Informação e comunicação em habermas e luhmann

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INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NAS TEORIAS DE J. HABERMAS E N.

LUHMANN

Flavio Beno Siebeneichler

PREÂMABULO

a) Hipótese de trabalho.

Os conceitos de comunicação, informação e

intersubjetividade constituem divisores de águas en tre as

teorias de NL e JH. Mesmo assim, e, inclusive, devi do à

distância que separa os dois projetos teóricos, ele s podem

ser tomados como perspectivas teóricas extremamente úteis

para uma melhor compreensão do homem e da sociedade atual.

b) Observações prévias:

Observação nº1: Apesar da importância e da centr alidade

da noção de agir comunicativo e de questões referentes á

comunicação , a teoria habermasiana não contem uma teoria

abrangente sobre a comunicação nem sobre a informação . Ao

vasculhar a multifacetada obra do autor eu encontre i um

único texto explícito sobre comunicação em geral, d e 24

páginas, o qual foi escrito em 1989 e publicado em 1991 na

obra Textos e contextos . E mesmo assim, esse texto versa

sobre a comunicação em Charles S. S. Peirce, que é

naturalmente uma das fontes do pensamento habermasi ano.

Ante tal constatação, considerei de bom alvitre

apresentar as questões envolvendo a comunicação, em

Habermas, tomando, como uma folha de contraste, a t eoria de

sistemas sociais auto-referenciais, de Niklas Luhma nn, que

está construída sobre uma explícita teoria da comun icação.

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Observação nº2: Uma análise de textos representa tivos

dos dois autores revela que nem um nem outro preten deram

elaborar uma teoria da informação. Esta é sempre ab ordada

como parte integrante da comunicação. Por esta razã o,

adotarei, aqui, o mesmo procedimento: a informação será

abordada pelo viés da comunicação.

Observação nº 3: Fica patente que ambos possuem, apesar

das divergências, pontos teóricos em comum. A própr ia

Teoria do agir comunicativo , habermasiana, apesar de sua

declarada oposição ao funcionalismo luhmanniano, la nça mão

de motivos de pensamento sistêmicos, como é o caso, por

exemplo, da figura da dupla contingência.

Observação nº4: Para melhor compreensão do nosso

tema, julgo adequado referir, antes de entrar na te oria da

comunicação propriamente dita, e ainda que de modo sumário,

as principais divergências e os pontos comuns aos d ois

pensadores.

1. PONTOS EM COMUM E DIVERGÊNCIAS ENTRE OS PROJETOS

TEÓRICOS DE NL E JH.

Em primeiro lugar, pode-se observar que a teo ria da

diferenciação de sistemas sociais, delineada por Ni klas

Luhmann numa radical perspectiva funcionalista e a teoria

do agir comunicativo, de J. Habermas, analítica e, ao mesmo

tempo, hermenêutica, constituem exemplos (privilegi ados) e

contrapostos de tentativas racionais elaboradas com o

intuito de enfrentar os grandes problemas que preoc upam a

humanidade e a sociedade atual em geral.

Cumpre observar, outrossim, o nível de aborda gem no

qual ambos se situam, uma vez que tanto Jürgen Habe rmas,

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como Niklas Luhmann, têm que ser interpretados numa dupla

perspectiva, sociológica e filosófica. E tal exigên cia não

deriva apenas do fato de ambos terem sido contempla dos com

o “Prêmio Hegel”, conferido pela Sociedade Hegelian a a

pensadores e filósofos cujas obras merecem destaque no

mundo de hoje pela capacidade de traduzirem a sua é poca em

pensamentos. Porquanto ambos fundam suas respectiva s

teorias sobre a sociedade, em última instância, na

filosofia.

Ora, a radicalidade de suas concepções filosó ficas

acarreta como conseqüência quase natural uma diverg ência

profunda na maneira de se compreender os princípios e as

funções da filosofia.

1.1. NL: A FILOSOFIA COMO TEORIA DA DIFERENÇA.

No que respeita a N.L, ele consegue atingir o nível

de uma teoria filosófica abstrata que pratica em si mesma o

que recomenda aos outros, isto é, redução de comple xidade.

