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Informativo 653-STJ (30/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 653-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ELEITORAL PARTIDOS POLÍTICOS O Diretório Nacional de Partido Político tem legitimidade ativa para propor ação de indenização por ofensas feitas contra candidato da agremiação e contra o Partido, DIREITO CIVIL CLÁUSULA PENAL É válida a cláusula penal que prevê a perda integral dos valores pagos em contrato de compromisso de compra e venda firmado entre particulares. DIREITO DO CONSUMIDOR PRÁTICA ABUSIVA É ilícita a conduta da casa bancária que transfere, sem autorização expressa, recursos do correntista para modalidade de investimento incompatível com o perfil do investidor. DIREITO EMPRESARIAL TÍTULOS DE CRÉDITO A impenhorabilidade dos bens vinculados à Cédula de Produto Rural (CPR) é absoluta, não podendo ser afastada para satisfação de crédito trabalhista. SOCIEDADE ANÔNIMA A ação social reparatória (ut universi) ajuizada pela sociedade empresária contra ex-administradores (art. 159 da Lei das SA), depende de autorização da assembleia geral, podendo esta autorização ser comprovada após o ajuizamento da ação. FALÊNCIA A decretação da falência não importa, por si, na extinção da personalidade jurídica da sociedade. DIREITO PROCESSUAL CIVIL JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA Em regra, a instituição bancária não tem responsabilidade de entregar ao credor os valores depositados em juízo acrescidos de juros moratórios, salvo se, depois que o dinheiro tiver sido liberado pelo juízo, o banco se recusar ou demorar a fazer a restituição. ATO ATENTATÓRIO O juiz que conduz o processo não pode ser apenado com a multa prevista para os casos de cometimento de ato atentatório ao exercício da jurisdição, prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015).

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Informativo 653-STJ (30/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

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Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO ELEITORAL

PARTIDOS POLÍTICOS ▪ O Diretório Nacional de Partido Político tem legitimidade ativa para propor ação de indenização por ofensas feitas

contra candidato da agremiação e contra o Partido,

DIREITO CIVIL

CLÁUSULA PENAL ▪ É válida a cláusula penal que prevê a perda integral dos valores pagos em contrato de compromisso de compra e

venda firmado entre particulares.

DIREITO DO CONSUMIDOR

PRÁTICA ABUSIVA ▪ É ilícita a conduta da casa bancária que transfere, sem autorização expressa, recursos do correntista para

modalidade de investimento incompatível com o perfil do investidor.

DIREITO EMPRESARIAL

TÍTULOS DE CRÉDITO ▪ A impenhorabilidade dos bens vinculados à Cédula de Produto Rural (CPR) é absoluta, não podendo ser afastada

para satisfação de crédito trabalhista. SOCIEDADE ANÔNIMA ▪ A ação social reparatória (ut universi) ajuizada pela sociedade empresária contra ex-administradores (art. 159 da

Lei das SA), depende de autorização da assembleia geral, podendo esta autorização ser comprovada após o ajuizamento da ação.

FALÊNCIA ▪ A decretação da falência não importa, por si, na extinção da personalidade jurídica da sociedade.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA ▪ Em regra, a instituição bancária não tem responsabilidade de entregar ao credor os valores depositados em juízo

acrescidos de juros moratórios, salvo se, depois que o dinheiro tiver sido liberado pelo juízo, o banco se recusar ou demorar a fazer a restituição.

ATO ATENTATÓRIO ▪ O juiz que conduz o processo não pode ser apenado com a multa prevista para os casos de cometimento de ato

atentatório ao exercício da jurisdição, prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015).

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RECURSOS ▪ INSS está dispensado do prévio pagamento do porte de remessa e de retorno, devendo recolher o respectivo valor

somente ao final da demanda, acaso vencido. AGRAVO DE INSTRUMENTO ▪ Não cabe agravo de instrumento contra a decisão que nega o pedido para que ocorra o julgamento antecipado

parcial do mérito. ▪ Caberá agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas nos processos mencionados no

parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015, não se aplicando ali a taxatividade mitigada do caput do art. 1.015. EXECUÇÃO ▪ A desistência da execução por falta de bens penhoráveis não enseja a condenação do exequente em honorários

advocatícios. ▪ Na execução para cobrança das cotas condominiais, o exequente pode pedir a cobrança não apenas das parcelas

vencidas como também das vincendas, ou seja, daquelas que forem vencendo no curso do processo. EXECUÇÃO FISCAL ▪ Em caso de fraude, é possível que, na medida cautelar de indisponibilidade, seja decretada a indisponibilidade de

bens de participantes do ilícito que não constam na execução fiscal e essa indisponibilidade não se limite ao ativo permanente do § 1º do art. 4º da Lei 8.397/92.

DIREITO ELEITORAL

PARTIDOS POLÍTICOS O Diretório Nacional de Partido Político tem legitimidade ativa para propor ação de indenização

por ofensas feitas contra candidato da agremiação e contra o Partido

O Diretório Nacional de Partido Político tem legitimidade ativa para ajuizamento de demanda indenizatória por alegada ofensa lançada contra candidato a cargo político.

Ex: o Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) possui legitimidade para ajuizar ação de indenização por danos morais em razão de ofensas feitas contra a então candidata da agremiação Dilma Rousseff e contra o próprio Partido.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.484.422-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/05/2019 (Info 653).

Imagine a seguinte situação hipotética: Durante a campanha presidencial no ano de 2010, o candidato José Serra teria proferido ofensas ao Partido dos Trabalhadores e à Dilma Rousseff. Diante disso, o Diretório Nacional do PT ajuizou, na Justiça estadual, ação de indenização por danos morais contra Serra. O juiz proferiu sentença extinguindo o processo, sem resolução do mérito, alegando que estava ausente uma das condições da ação, qual seja, a legitimidade ativa ad causam. Para o magistrado, somente o próprio partido político teria legitimação para buscar eventual reparação de danos de seus filiados, não sendo possível que pessoa jurídica distinta, no caso o Diretório Nacional do Partido, venha a pleitear em Juízo direito notadamente alheio. Segundo o STJ, agiu corretamente o magistrado? NÃO. Vamos entender.

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Partido político O partido político é pessoa jurídica de direito privado, sujeito de direitos e obrigações, constituído de acordo com a Lei nº 9.906/95, organizado em diretórios nacional, regionais e municipais, nos termos do respectivo estatuto, que colabora com o Estado, sem subordinação a entidades ou governos estrangeiros. Órgãos partidários O partido político possui autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento. Dentro dos partidos políticos existem órgãos internos, que são chamados de órgãos partidários. Diretórios Os Diretórios, em direito eleitoral, são órgãos de administração de determinado partido político, escolhido entre as pessoas filiadas ao respectivo partido para compor sua diretoria, comumente havendo representantes de todas as facções existentes naquele partido, podendo ser nacional, estadual ou municipal, de acordo com a abrangência definida por seus integrantes. O diretório nacional corresponde à direção geral do partido (Pelo MP: A responsabilização dos partidos políticos: liberdade e autonomia estão condicionadas ao respeito ao regime democrático. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pelo-mp-responsabilizacao-dos-partidos-politicos-17082016). Voltando ao caso concreto No caso em julgamento, houve o ajuizamento de ação indenizatória por Partido Político representado por órgão de direção nacional. Este órgão de direção nacional possuía autorização estatutária para propor esta ação. Logo, não há que se falar em irregularidade processual ou ilegitimidade de parte. O ente jurídico, dotado de capacidade civil, pode praticar atos jurídicos, sempre por meio de seus diretores ou administradores, havendo, nesses casos, apenas uma vontade, a da sociedade. Assim, quando o Diretório Nacional do Partido ajuíza ação por ofensa ao Partido e a um dos seus filiados, este Diretório não está fazendo a defesa em nome próprio de direito alheio (substituição processual). Como o Diretório Nacional é um órgão interno do partido, ele é a própria pessoa jurídica sob a forma de uma fração. A representação partidária nas ações judiciais constitui prerrogativa jurídico-processual do Diretório Nacional do Partido Político, que é - ressalvada disposição em contrário dos estatutos partidários - o órgão de direção e de ação dessas entidades no plano nacional. Uma vez que o Partido tenha lançado a candidatura de determinado filiado, as ofensas feitas contra este candidato repercutem a ponto de alcançar o próprio partido que indicou. Logo, as ofensas feitas à então candidata Dilma atingem o próprio partido e permitem que ela (candidata) ou o Partido ajuízem a ação de indenização. Trata-se de hipótese de legitimidade concorrente. Em suma:

O Diretório Nacional de Partido Político tem legitimidade ativa para ajuizamento de demanda indenizatória por alegada ofensa lançada contra candidato a cargo político. STJ. 4ª Turma. REsp 1.484.422-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/05/2019 (Info 653).

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DIREITO CIVIL

CLÁUSULA PENAL É válida a cláusula penal que prevê a perda integral dos valores pagos em contrato de

compromisso de compra e venda firmado entre particulares

É válida a cláusula penal que prevê a perda integral dos valores pagos em contrato de compromisso de compra e venda firmado entre particulares.

Para a caracterização do vício de lesão, exige-se a presença simultânea de:

a) elemento objetivo (desproporção das prestações); e

b) elemento subjetivo (a inexperiência ou a premente necessidade).

Os dois elementos devem ser aferidos no caso concreto.

Tratando-se de negócio jurídico bilateral celebrado de forma voluntária entre particulares, é imprescindível a comprovação dos elementos subjetivos, sendo inadmissível a presunção nesse sentido.

O mero interesse econômico em resguardar o patrimônio investido em determinado negócio jurídico não configura premente necessidade para o fim do art. 157 do Código Civil.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.723.690-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 06/08/2019 (Info 653).

Imagine a seguinte situação hipotética: Lucas (empresário) era proprietário de um apartamento e queria vendê-lo. Roberto (advogado), por sua vez, desejava comprá-lo. Lucas e Roberto celebraram, então, um contrato particular de promessa de compra e venda por meio do qual Roberto se obrigou a pagar R$ 1,5 milhão pelo apartamento em 5 parcelas. Lucas, por outro lado, comprometeu-se a transferir o imóvel para o nome do promitente comprador tão logo ele terminasse de pagar as prestações. Roberto pagou uma parte do valor, mas se tornou inadimplente. Diante disso, Lucas o procurou e disse que iria pedir a retomada do imóvel. Roberto explicou que teve uma dificuldade de liquidez financeira e pediu um prazo maior para pagamento. Durante as negociações, como Lucas não estava querendo manter o negócio, Roberto lhe enviou uma mensagem de Whatsapp garantindo que não iria mais atrasar e sugerindo a inclusão de uma cláusula penal no contrato dizendo que ele perderia todas as parcelas já pagas caso não pagasse totalmente o apartamento até a data-limite. Lucas aceitou renegociar e eles assinaram um aditivo ao contrato anterior, ampliando o prazo de pagamento das parcelas e incluindo a seguinte cláusula penal: “3. CLÁUSULA TERCEIRA - RESCISÃO CONTRATUAL 3.1. A desistência do negócio ou o descumprimento da cláusula 1.1 do presente termo aditivo por parte do PROMITENTE COMPRADOR (Roberto) ensejará na rescisão do Contrato de Promessa de Compra e Venda firmado em 18/02/2014, independentemente de qualquer notificação judicial ou extrajudicial, sendo incabível o ressarcimento ao PROMITENTE COMPRADOR dos valores dispendidos até a data limite para o cumprimento total de sua obrigação (05/05/2014), valores esses que serão retidos pelo PROMITENTE VENDEDOR (Lucas) a título de perdas e danos”. Após pagar cerca de R$ 700 mil, Roberto atrasou novamente as parcelas e na data-limite (05/05/2014), não conseguiu quitar a dívida. Roberto questiona a cláusula penal Roberto (o devedor) ajuizou ação de rescisão contratual cumulada com pedido de indenização por danos materiais e morais contra Lucas postulando a declaração de nulidade da cláusula penal.

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Na ação, alegou a invalidade da cláusula penal que prevê a perda da totalidade dos valores pagos apresentando dois argumentos: a) afirmou que se encontrava em situação de premente necessidade quando sugeriu a inclusão da Cláusula 3.1 no compromisso de compra e venda, o que caracterizaria estado de perigo (art. 156 do Código Civil) ou, então, lesão (art. 157 do CC); b) sustentou que é excessivo o desequilíbrio da relação contratual gerado pela referida cláusula. A questão chegou até o STJ. O Tribunal concordou com os argumentos de Roberto? A referida cláusula penal foi declarada inválida? NÃO. Estado de perigo O Capítulo IV do Código Civil de 2002 disciplina as hipóteses em que o negócio jurídico pode ser anulado em virtude de defeitos ou vícios. O estado de perigo encontra-se previsto no art. 156 do CC:

Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.

