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Informativo 859-STF (10/04/2017) Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante Processos excluídos deste informativo esquematizado por não terem sido concluídos em virtude de pedidos de vista ou adiamento: RE 760931/DF; RE 878694/MG. ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL NACIONALIDADE Brasileiro, titular de green card, que adquire nacionalidade norte-americana, perde a nacionalidade brasileira e pode ser extraditado pelo Brasil. DIREITO ADMINISTRATIVO ABONO DE PERMANÊNCIA Magistrado que estava recebendo abono de permanência e foi promovido terá direito de continuar percebendo o benefício. PENSÃO O art. 11 da EC 20/98 não proibiu a percepção de pensão civil com pensão militar. DIREITO PROCESSUAL CIVIL MANDADO DE SEGURANÇA O STF já relativizou o prazo de 120 dias do MS em nome da segurança jurídica. DIREITO PENAL CRIMES NA LEI DE LICITAÇÃO Administrador que contrata empresa para reforma de ginásio sem situação de emergência e que depois faz aditivo para ampliar o objeto pratica, em tese, os delitos dos arts. 89 e 92. LEI DE DROGAS Se o réu, não reincidente, for condenado a pena superior a 4 anos e que não exceda a 8 anos, e se as circunstâncias judiciais forem favoráveis, o juiz deverá fixar o regime semiaberto. DIREITO TRIBUTÁRIO CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA Mesmo antes da EC 20/98, a contribuição social a cargo do empregador incidia sobre quaisquer ganhos habituais do empregado. A contribuição social do empregador rural sobre a receita bruta, prevista no art. 25 da Lei 8.212/91, com redação dada pela Lei 10.256/2001, é constitucional.

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Informativo 859-STF (10/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante Processos excluídos deste informativo esquematizado por não terem sido concluídos em virtude de pedidos de vista ou adiamento: RE 760931/DF; RE 878694/MG.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

NACIONALIDADE Brasileiro, titular de green card, que adquire nacionalidade norte-americana, perde a nacionalidade brasileira e

pode ser extraditado pelo Brasil.

DIREITO ADMINISTRATIVO

ABONO DE PERMANÊNCIA Magistrado que estava recebendo abono de permanência e foi promovido terá direito de continuar percebendo o

benefício. PENSÃO O art. 11 da EC 20/98 não proibiu a percepção de pensão civil com pensão militar.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

MANDADO DE SEGURANÇA O STF já relativizou o prazo de 120 dias do MS em nome da segurança jurídica.

DIREITO PENAL

CRIMES NA LEI DE LICITAÇÃO Administrador que contrata empresa para reforma de ginásio sem situação de emergência e que depois faz

aditivo para ampliar o objeto pratica, em tese, os delitos dos arts. 89 e 92. LEI DE DROGAS Se o réu, não reincidente, for condenado a pena superior a 4 anos e que não exceda a 8 anos, e se as

circunstâncias judiciais forem favoráveis, o juiz deverá fixar o regime semiaberto.

DIREITO TRIBUTÁRIO

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA Mesmo antes da EC 20/98, a contribuição social a cargo do empregador incidia sobre quaisquer ganhos habituais

do empregado. A contribuição social do empregador rural sobre a receita bruta, prevista no art. 25 da Lei 8.212/91, com redação

dada pela Lei 10.256/2001, é constitucional.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

NACIONALIDADE Brasileiro, titular de green card, que adquire nacionalidade norte-americana,

perde a nacionalidade brasileira e pode ser extraditado pelo Brasil

Se um brasileiro nato que mora nos EUA e possui o green card decidir adquirir a nacionalidade norte-americana, ele irá perder a nacionalidade brasileira.

Não se pode afirmar que a presente situação se enquadre na exceção prevista na alínea “b” do inciso II do § 4º do art. 12 da CF/88. Isso porque, como ele já tinha o green card, não havia necessidade de ter adquirido a nacionalidade norte-americana como condição para permanência ou para o exercício de direitos civis.

O estrangeiro titular de green card já pode morar e trabalhar livremente nos EUA.

Dessa forma, conclui-se que a aquisição da cidadania americana ocorreu por livre e espontânea vontade.

Vale ressaltar que, perdendo a nacionalidade, ele perde os direitos e garantias inerentes ao brasileiro nato. Assim, se cometer um crime nos EUA e fugir para o Brasil, poderá ser extraditado sem que isso configure ofensa ao art. 5º, LI, da CF/88.

STF. 1ª Turma. MS 33864/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 19/4/2016 (Info 822).

STF. 1ª Turma. Ext 1462/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 28/3/2017 (Info 859).

CONCEITO Nacionalidade é... - o vínculo jurídico-político que une uma pessoa a determinado Estado - do qual se originou ou pelo qual foi adotado, - fazendo deste indivíduo um componente do povo, - e sujeitando-o aos direitos e obrigações oriundos desta relação. DIREITO FUNDAMENTAL A nacionalidade é considerada um direito fundamental, protegida em âmbito internacional, valendo ressaltar que a Declaração Universal dos Direitos dos Homens proclama em seu artigo XV que “todo homem tem direito a uma nacionalidade” e que “Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade”. NACIONALIDADE X CIDADANIA Nacional e cidadão não são conceitos coincidentes. • Nacional: é o indivíduo que faz parte do povo de um Estado através do nascimento ou da naturalização (nacionalidade = vínculo marcantemente jurídico). • Cidadão: é o indivíduo que tem direitos políticos, ou seja, pode votar e ser votado, propor ação popular além de organizar e participar de partidos políticos (cidadania = vínculo marcantemente político). ESPÉCIES DE NACIONALIDADE:

1) Nacionalidade ORIGINÁRIA (também chamada de

primária, atribuída ou involuntária)

É aquela que resulta de um fato natural (o nascimento). A pessoa se torna nacional nato. Critérios para atribuição da nacionalidade originária: a) Critério territorial (jus soli): se a pessoa nascer no território do

país, será considerada nacional deste. b) Critério sanguíneo (jus sanguinis): a pessoa irá adquirir a

nacionalidade de seus ascendentes, não importando que tenha

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nascido no território de outro país. No Brasil, adota-se, como regra, o critério do jus soli, havendo, no entanto, situações nas quais o critério sanguíneo é aceito.

2) Nacionalidade SECUNDÁRIA (também chamada de derivada, adquirida ou

voluntária)

É aquela decorrente de um ato voluntário da pessoa, que decide adquirir, para si, uma nova nacionalidade. A isso se dá o nome de naturalização. Atenção: esse ato voluntário pode ser expresso ou tácito. A pessoa se torna nacional naturalizado.

OUTROS CONCEITOS IMPORTANTES • Polipátrida: indivíduo que possui mais de uma nacionalidade. • Apátrida, apólidos ou heimatlos (vem do alemão e significa “sem pátria”): é o indivíduo que não possui nenhuma nacionalidade.

A situação de “apatridia” é indesejável e condenada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que reconhece, como vimos acima, a nacionalidade como um direito fundamental. Apesar disso, na história já tivemos casos de pessoas famosas que, durante pelo menos algum tempo de suas vidas, tornaram-se apátridas. Foi o caso, por exemplo, de Albert Einstein, Karl Marx e Elke Maravilha. PORTUGUÊS EQUIPARADO (QUASE-NACIONALIDADE) Aos portugueses com residência permanente no País serão atribuídos os direitos inerentes a brasileiro naturalizado se houver reciprocidade de tratamento em favor dos brasileiros em Portugal. Essa regra dirige-se ao português que não quer a naturalização, mas sim permanecer como português no Brasil. Esse nacional português terá os mesmos direitos do brasileiro naturalizado, mesmo sem ter obtido a naturalização, desde que haja reciprocidade de tratamento para os brasileiros em Portugal. A isso se chama de cláusula do ut des (cláusula de reciprocidade). LEI NÃO PODE ESTABELECER DISTINÇÃO ENTRE BRASILEIROS NATOS E NATURALIZADOS Como regra, a CF/88 determina que a lei não pode estabelecer discriminação entre brasileiros natos e naturalizados. O Texto Constitucional, no entanto, previu 5 distinções excepcionais e taxativas (só podem existir essas). Assim, os brasileiros natos e os naturalizados são iguais perante a lei, salvo nas seguintes hipóteses:

a) Extradição

Somente o naturalizado pode ser extraditado (o nato nunca!). O naturalizado pode ser extraditado por crime cometido antes da naturalização ou então mesmo depois da naturalização se o crime cometido foi o tráfico ilícito de entorpecentes.

b) Cargos privativos

Há alguns cargos privativos de brasileiro nato. São eles: I - Presidente e Vice-Presidente da República; II - Presidente da Câmara dos Deputados; III - Presidente do Senado Federal; IV - Ministro do Supremo Tribunal Federal; V - de carreira diplomática; VI - de oficial das Forças Armadas. VII - de Ministro de Estado da Defesa.

c) Atividade nociva ao interesse nacional

Somente o brasileiro naturalizado poderá perder a nacionalidade em virtude da prática de atividade nociva ao interesse nacional (art. 12, § 4º, I, da CF/88).

d) Conselho da República

Participam do Conselho da República, além de outros membros, seis cidadãos brasileiros natos, segundo o art. 89 da CF/88.

e) Empresa jornalística e de radiodifusão

Para que o brasileiro naturalizado seja proprietário de empresa jornalística e de radiodifusão no Brasil, é necessário que tenha se naturalizado há mais de 10 anos.

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HIPÓTESES DE PERDA DA NACIONALIDADE (ART. 12, § 4º, DA CF/88)

SERÁ DECLARADA A PERDA DA NACIONALIDADE DO BRASILEIRO QUE:

I – Praticar atividade nociva ao interesse nacional

II - Adquirir outra nacionalidade

A doutrina denomina de “perda-punição”. A doutrina denomina de “perda-mudança”.

Se um brasileiro naturalizado praticar atividade nociva ao interesse nacional, terá cancelada a sua naturalização.

Se um brasileiro, nato ou naturalizado, adquirir voluntariamente uma nacionalidade estrangeira, perderá, então, a brasileira.

Essa perda ocorre por meio de um processo judicial, assegurado contraditório e ampla defesa, que tramita na Justiça Federal (art. 109, X, da CF/88). A lei não descreve o que seja atividade nociva ao interesse nacional.

