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    177DOI: 10.5433/1980-511X.2013v8n1p177

    * Delegado da Polcia Civildo Mato Grosso e professoruniversitrio. Especializan-do em Direito Penal e Pro-cessual Penal pela Universi-dade Gama Fi lho. E-mail :

    [email protected]

    Inefetividade do Sistema Criminaldiante dos Crimes de Colarinho

    Branco: Desvirtuamento da Teoria

    do GarantismoINEFFECTIVENESSOFTHECRIMINALJUSTICE

    SYSTEMAGAINSTTHEWHITE-COLLARCRIME:DISTORTIONOFTHETHEORYGUARANTEEISM

    Henrique Hoffmann Monteiro de Castro *

    Resumo: Tenciona-se ventilar no presente estudo o

    desvirtuamento da teoria do garantismo no prlio aos crimes decolarinho branco. Tendo em vista que a infiltrao dacriminalidade na empresa privada legalmente constituda ummale contemporneo, so investigadas possveis armas decombate ao crime moderno de modo eficaz. No sendo suficientesos instrumentos hodiernamente adotados, outrora aptos a vencera criminalidade tradicional, surge a necessidade de examinar aquesto mais detidamente. Para tanto, diferencia-se acriminalidade econmica da criminalidade de massa, conceitua-se os crimes de escritrio e discute-se o desvirtuamento dateoria do garantismo para, ao final, esboar-se algumas

    concluses.

    Palavras-chave: Crimes de colarinho branco, inefetividade dosistema criminal, criminalidade moderna, teoria do garantismo,ponderao de princpios.

    Abstract: Will be airing in the present study the distortion ofthe theory of guaranteeism in the fight against white collarcrimes. Considering that the criminal infiltration in legallyconstituted private company is a contemporary male, itinvestigates possible weapons to fight modern crime effectively.

    Not being enough instruments adopted in our times, once ableto win the traditional crime, there is a need to examine the issuemore closely. For this, it differs from the economic crime ofmass crime, considers itself the crimes of office and discussesthe distortion of the theory of guaranteeism for in the end,draw some conclusions.

    Keywords: White collar crime, ineffectiveness of the criminalsystem, modern crime, theory of guaranteeism, weightingprinciples.

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    INTRODUO

    Tenciona-se ventilar no presente estudo o desvirtuamento da teoriado garantismo no prlio aos crimes de colarinho branco.

    Trata-se de tema que alberga tenso evidente entre princpiosconstitucionais no mbito da defesa dos bens jurdicos coletivos, de um flanco,e o respeito s garantias penais e processuais penais individuais do cidado,de outro lado.

    O debate desse assunto vem a calhar tendo em vista que sua relevnciano se esgota na sua inquestionvel relevncia terica, medida quevivenciamos um contexto no qual crimes de colarinho branco se avolumamno meio empresarial brasileiro, gerando consequncias prticas

    catastrficas.A infiltrao da criminalidade na empresa privada legalmente

    constituda um male contemporneo que precisa ser combatido com armaseficazes. No parecendo suficientes os instrumentos hodiernamente adotados,outrora aptos a vencer a criminalidade tradicional, surge a necessidade deexaminar a questo mais a fundo.

    Essa problemtica, que no se restringe ao mundo jurdico, possuindopontos de contato com os mbitos social, econmico e poltico, merece ser

    debatida de modo a vislumbrar solues minimamente eficazes, tendo emvista o risco que oferece vida democrtica de um pas (MONTOYA,2007, p.71-72).

    Nessa esfera de entendimento, pretender-se- (a) diferenciar acriminalidade econmica da criminalidade de massa (HASSEMER, 1993,p.61-81), (b) formar um conceito de crimes de colarinho branco, (c) discutiro desvirtuamento da teoria do garantismo e, ao final, (d) chegar a algumasconcluses sobre a matria.