No estado de perigo, a existência de um risco à vida ou à integridade de uma pessoa faz com que a vítima se submeta ao negócio excessivamente oneroso. Para o STJ, não há relato de nenhum perigo que tenha obrigado o promitente comprador a celebrar o negócio, de forma que a situação não se amolda ao art. 156 do CC. Lesão A lesão, por sua vez, é disciplinada nos seguintes termos:

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.

A lesão está intrinsecamente relacionada com o princípio da boa-fé, que deve pautar a atuação de todos os envolvidos na relação contratual. Como afirmado por Nelson Nery Junior, “o instituto da lesão, tal como previsto na norma ora analisada, se caracteriza porque o lesionário desatendeu a cláusula geral da boa-fé” (NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 10ª ed. São Paulo: RT, 2013, p. 427). Para a caracterização do instituto, é necessária a presença simultânea: • do elemento objetivo: desproporção das prestações; e • do elemento subjetivo: inexperiência ou premente necessidade. Quanto ao elemento objetivo, o Código Civil de 2002 afastou-se do sistema do tarifamento e optou por não estabelecer um percentual indicador da desproporção, permitindo ao julgador examinar o caso concreto para aferir a existência de prestações excessivamente desproporcionais de acordo com a vulnerabilidade da parte lesada.

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Os requisitos subjetivos também devem ser examinados de acordo com as circunstâncias fáticas, considerando a situação que levou o indivíduo a celebrar o negócio jurídico e sua experiência para a negociação, conforme destacado no Enunciado nº 410 do CJF: “(...) A inexperiência a que se refere o art. 157 não deve necessariamente significar imaturidade ou desconhecimento em relação à prática de negócios jurídicos em geral, podendo ocorrer também quando o lesado, ainda que estipule contratos costumeiramente, não tenha conhecimento específico sobre o negócio em causa”. Por se tratar de compromisso de compra e venda celebrado de forma voluntária entre particulares que, em regra, estão em situação de paridade, é imprescindível que os elementos subjetivos da lesão sejam comprovados, não se admitindo a presunção de tais elementos. Nesse sentido é o Enunciado nº 290 do Conselho da Justiça Federal - CJF: “(...) A lesão acarretará a anulação do negócio jurídico quando verificada, na formação deste, a desproporção manifesta entre as prestações assumidas pelas partes, não se presumindo a premente necessidade ou a inexperiência do lesado.” No caso concreto, considerando que o autor Roberto é advogado especializado nas áreas tributária e empresarial, não é possível concluir que se trata de pessoa inexperiente para a celebração de contrato de compromisso de compra e venda de bem imóvel. Com relação à premente necessidade, esta apenas se configura na hipótese em que a parte se vê compelida a celebrar o contrato, mesmo que este possa lhe causar manifesto prejuízo. Contudo, a iniciativa de renegociar o prazo de quitação partiu do promitente comprador, que ofereceu ao promitente vendedor uma vantagem que pudesse convencê-lo a postergar o recebimento do valor pactuado. O mero interesse econômico em resguardar o patrimônio investido em determinado negócio jurídico não configura premente necessidade para o fim do art. 157 do Código Civil. Nas relações contratuais, deve-se manter a confiança e a lealdade, não podendo o contratante exercer um direito próprio contrariando um comportamento anterior. No caso, verifica-se que o próprio autor deu causa à “excessiva desproporcionalidade” que alega ter suportado com a validade de cláusula penal que prevê a perda integral dos valores pagos em contrato de compromisso de compra e venda firmado entre particulares. Logo, concluir pela invalidade da referida cláusula, ou mesmo pela redução da penalidade imposta, implicaria em ratificar a conduta da parte que não observou os preceitos da boa-fé em todas as fases do contrato, o que vai de encontro à máxima do venire contra factum proprium. Em suma:

É válida a cláusula penal que prevê a perda integral dos valores pagos em contrato de compromisso de compra e venda firmado entre particulares. STJ. 3ª Turma. REsp 1.723.690-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 06/08/2019 (Info 653).

E se fosse uma relação de consumo? Vale ressaltar que a relação jurídica acima não envolvia a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, tendo sido decidida unicamente com base na análise do Código Civil. Se fosse uma relação de consumo, penso que a solução teria sido diferente e que o STJ teria declarado a invalidade desta cláusula. Nesse sentido:

Súmula 543-STJ: Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.

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Cláusula de decaimento Apenas a título de curiosidade, o tema acima envolve a chamada cláusula de decaimento. Cláusula de decaimento é aquela que estabelece que o adquirente irá perder todas as prestações pagas durante o contrato caso se mostre inadimplente ou requeira o distrato.

DIREITO DO CONSUMIDOR

PRÁTICA ABUSIVA É ilícita a conduta da casa bancária que transfere, sem autorização expressa, recursos do

correntista para modalidade de investimento incompatível com o perfil do investidor

É ilícita a conduta do banco que transferiu, sem autorização expressa do cliente, recursos do correntista para uma modalidade de investimento com alto risco, incompatível com o perfil moderado do cliente, motivo pelo qual a instituição deve ser condenada a indenizar os danos materiais e morais porventura causados com esta operação.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.326.592-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 07/05/2019 (Info 653).

Imagine a seguinte situação hipotética: João mantinha conta corrente em determinado banco e, normalmente, aplicava a quantia ali depositada em investimentos de perfil conservador, como é o caso da CDB (Certificado de Depósito Bancário). Determinado dia, ao consultar seu extrato bancário, João percebeu que o gerente do banco havia aplicado, sem a sua autorização expressa, R$ 250 mil, que estavam em sua conta corrente, em um fundo de ações, investimento este destinado a clientes de perfil arrojado (agressivo), em razão do alto risco envolvido. Diante disso, João ajuizou ação de indenização contra o banco. No caso concreto, houve a prática de ato ilícito por parte do banco? SIM.

É ilícita a conduta da casa bancária que transfere, sem autorização expressa, recursos do correntista para modalidade de investimento incompatível com o perfil do investidor. STJ. 4ª Turma. REsp 1.326.592-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 07/05/2019 (Info 653).

Vamos entender os argumentos invocados pelo STJ. Aplicação do CDC aos bancos Inicialmente, é importante relembrar que o CDC se aplica às atividades de natureza bancária, financeira ou de crédito, conforme prevê o § 2º do art. 3º do referido Código. A fim de que não houvesse dúvidas, o STJ editou um enunciado com esse entendimento:

Súmula 297-STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Serviço bancário de aplicação financeira A atividade bancária de administração de fundos de investimento compreende o conjunto de serviços relacionados ao funcionamento e à manutenção do fundo, tais como a gestão da carteira, a consultoria de investimentos, a escrituração da emissão e do resgate de cotas, a custódia de ativos financeiros, entre outros. O investidor, que no mais das vezes é correntista da instituição bancária, ocupa a posição de destinatário final dos serviços prestados pelo administrador do fundo.

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Assim, em regra, o administrador do fundo é fornecedor de serviços e o investidor ocupa a posição de consumidor, na forma dos arts. 2º e 3º do CDC. Por óbvio, não se está a afirmar que todo e qualquer investidor é consumidor, porque há, no mercado de capitais, investidores profissionais que movimentam elevada soma de forma habitual e institucionalizada. Nestes casos, não há hipossuficiência e eles não são considerados consumidores. Dever de informação As instituições bancárias, na qualidade de prestadoras de serviço de consultoria financeira, devem fornecer informações claras e precisas aos consumidores sobre as características (nas quais incluídos os riscos) dos ativos financeiros negociados e apresentados como opção de investimento. Desse modo, como o consumidor possui vulnerabilidade informacional e técnica, a oferta de aplicações financeiras deve observar o direito básico de informação adequada e clara sobre o produto, com a especificação correta de suas características, notadamente os riscos que apresentem, consoante se extrai do inciso III do art. 6º do CDC. O CDC conferiu uma enorme relevância aos princípios da confiança, da boa-fé, da transparência e da equidade nas relações consumeristas, resguardando os direitos básicos de informação adequada e de livre escolha da parte vulnerável. Nesse sentido, como o fornecer possui o dever qualificado de informar, conclui-se que uma “informação deficiente”, ou seja, falha, incompleta ou omissa quanto a um dado relevante é o mesmo que “ausência de informação”. Responsabilidade por prejuízos advindos de investimentos malsucedidos Vale ressaltar que o STJ possui precedentes admitindo a responsabilidade das entidades bancárias por prejuízos advindos de investimentos malsucedidos quando houver defeito na prestação do serviço de conscientização dos riscos envolvidos na operação. Nesse sentido:

(...) 1. Hipótese em que a parte autora busca a reparação dos prejuízos sofridos em decorrência da aplicação em fundo de investimento no exterior atingido por uma das maiores fraudes já praticadas no mercado financeiro norte-americano (caso "Madoff"). 2. As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por vício na prestação de serviços, ressalvada a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, incumbindo-lhes, na prestação de serviço de assessoramento financeiro, apresentar informações precisas e transparentes acerca dos riscos aos quais seus clientes serão submetidos. 3. A aferição do dever de apresentar informações precisas e transparentes acerca dos riscos do negócio pode variar conforme a natureza da operação e a condição do operador, exigindo-se menor rigor se se fizerem presentes a notoriedade do risco e a reduzida vulnerabilidade do investidor. 4. Os deveres jurídicos impostos aos administradores dos fundos de investimento não se confundem com a responsabilidade da instituição financeira que os recomenda a seus clientes como possíveis fontes de lucro. 5. Eventuais prejuízos decorrentes de aplicações mal sucedidas somente comprometem as instituições financeiras que os recomendam como forma de investimento se não forem adotadas cautelas mínimas necessárias à elucidação da álea natural do negócio jurídico, sobretudo daqueles em que o elevado grau de risco é perfeitamente identificável segundo a compreensão do homem-médio, justamente por se tratar de obrigação de meio, e não de resultado. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1606775/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 06/12/2016.

Ausência de autorização expressa No caso concreto, a deficiência informacional do consumidor decorreu do fato de que ele não teve a oportunidade de autorizar, expressamente, que o banco fizesse a aplicação financeira no fundo de investimento que apresentava risco incompatível com o seu perfil conservador.

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A proteção contra práticas abusivas, assim como o direito à informação, é direito básico do consumidor, cuja manifesta vulnerabilidade (técnica e informacional) impõe a defesa da qualidade do seu consentimento, bem como a vedação da ofensa ao equilíbrio contratual. Houve, portanto, uma prática abusiva, conforme prevê o art. 39, III e VI, do CDC:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes; (...) Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.

Um dos argumentos do banco foi o de que o cliente constatou que o dinheiro havia sido investido no referido fundo e que, apesar disso, ele demorou muito tempo para reclamar sobre isso, o que demonstra que teria havido concordância tácita. Esse argumento foi admitido pelo STJ? NÃO. Como estamos diante de uma prática abusiva vedada pelo CDC, não pode ser atribuído ao silêncio do consumidor (em um dado decurso de tempo) o mesmo efeito jurídico previsto no art. 111 do Código Civil, segundo o qual:

Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.

Assim, a norma do Código Civil que legitima a figura da “aceitação tácita”, não se revela aplicável no caso, tendo em vista a exigência legal de declaração de vontade expressa para a prestação de serviços ou aquisição de produtos no mercado de consumo, ressalvada tão somente a hipótese de “prática habitual” entre as partes (art. 39, VI, do CDC). Dessa feita, no que diz respeito às práticas abusivas fundadas na falta de solicitação prévia ou autorização expressa, não se poderá atribuir o status de anuência tácita ao silêncio do consumidor que, malgrado o decurso do tempo, não tenha se insurgido, explicitamente, contra a conduta do fornecedor que, ao prestar um serviço, não agira de modo a reduzir o déficit informacional da parte vulnerável, em flagrante ofensa aos princípios da boa-fé objetiva, da vulnerabilidade e do equilíbrio, consagrados pelo CDC. Tal interpretação é reforçada, ademais, pela norma inserta no art. 46 do CDC, segundo o qual “os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”. Ademais, é certo que o código consumerista tem aplicação prioritária nas relações entre consumidor e fornecedor, não se afigurando cabida a mitigação de suas normas, mediante a incidência de princípios do Código Civil que pressupõem a equidade (o equilíbrio) entre as partes. Se o correntista tem hábito de autorizar investimentos sem nenhum risco de perda (como é o caso do CDB - título de renda fixa com baixo grau de risco) e o banco, por iniciativa própria e sem respaldo em autorização expressa do consumidor, realiza aplicação em fundo de risco incompatível com o perfil conservador de seu cliente, a ocorrência de eventuais prejuízos deve sim, ser suportada, exclusivamente, pela instituição financeira, que, notadamente, não se desincumbiu do seu dever de esclarecer de forma adequada e clara sobre os riscos da operação.