Esta perda ocorre por meio de um processo administrativo, assegurado contraditório e ampla defesa, que tramita no Ministério da Justiça. Este processo poderá ser instaurado de ofício ou mediante requerimento (art. 23 da Lei nº 818/49).

Após a tramitação do processo, a perda efetiva-se por meio de sentença, que deve ter transitado em julgado.

Após a tramitação do processo, a perda efetiva-se por meio de Decreto do Presidente da República.

Os efeitos da sentença serão ex nunc. Os efeitos do Decreto serão ex nunc.

Esta hipótese de perda somente atinge o brasileiro naturalizado. Assim, o brasileiro nato não pode perder a sua nacionalidade, mesmo que pratique atividade nociva ao interesse nacional.

Esta hipótese de perda atinge tanto o brasileiro nato como o naturalizado.

Havendo a perda da nacionalidade por este motivo, a sua reaquisição somente poderá ocorrer caso a sentença que a decretou seja rescindida por meio de ação rescisória. Desse modo, não é permitido que a pessoa que perdeu a nacionalidade por esta hipótese a obtenha novamente por meio de novo procedimento de naturalização.

Havendo a perda da nacionalidade por este motivo, a sua reaquisição será possível por meio de pedido dirigido ao Presidente da República, sendo o processo instruído no Ministério da Justiça. Caso seja concedida a reaquisição, esta é feita por meio de Decreto. Alexandre de Moraes defende que o brasileiro nato que havia perdido e readquire sua nacionalidade passa a ser brasileiro naturalizado (e não mais nato). Por outro lado, José Afonso da Silva afirma que o readquirente recupera a condição que perdera: se era brasileiro nato, voltará a ser brasileiro nato; se naturalizado, retomará essa qualidade.

Exceções A CF traz duas hipóteses em que a pessoa não perderá a nacionalidade brasileira, mesmo tendo adquirido outra nacionalidade. Assim, será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que adquirir outra nacionalidade, salvo no casos: a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; Ex: a Itália reconhece aos filhos de seus nacionais a cidadania italiana. Os brasileiros descendentes de italianos que adquirem aquela nacionalidade não

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perderão a brasileira, uma vez que se trata de mero reconhecimento de nacionalidade originária italiana em virtude do vínculo sanguíneo. Logo, serão pessoas com dupla nacionalidade. b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis; Aqui, o objetivo da exceção é preservar a nacionalidade brasileira daquele que, por motivos de trabalho, acesso aos serviços públicos, moradia etc., praticamente se vê obrigado a adquirir a nacionalidade estrangeira, mas que, na realidade, jamais teve a intenção ou vontade de abdicar da nacionalidade brasileira.

PERDA DA CONDIÇÃO DE BRASILEIRO NATO E EXTRADIÇÃO Feitas as considerações acima, imagine a seguinte situação adaptada: Maria nasceu no Brasil e era brasileira nata. Em 2000, ela decidiu se mudar para os EUA e lá se casou com um norte-americano. Em 2005, ela conseguiu obter o green card. Green card Green card é um visto de residência permanente concedido pelas autoridades a alguns estrangeiros a fim de que possam viver e trabalhar nos EUA. O nome oficial do documento é United States Permanent Resident Card (algo como "Cartão de Residência Permanente nos Estados Unidos"). O estrangeiro titular do green card praticamente não tem limitações, podendo morar e trabalhar nos EUA sem limite de tempo. Talvez a única limitação imposta seja o fato de que a pessoa não poderá ficar muito tempo fora dos EUA, sob pena de perder o visto. Curiosidade: o green card é assim chamado porque ele originalmente era verde; atualmente, contudo, é branco. Vale ressaltar que a pessoa que é titular do green card não possui cidadania norte-americana. Ela não poderá, por exemplo, votar, já que este é um direito restrito aos norte-americanos (natos ou naturalizados). Assim, se um brasileiro consegue o green card, ele continuará sendo brasileiro e não terá adquirido a nacionalidade estadunidense. Terá conseguido apenas um visto permanente para trabalhar e morar livremente nos EUA. Voltando ao nosso exemplo: Maria possuía green card, de forma que poderia trabalhar e morar livremente nos EUA. Ocorre que Maria não estava ainda satisfeita e queria ser cidadã norte-americana. Então, em 2014, Maria requereu e conseguiu obter a nacionalidade norte-americana. Tudo ia bem, até que, em 2015, Maria matou seu marido e fugiu para o Brasil. Os EUA pediram a extradição de Maria. Esta alegou em sua defesa que o Brasil não poderia conceder a extradição em virtude de ela ser brasileira nata, havendo óbice no art. 5º, LI, da CF/88:

Art. 5º (...) LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;

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Perda da nacionalidade Maria, ao adquirir a nacionalidade norte-americana, praticou conduta que enseja a perda da nacionalidade brasileira, nos termos do que determina o art. 12, § 4º, II, da CF/88:

Art. 12 (...) § 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis;

Em razão disso, o Ministro da Justiça instaurou processo administrativo contra ela a fim de declarar a perda de sua nacionalidade brasileira. Maria alegou em sua defesa que não poderá sofrer esta sanção, considerando que seu caso se enquadraria na letra “b” do inciso II, ou seja, ela afirmou que só adquiriu a nacionalidade norte-americana porque isso era necessário para que ela permanecesse nos EUA e para que pudesse exercer seus direitos civis. A tese de defesa de Maria foi aceita? NÃO.

A situação de Maria não se enquadra em nenhuma das duas exceções dos incisos I e II do § 4º do art. 12 da CF/88. Isso porque como a interessada já tinha o green card, não havia necessidade de ela ter adquirido a nacionalidade norte-americana como condição para permanência ou para o exercício de direitos civis. Com o green card, ela já poderia morar e trabalhar livremente nos EUA. Dessa forma, conclui-se que a aquisição da cidadania americana ocorreu por livre e espontânea vontade. Vale ressaltar que Maria não tinha nenhuma relação com os EUA que lhe garantisse o direito de adquirir a nacionalidade originária americana, nos termos da alínea “a” do inciso II do § 4º do art. 12 (ex: Maria não era filha de norte-americanos nem nasceu em solo estadunidense).

Depois do processo administrativo no Ministério da Justiça, o STF autorizou a extradição de Maria para os EUA? SIM. Concluído o processo administrativo e tendo sido declarada a perda da nacionalidade pelo Ministro da Justiça, Maria deixou de ser brasileira nata. Logo, não havia mais nenhum óbice e o STF autorizou a sua extradição para os EUA. Repare bem: o brasileiro nato não pode nunca ser extraditado. Essa regra não comporta exceção e continua válida. No entanto, se o brasileiro nato perder a sua nacionalidade, ele poderá ser extraditado normalmente porque, neste caso, deixou de ser brasileiro nato, não havendo, portanto, mais o óbice do art. 5º, LI, da CF/88.

Resumindo:

Se um brasileiro nato que mora nos EUA e possui o green card decidir adquirir a nacionalidade norte-americana, ele irá perder a nacionalidade brasileira. Não se pode afirmar que a presente situação se enquadre na exceção prevista na alínea “b” do inciso II do § 4º do art. 12 da CF/88. Isso porque, como ele já tinha o green card, não havia necessidade de ter adquirido a nacionalidade norte-americana como condição para permanência ou para o exercício de direitos civis. O estrangeiro titular de green card já pode morar e trabalhar livremente nos EUA. Dessa forma, conclui-se que a aquisição da cidadania americana ocorreu por livre e espontânea vontade. Vale ressaltar que, perdendo a nacionalidade, ele perde os direitos e garantias inerentes ao brasileiro nato. Assim, se cometer um crime nos EUA e fugir para o Brasil, poderá ser extraditado sem que isso configure ofensa ao art. 5º, LI, da CF/88. STF. 1ª Turma. MS 33864/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 19/4/2016 (Info 822). STF. 1ª Turma. Ext 1462/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 28/3/2017 (Info 859).

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Voltando ao caso concreto: O STF deferiu o pedido de extradição formulado pelos EUA por considerar que estavam preenchidos os requisitos previstos na Lei nº 6.815/80 e no Tratado de Extradição firmado entre o Brasil e aquele país. O STF, contudo, exigiu que a entrega da extraditanda somente ocorresse após os EUA assumirem o compromisso formal de: a) não aplicar penas que sejam proibidas pelo direito brasileiro, em especial a de pena de morte ou prisão perpétua (art. 5º, XLVII, “a” e “b”, da CF/88); b) respeitar o tempo máximo de cumprimento de pena previsto no ordenamento jurídico brasileiro (30 anos, nos termos do art. 75 do CP; e c) detrair da pena ("descontar") o tempo que a extraditanda ficou presa no Brasil aguardando a extradição. Volto a repetir: Maria foi extraditada porque, antes da extradição, ela perdeu a condição de brasileira nata. Se ela não tivesse perdido, não poderia ser extraditada. Brasileiro nato não pode ser extraditado.

DIREITO ADMINISTRATIVO

ABONO DE PERMANÊNCIA Magistrado que estava recebendo abono de permanência e foi promovido

terá direito de continuar percebendo o benefício

A ocupação de novo cargo dentro da estrutura do Poder Judiciário, pelo titular do abono de permanência, não implica a cessação do benefício.

Ex: determinada pessoa ocupa o cargo de Desembargador do Trabalho e está recebendo abono de permanência; se ela for promovida ao cargo de Ministro do TST, terá direito de continuar recebendo o abono, não sendo necessário completar cinco anos no cargo de Ministro para requerer o benefício.

STF. 1ª Turma. MS 33424/DF e MS 33456/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 28/3/2017 (Info 859).

Abono de permanência Para o Governo, é desvantajoso quando o servidor público se aposenta. Isso porque, além de pagar a aposentadoria, ele terá que contratar outro servidor para desempenhar o cargo do que se aposentou. Desse modo, para Poder Público é interessante incentivar que o servidor permaneça na ativa mesmo que já tenha "tempo" para se aposentar. Pensando nisso, a EC 41/2003 instituiu o chamado "abono de permanência". O abono de permanência é um incentivo financeiro pago ao servidor que, mesmo já tendo preenchido os requisitos para se aposentar com proventos integrais, decide adiar a jubilação e continuar trabalhando. O instituto está previsto no § 19 do art. 40 da CF/88:

§ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, "a", e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II. (Incluído pela EC 41/2003)

Na prática, o servidor com abono de permanência deixa de pagar contribuição previdenciária e, com isso, tem, indiretamente, um aumento na sua remuneração. Ex: se todos os meses era descontado R$ 1 mil de seus vencimentos a título de contribuição previdenciária, significa dizer que estes descontos cessarão e ele passará a ter disponível R$ 1 mil todos os meses.