    Para tanto, procurar-se- empreender uma abordagem diferente dausual e cmoda que, salvo raras excees, incentiva a aplicao deferramentas antigas para problemas novos, sendo suficientes para resolveros crimes praticados pelos famigerados Tcio, Caio e Mvio, pormimpotentes para sanar os males causados pela nova criminalidade.

    Outrossim, o que se busca analisar os dispositivos legais eentendimentos doutrinrios e jurisprudenciais atualmente utilizados natemtica do crime contemporneo, constatar seus problemas e esboar

    possveis solues mais eficazes.

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    1 DELINQUNCIA DE COLARINHO BRANCO

    1.1 Criminalidade tradicional e criminalidade moderna

    Em tempos passados, o Direito Penal servia quase que unicamente parareprimir as investidas contra o patrimnio privado. Com o passar do tempo,demonstrou-se a existncia de uma criminalidade invisvel e de alto potenciallesivo, com o envolvimento de agentes de classe econmica elevada. Nasociedade atual, complexa e permeada por riscos diversos, a criminalidadepassou e continua passando por uma transformao considervel com osurgimento de novas espcies de crimes e pela mudana no modus operandi decrimes j existentes (MIRANDA, 2008, p.459-503).

    Um sem nmero de mudanas vem ocorrendo, principalmente nesseincio de sculo, impondo uma mudana de paradigma nas Cincias Criminais.No obstante o surgimento de novos tipos de conflitos de interesses, notadamenteem razo revoluo tecnocientfica e da globalizao, muitos fecham os olhos ese recusam a pensar em alternativas face a essa nova criminalidade,alimentando a crena de que suficiente que o Direito Penal e o DireitoProcessual Penal permaneam os mesmos (SILVA, 2006, p.296).

    Um aspecto negativo que envolve os crimes de colarinho branco o fato

    de terem sido historicamente ignorados pelas estatsticas oficiais. Isso porque,em geral, no eram alvo da persecuo criminal, tendo em vista que asinvestigaes penais se restringiam criminalidade aparente, no alcanando acriminalidade de escritrio. Havia um vasto leque de infraes penais as quais,em que pese a lesividade social que geravam, no eram abraadas pelo braopunitivo do Estado, formando a cifra negra da criminalidade.

    Dvidas no existem que a consumao de crimes violentos, a exemplodo latrocnio, no qual a vtima perde a vida, produz um considervel impacto

    negativo na sociedade, acarretando grande repercusso social. Entretanto, oscrimes de colarinho branco causam um prejuzo social imensamente maior, aominguar os recursos econmicos do Estado. Por conta deles, so inmeras ascrianas que morrem desnutridas, os jovens que sepultam a carreira por carnciade estudo e os adultos que perambulam sem rumo pela falta de emprego(SARLET, 2004).

    Os danos que os crimes de colarinho branco provocam na sociedade soimensurveis, uma vez que os agentes, atuando em grande parte das vezes por

    meio de organizaes criminosas, no s dilapidam o patrimnio pblico, como

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    tambm corroem a honestidade pblica para alcanar o desiderato ilcito(NUCCI, 2010, p.283).

    A criminalidade moderna produz efeitos deletrios para a sociedade,

    atacando bens jurdicos pertencentes no apenas a uma vtima tomadaisoladamente, mas sim a toda a coletividade, impedindo a devidaconcretizao das prestaes sociais que incumbem ao Estado e solapandoa consecuo da justia social (CARVALHO, 1992, p.92).

    no mnimo incoerente o fato de no reverberar na populao aprtica diria de tais delitos. O povo parece no associar o cometimento deinfraes penais econmicas essas mazelas sociais. Contribui para essapercepo distorcida a parca visibilidade dos crimes de colarinho branco

    em comparao aos crimes comuns, pois enquanto as infraes dos menosfavorecidos so visveis nos locais pblicos, os criminosos de colarinho brancopraticam seus delitos s escuras, no conforto de seus escritrios e a salvoda polcia ostensiva (THOMPSON, 2007, p.61).