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DIREITO EMPRESARIAL

TÍTULOS DE CRÉDITO A impenhorabilidade dos bens vinculados à Cédula de Produto Rural (CPR) é absoluta,

não podendo ser afastada para satisfação de crédito trabalhista

O art. 18 da Lei nº 8.929/94 prevê que os bens vinculados à CPR são impenhoráveis:

Art. 18. Os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou sequestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real, cumprindo a qualquer deles denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência, ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão.

Essa impenhorabilidade é considerada absoluta porque existe em virtude da lei e do interesse público de estimular o crédito agrícola. Por essa razão, tal impenhorabilidade prevalece mesmo se estivermos diante da execução de créditos de natureza trabalhista.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.327.643-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/05/2019 (Info 653).

Títulos de crédito O título de crédito é um documento por meio do qual se prova que existe uma obrigação entre o(s) credor(es) e o(s) devedor(es), nos termos do que ali está escrito. O conceito tradicional de título de crédito foi dado há décadas por um jurista italiano chamado Cesare Vivante: “título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele contido ou mencionado”. Essa definição foi adotada pelo CC-2002:

Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.

Os títulos de crédito são muito importantes para a economia porque eles facilitam a obtenção e a circulação do crédito, além de conferirem maior segurança para os credores. Ex: se a pessoa quer comprar uma mercadoria, mas não tem dinheiro no momento, ela poderá assinar uma nota promissória e entregá-la ao vendedor, comprometendo-se a pagar a quantia em 30 dias. Houve a concessão de um crédito de forma simplificada e o credor terá em mãos uma garantia de pagamento. Com isso, mais negócios podem ser realizados. Títulos rurais Existem alguns títulos de crédito que são gerais e mais conhecidos, como é o caso da letra de câmbio, duplicata, cheque etc. No entanto, a experiência mostrou que seria interessante que fossem criados alguns títulos de crédito, com características específicas, para facilitar as negociações envolvendo determinados setores da economia. Em suma, verificou-se a necessidade de criar títulos de crédito específicos para algumas transações empresariais. No caso da atividade rural, por exemplo, foram idealizados quatro títulos de crédito específicos, chamados de “títulos rurais”. São eles: a) Cédula de crédito rural; b) Cédulas de produto rural; c) Nota promissória rural; d) Duplicata rural.

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Cédulas de Produto Rural (CPR) As cédulas de produto rural foram criadas pela Lei nº 8.929/94 com o objetivo de estimular o financiamento privado da atividade rural. Existem duas espécies de CPR:

• CPR física (art. 1º da Lei);

• CPR financeira (art. 4º-A da Lei).

CPR física CPR financeira

A cédula de produto rural física (CPR física) é um título de crédito por meio do qual o produtor rural ou a associação de produtores rurais (inclusive cooperativas) se compromete, em um documento, a entregar produtos rurais, em um momento futuro, recebendo, desde já, o pagamento por essa venda. No dia do vencimento, o produtor rural entregará ao credor os produtos rurais prometidos.

Na CPR financeira, o produtor rural ou a associação de produtores emite a CPR, recebendo o dinheiro correspondente a “X” produtos rurais (ex: 100kg de café, tipo tal) e comprometendo-se a fazer a liquidação financeira da CPR (pagar a quantia emprestada) em determinada data e segundo os juros ali estipulados. Em vez de entregar o produto rural, o produtor irá pagar ao credor o valor do que tomou emprestado.

Em outras palavras, a CPR física representa a documentalização de um contrato de compra e venda de produtos rurais, por meio do qual o vendedor recebe o pagamento antecipadamente, comprometendo-se a entregar os produtos rurais em uma determinada data.

Em outras palavras, a CPR financeira representa a documentalização de um contrato de financiamento, por meio do qual o produtor rural (ou associação) recebe um valor em dinheiro, comprometendo-se a pagar em uma determinada data futura.

Caso o emitente seja inadimplente, o credor poderá ajuizar ação de execução para a entrega de coisa.

Caso o emitente seja inadimplente, o credor poderá ajuizar ação de execução por quantia certa.

É parecida com uma duplicata mercantil. É parecida com uma nota promissória.

Art. 1º Fica instituída a Cédula de Produto Rural (CPR), representativa de promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantia cedularmente constituída.

Art. 4º-A. Fica permitida a liquidação financeira da CPR de que trata esta Lei, desde que observadas as seguintes condições: I - que seja explicitado, em seu corpo, os referenciais necessários à clara identificação do preço ou do índice de preços a ser utilizado no resgate do título, a instituição responsável por sua apuração ou divulgação, a praça ou o mercado de formação do preço e o nome do índice; II - que os indicadores de preço de que trata o inciso anterior sejam apurados por instituições idôneas e de credibilidade junto às partes contratantes, tenham divulgação periódica, preferencialmente diária, e ampla divulgação ou facilidade de acesso, de forma a estarem facilmente disponíveis para as partes contratantes; III - que seja caracterizada por seu nome, seguido da expressão "financeira".

Imagine agora a seguinte situação hipotética: João celebrou com o Banco do Brasil contrato de financiamento rural, representado por cédula de produto rural (CRP-Financeira). Isso significa que João adquiriu um empréstimo junto à instituição financeira e esta

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exigiu, como garantia, que o mutuário emitisse, em seu favor, uma CPR, que é um papel no qual o emitente se compromete a pagar para o beneficiário determinada quantia ali prevista. Este papel (cédula) fica em poder do credor. Caso o emitente não cumpra a sua promessa e não pague a dívida no prazo, o credor poderá executar a cédula, que é um título de crédito e, portanto, título executivo extrajudicial. A CRP poderá ser emitida com ou sem garantia (art. 1º da Lei nº 8.929/94). Em caso de empréstimo de pequenos valores, os bancos normalmente não exigem garantia, bastando a CPR, que é, como vimos, título executivo. No entanto, se a quantia for grande, as instituições exigem que o mutuário, além de emitir a cédula, forneça uma garantia (ex: hipoteca de um bem imóvel, cessão fiduciária de bens móveis etc.). Suponhamos que, em nosso exemplo, o banco exigiu um caminhão como garantia. Reclamação trabalhista Pedro trabalhava na propriedade rural de João e, após um desentendimento, saiu do emprego e ajuizou uma reclamação trabalhista contra seu ex-empregador. O juiz trabalhista julgou o pedido procedente, condenando João a pagar R$ 20 mil a Pedro. Na execução desta sentença, o juiz determinou a penhora do caminhão pertencente a João. O devedor se defendeu, alegando que este bem (caminhão) está vinculado à Cédula de Produto Rural e, portanto, é impenhorável, nos termos do art. 18 da Lei nº 8.929/94:

Art. 18. Os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou sequestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real, cumprindo a qualquer deles denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência, ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão.

O juiz não aceitou o argumento e afirmou, em sua decisão, que esta impenhorabilidade é relativa e que gozam de preferência. Agiu corretamente o magistrado? NÃO. O bem vinculado à CPR é sim impenhorável, mesmo no que se refere à execução de dívidas trabalhistas. Veja o que decidiu o STJ:

A impenhorabilidade dos bens vinculados à Cédula de Produto Rural (CPR) é absoluta, não podendo ser afastada para satisfação de crédito trabalhista. STJ. 4ª Turma. REsp 1.327.643-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/05/2019 (Info 653).

Sistema Privado de Financiamento do Agronegócio Sistema Privado de Financiamento do Agronegócio foi um regime jurídico surgido a partir da metade dos anos de 1990 e baseado em três medidas principais: 1) estímulo do patrocínio privado da agricultura comercial profissionalizada e da agroindústria; 2) criação de uma política pública de renegociação das dívidas dos agropecuaristas; 3) criação de bancos especializados e de títulos de crédito do agronegócio. A Cédula de Produto Rural - CPR (Lei nº 8.929/1994) é, portanto, um dos instrumentos-base do financiamento do agronegócio, facilitadora da captação de recursos. É título de crédito, líquido e certo, de emissão exclusiva dos produtores rurais, suas associações e cooperativas, traduzindo-se na operação de entrega de numerário ou de mercadorias, com baixo custo operacional para as partes. Impenhorabilidade dos bens vinculados à CPR como Tendo em vista sua função social e visando garantir eficiência e eficácia à CPR, o art. 18 da Lei nº 8.929/94 prevê que os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou sequestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real, cabendo a estes comunicar tal vinculação a quem de direito.

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Esta impenhorabilidade do art. 18 da Lei nº 8.929/94 é relativa ou absoluta? Absoluta. A impenhorabilidade criada por lei é absoluta em oposição à impenhorabilidade por simples vontade individual. A impenhorabilidade absoluta é aquela que se constitui por interesse público, e não por interesse particular, sendo possível o afastamento apenas desta última hipótese. A impenhorabilidade dos bens vinculados à CPR pode ser considerada voluntária? NÃO. Não se sustenta a afirmação de que a impenhorabilidade dos bens dados em garantia cedular seria voluntária. Trata-se de impenhorabilidade legal. A parte voluntária do ato é apenas a constituição da garantia real, o que, por si só, não tem o condão de gerar a impenhorabilidade. A impenhorabilidade, de fato, é gerada pela lei. Essa impenhorabilidade persiste mesmo em caso de execuções trabalhistas Os bens que garantem a CPR não responderão pelas dívidas do emitente mesmo que sejam de natureza trabalhista. Isso se dá com base na interpretação conjugada do art. 832 do CPC/2015 com o art. 769 da CLT:

CPC/2015 Art. 832. Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis.

CLT Art. 769. Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

O direito de prelação (“preferência”) em favor do credor cedular (ex: banco que concedeu o empréstimo ao produtor rural) se concretiza no pagamento prioritário com o produto da venda judicial do bem objeto da garantia excutida, não significando, entretanto, tratamento legal discriminatório e anti-isonômico, já que é justificado pela existência da garantia real que reveste o crédito privilegiado. Assim, os bens vinculados à CPR são impenhoráveis em virtude de lei, mais propriamente do interesse público de estimular o crédito agrícola, devendo prevalecer mesmo diante de penhora realizada para garantia de créditos trabalhistas.

SOCIEDADE ANÔNIMA A ação social reparatória (ut universi) ajuizada pela sociedade empresária contra ex-

administradores (art. 159 da Lei das SA), depende de autorização da assembleia geral, podendo esta autorização ser comprovada após o ajuizamento da ação

A ação social reparatória (ut universi) ajuizada pela sociedade empresária contra administradores ou ex-administradores, na forma do art. 159 da Lei nº 6.404/76, depende de autorização da assembleia geral ordinária ou extraordinária.

A redação do art. 159 da LSA afirma que esta autorização é prévia, ou seja, a autorização deveria ser obtida antes do ajuizamento da ação, sendo juntada com a petição inicial da demanda.

Vale ressaltar, contudo, que a jurisprudência admite que essa autorização assemblear seja obtida mesmo após a propositura da ação social.

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Assim, ainda que a ação social tenha sido proposta sem a autorização, é possível que este vício seja sanado e que a assembleia-geral confira a autorização durante a tramitação.

Isso se justifica porque essa autorização está relacionada com a capacidade da companhia de estar em juízo (legitimatio ad processum). Logo, eventual irregularidade pode vir a ser sanada após o ajuizamento da ação, devendo o juiz designar prazo para que a sociedade anônima faça a regularização na forma do art. 76 do CPC/2015.

Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembleia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.778.629-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 06/08/2019 (Info 653).

Imagine a seguinte situação hipotética: João era administrador da sociedade anônima “Monstros S/A”. Determinado dia, João autorizou uma operação comercial sem tomar as cautelas necessárias, o que gerou um prejuízo de R$ 1 milhão para a companhia. O diretor foi destituído da função. Existe alguma ação que a companhia poderá ajuizar contra o ex-administrador, pleiteando a reparação pelos danos que ele causou à empresa? SIM. O art. 159 da Lei nº 6.404/76 prevê a possibilidade de ser ajuizada uma ação de indenização contra o antigo administrador cobrando os prejuízos por ele causados à sociedade. Veja:

Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembleia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio. (...) § 3º Qualquer acionista poderá promover a ação, se não for proposta no prazo de 3 (três) meses da deliberação da assembleia-geral. § 4º Se a assembleia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento), pelo menos, do capital social. § 5º Os resultados da ação promovida por acionista deferem-se à companhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados.

