Informativo Científico - saude.sp.gov.br · Luis Filipe Mucci, Rosa Maria Tubaki, Rubens Antonio ....

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sumário editorial ...................................................................................... 02 Virgilia Luna Castor de Lima ponto de vista........................................................................... 03 CIÊNCIA E HISTÓRIA: irreconciliáveis, complementares ou irmãs na produção do conhecimento? Luiz Roberto Fontes FEBRE AMARELA: hipóteses e incertezas sem novas abordagens Rosa Maria Tubaki painel ............................................................................................ 08 DENGUE NO ESTADO DE SÃO PAULO: verão 2009/2010 Antonio Henrique Alves Gomes NÚCLEO DE ESTUDOS DE LEISHMANIOSE VISCERAL AMERICANA (LVA) - SUCEN: um ano de existência Ricardo Ciaravolo SUCEN NA PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA CCD/SES/SP Gisela R. A. Monteiro Marques publicações científicas.................................................................. 13 fatos e fotos................................................................................... 14 CURIOSIDADES SOBRE A CAMPANHA DE ERRADICAÇÃO DE MALÁRIA NO BRASIL Cristina Sabbo da Costa seção cult ............................................................................... 19 CULTURA PELO PRAZER Eduardo Fonseca Neto PÁTRIA DE CHUTEIRA DOMANDO A JABULANI Eduardo Fonseca Neto HOMENAGEM A JOSÉ SARAMAGO SUCEN-SES-SP julho/2010 número 6 Informativo Técnico e Científico Superintendente: Affonso Viviani Junior Responsável: Virgília Luna Castor de Lima Grupo Editorial: Cristina Sabbo da Costa, Lúcia de Fátima Henriques Ferreira, Luis Filipe Mucci, Rosa Maria Tubaki, Rubens Antonio da Silva Projeto gráfico e editoração: Liana Cardoso Soares Revisão: Liana Cardoso Soares e Rubens Antonio da Silva

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sumário editorial...................................................................................... 02 Virgilia Luna Castor de Lima ponto de vista........................................................................... 03 CIÊNCIA E HISTÓRIA: irreconciliáveis, complementares ou irmãs na produção do conhecimento? Luiz Roberto Fontes FEBRE AMARELA: hipóteses e incertezas sem novas abordagens Rosa Maria Tubaki ppainel............................................................................................ 08 DENGUE NO ESTADO DE SÃO PAULO: verão 2009/2010 Antonio Henrique Alves Gomes NÚCLEO DE ESTUDOS DE LEISHMANIOSE VISCERAL AMERICANA (LVA) - SUCEN: um ano de existência Ricardo Ciaravolo SUCEN NA PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA CCD/SES/SP Gisela R. A. Monteiro Marques ppuubblliiccaaççõõeess cciieennttííffiiccaass..................................................................13 ffaattooss ee ffoottooss...................................................................................14 CURIOSIDADES SOBRE A CAMPANHA DE ERRADICAÇÃO DE MALÁRIA NO BRASIL Cristina Sabbo da Costa sseeççããoo ccuulltt...............................................................................19 CULTURA PELO PRAZER Eduardo Fonseca Neto PÁTRIA DE CHUTEIRA DOMANDO A JABULANI Eduardo Fonseca Neto

HOMENAGEM A JOSÉ SARAMAGO

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julho/ 2010

número 6

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Superintendente: Affonso Viviani Junior Responsável: Virgília Luna Castor de Lima Grupo Editorial: Cristina Sabbo da Costa, Lúcia de Fátima Henriques Ferreira, Luis Filipe Mucci, Rosa Maria Tubaki, Rubens Antonio da Silva Projeto gráfico e editoração: Liana Cardoso Soares Revisão: Liana Cardoso Soares e Rubens Antonio da Silva

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Virgília Luna Castor de Lima Pesquisador Científico - SUCEN

O número 6 do Vector mantém a mesma estrutura do anterior e espera-se que esteja se aproximando da sua meta que é divulgar os acontecimentos e as opiniões do momento vivido pela Superintenden- de Controle de Endemias - SUCEN. Nestes meses de 2010, a SUCEN tem dedicado muito do seu tempo e da sua energia no controle da dengue, cujo comportamento cíclico apresenta, neste ano, um de seus picos de transmissão. Além disso, existem outros movimentos importantes nos quais várias pessoas estão concentradas. Dentre eles, o “Projeto de Apoio ao planejamento e gestão das atividades de pesquisa e inovação na SUCEN” em que estão envolvidos muitos pesquisadores e técnicos de nível universitário, interessados em pesquisa. A dengue representa um desafio para todas as instituições responsáveis pelo seu controle. O número de criadouros do mosquito vetor tem que ser muito baixo para que a transmissão não atinja níveis elevados. Dessa maneira, mesmo com os trabalhos desenvolvidos pela SUCEN junto aos municípios, e mesmo que alguns deles façam a sua parte e a maior parte da sua população elimine criadouros da sua residência, a presença, por exemplo, de quatro recipientes, ou até menos do que isto, com larvas em cada 100 imóveis pesquisados tem-se mostrado suficiente para uma transmissão em níveis epidêmicos. Considerando-se, ainda, que alguns municípios não priorizam as ações preventivas de controle da infestação, o controle da doença se apresenta como um problema para o qual as atenções de pesquisadores e autoridades responsáveis precisam se voltar. Dentro do “Projeto de Apoio ao Planejamento e Gestão das Atividades de Pesquisa e Inovação na SUCEN” foram realizadas quatro reuniões de trabalho entre a equipe do GEOPI/DPCT e a SUCEN,

nas quais foram acertados detalhes sobre o trabalho e o andamento das atividades, além da discussão dos resultados parciais alcançados. No dia 31 de março houve um exercício com pesquisadores e técnicos intitulado: “Temas e Elementos Críticos relevantes para realização das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação na SUCEN”. Este projeto tem também uma vertente que é a proposta de capacitação em gestão de pesquisa que está assentada na máxima: fazer pesquisa hoje transcende em muito o mundo da ciência e da tecnologia, que faz alusão à necessidade da incorporação de competências também em gestão da P&D e da inovação. Relacionados a isto foram realizados dois mini-cursos com os seguintes temas: “Conceitos gerais de inovação e Propriedade Intelectual, e Inovação em saúde: transferência de tecnologia, contratos e convênios”. Ficando evidente para os participantes a impossibilidade de se situar no ambiente de pesquisa atual, tanto internacional como nacional, de uma maneira amadora e individual. Com relação ao conteúdo deste número do Vector temos um texto sobre a dengue escrito pelo colega Antonio Henrique Alves Gomes, outro sobre febre amarela desenvolvido por Rosa Mara Tubaki e, como novidades, conta-se com a colaboração de um ex-pesquisador da Instituição, o Luis Fontes, que escreve sobre História e Ciência e do Procurador de Autarquia Eduardo Fonseca Neto sobre a Virada Cultural na cidade e a Copa de Mundo de 2010. Cristina Sabbo da Costa, na seção Fatos de Fotos, reservada à memória, colabora com um texto que contém curiosidades sobre a Campanha de Erradicação da Malária no Brasil. Continuamos com a participação de vários colegas em temas relativos às suas competências e vivências.

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CIÊNCIA E HISTÓRIA: IRRECONCILIÁVEIS, COMPLEMENTARES OU IRMÃS NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO?

Luiz Roberto Fontes

Introdução

Foi na Bienal do Livro em São Paulo, em 1998, que ocorreu uma grande mudança na minha vida profissional. Aos 42 anos eu abrigava interesses bem definidos, relativos à pesquisa e produção científica. Superara o devaneio dos sonhos impossíveis, sentia-me maduro no rumo profissional, convicto de que o caminho do aprendizado é infinito e que investigação científica não se faz apenas na solidão do trabalho individual e, sim, no intercâmbio de informação, tanto com especialistas, mas talvez, principalmente, com leigos na matéria. Não acalentava despertar novos interesses na ciência e desviar-me do rumo seguro

em que me achava. Creio que no mundo acadêmico atual, tão competitivo quanto destrutivo de sonhos, muitos buscam atingir precocemente essa fase à custa de uma carreira meteórica, repleta de realizações frustras, profanando etapas imprescindíveis na aquisição do saber, as quais no futuro se mostrarão bem vazias do conteúdo que somente o passar do tempo e o acúmulo da experiência vivencial nos proporcionam. É necessário viver, deixar o tempo passar, e sedimentar as experiências na consolidação do saber e maturidade profissional. Pois bem, nessa Bienal encontrei um livro, para mim repleto de novidades, sobre a correspondência entre o naturalista teuto-brasileiro Fritz Müller e o inglês Charles Darwin, escrito pelo médico neurocirurgião catarinense Cezar Zillig. Não, não foram esses grandes personagens da ciência o objeto de minha atenção inicial, e sim os cupins que passeavam na capa do livro, inseto que é o

meu objeto de estudo na ciência biológica. Atraiu-me o cupim, mas no livro eu logo conheci o Fritz, desaparecido para o mundo em 1897, aos 75 anos de idade. Esse velho naturalista, de caráter marcante pela irredutibilidade da conduta honesta e pela força de suas convicções, revelou-me caminhos, lacunas de conhecimento, peripécias na vida e nos estudos,

