Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

13
Revista de CiênCia & teCnologia v. 19, n. 38, p. 33-45 • 2016 • ISSN Impresso: 0103-8575• ISSN Eletrônico: ISSN: 2238-1252 33 Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura Industrie 4.0 – A Literature Review LETICIA FRANCISCHINI RODRIGUES I RODRIGO AGUIAR DE JESUS I KLAUS SCHÜTZER I RESUMO O desenvolvimento dos mercados globais contribuiu também na formação dos no- vos clientes que se tornaram mais exigentes, o que, por sua vez, resultou em um desafio para as indústrias no que diz respeito à personalização de produtos, serviços eficientes e de baixo custo. A concorrência entre as empresas levanta a necessidade de estratégias globais para se manterem no mercado. O governo alemão criou, por meio de investimentos governamentais e da própria indústria, o programa Industrie 4.0, que tem por objetivo interconectar todas as áreas que compõem um processo produtivo por intermédio de redes inteligentes. Esse programa desafia a produção industrial a realizar uma 4ª. Revolução Industrial, onde os processos pro- dutivos governem a si mesmos. Esse programa é capaz de solucionar problemas de produção e torná-la mais eficaz, possibilitando ganhos competitivos. Por se tratar de um tema recente e pouco abordado no Brasil, este trabalho tem o objetivo de apresentar os principais temas relacionados à Industrie 4.0 usando materiais de pesquisadores proeminentes na área. Para isso, foi utilizado o método de pesquisa bibliográfica. PALAVRAS-CHAVE: INDUSTRIE 4.0; 4ª. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL; SISTEMAS INTELIGENTES; SISTEMAS FÍSICO-CIBERNÉTICOS. ABSTRACT The development of global markets also contributed to the formation of new customers, who have become more exigent, which in turn resulted in a challenge for the industry with respect to the customization of products, efficient services and low cost. The competition between companies increases the need for global strategies to stay on the mar- ket. The German Government started, through government investment as well as from the own companies, the program Industrie 4.0, which objectives to interconnect all areas that belongs to the production process through a smart network to support all industrial process. This program challenges industrial production to achieve a 4 th Industrial Revolution, where the production processes govern themselves. This program must be able to solve production problems and make it more effective, enabling competitive gains. Because this is a recent topic and little discussed in Brazil, this paper aims to present the main topics related to Industrie 4.0 I Universidade Metodista de Piracicaba

Transcript of Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

Page 1: Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

Revista de CiênCia & teCnologia • v. 19, n. 38, p. 33-45 • 2016 • ISSN Impresso: 0103-8575• ISSN Eletrônico: ISSN: 2238-1252 33

Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

Industrie 4.0 – A Literature Review

Leticia Francischini rodriguesi

rodrigo aguiar de Jesusi

KLaus schützeri

Resumo O desenvolvimento dos mercados globais contribuiu também na formação dos no-vos clientes que se tornaram mais exigentes, o que, por sua vez, resultou em um desafio para as indústrias no que diz respeito à personalização de produtos, serviços eficientes e de baixo custo. A concorrência entre as empresas levanta a necessidade de estratégias globais para se manterem no mercado. O governo alemão criou, por meio de investimentos governamentais e da própria indústria, o programa Industrie 4.0, que tem por objetivo interconectar todas as áreas que compõem um processo produtivo por intermédio de redes inteligentes. Esse programa desafia a produção industrial a realizar uma 4ª. Revolução Industrial, onde os processos pro-dutivos governem a si mesmos. Esse programa é capaz de solucionar problemas de produção e torná-la mais eficaz, possibilitando ganhos competitivos. Por se tratar de um tema recente e pouco abordado no Brasil, este trabalho tem o objetivo de apresentar os principais temas relacionados à Industrie 4.0 usando materiais de pesquisadores proeminentes na área. Para isso, foi utilizado o método de pesquisa bibliográfica.PalavRas-chave: IndustrIe 4.0; 4ª. Revolução IndustRIal; sIstemas IntelIgentes; sIstemas FísIco-cIbeRnétIcos.

abstRact The development of global markets also contributed to the formation of new customers, who have become more exigent, which in turn resulted in a challenge for the industry with respect to the customization of products, efficient services and low cost. The competition between companies increases the need for global strategies to stay on the mar-ket. The German Government started, through government investment as well as from the own companies, the program Industrie 4.0, which objectives to interconnect all areas that belongs to the production process through a smart network to support all industrial process. This program challenges industrial production to achieve a 4th Industrial Revolution, where the production processes govern themselves. This program must be able to solve production problems and make it more effective, enabling competitive gains. Because this is a recent topic and little discussed in Brazil, this paper aims to present the main topics related to Industrie 4.0

I Universidade Metodista de Piracicaba

Page 2: Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

34 Revista de CiênCia & teCnologia • v. 19, n. 38, p. 33-45 • 2016 • ISSN Impresso: 0103-8575• ISSN Eletrônico: ISSN: 2238-1252

using materials from prominent researchers in the field. For this, the method of bibliographic research was used.Key-woRds: IndustRIe 4.0; 4th IndustRIal RevolutIon; IntellIgent systems; cybeR-PhysI-cal systems.