O nome dessa ação prevista no art. 159 é “ação social reparatória”, sendo voltada a reparar danos causados à própria sociedade anônima pela atuação ilícita de seus administradores. Quem pode promover a ação? A ação social pode ser promovida: a) pela própria companhia (caput do art. 159 da LSA). Neste caso, ela é chamada de ação social reparatória ut universi. b) por qualquer acionista, em duas hipóteses: b.1) se a assembleia-geral autorizou a companhia a ajuizar a ação ut universi, mas já se passaram 3 meses e a sociedade ainda não propôs a ação. É o que prevê o § 3º do art. 159. É chamada de ação ut singuli derivada. b.2) se a assembleia-geral decidir que não deve ser proposta a ação ut universi. Neste caso, os acionistas que representem ao menos 5% do capital social poderão ajuizar a ação, pedindo a reparação. É denominada de ação ut singuli originária. Obs: na ação social ut singuli, o acionista que a promove o faz em nome próprio, na defesa dos direitos e interesses da companhia. Está-se, pois, diante de uma legitimação extraordinária. Aliás, o § 5º do artigo

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sob exame, de modo a explicitar tal circunstância, deixa claro que o resultado obtido com a demanda é deferido à sociedade, e não ao acionista promovente. Autorização assemblear Se você ler novamente o art. 159 acima, verá que ele exige, para o ajuizamento da ação social ut universi, que tenha havido uma autorização da assembleia-geral da companhia (autorização assemblear). A assembleia-geral é órgão deliberativo máximo de uma sociedade anônima. Ela reúne todos os acionistas que tenham ou não direito a voto. O art. 159 fala que a autorização assemblear é necessária para o ajuizamento da “ação de responsabilidade civil contra o administrador”. Certa vez surgiu uma tese de que se a ação fosse proposta contra o ex-administrador não seria necessária a autorização assemblear. Essa tese foi acolhida pelo STJ? NÃO. Apesar de o art. 159 da Lei das S.A. mencionar a palavra “administrador”, o termo deve ser entendido no sentido de incluir também ex-administradores. Voltando ao nosso exemplo: João foi destituído da função de administrador. Logo em seguida, a companhia ajuizou contra ele uma ação social reparatória ut universi. O réu, em sua contestação, pediu a extinção do feito sem resolução do mérito sob o argumento de que não houve autorização prévia da assembleia-geral. Em outras palavras, a companhia propôs a ação sem que tenha havido deliberação da assembleia-geral, o que afronta o caput do art. 159 da LSA. Ao tomar conhecimento da contestação de João, a sociedade anônima buscou regularizar a situação. Para tanto, convocou uma assembleia-geral e nela foi autorizada a propositura da ação social. O juiz deverá aceitar essa autorização mesmo ela sendo posterior ao ajuizamento da ação? A autorização assemblear mencionada no art. 159 da LSA poderá ser obtida mesmo após a propositura da ação social? SIM. A autorização assemblear poderá vir a ser realizada e comprovada após o ajuizamento da ação social. A questão é de legitimidade processual, que, na teoria geral do processo, consubstancia um dos pressupostos processuais, ou seja, a deliberação assemblear habilita a sociedade empresária para estar em juízo e pleitear a indenização pelos danos causados à sociedade por seus administradores, atuais e antigos. Se a companhia não tivesse buscado resolver a situação antes mesmo de qualquer deliberação do juízo, o que o magistrado deveria fazer? Deveria suspender o processo e designar prazo para que a companhia sanasse o vício, na forma do 76 do CPC/2015):

Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício.

Se a companhia não sanasse o vício no prazo fixado, aí sim o juiz deveria extinguir o processo sem resolução de mérito, por falta de pressuposto processual. Em suma:

A ação social reparatória (ut universi) ajuizada pela sociedade empresária contra ex-administradores, na forma do art. 159 da Lei nº 6.404/76, depende de autorização da assembleia geral ordinária ou extraordinária, que poderá ser comprovada após o ajuizamento da ação. STJ. 3ª Turma. REsp 1.778.629-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 06/08/2019 (Info 653).

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Ação individual Estudamos acima a legitimidade para a ação social, ou seja, aquela proposta pela sociedade ou pelos acionistas, contra o administrador para que ele indenize a sociedade (companhia) pelos prejuízos causados. Existe, contudo, a chamada ação individual, que é aquela proposta por qualquer acionista ou terceiro com o objetivo de reparar o prejuízo causado a si próprio, ou seja, ao próprio acionista (e não o prejuízo da sociedade anônima). Está prevista no § 7º do art. 159:

Art. 159 (...) § 7º A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador.

FALÊNCIA A decretação da falência não importa, por si, na extinção da personalidade jurídica da sociedade

Segundo o procedimento regrado pelo Decreto-Lei nº 7.661/45 (antiga Lei de Falências), a decretação da falência não implica a imediata e incondicional extinção da pessoa jurídica, mas tão só impõe ao falido a perda do direito de administrar seus bens e deles dispor, conferindo ao “síndico” (atualmente chamado de “administrador judicial”) a representação judicial da massa.

Ao término do processo falimentar, concluídas as fases de arrecadação, verificação e classificação dos créditos, realização do ativo e pagamento do passivo, se eventualmente sobejar patrimônio da massa, a lei faculta ao falido requerer a declaração de extinção de todas as suas obrigações, pedido cujo acolhimento autoriza-o voltar ao exercício do comércio.

Portanto, a decretação da falência, que enseja a dissolução, é o primeiro ato do procedimento e não importa, por si, na extinção da personalidade jurídica da sociedade. A extinção, precedida das fases de liquidação do patrimônio social e da partilha do saldo, dá-se somente ao fim do processo de liquidação, que todavia pode ser antes interrompido, se acaso revertidas

as razões que ensejaram a dissolução, como na hipótese em que requerida e declarada a extinção das obrigações.

STJ. 4ª Turma. AgRg no REsp 1.265.548-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. Acd. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 25/06/2019 (Info 653).

Obs: o entendimento acima exposto também pode ser aplicado para a atual Lei de Falência (Lei nº 11.101/2005).

Falência Falência é o processo coletivo de execução forçada de um empresário ou sociedade empresária cuja recuperação mostra-se inviável. Atualmente, a falência do empresário e da sociedade empresária é regida pela Lei nº 11.101/2005. Antes da Lei nº 11.101/2005, que entrou em vigor em 2005, a falência era regulada pelo Decreto-Lei nº 7.661/45. Imagine a seguinte situação hipotética ocorrida na vigência do DL 7.661/45 A sociedade empresária “ICA Comércio Ltda.” teve a sua falência decretada por decisão judicial. Após todas as etapas, o juiz encerrou o processo, declarando extintas as obrigações da massa falida. Logo em seguida a sociedade empresária ajuizou uma ação, mas o magistrado não conheceu da demanda alegando que, com o término do processo falimentar, ocorreu a extinção da pessoa jurídica (extinção da personalidade jurídica da empresa).

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O STJ concordou com essa conclusão do juiz? Com a decretação da quebra e o posterior encerramento da falência, há a extinção da empresa, com a perda da personalidade e do interesse processual em litigar em juízo? NÃO.

A decretação da falência com base no Decreto-Lei nº 7.661/45 (antiga Lei de Falências) não importa, por si, na extinção da personalidade jurídica da sociedade. STJ. 4ª Turma. AgRg no REsp 1.265.548-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. Acd. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 25/06/2019 (Info 653).

A decretação da falência não gera a extinção da pessoa jurídica. Com a decretação, o que acontece é que o falido perde o direito de administrar seus bens e deles dispor. O “síndico” (atualmente chamado de “administrador judicial”) passa então a representar a massa falida. Assim, a sociedade falida não se extingue nem perde a sua capacidade processual, tanto que pode figurar como assistente nas ações em que a massa seja parte ou interessada, inclusive interpondo recursos. Durante o trâmite do processo de falência, a sociedade falida pode até mesmo requerer providências conservatórias dos bens arrecadados. Tanto o DL 7.661/45 como a Lei nº 11.101/2005 reconhecem a capacidade da sociedade falida de realizar determinados atos após a sentença de decretação da falência, bem como possibilitam a reabilitação posterior da empresa, com o restabelecimento de sua atividade econômica. Nesse sentido:

DL 7.661/45: Art. 36. Além dos direitos que esta lei especialmente lhe confere, tem o falido os de fiscalizar a administração da massa, de requerer providências conservatórias dos bens arrecadados e fôr a bem dos seus direitos e interêsses, podendo intervir, como assistente, nos processos em que a massa seja parte ou interessada, e interpôr os recursos cabíveis.

Lei nº 11.101/2005: Art. 103. (...) Parágrafo único. O falido poderá, contudo, fiscalizar a administração da falência, requerer as providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos bens arrecadados e intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou interessada, requerendo o que for de direito e interpondo os recursos cabíveis.

O encerramento da falência é causa da dissolução e da liquidação da sociedade empresária. No entanto, isso não significa, por si só, que seja também causa de extinção automática da empresa, tendo em vista que a sua personalidade jurídica é mantida até o efetivo cancelamento no registro competente ou, ainda, porque pode ressurgir com a reabilitação da falida para o exercício de suas atividades. Tanto o ato de dissolução como o ato de extinção da sociedade empresária devem ser tidos, principalmente no âmbito falimentar, como fases com momentos e efeitos diversos, sendo uma sequência de atos voltados ao fim da vida social. Assim, pode-se dizer que a dissolução da sociedade pela decretação de sua falência não extingue a pessoa jurídica, sendo apenas o início da fase liquidatória da empresa. Veja outros julgados do STJ sobre o tema:

A personalidade jurídica da falida não desaparece com o encerramento do procedimento falimentar, pois a sociedade pode prosseguir no comércio a requerimento do falido e deferimento do juízo, ou mesmo, conforme determinava a anterior lei falimentar, requerer o processamento de concordata suspensiva. STJ. 3ª Turma. REsp 883.802/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/04/2010.

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A pessoa jurídica já dissolvida pela decretação da falência subsiste durante seu processo de liquidação, sendo extinta, apenas, depois de promovido o cancelamento de sua inscrição perante o ofício competente. Inteligência do art. 51 do Código Civil. STJ. 1ª Turma. REsp 1359273/SE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Benedito Gonçalves, julgado em 04/04/2013.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA Em regra, a instituição bancária não tem responsabilidade de entregar ao credor os valores

depositados em juízo acrescidos de juros moratórios, salvo se, depois que o dinheiro tiver sido liberado pelo juízo, o banco se recusar ou demorar a fazer a restituição

Realizado pelo devedor o depósito da dívida para a garantia do juízo, cessa sua responsabilidade pela incidência de correção monetária e de juros relativamente ao valor depositado, passando a instituição financeira depositária a responder pela atualização monetária, a título de conservação da coisa, e pelos juros remuneratórios, a título de frutos e acréscimos, sendo indevida a incidência de novos juros moratórios, exceto se a instituição financeira depositária recusar-se ou demorar injustificadamente na restituição integral do valor depositado.

STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1.460.908-PE, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 04/06/2019 (Info 653).

Imagine a seguinte situação hipotética: João propõe uma ação de cobrança contra Roberto. O juiz julga a sentença procedente, condenando Roberto a pagar R$ 1 milhão a João, tendo havido o trânsito em julgado. João ingressou com uma petição requerendo o cumprimento da sentença e o pagamento do valor da condenação (R$ 1 milhão). O juiz determinou a intimação do devedor para pagar a quantia em 15 dias. O devedor, em vez de pagar, afirmou que queria se defender (questionar o cumprimento de sentença por meio da impugnação). Ele depositou em uma conta bancária, a disposição do juízo, R$ 1 milhão, e apresentou a impugnação. Suspensão da execução Em regra, a impugnação não tem efeito suspensivo, ou seja, o cumprimento de sentença continua normalmente. No entanto, o juiz pode atribuir efeito suspensivo (paralisando a execução), nos termos do art. 525, § 6º do CPC/2015:

Art. 525 (...) § 6º A apresentação de impugnação não impede a prática dos atos executivos, inclusive os de expropriação, podendo o juiz, a requerimento do executado e desde que garantido o juízo com penhora, caução ou depósito suficientes, atribuir-lhe efeito suspensivo, se seus fundamentos forem relevantes e se o prosseguimento da execução for manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.

