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Boletim Informativo Ano 1 Número 3 Junho de 2007 O que eu, enquanto historiador, devo amar? Do nosso ponto de vista, a resposta pode ser dividida em três pos- sibilidades que deveriam ser compatibilizadas ao mesmo tempo, a saber: a mim mesmo, ao próximo e ao mundo. Como as férias se aproximam, enfocaremos a primeira possibilidade. Partimos do pressuposto de que a histó- ria faz parte da vida, porém a vida não é, nem deve ser, apenas feita da e de história. Ora, em mim mesmo, o que eu devo amar? Pensamos que o amor próprio está intima- mente ligado aos cuidados de si. Assim, as perguntas podem ser: como devo cuidar de mim mesmo? O que eu posso fazer nessas férias para cuidar de mim? O que eu posso fazer para me tornar mais justo e humano? Mais sincero e hones- to? Eu cuido do meu corpo e da minha saúde? Como eu devo me divertir? Como aproveitar o tempo sem deixar a preguiça tomar conta? Cremos que pensar sobre questões como essas pode con- tribuir para a construção de uma subjetividade mais humana em As subjetividades do historiador todos nós que procuramos, através das ruínas, traços e rastros recriar o passado. Nesse sentido, vale a pena indicar a leitura de alguns textos de Michel Foucault, como a História da Sexualidade III. Nesse texto, como em outros, o autor retoma a idéia de cuidado de si. Consideramos essa reflexão muito importante para que o futuro professor/pesquisador de história possa pensar sobre sua forma de se situar no mundo. Para o filósofo, é necessário refletir continuamente sobre as formas a partir das quais nos tornamos o que somos no interior de uma relação de forças, que se encontra dentro de nós mesmos, cujo produto é a constituição de um eu através da experiência de si. O cuidado de si é, portanto, “um certo número de operações sobre a sua alma, pensamentos, condutas, ou qualquer forma de ser, obtendo assim uma transformação de si mesmo”. Nesse sentido, cuidar de si pode ser uma possibilidade de construirmos com amor, num processo dialético, a tão propaga- da autonomia em nós mesmos, como educadores, em nossos alu- nos e em nosso mundo. A historiografia, ou melhor, os objetos históricos, muitas vezes, parecem peças de roupa numa passarela do São Paulo Fashion Week. O historiador, ou modelo, que expõe a peça ao público ocupa um lugar social destacado que con- fere ao produto, no caso o texto histórico, certa credibilida- de. O problema surge quando, por trás de frases enfáticas, um tema torna-se a maneira de o intelectual dizer alguma coisa apenas para estar no palco. A escrita da história deixa de redimir a humanidade para se transformar em holofote que ilumina o currículo lattes. Em dezembro de 2004, José Murilo de Carvalho publicou um artigo em que afirmava: está em andamento no Brasil uma tentativa de genocídio racial perpetrado com a arma da estatísti- ca. A campanha é liderada por ativistas do movimento negro, sociólo- gos, economistas, demógrafos, organizações não-governamentais, órgãos federais de pesquisa. A tática é muito simples. O IBGE decidiu, desde 1940, que o Brasil se divide racialmente em pretos, brancos, pardos, amarelos e indígenas. Os genocidas somam pretos e pardos e decretam que todos são negros, afro-descendentes. Pronto. De uma penada, ou de uma somada, excluem do mapa demográfico brasileiro toda a população descendente de indígenas, todos os caboclos e curibocas. Tratava-se de um artigo pequeno e imaginei, naquela época, que poderia ser uma resposta à provocações ou coisa do gênero; afinal, José Murilo nunca foi um pesquisador voltado para esse tipo de tema. Mas, no início deste semestre, o texto foi revisado, ampliado e publicado novamente. Ao que parece, o historiador acredita mesmo que o debate a respeito das cotas, do racismo e da inclusão social são uma forma de dividir o país em “preto” e “branco” – como ele mesmo diz. Munido de um levantamento histórico sobre estatísticas e cen- sos, o autor observa o debate sobre o preconceito racial presente no Brasil como uma tentativa oficial de eliminar a diversidade. No entan- to, a minha indignação não se refere à forma deturpada como o autor vê a questão racial – principalmente porque acredito que o mesmo não tenha muito a contribuir para o assunto – mas, o uso inconse- qüente da expressão genocídio racial. Ficaria feliz se pudesse enten- der o que ele quis dizer com ela. Trata-se de pensar que um historiador A raça está na moda, ou pelo menos, o debate sobre ela com a sua trajetória deve conhecer minimamente as práticas de discri- minação e extermínio que o mundo já viveu – note-se que não estou me referindo apenas aos negros – e que podemos observar todos os dias nas páginas de jornal. Aceitaria a discussão, com muitas reticências, interrogações e aspas, se ela fosse de natureza cultural, ou seja, se tivesse escrito sobre o genocídio de culturas, identidades ou práticas sociais. Mas tomá-la como “racial” significa dizer que alguns dados estão assassi- nando raças inteiras (lembrando o holocausto judeu) em favor de outras. Primeiro: acho inconveniente imaginar que números do IBGE matem pessoas. Segundo: se a raça favorecida é a negra, a mesma não deveria ser vista como discriminada. É uma incoerência pensar que um grupo excluído tem poder político suficiente para reordenar as práticas de um país e, ainda, promover um genocídio com direito a debate. Terceiro: eu não entendo o que José Murilo chama de raça, pois as políticas de educação indígena, preservação e valorização de sua cultura já existem há um bom tempo e não houve tanto alarde por parte dos intelectuais, nem mesmo do autor em questão. O problema está no fato de o assunto incluir a população negra e afro-descendente. Em outras palavras, índios, amarelos e brancos não causam nenhum problema ou geram debate, mas negros sim. Por quê? O que há de prejudicial em criar formas de incluir uma popula- ção? Não seria melhor pensar a questão das cotas, o debate racial e a valorização de práticas afro-brasileiras como mecanismo de ampliar a cena política, recuperar a dignidade de indivíduos há muito excluídos e fortalecer a cidadania através do interesse que esses temas têm gerado e a relação que os mesmos têm com os negócios públicos? Talvez, fosse mais produtivo discutir o assunto com toda a seriedade que o mesmo merece, sem frases de efeito e números que enfeitam, mas não contribuem. Não podemos pensar no tema simplesmente porque existe a Lei 10.639 e virou moda. Os seres humanos devem usar e fazer moda, não devem ser pensados como moda, pois corre- mos o risco de, na próxima temporada, transformá-los em lixo. Ana Mónica Henriques Lopes Professora do curso de História editorial artigo