Luiz Roberto Fontes - Biólogo e Médico Ex-Pesquisdor Científico - SUCEN

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dificuldades que superou ou relevou, enfim, uma existência repleta de fatos inusitados ou simplesmente comuns, mas sem dúvida fascinante. Entusiasmado, parti em busca de compartilhar informações sobre o novo “amigo” e para minha profunda decepção descobri que esse pioneiro mundial na comprovação do evolucionismo darwinista, descobridor de um sem número de fatos biológicos que permeiam livros didáticos e científicos de zoologia e botânica, entre outras belas contribuições de relevo na ciência, é um ilustre desconhecido. Assim é no nosso país, pátria que adotou e na qual residiu por 45 anos, até seu falecimento, recusando convites para lecionar em universidades alemãs, como em outros locais do mundo. Que seja pouco valorizado fora, eu até entendo, pois um alemão naturalizado brasileiro não será cultuado na Inglaterra, como pioneiro na comprovação e consolidação mundial da teoria evolutiva tão bem elucidada pelo sábio inglês. Mas que o mundo acadêmico nacional solenemente ignorasse o Fritz, brasileiro por opção, o mais expressivo dentre os nossos naturalistas no século XIX, isso era demais.

Que eu tenha sobrevivido na ciência sem conhecer a sua história, tão profundamente ligada à consolidação da Biologia como um ramo majoritário da ciência, é até compreensível e fruto exclusivo da minha própria desatenção; mas jamais ter ouvido falar de tão importante personagem em um curso universitário de Biologia, constatar sua inexistência nos livros atuais e a cara de ponto de interrogação dos biólogos, ah, isso também é demais!

Sem história não se faz boa ciência

A ignorância e desvalorização da própria História é uma realidade triste de se constatar

em nosso país. A História da Biologia, ou da ciência em geral, não faz exceção a esse fato. Por exemplo, na área da saúde pública, quantos sabem que Fritz Müller foi pioneiro ao constatar que bromélias são abrigo e criadouro de diversificada fauna, incluindo os mosquitos, mais tarde relacionados à transmissão da malária silvestre?

Essa realidade oculta, no seu bojo, deformidades no ensino e na ciência acadêmica. Citarei dois exemplos corriqueiros. Um é a recomendação, tão ridícula quanto estúpida, dada aos alunos de pós-graduação, para que priorizem a bibliografia produzida nos últimos cinco anos. Ora, por acaso não existia o universo e a espécie humana antes de cinco anos!? Outro é o estímulo, aos mesmos alunos, de pesquisarem e principalmente citarem apenas produções publicadas em revistas indexadas, ignorando-se a maioria dos livros, jornais e outros veículos de comunicação popular, bem como as próprias teses não publicadas, mas disponíveis em bibliotecas ou on-line. Isto é a contramão da produção do conhecimento e, a bem da verdade, felizmente os animais e as plantas não lêem os artigos científicos publicados em revistas indexadas, ou conheceriam certos absurdos que deveriam em vida praticar e outros fenômenos que jamais poderiam realizar.

Estes casos ilustram a visão reducionista, desprovida de memória e tão indesejável em um ambiente que deveria primar pela ausência de preconceitos, pela liberdade de pensamento e pela busca incessante de todo o saber, gerado no presente e no passado.

Embutidos na falta de visão histórica da própria ciência estão outros desvios do comportamento e da produção acadêmica, menos visíveis por não contarem com apoio documental, mas facilmente identificáveis ao observador mais atento. Discorramos brevemente sobre os problemas mais evidentes.

No meio acadêmico não é incomum o desconhecimento da produção científica do passado. Esta pode ser taxada de antiga, mas não é necessariamente ultrapassada. Por exemplo, Fritz Müller, conquanto seja vítima contumaz do “esquecimento” acadêmico, demonstra sua atualidade com a marcada presença de suas descobertas em livros didáticos e especializados da área biológica. Vez ou outra, localizamos artigos científicos atuais com descobertas supostamente pioneiras, mas que em realidade são meras redescobertas de fatos ou processos há muito descritos e analisados, às vezes tão longe como no século XIX. Um fenômeno assaz freqüente é a desvalorização de equipamentos relativamente antigos, porém funcionais, muitas vezes de excepcional qualidade e até superior aos atuais. Quantos microscópios e lupas binoculares, de excelente qualidade óptica, jazem nos depósitos de descartes ou inutilidades das instituições públicas, discriminados por serem considerados

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ultrapassados, difíceis de manusear, insuficientes para determinados propósitos (por exemplo, a tecnologia de fotografia digital inexistia naqueles tempos) ou apenas feios e levemente danificados? Na década de 1980, conheci um desses “cemitérios” em uma outrora tão famosa quanto atualmente (em 2010) decadente instituição de pesquisa científica na cidade de São Paulo, repleto de excelentes equipamentos ópticos, indisponíveis para doações por motivos burocráticos e largados no apodrecimento inexorável do tempo e da poeira.

Fato dos mais lamentáveis é o desprezo e não raramente a perda de acervos pessoais, com bens e documentos, duramente acumulados no correr de décadas, às vezes representativos de toda uma vida de esforço dedicado às causas da ciência. Vão para o lixo bibliotecas preciosas, arquivos de correspondência, equipamentos e materiais variados, cuja preservação garantiria a sobrevivência de importantes segmentos da história da ciência e da vida de abnegados estudiosos, especialmente se o infeliz não pertencia a nenhuma camarilha dos inúmeros feudos de donos do saber.

É corriqueira a depreciação das obras literárias publicadas no país. As revistas científicas nacionais, penosamente sustentadas por ousados pioneiros nas várias especialidades, não atingem os patamares de qualidade a que são guindadas as congêneres estrangeiras, segundo os critérios esdrúxulos, definidos por sábios devotados tão somente a detratar as publicações nacionais. Os livros estrangeiros sempre são considerados mais completos e merecedores de tradução para o português, ainda que o conteúdo de alguns lhes devesse designar o destino imediato da reciclagem de papel.

Finalmente, de não menor importância, vem o problema da futura historiografia da ciência. Os acervos documentais, cada vez menos armazenados e mais descartados (ocupam muito espaço, dizem alguns; são velharias, dizem outros), são substituídos por mensagens e textos eletrônicos, de existência virtual e sem materialidade, senão nos programas computacionais que rapidamente se modificam e não mais aceitam os arquivos virtuais ditos “antigos”, mas utilizados até a poucos anos. Bem, esse é um problema para os futuros historiadores da ciência. Nem só de ciência vive o homem

A ausência de historicidade não macula apenas o campo científico e também se reflete em

outras áreas da atividade humana. Entre nós, personalidades e cientistas estrangeiros ganham destaque e passam a ser

venerados, segundo o grande valor que lhes emprestam em seus países de origem. Isto leva ao incremento do turismo científico-cultural nesses países, importante fonte de empregos e lucros. No Brasil, essa modalidade de turismo simplesmente inexiste ou está restrita a cultuar determinadas personalidades da dita área “cultural”, aqui afeita tão somente aos meios artísticos (musical principalmente, embora pintores e escultores gozem de algum prestígio, reduzido ao círculo de especialistas na matéria) e esportivos. Aqui, ciência simplesmente não é cultura.

Em nosso mercado livreiro inexiste ou é incipiente o culto de nossas personalidades da ciência. Restringimo-nos grandemente a importar valores e a traduzir livros a eles relacionados, extirpando do nosso mercado esse importante segmento editorial, de relevo na formação da cultura popular de um país, bem como na constituição da própria cultura acadêmica dos estudantes.

Recorremos novamente a Fritz Müller, personalidade da ciência brasileira e mundial, como matéria experimental na demonstração desses fatos. O leitor ou turista cultural, ávido por conhecer os caminhos do naturalista, na bela Blumenau dificilmente visitará algo além do museu que leva o seu nome, pois mesmo a praça com a estátua em sua homenagem (e veja que é o único cientista com uma escultura de corpo inteiro, em praça pública no Brasil) é pouco conhecida nos centros de orientação ao turista e nos hotéis. Em Florianópolis (local onde ele viveu 11 anos e ganhou fama com o seu livro sobre as comprovações da evolução das espécies) será inútil perguntar qualquer fato relativo ao naturalista em hotéis e postos de turismo pois não é conhecido. Finalmente, ouse o leitor entrar em uma grande e moderna livraria em São Paulo, com estantes repletas de livros estrangeiros sobre a evolução e o

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darwinismo, incluindo os últimos lançamentos na matéria, e requisitar uma obra sobre Fritz Müller, imediatamente ouvirá do atendente: quem? Desista de explicar que existem cinco livros editados no país.