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Imagine agora a seguinte situação adaptada: João é Desembargador Federal do Trabalho. Em março de 2014, ele preencheu os requisitos e poderia ter se aposentado com proventos integrais. No entanto, decidiu continuar na ativa. Isso significa que, desde março de 2014, ele está recebendo, além do seu subsídio, o abono de permanência que, no seu caso, corresponde a um ganho mensal de R$ 4 mil (11% do subsídio). Em 2017, João foi nomeado para ser Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ele requereu, então, que continuasse a receber o abono de permanência. O Tribunal de Contas da União, consultado sobre o tema, respondeu que não era possível e afirmou que João somente teria direito de receber o abono de permanência depois de 5 anos no cargo de Ministro. O argumento do TCU foi o de que esse prazo de 5 anos é uma exigência do art. 40, § 1º, III, da CF/88:

Art. 40 (...) § 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: (...) III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:

Agiu corretamente o TCU? NÃO. O STF entendeu que a exigência feita pelo TCU é ilegítima e decidiu que:

A ocupação de novo cargo dentro da estrutura do Poder Judiciário, pelo titular do abono de permanência, não implica a cessação do benefício. STF. 1ª Turma. MS 33424, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 28/03/2017 (Info 859).

O Poder Judiciário possui caráter nacional, uno e indivisível. Dessa forma, não faz sentido exigir mais cinco anos no cargo de Ministro se a pessoa já estava recebendo o abono de permanência em virtude de ter completado os requisitos para se aposentar no cargo de Desembargador, que também integra a estrutura do Poder Judiciário. Vale ressaltar que parte da composição do TST é formada por juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, de forma que a promoção do magistrado não pode implicar prejuízo a ele. Dessa forma, diante do caráter unitário do Poder Judiciário, este tempo de cinco anos no cargo efetivo mencionado pelo art. 40, § 1º, III, da CF/88, deve ser entendido como "cinco anos na magistratura", independentemente do cargo ocupado ou de ascensão dentro da própria carreira.

PENSÃO O art. 11 da EC 20/98 não proibiu a percepção de pensão civil com pensão militar

A CF/67 e a CF/88 (antes da EC 20/98) não proibiam que o militar reformado voltasse ao serviço público e, posteriormente, se aposentasse no cargo civil, acumulando os dois proventos.

Ex: João foi reformado como Sargento do Exército em 1980. Voltou ao serviço público e se aposentou como servidor da ABIN (órgão público federal), concedida em 1995. Essa acumulação de proventos é possível.

O art. 11 da EC 20/98 proibiu, expressamente, a concessão de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência dos servidores civis. No entanto, este dispositivo não vedou a cumulação de aposentadoria de servidor público com proventos de militar.

Sendo possível a cumulação de proventos, é também permitido que o dependente acumule as duas pensões. Ex: Em 1996, João faleceu e Maria, sua esposa, passou a receber duas pensões

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Informativo 859-STF (10/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

por morte, uma decorrente de cada vínculo acima explicado.

STF. 2ª Turma. MS 25097/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/3/2017 (Info 859).

Imagine a seguinte situação hipotética: João recebia duas aposentadorias:

uma, como Sargento do Exército reformado, concedida em 1980;

outra, como servidor da ABIN (órgão público federal), concedida em 1995. Desse modo, ele acumulava dois proventos públicos, um civil e um militar. Em 1996, João faleceu e Maria, sua esposa, passou a receber duas pensões por morte, uma decorrente de cada vínculo acima explicado. Como funciona o procedimento de concessão da aposentadoria ou pensão no serviço público? O departamento de pessoal do órgão ou entidade ao qual o servidor está vinculado analisa se ele preenche os requisitos legais para a aposentadoria ou se seus dependentes têm direito à pensão e, em caso afirmativo, concede o benefício. Esse momento é chamado de “concessão inicial” da aposentadoria ou da pensão, considerando que ainda haverá um controle de legalidade a ser feito pelo Tribunal de Contas. Somente após passar por esse controle do Tribunal de Contas é que a aposentadoria ou a pensão poderá ser considerada definitivamente concedida. Voltando ao caso concreto O TCU entendeu que a acumulação seria ilegal por violar o disposto no art. 11 da EC 20/98, que determinou o seguinte:

Art. 11. A vedação prevista no art. 37, § 10, da Constituição Federal, não se aplica aos membros de poder e aos inativos, servidores e militares, que, até a publicação desta Emenda, tenham ingressado novamente no serviço público por concurso público de provas ou de provas e títulos, e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, sendo-lhes proibida a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o art. 40 da Constituição Federal, aplicando-se-lhes, em qualquer hipótese, o limite de que trata o § 11 deste mesmo artigo.

O TCU afirmou, portanto, que João não poderia acumular duas aposentadorias pagas pela União, salvo se os cargos fossem acumuláveis na atividade (exs: dois de professor etc.). Logo, a acumulação das pensões também seria ilegal. Agiu corretamente o TCU? NÃO.

O art. 93, § 9º, da Constituição de 1967, na redação da EC 1/69, bem como a Constituição de 1988, antes da EC 20/98, não proibiam que o militar reformado voltasse ao serviço público e, posteriormente, se aposentasse no cargo civil, acumulando os respectivos proventos. Além disso, o art. 11 da EC 20/98 proibiu, expressamente, a concessão de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência dos servidores civis. Por isso, ele faz referência ao art. 40 da CF/88. No entanto, este dispositivo não veda a cumulação de aposentadoria de servidor público com proventos de militar. A aposentadoria dos militares não é regida pelo art. 40 da CF/88, mas sim pelos arts. 42 e 142. STF. 2ª Turma. MS 25097/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/3/2017 (Info 859).

Logo, o art. 11 da EC 20/98 não se aplica para o caso concreto, considerando que Maria, mulher do falecido, acumula pensão civil com pensão militar, enquadrando-se, portanto, em situação não alcançada pela proibição da referida Emenda.

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Informativo 859-STF (10/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10

Reformado o militar sob a Constituição de 1967 e aposentado como servidor civil na vigência da Constituição de 1988, antes da edição da EC 20/98, não há que se falar em acumulação de proventos do art. 40 da CF/88, vedada pelo art. 11 da EC 20/98, mas sim a percepção de provento civil (art. 40 CF/88) cumulado com provento militar (art. 42 CF/88), situação não abarcada pela proibição da emenda.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

MANDADO DE SEGURANÇA O STF já relativizou o prazo de 120 dias do MS em nome da segurança jurídica

Em outubro/2004, a parte impetrou mandado de segurança no STF. O writ foi proposto depois que já havia se passado mais de 120 dias da publicação do ato impugnado. Dessa forma, o Ministro Relator deveria ter extinguido o mandado de segurança sem resolução do mérito pela decadência. Ocorre que o Ministro não se atentou para esse fato e concedeu a liminar pleiteada. Em março/2017, a 1ª Turma do STF apreciou o mandado de segurança.

O que fez o Colegiado? Extinguiu o MS sem resolução do mérito em virtude da decadência?

NÃO. A 1ª Turma do STF reconheceu que o MS foi impetrado fora do prazo, no entanto, como foi concedida liminar e esta perdurou por mais de 12 anos, os Ministros entenderam que deveria ser apreciado o mérito da ação, em nome da segurança jurídica.

STF. 2ª Turma. MS 25097/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/3/2017 (Info 859).

Qual é o prazo para que o impetrante ingresse com mandado de segurança? 120 dias, nos termos do art. 23 da Lei nº 12.016/2009:

Art. 23. O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.

Assim, depois que uma autoridade praticar um ato ilegal ou abusivo, a pessoa prejudicada terá o prazo de até 120 dias para impugná-lo por meio de mandado de segurança. Ultrapassado este período, o interessado continua com o direito de questionar o ato, mas deverá fazer isso mediante ação ordinária. O termo inicial deste prazo é a data em que a pessoa prejudicada teve ciência do ato. Obs: no caso de mandado de segurança preventivo, não há prazo decadencial. A previsão de um prazo para o MS viola o art. 5º, LXIX, da CF/88 (LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público)? NÃO. É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança (Súmula 632-STF). Imagine agora a seguinte situação: Em outubro/2004, João impetrou mandado de segurança no STF contra ato do Tribunal de Contas da União. O writ foi proposto depois que já havia se passado 220 dias da decisão do TCU. Dessa forma, o Ministro Relator deveria ter extinguido o mandado de segurança sem resolução do mérito. Ocorre que o Ministro não se atentou para esse fato e concedeu a liminar pleiteada. Em março/2017, a 1ª Turma do STF apreciou o mandado de segurança. O que fez o Colegiado? Extinguiu o processo sem resolução do mérito em virtude da decadência?

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Informativo 859-STF (10/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11

NÃO.

A 1ª Turma do STF reconheceu que o MS foi impetrado fora do prazo, no entanto, como foi concedida liminar e esta perdurou por mais de 12 anos, os Ministros entenderam que deveria ser apreciado o mérito da ação, em nome da segurança jurídica. STF. 2ª Turma. MS 25097/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/3/2017 (Info 859).

Afirmou o Min. Gilmar Mendes: "Assim, atento ao decurso de mais de doze anos desde o deferimento de medida cautelar em benefício da impetrante, não julgo oportuno declarar pura e simplesmente a decadência do direito de impetrar a presente ação mandamental. É preciso encontrar solução alternativa que leve em consideração a eficiência processual e a primazia da decisão de mérito, normas fundamentais já inclusive incorporadas à estrutura do novo processo civil brasileiro pela Lei 13.105, de 16 de março de 2015."

DIREITO PENAL

CRIMES NA LEI DE LICITAÇÃO Administrador que contrata empresa para reforma de ginásio sem situação de emergência e que

depois faz aditivo para ampliar o objeto pratica, em tese, os delitos dos arts. 89 e 92

Determinado Deputado Federal, na época em que era Secretário de Estado, contratou, sem licitação, empresa para a realização de obras emergenciais em um ginásio. Depois de o contrato estar assinado, o Secretário celebrou termo aditivo com a empresa para que ela fizesse a demolição e reconstrução das instalações do ginásio.