1. Introdução

O tema Industrie 4.0 está crescendo significativamente em todo o mundo. O termo é ob-jeto de discussão entre muitos especialistas da atualidade e, em 2013, o Google registrou 1.300 artigos sobre o tema. Em busca recente na base de dados Scopus, utilizando as palavras-chave deste artigo, pode-se perceber que, com o início do tema em 2011, a quantidade de publica-ções relacionadas ao tema subiu, entre os anos de 2014 para 2015, cerca de 207%, levando em consideração somente as áreas relacionadas à engenharia. Isso demonstra um crescimento ace-lerado do tema e sua relevância, tanto para fins acadêmicos, como também para as indústrias, as quais enfrentam desafios contínuos de aumento de produtividade e personalização de pro-dutos. Para atender essa demanda e se manterem no mercado global, tecnologias inovadoras e um preço competitivo são de extrema importância (ANDERL & PICARD, 2014).

Como uma iniciativa de pesquisa da Alemanha, criada em 2012, o Programa Industrie 4.01 chama a atenção de empresas em todo o mundo, por implicar o que pode ser chamado de 4ª. Revolução Industrial.

Kagermann et al. (2013) descrevem sua visão sobre o programa Industrie 4.0 apontando que, no futuro, as empresas deverão estabelecer redes globais, que incorporem suas máquinas, sistemas de armazenagem e instalações de produção na forma de Sistemas Físico-Cibernéticos (CPS – Cyber-Physical Systems). Dessa forma, melhorias na gestão das empresas serão observa-das, uma vez que cada sistema será independente, capaz de compreender suas especificações e se comunicar com outros sistemas, transferindo informações. Isso permitirá rápidas tomadas de decisão e respostas autônomas dos sistemas de produção.

Ainda de acordo com Kagermann et al. (2013), o programa Industrie 4.0 também irá resultar em novas formas de criação de valor e novos modelos de negócios. Em particular, ele irá fornecer às start-ups e pequenas empresas a oportunidade de se desenvolverem e prestar serviços.

Por se tratar de um tema recente e pouco abordado no Brasil, este trabalho tem o objeti-vo de apresentar os principais temas relacionados à Industrie 4.0 utilizando materiais de pesqui-sadores proeminentes na área.

Foi empregado o método de pesquisa bibliográfica utilizando artigos levantados nas ba-ses de pesquisa Scopus, Web of Science e Scielo.

Este trabalho está estruturado em três seções, além da introdução. Na segunda seção, é apresentada a metodologia adotada para a realização deste trabalho. Posteriormente, os prin-cipais tópicos relacionados ao tema Industrie 4.0 são abordados. Por fim, a quarta seção faz algumas considerações finais sobre o estudo.1 O termo Industrie 4.0 está sendo tratado na Alemanha como uma marca e, por essa razão, não está sendo tra-

duzido neste artigo. Ele pode ser entendido como a proposta de uma 4ª. Revolução Industrial, ou mesmo a implantação de “indústrias inteligentes”, ou “manufatura inteligente”.

Page 3: Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

Revista de CiênCia & teCnologia • v. 19, n. 38, p. 33-45 • 2016 • ISSN Impresso: 0103-8575• ISSN Eletrônico: ISSN: 2238-1252 35

2. MetodologIa

Para este trabalho foi realizado um levantamento dos artigos com maior quantidade de acessos e de fácil aquisição dentro das bases de dados Scopus, Web of Science e Scielo, além da utilização de documentos de base interna.

Utilizou-se o método de pesquisa bibliográfica para que fosse possível realizar uma aná-lise do que já foi produzido relacionado ao assunto e, em seguida, coletar os dados mais rele-vantes para que os principais temas ligados à Industrie 4.0 fossem apresentados.

Empregaram-se as palavras-chave Industrie 4.0; Industry 4.0; Internet of Things; Internet of Services e Cyber-Physical Systems. Após o retorno das buscas pelas palavras-chave citadas, os arti-gos foram selecionados de acordo com uma revisão narrativa.