Uma última palavra para complementar esse raciocínio. Ao tentar publicar a nossa tradução do livro de Fritz Müller (com o Dr. Stefano Hagen, biólogo e médico veterinário) recebemos a indicação de uma importante editora universitária no estado de São Paulo. Nem será preciso esclarecer que o editor contestou a importância da obra e mostrou desconhecer os fatos e as informações que lhe passamos, além de ousar litigar certos fatos, que naturalmente eram fruto da nossa pesquisa e, assim, inéditos no contexto da ciência. Sorte da dupla de tradutores e do próprio Fritz, pois logo a obra foi acolhida pela editora da Universidade Federal de Santa Catarina, na qual recebeu um tratamento primoroso, aparecendo o livro na própria terra em que o naturalista realizou os seus estudos tão importantes para a consolidação do darwinismo no mundo.

Conclusão

Primeiro devo esclarecer que algumas críticas aqui apresentadas, relativas às cidades

mencionadas no texto, devem ser entendidas no contexto construtivo. Representam lacunas decorrentes da falta de valorização do que é nosso que podem ser sanadas com o esclarecimento sobre a matéria e uma gradual mudança de postura. O fenômeno se repete em nosso país, se escolhermos outros exemplos de personalidades da ciência e de outros campos do saber.

A exclusão da história na atividade científica brasileira se reflete, culturalmente, na deficiência de produção de conhecimento e materialmente na ausência de estímulo ao desenvolvimento da economia em setores diversos da atividade acadêmica, mas que lhe seriam extremamente proveitosos, por auxiliarem na inserção da produção científica na sociedade.

A mentalidade reducionista na ciência, com vistas ao imediatismo do carreirismo acadêmico ou do lucro financeiro, pode resultar em catástrofes.

No mundo fortemente informatizado da atualidade, com recursos eletrônicos sofisticados e rápida obtenção de informações, a atividade de “recortar e colar” está mais do que em voga e, lamentavelmente, já produziu muito copista da produção alheia, atualmente ocupando cargos nas universidades e institutos de pesquisa nacionais. A ausência generalizada de consciência e conhecimento da história lhes favorece a permanência no cenário da atividade profissional que profanaram e a fama indevida que granjearam. A esses sicofantas a frase duas vezes utilizada por Fritz Müller deve ressoar como pesada agressão: Aliás, o que exponho, sem jurar nas palavras de ninguém, e sem compilar as descobertas de outrem, é o que eu mesmo investiguei, achei e observei por diversas vezes e em diverso tempo (autoria do naturalista dinamarquês Otto Friedrich Müller, do século XVIII).

A busca do lucro, no imediatismo de auferir recurso financeiro, recentemente conheceu o exemplo dramático do Instituto Butantan, quando a valorização extrema da tecnologia e sua aplicação em uma fábrica de vacinas deixou à míngua a própria alma daquela instituição, fruto do trabalho contínuo de gerações de cientistas e representada materialmente pelas magníficas e insubstituíveis coleções de material biológico, que foram reduzidas a um punhado de carvão e escombros, em decorrência de um incêndio perfeitamente previsível e evitável. Que este último e lamentável exemplo sirva, além de envergonhar a pátria diante da ciência mundial, ao menos para estimular reflexões e evitar que a tragédia se repita.

Em todos os campos da ciência a compreensão da sua história é imprescindível na interpretação e consolidação do conhecimento atual. A história não é uma via de mão única: a ignorância do passado compromete as ações do presente e este, ao lhe reconhecer, lhe possibilita novas significações. Portanto, desdenhar o passado empobrece o cientista e nega para toda a sociedade o percurso de um saber que não é linear e que foi adquirido ao longo do tempo. Compreensão que outras culturas menos incautas souberam valorizar.

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FEBRE AMARELA: HIPÓTESES E INCERTEZAS SEM NOVAS ABORDAGENS

Rosa Maria Tubaki

A febre amarela é uma doença reemergente e embora existam dois possíveis ciclos de transmissão, o urbano mediado pelo vetor Aedes aegypti (L.) e o silvestre que envolve os macacos e mosquitos arborícolas dos gêneros Haemagogus e Sabethes, os estudos mais aprofundados sobre o ciclo do vetor e dos hospedeiros na Região Neotropical não avançaram suficientemente para explicar a disseminação da arbovirose no continente brasileiro. Embora a febre amarela urbana não tenha sido registrada desde 1954, a situação de infestação pelo Ae. aegypti na maioria das cidades da América do Sul e, em especial nas metrópoles brasileiras, indica que o monitoramento da febre amarela é extremamente importante nessas áreas.

As questões fundamentais residem na epidemiologia da febre amarela silvestre (FAS) e em elucidar os processos nos períodos cíclicos de ressurgimento da atividade viral e nos períodos interepidêmicos em que o vírus sobrevive.

A hipótese mais aceita é a de que o vírus se dissemina por ondas epizoóticas em primatas não humanos e que estas se espalhariam continuamente pela Região Amazônica ou por matas de galerias ao longo do curso dos rios em outras áreas do continente sulamericano. Sugere-se que as epizootias são fenômenos cíclicos recorrentes em intervalos regulares e que os períodos interepidêmicos são necessários para a reposição das populações suscetíveis de primatas. Sabe-se que as espécies de primatas da Região Neotropical são bastante susceptíveis à infecção do vírus amarílico e que após a fase de viremia aguda, os macacos sobreviventes tornam-se imunes. Embora se tenha conhecimento de infecção persistente em alguns primatas em situações experimentais, nestes estudos não se demonstraram níveis de viremia suficientes para infecção dos vetores. Uma vez que estudos experimentais demonstraram taxas muito baixas de infecção vertical em mosquitos aedíneos Ae. aegypti e do gênero Haemagogus, o ciclo envolvendo mosquitos-vertebrados se torna necessário para amplificação do vírus na natureza.

Devido à falta de informação sobre as taxas de infecção no(s) vetor (es) e nas populações de hospedeiros se tem utilizado o estudo dos genótipos dos isolados humanos do vírus da FAS para determinar padrões de dispersão geográfica das variantes virais. O objetivo dos estudos é verificar se existe diferenciação em várias subpopulações e se ocorrem grupos geográficos discretos, isto é, restritos a determinadas áreas ou se a circulação ampla de uma determinada subpopulação está ocorrendo. Nos estudos realizados no Peru, no final da década de 80 (século XX), os casos pareceram ocorrer de forma esporádica, mas sem intervalos interepidêmicos e sem epizootias de macacos, diferentemente do que ocorreu no Brasil. Por isso, se levantou a hipótese de que outros vertebrados não-primatas pudessem estar envolvidos ou de transmissão vertical em mosquitos. No entanto, no Brasil parecem existir focos enzoóticos e o ressurgimento de surtos na região sudeste assim como a variabilidade nas variantes genéticas indicaram que a distribuição foi mais extensa do que na região peruana. Tal aspecto seria devido ao isolamento geográfico do hospedeiro ou dos mosquitos vetores na região peruana, diferentemente da região brasileira.

Rosa Maria Tubaki Pesquisador Científico - SUCEN

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Os trabalhos de evidência filogenética realizados em 2000 e 2001, no Instituto Evandro Chagas, indicaram que a atividade viral se expandiu além da zona enzoótica e por distâncias maiores do que 3000 km em curto espaço de tempo, sugerindo que reservatórios humanos assintomáticos podem ter transportado o vírus. Por outro lado, o contato da população humana com as espécies silvestres de mosquitos é esporádico e o período de viremia na população humana é breve, (3-4 dias).

Outra hipótese complementar é a de que o vírus circulando em áreas endêmicas durante os períodos interepidêmicos apresenta baixa divergência genética porque a maioria da população está vacinada e a imunização funciona como barreira à disseminação e divergência viral. Na região não endêmica o nível de cobertura vacinal é baixo apresentando oportunidade de aumento na heterogeneidade genética.

Apesar das variadas abordagens para descrever o processo de disseminação viral, questões sobre a competência vetora e o papel dos reservatórios persistem em outros planos de informação. A mera presença de uma espécie vetora não é suficiente para manutenção da transmissão de uma zoonose. Há necessidade de estudos sobre competência vetora de espécies silvestres. A abundância e a composição de outras espécies silvestres teria efeito na amplificação dos surtos? Poderiam as adaptações dos primatas não-humanos em regiões de extensa fragmentação de matas aproximar o ciclo de transmissão da população humana? Estes dentre outros, são aspectos que devem ser estudados para a compreensão da dinâmica de transmissão da febre amarela.

