909

    Seguro social de

    invalidez ou

    velhice

    1919 1919 1910 1908 1889 1921 1913 1936

    Seguro social de

    desemprego

    1975 1931 1905 1911 1927 1907 1934 1915

    Fontes e bibliografia para a construo do quadro: Ruy Ennes Ulrich, op. cit., pp.265-272; Industrial and Labour

    Information, Vol. I, Geneva, International Labour Office, 1922; Ian Gough, The Political Economy of the Welfare State,

    London, Macmillan, 1979, p.895. Cit. por Maria Alice Marques Almeida, op. cit., p.22; Henrik Jensen, The Welfare State,

    the Individual and the Revolution of Rising Expectations, John Rogers, The Swedish Welfare State: Yesterday, Today

    and Tomorrow, Pat Thane, Histories of the Welfare State, Bent Greve, The Danish Welfare State: The Legislative

    Framework and Future Prospects, Heide Barmeyer, Bismarck and the Origins of the Modern Welfare State in 19th

    Century Germany in The Welfare State: Past, Present, Future (ed. Henrik Jensen; coord. Anne Catherine Isaacs), Pisa,

    Edizioni Plus/ Universit di Pisa, Clioh`s Workshop II, 2002, pp.1-57; 87-110; John Brown, The British Welfare State: a

    critical history, Oxford, Blackwell, Historical Association Studies, 1995, pp.6-25; 38-54; Keith Laybourn, The evolution of

    British social policy and the Welfare State: c.1800-1993, Keele, Staffordshire, UK University Press, 1995, pp.183-208;

    Rodney Lowe, The Welfare State in Britain since 1945, London, Macmillan, 1993, pp.13-14; 66-70; Timothy Beresford

    Smith, Creating the Welfare State in France 1880-1940, Montral/ London/ Ithaca, McGuill/ Queen`s University Press,

    2003. Vide pp.3-12, 51-90, 91-124 e 193-222 ; Franois Ewald, Histoire de L`tat Providence : les origines de la

    solidarit, Paris, B. Grasset, 1996. Vide pp.170-173; 220-221, 230, 242; 255-256; 286-294; Anson Rabinbach, Social

    Knowledge, Social Risk, and the Politics of Industrial Accidents in Germany and France, in States, Social Knowledge and

    31

    Cf. Fernando Emygdio da Silva, op. cit., pp.55-72.

  • 31

    the Origins of Modern Social Policies (edited by Dietrich Rueschemeyer; Theda Skocpol), Princeton New York/

    Chicester; Princeton University Press, 1996, pp.48-89.

    Na verdade, o quadro demonstra a evoluo no plano dos seguros sociais voluntrios e

    obrigatrios relativamente s situaes em que o trabalhador sofria um acidente de trabalho, adoecia,

    se tornava invlido ou era atingido por uma situao de desemprego. A relao directa entre as

    condies impostas pelo regime de trabalho no sector industrial e as lutas conduzidas pelo movimento

    operrio nos pases industrializados da Europa no sculo XIX vem produzir transformaes face

    ausncia completa de interveno do Estado em matrias laborais e sociais.

    Quadro 3- Ano de fundao dos partidos polticos aderentes II Internacional e III Internacional

    Pas Alemanha Dinamarca Portugal Espanha Frana Blgica Noruega Sua

    II Internacional 1875 1871 1875 1879 1882 1885 1887 1888

    III Internacional 1918 1919 1921 1921 1920 1921 1923 1918

    Pas Sucia Hungria Itlia Holanda Rssia Finlndia Gr-Bretanha Luxemburgo Grcia

    II Internacional 1889 1890 1892 1893 1898 1899 1900 1902 1920

    III Internacional 1921 1918 1921 1919 1918 1918 1921 1921 1918

    Nota: elaborado pelo autor.

    Este Quadro pretende elucidar acerca da importncia poltica que os partidos polticos operrios

    assumiram progressivamente a partir do ltimo quartel do sculo XIX na Europa. Igualmente se aponta

    a formao de partidos comunistas correspondendo ao sucesso da revoluo socialista na Rssia em

    1917. Recordem-se a fundao da Associao Internacional dos Trabalhadores em 1864 (I

    Internacional) e a evoluo do movimento socialista internacional aps 1889 com a II Internacional.

    Nesse contexto so fundados partidos socialistas, social-democratas, trabalhistas e operrios que

    tinham, normalmente, fortes relaes com o sindicalismo e o movimento operrio organizado nos

    respectivos pases. Tambm nos pases onde a corrente sindicalista revolucionria se tornou

    predominante no seio do movimento operrio, como em Portugal, a perspectiva de presso

  • 32

    reivindicativa junto dos poderes do Estado no cessou de crescer. No plano do contexto internacional,

    h que tambm ter em conta os efeitos da conflagrao resultante da I Guerra Mundial (1914-1918) na

    economia e na sociedade de ento, e os efeitos posteriores na redefinio das foras polticas e

    sindicais do ps I Guerra na Europa: a revoluo socialista de Outubro de 1917 na Rssia e a

    inspirao para a fundao dos partidos comunistas e da III Internacional em 1919, por um lado, e a

    entrada ainda durante o conflito para governos de unidade nacional de vrios partidos aderentes II

    Internacional, cindindo definitivamente esse movimento entre reformistas e revolucionrios no

    contexto europeu e mundial, no esquecendo a evoluo poltica do sindicalismo revolucionrio no Sul

    da Europa. Se as cises no seio dos partidos socialistas, social-democratas, trabalhistas ou operrios

    foram a norma em todo o continente europeu para a formao dos partidos comunistas, existiu a

    excepo representada exactamente pelo caso portugus, em que essa ciso ocorreu no seio do

    sindicalismo revolucionrio. O crescimento numrico e o reforo no plano organizacional dos

    trabalhadores nos diversos pases influenciaram decisivamente as primeiras medidas sociais adoptadas

    nas legislaes, superando o estreito plano da assistncia pblica e internamento dos pobres e

    indigentes onde o Estado j intervinha. Desta forma, ainda que num contexto onde em nenhum caso se

    assume uma feio universalista na garantia dos direitos sociais, sendo at a garantia do acesso

    limitada sempre a franjas populacionais determinadas (trabalhadores do sector industrial, indigentes,

    menores, mulheres), evolui-se paulatinamente para um enquadramento cada vez mais abrangente da

    interveno do Estado atravs das polticas sociais. A grande diferena para com a edificao do

    Estado social nos pases estar no carcter unificado e complementar das estruturas pblicas de

    interveno social.

    Em matria de assis