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Boletim Informativo Ano 1 Número 3 Junho de 2007

O que eu, enquanto historiador, devo amar? Do nossoponto de vista, a resposta pode ser dividida em três pos-sibilidades que deveriam ser compatibilizadas ao mesmotempo, a saber: a mim mesmo, ao próximo e ao mundo.Como as férias se aproximam, enfocaremos a primeirapossibilidade. Partimos do pressuposto de que a histó-ria faz parte da vida, porém a vida não é, nem deve ser,apenas feita da e de história. Ora, em mim mesmo, o queeu devo amar? Pensamos que o amor próprio está intima-mente ligado aos cuidados de si. Assim, as perguntaspodem ser: como devo cuidar de mim mesmo? O que eu

posso fazer nessas férias para cuidar de mim? O que eu possofazer para me tornar mais justo e humano? Mais sincero e hones-to? Eu cuido do meu corpo e da minha saúde? Como eu devo medivertir? Como aproveitar o tempo sem deixar a preguiça tomarconta? Cremos que pensar sobre questões como essas pode con-tribuir para a construção de uma subjetividade mais humana em

As subjetividades do historiador

todos nós que procuramos, através das ruínas, traços e rastrosrecriar o passado. Nesse sentido, vale a pena indicar a leitura dealguns textos de Michel Foucault, como a História da SexualidadeIII. Nesse texto, como em outros, o autor retoma a idéia de cuidadode si. Consideramos essa reflexão muito importante para que ofuturo professor/pesquisador de história possa pensar sobre suaforma de se situar no mundo. Para o filósofo, é necessário refletircontinuamente sobre as formas a partir das quais nos tornamos oque somos no interior de uma relação de forças, que se encontradentro de nós mesmos, cujo produto é a constituição de um euatravés da experiência de si. O cuidado de si é, portanto, “um certonúmero de operações sobre a sua alma, pensamentos, condutas,ou qualquer forma de ser, obtendo assim uma transformação de simesmo”. Nesse sentido, cuidar de si pode ser uma possibilidadede construirmos com amor, num processo dialético, a tão propaga-da autonomia em nós mesmos, como educadores, em nossos alu-nos e em nosso mundo.