O parlamentar foi denunciado pelos crimes dos arts. 89 e 92 da Lei nº 8.666/93.

Algumas conclusões do STF no momento do recebimento da denúncia:

1) A declaração de emergência feita por Governador do Estado, por si só, não caracteriza situação que justifique a dispensa de licitação;

2) O crime do art. 89 da Lei de Licitações não é inconstitucional nem viola o princípio da proporcionalidade;

3) O aditamento realizado descaracterizou o contrato original e, portanto, configura, em tese, a prática do art. 92;

4) O fato de a dispensa de licitação e de o aditamento do contrato terem sido precedidos de parecer jurídico não é bastante para afastar o dolo caso outros elementos externos indiciem a possibilidade de desvio de finalidade ou de conluio entre o gestor e o responsável pelo parecer.

STF. 1ª Turma. Inq 3621/MA, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 28/3/2017 (Info 859).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: Determinado Deputado Federal, na época em que era Secretário de Estado, contratou, sem licitação, uma empresa para a realização de obras emergenciais em um ginásio. Algum tempo depois de o contrato estar assinado, o Secretário celebrou um termo aditivo com a empresa para que ela fizesse a demolição e reconstrução das instalações do ginásio. Diante disso, o parlamentar foi denunciado, juntamente com outras pessoas, pela prática dos crimes previstos no art. 89 (dispensa indevida de licitação) e no art. 92 (modificação ilegal de contrato administrativo) da Lei nº 8.666/93:

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Informativo 859-STF (10/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12

Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais.

Defesa A defesa do parlamentar alegou que: 1) A contratação foi realizada com base em decreto do Governador que declarou a situação de emergência em relação ao ginásio, o que justificaria a dispensa de licitação; 2) O art. 89 da Lei nº 8.666/93 seria inconstitucional porque é prevista uma pena elevada para um caso de falha administrativa; 3) Depois de iniciadas as obras, foram constatados danos na estrutura do ginásio, demonstrando a necessidade de sua demolição e reconstrução, razão pela qual teria sido assinado o termo aditivo; 4) As decisões do parlamentar foram praticadas amparadas em parecer jurídico, o que demonstra que ele não teve dolo de praticar os delitos. Para o STF, havia indícios para o recebimento desta denúncia formulada contra o parlamentar? SIM. A 1ª Turma do STF entendeu que havia indícios suficientes para receber a denúncia e permitir a instauração de ação penal contra o Deputado. 1) A declaração de emergência feita pelo Governador, por si só, não caracteriza situação que justifique a dispensa de licitação. Segundo os autos, o parecer técnico pela dispensa de licitação foi elaborado pela área jurídica da Secretaria, tendo os outros responsáveis por atestar a necessidade de contratação emergencial tomado conhecimento de seu teor apenas no momento de assinar o documento. Assim, os Ministros entenderam que não ficou demonstrada situação de emergência ou de urgência. 2) O crime do art. 89 da Lei de Licitações não é inconstitucional. O controle de constitucionalidade de tipos penais sob o parâmetro da ofensa ao princípio da proporcionalidade na fixação do “quantum” abstrato da pena deve ser excepcional e comedido e, no caso, não ficou demonstrado. 3) O aditamento realizado descaracterizou o contrato originalmente assinado, considerando que o ajuste celebrado era apenas para adequação e reforma do ginásio. O aditamento, neste caso, ao contrário do que permite a Lei, foi qualitativo. Além disso, houve uma ampliação contratual acima de 50% do valor original do contrato, o que é proibido pelo art. 65, § 1º da Lei nº 8.666/93:

Art. 65 (...) § 1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado

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Informativo 859-STF (10/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13

do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos.

4) O fato de a dispensa de licitação e de o aditamento do contrato terem sido precedidos de parecer jurídico não é bastante para afastar o dolo caso outros elementos externos indiciem a possibilidade de desvio de finalidade ou de conluio entre o gestor e o responsável pelo parecer. Na situação em tela, os Ministros entenderam que há indícios de que pode ter ocorrido esse conluio.

LEI DE DROGAS Se o réu, não reincidente, for condenado a pena superior a 4 anos e que não exceda a 8 anos, e

se as circunstâncias judiciais forem favoráveis, o juiz deverá fixar o regime semiaberto

O condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 anos e não exceda a 8 anos, tem o direito de cumprir a pena corporal em regime semiaberto (art. 33, § 2°, b, do CP), caso as circunstâncias judiciais do art. 59 lhe forem favoráveis. Obs: não importa que a condenação tenha sido por tráfico de drogas.

A imposição de regime de cumprimento de pena mais gravoso deve ser fundamentada, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima (art. 33, § 3°, do CP)

A gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para justificar a fixação do regime mais gravoso.

STF. 2ª Turma. HC 140441/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 28/3/2017 (Info 859).

Regimes prisionais Existem três regimes penitenciários:

FECHADO SEMIABERTO ABERTO

Pena cumprida em estabelecimento de segurança máxima ou média.

Pena cumprida em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.

Pena cumprida em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

Fixação do regime inicial O juiz, ao prolatar a sentença condenatória, deverá fixar o regime no qual o condenado iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade. A isso se dá o nome de fixação do regime inicial. Os critérios para essa fixação estão previstos no art. 33 do Código Penal. O que o juiz deve observar na fixação do regime inicial? O juiz, quando vai fixar o regime inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade, deve observar quatro fatores: 1) o tipo de pena aplicada: se reclusão ou detenção; 2) o quantum da pena definitiva; 3) se o condenado é reincidente ou não; 4) as circunstâncias judiciais (art. 59 do CP). Vamos organizar a aplicação desses quatro fatores:

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Informativo 859-STF (10/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14

RECLUSÃO O regime inicial

pode ser:

FECHADO: se a pena é superior a 8 anos.

SEMIABERTO: se a pena foi maior que 4 e menor ou igual a 8 anos.

Se o condenado for reincidente, o regime inicial, para esse quantum de pena, é o fechado.

ABERTO: se a pena foi de até 4 anos. Se o condenado for reincidente, o regime inicial,

para esse quantum de pena, será o semiaberto ou o fechado. O que irá definir isso vão ser as circunstâncias judiciais:

se desfavoráveis, vai para o fechado;

se favoráveis, vai para o semiaberto. Súmula 269-STJ: É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais.

DETENÇÃO O regime inicial

pode ser:

FECHADO: nunca

SEMIABERTO: se a pena foi maior que 4 anos.

ABERTO: se a pena foi de até 4 anos.

Se o condenado for reincidente, o regime inicial é o semiaberto.

Imagine que o réu foi condenado a 4 anos, 10 meses e 10 dias de reclusão por tráfico de drogas (art. 33 da LD). O juiz fixou o regime inicial fechado. Vale ressaltar que o condenado era primário e as circunstâncias judiciais favoráveis a ele. Como argumento para fixar o regime fechado, o juiz alegou que o crime de tráfico de drogas é muito grave, sendo extremamente nocivo para a sociedade. Agiu corretamente o magistrado? NÃO.

O condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 anos e não exceda a 8 anos tem o direito de cumprir a pena corporal em regime semiaberto (art. 33, § 2°, b, do CP), caso as circunstâncias judiciais do art. 59 lhe forem favoráveis. Obs: não importa que a condenação tenha sido por tráfico de drogas. A imposição de regime de cumprimento de pena mais gravoso deve ser fundamentada, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima (art. 33, § 3°, do CP). A gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para justificar a fixação do regime mais gravoso. STF. 2ª Turma. HC 140441/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 28/3/2017 (Info 859).

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Informativo 859-STF (10/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15

A situação em tela se amolda ao art. 33, § 2º, "c", do Código Penal, que é aplicável também aos condenados por tráfico de drogas:

Art. 33 (...) § 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

Mas o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90 afirma que o regime inicial no caso de crimes hediondos e equiparados deverá ser o fechado... O STF decidiu que o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, ao impor o regime inicial fechado, é inconstitucional. HC 111.840/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 27/6/2012 (Info 672). Assim, o regime inicial nas condenações por crimes hediondos ou equiparados (ex: tráfico de drogas) não tem que ser obrigatoriamente o fechado, podendo ser também o regime semiaberto ou aberto, desde que presentes os requisitos do art. 33, § 2º, alíneas “b” e “c”, do Código Penal. Logo, o juiz poderá condenar o réu por crime hediondo ou equiparado e fixar o regime semiaberto ou aberto, desde que cumpridos os requisitos do Código Penal acima explicados.

DIREITO TRIBUTÁRIO

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA Mesmo antes da EC 20/98, a contribuição social a cargo do empregador

incidia sobre quaisquer ganhos habituais do empregado

Importante!!!

A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional 20/1998.

STF. Plenário. RE 565160/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/3/2017 (repercussão geral) (Info 859).

Contribuições para a seguridade social A CF/88 prevê, em seu art. 195, as chamadas “contribuições para a seguridade social” (ou simplesmente contribuições sociais). Consistem em uma espécie de tributo, cuja arrecadação é utilizada para custear a seguridade social (saúde, assistência e previdência social).