Ele tem na mira o que ele mesmo designa como planta baixa

( Grundriss ) de uma teoria sociológica universal, cujo

domínio de objetos não consiste mais em fatos socia is

detectáveis em uma observação de primeira ordem, ma s em um

mundo total ( Gesamtwelt ) enquanto referido á diferença:

mundo/sistema/entorno, o que somente pode ser conse guido em

uma observação de segunda ordem.

Enquanto tal, ela segue uma epistemologia natura lista

que não pressupõe mais princípios a priori ou

inquestionáveeis (SS, 12). Ela se autoconcebe como uma

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teoria policêntrica e policontextual que considera o mundo

e a sociedade como acêntricos.

Convem notar, todavia, que a pretensão de univer salidade

da superteoria luhmanniana não equivale a uma prete nsão de

validade única de seu princípio!

Ela abrange três níveis de análise:

Nível dos sistemas

Nível das máquinas, organismos, sistemas sociais, s istemas

psíquicos

Nível das interações, organizações, sociedades (SS, 16)

Ela não pretende ser simples método de análise d a

realidade porquanto parte do pressuposto de que exi stem

sistemas (SS, 30) que se diferenciam de modo funcio nal e

que exige uma observação de segunda ordem. Isso imp lica uma

série de teses bastante questionadas. Cito algumas

( Soziologische Aufklärung SA, 5):

- Os sistemas funcionais da sociedade são autônomos e se

autorregulam.

- Mesmo assim, a sociedade como um todo, isto é, a

sociedade como sociedade mundial não consegue se

autorregular.

- Não existe um centro capaz de servir como ponto d e

referência para orientações práticas na sociedade.

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- A construção da sociedade acontece no modo de um

entrelaçamento recursivo entre observações e descri ções:

“Todo observador moderno vê o que os outros observa dores

vêem; porém, ele também vê o que os outros observad ores não

conseguem ver no momento em que realizam sua observ ação; e

ele também vê que eles não podem ver o que eles não

conseguem ver” (AS, 5).

A questão que se levanta nesse momento é a segui nte:

será que a sociedade, que não possui centro e que n ão

consegue se autorregular, pode, mesmo assim, desenv olver

estados próprios e estáveis?

Luhmann ilustra esse problema lançando mão da fi gura de

um labirinto percorrido por um grupo de ratos:

“Há somente ratos no labirinto, os quais se obser vam

uns aos outros e, por isso, jamais podem chegar a u m

consenso, quando muito, a estruturas sistêmicas. Nã o

existe nenhuma operação de observação que seja

destituída de labirinto ou de contexto. E é evident e

que uma teoria que descreve esse estado de coisas é uma

teoria para ratos. No labirinto, ela pode escolher um

bom lugar para uma observação. Eventualmente ela po de

enxergar mais do que outros, especialmente o que ou tros

não vêem; mesmo assim, ela não pode deixar de ser

observada ” (AS, 6).

Entretanto, o observador solitário luhmanniano i nicia o

seu trabalho observacional no labirinto lançando mã o de uma

diferenciação fundamental ou “basal” que pode ser

considerada como um verdadeiro imperativo categóric o

funcional: beginne mit einer Unterscheidung !

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“Comece a observar através de uma diferenciação” “ Draw a

distinction ” (Georg Spencer Brown) (DWG, 374). E continue

seu trabalho fazendo diferenciações de diferenciaçõ es!

Fica, pois, claro que no início de tudo, isto é, no

observatório situado em um labirinto percorrido por ratos,

está uma diferenciação. Ela pretende realizar reduç ão de

complexidade, mesmo que não consiga reduzir nada, s egundo

NL (DWG, 375). Daí o grande paradoxo da teoria func ional

policêntrica. Trata-se de uma indecisão entre um “d entro” e

um “fora”, entre “e” e “ou”. Por exemplo, a diferen ça

“homem e/ou mulher”. Ela significa que existem amba s as

coisas e que é preciso decidir qual delas escolhemo s como

objeto de observação, como tema, etc.

Isso também significa que o início de nossas obs ervações

é sempre contingente, isto é, ao iniciarmos descobr imos que

haveria a possibilidade de iniciar de outra forma ( DWG,

374).