Realizou-se uma leitura dos artigos selecionados e as informações que se demonstraram de acordo com o objetivo do presente artigo foram interpretadas e utilizadas.

3. revIsão bIblIográfIca

Para proporcionar uma melhor compreensão do tema e auxiliar na construção de uma análise do problema, serão apresentados os conceitos e a literatura inerentes ao tema Industrie 4.0.

3.1 Programa Industrie 4.0Com o desenvolvimento e domínio de novas tecnologias de produção, foi possível con-

quistar as revoluções industriais. No século XVIII, ocorreu a 1ª. Revolução Industrial, com a invenção da máquina a vapor. Posteriormente, a 2ª. Revolução Industrial veio com a introdu-ção da produção em massa na linha de montagem por Henry Ford, no século XX. A 3ª. Revo-lução Industrial se deu após a Segunda Guerra Mundial, com a introdução dos controladores lógico programáveis (PLC) e da tecnologia da informação (TI) no chão de fábrica. Hoje, como sugere Kagermann et al. (2012), o desafio que se apresenta pode ser chamado de 4ª. Revo-lução Industrial, com a introdução do programa Industrie 4.0, em que máquinas inteligentes e componentes inteligentes se comunicam entre si, sem intervenção humana. A Figura 1 ilustra essa evolução.

A iniciativa Industrie 4.0 surgiu na Alemanha em resposta à competitividade global. Her-mann, Pentek e Otto (2015) reportam que o governo federal alemão apoiou a ideia, anuncian-do que o programa Industrie 4.0 será uma parte integrante da sua estratégia de alta tecnologia para a Alemanha 2020, iniciativa que visa à liderança da inovação tecnológica. Isso deixa claro a corrida das empresas pela adequação e o grande investimento que será revertido, após alcançar os desafios do programa.

Page 4: Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

36 Revista de CiênCia & teCnologia • v. 19, n. 38, p. 33-45 • 2016 • ISSN Impresso: 0103-8575• ISSN Eletrônico: ISSN: 2238-1252

Figura 1 – Estágios das Revoluções Industriais.

Introdução da produção movida a vapor e potência hidráulica

Introdução da produção em massa e o uso de energia elétrica

Introdução da eletrônica e TI para aumento da automação na produção

Produção baseada em Sist. Físico-Cibernéticos

Nív

el d

e C

ompl

exid

ade

Fins doSéculo 18

Começo do século 20

Começo dos anos 70

Atualmente

Primeiro TearMecânico1784

Primeira Linha de MontagemUnion Stock Yards1870

Primeiro Controlador Lógico ProgramávelModicon 0841969

1ª Revolução Industrial

2ª Revolução Industrial

3ª Revolução Industrial

4ª Revolução Industrial

Fonte: Adaptado de Kagermann, Wahlster e Held (2012)

De acordo com Anderl (2014), Industrie 4.0 é uma abordagem estratégica para a integra-ção de sistemas de controle avançados com tecnologia de internet, que permite a comunicação entre as pessoas, produtos e sistemas complexos. Brettel et al. (2014) tratam, pela mesma abor-dagem, dizendo que essa revolução industrial será desencadeada pela internet, que comporta a comunicação entre os seres humanos, bem como com as máquinas em um Sistema Físico--Cibernético (CPS) em grandes redes.

A abordagem principal é equipar futuros produtos e sistemas de produção com sistemas embarcados, baseados em sensores e atuadores inteligentes para possibilitar a comunicação e o controle de operação inteligente (ANDERL, 2014). Assim Brettel et al. (2014) complementam que, ao incluir Sistemas Físico-Cibernéticos (CPS), a comunicação avançada entre máquinas é o mesmo que o seu diálogo com os seres humanos. Isso demonstra a possibilidade de uma produção totalmente automatizada e autônoma, sem intervenções humanas.

Estratégias semelhantes também vêm sendo adotadas pelo mundo, por exemplo, Indus-trial Internet nos EUA (The Industrial Internet Consortium, 2014) e Internet+ na China (Premier of the State Council of China, 2015), onde, de acordo com Hermann, Pentek & Otto (2015), quatro componentes são a chave da Industrie 4.0 ou 4ª. Revolução Industrial: Sistemas Físico-Ciberné-ticos, Internet das Coisas, Internet de Serviços e Fábricas Inteligentes.