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I — do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro;

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Informativo 859-STF (10/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16

II — do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III — sobre a receita de concursos de prognósticos; IV — do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

No art. 195, I, da CF/88, temos a contribuição social a cargo do empregador (ou seja, paga pelo empregador). Já o art. 195, II, prevê a contribuição social a cargo do trabalhador. Exemplo do art. 195, I, "a": a empresa paga R$ 10 mil de salário ao empregado. Logo, ela terá que pagar contribuição social sobre esse salário (20% de 10 mil = R$ 2 mil). EC 20/98 Em 1998, a redação do art. 195, I, da CF/88 foi alterada pela EC 20/98. Um dos objetivos foi fazer com que ficasse mais claro que o empregador deveria pagar a contribuição social sobre qualquer rendimento que pagasse ou creditasse em favor do trabalhador. Vamos analisar a mudança que foi feita:

Redação originária da CF/88 Redação dada pela EC 20/98

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro;

Por que foi necessária essa mudança? Porque, antes da EC 20/98, havia muitas ações judiciais propostas pelos empregadores pedindo para não pagar contribuição social incidente sobre determinadas verbas devidas ao trabalhador, mas que não eram salário. Exemplos: adicional de periculosidade, adicional de insalubridade, adicional noturno, gorjeta, prêmios, ajuda de custo etc. As empresas alegavam que essas verbas não se enquadram na definição de "salário" e, portanto, não seria devido o pagamento da contribuição, já que o art. 195, I, falava apenas em "folha de salários". A tese era a seguinte: ora, se ajuda de custo (p. ex.) não é salário e a contribuição incide sobre a "folha de salários", logo, eu, empregador, não tenho obrigação de pagar a contribuição social em relação a esta verba. Assim, por exemplo, imaginemos que a empresa pagava habitualmente 10 mil de salário + 2 mil de adicional de periculosidade. A empresa dizia: eu aceito pagar a contribuição previdenciária calculada apenas sobre 10 mil, mas não sobre o total de 12 mil. Desse modo, a EC 20/98, ao alterar o art. 195, I, teve como finalidade deixar expresso que, se o empregador pagar qualquer valor ao trabalhador que prestar serviços a ele, deverá pagar também a contribuição social com relação a essa quantia. A EC 20/98 resolveu a indefinição jurídica que havia. Mas, e o período anterior à emenda? Antes da EC 20/98, a contribuição social a cargo do empregador incidia apenas sobre as quantias definidas como

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"salário" (em sentido estrito) ou abrangia também outras verbas pagas ao empregado de forma habitual? Mesmo antes da EC 20/98, a contribuição social a cargo do empregador incidia sobre quaisquer ganhos habituais do empregado e não apenas sobre o "salário" (em sentido estrito). Isso porque, mesmo antes da EC 20/98, já havia um dispositivo na Constituição Federal que dizia que os ganhos habituais do empregado a qualquer título seriam incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária:

Art. 201 (...) § 4º Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei. (redação anterior à EC 20/98)

Obs: esse § 4º foi renumerado para § 11 com a EC 20/98. Dessa forma, não importa se antes ou depois da EC 20/98: se uma quantia é paga de forma habitual ao empregado (ex: um adicional que é pago de forma habitual), ela deverá ser equiparada a salário para fins de pagamento da contribuição previdenciária. O STF, ao apreciar o tema sob a sistemática da repercussão geral, resumiu o tema com a seguinte tese:

A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional 20/1998. STF. Plenário. RE 565160/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/3/2017 (repercussão geral) (Info 859).

Nomenclatura A CF/88 determina que os recursos arrecadados com as contribuições previstas no art. 195, I, “a” e II serão destinados exclusivamente para o pagamento de benefícios previdenciários do RGPS (administrado pelo INSS). Em razão disso, a maioria dos autores de Direito Previdenciário denomina as contribuições do art. 195, I, “a” e II de “contribuições previdenciárias”, como se fossem uma subespécie das contribuições para a seguridade social. Nesse sentido: Frederico Amado. Estou explicando isso para que você, se ler ou ouvir a expressão "contribuição previdenciária", não fique na dúvida se seria algo diferente de contribuição social. Julgado em harmonia com a jurisprudência do STJ Sobre o tema, talvez você já tenha estudado o seguinte julgado:

Incide contribuição previdenciária sobre prêmios e gratificações pagos com habitualidade. Não incide contribuição previdenciária sobre prêmios e gratificações de caráter eventual. STJ. 2ª Turma. REsp 1.275.695-ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 20/8/2015 (Info 568).

Há outros precedentes do STJ no mesmo sentido:

Configurado o caráter permanente ou a habitualidade da verba recebida, incide Contribuição Previdenciária sobre: diárias, abono pecuniário, auxílio-natalidade, adicional de sobreaviso, adicional de prestação de serviços extraordinários (horas extras), adicional noturno, adicional de insalubridade, adicional de periculosidade, adicional pelo exercício de atividades penosas, adicional por tempo de serviço, auxílio-funeral, auxílio-fardamento, gratificação de compensação orgânica a que se refere o art. 18 da Lei 8.273/1991, hora-repouso e alimentação. STJ. 2ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1531301/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15/09/2016.

A jurisprudência deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de que, configurado o caráter permanente ou a habitualidade da verba recebida, bem como a natureza remuneratória da rubrica, incide contribuição previdenciária sobre adicional de sobreaviso.

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STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1559389/PR, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 09/03/2017.

O auxílio-alimentação, pago em espécie e com habitualidade, tem natureza salarial, integrando a base de cálculo da contribuição previdenciária. STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1453569/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 21/02/2017.

O abono recebido em parcela única (sem habitualidade), previsto em convenção coletiva de trabalho, não integra a base de cálculo do salário contribuição. STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 871.754/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 22/09/2016.

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A contribuição social do empregador rural sobre a receita bruta, prevista no art. 25 da Lei

8.212/91, com redação dada pela Lei 10.256/2001, é constitucional

É constitucional formal e materialmente a contribuição social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei nº 10.256/2001, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção.

STF. Plenário. RE 718874/RS, Rel. Orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 29 e 30/3/2017 (repercussão geral) (Info 859).

Contribuições para a seguridade social A CF/88 prevê, em seu art. 195, as chamadas “contribuições para a seguridade social” (ou simplesmente contribuições sociais). Consistem em uma espécie de tributo, cuja arrecadação é utilizada para custear a seguridade social (saúde, assistência e previdência social). Redação originária do art. 195, I, abrangia apenas o faturamento e o lucro Como vimos acima, o art. 195 da CF/88 previu as chamadas contribuições sociais. Veja a redação originária desse dispositivo:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; (redação da CF/88 antes da EC 20/98)

Desse modo, pela redação originária, a empresa deveria pagar um percentual de contribuição social que incidiria sobre o valor por ela recebido a título de "faturamento" e de "lucro". Exemplo hipotético: imaginemos que a empresa tenha tido um faturamento de R$ 200 mil e que a alíquota da contribuição fosse 10%. Logo, ela pagaria R$ 20 mil de contribuição social. Cobrança da contribuição social sobre a receita bruta antes da EC 20/98 O Governo, com base no art. 195, I, passou a exigir que os empregadores rurais pessoas físicas pagassem contribuição social incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural. Isso com base no art. 25, I, da Lei nº 8.212/91, cuja redação era a seguinte:

Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea "a" do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada a Seguridade Social, é de: (Redação dada pela Lei nº 9.528/97).

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I - 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; (Redação dada pela Lei nº 9.528/97). II - 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho. (Redação dada pela Lei nº 9.528/97).

Essa contribuição de que trata o art. 25 da Lei nº 8.212/91 é conhecida como FUNRURAL, sendo os valores arrecadados destinados a financiar os benefícios previdenciários pagos aos empregados rurais. Tese dos produtores rurais: a redação originária do art. 195, I, não permite a cobrança com base na receita bruta Os produtores rurais não aceitaram essa cobrança e alegaram que ela seria inconstitucional pelo fato de que a lei exige o pagamento com base na receita bruta e o art. 195, I, da CF/88 (na sua redação originária) somente autoriza a cobrança da contribuição sobre o faturamento e o lucro.

Art. 195, I, da CF/88 (na sua redação originária): afirma que a contribuição incide sobre o faturamento e o lucro.

Art. 25, I, da Lei nº 8.212/91 (redação dada pela Lei nº 9.528/97): previa que a contribuição incidiria sobre a receita bruta.

Faturamento não é sinônimo de receita bruta:

Faturamento é a receita decorrente da venda de mercadorias ou da prestação de serviços.

Receita bruta, por sua vez, é a soma de todas as receitas, sejam elas operacionais (como as receitas de faturamento), sejam elas não operacionais (como as receitas financeiras).

Ex: o valor que uma loja de sapatos obtém com a venda dos calçados é uma receita operacional e, portanto, está dentro do conceito de faturamento). Por outro lado, se essa empresa possui investimentos no banco, o valor que ela recebe decorrente disso é receita não operacional (e não se inclui na definção de faturamento). Portanto, ao cobrar a contribuição sobre a receita bruta (e não sobre o faturamento), isso faz com que o valor a ser pago pelo contribuinte seja maior. A tese dos produtores rurais foi aceita pelo STF? Antes da EC 20/98, era inconstitucional cobrar o FUNRURAL incidente sobre a receita bruta? O art. 25, I, da Lei nº 8.212/91 (com redação dada pela Lei nº 9.528/97) era inconstitucional? SIM. Como a receita bruta não figurava no rol do art. 195, I, da CF/88 (em sua redação originária) como uma base de cálculo possível para a incidência de contribuições sociais, o STF entendia que era inconstitucional cobrar FUNRURAL incidente sobre a receita bruta. Nesse sentido: STF. Plenário. RE 596177, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 01/08/2011 (repercussão geral). EC 20/98 Em 1998, a redação do art. 195, I, da CF/88 foi alterada pela EC 20/98. Um dos objetivos da mudança foi o de inserir expressamente a "receita" no art. 195, I, permitindo a cobrança da contribuição social com base na receita bruta. Vamos analisar a mudança que foi feita:

Redação originária da CF/88 Redação dada pela EC 20/98

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

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I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro;

Dessa forma, a EC 20/98 teve o propósito de retirar o obstáculo que existia e permitir a cobrança da contribuição sobre a receita bruta. Lei nº 10.256/2001 Vimos acima que o STF declarou inconstitucional o art. 25, I, da Lei nº 8.212/91 (com redação dada pela Lei nº 9.528/97). Depois da mudança do art. 195, I, da CF/88 feita pela EC 20/98, o Governo editou a Lei nº 10.256/2001 com o objetivo de reafirmar, na legislação infraconstitucional, a possibilidade de ser cobrado o FUNRURAL com base na receita bruta. A redação atual do art. 25, I, da Lei nº 8.212/91 ficou assim:

Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: (Redação dada pela Lei nº 10.256/2001) I - 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; II - 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho.

E agora, o art. 25, I, da Lei nº 8.212/91 (com redação dada pela Lei nº 10.256/2001) é constitucional? Atualmente, é constitucional cobrar o FUNRURAL incidente sobre a receita bruta? SIM.

É constitucional formal e materialmente a contribuição social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei nº 10.256/2001, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção. STF. Plenário. RE 718874/RS, Rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 29 e 30/3/2017 (repercussão geral) (Info 859).