    Trata-se de crimes cuja identificao difcil, porquanto so preparadospor criminosos sofisticados, aptos a utilizarem artifcios variados com odesiderato de esconder suas atividades, como, por exemplo, a multiplicidadede transaes financeiras.

    Interessante mencionar tambm o fato desses delitos dificilmentedeixarem vestgios materiais, impedindo a priso em flagrante (art. 302 doCPP) de criminosos dessa estirpe.

    1.2 Conceito de crimes de colarinho branco

    O termo crime de colarinho branco (white collor crime) surgiu nadcada de 1930, no contexto de estudos visando desmoronar a ideia ento

    dominante de que a criminalidade deriva majoritariamente de pessoasprovenientes das classes sociais menos abastadas (SUTHERLAND, 1940).Crimes de colarinho branco consistem nas infraes penais

    perpetradas por meio de violao de confiana e afronta a bens jurdicospertencentes coletividade, por pessoa de elevado status e respeitabilidade,em geral no exerccio de atividades empresariais e no mbito de organizaescriminosas. Em regra, essa espcie de criminoso busca, em vez de ataquesao patrimnio individual, agresses ao patrimnio pblico e sem o uso de

    violncia real tambm denominada vis absoluta (CASTRO, 1979).

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    Nessa esteira, vrios so os termos utilizados, de forma indistinta,para denominar aquelas infraes penais, a exemplo de: a) crimes decolarinho branco; b) crimes de palet e gravata; c) crimes de escritrio; d)alta criminalidade; e) criminalidade moderna; f) crimes financeiros; g) crimeseconmicos.

    Para alguns, o crime de colarinho branco deve ser conceituadorestritivamente, consistindo nas infraes penais cuja objetividade jurdicaresida na ordem econmica, em bem jurdico supraindividual, que se expresseno funcionamento regular do processo econmico de produo, circulaoe consumo de riquezas (FRAGOSO, 1982, p.122-129).

    Outra parcela da doutrina, a seu turno, adota um conceito amplo,entendendo a criminalidade de colarinho branco no apenas as violaes

    ordem financeira e econmica, mas tambm a qualquer outro bem jurdico(como administrao pblica e integridade fsica), bastando que o autor ajano mbito de uma empresa prevalecendo-se de seu status social privilegiado(BOULLANGER, 2002, p.31).

    Com o devido respeito corrente contrria, razo assiste aosestudiosos que se valem do conceito amplo. Assim, os crimes de colarinhobranco abrangem principalmente os seguintes crimes: a) crimes contra aeconomia popular (Lei 1.521/51); b) crimes contra o mercado de capitais

    (Lei 6.385/76); c) crimes financeiros (Lei 7.492/86); d) crimes contra oconsumidor (Lei 8.078/90); e) crimes econmicos, tributrios e contra asrelaes de consumo (Lei 8.137/90); f) crimes contra a ordem econmica(Lei 8.176/91); g) crimes de licitaes (Lei 8.666/93); h) crimes ambientais(Lei 9.605/98); i) crimes de lavagem de capitais (Lei 9.613/98); j) crimesfalimentares (Lei 11.101/05).

    Alguns autores vinculam os criminosos de colarinho branco ao crimeorganizado, na medida em que definem a criminalidade organizada como

    organismo ou empresa cujo objetivo seja a prtica de crimes de qualquernatureza (MENDRONI, 2002, p.10), afirmando que os empresrios do crimecriam corporaes para o cometimento de delitos ou infiltram-se emempresas legtimas para alcanar essas finalidades (MAIA, 1997, p.21-22).

    A criminalidade econmica, entretanto, no est necessariamentevinculada criminalidade organizada, em que pese na maioria das vezesexistir uma organizao criminosa que atue na comisso destes delitos

    (MAIA, 1997, p.21-22).