O imperativo categórico funcional leva NL a subs tituir o

conceito de “razão” pela idéia de um “ operar com o auxílio

de conceitos ”, o qual se processa através de diferenciações

por diferenciações de distinções ao nível de uma ob servação

de segunda ordem, a qual é capaz de observar as obs ervações

e as descrições dos observadores³.

Em consonância com esta visão, Niklas Luhma nn se

auto-entende como um teórico da diferença . Segundo ele, no

início de qualquer tipo de trabalho teórico não dev emos

tentar buscar simplesmente unidade ou coerência, ap enas

diferenças, isto é, diferenciações e diferenciações de

distinções.

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1.2. JÜRGEN HABERMAS: A FILOSOFIA COMO GUARDIÃ E

“SEGURANÇA” DA RACIONALIDADE E COMO INTERPRETE DO

MUNDO DA VIDA.

Já a filosofia de Jürgen Habermas segue um caminho

bastante diverso. Apesar de sua reiterada modéstia pós-

metafísica, ele propõe uma forma de filosofia

revolucionária apoiada em linguagem comum e em

racionalidade comunicativa.

Convem frisar, no entanto, que Habermas, ao

contrário de Niklas Luhmann, não consegue desfazer- se do

conceito de razão nem do conceito de sujeito, apesa r de ele

abandonar o paradigma mentalista da filosofia do su jeito.

Ele considera que a razão, ao contrário do que se afirma

no paradigma mentalista, é essencialmente comunicat iva e

pública. Não uma inteligência que apenas observa, o pera ou

calcula monologicamente:

“Para sabermos se aquilo que fazemos no mundo ou se

nossas representações do mundo são racionais, não t emos

outra saída a não ser a troca ou comunicação públic a (o

discurso) – liberta e libertadora – de argumentos s obre

aquilo que experimentamos, pensamos ou pretendemos

fazer [...]”.

Neste contexto, a filosofia aparece como uma guardiã

ou segurança da racionalidade e como uma intérprete

mediadora e crítica do mundo da vida. (ilustração d e JH?)

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2. OS CONCEITOS DE “COMUNICAÇÃO” E DE “INTERSUBJETI VIDADE”

COMO DIVISORES DE ÁGUAS NAS TEORIAS DE J. HABERMAS E N.

LUHMANN.

2.1. O CONCEITO DE COMUNICAÇÃO

2.1.1. Em linhas bem gerais e sucintas, em

Habermas, a comunicação é definida na linha lingüís tico-

pragmática de uma teoria da interação social ancora da

nos conceitos de subjetividade e de intersubjetividade .

Em segundo lugar, Habermas privilegia as a ções

comunicativas que têm como pano de fundo um horizon te

hermenêutico ou mundo da vida formador de contextos para

processos racionais de entendimento. Tais processos de

entendimento podem desdobrar-se em dois planos: o d a

comunicação trivial ou praxis comunicativa cotidian a, ao

nível do mundo da vida, isenta de questionamentos; e o

plano do discurso argumentativo “comunicação parado xal”

destinado a resgatar pretensões de validade a parti r do

momento em que o conteúdo informativo da atividade

comunicativa é questionado. Trata-se, neste caso, d e uma

comunicação paradoxal. Por isso, a teoria do agir

comunicativo também pode ser caracterizada como uma

teoria discursiva da verdade, da sociedade, da mora l, do

direito, da comunicação, etc.

2.1.2. Ao passo que Niklas Luhmann, de um p onto

de vista bem geral , situa o conceito de comunicação –

que ele define como um operar comunicativo – no

paradigma funcionalista de sistemas auto-referencia is,

onde ela é caracterizada como um processo de seleçõ es de

sentido autônomas, auto-referenciais e fechadas. Ne ste

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contexto, a comunicação é entendida como operação

básica, porém, paradoxal, uma vez que possibilita, de um

lado, aos sistemas manterem seus limites dentro do seu

entorno. No entanto, tal concepção obriga Luhmann a

adotar uma compreensão sui generis da linguagem. Por

isso, ele afirma: mesmo que na “situação básica” ou

“situação basal” os participantes já disponham de u ma

linguagem, a qual contém sempre um fundo semântico, esta

linguagem é isenta de qualquer tipo de implicação

normativa prévia.