Com a EC 20/98, que incluiu a receita ao lado do faturamento como uma materialidade passível de ser tributada para fins de financiamento da seguridade social, passou a ser possível a instituição de contribuição patronal do empregador rural pessoa física com base na receita bruta proveniente da comercialização da produção. Assim, a Lei nº 10.256/2001 reincluiu a figura do empregador rural pessoa física na disciplina já existente e em vigor para o segurado especial — produtor rural que não tem empregados. Técnica legislativa da Lei nº 10.256/2001 A Lei nº 10.256/2001 gerou certa polêmica e insegurança jurídica pelo seguinte motivo. Como vimos acima, o STF declarou que o art. 25, I, da Lei nº 8.212/91 (com redação dada pela Lei nº 9.528/97) era inconstitucional por violar o art. 195, I, da CF/88 (antes da EC 20/98). A Lei nº 10.256/2001 alterou o caput do art. 25, I, da Lei nº 8.212/91, mas manteve os incisos I e II desse mesmo artigo, sendo que a redação desses incisos havia sido dada pela Lei nº 9.528/97. Com isso, surgiram algumas vozes dizendo que a contribuição social disciplinada pela Lei nº 10.256/2001 não seria válida porque ela teria "aproveitado" dispositivos da Lei nº 9.528/97 (que havia sido declarada inconstitucional). O STF, contudo, entendeu que não houve qualquer vício na Lei nº 10.256/2001 ao fazer isso.

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Os incisos do art. 25 da Lei nº 8.212/91 foram declarados inconstitucionais pelo STF apenas em sede de controle difuso, não tendo sido objeto de julgamento de ADI. Logo, esses dispositivos nunca foram retirados do mundo jurídico e permaneceram vigentes. Com a EC 20/98 e a edição da Lei nº 10.256/2001, houve a possibilidade de eles serem aproveitados.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Se um brasileiro nato que mora nos EUA e possui o green card decidir adquirir a nacionalidade norte-

americana, ele irá perder a nacionalidade brasileira e poderá ser extraditado. ( ) 2) (Administrador MPOG 2015 CESPE) Em nenhuma hipótese, o brasileiro nato poderá ser extraditado. (

) 3) (Promotor MPE SC 2016 banca própria) A Constituição Federal não admite que um brasileiro nato perca

a nacionalidade brasileira. ( ) 4) (Juiz TJ/MS 2015) O brasileiro nato não pode ser extraditado, exceto se tiver nacionalidade primária do

país no qual o crime foi cometido e se houver reciprocidade estabelecida em tratado internacional. ( )

5) A ocupação de novo cargo dentro da estrutura do Poder Judiciário, pelo titular do abono de permanência, não implica a cessação do benefício. ( )

6) (Cartório TJ/ES - remoção - FCC) Para o writ preventivo, o prazo de 120 dias para impetração conta do fato que ensejou temor ao impetrante. ( )

7) (Promotor MP/SP 2012) Não se aplica ao mandado de segurança coletivo o prazo decadencial de 120 dias. ( )

8) O condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 anos e não exceda a 8 anos tem o direito de cumprir a pena corporal em regime semiaberto (art. 33, § 2°, b, do CP), caso as circunstâncias judiciais do art. 59 lhe forem favoráveis. ( )

9) A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, desde que posteriores à Emenda Constitucional 20/1998. ( )

10) É constitucional formal e materialmente a contribuição social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei nº 10.256/2001, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção. ( )

Gabarito

1. C 2. C 3. E 4. E 5. C 6. E 7. E 8. C 9. E 10. C

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OUTRAS INFORMAÇÕES

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais

aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham

despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Senador da República - Imunidade parlamentar material - Exclusão da tipicidade penal (Transcrições)

Pet 6.333/DF*

Relator: Ministro Celso de Mello

EMENTA: QUEIXA-CRIME. MANIFESTAÇÃO DE PARLAMENTAR (SENADOR DA REPÚBLICA) VEICULADA, NO CASO, EM REUNIÃO REALIZADA EM ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL (SPU). IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL

(CF, ART. 53, “CAPUT”). ALCANCE DESSA GARANTIA CONSTITUCIONAL. TUTELA QUE A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

ESTENDE A OPINIÕES, PALAVRAS E PRONUNCIAMENTOS DO CONGRESSISTA, INDEPENDENTEMENTE DO “LOCUS” (ÂMBITO ESPACIAL) EM QUE PROFERIDOS, DESDE QUE TAIS MANIFESTAÇÕES GUARDEM PERTINÊNCIA COM O

EXERCÍCIO DO MANDATO REPRESENTATIVO. O “TELOS” DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IMUNIDADE

PARLAMENTAR, QUE SE QUALIFICA COMO CAUSA DESCARACTERIZADORA DA PRÓPRIA TIPICIDADE PENAL DA CONDUTA DO CONGRESSISTA EM TEMA DE DELITOS CONTRA A HONRA. DOUTRINA. PRECEDENTES. INADMISSIBILIDADE, NO

CASO, DA PRETENDIDA PERSECUÇÃO PENAL POR CRIMES CONTRA A HONRA, EM FACE DA INVIOLABILIDADE

CONSTITUCIONAL QUE AMPARA OS MEMBROS DO CONGRESSO NACIONAL. PARECER DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, COMO “CUSTOS LEGIS”, PELA EXTINÇÃO DA “PERSECUTIO CRIMINIS”. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA PEÇA ACUSATÓRIA. POSSIBILIDADE, EM TAL

HIPÓTESE, DE O RELATOR DA CAUSA DECIDIR, MONOCRATICAMENTE, A CONTROVÉRSIA JURÍDICA. COMPETÊNCIA

MONOCRÁTICA QUE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DELEGOU, VALIDAMENTE, EM SEDE REGIMENTAL (RISTF, ART.

21, § 1º). INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. PLENA LEGITIMIDADE JURÍDICA

DESSA DELEGAÇÃO REGIMENTAL. EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO PENAL. – A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, “caput”) – que representa instrumento vital

destinado a viabilizar o exercício independente do mandato representativo – protege o membro do Congresso Nacional, tornando-o

inviolável, civil e penalmente, por quaisquer “de suas opiniões, palavras e votos”. Doutrina. Precedentes. – Tutela que se estende a opiniões, palavras e pronunciamentos independentemente do “locus” (âmbito espacial) em que proferidos, desde

que tais manifestações guardem pertinência com o exercício do mandato legislativo.

– A cláusula da inviolabilidade parlamentar qualifica-se como causa de exclusão constitucional da tipicidade penal da conduta do congressista em tema de delitos contra a honra, afastando, por isso mesmo, a própria natureza delituosa do comportamento em que tenha

incidido. Doutrina. Precedentes.

– Reconhecimento, no caso, da incidência da garantia da imunidade parlamentar material em favor do congressista acusado de delitos contra a honra. Consequente extinção, na espécie, da “persecutio criminis”. Arquivamento dos autos.

DECISÃO: Trata-se de ação penal de iniciativa privada ajuizada por Valéria Veloso Caetano Soares, servidora pública federal, contra o Senador

da República Hélio José da Silva Lima, imputando-lhe a suposta prática de crimes contra a honra da ora querelante, tendo em vista manifestação

de referido parlamentar veiculada em reunião na Superintendência de Patrimônio da União no Distrito Federal. O Ministério Público Federal, em pronunciamento da lavra do eminente Senhor Procurador-Geral da República, manifestou-se, em sua

condição de “custos legis”, pela extinção do procedimento penal, com o consequente arquivamento dos autos, fazendo-o em parecer assim ementado

(documento eletrônico 32):

“PENAL. PROCESSO PENAL. QUEIXA-CRIME. CRIMES CONTRA A HONRA. CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA (ARTS.

138, 139 E 140 DO CÓDIGO PENAL).

Imunidade parlamentar material. Supostas ofensas – relacionadas ao exercício do mandato – que se encontram protegidas pela inviolabilidade prevista no art. 53, 'caput', da Constituição da República. Parecer pela rejeição da queixa-crime.” (grifei)

Sendo esse o contexto, passo a apreciar a presente controvérsia jurídico-penal. E, ao fazê-lo, entendo incidir, na espécie, na linha do douto

pronunciamento do eminente Procurador-Geral da República, a garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material, por tratar-

se de manifestação de membro do Congresso Nacional veiculada, “propter officium”, em reunião realizada em órgão da administração pública federal (SPU).

Assinale-se que, em tal situação, atua em favor do congressista em questão, que é Senador da República, a prerrogativa da imunidade

parlamentar, que descaracteriza a própria tipicidade penal dos crimes contra a honra. Com efeito, a cláusula da inviolabilidade parlamentar qualifica-se como causa de exclusão constitucional da tipicidade penal da conduta do

congressista em tema de delitos contra a honra, afastando, por isso mesmo, a própria natureza delituosa do comportamento em que tenha

incidido. Como se sabe, a norma inscrita no art. 53, “caput”, da Constituição da República, na redação dada pela EC nº 35/2001, exclui, na hipótese

nela referida, a própria natureza delituosa do fato que, de outro modo, tratando-se do cidadão comum, qualificar-se-ia como crime contra a

honra, consoante acentua o magistério da doutrina (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 532, item n. 15,

20ª ed., 2002, Malheiros; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 4, tomo I/187, 1995, Saraiva; LUIZ FLÁVIO

GOMES, “Imunidades Parlamentares: Nova Disciplina Jurídica da Inviolabilidade Penal, das Imunidades e das Prerrogativas Parlamentares

(EC 35/01)”, “in” “Juizados Criminais Federais, Seus Reflexos nos Juizados Estaduais e Outros Estudos”, p. 94-97, item n. 4.9, 2002, RT; UADI LAMMÊGO BULOS, “Constituição Federal Anotada”, p. 705-707, 4ª ed., 2002, Saraiva, v.g.).

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Informativo 859-STF (10/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23

Impende referir, no ponto, o correto magistério de MICHEL TEMER (“Elementos de Direito Constitucional”, p. 131, item n. 5, 22ª ed.,

2007, Malheiros):

“A inviolabilidade diz respeito à emissão de opiniões, palavras e votos.