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Suponha que o magistrado determinou a suspensão da execução. Logo, o dinheiro depositado como garantia permanecerá na conta bancária, não podendo ser sacado pelo credor. Responsabilidade do devedor pela correção monetária e juros de mora Imagine agora que dois anos depois, o juiz julga improcedente a impugnação e determina, assim, o prosseguimento da execução. Nesse caso, o credor poderá sacar o dinheiro depositado pelo devedor. Ocorre que não seria justo que após todo esse tempo, e exequente recebesse o valor sem qualquer encargo. Desse modo, o credor terá direito de receber a quantia depositada, acrescida de juros e correção monetária, para que não seja prejudicado pela demora. De quem é a obrigação de pagar os juros e correção monetária em relação a esse valor que ficou depositado: do devedor ou do banco. Do banco. Realizado pelo devedor o depósito integral da dívida para a garantia do juízo, cessa sua responsabilidade pela incidência de correção monetária e de juros relativamente ao valor depositado, passando a instituição financeira depositária a responder pela atualização monetária e pela remuneração de tal valor. Assim, a responsabilidade pelos juros e correção monetária dos valores que estão em depósito judicial é da instituição financeira onde o numerário foi depositado. Nesse sentido, existe um enunciado:

Súmula 179-STJ: O estabelecimento de crédito que recebe dinheiro, em depósito judicial, responde pelo pagamento da correção monetária relativa aos valores recolhidos.

Ressalte-se que o credor não precisará intentar uma nova ação para receber a quantia:

Súmula 271-STJ: A correção monetária dos depósitos judiciais independe de ação específica contra o banco depositário.

O pedido de atualização monetária deve ser dirigido à instituição financeira no processo em que foi realizado o depósito judicial. Quando se falou em “juros”, está se referindo aos juros moratórios ou juros remuneratórios? Juros remuneratórios. Em regra, a instituição financeira que recebeu o depósito judicial é responsável apenas pela correção monetária e pelos juros remuneratórios incidentes sobre o valor depositado judicialmente. E os juros moratórios, não são devidos? Em regra, não. O depósito judicial realizado para garantia do juízo na execução ou em cumprimento de sentença está sujeito à remuneração específica a cargo da instituição financeira depositária, com acréscimo apenas de: • correção monetária e • juros remuneratórios (frutos civis). É o que determina o art. 629 do Código Civil:

Art. 629. O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos (aqui entendido como juros remuneratórios) e acrescidos, quando o exija o depositante.

Quando o devedor faz o depósito judicial da quantia integral, nesse montante já estão incluídos eventuais juros de mora devidos até essa data, ficando ele desobrigado de pagar novos juros de mora relativos ao tempo em que a dívida ficar sendo discutida em juízo.

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Assim, como o depositante já realizou a entrega do valor integral com inclusão dos juros moratórios acaso devidos, estes já estarão presentes na composição da base de cálculo sobre a qual o banco depositário fica obrigado a fazer incidir correção monetária e juros remuneratórios. Portanto, a incidência de novos juros moratórios representaria descabido bis in idem. Além disso, seria injusto atribuir os encargos da dívida correspondentes aos juros moratórios ao mero depositário judicial. Os juros remuneratórios (também chamados de compensatórios) servem para remunerar o capital investido ou depositado por outrem, por força de previsão legal ou contratual a que se sujeita toda utilização de capital alheio. Assim, como o dinheiro do credor está com o banco, é justo que a instituição financeira remunere este credor (pague os juros remuneratórios). Por outro lado, os juros moratórios têm natureza sancionadora e são devidos em razão de um ato ilícito, decorrente de atraso na restituição do capital ou no cumprimento da obrigação legal ou contratual. O banco depositário não atrasou na devolução do dinheiro ali depositado. Na verdade, ele não podia entregar a quantia ao devedor enquanto a discussão em juízo não acabasse. Logo, não se pode dizer que ele tenha atrasado a devolução do dinheiro. Assim, sobre o valor depositado judicialmente, a instituição financeira depositária deve remunerar o capital por meio de correção monetária, a título de conservação da coisa, e de juros remuneratórios, a título de frutos e acréscimos. Mas não fica, normalmente, responsável pelo pagamento de juros moratórios, uma vez que não há atraso no cumprimento de obrigação, tampouco ato ilícito. O banco terá que pagar juros de mora se, depois de estar liberado o dinheiro pela justiça, ele demorar a fazer a restituição A questão é distinta quando, instada pelo juiz, a instituição financeira depositária recusa-se ou demora injustificadamente na restituição integral do valor depositado. Nesse caso, será correta a incidência de juros moratórios, porque aí haverá um ato ilícito gerador de mora. Em suma: Em regra, o banco não tem responsabilidade de entregar ao credor os valores depositados acrescidos de juros moratórios. Exceção: a instituição financeira depositária terá que pagar juros moratórios ao credor, caso o dinheiro já tenha sido liberado pelo juízo e, mesmo assim, o banco tenha se recusado ou demorado injustificadamente a fazer a restituição integral da quantia.

Realizado pelo devedor o depósito da dívida para a garantia do juízo, cessa sua responsabilidade pela incidência de correção monetária e de juros relativamente ao valor depositado, passando a instituição financeira depositária a responder pela atualização monetária, a título de conservação da coisa, e pelos juros remuneratórios, a título de frutos e acréscimos, sendo indevida a incidência de novos juros moratórios, exceto se a instituição financeira depositária recusar-se ou demorar injustificadamente na restituição integral do valor depositado. STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1.460.908-PE, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 04/06/2019 (Info 653).

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ATO ATENTATÓRIO O juiz que conduz o processo não pode ser apenado com a multa prevista para os casos de

cometimento de ato atentatório ao exercício da jurisdição, prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015)

Importante!!!

A multa prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015) não se aplica aos juízes, devendo os atos atentatórios por eles praticados ser investigados nos termos da Lei Orgânica da Magistratura.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.548.783-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/06/2019 (Info 653).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, Juiz de Direito, proferiu decisão interlocutória determinando que a parte juntasse aos autos procuração original, sob pena de indeferimento da petição inicial. A parte interpôs agravo de instrumento questionando a determinação. O Desembargador Relator do recurso no Tribunal de Justiça, monocraticamente, deu provimento ao agravo dispensando a parte de apresentar procuração original. A despeito do resultado do recurso, o Juiz proferiu nova decisão interlocutória exigindo novamente a procuração original, sob o argumento de que o Desembargador havia sido induzido a erro pela parte recorrente, que teria narrado falsamente os fatos no recurso. A parte interpôs, então, novo agravo de instrumento. O Desembargador Relator mais uma vez deu provimento ao agravo e reiterou que a parte estava dispensada de juntar a procuração original. Além disso, o Desembargador afirmou que o Juiz, ao descumprir sua determinação anterior, teria praticado ato atentatório à dignidade da justiça e, portanto, determinou que o magistrado pagasse a multa prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015):

CPC/1973 CPC/2015

Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: (...) V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final. (...) Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado.

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: (...) IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; (...) § 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.

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O tema jurídico envolvido nesta questão é o seguinte: o juiz que conduz o processo pode ser apenado com a multa prevista para os casos de cometimento de ato atentatório ao exercício da jurisdição, prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015)? NÃO. Lealdade e probidade O direito processual civil moderno, com base no preceito constitucional inscrito no art. 5º, XXXV, da CF/88, defende que, para uma prestação jurisdicional eficiente, os sujeitos do processo devem pautar suas condutas pela lealdade e probidade, que são pilares de sustentação do sistema jurídico-processual. Multa pecuniária contra atos atentatórios ao exercício da jurisdição A fim de garantir posturas essencialmente éticas e pautadas na boa-fé, além de assegurar a dignidade e a autoridade do Poder Judiciário, o CPC previu a possibilidade de o magistrado impor multa pecuniária como forma de repreensão aos atos atentatórios ao exercício da jurisdição. É algo semelhante ao contempt of court, com as devidas adaptações às peculiaridades do nosso sistema. O contempt of court é um instituto do direito norte-americano, com raízes anglo-saxônicas, e seria a punição para os casos em que há um “ato de desprezo pela Corte”, configurado pela desobediência a uma ordem sua ou desrespeito a sua autoridade, seja dentro ou fora do Tribunal. Exemplos “Entre os múltiplos exemplos de condutas que podem constituir contempt of court é comum apontarem-se as seguintes: tentar agredir fisicamente um juiz, um advogado ou outra parte no processo, interromper continuamente o curso da audiência, ameaçar testemunhas, juízes ou oficiais de justiça, alterar documentos, recusar-se a testemunhar, não cumprir ordens judiciais e até mesmo algumas condutas que causam certo espanto serem equiparadas a essas acima indicadas, como chegar atrasado ou faltar à audiência ou trajar-se com determinado tipo de roupa.” (GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: RT, 1999, p. 72-73). Destinatários dos deveres de probidade e lealdade O dever de pautar suas ações pela probidade e lealdade tem como destinatário não somente as partes, mas também os advogados, a Fazenda, o Ministério Público, os auxiliares da Justiça de todas as classes e, finalmente, o juiz da causa, como não poderia deixar de ser. Isso porque, sendo o processo instituto dialético, qualquer conduta que falte com o dever da verdade, como deslealdade e emprego de artifícios fraudulentos, é absolutamente reprovável, simplesmente porque tal comportamento não se compadece com a dignidade de instrumento desenvolvido pelo Estado para atuação do direito e realização da justiça. Assim, a conduta proba e leal não é imposta somente àqueles que têm o direito material posto em lide, mas, sim, a todos que tenham atuação no litígio ou que contribuam para a satisfação da ordem judicial emitida, inclusive e especialmente os juízes. Punição do parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015) não se aplica ao juiz do processo O fato de o juiz ter o dever de agir com probidade e lealdade, não leva à conclusão automática de que ele pode ser punido com a multa do parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015). Assim, a constatação desse dever não conduz, necessariamente, à conclusão de que aquele que tumultuar a administração do processo, atentando contra a dignidade da Justiça, será sempre repreendido nos moldes do artigo mencionado. O que se está dizendo é o seguinte: o juiz tem que respeitar os deveres de probidade, boa-fé e lealdade previstos no art. 14 do CPC/1973 (art. 77 do CPC/2015). No entanto, caso ele descumpra algum desses

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deveres, a punição a ele aplicável não é a multa pecuniária mencionada neste artigo, mas sim as sanções previstas na Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN – LC 35/79). A LOMAN não apenas disciplina os deveres dos magistrados, mas dispõe também sobre as penalidades cabíveis nos casos das ações praticadas em desconformidade com seus deveres, entre as quais destacam-se a advertência e a censura (art. 42). Em suma:

A multa prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC/1973 (art. 77, § 2º, do CPC/2015) não se aplica aos juízes, devendo os atos atentatórios por eles praticados ser investigados nos termos da Lei Orgânica da Magistratura. STJ. 4ª Turma. REsp 1.548.783-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/06/2019 (Info 653).

Conclusão que vale para outros atores do processo Vale ressaltar que essa conclusão acima exposta vale também para outros atores do processo que, agindo de maneira desleal e ímproba, serão responsabilizados segundo as regras previstas nas suas respectivas Leis orgânicas. É o caso, por exemplo, dos advogados, dos membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos Magistrados. Esse entendimento foi expressamente consagrado no texto do CPC/2015:

Art. 77 (...) § 6º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2º a 5º, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.

RECURSOS INSS está dispensado do prévio pagamento do porte de remessa e de retorno, devendo recolher

o respectivo valor somente ao final da demanda, acaso vencido

A teor dos arts. 27 e 511, § 1º, do revogado CPC/1973 (arts. 91 e 1.007, § 1º, do CPC/2015), o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, nos recursos de competência dos Tribunais de Justiça, está dispensado do prévio pagamento do porte de remessa e de retorno, enquanto parcela integrante do preparo, devendo recolher o respectivo valor somente ao final da demanda, acaso vencido.

STJ. Corte Especial. REsp 1.761.119-SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 07/08/2019 (recurso repetitivo – Tema 1001) (Info 653).

NOÇÕES GERAIS SOBRE O PREPARO

Preparo Preparo consiste no pagamento das despesas relacionadas com o processamento do recurso. No preparo incluem-se: • taxa judiciária (custas); • despesas postais com o envio dos autos (chamado de “porte de remessa e de retorno” dos autos). Desse modo, “preparar” o recurso é nada mais que pagar as despesas necessárias para que a máquina judiciária dê andamento à sua apreciação. O pagamento do preparo é feito, comumente, na rede bancária conveniada com o Tribunal.