2.2. O CONCEITO DE INTERSUBJETIVIDADE.

2.2.1. O CONCEITO DE INTERSUBJETIVIDADE EM HABERMAS

Para compreender adequadamente as implicações de sse

conceito na obra de Jürgen Habermas é necessária,

inicialmente, uma referência à fenomenologia de Edm und

Husserl e, especialmente, à sociologia de Alfred Sc hütz,

um dos seguidores mais importantes desta fenomenolo gia.

Schütz, ao discutir as perspectivas abertas pela te oria

husserliana, bem como os impasses intransponíveis n os

quais ela desembocou, chegou à conclusão de que era

necessário abandonar as tentativas visando fundamen tar a

intersubjetividade pelo caminho de uma redução

fenomenológica.

E ante tal fracasso, a melhor solução seria, se gundo

ele, tomar como um pressuposto o fato de que a

intersubjetividade constitui um problema ineludível

decorrente das características do mundo da vida não

sendo, por esta razão, solucionável por nenhum tipo de

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análise, seja ela, fenomenológica, transcendental,

linguistica ou estrutural. Dito de outra forma, o

conceito de intersubjetividade passa a ser um conceito

paradoxal porquanto ele é, ao mesmo tempo, ineludível

(incontornável) e indemonstrável .

E perante tal fato – o da ineludibilidade e da

indemonstrabilidade - tal conceito abre espaço para duas

abordagens distintas e opostas da intersubjetividad e, a

saber:

a) A intersubjetividade pode ser interpretada

como um “dado último”, evidente a priori , o qual tem a

ver com realizações fundantes de um sujeito que se vê

constrangido a constituir e interpretar o mundo. Es ta é

a posição assumida por Martin Heidegger.

b) Entretanto, a intersubjetividade também

pode ser tida como “resultado intermitente” de uma

relação comunicativa frágil entre um Ego e um Alter , a

qual pode se concretizar por meio de uma comunicaçã o

lingüística.

Jürgen Habermas se decide por esta segunda

possibilidade de interpretação da intersubjetividad e. E

como primeira conseqüência, ele não pode mais tomar como

ponto de partida a idéia de uma subjetividade funda da

apenas nas operações mentais solitárias de um sujei to

que constitui e desoculta monologicamente o mundo. Para

ele, a intersubjetividade é, ao mesmo tempo, pressu posto

e resultado, intermitente, da linguagem comum.

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Desta forma, a intersubjetividade dá origem e

fundamenta o agir comunicativo entre um Alter e um Ego,

que é a base de qualquer processo social.

Convem salientar, no entanto, que Jürgen

Habermas acrescenta um elemento fundamental à visão

fenomenológica da intersubjetividade, dado o fato d e que

ele interpreta esse princípio à luz de um paradigma do

agir comunicativo orientado por entendimento racion al. E

neste paradigma, E go e A lter são tidos na conta de

sujeitos que se socializam e se individuam mediante esse

tipo específico de comunicação lingüística. Isso é

possível porque eles já se encontram previamente em

mundos da vida estruturados lingüisticamente que po dem

ser compartilhados de modo intersubjetivo.7

2.2.2. NIKLAS LUHMANN E A IMPOSSIBILIDADE DA

INTERSUBJETIVIDADE.

Para Niklas Luhmann a intersubjetividade é

impossível, dado o problema da dupla contingência. E

neste contexto a intersubjetividade passa a ser alg o

improvável.

Por isso Luhmann simplesmente abandona o conceit o

tradicional de intersubjetividade, o qual é, no ent anto,

adotado por Habermas.

NL se desfaz desse conceito porque o considera

problemático, um “não-conceito”. Segundo ele, tal

conceito se fundamenta na idéia de que a subjetivid ade e

a intersubjetividade são co-originárias e pressupõe m,

além disso, uma relação dialética entre Ego e Alter .

Ora, argumenta Luhmann, tal dialética apenas reprod uz a

relação de alteridade na perspectiva de uma egoidad e,

isto é, na perspectiva do próprio sujeito.