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    2 DESVIRTUAMENTO DA TEORIA DO GARANTISMO

    A proposta garantista consiste em movimento penal que busca alegitimao da interveno punitiva do Estado por intermdio da observnciaaos princpios basilares do Direito Penal (especialmente o princpio da legalidade),que so considerados normas (assim como as regras). Busca-se minimizar aviolncia e maximizar a liberdade, subordinando a funo punitiva do Estado aorespeito a uma srie de direitos dos cidados (MAIA, 1997, p.21-22).

    Em sua acepo originria (FERRAJOLI, 2006), a teoria do garantismopode ser tomada em diferentes perspectivas: a) modelo normativo de Direito;b) teoria jurdica de validade; c) filosofia poltica. Esses trs significados culminamnum paradigma garantista de Direito Penal e Processual Penal que, em ltima

    anlise, forma um escudo protetor do indivduo contra a hipertrofia do poderpunitivo do Estado.O garantismo prega o respeito inafastvel aos princpios implcitos e

    explcitos do Direito Penal, tais como exclusiva proteo a bens jurdicos,subsidiariedade, fragmentariedade, insignificncia, adequao social eofensividade. Defende em especial a reverncia ao princpio da legalidade e aseus subprincpios (lei estrita, anterior, escrita, certa e necessria).

    No h dvidas que essa base principiolgica forma o ncleo protetivodo cidado, blindando-o contra qualquer persecuo penal indevida do Estado.

    Conquanto traduza doutrina essencial evoluo das Cincias Criminais, ateoria do garantismo vem sendo desvirtuada por parcela dos estudiosos, comose seu nico significado fosse a descriminalizao de condutas e a atribuiode garantias mximas ao ru, ganhando ares de panaceia defensiva (FREITAS,2002, p.7).

    preciso lembrar que o Direito Penal garantista no perde sua funode direcionar seus holofotes para a tutela de bens fundamentais, o que sugerenecessariamente uma maior penalizao dos comportamentos que ainda noso adequadamente proibidos (FREITAS, 2002, p.7). Nesse sentido (JARDIM,2002, p.309-310):

    preciso combater-se, em todas as frentes, a viso liberal-individualistade que o cidado deve opor-se ao Estado, como se este no existisse justamentepara realizao do bem comum. Certo que, historicamente, temos presenciadomuitos desvios neste desiderato, nada obstante, em assim ocorrendo, cabedemocratizar o Estado e no combat-lo como se fosse um inimigo comum. Narealidade, justamente a progressiva interveno estatal na vida social que temimpedido que as desigualdades de classes tornem ainda mais opressora a ordem

    econmica vigente nos pases do Terceiro Mundo.

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    Os que pregam a aplicao de um garantismo enviesado se esquecemde que o princpio da proporcionalidade em mbito penal veda no apenas oexcesso, mas tambm a insuficincia quando o assunto a proteo de bensjurdicos. Isso porque se trata de princpio que possui via dupla, isto , tanto um

    ato estatal arbitrrio quanto um ato estatal deficiente na proteo a bens jurdicosviolam a norma.

    O que se pretende com a discusso no um atacar injustamente omodelo garantista de Direito Penal, mas to somente promover um processo dedessacralizao dessa teoria que tanto beneficia a sociedade. A propostagarantista deve deixar de ser enxergada sob uma viso monocular e passar aser vista em sua integralidade, por meio de uma releitura ampliativa, atingindo-se um garantismo integral (CALABRICH, FISCHER E PELELLA, 2010, p.48).

    CONCLUSO

    Da apreciao das ideias encadeadas, parece razovel concluir que oatual sistema criminal de combate aos crimes de colarinho branco toma emmau sentido a teoria garantista.