Page 5: Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

Revista de CiênCia & teCnologia • v. 19, n. 38, p. 33-45 • 2016 • ISSN Impresso: 0103-8575• ISSN Eletrônico: ISSN: 2238-1252 37

3.1.1 Sistemas Físico-Cibernéticos Lee (2008) apresenta os Sistemas Físico-Cibernéticos (CPS) como sendo a integração en-

tre computação e processos físicos. Já para Kim e Kumar (2012), CPSs são a próxima geração de sistemas de engenharia de computação, na qual a comunicação e o controle de tecnologias estarão fortemente integrados.

Como toda nova tecnologia, é evidente que existem diferenças entre o sistema atual e um CPS. Para Poovendran (2010), a principal diferença entre um CPS e um sistema de controle re-gular ou um sistema embarcado é o uso das comunicações, que acrescenta configurabilidade e escalabilidade; no entanto, existe um aumento da complexidade e possível desequilíbrio. Além disso, o CPS tem significativamente mais inteligência em sensores e atuadores, bem como res-trições de desempenho substancialmente menores. Portanto, a nova abordagem demonstra-se mais eficiente que a utilizada atualmente.

Com a utilização de novas tecnologias, desafios são apresentados e um deles está relacio-nado à segurança dos CPSs. Assim como toda rede ligada à internet, existe o risco da rede ser invadida e, dessa forma, perder-se informações sigilosas relacionadas à empresa. Há desafios consideráveis, particularmente porque os componentes físicos de tais sistemas trazem exigên-cias de segurança e confiabilidade qualitativamente diferentes daqueles em computação de propósito geral (LEE, 2008). Kim e Kumar (2012) dizem que muito esforço tem sido investido na segurança das camadas computacionais e de comunicação, mas os sistemas têm dificuldades adicionais, sabendo que eles envolvem também o controle e o próprio sistema físico.

No âmbito da produção, o CPS pode auxiliar no planejamento e controle da produção. Para Schuh et al. (2014), o objetivo principal do CPS na produção é criar uma grande malha de controle para todos os subsistemas, que permite ao usuário controlar um processo de produ-ção industrial altamente complexo sem o gerenciamento de cada subsistema.

Lee (2008) aponta que o potencial econômico e social desses sistemas é muito maior do que o que tem sido realizado e grandes investimentos estão sendo feitos em todo o mundo para desenvolver a tecnologia.

3.1.2 Internet das coisasO termo Internet das Coisas (IoT – Internet of Things) foi utilizado pela primeira vez pelo

pesquisador britânico Kevin Ashton, em 1999. Àquela época, o pesquisador explicava a ideia de que os computadores poderiam ser ligados entre si em redes e trabalharem de forma in-dependente e inteligente, sem intervenções humanas. Dessa forma, o homem trabalha apenas acompanhando tudo, o que pode resultar na otimização de recursos.

Para proporcionar um melhor entendimento sobre o tema, algumas definições serão apresentadas brevemente.

Haller (2010) define IoT como um mundo em que objetos físicos estão perfeitamente integrados na rede de informação e onde os objetos físicos podem tornar-se participantes ati-vos nos processos de negócio. Os serviços estão disponíveis para interagir com esses “objetos inteligentes” através da Internet, consultar e alterar seu estado e qualquer informação que lhes estejam associadas, levando em conta questões de segurança e privacidade.

Page 6: Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

38 Revista de CiênCia & teCnologia • v. 19, n. 38, p. 33-45 • 2016 • ISSN Impresso: 0103-8575• ISSN Eletrônico: ISSN: 2238-1252

No âmbito do projeto CASAGRAS, IoT é tratada como uma infraestrutura de rede glo-bal, que liga objetos físicos e virtuais pela exploração de captura de dados e capacidades de comunicação. Essa infraestrutura inclui os desenvolvimentos da internet e de redes existentes e em desenvolvimento. Ela vai oferecer identificação de objeto específico, sensor e capaci-dade de conexão como a base para o desenvolvimento de serviços e aplicações cooperativas independentes. Estes irão ser caracterizados por um elevado grau de autonomia de captura de dados, ocorrência de transferência, conectividade de rede e interoperabilidade.

Já a European Technology Platform (ETP) define IoT como a rede formada por coisas/obje-tos que têm identidades, personalidades virtuais, que operam em espaços inteligentes, utilizan-do interfaces inteligentes para conectar-se e se comunicar com o usuário, no contexto social e ambiental.

Como visto, existem diversas definições a respeito do tema Internet das Coisas e todas elas têm em comum que ela é uma relação do mundo virtual com o mundo físico.

3.1.3 Internet de serviçosPara Kagermann, Wahlster e Helbig (2013), a Internet das Coisas e Internet de Serviços

(IoS – Internet of Services) tornam possível a criação de redes que incorporam todo o processo de fabricação que transforma fábricas em um ambiente inteligente.