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DENGUE NO ESTADO DE SÃO PAULO: VERÃO 2009/2010

Antonio Henrique Alves Gomes

Dir. Téc. Div. Saúde Divisão de Orientação Técnica - DOT

Mais uma vez estamos saindo do período mais quente (e chuvoso) do ano, enfrentando uma epidemia de dengue de grandes proporções, em municípios do Estado de São Paulo. Longe de ser o momento de comemorar a chegada do inverno e a conseqüente queda nos níveis de transmissão da doença, devemos aproveitar esse período para refletir sobre os pontos envolvidos na complexa cadeia de transmissão da doença e buscar elos onde nosso controle possa ser melhorado. Os números apontam para um comportamento cíclico da doença, com anos em que a transmissão se mantêm mais baixa e outros nas quais se eleva. Há também uma tendência de, a cada ano epidêmico, o número de casos ser superior ao verificado no período epidêmico anterior. Em 2001 foram notificados 51.472 casos da doença e em 2007 foram 92.345 casos. De janeiro a maio de 2010 houve o registro de 96.535 casos (dados atualizados até 10/05). O número de casos da forma hemorrágica da doença variou de 9 em 2001 e 83 em 2007 para 269 em 2010 (até maio), dos quais 31 foram a óbito. Foram ainda registrados outras 46 óbitos decorrentes de complicações de casos de dengue, totalizando 77 pessoas mortas até maio, em decorrência da dengue. O número de municípios onde foi registrada a transmissão também vem crescendo. De 191 em 2001 saltou para 370 em 2007. No presente ano, a ocorrência de casos autóctones da doença já foi assinalada em 455 municípios. Houve expansão também da população exposta ao risco da doença, considerada como sendo aquela residente em municípios infestados pelo Aedes aegypti. Em 2001 eram 485 municípios infestados, passando para 524 em 2007 e 551 em 2010 (até maio). Percebe-se que,

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ano a ano, mais municípios vêm registrando o estabelecimento da espécie vetora em seu território, embora em menor velocidade de expansão se comparado ao início da infestação do estado nas décadas de 1980/90. A principal atividade rotineira de controle vetorial realizada é a visita a imóveis onde, além de orientação ao morador, são tomadas medidas para destruição de criadouros encontrados e tratamento daqueles onde a eliminação não é possível. Na tabela abaixo é mostrado o quantitativo de visitas realizadas no estado de São Paulo, tanto pelas Secretarias Municipais de Saúde quanto pela SUCEN, no período de 2006 a 2009. Podemos perceber que a ocorrência de epidemias atua como fator motivador do gestor municipal para o fortalecimento das ações de controle. O grande aumento do número de visitas no ano de 2008 em relação a 2007 (cerca de 10 milhões) não se sustentou no ano de 2009, embora neste ano a produção tenha sido maior do que os valores de 2007, confirmando a tendência de aumento ano a ano (podendo 2008 ser considerado um ano atípico). Nessa análise não estão sendo consideradas possíveis interferências da mudança da gestão municipal nesse cenário, devidas ao grande número de municípios envolvidos e os diferentes graus dessa interferência em cada um deles. Porém, com certeza, essa interferência ocorreu em maior ou menor grau em cada um deles. Percebe-se ainda que o estado vem aumentando sua participação nesse total a cada ano, tendo atingido em 2009 pouco mais que o dobro do valor produzido em 2006. Porém, conforme esperado em consonância com as diretrizes do SUS, o maior percentual de visitas continua sendo realizado por meio das equipes municipais. A participação do estado variou entre 3 e 5% do total de visitas realizadas a cada ano. Em relação aos níveis de infestação, pudemos observar que diversas regiões registraram índices acima do esperado considerando-se a série histórica de quase 10 anos de medições realizadas. A faixa dos valores esperados foi determinada calculando-se a média dos valores medidos para cada mês e aplicando-se 1,96 desvios-padrão acima e abaixo dessa média. Desta forma, valores fora dessa faixa têm menos de 5% de probabilidade de acontecerem de forma casual. Assim, a região de Araçatuba, vinha registrando valores de Índice de Breteau (IB) acima do esperado em vários meses, culminando com a intensificação da transmissão no final do ano de 2009 e início de 2010 (Figura 1). Esta região foi a primeira a apresentar transmissão elevada no atual período epidêmico.

Figura 1: Número de casos, valores máximo e mínimo esperados e valor obtido em 2009 para ADL de região - Região de Araçatuba.

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Na região de São José do Rio Preto, os valores de IB se mantiveram elevados no primeiro quadrimestre do ano (embora ainda dentro dos limites esperados), coincidindo com manutenção da transmissão ao longo de todo o primeiro semestre. A partir do último trimestre, há elevação dos valores obtidos acima ou muito próximos do limite esperado (Figura 2), o que levaria a uma explosão de casos no início do ano de 2010. Embora sendo a dengue uma doença com uma grande variedade de determinantes, o nível de infestação, entendido como medida indireta da quantidade de vetores em condições de transmitir a doença, é um desses determinantes, revestido de grande importância na cadeia epidemiológica. Infelizmente, os órgãos responsáveis pelas ações de controle (estadual ou municipal), possuem pouca agilidade para redirecionamento dessas ações em presença de um indicador mais elevado, devido principalmente à dificuldade de estruturar uma equipe: contratação, treinamento e obtenção de resultados em campo. Assim, cabe ao gestor, principalmente municipal, já que responde pela maior parte das ações realizadas, a manutenção das equipes em número suficiente para possibilitar o cumprimento das metas preconizadas e cabe aos técnicos envolvidos no programa procurar, com base nas informações acumuladas em todos esses anos de combate, identificar padrões que possibilitem detectar situações de risco e a tomada de decisões em tempo hábil para minimização dos efeitos danosos à população.

NÚCLEO DE ESTUDOS DE LEISHMANIOSE VISCERAL AMERICANA (LVA) - SUCEN:

UM ANO DE EXISTÊNCIA

Ricardo Ciaravolo Pesquisador Científico

Coordenador O trabalho desenvolvido pelos membros do Núcleo de Estudos de Leishmaniose Visceral Americana/SUCEN (Núcleo-LVA/SUCEN), durante o primeiro ano de sua constituição (portaria SUP nº 66/2009, de 05-06-2009), tem-se voltado, principalmente, a assegurar esta instância como referência técnica e normativa na área de vigilância entomológica e controle da leishmaniose visceral americana (LVA). A apresentação, análise e discussão de levantamentos de artigos científicos realizados na literatura pelos componentes do Núcleo-LVA/SUCEN, referentes aos temas que envolvem a problemática da LVA: reservatório canino (soroepidemiologia, utilização de coleira

Figura 2: Número de casos, valores máximo e mínimo esperados e valor obtido em 2009 para ADL de região - Região de São José do Rio Preto.

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impregnada com inseticida), vetor Lutzomyia longipalpis (controle químico, bioecologia) e educação em saúde, têm ocupado boa parte das reuniões periódicas de trabalho. Digna de nota, a incisiva atuação dos técnicos do Núcleo-LVA/SUCEN ao despender esforços em avaliar a grande quantidade de dados contida no sistema de informação do Programa de Vigilância e Controle/LVA e em analisar resultados de investigações científicas realizadas por pesquisadores participantes tem permitido formular ajustes às normas técnicas referentes às atividades de vigilância entomológica. Como exemplo, destacamos a alteração da metodologia de pesquisa entomológica na atividade de Levantamento Entomológico, com o objetivo de aumentar a probabilidade de detecção do vetor em municípios não receptivos. Outro fato relevante diz respeito à ampliação da participação do Núcleo-LVA/SUCEN no Comitê-LVA da Secretaria de Estado da Saúde, pois, além de dois representantes oficiais da autarquia, que por sua vez são membros do Núcleo-LVA/SUCEN, mais três componentes estão desenvolvendo atividades de pesquisa científica em projeto elaborado pelos órgãos que atuam no Comitê-LVA/SES (Coordenadoria de Controle de Doenças, Centro de Vigilância Epidemiológica, Instituto Pasteur, Instituto Adolfo Lutz e SUCEN). Esta forma de ação tem contribuído para proporcionar maior alcance à integração entre as áreas de controle de vetor, vigilância epidemiológica e laboratório de saúde pública. Destacamos também a importante participação do Núcleo LVA/SUCEN na elaboração de informe referente à atualização da classificação epidemiológica dos municípios paulistas segundo o Programa de Vigilância e Controle/LVA, que será publicado na próxima edição do Boletim Epidemiológico Paulista da Coordenadoria de Controle de Doenças (junho/2010). Para efetivar esta atualização, o Comitê-LVA/SES assimilou proposta formulada pelo Núcleo-LVA/SUCEN de alteração da classificação epidemiológica em amostra de municípios, visando monitorar a expansão do vetor L. longipalpis em áreas não receptivas e não vulneráveis. Finalizando, constatamos que tamanha complexidade envolvendo questões referentes à transmissão de LVA em áreas urbanas, com todas as dificuldades existentes para o desenvolvimento das atividades de vigilância e controle, aumenta a responsabilidade dos membros do Núcleo-LVA/SUCEN. A estratégia de ampliação da interface de atuação entre os órgãos de saúde coletiva da SES que participam da vigilância e controle da LVA, estabelecida nos últimos dois anos e o contato estreito com os Serviços Regionais/SUCEN que vivenciam a problemática da LVA, tem possibilitado ao Núcleo-LVA/SUCEN enfrentar este desafio com melhor desempenho.