Opiniões e palavras que, ditas por qualquer pessoa, podem caracterizar atitude delituosa, mas que assim não se configuram quando pronunciadas por parlamentar. Sempre, porém, quando tal pronunciamento se der no exercício do mandato. Quer dizer: o parlamentar,

diante do Direito, pode agir como cidadão comum ou como titular de mandato. Agindo na primeira qualidade não é coberto pela

inviolabilidade. A inviolabilidade está ligada à idéia de exercício de mandato. Opiniões, palavras e votos proferidos sem nenhuma relação com o desempenho do mandato representativo não são alcançados pela inviolabilidade.” (grifei)

Registre-se, por necessário, que a inviolabilidade emergente dessa regra constitucional não sofre condicionamentos normativos que a

subordinem a critérios de espacialidade. É irrelevante, por isso mesmo, para efeito de legítima invocação da imunidade parlamentar material, que

o ato por ela amparado tenha ocorrido, ou não, na sede, ou em instalações, ou perante órgãos do Congresso Nacional. Cabe rememorar, por oportuno, que o exercício da atividade parlamentar não se exaure no âmbito espacial do Congresso Nacional, vale

dizer, no recinto das Casas Legislativas que o compõem, a significar, portanto, que a prática de atos, pelo congressista, em função do seu mandato

parlamentar (“ratione officii”), ainda que territorialmente efetivada em âmbito extraparlamentar, está igualmente protegida pela garantia fundada na norma constitucional em questão:

“O Supremo Tribunal Federal tem acentuado que a prerrogativa constitucional da imunidade parlamentar em sentido material

protege o congressista em todas as suas manifestações que guardem relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do

recinto da própria Casa Legislativa (RTJ 131/1039 – RTJ 135/509 – RT 648/318) ou, com maior razão, quando exteriorizadas no âmbito do Congresso Nacional (RTJ 133/90). (…).”

(RTJ 155/396-397, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

“MEMBRO DO CONGRESSO NACIONAL. ENTREVISTA JORNALÍSTICA CONCEDIDA A EMISSORA DE RÁDIO. AFIRMAÇÕES REPUTADAS MORALMENTE OFENSIVAS. PRETENDIDA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA CONGRESSISTA POR SUPOSTA PRÁTICA DE CRIME CONTRA A HONRA. IMPOSSIBILIDADE. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DISPENSADA AO INTEGRANTE DO PODER LEGISLATIVO. IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL (CF, ART. 53, ‘CAPUT’). ALCANCE DESSA GARANTIA CONSTITUCIONAL. TUTELA QUE SE ESTENDE ÀS OPINIÕES, PALAVRAS E PRONUNCIAMENTOS, INDEPENDENTEMENTE DO ‘LOCUS’ (ÂMBITO ESPACIAL) EM QUE PROFERIDOS, ABRANGENDO AS ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS, AINDA QUE CONCEDIDAS FORA DAS DEPENDÊNCIAS DO PARLAMENTO, DESDE QUE TAIS MANIFESTAÇÕES GUARDEM PERTINÊNCIA COM O EXERCÍCIO DO MANDATO REPRESENTATIVO. O ‘TELOS’ DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IMUNIDADE PARLAMENTAR. DOUTRINA. PRECEDENTES. INADMISSIBILIDADE, NO CASO, DA PRETENDIDA PERSECUÇÃO PENAL POR DELITOS CONTRA A HONRA EM FACE DA INVIOLABILIDADE CONSTITUCIONAL QUE AMPARA OS MEMBROS DO CONGRESSO NACIONAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO PENAL.”

(Inq 2.330/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

É importante acentuar que os lindes em que se contém a incidência do instituto da imunidade parlamentar material devem ser interpretados

em consonância com a exigência de preservação da independência do congressista no exercício do mandato parlamentar.

Assentadas tais premissas, observo que o exame dos elementos constantes destes autos permite-me reconhecer que o comportamento do congressista em questão – cujas declarações consideradas moralmente ofensivas foram por ele exteriorizadas em reunião realizada em órgão da

administração pública federal – guarda estreita conexão com o desempenho do mandato legislativo, subsumindo-se, por essa específica razão, ao

âmbito de incidência da proteção constitucional fundada na garantia da imunidade parlamentar material. É que as ofensas supostamente irrogadas por esse Senador da República, embora proferidas fora da tribuna do Congresso Nacional, mas

por guardarem nexo com a atividade político-parlamentar por ele exercida, acham-se abrangidas pela cláusula constitucional da imunidade

parlamentar em sentido material, o que justifica a aplicação, ao caso, da jurisprudência constitucional desta Suprema Corte:

“QUEIXA-CRIME – JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA PEÇA ACUSATÓRIA – POSSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE O RELATOR DA CAUSA DECIDIR, MONOCRATICAMENTE, A

CONTROVÉRSIA JURÍDICA – COMPETÊNCIA MONOCRÁTICA QUE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DELEGOU, VALIDAMENTE, EM

SEDE REGIMENTAL (RISTF, ART. 21, § 1º) – INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE – PLENA

LEGITIMIDADE JURÍDICA DESSA DELEGAÇÃO REGIMENTAL – EXTINÇÃO DA ‘PERSECUTIO CRIMINIS’ PELO

RECONHECIMENTO, NA ESPÉCIE, DA IMUNIDADE PARLAMENTAR EM SENTIDO MATERIAL – INVIOLABILIDADE COMO

OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À RESPONSABILIZAÇÃO PENAL E/OU CIVIL DO CONGRESSISTA – NECESSIDADE, PORÉM, DE QUE OS ‘DELITOS DE OPINIÃO’ TENHAM SIDO COMETIDOS NO EXERCÍCIO DO MANDATO LEGISLATIVO OU EM RAZÃO DELE

– SUBSISTÊNCIA DESSE ESPECÍFICO FUNDAMENTO, APTO, POR SI SÓ, PARA TORNAR INVIÁVEL A PERSECUÇÃO PENAL

CONTRA MEMBRO DO CONGRESSO NACIONAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, ‘caput’) – que representa um instrumento

vital destinado a viabilizar o exercício independente do mandato representativo – somente protege o membro do Congresso Nacional,

qualquer que seja o âmbito espacial (‘locus’) em que este exerça a liberdade de opinião (ainda que fora do recinto da própria Casa legislativa), nas hipóteses específicas em que as suas manifestações guardem conexão com o desempenho da função legislativa (prática ‘in

officio’) ou tenham sido proferidas em razão dela (prática ‘propter officium’). Doutrina. Precedentes.

– A prerrogativa indisponível da imunidade material – que constitui garantia inerente ao desempenho da função parlamentar (não

traduzindo, por isso mesmo, qualquer privilégio de ordem pessoal) – estende-se a palavras e a manifestações do congressista que guardem

pertinência com o exercício do mandato legislativo.

– A cláusula de inviolabilidade constitucional, que impede a responsabilização penal e/ou civil do membro do Congresso Nacional por suas palavras, opiniões e votos, também abrange, sob seu manto protetor, (1) as entrevistas jornalísticas, (2) a transmissão, para a

imprensa, do conteúdo de pronunciamentos ou de relatórios produzidos nas Casas Legislativas e (3) as declarações feitas aos meios de

comunicação social, eis que tais manifestações – desde que vinculadas ao desempenho do mandato – qualificam-se como natural projeção do exercício das atividades parlamentares. Doutrina. Precedentes.

– Reconhecimento da incidência, no caso, da garantia de imunidade parlamentar material em favor do congressista acusado de delito

contra a honra.” (Inq 2.874-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Vale referir, por relevante, quanto a esse ponto, expressivo fragmento do parecer da lavra do eminente Procurador-Geral da República, Dr.

RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, que bem examinou essa específica questão (documento eletrônico 32):

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Informativo 859-STF (10/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24

“O Senador Hélio José da Silva Lima encontra-se, no caso dos autos, sob a proteção da imunidade material prevista no art. 53,

‘caput’, da Constituição da República, uma vez que as supostas ofensas foram proferidas em nítido contexto de exercício da atividade

parlamentar e em razão de divergências políticas, estando, portanto, relacionadas ao exercício de seu mandato parlamentar. A querelante, ao indicar o contexto em que se deram as assertivas, descreve na exordial: ‘...durante o ato no qual tomaria posse

indicado pelo Senador Hélio José...'.

Infere-se, ainda, das palavras do querelado no mencionado ato de posse, colacionadas aos autos pela querelante, sua presença, no ato, na condição de parlamentar:

‘Eu tive que acabar de incomodar o ministro Gedel reunido com o Presidente Temer, pra poder fazer esse ato aqui, por causa

de uma palhaçada de uma servidora pública que é a Valéria, tá certo? Por causa de uma palhaçada dela e dos comparsas dela...’.

É cediço que a imunidade parlamentar prevista no art. 53, ‘caput’, da CR/1988 também abrange ideias veiculadas fora da tribuna da

Casa Legislativa, quando demonstrado o nexo de causalidade com o exercício da função parlamentar. No caso em tela, apesar de a narrativa contida na queixa- -crime indicar que o querelado, durante o seu discurso, usou palavras

ofensivas à vítima, constata-se que agiu ligado ao exercício de suas atividades políticas, que desempenha investido de seu mandato

parlamentar e, portanto, sob o manto da imunidade constitucional, em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.” (grifei)

Impõe-se registrar, por oportuno, que o exercício do mandato – seja na esfera parlamentar, seja no âmbito extraparlamentar (como sucede

na espécie) – atua como verdadeiro suposto constitucional, apto a legitimar a invocação dessa especial prerrogativa jurídica, destinada a proteger,

por suas “opiniões, palavras e votos”, o membro do Poder Legislativo, independentemente do “locus” em que proferidas as expressões eventualmente contumeliosas.

Sabemos todos que a garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material representa importante prerrogativa de ordem

institucional. A Carta da República, no entanto, somente legitima a sua invocação quando o membro do Congresso Nacional, no exercício do mandato – ou em razão deste –, proferir palavras ou expender opiniões que possam assumir qualificação jurídico-penal no plano dos denominados

“delitos de opinião”.

É por essa razão que a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal tem destacado o caráter essencial do exercício do mandato parlamentar, para efeito de legitimar-se a invocação da prerrogativa institucional assegurada em favor dos membros do Poder Legislativo, sempre enfatizando, nas várias decisões proferidas – quer antes, quer depois da promulgação da EC nº 35/2001 –, que a proteção resultante da garantia da imunidade em sentido material somente alcança o parlamentar nas hipóteses em que as palavras e opiniões tenham sido por ele expendidas no exercício do mandato ou em razão deste (RTJ 191/448, Rel. Min. NELSON JOBIM, Pleno).

Vê-se, desse modo, que cessará essa especial tutela de caráter político-jurídico sempre que deixar de existir entre as declarações moralmente

ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício legislativo, de outro, o necessário nexo de causalidade (RTJ 104/441, Rel. Min. ALDIR

PASSARINHO – RTJ 112/481, Rel. Min. SOARES MUÑOZ – RTJ 129/970, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ 135/509, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 141/406, Rel. Min. CÉLIO BORJA – RTJ 155/396-397, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 166/844, Rel. Min.