Buxmann, Hess, e Ruggaber (2009) apontam que o setor de serviços é um dos mercados de forte crescimento em todo o mundo. Eles ainda dizem que a visão da IoS é permitir que os fornecedores ofereçam seus serviços pela internet. A IoS é composta por participantes, uma infraestrutura de serviços, modelos de negócios, e os próprios serviços. Os serviços são ofe-recidos e combinados em serviços de valor agregado por vários fornecedores; eles são comu-nicados aos usuários, bem como aos consumidores e são acessados por eles através de vários canais. Tais serviços podem oferecer suporte a recursos funcionais e técnicos.

É concebível que, no futuro, esse conceito será transferido a partir de fábricas individuais a toda a rede de valor. Fábricas podem ir um passo além e oferecer tecnologias de produção especiais em vez de apenas um tipo de produção. Os recursos de produção serão ofereci-dos através da IoS e podem ser usados tanto para fabricar produtos, como para compensar uma eventual ociosidade da produção (SCHEER, 2013, p. 2, apud HERMANN, PENTEK e OTTO, 2015).

3.1.4 Fábricas InteligentesEm um futuro breve, trabalhadores, máquinas e matérias-primas conseguirão comunicar-

-se em tempo real através de uma rede de internet. Dessa forma, o processo de produção po-derá ser realizado por meios digitais em uma fábrica inteligente e aplicado ao ambiente real, em que o trabalhador poderá acompanhar tudo a distância, obtendo informações em tempo real.

Blanchet et al. (2014) mostram as características essenciais da nova paisagem industrial, observada na Figura 2. Para eles, processos realizados em fábricas inteligentes podem obter dados de fornecedores, clientes e da própria empresa, os quais podem ser avaliados para poste-riormente serem integrados à produção real. Nela, a cadeia de suprimentos é toda integrada. A

Page 7: Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

Revista de CiênCia & teCnologia • v. 19, n. 38, p. 33-45 • 2016 • ISSN Impresso: 0103-8575• ISSN Eletrônico: ISSN: 2238-1252 39

utilização de novas tecnologias, como robôs, impressoras 3D e sensores, resulta em processos de produção mais ajustados, com tempo de resposta real.

Com o uso de novas tecnologias, o processo de produção será mais flexível, tornando possível a criação de produtos customizados e redução da perda de materiais por meio da utili-zação da manufatura aditiva, e a robotização irá possibilitar alta produtividade a custos baixos, uma vez que estará substituindo a força humana.

Todos os produtos e equipamentos são providos de sensores capazes de se comunicar e que trazem todas as especificações inerentes ao produto e equipamento. Dessa forma, a produção será toda automatizada e autônoma, com as máquinas se comunicando entre si e informações sendo transmitidas em tempo real.

Figura 2 – Estrutura de uma Fábrica Inteligente.

Fonte: Adaptado de Blanchet et al. (2014)

3.2 Implementação da Industrie 4.0Como qualquer processo de mudança, a implementação do programa Industrie 4.0 de-

manda alto grau de estudo e tempo para ser atingida completamente. Não existe um roteiro de implementação que as empresas possam seguir; porém, alguns autores sugerem estratégias que podem levar ao alcance desejado. Duas dessas estratégias são apresentadas a seguir.

Hermann, Pentek e Otto (2015) trazem seis princípios de concepção de design, derivados de componentes da Industrie 4.0, conforme mostra a Tabela 1. Esses princípios dão suporte às empresas na identificação de possíveis projetos pilotos, que depois podem ser implementados.

Page 8: Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

40 Revista de CiênCia & teCnologia • v. 19, n. 38, p. 33-45 • 2016 • ISSN Impresso: 0103-8575• ISSN Eletrônico: ISSN: 2238-1252

Tabela 1 – Princípios de design de cada componente Industrie 4.0.