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O CPC afirma que a parte que está recorrendo da decisão precisa comprovar o preparo no momento da interposição do recurso. Logo, o preparo (recolhimento do valor) deve ser feito antes da interposição do recurso e, junto com o recurso interposto, o recorrente deve juntar o comprovante do pagamento. O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção (art. 1.007, § 4º, do CPC/2015). Deserção é a inadmissibilidade do recurso pela falta de preparo. Se o recurso foi deserto, significa que ele não foi conhecido (não foi sequer apreciado). Gramaticalmente, desertar é mesmo que abandonar. Momento do preparo O CPC afirma que a parte que está recorrendo da decisão precisa comprovar o preparo no momento da interposição do recurso. Logo, o preparo (recolhimento do valor) deve ser feito antes da interposição do recurso e, junto com o recurso interposto, o recorrente deve juntar o comprovante do pagamento. Preparo não comprovado na interposição do recurso Se o recorrente, quando interpuser o recurso, não comprovar que fez o preparo, o seu recurso será considerado deserto (deserção). Importante: os §§ 2º e 4º do art. 1.007 do novo CPC preveem mitigações a essa regra, conforme você verá mais abaixo. Deserção Deserção é a inadmissibilidade do recurso pela falta ou insuficiência de preparo, observados os §§ 2º e 4º do art. 1.007 do CPC/2015. Se o recurso foi deserto, significa que ele não foi conhecido (não foi sequer apreciado). Gramaticalmente, desertar é o mesmo que abandonar.

Previsão da regra do preparo

CPC 1973 CPC 2015

Art. 511. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção. § 1º São dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal. § 2º A insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias.

Art. 1.007. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção. § 1º São dispensados de preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelo Distrito Federal, pelos Estados, pelos Municípios, e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal. § 2º A insuficiência no valor do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, implicará deserção se o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias.

§ 3º É dispensado o recolhimento do porte de remessa e de retorno no processo em autos eletrônicos.

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§ 4º O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção. § 5º É vedada a complementação se houver insuficiência parcial do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, no recolhimento realizado na forma do § 4º.

§ 6º Provando o recorrente justo impedimento, o relator relevará a pena de deserção, por decisão irrecorrível, fixando-lhe prazo de 5 (cinco) dias para efetuar o preparo.

§ 7º O equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias.

PREPARO ENVOLVENDO RECURSOS INTERPOSTOS PELO INSS

Como vimos acima, o preparo é composto de duas partes: custas judiciais + porte de remessa e retorno. Se o INSS interpuser um recurso, ele precisará pagar as CUSTAS JUDICIAIS (espécie de taxa) ou é isento? A situação do INSS é peculiar porque este, mesmo sendo uma autarquia federal, pode ser demandado na Justiça Estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, quando a comarca não for sede de vara federal (art. 109, § 3º, da CF/88). Em suma, o INSS pode ser parte tanto em processos na Justiça Estadual como na Justiça Federal.

Se estiver litigando na Justiça Federal: é ISENTO das custas

Se estiver litigando na Justiça Estadual: NÃO é isento das custas (terá que pagar)

Essa isenção é prevista na Lei nº 9.289/96, que dispõe sobre as custas devidas à União, na Justiça Federal de primeiro e segundo graus. Veja: Art. 4º São isentos de pagamento de custas: I - a União, os Estados, os Municípios, os Territórios Federais, o Distrito Federal e as respectivas autarquias e fundações;

Súmula 178 do STJ: O INSS não goza de isenção do pagamento de custas e emolumentos, nas ações acidentárias e de benefícios propostas na Justiça Estadual. Isso ocorre porque as custas e emolumentos possuem natureza jurídica de taxa. As custas da Justiça Estadual são taxas estaduais; logo, somente uma lei estadual poderia isentar o INSS do pagamento dessa taxa, não podendo uma lei federal prever essa isenção (art. 151, III da CF/88). Justamente por isso, o § 1º do art. 1º da Lei nº 9.289/96 prevê o seguinte: Art. 1º (...) § 1º Rege-se pela legislação estadual respectiva a cobrança de custas nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal.

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Vale ressaltar que, quando o INSS estiver litigando na Justiça Estadual, ele terá que pagar as custas processuais, mas somente ao final da demanda, se for vencido. Aplica-se ao INSS o art. 27 do CPC/1973 (art. 91 do CPC/2015):

CPC 1973 CPC 2015

Art. 27. As despesas dos atos processuais, efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda Pública, serão pagas a final pelo vencido.

Art. 91. As despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido.

No mesmo sentido é o art. 1º-A da Lei nº 9.494/97:

Art. 1º-A. Estão dispensadas de depósito prévio, para interposição de recurso, as pessoas jurídicas de direito público federais, estaduais, distritais e municipais.

Conforme já dito, o INSS é uma autarquia federal, portanto, está englobada dentro do conceito de Fazenda Pública. Para que não houvesse qualquer dúvida, o legislador foi expresso na Lei nº 8.620/93:

Art. 8º O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), nas causas em que seja interessado na condição de autor, réu, assistente ou opoente, gozará das mesmas prerrogativas e privilégios assegurados à Fazenda Pública, inclusive quando à inalienabilidade e impenhorabilidade de seus bens. § 1º O INSS é isento do pagamento de custas, traslados, preparos, certidões, registros, averbações e quaisquer outros emolumentos, nas causas em que seja interessado na condições de autor, réu, assistente ou opoente, inclusive nas ações de natureza trabalhista, acidentária e de benefícios. § 2º O INSS antecipará os honorários periciais nas ações de acidente do trabalho.

Em 2012, foi editada a Súmula 483 do STJ, deixando claro que o INSS também goza desta prerrogativa:

Súmula 483-STJ: O INSS não está obrigado a efetuar depósito prévio do preparo por gozar das prerrogativas e privilégios da Fazenda Pública.

Obs: a lei federal não pode conceder isenção das custas na Justiça Estadual, mas pode afirmar que o INSS só irá pagar ao final porque isso não é isenção. E o porte de remessa e retorno? Se o INSS interpuser um recurso, ele precisará pagar o porte de remessa e retorno (despesas postais para o transporte do recurso)? NÃO. O INSS é dispensado de pagar o porte de remessa e retorno mesmo nos processos que tramitam na Justiça Estadual. Segundo decidiu o STF, o INSS é exonerado de recolher o porte de remessa e retorno com base no § 1º do art. 511 do CPC/1973 (§ 1º do art. 1.007 do CPC2015):

CPC 1973 CPC 2015

Art. 511. (...) § 1º São dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal.

Art. 1.007. (...) § 1º São dispensados de preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelo Distrito Federal, pelos Estados, pelos Municípios, e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal.

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Informativo 653-STJ (30/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27

Assim, eventual lei estadual que determine que o INSS tenha que pagar porte de remessa e retorno é inconstitucional. Isso porque o porte de remessa e retorno é uma despesa de serviço postal prestado pelos Correios (empresa pública federal) e que é remunerada por tarifa (preço público). Desse modo, o porte de remessa e retorno não tem natureza jurídica de taxa, não sendo uma taxa estadual. Sendo o porte de remessa e retorno uma tarifa paga a uma empresa pública federal, o CPC, que é uma lei federal, pode, de forma válida, prever a sua dispensa para o INSS. Trata-se de diploma editado pela União, a quem compete dispor sobre as receitas públicas oriundas da prestação do serviço público postal. O STF resumiu a solução da controvérsia por meio da seguinte tese:

Aplica-se o § 1º do art. 511 do Código de Processo Civil para dispensa de porte de remessa e retorno ao exonerar o seu respectivo recolhimento por parte do INSS. STF. Plenário. RE 594116, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 03/12/2015 (repercussão geral – Tema 135) (Info 810).

O STJ também seguiu no mesmo sentido, esclarecendo, contudo, que o INSS, apesar de não precisar fazer o pagamento do porte de remessa e retorno no momento da interposição do recurso, poderá ser condenado a pagá-lo ao final do processo, caso seja vencido:

A teor dos arts. 27 e 511, § 1º, do revogado CPC/1973 (arts. 91 e 1.007, § 1º, do CPC/2015), o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, nos recursos de competência dos Tribunais de Justiça, está dispensado do prévio pagamento do porte de remessa e de retorno, enquanto parcela integrante do preparo, devendo recolher o respectivo valor somente ao final da demanda, acaso vencido. STJ. Corte Especial. REsp 1.761.119-SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 07/08/2019 (recurso repetitivo – Tema 1001) (Info 653).

Por que ele fala nos recursos de competência dos Tribunais de Justiça? E nos processos federais? O INSS também é dispensado. A tese fala apenas sobre os processos estaduais porque nos processos federais nunca houve dúvidas de que o INSS é isento. A dúvida existia nos processos estaduais pelo fato de que aí o INSS não tem isenção da taxa judiciária. Logo, algumas vozes defendiam que ele também não teria direito à dispensa do porte de remessa e retorno, não tendo, contudo, sido este o entendimento que prevaleceu.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Não cabe agravo de instrumento contra a decisão que nega o

pedido para que ocorra o julgamento antecipado parcial do mérito

Novo CPC

Importante!!!

Não é cabível agravo de instrumento contra decisão que indefere pedido de julgamento antecipado do mérito por haver necessidade de dilação probatória.

STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1.411.485-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 01/07/2019 (Info 653).

Julgamento parcial antecipado do mérito Caso sejam formulados dois ou mais pedidos, o juiz pode constar o seguinte: • para eu decidir o pedido 1 (ex: danos emergentes) não é necessária a produção de outras provas (os documentos já são suficientes);

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• para eu decidir o pedido 2 (ex: lucros cessantes) é indispensável a realização de outras provas (ex: perícia). Diante desse cenário, o CPC/2015 autoriza que o magistrado faça o julgamento parcial antecipado do mérito, ou seja, que ele decida desde logo o pedido que estiver em condições de imediato julgamento e continue o processo somente quanto ao outro pedido que necessita de mais provas. Essa possibilidade está prevista no art. 356 do CPC/2015:

Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.

A decisão que julga parcialmente o mérito, nos termos do art. 356, é classificada como decisão interlocutória ou sentença? Qual é o recurso cabível que pode ser interposto pela parte prejudicada? Decisão interlocutória. Trata-se de uma decisão interlocutória de mérito. A decisão proferida com base no art. 356 é impugnável por agravo de instrumento:

Art. 356 (...) § 5º A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento.

No mesmo sentido é o art. 1.015, II, do CPC:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: (...) II - mérito do processo;

Imagine agora a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de rescisão contratual c/c indenização por danos materiais contra o Banco Itaú. O autor pediu que uma parte do seu pedido fosse julgada antecipadamente porque não dependeria da produção de outras provas, sendo suficiente a prova documental juntada aos autos. Em outras palavras, ele pediu o julgamento antecipado parcial do mérito. O pedido foi baseado no art. 356, II c/c art. 355, I, do CPC/2015:

Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: (...) II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.

Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras provas;

O réu, contudo, pediu a produção de provas testemunhal e pericial. O juiz da causa fixou o ponto controvertido da lide e deferiu a produção de provas testemunhal e pericial, negando o pedido do autor de julgamento antecipado do mérito por entender que a matéria não é unicamente de direito e que depende da produção de prova. O autor interpôs agravo de instrumento contra essa decisão do magistrado. O recorrente afirmou que caberia agravo de instrumento neste caso com base no art. 356, § 5º do CPC. O recurso foi conhecido? Cabe agravo de instrumento neste caso? NÃO.

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Informativo 653-STJ (30/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29

Não é cabível agravo de instrumento contra decisão que indefere pedido de julgamento antecipado do mérito por haver necessidade de dilação probatória. STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1.411.485-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 01/07/2019 (Info 653).

Para que caiba agravo de instrumento com base no art. 356, § 5º do CPC, é necessário que o juiz tenha proferido decisão parcial de mérito. Assim, o § 5º só se aplica se o juiz proferiu decisão julgando antecipadamente parte do mérito. Decidir o mérito significa acolher ou rejeitar, no todo ou em parte, o pedido deduzido na ação ou na reconvenção (art. 487, I, do CPC). No caso concreto, o juiz não decidiu o mérito, mas apenas afirmou que era necessária dilação probatória, deferindo as provas testemunhal e pericial, decisão que não se enquadra no art. 365, § 5º assim como em nenhuma das hipóteses do art. 1.015 do CPC (que trata sobre o cabimento do agravo de instrumento). Portanto, não confunda: • decisão que julga antecipadamente, em parte, o mérito: cabe agravo de instrumento. • decisão que afirma que não é o caso de julgamento antecipado do mérito: não cabe agravo de instrumento.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Caberá agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas nos processos mencionados no parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015, não se aplicando ali a taxatividade

mitigada do caput do art. 1.015

Importante!!!

Atualize o Info 638-STJ

Cabe agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas na liquidação e no cumprimento de sentença, no processo executivo e na ação de inventário.

Fundamento: Art. 1.015 (...) Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

STJ. Corte Especial. REsp 1.803.925-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/08/2019 (Info 653).