SUCEN NA PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA CCD/SES/SP

Gisela R. A. Monteiro Marques

Pesquisador Científico

O Programa de Pós-Graduação em Ciências da Coordenadoria de Controle de Doenças da SES/SP, criado em 2000, oferece cursos de mestrado e doutorado, com abordagem multidisciplinar, integrando a clínica, o laboratório e a epidemiologia das doenças infecciosas e parasitárias de interesse em Saúde Pública. É recomendado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/CAPES e se destina a profissionais da saúde com nível superior, vinculados, ou não, ao Sistema Único da Saúde/SUS. Organiza-se em duas Áreas de Concentração: Pesquisas Laboratoriais em Saúde Pública/PLSP e Infectologia em Saúde Pública/ISP, que são campos específicos de conhecimento nos quais são desenvolvidas atividades de ensino, pesquisa e assistência. As disciplinas são ministradas no PPG/CCD e as atividades de pesquisa são realizadas nos laboratórios e clínicas dos Institutos de Pesquisa que compõem o programa tais como o Instituto Adolfo Lutz, Instituto Butantan, Instituto de Infectologia Emílio Ribas, Instituto Lauro de Souza Lima, Centro de Treinamento em HIV-AIDS, Superintendência de Controle de Endemias/SUCEN, entre outros.

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Em 2009, o Superintendente da SUCEN, Affonso Viviani Junior , e a PqC.Virgília L. C. de Lima fizeram uma visita à Maria de Fátima Costa Pires, coordenadora do Programa de Pós-Graduação com o objetivo de viabilizar uma maior participação dos pesquisadores da SUCEN junto à respectiva pós-graduação. Naquele momento, Virgília L. C. de Lima reuniu-se com vários de nossos colegas acenando a possibilidade da SUCEN ter professores orientadores nesse Programa. Os convidados foram sugeridos em reunião da Comissão Científica, de acordo com o preenchimento de critérios colocados pela coordenadora da CPG/CCD. Todos os interessados deveriam atualizar o Curriculum Lattes e manifestar por escrito tal interesse para que, então, Affonso Viviani Junior encaminhasse institucionalmente a solicitação de credenciamento dos mesmos. Os pedidos de credenciamento seriam analisados pela CPG/CCD segundo critérios como: linha de pesquisa do pesquisador ligada à proposta do programa de pós-graduação; tempo de titulação de doutorado, acima de cinco anos e regularidade na produção científica e em revista de alto impacto, principalmente nos três anos anteriores. Na 113ª Reunião Ordinária da CPG/CCD, realizada dia 28/4/2009 (Of. CPG - CCD nº 026/2009), a pós-graduação relaciona, dentre as solicitações encaminhadas naquele momento, o seguinte resultado:

• Cláudio Casanova - Credenciado como Professor/Orientador de Mestrado Pontual. • Gisela R. A. Monteiro Marques - Credenciada como Professora/Orientadora de Mestrado Pontual. • Maria Esther de Carvalho - Credenciada como Professora/Orientadora de Mestrado Pontual. • Silvia Maria Fátima Di Santi - Credenciado apenas como Professora. • Adriano Pinter dos Santos - Credenciado apenas como Professor. • Horácio Manoel Santana Teles - Credenciado apenas como Professor.

Como Professores/Orientadores do Programa fomos convidados a ministrar uma disciplina. Para tanto, foi realizada uma reunião em São Paulo com o objetivo de propor uma disciplina a ser ministrada em 2010. Com base em uma disciplina já oferecida no Programa pelo Eng. Francisco Chiaravalloti Neto, em anos anteriores, uma nova proposta de ementa foi discutida, preparada e apresentada à Comissão para análise na comissão de área de concentração e após aprovada ser homologada na CPG/ CCD. Em agosto a proposta de ementa foi aprovada e recebeu o código PLSP/343 sob o Título “Avanços Biológicos, Clínicos e Epidemiológicos de Doenças Transmitidas por Vetores”, com carga horária de 60 horas (4 créditos), sob minha responsabilidade e a colaboração dos Professores PqC. Adriano Pinter dos Santos, PqC. Cláudio Casanova, PqC. Horácio M. S. Teles, PqC. Maria Esther de Carvalho e PqC. Silvia Maria Fátima Di Santi. Essa disciplina teve início em 1 de abril de 2010, estendendo-se até 10 de junho deste ano, ocorrendo todas as quintas feiras, das 8:30 até as 15:30 horas. A procura pela disciplina foi surpreendente. Inicialmente foram 12 alunos inscritos, depois outros 11 solicitaram autorização para freqüentar, totalizando 23 alunos regularmente matriculados entre mestrandos e doutorandos. Vale ressaltar que a SUCEN também está representada na Comissão de área de concentração Pesquisas Laboratoriais em Saúde Pública e a impressão está sendo tão positiva que a Coordenação sinalizou com a possibilidade de novos credenciamentos, bem como de novas disciplinas conforme interesse do programa. Aproveito a oportunidade para convidar a todos os colegas que têm interesse em participar do Programa de Pós-Graduação da CCD/SES/SP que submetam seus currículos junto ao mesmo. Poderíamos nos reorganizar e oferecer novas disciplinas, isso só depende de nós! Com entusiasmo, lembro àqueles que desejam realizar o curso de pós-graduação em Ciências da CCD/SES/SP que estamos à disposição!

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publicações científicas Março e abril de 2010

ARTIGOS

Villela MM, Rodrigues VLCC, Casanova C, Dias JCP. Análise da fonte alimentar de

Panstrongylus megistus (Hemiptera, Reduviidae, Triatominae) e sua atual importância

como vetor do Trypanosoma cruzi, no Estado de Minas Gerais. Rev. Soc. Bras. Med.

Trop., 2010, 43(2):125-128.

Couto RD, Latorre MRDO, Di Santi SM, Natal D. Malária autóctone notificada no

Estado de São Paulo: aspectos clínicos e epidemiológicos de 1980 a 2007. Rev. Soc. Bras.

Med. Trop., 2010, 43(1):52-58.

Guimarães MCA, Muniz C, Takahashi FY, Ohlweiler FP, kawano T, Natal D. The

effects of the experimental infection from a focus os transmission of Schistosoma mansoni

in a population of Biomphalaria tenagophila (Orbigny, 1835) in the region of Vale do

Ribeira de Iguape, Brazil. Rev. Inst. Med. trop. S. Paulo, 2010, 52(2):101-105.

Barbosa GL, Lourenço RW. Análise da distribuição espaço-temporal de dengue e da

infestação larvária no município de Tupã, Estado de São Paulo. Rev. Soc. Bras. Med.

Trop., 2010, 43(2):145-151.

Colla-Jacques FE, Casanova C, Prado AP. Study of sandfly fauna in an endemic area of

American Cutaneous Leishmaniasis and canine visceral leishmaniasis, in the municipality

of Espírito Santo do Pinhal, São Paulo, Brazil. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 2010, 105(2):

208-215.

Guirado MM, Bicudo HEMC. Effect of caffeine on larval mortality of Aedes aegypti:

Efficiency related to solution concentration and age. Journal of Entomological Research,

2010, 34(1).

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fatos e fotos

CURIOSIDADES SOBRE A CAMPANHA DE ERRADICAÇÃO DA MALÁRIA NO BRASIL

Cristina Sabbo da Costa

Pesquisador Científico - SUCEN Este relato foi baseado em alguns materiais impressos referentes à Campanha de Erradicação da Malária (CEM) produzidos no período de 1958 e 1959 pelo Ministério da Saúde, no auge da referida Campanha no Brasil.

Os impressos tinham o objetivo de conclamar a população, os técnicos e os gestores municipais para cooperarem com os trabalhos que seriam executados na “ação de exterminação do mosquito transmissor da doença” (termo utilizado na época).

Para muitos de nós, funcionários da SUCEN de muito tempo, esses impressos suscitam um contato com a nossa memória histórica. Algumas lembranças foram relatadas por alguns colegas que participaram das ações da CEM naquela época, quando a SUCEN se chamava Serviço de Profilaxia da Malária (1959) e tinha instalado em suas dependências uma estação experimental de malariologia (1955). Das ações propostas, várias sofreram mudanças radicais para o controle da malária no país, proporcionando a unificação de diferentes estratégias para o programa, compondo, na época, a luta antimalárica promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em outros países. Quem conta um conto aumenta um ponto, vamos à história...