A historiografia, ou melhor, os objetos históricos, muitasvezes, parecem peças de roupa numa passarela do SãoPaulo Fashion Week. O historiador, ou modelo, que expõe apeça ao público ocupa um lugar social destacado que con-fere ao produto, no caso o texto histórico, certa credibilida-de. O problema surge quando, por trás de frases enfáticas,um tema torna-se a maneira de o intelectual dizer algumacoisa apenas para estar no palco. A escrita da história deixa

de redimir a humanidade para se transformar em holofote que iluminao currículo lattes. Em dezembro de 2004, José Murilo de Carvalhopublicou um artigo em que afirmava: está em andamento no Brasiluma tentativa de genocídio racial perpetrado com a arma da estatísti-ca. A campanha é liderada por ativistas do movimento negro, sociólo-gos, economistas, demógrafos, organizações não-governamentais,órgãos federais de pesquisa. A tática é muito simples. O IBGE decidiu,desde 1940, que o Brasil se divide racialmente em pretos, brancos,pardos, amarelos e indígenas. Os genocidas somam pretos e pardos edecretam que todos são negros, afro-descendentes. Pronto. De umapenada, ou de uma somada, excluem do mapa demográfico brasileirotoda a população descendente de indígenas, todos os caboclos ecuribocas.

Tratava-se de um artigo pequeno e imaginei, naquela época, quepoderia ser uma resposta à provocações ou coisa do gênero; afinal,José Murilo nunca foi um pesquisador voltado para esse tipo detema. Mas, no início deste semestre, o texto foi revisado, ampliado epublicado novamente. Ao que parece, o historiador acredita mesmoque o debate a respeito das cotas, do racismo e da inclusão social sãouma forma de dividir o país em “preto” e “branco” – como ele mesmodiz. Munido de um levantamento histórico sobre estatísticas e cen-sos, o autor observa o debate sobre o preconceito racial presente noBrasil como uma tentativa oficial de eliminar a diversidade. No entan-to, a minha indignação não se refere à forma deturpada como o autorvê a questão racial – principalmente porque acredito que o mesmonão tenha muito a contribuir para o assunto – mas, o uso inconse-qüente da expressão genocídio racial. Ficaria feliz se pudesse enten-der o que ele quis dizer com ela. Trata-se de pensar que um historiador

A raça está na moda, ou pelo menos, o debate sobre ela

com a sua trajetória deve conhecer minimamente as práticas de discri-minação e extermínio que o mundo já viveu – note-se que não estoume referindo apenas aos negros – e que podemos observar todos osdias nas páginas de jornal.

Aceitaria a discussão, com muitas reticências, interrogações easpas, se ela fosse de natureza cultural, ou seja, se tivesse escritosobre o genocídio de culturas, identidades ou práticas sociais. Mastomá-la como “racial” significa dizer que alguns dados estão assassi-nando raças inteiras (lembrando o holocausto judeu) em favor deoutras. Primeiro: acho inconveniente imaginar que números do IBGEmatem pessoas. Segundo: se a raça favorecida é a negra, a mesma nãodeveria ser vista como discriminada. É uma incoerência pensar queum grupo excluído tem poder político suficiente para reordenar aspráticas de um país e, ainda, promover um genocídio com direito adebate. Terceiro: eu não entendo o que José Murilo chama de raça,pois as políticas de educação indígena, preservação e valorização desua cultura já existem há um bom tempo e não houve tanto alarde porparte dos intelectuais, nem mesmo do autor em questão.

O problema está no fato de o assunto incluir a população negra eafro-descendente. Em outras palavras, índios, amarelos e brancosnão causam nenhum problema ou geram debate, mas negros sim. Porquê? O que há de prejudicial em criar formas de incluir uma popula-ção? Não seria melhor pensar a questão das cotas, o debate racial e avalorização de práticas afro-brasileiras como mecanismo de ampliar acena política, recuperar a dignidade de indivíduos há muito excluídose fortalecer a cidadania através do interesse que esses temas têmgerado e a relação que os mesmos têm com os negócios públicos?Talvez, fosse mais produtivo discutir o assunto com toda a seriedadeque o mesmo merece, sem frases de efeito e números que enfeitam,mas não contribuem. Não podemos pensar no tema simplesmenteporque existe a Lei 10.639 e virou moda. Os seres humanos devemusar e fazer moda, não devem ser pensados como moda, pois corre-mos o risco de, na próxima temporada, transformá-los em lixo.

Ana Mónica Henriques LopesProfessora do curso de História

editorial

artigo

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Boletim Informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 1 – Número 3 – Junho de 2007 – Editores destenúmero: Leandro Pena Catão e Mateus Henrique de Faria. Contribuição: AnaMónica Henriques Lopes, Flávia Lemos Mota de Azevedo e Miriam Hermetode Sá Motta. Diagramação e revisão: Assessoria de Comunicação da FUNEDI/UEMG.. Contatos: [email protected], (37) 3229-3585 – Av. Paraná, 3.001,bairro Jardim Belverdere, Divinópolis (MG), CEP 35501-170.

expediente

O encontro se realizará em Natal, RioGrande do Norte entre os dias 10 e 13de outubro de 2007, dando seguimentoao trabalho realizado nas edições ante-riores e consolidando um espaço impor-tante de reflexão, discussão e articula-ção entre professores dos diversos ní-veis de ensino dentro da área de ensinode História no Brasil. Tendo em vista a

No mês de junho, o curso de Históriarealizou duas visitas técnicas – OuroPreto e Belo Horizonte – nas quais osalunos tiveram a oportunidade de co-nhecer algumas instituições de memó-ria e patrimônio.