Sistemas Físico-Cibernéticos

Internet das Coisas

Internet de Serviços

Fábrica Inteligente

Interoperabilidade X X X X

Virtualização X - - X

Descentralização X - - X

Análise de Dados em Tempo Real

- - - X

Orientação a Serviços - - X -

Modularização - - X -

Fonte: Adaptado de Hemann, Pentek e Otto (2015)

• Interoperabilidade: é um elemento muito importante da Industrie 4.0. Nela, empresas, CPS, e seres humanos estão conectados através da Internet das Coisas e da Internet de Serviços. A interoperabilidade significa que todos os CPSs dentro da fábrica são capazes de se comunicar uns com os outros;

• Virtualização: significa que CPSs são capazes de monitorar processos físicos. Uma cópia real do mundo físico é realizada através de dados de sensores ligados a mo-delos de plantas virtuais e modelos de simulação. Assim, em caso de falha os ope-radores do sistema podem ser notificados;

• Descentralização: a crescente demanda por produtos individuais torna a centraliza-ção cada vez mais difícil. Computadores embarcados permitem que CPSs tomem decisões por conta própria. Apenas em casos de falha as tarefas são delegadas a um nível superior (TEN HOMPEL, OTTO, 2014, p. 6 apud HERMANN, PENTEK e OTTO, 2015). Dessa forma, a descentralização é a capacidade dos CPSs tomarem decisões por conta própria dentro das fábricas inteligentes;

• Análise de dados em tempo real: para a organização dos afazeres é necessário que os dados sejam coletados e analisados em tempo real. Assim, a planta pode reagir à falha de uma máquina e reencaminhar os produtos para outra máquina (SCHLICK et al., 2014, p. 75 apud HEMANN, PENTEK e OTTO, 2014). A análise de dados em tem-po real é a capacidade de coletar e analisar dados e fornecer insights imediatamente;

• Orientação a serviços: é a oferta de serviços de empresas, CPSs e seres humanos através da Internet de Serviços;

• Modularização: sistemas modulares são capazes de adaptar-se com flexibilidade às mudanças nos requisitos de substituição ou expansão de módulos individuais. Por-tanto, os sistemas modulares podem ser facilmente ajustados em caso de flutuações sazonais ou se as características do produto forem alteradas (HERMANN, PENTEK e OTTO, 2014). Então, modularização é a adaptação flexível das fábricas inteligentes para mudanças de requisitos, substituindo ou expandindo módulos individuais.

Já Anderl (2015) sugere a utilização de um guia de orientação, que recomenda a abor-dagem da prática Toolbox Industrie 4.0, ilustrada na Figura 3. Essa abordagem visa a analisar competências específicas da empresa, para derivar casos de uso de implementação e ideias para

Page 9: Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

Revista de CiênCia & teCnologia • v. 19, n. 38, p. 33-45 • 2016 • ISSN Impresso: 0103-8575• ISSN Eletrônico: ISSN: 2238-1252 41

novos modelos de negócios.A Toolbox Industrie 4.0 é estruturada em seis camadas de aplicação e cinco classes de

desempenho, como mostra a Figura 3. As camadas de aplicação indicam possíveis áreas de implementação para a Industrie 4.0; já as classes de desempenho identificam possibilidades de implementação em potencial. Quanto maior for a classe de desempenho, tanto mais próximo da visão Industrie 4.0 se está.

O objetivo dessa estratégia é, por meio da análise de competências, identificar as com-petências existentes da Industrie 4.0 na empresa analisada. Primeiro, é realizada uma análise acerca das informações fornecidas pela empresa e levantamento das competências da mesma. Nessa etapa, é possível identificar o estágio tecnológico da empresa, ou seja, em qual classe de desempenho cada uma das camadas de aplicação se encontra na empresa.

Após isso, é preciso ajustar as classes de desempenho conforme a Toolbox Industrie 4.0, pois, como já mencionado, quanto maior a classe, tanto mais próximo da visão Industrie 4.0 se está. Então, nessa etapa será possível visualizar em qual classe cada camada se encontra, e em qual classe se espera chegar.

Por fim, é preciso definir objetivos estratégicos com base na Toolbox Industrie 4.0. Nessa etapa, pode ser realizado um brainstorming para identificar objetivos e traçar estratégias para atingi-los. Feito isso, a empresa estará mais próxima da visão da Industrie 4.0, podendo imple-mentá-la com maior precisão.

Figura 3 – Toolbox Industrie 4.0.

Fonte: Adaptado de Anderl (2015)

Page 10: Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

42 Revista de CiênCia & teCnologia • v. 19, n. 38, p. 33-45 • 2016 • ISSN Impresso: 0103-8575• ISSN Eletrônico: ISSN: 2238-1252

3.3 Benefícios esperados do programa Industrie 4.0Como toda nova tecnologia empregada, um dos principais benefícios do programa é a

redução de custos e o aumento da eficiência.Com a implementação do programa, diversas melhorias são notadas na cadeia de valor.