Imagine a seguinte situação hipotética: João ingressou com execução de título extrajudicial contra Pedro. O juiz concedeu o benefício da gratuidade da justiça em favor de Pedro. Passados alguns meses, João ingressou com pedido de revogação da gratuidade da justiça afirmando que a situação econômica do devedor se alterou. O juiz indeferiu o pedido. Contra esta decisão, João interpôs agravo de instrumento. O Tribunal de Justiça não conheceu do recurso afirmando que as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento estão previstas taxativamente no art. 1.015 do CPC/2015 e que neste rol não existe a previsão de agravo de instrumento nesta situação. João interpôs recurso ao STJ contra a decisão do TJ. Diante disso, indaga-se: cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória proferida no processo de execução que indefere o pedido de revogação do benefício da gratuidade da justiça? SIM.

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Informativo 653-STJ (30/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30

A decisão que indeferiu a revogação da gratuidade de justiça é recorrível de imediato por intermédio de agravo de instrumento considerando que se trata de decisão interlocutória proferida em processo de execução. Desse modo, a situação se amolda à hipótese do parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015:

Art. 1.015 (...) Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

O legislador, ao tratar sobre o tema, decidiu criar dois regimes distintos para o cabimento do agravo de instrumento: 1) Art. 1.015, caput e seus incisos: aplica-se somente à fase de conhecimento. Aqui são listadas hipóteses nas quais caberá agravo de instrumento. Trata-se de rol com taxatividade mitigada. 2) Art. 1.015, parágrafo único: afirma, de forma ampla e geral, que cabe agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas: • na fase de liquidação de sentença; • no cumprimento de sentença; • no processo de execução; • no processo de inventário. Assim, a chamada tese da taxatividade mitigada (REsp 1.696.396/MT) somente se aplica para a fase de fase de conhecimento, não sendo empregada nas fases ou processos previstos no parágrafo único do art. 1.015 do CPC. Isso significa que caberá agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas nos processos mencionados no parágrafo único do art. 1.015 do CPC? Exatamente isso. Em caso de decisão interlocutória proferida nos casos do parágrafo único do art. 1.015 do CPC, o cabimento do agravo de instrumento é geral e atípico (não precisa estar listado taxativamente). Nesse sentido:

“Na fase de liquidação de sentença, na de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário e partilha, toda e qualquer decisão interlocutória é agravável. Não há limitação. São atípicos os casos de decisões interlocutórias agraváveis, cabendo examinar, concretamente, se há interesse recursal.” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 15ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 267)

“admite-se agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias que venham a ser proferidas em sede de liquidação de sentença, na fase de cumprimento de sentença, no processo de execução ou no procedimento especial de inventário e partilha”. (CÂMARA, Alexandre Freitas. Comentários ao Novo Código de Processo Civil. CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (org.). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1.499).

Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery explicam por que todas as decisões interlocutórias referidas no art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015, são agraváveis de imediato:

“38. Liquidação de sentença. O CPC/1973, na reforma de 2005/2006, firmou o entendimento de que da decisão sobre a liquidação de sentença caberia agravo de instrumento e não apelação. Essa saída é, de fato, a mais lógica, tendo em vista que da decisão de liquidação depende o seguimento do cumprimento de sentença, e não seria compensador nem em relação ao tempo, nem em relação à possibilidade de satisfazer o crédito, aguardar o julgamento de uma apelação, mesmo que sem efeito suspensivo (e se o Tribunal modificar a decisão?).

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(...). 39. Cumprimento de sentença e execução. Nestes casos, não é viável aguardar a apelação contra a sentença que finaliza esses procedimentos, pois o curso do levantamento e alienação de bens, por exemplo, pode ficar prejudicado, criando o risco de o devedor dilapidar os bens que poderiam servir à satisfação do crédito. Existe, pois, o interesse em que tais procedimentos sejam céleres, além do que já seria esperado em razão da garantia constitucional da duração razoável do processo. (...). 40. Inventário. A partilha, objetivo máximo do inventário, não pode ficar à espera de decisões menores do processo. E isso acontece não apenas porque os bens correm o risco de deterioração e desvalorização, mas também porque os interesses de várias pessoas, e também do Estado, estão voltados à solução da partilha. Vale ressaltar que a decisão final da partilha também é sentença, muito embora não esteja assim qualificada no CPC 203 §1º.” (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 16ª ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 2.241).

Esse foi o entendimento adotado pelo STJ:

Cabe agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas na liquidação e no cumprimento de sentença, no processo executivo e na ação de inventário. STJ. Corte Especial. REsp 1.803.925-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/08/2019 (Info 653).

EXECUÇÃO Na execução para cobrança das cotas condominiais, o exequente pode pedir a cobrança não

apenas das parcelas vencidas como também das vincendas, ou seja, daquelas que forem vencendo no curso do processo

Novo CPC

Importante!!!

Segundo as regras do CPC/2015, é possível a inclusão em ação de execução de cotas condominiais das parcelas vincendas no débito exequendo, até o cumprimento integral da obrigação no curso do processo.

Isso porque é possível aplicar o art. 323 do CPC/2015 ao processo de execução (art. 318, parágrafo único e art. 771, parágrafo único).

Art. 323. Na ação que tiver por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar a obrigação, se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.756.791-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/08/2019 (Info 653).

Imagine a seguinte situação hipotética: João mora no condomínio “Edifício Ser Feliz”. Ele está devendo 6 meses de cotas condominiais. Diante disso, o condomínio ajuizou contra João execução de título extrajudicial, conforme autoriza o art. 784, X, do CPC/2015:

Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:

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Informativo 653-STJ (30/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32

(...) X - o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas;

Na petição inicial, o condomínio pediu que o executado fosse condenado a pagar: • as parcelas vencidas das cotas condominiais (os 6 meses que já estão atrasados); • as parcelas vincendas que não forem pagas no decorrer do processo. Em outras palavras, o exequente afirmou o seguinte: o executado não está pagando as cotas condominiais há 6 meses. Isso significa que, provavelmente, ele continuará sem pagar as próximas. Logo, as parcelas que forem vencendo no curso do processo e que ele não pagar também deverão ser incluídas nesta mesma execução, passando tudo a fazer parte da dívida executada. O juiz proferiu decisão interlocutória, afirmando que não era possível incluir na execução as parcelas vincendas, considerando que, como elas ainda não venceram, não podem ser consideradas quantias líquidas, certas e exigíveis. A questão chegou até o STJ. O pedido do condomínio deve ser aceito? O condomínio exequente pode cobrar também as cotas condominiais vincendas? SIM. O art. 323 do CPC/2015, prevê que, na ação que tiver por objeto o cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, as parcelas vincendas serão incluídas na condenação se o devedor não cumpri-las. Veja:

Art. 323. Na ação que tiver por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar a obrigação, se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las.

Esse art. 323 é aplicável para a fase de conhecimento (ações de conhecimento). Assim, se o condomínio tivesse ajuizado uma ação de cobrança, não haveria qualquer discussão sobre o tema. A dúvida é a seguinte: essa regra do art. 323 do CPC/2015 pode ser aplicada também para as ações executivas (processo de execução) ou isso violaria o requisito de que o título executivo tenha liquidez, certeza e exigibilidade? Pode ser aplicada. O art. 323 do CPC/2015, apesar de ser indubitavelmente aplicado aos processos de conhecimento, também deve ser utilizado nos processos de execução. Podemos apontar três razões para isso: 1) o novo Código de Processo Civil, na parte que regula o procedimento da execução fundada em título executivo extrajudicial, admite, no parágrafo único do art. 771, a aplicação subsidiária das regras do processo de conhecimento ao processo de execução. Veja:

Art. 771. Este Livro regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial (...) Parágrafo único. Aplicam-se subsidiariamente à execução as disposições do Livro I da Parte Especial.

Obs: o Livro I da Parte Especial trata sobre o “processo de conhecimento” e sobre o “cumprimento de sentença”. 2) o novo CPC dispõe, no parágrafo único do art. 318, que o procedimento comum (onde está o art. 323) se aplica subsidiariamente ao processo de execução:

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Informativo 653-STJ (30/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33

Art. 318. (...) Parágrafo único. O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução.

3) esse entendimento está em consonância com os princípios da efetividade e da economia processual, evitando o ajuizamento de novas execuções com base em uma mesma relação jurídica obrigacional, o que sobrecarregaria ainda mais o Poder Judiciário. Em suma:

Segundo as regras do CPC/2015, é possível a inclusão em ação de execução de cotas condominiais das parcelas vincendas no débito exequendo, até o cumprimento integral da obrigação no curso do processo. Isso porque é possível aplicar o art. 323 do CPC/2015 ao processo de execução. STJ. 3ª Turma. REsp 1.756.791-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/08/2019 (Info 653).

EXECUÇÃO A desistência da execução por falta de bens penhoráveis

não enseja a condenação do exequente em honorários advocatícios

A desistência da execução pelo credor motivada pela ausência de bens do devedor passíveis de penhora, em razão dos ditames da causalidade, não enseja a condenação do exequente em honorários advocatícios. Nesse caso, a desistência é motivada por causa superveniente que não pode ser imputada ao credor.

Ex: Pedro foi condenado a pagar R$ 100 mil em favor de João. O credor ingressou com cumprimento de sentença. O devedor não pagou espontaneamente o débito. Não foram localizados bens penhoráveis de Pedro. Diante disso, o credor requereu a desistência da execução. O juiz irá homologar o pedido de desistência, julgando extinto o feito sem resolução do mérito (art. 485, VIII, do CPC/2015) e não condenará o credor ao pagamento de honorários advocatícios.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.675.741-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/06/2019 (Info 653).

Imagine a seguinte situação hipotética: Pedro foi condenado a pagar R$ 100 mil em favor de João. Houve o trânsito em julgado. João ingressou pedido de cumprimento de sentença. O devedor não pagou espontaneamente o débito. João requereu e o magistrado deferiu diversas diligências, mas, a despeito disso, não foram localizados bens que pudessem ser penhorados. O juiz proferiu decisão suspendendo o processo, nos termos do art. 921, III, do CPC/2015:

Art. 921. Suspende-se a execução: (...) III - quando o executado não possuir bens penhoráveis;

João peticionou, então, requerendo a desistência da execução, diante da ausência de interesse processual, considerando o tempo já decorrido, a não localização de bens penhoráveis em nome do executado e a inutilidade do processo, requerendo a extinção do feito. O juiz homologou, por sentença, o pedido de desistência formulado, julgando extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 200, parágrafo único, c/c o art. 485, VIII, do CPC/2015:

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Art. 200. (...) Parágrafo único. A desistência da ação só produzirá efeitos após homologação judicial.

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (...) VIII - homologar a desistência da ação;

O magistrado deixou de condenar o credor em honorários advocatícios afirmando que, em face do princípio da causalidade, só responde pelas despesas processuais aquele que deu causa à demanda. No caso, o autor não tinha outra maneira de reaver seu crédito, senão pela execução, e não pode ser responsabilizado pela inexistência de bens em nome do devedor. Pedro recorreu contra a sentença pedindo que João seja condenado a pagar honorários advocatícios com base no art. 90 do CPC/2015:

Art. 90. Proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu.

O pedido de Pedro (executado) tem fundamento jurídico? A desistência da execução em virtude da não localização de bens do executado enseja a condenação do exequente em honorários advocatícios? NÃO.

A desistência da execução por falta de bens penhoráveis não enseja a condenação do exequente em honorários advocatícios. STJ. 4ª Turma. REsp 1.675.741-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/06/2019 (Info 653).

No processo civil, para se definir qual das partes litigantes pagará a verba honorária, não se deve ater apenas ao exame da sucumbência. Deve-se analisar principalmente o princípio da causalidade, segundo o qual, a parte que deu causa à instauração do processo é que deverá suportar as despesas dele decorrentes. Analisando a questão sob o ponto de vista da causalidade, chega-se à conclusão de que a desistência da execução motivada pela ausência de bens do devedor passíveis de penhora não pode ensejar a condenação do exequente aos honorários advocatícios. Isso porque a desistência é motivada (“está ocorrendo”) por causa superveniente não imputável ao credor. O exequente está desistindo porque o executado não tem bens para pagar a dívida. Logo, foi o devedor quem deu causa à extinção da execução. A pretensão executória se tornou frustrada após a confirmação da inexistência de bens passíveis de penhora do devedor, deixando de haver qualquer interesse no prosseguimento da lide, pela evidente inutilidade do processo. Conforme explica Yussef Said Cahali:

“No caso específico de extinção do processo por uma causa superveniente, a regra da sucumbência não desfruta de aplicação adequada, devendo prevalecer, na plenitude de seu vigor, o princípio da causalidade. É que a condenação em custas e honorários advocatícios nem sempre deverá ser proferida contra o que perdeu a demanda, em razão de fato superveniente, quando não foi ele quem lhe deu causa. (...) Neste ponto, a desistência da demanda só formalmente é um ato do autor; na realidade esta é fruto de um ato do réu, que, com o seu significativo e unívoco comportamento processual, reconheceu-se causador daquelas despesas do juízo. Aqui reaparece o conceito de evitabilidade da lide. O réu poderia evitar a lide, adimplindo; não o tendo feito, e vindo a adimplir só depois de instaurada a lide, quando já então provocara despesas para o autor, faz-se responsável por elas”. (CAHALI, Yussef Said. Honorários advocatícios. 4. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 490 e 515)

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Portanto, não há que se falar em condenação do exequente aos ônus sucumbenciais, eis que a desistência ocorreu pela total inutilidade do processo de execução, e não porque o autor tivesse simplesmente se desinteressado de sua pretensão. Não foi o exequente, mas sim o executado quem deu causa ao ajuizamento da ação. Dessa forma, parece bem razoável que a interpretação do art. 90 do CPC/2015, leve em conta a incidência do § 10 do art. 85:

Art. 90. Proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu.