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Para compreender melhor esse ponto convem elucid ar

o tema da dupla contingência:

2.2.2.1. O TEMA DA DUPLA CONTINGÊNCIA.

O conceito de “dupla contingência” aparece

inicialmente na obra conjunta organizada em 1951 po r

Talcott Parsons e Edward Shills intitulada: Toward a

General Theory of Action (Cambridge, 3-29) (SS 148):

“ Existe uma dupla contingência inerente à

interação. De um lado, as gratificações de Ego são

contingentes em sua seleção de alternativas

disponíveis. De outro lado, porém, a reação de Alte r

será contingente tendo em vista a seleção de Ego e

resultará de uma seleção complementar por parte de

Alter” (148).

Ante a constatação dessa contingência, Parsons

conclui que nenhum tipo de agir pode acontecer caso Alter

coloque seu agir na dependência do modo de agir de Ego e

caso Ego pretenda acoplar seu comportamento ao de A lter

(149).

Segundo luhmann, o problema da dupla contingênci a está

presente de modo virtual sempre que surge um sistem a

psíquico ou uma consciência capaz de experimentar s entido

(151). E esse problema eclode explicitamente quando tal

sistema psíquico se encontra com outro sistema psíq uico ao

qual se atribui sentido, ou com um sistema social. Nesse

caso, o problema da dupla contingência se torna um problema

de comunicação.

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Na seqüência, Luhmann modifica e amplia o conceito da dupla

contingência, tornando-o mais abstrato (152) a pont o de se

configurar como um verdadeiro teorema. Ele passa a

caracterizar algo contingente, isto é, que não é ne cessário

nem impossível, isto é, algo que pode ser (foi, ser á) como

é, mas que também poderia ser de modo diferente (15 2).

Na obra intitulada Sistemas sociais (1987) Luhmann

caracteriza a situação básica da dupla contingência

lançando mão do conceito de “ caixa-preta ” ( black Box ):

“Duas caixas-pretas se encontram casualmente... Cad a

uma determina seu próprio comportamento mediante

operações auto-referenciais altamente complexas no

interior de seus próprios limites [...] ” (156).

(visualização, quadro das caixas pretas)

É possível visualizar nelas redução de complexid ade.

Porquanto cada uma delas pensa que a outra faz o me smo. Por

esta razão, apesar dos esforços e do tempo dispendi do, elas

continuam intransparentes entre si (156).

Entretanto, mesmo quando operam de forma estrita mente

mecânica ou quando operam cegamente, elas conseguem agir

melhor, uma em relação à outra, quando se atribuem

mutuamente determinabilidade em uma diferenciação, isto é,

em uma relação sistema/entorno e quando passam a se

observar a partir desta diferença (156).

Nesta nova perspectiva, as caixas-pretas continu am

separadas e também não se compreendem melhor do que antes.

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Entretanto, elas podem concentrar-se naquilo que ob servam

uma na outra, a saber: um “ sistema-em-um-entorno ”. E desta

forma elas aprendem a se observar de um modo auto-

referencial, na perspectiva de um observador (senta do em um

labirinto percorrido por ratos). Elas podem, além d isso,

tentar influenciar, mediante seu agir, aquilo que o bservam.

(157)

3. A COMUNICAÇÃO Á LUZ DA DUPLA CONTINGÊNCIA.

3.1. LUHMANN

Luhmann toma como ponto de partida o fato de que

geralmente a comunicação é caracterizada mediante a

metáfora da transmissão ( Übertragung ). Dizemos que a

comunicação transporta, transfere ou transmite notí cias,

mensagens ou informações de vários tipos, de um rem etente

ou emissor para um destinatário ou receptor.

Depreende-se deste uso que a essência da comunicaçã o reside

no ato da transferência ( Mitteilung ) ou ato comunicativo.

Neste caso,o acento recai na habilidade daquele que

comunica, transmite uma mensagem ou informa algo. A lém

disso, é sugerido que a informação transferida é id êntica

tanto para o emissor como para o receptor.