Dr. Mário Pinotti, Ministro da Saúde na época, divulgou amplamente a Campanha de Erradicação da Malária por todo o Brasil. Vários tipos de materiais impressos foram produzidos na época (poderemos conferir alguns deles ao longo do texto). Dentre esses, foram assinadas por ele algumas cartas destinadas a diversos tipos de público com a finalidade de divulgar a campanha. Tratam-se de textos direcionados a moradores (avisando sobre a visita do guarda sanitário nas residências), professores (solicitando colaboração na campanha juntamente com alunos e pais), prefeitos (buscando apoio e cooperação dos trabalhos propostos pelo ministério) e médicos (visando atraí-los a cooperar com a proposta). O intuito era mobilizar amplamente toda a população brasileira para uma grande frente de atuação no combate à doença no país, principalmente na Região Amazônica.

Materiais educativos impressos também foram distribuídos com informações gerais à população visando estimular o combate ao vetor transmissor da malária. Seu conteúdo também é um apelo aos moradores para que estes permitam a "dedetização" em suas habitações.

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A descrição mais detalhada das ações propostas para a campanha daquela época, fazia parte de um material informativo intitulado “Malária: método pinotti”. Acredito que muitos nunca ouviram falar de tal método. Alguns trechos do material podem nos surpreender devido à riqueza de detalhes sobre as ações propostas naquela época para a Campanha anteriormente mencionada. Esse material também tem o mérito de nos permitir o reconhecimento de uma parte de nossa historia.

As autoridades brasileiras da época indicavam um combate sistemático ao vetor da malária, em âmbito nacional, com o emprego de inseticidas de ação residuais do tipo DDT, usado em larga escala a partir de 1947. A profilaxia da malária pelo emprego do inseticida se dava com a sua aplicação no interior das casas. A orientação se baseava no fato conhecido de que a transmissão da doença era feita, principalmente, dentro das habitações. O “programa de dedetização domiciliar” era conduzido pelas autorizadas sanitárias brasileiras da época, as quais afirmavam obter resultados “magníficos” com a aplicação sistemática do DDT em áreas infestadas. Segundo os relatos, “...conseguiu mesmo eliminar completamente a endemia,

baixando de 6 milhões de casos em 1940 para 250 mil casos em 1958". As aplicações periódicas do DDT em áreas infestadas conseguiram, segundo os mesmos relatos, “eliminar completamente a endemia.” O documento afirma que este fato também ocorreu em outros países, evidenciando-se, assim, que a malária desapareceria espontaneamente por morte natural do parasita, desde que se mantivessem a transmissão completamente interrompida, pelo prazo de 3 a 4 anos.

Paradoxalmente, acreditava-se que o vetor

transmissor da malária poderia adquirir resistência aos inseticidas, um fenômeno de ordem biológica que demonstrava a necessidade de uma “mudança na estratégia de luta contra a endemia”. Nesta lógica, foram traçadas novas metas para a campanha visando o extermínio da doença dentro de um prazo de 4 anos.

O DDT, afirma o documento, constituiu-se em uma arma contra a malária, promovendo uma “espetacular redução da doença no Brasil”. A Campanha de Erradicação foi amplamente divulgada e suas ações sistematicamente cumpridas. Entretanto, havia problemas epidemiológicos relatados nos documentos, pois mesmo em áreas onde não se constatava a resistência aos inseticidas, algumas questões impediam a erradicação da doença, como: (1) a possibilidade de transmissão da malária fora das habitações; (2) a existência de habitações muito primitivas, total ou parcialmente sem paredes, onde não se poderia garantir aplicações adequadas do inseticida; (3) os deslocamentos constantes de certos grupos com habitações provisórias (seringueiros, garimpeiros, madeireiros, entre outros); (4) a base da proposta no emprego domiciliar de inseticida, com dificuldades geográficas de acessos às pequenas povoações no território da Amazônia e (5) a escassez ou a inexistência de meios de comunicação e de transporte, tornando impraticável a cobertura das áreas definidas na campanha.

Alguns focos de malária poderiam surgir diante dos problemas apresentados, muito embora não tenham, segundo o documento, “significação maior” porque poderiam ser eliminados por meio de drogas específicas supressivas ou profiláticas de distribuição periódicas e entregues de casa em casa.

Como conseqüência, segundo os documentos pesquisados “um programa integral de erradicação da malária na Amazônia, com inseticida de ação residual, constituiria numa

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operação dificílima, de duração indefinida de custo elevadíssimo e de sucesso muito duvidoso”.

Os fatores apresentados apontavam para a necessidade de mudança de estratégia para o controle da doença na área circunscrita. E, neste contexto, surgiu o chamado Método Pinotti que dá aos malariologistas brasileiros da época grandes esperanças para a solução do complexo problema da malária na Região da Amazônica. O método foi desenvolvido pelo Dr. Mário Pinotti, que além de Ministro da Saúde foi ex-diretor do Serviço Nacional de Malária e do Departamento Nacional de Endemias Rurais. Profissional dedicado, antigo malariologista do extinto Serviço de Saneamento Rural, dedicou a maior parte de sua atuação na vida de sanitarista ao problema da malária. Conhecedor de minúcias deste problema nacional de grande importância para a época, acompanhava de perto, nas constantes viagens pelo interior do país, os resultados obtidos com a aplicação do DDT nas habitações e, como relata o documento, procurou estender este recurso a todos os “recantos” do território nacional.

Começam, em 1950, as inquietações com as dificuldades encontradas para o amplo

emprego do inseticida na Região Amazônica, pouco povoada na época. Em 1951, o Dr. Pinotti preocupando-se com os deslocamentos das equipes de “dedetizadores” pelos inúmeros rios da região, voltou sua atenção para as drogas antimaláricas como uma alternativa complementar da Campanha, uma questão importante ainda a ser viabilizada. Como fazê-las chegar regularmente a todos os habitantes daquela imensa região? Foi aí que pensou no sal de cozinha como condutor do medicamento. Foram, então, feitos testes laboratoriais e as primeiras experiências demonstraram a possibilidade de concretização da idéia. O resultado foi publicado pelo Dr. Pinotti em estudos de 1953 no Brasil e apresentado em eventos internacionais.

Enquanto estudava a possibilidade de empregar o medicamento através do sal de cozinha para as outras regiões do mundo, como solução para os problemas de malária, o médico concretizava seu objetivo lançando em grandes proporções o seu método com a esperança de livrar a população Amazônica da malária. O método surgiu como tentativa de solução para o problema naquela região e tratava-se de um método profilático medicamentoso (associação de cloroquina ao sal de cozinha) se tornando mundialmente conhecido e recomendado, na época, pela "OMS" como estratégia de controle da doença em outras áreas malarígenas do mundo.

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Quem conta um conto aumenta um ponto, vamos à reflexão...

O programa de erradicação da malária em nosso país teve grande importância para a política nacional de saúde pública, tanto quanto hoje podemos dizer sobre o programa de controle da dengue. Estes programas promoveram com muita intensidade ações que foram amplamente divulgadas, ganhando visibilidade dentre os temas de saúde pública no país.

A preocupação que hoje acomete os técnicos no controle da dengue nos permite um breve comparativo com as preocupações dos técnicos envolvidos no controle da malária daquela época. O controle de doenças transmitidas por vetores se defronta com muitas barreiras em razão da complexidade das ações propostas pelos programas. Parte destas dificuldades envolve, tanto naquela época como nos dias de hoje, a viabilidade das ações, ou seja, para operacionalizá-las é preciso enfrentar muitos desafios.

No passado, segundo relatos de documentos da Campanha, as visitas domiciliares eram prejudicadas pela dificuldade do acesso e, também, pela ausência de meios de comunicação na região, além da resistência do vetor ao inseticida. Por outro lado, as informações pertencentes ao processo pedagógico da época eram pouco eficientes, pois divulgavam informações baseadas na lógica da educação sanitária, tipo de concepção pedagógica muito utilizada naquele período, que atuava práticas de isolamento em massa, prisão, de invasão de domicílio, obrigatoriedade de vacinação e outros exercícios autoritários de interesse do Estado naquela período. Alguns termos utilizados nos materiais de divulgação da época, como: “você resolve o problema” faziam parte desse repertório pedagógico.

Hoje o Programa de Controle da Dengue, não pelos mesmos motivos, também enfrenta dificuldades operacionais em ações que são necessárias para o programa de controle do vetor. Dificuldades estas como (1) rotatividade de profissionais de campo; (2) resistência do vetor a alguns inseticidas e (3) cobertura insuficiente das visitas domiciliares pelo grande contingente de imóveis envolvidos na atividade. Estes, são alguns fatores da atualidade que retratam as barreiras enfrentadas no trabalho junto aos domicílios. E, nesse contexto, são utilizados, ainda hoje, vários procedimentos pedagógicos pertencentes àquela lógica da educação sanitária, ou seja, baseados em ações campanhistas e imediatistas.

Em ambos os períodos o foco das preocupações são voltadas para o controle químico, que devido à resistência do vetor aos produtos, estabelece limites a sua aplicação, indicando a necessidade de outras ações complementares, seja pela distribuição de medicamentos, como naquela época para malária, ou pelo manejo adequado dos criadouros, hoje para dengue.