Art. 85 (...) § 10. Nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo.

Tema correlato Vale relembrar aqui o seguinte julgado do STJ:

Declarada a prescrição intercorrente por ausência de localização de bens, incabível a fixação de verba honorária em favor do executado. Por força dos princípios da efetividade do processo, da boa-fé processual e da cooperação, não pode o devedor se beneficiar do não-cumprimento de sua obrigação. O fato de o exequente não localizar bens do devedor não pode significar mais uma penalidade contra ele considerando que, embora tenha vencido a fase de conhecimento, não terá êxito prático com o processo. Do contrário, o devedor que não apresentou bens suficientes ao cumprimento da obrigação ainda sairia vitorioso na lide, fazendo jus à verba honorária em prol de sua defesa, o que se revelaria teratológico, absurdo, aberrante. Assim, a responsabilidade pelo pagamento de honorários e custas deve ser fixada com base no princípio da causalidade, segundo o qual a parte que deu causa à instauração do processo deve suportar as despesas dele decorrentes. STJ. 4ª Turma. REsp 1769201/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 12/03/2019 (Info 646).

EXECUÇÃO FISCAL Em caso de fraude, é possível que, na medida cautelar de indisponibilidade, seja decretada a

indisponibilidade de bens de participantes do ilícito que não constam na execução fiscal e essa indisponibilidade não se limite ao ativo permanente do § 1º do art. 4º da Lei 8.397/92

A ocorrência de fraude autoriza a indisponibilidade de bens de participantes do ilícito que não constam no polo passivo da execução fiscal.

No caso de atos fraudulentos, a indisponibilidade de bens decorrente da medida cautelar fiscal não encontra limite no ativo permanente a que se refere o § 1º do art. 4º da Lei nº 8.397/92, podendo atingir quaisquer bens, direitos e ações da pessoa jurídica e, eventualmente, dos sócios, nos termos do art. 11 da Lei nº 6.830/80.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.656.172-MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 11/06/2019 (Info 653).

Imagine a seguinte situação hipotética: A União ajuizou execução fiscal contra a empresa “Later Comércio Ltda.” e seus sócios cobrando R$ 2 milhões. Durante a tramitação desta execução fiscal, a Receita Federal concluiu investigação na qual ficou comprovado que a Later e mais outras empresas faziam parte de um grupo econômico composto por 51 pessoas físicas e jurídicas que atuariam conjuntamente.

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A Receita Federal lavrou um auto de infração contra estas pessoas físicas e jurídicas porque ficou demonstrado que elas praticaram sonegação fiscal, mediante condutas típicas de transferência de faturamento, sucessão, utilização de interpostas pessoas, dissimulação de fluxo financeiro, evidenciando, ainda, hipótese de ocultação e blindagem patrimonial. A dívida tributária deste grupo econômico foi calculada em R$ 16 milhões. Foram propostas algumas outras execuções fiscais contra essas pessoas físicas e jurídicas. Além disso, a União ingressou com medida cautelar fiscal incidental contra todas as pessoas físicas e jurídicas que compõem esse grupo econômico. A cautelar foi distribuída por dependência à primeira execução fiscal ajuizada contra a Later. Medida cautelar fiscal A medida cautelar fiscal é disciplinada pela Lei nº 8.397/92 e o art. 2º desta Lei prevê as hipóteses nas quais ela pode ser decretada:

Art. 2º A medida cautelar fiscal poderá ser requerida contra o sujeito passivo de crédito tributário ou não tributário, quando o devedor: I - sem domicílio certo, intenta ausentar-se ou alienar bens que possui ou deixa de pagar a obrigação no prazo fixado; II - tendo domicílio certo, ausenta-se ou tenta se ausentar, visando a elidir o adimplemento da obrigação; III - caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens; IV - contrai ou tenta contrair dívidas que comprometam a liquidez do seu patrimônio; V - notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do crédito fiscal: a) deixa de pagá-lo no prazo legal, salvo se suspensa sua exigibilidade; b) põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros; VI - possui débitos, inscritos ou não em Dívida Ativa, que somados ultrapassem trinta por cento do seu patrimônio conhecido; VII - aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigível em virtude de lei; VIII - tem sua inscrição no cadastro de contribuintes declarada inapta, pelo órgão fazendário; IX - pratica outros atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito.

Voltando ao caso concreto O juiz da execução fiscal, ao receber a medida cautelar fiscal, decretou, de imediato, a indisponibilidade dos bens de todas as pessoas físicas e jurídicas que integram o grupo econômico, nos termos do art. 4º da Lei nº 8.397/92:

Art. 4º A decretação da medida cautelar fiscal produzirá, de imediato, a indisponibilidade dos bens do requerido, até o limite da satisfação da obrigação.

O juiz embasou sua decisão na circunstância de ter reconhecido que havia um “grupo econômico de fato” formado para a prática de sonegação fiscal. As pessoas físicas e jurídicas que não integravam a execução fiscal proposta contra a “Later” e que, mesmo assim, foram atingidas pela decisão da indisponibilidade de bens, recorreram, alegando que a medida cautelar somente poderia ter atingido a empresa “Later” e seus sócios porque a presente execução fiscal tramitava apenas contra eles. A decisão do magistrado foi correta? Era possível a indisponibilidade do patrimônio de todas as pessoas físicas e jurídicas envolvidas no grupo econômico, mesmo que não integrantes da execução fiscal? SIM.

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A ocorrência de fraude autoriza a indisponibilidade de bens de participantes do ilícito que não constam no polo passivo da execução fiscal. STJ. 1ª Turma. REsp 1.656.172-MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 11/06/2019 (Info 653).

No caso concreto, havia indícios de formação de grupo econômico com o objetivo de sonegação fiscal e também indícios de fraude com a criação pulverizada de pessoas jurídicas para simular relações inexistentes e ocultar fatos geradores de obrigações tributárias e responsáveis. Essa situação autoriza a propositura de medida cautelar fiscal com base no inciso IX do art. 2º da Lei nº 8.397/92:

Art. 2º A medida cautelar fiscal poderá ser requerida contra o sujeito passivo de crédito tributário ou não tributário, quando o devedor: (...) IX - pratica outros atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito.

Havendo prova da ocorrência de fraude por grupo de pessoas físicas e/ou jurídicas, como a criação de pessoas jurídicas fictícias para oportunizar a sonegação fiscal ou o esvaziamento patrimonial dos reais devedores, o juízo da execução pode redirecionar a execução fiscal às pessoas envolvidas e, por isso, com base no poder geral de cautela e dentro dos limites e condições impostas pela legislação, estender a ordem de indisponibilidade para garantia de todos os débitos tributários gerados pelas pessoas participantes da situação ilícita. Os bens indisponibilizados servirão, em conjunto, à garantia dos diversos créditos tributários cujo adimplemento era da responsabilidade das pessoas integrantes do esquema de sonegação fiscal. Outro argumento invocado pelos devedores foi o de que a indisponibilidade somente poderia recair sobre os bens do ativo permanente, conforme prevê o § 1º do art. 4º da Lei nº 8.397/92. Esse argumento foi aceito pelo STJ? NÃO. Veja a redação do § 1º do art. 4º:

Art. 4º A decretação da medida cautelar fiscal produzirá, de imediato, a indisponibilidade dos bens do requerido, até o limite da satisfação da obrigação. § 1º Na hipótese de pessoa jurídica, a indisponibilidade recairá somente sobre os bens do ativo permanente, podendo, ainda, ser estendida aos bens do acionista controlador e aos dos que em razão do contrato social ou estatuto tenham poderes para fazer a empresa cumprir suas obrigações fiscais, ao tempo: a) do fato gerador, nos casos de lançamento de ofício; b) do inadimplemento da obrigação fiscal, nos demais casos. (...)

O procedimento previsto no § 1º do art. 4º da Lei nº 8.397/92 é restrito à devedora-requerida, em razão de sua finalidade de proteção da empresa. Ele não é, no entanto, aplicável às situações fraudulentas. Em caso de fraude, a medida de indisponibilidade deverá ser implementada conforme o caso concreto e o prudente arbítrio do juiz da execução, dentro das condições e limites impostos pela legislação e com observância da proporcionalidade, como ocorre com o regular ato de penhora no processo executivo.

No caso de atos fraudulentos, a indisponibilidade de bens decorrente da medida cautelar fiscal não encontra limite no ativo permanente a que se refere o § 1º do art. 4º da Lei nº 8.397/92, podendo atingir quaisquer bens, direitos e ações da pessoa jurídica e, eventualmente, dos sócios, nos termos do art. 11 da Lei nº 6.830/80. STJ. 1ª Turma. REsp 1.656.172-MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 11/06/2019 (Info 653).

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EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) O Diretório Nacional de Partido Político tem legitimidade ativa para ajuizamento de demanda

indenizatória por alegada ofensa lançada contra candidato a cargo político. ( ) 2) É inválida a cláusula penal que prevê a perda integral dos valores pagos em contrato de compromisso de

compra e venda firmado entre particulares. ( ) 3) Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código

de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. ( )

4) É ilícita a conduta do banco que transferiu, sem autorização expressa do cliente, recursos do correntista para uma modalidade de investimento com alto risco, incompatível com o perfil moderado do cliente, motivo pelo qual a instituição deve ser condenada a indenizar os danos materiais e morais porventura causados com esta operação. ( )

5) A impenhorabilidade dos bens vinculados à Cédula de Produto Rural (CPR) é absoluta, não podendo ser afastada para satisfação de crédito trabalhista. ( )

6) A ação social reparatória (ut universi) ajuizada pela sociedade empresária contra ex-administradores, depende de autorização da assembleia geral, não podendo esta autorização ser comprovada após o ajuizamento da ação. ( )

7) Realizado pelo devedor o depósito da dívida para a garantia do juízo, cessa sua responsabilidade pela incidência de correção monetária e de juros relativamente ao valor depositado, passando a instituição financeira depositária a responder pela atualização monetária, a título de conservação da coisa, e pelos juros remuneratórios, a título de frutos e acréscimos, sendo indevida a incidência de novos juros moratórios, exceto se a instituição financeira depositária recusar-se ou demorar injustificadamente na restituição integral do valor depositado. ( )

8) A multa para atos atentatórios ao exercício da jurisdição prevista no CPC aplica-se a todos os atores processuais, inclusive para os magistrados. ( )

9) O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, nos recursos de competência dos Tribunais de Justiça, está dispensado do prévio pagamento do porte de remessa e de retorno, enquanto parcela integrante do preparo, devendo recolher o respectivo valor somente ao final da demanda, acaso vencido. ( )

10) É cabível agravo de instrumento contra decisão que indefere pedido de julgamento antecipado do mérito por haver necessidade de dilação probatória. ( )

11) Cabe agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas na liquidação e no cumprimento de sentença, no processo executivo e na ação de inventário. ( )

12) Segundo as regras do CPC/2015, é possível a inclusão em ação de execução de cotas condominiais das parcelas vincendas no débito exequendo, até o cumprimento integral da obrigação no curso do processo. ( )

13) A desistência da execução por falta de bens penhoráveis não enseja a condenação do exequente em honorários advocatícios. ( )

14) A ocorrência de fraude autoriza a indisponibilidade de bens de participantes do ilícito que não constam no polo passivo da execução fiscal. ( )

15) No caso de atos fraudulentos, a indisponibilidade de bens decorrente da medida cautelar fiscal não encontra limite no ativo permanente a que se refere o § 1º do art. 4º da Lei nº 8.397/92, podendo atingir quaisquer bens, direitos e ações da pessoa jurídica e, eventualmente, dos sócios, nos termos do art. 11 da Lei nº 6.830/80. ( )

Gabarito

1. C 2. E 3. C 4. C 5. C 6. E 7. C 8. E 9. C 10. E

11. C 12. C 13. C 14. C 15. C