No entanto, a situação paradoxal das caixas-pret as, ou

sistemas psíquicos, a qual é duplamente contingente , leva

Luhmann a buscar outro tipo de abordagem para a

comunicação. Ele a considera uma criação autônoma d e “ forma

no medium de um sentido ”, isto é, uma realidade emergente

que depende de seres vivos mas que não pode ser atr ibuída a

nenhum deles em particular nem à totalidade deles. Ela se

constitui numa seqüência de transformações de sinai s

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extraídos de outras comunicações. Por isso, ela con stitui,

em sentido estrito, um sistema próprio, autopoiétic o (DKG

20).

A comunicação se torna, nesse contexto, um proce sso

auto-referencial de escolha de sentido que opera co m uma

diferença entre três elementos (194):

- informação;

- transmissão ou ato comunicativo;

- compreensão.

E neste caso, a própria comunicação processa tal di ferença

(209).

Dito de outra forma: a comunicação somente pode

acontecer se Ego for capaz de distinguir as seleçõe s e

conseguir operar com o auxílio delas (198). Pode-se

afirmar, pois, que a comunicação tem como meta orga nizar a

acoplabilidade entre as caixas-pretas tornando prov ável

aquilo que é altamente improvável: a acoplagem entr e Alter

e Ego!

3.2. HABERMAS.

Habermas toma como ponto de partida a interação social

que é viabilizada por exteriorizações lingüísticas. (ND

68). Tal interação também pode ser entendida como a solução

de um problema de acoplagem entre as ações de Alter e de

Ego. No caso de uma acoplagem bem sucedida haveria uma

redução do espaço de possibilidades de escolha

conflitantes.

Ora, existem dois tipos básicos de interação dep endendo

do modo como os planos de ação de Alter venham a se r

acoplados aos de Ego (69):

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- No primeiro caso, a linguagem comum é utilizada a penas

como medium para a transmissão de informações ( agir

estratégico ).

- No segundo caso, a linguagem é utilizada também c omo

fonte de integração social ou de entendimento entre Alter e

Ego ( agir comunicativo ).

Isso significa que no próprio agir comunicativo podemos

deparar-nos com séries de ações estruturadas

teleologicamente. Entretanto, para haver uma acopla gem

entre Alter e Ego mister se faz uma mudança de atit ude.

Porquanto o medium da linguagem só pode exercer tal função

de acoplagem quando consegue interromper os planos de ação

comandados pelo sucesso próprio (agir teleológico) (ND 72).

Com isso, as orientações egocêntricas de Alter ou de

Ego são colocadas sob os limites estruturais de uma

linguagem compartilhada intersubjetivamente (72) a qual

permite realizar uma mudança de perspectiva: os ato res

(Alter e Ego) abandonam momentaneamente o enfoque

objetivador, orientado pelo telos do sucesso própri o, e

adotam o enfoque performativo de um, agente ou fala nte que

pretende entender-se com uma segunda pessoa a respe ito de

algo no mundo (72).

Sem essa passagem para as condições do uso da li nguagem

orientado por entendimento, eles não têm acesso aos

potenciais ou energias ilocucionárias de acoplagem

inerentes à linguagem. E ao nível de um agir estrat égico

tais forças de acoplagem fenecem. A linguagem e a f ala

encolhem, se retraem e se estreitam passando a ser um

simples medium de informações (72).

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4. CONCLUSÃO

Penso que as considerações lacônicas apresentada s

validam a hipótese de trabalho levantada no início. Elas

nos revelam que a comunicação é o elemento fundamen tal de

configuração de uma sociedade, seja ela pensada nos moldes

de uma constituição autorregulada e autopoiética de

sistemas psíquicos, seja ela imaginada no espaço pú blico

intersubjetivo de uma sociedade radicalmente democr ática e

comunicativa.

No primeiro caso, quando a comunicação entra em c ena

surge um sistema que mantem uma relação sui generis com o

seu entorno que é acessível enquanto informação e s eleção

de sentido.

No segundo, a comunicação trivial entre pessoas

constitui o ponto de partida para uma troca ilimita da de

argumentos e informações sobre três tipos de realid ade: o

mundo dos objetos, o mundo social e o mundo subjeti vo.