As ações demonstram a necessidade de atividades complementares ao controle químico tanto naquela tempo como no período atual e, desta forma, são necessárias ações que

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possibilitem um contorno mais adequado sobre o controle do vetor composto de diversas estratégias, o chamado controle integrado.

Somente em tempos mais recentes pode-se observar que as ações de um controle integrado passam a ser privilegiadas nos programas responsáveis por estas doenças. A ação de retirada de criadouros para o controle da dengue, por exemplo, passou a ser uma das principais atividades do programa, deixando para segundo plano a ação de aplicação de inseticidas. É neste aspecto que propomos a reflexão.

Mesmo quando a ação de controle ao vetor prevê uma atuação “pró-ativa” do indivíduo, exigindo uma “co-responsabilidade”, numa lógica pedagógica que envolve o comportamento humano, as atividades de mobilização, no entanto, na prática, não atendem o que propõe. Esta reflexão vale também para as recomendações de proteção individual e domi-sanitárias. Tanto na época auge do controle da malária como nos dias atuais para o controle da dengue, o comportamento humano influencia diretamente o êxito das ações. As estratégias propostas nos programas chegam a ser amplamente divulgadas, muito embora o processo pedagógico que as sustentam somente perpassa pelo processo informativo.

É conhecido que um processo pedagógico formador de opiniões, que leva o indivíduo a ação, deve ser baseado em estratégias que vão além do momento informativo. O estímulo ao comportamento adequado faz toda a diferença para o êxito das ações e devem ser cultivados e promovidos de forma sistemática.

A chamada atividade casa a casa é um bom exemplo para esta reflexão. Tanto no passado quanto no presente há justificativas que indicam dificuldades no trabalho em imóveis residenciais por variados motivos, de onde se constata que a ação domiciliar não é uma atividade simples de ser operacionalizada. A resistência comprovada do vetor a alguns produtos químicos e o descuido da população com a suas residências, nos impõem barreiras que dificultam a viabilidade das visitas. Em épocas e ações estratégicas distintas há preocupações e problemas para operacionalizar as estratégias de controle nos domicílios.

A pergunta que fica então é a seguinte: como controlar estas doenças com estas dificuldades? Para a construção de uma proposta que leve o delineamento de novos contornos para o controle destas doenças, há necessidade de se refletir sobre algumas questões: Quais estratégias são utilizadas? Quais os problemas enfrentados para viabilizá-las? Quando não é possível viabilizá-las, quais as alternativas viáveis para o controle da doença? O que mais propor? Técnicos e pesquisadores fazem questionamentos desta ordem desde aquela época e as respostas ainda não foram equacionadas. Os estudos continuam visando o enfrentamento das dificuldades de ações que propõem controlar estas doenças e as alternativas dependem não somente de um esforço, mas de um conjunto de estratégias das diversas áreas do conhecimento.

Diferentemente do passado, no presente há o Sistema Único de Saúde (SUS) que põe à disposição todo o seu aparato jurídico, político e social como forma oportuna de inserção de novas discussões, conforme estabelecido por suas diretrizes. Deve-se promover processos de reflexão comprometidos com o bem estar da população que permitam uma construção ampla, que contemple estratégias variadas, que proporcione ações individuais e institucionais de cooperação e co-responsabilidade dos diversos atores deste processo. Não faltam habilidades técnicas nem oportunidades de promover, inovar e implantar diferentes estratégias para o controle destas doenças, pois o tema está sempre em discussão entre os especialistas da área e aí se encontra o desafio: a SUCEN possui profissionais qualificados que podem contribuir neste processo. Se os têm, o que falta então?

Material de Ilustração: Folhetos de divulgação da Campanha de Erradicação da Malária (CEM) - Departamento Nacional de Endemias – 1958. Cartas do ministro da saúde, Dr. Mário Pinotti, divulgando a CEM - datadas dos meses de março e abril de 1959 destinadas a moradores, professores, médicos e prefeitos.

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seção cult

CULTURA PELO PRAZER

Eduardo Fonseca Neto Procurador de Autarquia - SUCEN

Foi a sexta edição da Virada Cultural de São Paulo. Números astronômicos. Centenas de eventos em todas as áreas. Música em todas as suas vertentes: rock, erudita, reggae, pop, étnica; danças, do clássico ao contemporâneo, performances, artes plásticas, cinema, teatro. Quem andou por São Paulo, no fim de semana de 15 e 16 de maio pode assistir a uma impressionante sucessão em palcos de rua, cinemas, teatros,

centros culturais, escolas, unidades de centros associativos, casas tradicionais de incontáveis shows nacionais e internacionais. Assim como outros 4 milhões de interessados, segundo as estatísticas oficiais, fui às ruas conferir. Claro que cada um pode ver muito pouco do que foi programado. O suficiente, porém, para sentir a forte energia positiva, a rara emoção e prazer único de partilhar a arte e a cultura na sua forma bruta, sem filas de ingressos, sem recomendações de não fumar, desligar o celular, etc. Algo situado, conceitualmente, entre as

primeiras mostras Internacionais do Cinema do Leon Cakoff, no vão e nas escadarias do Masp e dos antigos festivais de rock dos anos 60.

A virada cultural, ao menos na concepção de Carlos Augusto Calil, um Secretario Municipal de Cultura de personalidade, tenta mesclar quantidade com qualidade.

O desafio para tanto é monumental. Palco, estrutura, sonorização, iluminação, segurança, banheiros, adequação viária, transportes públicos, o que significa manter íntimo o entrosamento com outras áreas e secretarias. Planejamento artístico, com nomes, repertórios, horários. Estrategicamente cuidar dos famosos e dar espaço aos independentes. Convocar e motivar a velha guarda e apresentar os talentos jovens. Premiar os cidadãos, respeitando seus

gostos e preferências: os tradicionais, que foram dançar ao som de Paulo Moura no Centro Cultural e os mais inquietos, as tribos de reggaes e mil metais que andavam pela Casper Líbero. Selecionei, assim como a maioria dos paulistanos, algumas atrações e fui, tipo verás que filho teu não foge à luta, conferir de perto o que rolava na metrópole. Sábado à noite Zélia Duncan, seu potente violão e competente banda, arrebentaram na Praça Julio Prestes. Não dava pra caminhar. A multidão impedia a passagem na direção da Luz. Forcei a barra na barreira

humana entrei na Pinacoteca a tempo de ver uma banda multiinstrumental e independente fazer um

som à la Kusturica, a banda de casamentos e funerais do diretor bósnio de Underground. Em seguida, um épico, a Sinfônica e o Coral Lírico municipais, fazendo Carmina Burana de Carl Off no palco da Luz, enquanto uma fila enorme serpenteava na Estação à espera do trem das onze (de Adoniram). E muita gente pegou o trem só amanhã de manhã, no domingo.

Rumo ao palco da Viera de Carvalho, onde ex-astros da jovem guarda, Vanderléa, Vanusa e Jerry Adriani se apresentariam

Paulo Moura

Adoniran Barbosa

Zélia Duncan

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tive que encarar Sidney Magal. Tudo em nome da alegria. Mas na passagem, na São João, uma surpresa: as feras da Motown de Detroit, the Temptations, iluminavam a festa, que era mesmo de arromba.

No domingo, depois de passar pelos obstáculos da feira da Pompéia, bairro onde moro (uma espécie de virada local) tentei espaços diferentes. Comecei na Casa das Rosas e vi dois étnicos: um andaluz, tablao flamenco, vibrante e colorido e uma banda judaica, com temas da Europa oriental e de judeus marranos – violino, sanfona, percussão, viola – uma diáspora sonora.

Na seqüência, back to the city: metrô abarrotado e passagem obrigatória pelo pop do ABBA em frente à sala São Paulo. Nova formação, velhos sucessos. O público obrigado a cantar “Fernando” até que saiu bem, mas o entusiasmo vinha era de cima , com os trapezistas e surfistas que atravessavam o ar, lá no relógio da antiga Sorocabana. Mamma mia cantavam os escandinavos. Bem, até a Meryl Streep encarou essa.

Na entrada do Bom Retiro, um palco de danças. Performances super profissionais. Elenco primoroso, coreografias para o tango contemporâneo, meio na linha Piazolla. Foi a platéia mais concentrada que vi. Show de luzes, cores, som e movimento. Lembrei-me de Maurice Bejart, no filme de Lelouch. Les uns e les autres. Só faltou o Bolero de Ravel.

Vi muito pouco em relação a tudo que havia para ver. Raul dizia: “é tanta coisa no menu que eu não sei o que comer”. A virada cultural exige estar bem calçado, ter autonomia de vôo – por que os banheiros químicos!!! Bem, prefiro os comuns – resistência física, vida espartana, ou, como dizia Caetano, estar “sem lenço, sem documento. Nada no bolso e nas mãos” (citação tirada de Jean Paul Sartre) e um feeling artístico e cultural apurados, pois tem muita lebre mas também tem muito gato. Se me permitem um comentário político e socialmente incorretos, sim há bêbados, mendigos, prostitutas e pivetes nas ruas. Afinal é virada cultural e é São Paulo!