Geissbauer et al. (2014) afirmam que a Industrie 4.0 vai ajudar a garantir que as empresas pos-sam atingir um processo de produção eficiente. De um estudo realizado pelos autores com 235 empresas, espera-se que elas tenham benefícios quantitativos significativos dos investimentos nas aplicações da Industrie 4.0 nos próximos cinco anos. De acordo com a Figura 4, estima-se que haverá uma média de 18% no aumento da eficiência dessas indústrias. Isso corresponde a um aumento anual de 3,3%. Considera-se também que haverá uma média de 14% na redução de custos das indústrias, o que corresponde a uma redução anual de 2,6%.

Figura 4 – Benefícios quantitativos esperados da aplicação da Industrie 4.0.

Fonte: Adaptado de Geissbauer et al. (2014)

Portanto, considerando-se 235 empresas, 37% delas teriam um aumento de eficiência maior que 20%, e 21% delas teriam uma redução de custos maior que 20%.

A colaboração na cadeia de suprimentos também pode ser um benefício esperado pelos parceiros em uma cadeia, pois a redução de custos pode ser repassada ao longo da cadeia.

Geissbauer et al. (2014) também mostram que benefícios qualitativos são esperados, como melhor planejamento e controle da produção e logística, maior flexibilidade na produção e satisfação dos clientes, conforme descrito na Figura 5.

Isso significa que, nos próximos cinco anos, 80% das empresas pesquisadas terão me-lhorado seu planejamento e controle (produção logística) significativamente; 15% delas terão melhora mediana; e 5% delas terão poucas melhorias nesse quesito. Multiplicando-se essas porcentagens pelo peso dos respectivos efeitos e somando-as, obtém-se a média de cada bene-fício. Por exemplo: (80%*4,5) + (15%*3) + (5%*1,2) = 4,11. Isso é equivalente para os demais quesitos avaliados.

Para os clientes, será possível participar de todo o processo de produção por intermédio da tecnologia de informação, uma vez que a integração dos processos se dará também entre clientes e empresas. Dessa forma, o cliente poderá acompanhar a produção de seu produto, bem como rastreá-lo para saber onde se encontra na cadeia de suprimentos.

Page 11: Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

Revista de CiênCia & teCnologia • v. 19, n. 38, p. 33-45 • 2016 • ISSN Impresso: 0103-8575• ISSN Eletrônico: ISSN: 2238-1252 43

Figura 5 – Benefícios qualitativos esperados da aplicação da Industrie 4.0.

Fonte: Adaptado de Geissbauer et al. (2014)

4. consIderações fInaIs

Apesar do termo Industrie 4.0 ter nascido na Alemanha como parte de sua estratégia de alta tecnologia, o tema ganha espaço em todo o mundo, pois engloba tecnologias e conceitos--chave que irão alterar a forma como a manufatura caminha atualmente.

Com a evolução da tecnologia, haverá a migração das indústrias para o Programa Industrie 4.0, devido às vantagens estabelecidas por ele. Porém, essa visão irá avançar de formas diferen-tes em cada empresa e setor. Por isso, faz-se necessário um estudo específico para identificar possíveis pontos onde a tecnologia Industrie 4.0 pode começar a atuar em cada tipo de indústria.

Pela revisão apresentada, pode-se perceber que, mesmo com o crescimento acelerado de estudos nesse tema, ainda existem muitos desafios que precisam ser superados para que se possa dizer que a 4ª. Revolução Industrial está acessível.

Este estudo buscou, pela revisão da literatura, apresentar diretrizes sobre trabalhos re-lacionados ao tema Industrie 4.0 para que novas discussões sejam propostas. O trabalho tem importância por tratar de tema pouco abordado no Brasil.

Estudos na área de cyber security que abordam tecnologias como robôs autônomos e ma-nufatura aditiva apresentam exemplos de tecnologias que precisam de maior maturidade até que se possa dizer que a Industrie 4.0 está plenamente desenvolvida.

Page 12: Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

44 Revista de CiênCia & teCnologia • v. 19, n. 38, p. 33-45 • 2016 • ISSN Impresso: 0103-8575• ISSN Eletrônico: ISSN: 2238-1252

referêncIas

AITENBICHLER, E. et al. Engineering intuitive and self-explanatory smart products. Proceedings of the 2007 ACM symposium on Applied computing, p. 1.637, 2007.

ANDERL, R. Industrie 4.0: Advanced Engineering of Smart Products and Smart Produc-tion. In: International Seminar on High Technology, 19, 2014, Piracicaba.

ANDERL, R. Industrie 4.0: Fundamentals, Scenarios for Application and Strategies for Implementation. In: Diálogo Brasil-Alemanha de Ciência, Pesquisa e Inovação, 4, 2015, São Paulo.