CARLOS VELLOSO – RTJ 167/180, Rel. Min. FRANCISCO REZEK – RTJ 169/969, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Inq 810-QO/DF, Rel.

Min. NÉRI DA SILVEIRA), ressalvadas, no entanto, as declarações contumeliosas que houverem sido proferidas no recinto da Casa legislativa, notadamente da tribuna parlamentar, hipótese em que será absoluta a inviolabilidade constitucional, pois, em tal situação, “não cabe indagar

sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato (…)”:

“O art. 53 da Constituição Federal, com a redação da Emenda nº 35, não reeditou a ressalva quanto aos crimes contra a honra, prevista no

art. 32 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Assim, é de se distinguirem as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada ‘conexão com o exercício do mandato ou

com a condição parlamentar’ (INQ 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas, não cabe indagar sobre o

conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa.

No caso, o discurso se deu no plenário da Assembleia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado,

as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material.

Denúncia rejeitada.”

(RTJ 194/56, Red. p/ o acórdão Min. AYRES BRITTO, Pleno – grifei)

Essa diretriz jurisprudencial mostra-se fiel à “mens constitutionis”, que reconhece, a propósito do tema, que o instituto da imunidade parlamentar em sentido material existe para viabilizar o exercício independente do mandato representativo, revelando-se, por isso mesmo, garantia inerente ao parlamentar que se encontre no pleno desempenho da atividade legislativa, como sucede com o congressista em questão (PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969”, tomo III/10 e 43, 2ª ed., 1970, RT; JOÃO BARBALHO, “Constituição Federal Brasileira”, p. 64, edição fac-similar, 1992, Senado Federal; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 2/625, 1990, Saraiva; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol. V/2.624-2.625, item n. 204, 1991, Forense Universitária; PEDRO ALEIXO, “Imunidades Parlamentares”, p. 59-65, 1961, Belo Horizonte; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 4, tomo I/187, 1995, Saraiva; RENÉ ARIEL DOTTI, “Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 398, item n. 25, 2001, Forense, v.g.).

Acentue-se que a teleologia inerente à cláusula de inviolabilidade prevista no art. 53, “caput”, da Constituição da República revela a

preocupação do constituinte em dispensar efetiva proteção ao parlamentar, em ordem a permitir-lhe, no desempenho das múltiplas funções que

compõem o ofício legislativo, o amplo exercício da liberdade de expressão, qualquer que seja o âmbito espacial em que concretamente se

manifeste (RTJ 133/90), ainda que fora do recinto da própria Casa legislativa (RTJ 131/1039 – RTJ 135/509-510 – RT 648/318), desde que as declarações emanadas do membro do Poder Legislativo – quando pronunciadas fora do Parlamento (RTJ 194/56, Pleno) – guardem conexão com o

desempenho do mandato (prática “in officio”) ou tenham sido proferidas em razão dele (prática “propter officium”), conforme esta Suprema Corte

tem assinalado em diversas decisões (RTJ 155/396-397, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno, v.g.). Saliente-se, por relevante, no que concerne aos aspectos que venho de referir, que o entendimento exposto na presente decisão tem sido observado

em julgamentos proferidos no âmbito desta Suprema Corte (Inq 2.330/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Inq 2.878/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO

– Inq 3.817/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – Pet 5.055/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – Pet 5.193/MG, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, v.g.):

“AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES CONTRA A HONRA. INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. NÃO INCIDÊNCIA NA HIPÓTESE. VÍNCULO ENTRE AS SUPOSTAS OFENSAS PROFERIDAS E A FUNÇÃO PARLAMENTAR EXERCIDA. IMUNIDADE PARLAMENTAR. EXCLUDENTE DE TIPICIDADE. IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO.

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Informativo 859-STF (10/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25

1. O afastamento da imunidade material prevista no art. 53, ‘caput’, da Constituição da República só se mostra cabível quando

claramente ausente vínculo entre o conteúdo do ato praticado e a função pública parlamentar exercida ou quando as ofensas proferidas

exorbitem manifestamente os limites da crítica política. Precedentes.

2. Configurada, no caso, hipótese de manifestação protegida por imunidade material, há ausência de tipicidade da conduta, o que leva à improcedência da acusação, a teor do art. 6º da Lei nº 8.038/1990.

3. Acusação improcedente.”

(Inq 3.677/RJ, Red. p/ o acórdão Min. TEORI ZAVASCKI – grifei)

Registro, finalmente, por necessário, que o Supremo Tribunal Federal, em seu regimento, delegou expressa competência ao Relator da causa para, em sede de julgamento monocrático, negar seguimento a pedido, desde que o tema nele versado seja “contrário à jurisprudência dominante

ou a Súmula do Tribunal” (RISTF, art. 21, § 1º).

Ao assim proceder, fazendo-o mediante interna delegação de atribuições jurisdicionais, esta Suprema Corte, atenta às exigências de celeridade e de racionalização do processo decisório, limitou-se a reafirmar princípio consagrado em nosso ordenamento positivo (CPC, art. 932,

VIII, c/c o RISTF, art. 21, § 1º), que autoriza o Relator da causa a decidir, monocraticamente, o litígio, sempre que este referir-se a tema já

definido em jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal. Nem se alegue que essa orientação implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará

preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal

Federal (Lei nº 8.038/90, art. 39), consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO –

AI 159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

A legitimidade jurídica desse entendimento decorre da circunstância de o Relator da causa, no desempenho de seus poderes processuais,

dispor de plena competência para exercer, monocraticamente, o controle de ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, justificando-se, em consequência, os atos decisórios que, nessa condição, venha a praticar (RTJ 139/53 – RTJ 168/174-175 – RTJ 173/948, v.g.),

valendo assinalar, quanto ao aspecto ora ressaltado, que este Tribunal, em decisões colegiadas (HC 96.821/SP, Rel. Min. RICARDO

LEWANDOWSKI – HC 104.241-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), reafirmou a possibilidade processual do julgamento

monocrático, desde que observados os requisitos estabelecidos no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF, art. 21, § 1º).

Cumpre ressaltar, neste ponto, que eminentes Ministros desta Suprema Corte, ao apreciarem, monocraticamente, ações penais privadas, a

estas negaram seguimento, determinando o arquivamento dos respectivos autos (Inq 2.843/GO, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – Inq 2.844/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO – Inq 3.777/MG, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, v.g.).

Tendo em vista essa delegação regimental de competência ao Relator da causa, impõe-se reconhecer que a presente decisão ajusta-se,

inteiramente, à jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise, a justificar, desse modo, a plena legitimidade da resolução monocrática do litígio penal ora em julgamento.

Concluindo: a análise dos elementos constantes destes autos permite-me reconhecer que o comportamento do ora querelado – que é Senador

da República – subsume-se, inteiramente, ao âmbito da proteção constitucional fundada na garantia da imunidade parlamentar material, em

ordem a excluir, na espécie, a responsabilidade penal do congressista em referência, eis que incidente, no caso, a cláusula de inviolabilidade

inscrita no art. 53, “caput”, da Constituição da República, considerada a circunstância de a manifestação impugnada nesta causa haver sido

proferida no legítimo exercício do mandato legislativo. Tal circunstância inviabiliza a presente queixa-crime, razão pela qual, com apoio na jurisprudência prevalecente nesta Corte, e acolhendo,

ainda, o douto parecer do eminente Procurador-Geral da República, julgo extinto este processo de índole penal.

Arquivem-se estes autos. Publique-se.

Brasília, 03 de abril de 2017.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

*decisão publicada no DJe em 6.4.2017

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS 27 a 31 de março de 2017

Lei nº 13.421, de 27.3.2017 - Dispõe sobre a criação da Semana Nacional pela Não Violência contra a Mulher

e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 60, p. 1 em 28.3.2017.

Lei nº 13.424, de 28.3.2017 - Altera as Leis nos

5.785, de 23 de junho de 1972, 9.612, de 19 de fevereiro de

1998, 4.117, de 27 de agosto de 1962, 6.615, de 16 de dezembro de 1978, para dispor sobre o processo de renovação do prazo das concessões e permissões dos serviços de radiodifusão, e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 61, p. 1 em 29.3.2017.

Lei nº 13.425, de 30.3.2017 - Estabelece diretrizes gerais sobre medidas de prevenção e combate a incêndio e

a desastres em estabelecimentos, edificações e áreas de reunião de público; altera as Leis nos

8.078, de 11 de setembro de 1990, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil; e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 63, p. 1 em 31.3.2017.

Lei nº 13.426, de 30.3.2017 - Dispõe sobre a política de controle da natalidade de cães e gatos e dá outras

providências. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 63, p. 3 em 31.3.2017.

Lei nº 13.427, de 30.3.2017 - Altera o art. 7º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que "dispõe sobre

as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências", para inserir, entre os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), o

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princípio da organização de atendimento público específico e especializado para mulheres e vítimas de violência doméstica em geral. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 63, p. 3 em 28.3.2017.

Lei nº 13.428, de 30.3.2017 - Altera a Lei nº 13.254, de 13 de janeiro de 2016, que "Dispõe sobre o Regime

Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País". Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 63, p. 3 em 31.3.2017.

Lei nº 13.429, de 31.3.2017 - Altera dispositivos da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o

trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. Publicada no DOU, Seção 1, Edição Extra nº 63, p. 1 em 31.3.2017.

Medida Provisória nº 772, de 29.3.2017 - Altera a Lei nº 7.889, de 23 de novembro de 1989, que dispõe sobre a

inspeção sanitária e industrial dos produtos de origem animal. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 62, p. 3 em 30.3.2017.

Medida Provisória nº 774, de 30.3.2017 - Dispõe sobre a contribuição previdenciária sobre a receita bruta.

Publicada no DOU, Seção 1, Edição Extra nº 62, p. 1 em 30.3.2017.

OUTRAS INFORMAÇÕES 27 a 31 de março de 2017

Decreto nº 9.013, de 29.3.2017 - Regulamenta a Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950, e a Lei nº 7.889,

de 23 de novembro de 1989, que dispõem sobre a inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal. Publicado no DOU, Seção 1, Edição nº 62, p. 3 em 30.3.2017.

Secretaria de Documentação – SDO Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

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