Ah! Também não há venda antecipada de ingresso com lugar marcado, ar condicionado e lanterninhas de auxilio. Mas é um evento cuja essência mostra que o conhecimento e a cultura podem passar pelo prazer e não pela necessidade.

A PÁTRIA DAS CHUTEIRAS DOMANDO A JABULANI

Eduardo Fonseca Neto

Procurador de Autarquia - SUCEN Escrevo estas mal traçadas quando a 19ª edição da Copa da Mundo, a primeira em território africano, chega , exatamente, à sua metade. Para os que gostam muito de futebol, como é o meu caso e, mesmo para os que apenas curtem o grande evento quadrienal, bate uma

certa melancolia, tipo sensação de que “tá passando depressa”. Por outro lado, a expectativa de que o melhor está por vir, já que na teoria os melhores é que vão disputar a metade final do torneio, compensa a perda do que já passou. Nessa altura vamos tentar fazer uma retrospectiva do já feito e projetar o que pode vir.

Casa das Rosas

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Em primeiro lugar a constatação de que os três grandes astros dessa Copa até agora não figuram entre os inscritos das seleções para disputar os jogos. O primeiro astro roubou o som dos estádios. Uma corneta de um metro, colorida, que soa com quase cem decibéis em si bemol a sétima (Bb7): a vuvuzela. Resultado: uma Copa sem vaias, aplausos ou gritos de gol pois é evidente que 50 mil vuvuzelas soando simultaneamente tornam inaudíveis tentativas de incentivar, pelos meios convencionais, suas seleções nacionais. O segundo astro é sempre a cobiçada, a dominada, a bem tratada, mas que nessa copa

além de ter vontade própria parece ser a fera indomável: a jabulani, terror dos goleiros, dos chutadores de faltas, dos batedores de escanteios; ela parece rolar normalmente na grama, mas quando em elevação, meio metro que seja de altura, desvia, se contorce, enviesa, sobe, segue seu rumo, como the little magic ball de Harry Potter. A

terceira atração não é novidade, contudo e infelizmente se agiganta a cada edição do majestoso torneio. Infelizmente por que em se tratando dela quanto mais aparece, pior é para o jogo da bola: a arbitragem; pênaltis mal marcados, gols em impedimento, expulsões desnecessárias e o mais insólito, que veio com a pergunta inédita e que não quer calar: monsieur Luis , o senhor tocou ou não a bola com a mão, como se dessa resposta viria sua decisão de anular o gol feito não com a mão, mas com as mãos, perdoe-nos nosso Senhor, de Deus. Um gol de invejar Pelé: dois chapéus e Maradona: duas mãos, feito pelo nosso avante. Voltando a arbitragem. Com todo respeito a Mali, Ilhas Seichelles, Uzbesquistão é muito complicado para árbitros dessas nações entender a malícia de sul-americanos e europeus quando se defrontam. Feitas essas premissas, consideremos o seguinte: em dezoito edições, a Europa ganhou nove (Itália 4, Alemanha 3, França 1 e Inglaterra 1) e a América do Sul também nove (Brasil 5, Argentina 2 e Uruguai 2). No entanto, pelos critérios políticos da FIFA, para quem não sabe, o voto do pentacampeão Brasil tem o mesmo peso das Ilhas Mauricio. A América do Sul tem apenas quatro vagas diretas e uma de repescagem, todos − Brasil, Uruguai, Chile, Argentina, Paraguai − classificados para as oitavas, enquanto a África teve seis representantes nessa Copa: Camarões, África do Sul, Nigéria, Argélia, Costa do Marfim, todos virtualmente eliminados. Some-se a isso, as da Oceania, excelentes no rugby, mas sofríveis e violentas no soccer, como Austrália e Nova Zelândia e as medíocres asiáticas, as Coréias que unidas como deveriam ser, não fora as agruras da geopolítica, tomaram 11 gols em dois jogos, contra Argentina e Portugal. Todas devem voltar para casa mais cedo, pois estamos próximos da hora da verdade. Bem findas as duas primeiras rodadas dos oito grupos, várias seleções já estão classificadas, outras eliminadas e algumas disputando, no desespero, as vagas restantes. Quando vocês lerem este texto, isso estará resolvido. Neste momento estão garantidos Uruguai e México no grupo A, Argentina no grupo B; Grécia e Coréia do Sul brigando pela outra vaga. Meu palpite é a Coréia. Tudo aberto no grupo C, com maiores possibilidades para Eslovênia, com Inglaterra e Estados Unidos disputando a outra vaga. No da Sérvia parece em melhores condições, e a Alemanha precisa vencer Gana para prosseguir. No grupo E a Holanda já esta lá e a Dinamarca disputa a segunda vaga com o Japão. No grupo F o Paraguai esta muito firme; já a Itália respira por aparelhos e precisa vencer a Eslováquia para seguir. No grupo G, o Brasil passou; Portugal deve passar também e no grupo H Chile, Espanha e Suíça, no fotochart vão lutar na última rodada.

Antonio Lacerda/EFE

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Bem para a próxima fase ótimas perspectivas. A vuvuzela deve diminuir seu volume, uma vez que os africanos vão apenas assistir os jogos; suas seleções decepcionaram e foram eliminadas. A jabulani deve ser melhor dominada, uma vez que o tempo deu chance aos craques que ficaram de melhor domá-la. Para tanto, sugiro aos jogadores a máxima de Gentil Cardoso: a bola é feita de couro; o couro é feito da vaca; a vaca gosta de grama; assim a bola deve rolar na grama. No chão a jabulani parece boazinha. E quanto as arbitragens, tradicionalmente, nas fases decisivas, ficam os melhores, mais experientes e oriundos dos centros mais desenvolvidos do futebol. Que venham Kakás, Messis, Pirlos, Robbens, Rooneys, Kloses e a despeito da curiosidade de ver, quase conhecer, os blindados filhos da República Democrática Popular da Coréia, ou os ALL WHITE, bancários e dentistas neozelandeses, os meninos bafama de Parreira, e outras jabaquaradas que vimos até então. Quanto à França foi feita justiça. Entrou pela porta dos fundos com o gol irregular de Henry e saiu por onde entrou, com crise de jogadores, técnico, ministro, etc. Vamos que agora é para valer.

Do que vimos, Argentina, Holanda, Brasil, Portugal, Uruguai parecem sólidos, concentrados, alguns com boa formação defensiva como Brasil e Uruguai, outros com perigosas ofensivas como Argentina e Portugal . Sempre há tempo para o renascimento das fênix de sempre como Alemanha e Itália e terapias urgentes como as que necessitam Espanha e Inglaterra.

Oleg Popov/Reuter

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Não sou chegado a palpites ou previsões, isto é para as pitonisas de plantão, mas aguardo,ansioso, que a mídia fale menos de Domenechs, Dungas, Maradonas e Capellos, bafanas, vuvuzelas, jabulanis, árbitros de Benin e tenha motivos para contar histórias de arte, raça e beleza plástica que fazem do futebol o esporte que mais emociona o mundo. A seleção nacional ainda impõe respeito muito pela camisa e tradição, menos pelo futebol jogado. Mas o retrospecto é animador. Os resultados da pragmática seleção de Dunga parecem desmentir seus críticos. Não temos mais Pelé, Garrincha, Didi, Leônidas, Romário, Ronaldo e Ronaldinho. Kaká está fora de forma e ganhamos da Coréia do Norte de apenas 2x1. Mas algo me diz que no final, como dizia Nelson Rodrigues, depois de eliminar o complexo de vira-latas, somos a pátria de chuteiras e nessa nova versão de guerreiros, podemos ganhar de novo.

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HOMENAGEM A JOSÉ SARAMAGO

Poema à boca fechada José Saramago Não direi: Que o silêncio me sufoca e amordaça. Calado estou, calado ficarei, Pois que a língua que falo é de outra raça. Palavras consumidas se acumulam, Se represam, cisterna de águas mortas, Ácidas mágoas em limos transformadas, Vaza de fundo em que há raízes tortas. Não direi: Que nem sequer o esforço de as dizer merecem, Palavras que não digam quanto sei Neste retiro em que me não conhecem. Nem só lodos se arrastam, nem só lamas, Nem só animais bóiam, mortos, medos, Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam No negro poço de onde sobem dedos. Só direi, Crispadamente recolhido e mudo, Que quem se cala quando me calei Não poderá morrer sem dizer tudo. (In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)

O português José Saramago, único escritor de língua portuguesa a ganhar o Prêmio Nobel de literatuara, morreu aos 87 anos, no dia 18 de junho de 2010.