BLANCHET et al. INDUSTRY 4.0: The new industrial revolution How Europe will suc-ceed. Think Act. Roland Berger: Munique, 2014.

BRETTEL, M. et al. How Virtualization, Decentralization and Network Building Change the Manufacturing Landscape: An Industry 4.0 Perspective. International Journal of Mechani-cal, Aerospace, Industrial and Mechatronics Engineering, v. 8, n. 1, p. 37-44, 2014.

BUXMANN, P.; HESS, T.; e RUGGABER, R. (2009). Internet of Services. Disponível em: http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs12599-009-0066-z. Acesso em dezembro de 2015.

CASAGRAS (2009) Coordination and Support Action (CSA) for Global RFID-related Activities and Standardisation Final report. Disponível em: http://www.rfidglobal.eu. Acesso em dezembro de 2015.

EUROPEAN TECHNOLOGY PLATFORM ON SMART SYSTEMS INTEGRATION, [EPoSS], (2008) Internet of things in 2020, report of Beyond RFID – the Internet of Things, joint EU-EPoSS workshop, Brussels (BE), February 2008. Disponível em: http://www.smart--systems-integration.org/public/internet-of-things. Acesso em dezembro de 2015.

GEISSBAUER, R.; SCHRAUF, S.; KOCH, V.; e KUGE, S. (2014). Industrie 4.0 – Chan-cen und Herausforderungen der vierten industriellen Revolution. Price Waterhouse Coopers Aktiengesellschaft.

HALLER, S. The Things in the Internet of Things, Proceedings of Internet of Things Conference 2010, Tokyo, 2010.

HERMANN, M.; PENTEK, T.; OTTO B. Design Principles for Industrie 4.0 Scenarios: A Literature Review, Working Paper Nº. 01, 2015.

KAGERMANN, H.; WAHLSTER, W.; HELD, J.; (Hrsg.): Bericht der Promotorengruppe Kommunikation. Im Fokus: Das Zukunftsprojekt Industrie 4.0. Forschungsunion, 2012

KAGERMANN, H.; WAHLSTER, W.; HELBIG, J. Recommendations for implementing the strategic initiative Industrie 4.0. Acatech, p. 13-78, 2013.

Page 13: Industrie 4.0 – Uma Revisão da Literatura

Revista de CiênCia & teCnologia • v. 19, n. 38, p. 33-45 • 2016 • ISSN Impresso: 0103-8575• ISSN Eletrônico: ISSN: 2238-1252 45

KYOUNG-DAE KIM; KUMAR, P. R. Cyber-Physical Systems: A Perspective at the Centen-nial. Proceedings of the IEEE, v. 100, n. Special Centennial Issue, p. 1.287-1.308, 2012.

LEE, E. A. (2008). Cyber Physical Systems: Design Challenges. 1th IEEE Symposium on Object Oriented Real-Time Distributed Computing (ISORC), (p. 363-369).

MICHE, M.; SCHREIBER, D.; HARTMANN, M. Core Services for Smart Products. Ar-chitecture, p. 1-4, 2009.

POOVENDRAN, R. Cyber-physical systems: Close encounters between two parallel worlds. Proceedings of the IEEE, v. 98, n. 8, p. 1.363-1.366, 2010.

Premier of the State Council of China and K. Q. Li, “Report on the work of the government”, in Proceedings of the 3rd Session of the 12th National People’s Congress, March 2015.

RIJSDIJK, S. A.; HULTINK, E. J. How today’s consumers perceive tomorrow’s smart prod-ucts. Journal of Product Innovation Management, v. 26, n. 1, p. 24-42, 2009.

SCHEER, A. W., 2013: Industrie 4.0: Wie sehen Produktionsprozesse im Jahr 2020 aus?

SCHLICK, J.; STEPHAN, P.; LOSKYLL, M.; e LAPPE, D., 2014: Industrie 4.0 in der prak-tischen Anwendung. In: Bauernhansl, T., M. ten Hompel and B. Vogel-Heuser, eds., 2014: Industrie 4. 0 in Produktion, Automatisierung und Logistik. Anwendung, Technologien und Migration, 57-84.

SCHUH, G.; POTENTE, T.; THOMAS, C.; HEMPEL, T. Short-term cyber-physical Pro-duction Management. In: International Conference on Digital Enterprise Technology, 8, 2014.

THE INDUSTRIAL INTERNET CONSORTIUM: A Global Nonprofit Partnership of Industry, Government and Academia, 2014, http://www.iiconsortium.org/about-us.htm.

Submetido em: 24-11-2016

Aceito em:12-12-2016