A visita a Ouro Preto foi uma ativi-dade complementar proposta pelos alu-nos do 3º período que, para o planeja-mento da atividade, contaram os pro-fessores Flávia Lemos Mota de Aze-vedo, Ana Mónica Henriques Lopes eLeandro Pena Catão. Durante a visita,percorrem o seguinte itinerário de insti-tuições de memória e patrimônio: Mu-

Simpósio Internacional“Livro didático:

educação e História”

Evento organizado pelo Centrode Memória da Faculdade deEducação da USP – CMEUSP,por intermédio do grupo de pes-

quisadores do Projeto Temático Educa-ção e memória: organização de acer-vos de livros didáticos. Será realizadona Faculdade de Educação da USP –Cidade Universitária de São Paulo, en-tre 5 e 9 de outubro de 2007.Site oficial: http://paje.fe.usp.br/estrutu-ra/eventos/livres/

Seminário Nacional deHistória da

Historiografia – UFOP

O evento de 2007 abordará, especifi-camente, a relação entre a formaçãoda historiografia brasileira e a moderni-dade, com o objetivo de reunir pesqui-sadores que têm contribuído de modosignificativo para o esclarecimento des-ses dois fenômenos, permitindo a com-paração de abordagens, resultados, emétodos. As inscrições de trabalho es-tão abertas até o dia 29 de junho de2007. Mais informações pelo sitewww.ichs.ufop.br/seminariodehistoria.

Prêmio Jovem Cientista

Estão abertas até 30 de novembro asinscrições para a 23ª edição PrêmioJovem Cientista, que este ano terá otema “Educação para reduzir as desi-gualdades sociais”. Mais informações:http://portal. cnpq.br.

seu do Oratório, Casa dos Contos, Mu-seu do Pilar e Museu Aleijadinho e asIgrejas Matriz N. Sra. do Pilar, N. Sra.do Rosário e São Francisco de Assis.Foi proposto, também, que os alunos queobservassem a estrutura do TurismoCultural e refletissem sobre a interaçãoentre Turismo e propostas de preserva-ção do patrimônio, bem como sobre asformas de atuação do historiador nessecampo. Na visita a Belo Horizonte, pla-nejada pelos professores Miriam Her-meto e Adalson Nascimento para osalunos do 7º período, no rol de ativida-des de formação docente, os alunos vi-

sitaram o Museu Histórico Abílio Bar-reto, o Museu de Artes e Ofícios e oArquivo Público da Cidade de BeloHorizonte. Recebidos por técnicos dasinstituições, os alunos conheceram osacervos, a forma de gestão e organiza-ção desses, bem como as estratégiasde educação patrimonial elaboradas eutilizadas em cada uma delas.

Estas visitas são importantes e pro-fícuas na medida em que possibilitamos alunos vislumbrarem outros camposde atuação profissional, além da docên-cia, assim como perceberem diferentespropostas de Patrimônio Cultural.

Visitas técnicas do curso de História

IX Ciclo de Estudos Antigos eMedievais – UNESP/França

Os Ciclos de Estudos Antigos e Medie-vais vêm sendo realizados anualmentena cidade de Assis, a fim de divulgar ostrabalhos desenvolvidos pelo Núcleo deEstudos Antigos e Medievais (NEAM),criado na Universidade Estadual Pau-lista (UNESP) da mesma cidade, em1985.

O tema proposto deste IX Ceam, in-titulado Formas de pensar na Antigüi-dade e na Idade Média, abrange as maisrecentes pesquisas sobre como se pen-sa a Antigüidade e a Idade Média nacontemporaneidade. As inscrições detrabalho estão abertas até o dia 30 dejulho de 2007. Mais informações pelosite www.franca.unesp.br/ceam.

VI Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História

aproximação dos três níveis de ensinoem torno das discussões que envolvemo ensino de História como campo depesquisa e como prática de trabalho emsala de aula, o tema do VI EncontroNacional Perspectiva do Ensino de His-tória será “História: múltiplos ensinos emmúltiplos espaços”. Mais informaçõespelo site www.cchla.ufrn.br/anpuhrn/

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