    Como visto, a legislao institui (e muitas vezes a doutrina e ajurisprudncia ampliam) vantagens incompatveis com a busca de uma sociedadepacfica. Tais benefcios por vezes so dirigidos para determinado grupo de

    pessoas, excluindo outros setores (CARVALHO, 2008, p.81).A insistncia em no se combater suficientemente os crimes de colarinhobranco, por violar frontalmente a Constituio Federal, merece ser corrigidavia controle (concentrado ou difuso) de constitucionalidade. No nos enganemos:a criminalidade econmica uma ameaa sria a aos alicerces de qualquersociedade organizada (ANDRADE e DIAS, 1998, p.319-416).

    de clareza solar que no basta a utilizao de instrumentos moldadospara combater a criminalidade de massa para dissipar os crimes de colarinhobranco. Torna-se imprescindvel elaborar e aplicar uma legislao diferenciada,verdadeiramente apta a fazer cessar o ciclo de impunidade que vigora no Brasilatual. Caso a inteno seja obter resultados eficazes na represso altadelinquncia, preciso adequar a legislao penal e processual penal (PRADO,2009, p.370).

    Contra a adoo de medidas suficientes persecuo penal doscriminosos de terno, comum se lanar mo de argumentos ad absurdum, nosentido de que a implementao de medidas mais rgidas no combate ao crimede colarinho branco significaria a instituio de um Estado Policial, Estado de

    Terror, Estado de Exceo ou Estado Nazista.

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    As medidas suficientes a combater de forma eficaz a modernacriminalidade que aqui se defende no traduzem a aplicao de um direito penaldo inimigo (JAKOBS, 2003), estando mais relacionada incidncia de um direitopenal de terceira velocidade (SANCHEZ, 2002). Em linhas gerais, cuida-senada mais do que o respeito Carta Magna atravs do correto emprego dosprincpios da proporcionalidade e da isonomia, hbeis a proteger suficientementeos bens jurdicos mais caros sociedade, e do entendimento integral da teoriado garantismo. Se de um lado ingnua a crena de que o asseveramento daspunies resolver o problema da prtica de delitos, de outro certo que aimpunidade somente tem a contribuir com o recrudescimento da criminalidade(ARAJO, 2010, p.108).

    O exerccio de direitos fundamentais no pode ser abusivo ao ponto de

    proteger prticas criminosas cometidas em prejuzo de valores essenciais coletividade. Quem paga o preo pela recusa de se perceber essa obviedade a sociedade. Insistir em interpretaes jurdicas desvinculadas com a necessidadede estipular limites convivncia social s pode culminar com a inoperosidadedo Direito (ARAJO, 2010, p.65). Nunca demais lembrar que quando oDireito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito.

    A prevalecer entendimento contrrio, que representa verdadeirahipertrofia dos referidos princpios, para combater a criminalidade do sculo

    XXI, continuaremos a utilizar a filosofia de soberania do sculo XVII, reforadapor um modelo judicirio do sculo XVIII, com um combate ao crime do sculoXIX e uso da tecnologia do sculo XX (ROBINSON, 2001, p.19).

    Violadores da lei penal esto em todos os extratos sociais, diferenciando-se mais pelo quantum que amealham do que pelo carter. A escolha do caminhoerrado na peleja contra a alta criminalidade significa um passo largo rumo cleptocracia e far com que a mxima proferida pelo filsofo Anacrsis seconsolide de vez: As leis so como teias de aranha: seguraro os mais fracos

    e os pequenos que se deixaro apanhar, mas sero despedaadas pelos fortese poderosos (PLUTARCO, 1991, p.174).

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    Recebido em: 15/03/2012Aprovado para publicao em: 02/04/2013

    Como citar: CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Inefitividade do SistemaCriminal diante dos Crimes de Colarinho Branco: desvirtuamento da Teoria doGarantismo. Revista do Direito Pblico, Londrina, v.8, n.1, p.177-188, mai.2013. DOI:

    10.5433/1980-511X.2013v8n1p177.

    HENRIQUEHOFFMANNMONTEIRO DECASTRO

    REVISTA DO DIREITO PBLICO, Londrina, v.8, n.1, p.177-188, jan./abr.2013