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INGÊNUOS, POBRES E CATÓLICOS

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Ingênuos, Pobres e CatólICos

A História da Relação dos EUA com a América Latina

Alfredo da Mota Menezes

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© CopyrightAlfredo da Mota Menezes

Coordenação editorialJosé Carlos Junior & Luciene Franco

editoração eletrônicaRejane Megale Figueiredo

revisãoLara Alves

CapaRejane Megale Figueiredo

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

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sumário

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

Capítulo I – Crença na Superioridade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Capítulo II – A América Latina Criada pelos EUA . . . . . . . . . . . . . . . . 31

Capítulo III – Expansão dos EUA para a América Latina . . . . . . . . . . . 51

Capítulo IV – Boa Vizinhança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

Capítulo V – Na Guerra Fria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

Capítulo VI – Novos Tempos e Práticas Antigas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

Capítulo VII – Estereótipos em Filmes e na Mídia . . . . . . . . . . . . . . . . . 149

Capítulo Final . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161

Notas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183

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Introdução

Numa aula no curso de doutorado em história da América Latina nos EUA, num Centro de Estudos Latino-Americano, uma professora, especia-lista em países andinos, colocou um tema para discussão. Perguntou o que a América Latina tinha feito, no plano do conhecimento, para a evolução da humanidade, que não se encontra nada ou nenhuma ação concreta da região que ajudasse a melhorar a qualidade de vida no mundo ou que cola-borasse em simples avanços no cotidiano da raça humana. Que a região é também dependente em tudo o que diga respeito a descobertas na ciência. Levamos um susto, deu o que pensar e muita discussão. A colocação daque-la professora tem base na crença histórica norte-americana sobre a América Latina. A crença de inaptidão da região não é somente no meio intelectual, é talvez mais forte ainda entre as pessoas comuns. E vem de longe. É o tema deste livro.

O fato de o norte-americano acreditar que professava uma religião supe-rior foi o primeiro passo para se criar naquele povo a convicção da diferença entre as duas Américas. A religião católica era cheia de erros e se preocupa-va com a outra vida e não com esta. A protestante queria riqueza nesta vida e defendia uma ética que não havia no catolicismo, e que moldaria a maneira de ser dos dois povos. Raça seria outro elemento de diferença entre os EUA e a América Latina; impressiona como aparecem teorias raciais para mostrar essa superioridade. Ou, em palavras diferentes, a herança colonial ibero-católica estaria por trás do comportamento equivocado da América Latina.

Em certos momentos a América Latina é considerada pela maioria do povo norte-americano como uma criança, ainda precisando de apoio para crescer, principalmente no mundo da política. Em outras situações a região abaixo do Rio Grande é vista como um símbolo feminino, emotiva e pre-cisando de suporte para viver. E num terceiro momento a América Latina

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é negra. Tópicos e charges neste livro mostram como os EUA olhavam a região como criança, mulher, de gente negra e mestiça.

A expansão inicial dos EUA na América do Norte teve como base a crença na superioridade daquele povo em contato com outro mais atrasado. Tomam uma porção do território do México apoiado no Destino Manifesto, ou que Deus os empurrava para além das fronteiras para civilizar outros po-vos – seria uma missão divina. Até hoje as bases teóricas daquele movimento são parte da alma nacional daquele povo. Só se pode entender as andanças dos EUA pelo mundo dentro da moldura histórica e inspiração do Destino Manifesto ocorrido no século XIX.

O que pensava a maioria da nação influencia a política externa daquele país; o que estava no imaginário da população é o caminho seguido pelos formuladores da política externa dos EUA para com a América Latina. Co-meça lá atrás, com a Doutrina Monroe, e mais tarde seu Corolário que cria a política expansionista para a região, dominam a América Central e o Caribe. Quando da Depressão econômica e da II Guerra, precisando da América La-tina por questão de segurança e comércio, mudam o discurso para a região, e cria-se a política da Boa Vizinhança. Parecia que haveria um novo tipo de relacionamento entre os dois lados da América. Foi fugaz, durou até o térmi-no do conflito mundial. Volta-se ao que era antes.

Aliás, ficou até pior na Guerra Fria. Os EUA darão suporte a ditaduras na América Latina durante o período, acreditando que esse é o caminho político natural do povo da região. Que está entranhado na alma do latino-americano, como legado colonial, o aceite a governos fortes. Diplomatas e acadêmicos escreveram sobre essa tendência que influencia o governo dos EUA no trata-mento da região. Como a América Latina é vista como inocente em política internacional a preocupação norte-americana durante a Guerra Fria foi que países da área se bandeassem para o lado de Moscou, fossem manipulados por comunistas de fora. Terminada a Guerra Fria e mais o avanço tecnológico a questão da segurança hemisférica tem menor influência na política externa daquele país. A América Latina tem hoje menos importância para os EUA.

Ao entrar nas páginas deste livro o leitor se espantará com a maneira como a América Latina é vista e tratada pelos EUA. Não é nunca um tra-tamento entre iguais, a cultura dali não aceita isso, perde votos quem tratar país da área como igual. A região é também vista pelos norte-americanos de forma monolítica, o que ocorre num país seria igual para qualquer outro. Não adianta o Brasil achar que pelo seu tamanho físico e populacional e por uma economia mais diversificada que seria visto ali diferente de outro país da região. O comportamento e as ações das pessoas da região seriam iguais na mente do norte-americano.

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Num mundo moderno, cheio de acontecimentos novos e diferentes, o norte-americano não teria tempo para destrinchar a notícia sobre esse ou aquele país. Pela economia de esforço, como explica Walter Lippmann, ele já tem uma fotografia mental da América Latina, e a olha sempre daquela forma. É aquela criada pela história e relacionamento entre os dois lados da América sobre raças e costumes, pelos escritos de viajantes e missionários, por livros, filmes e jornais, pelas vitórias que tiveram nas guerras e invasões da área, pelo crescimento da economia deles e não da América Latina, e ainda pela superioridade de uma religião e de um povo. É uma fotografia montada numa moldura histórica difícil de mudar.

Há uma quase unanimidade na maneira, mesmo em momentos do po-liticamente correto, como os norte-americanos tratam a América Latina. Atuam assim porque acreditam numa superioridade entre os dois povos da América. E não se vê no horizonte sinais de mudanças nesse tipo de olhar; os estereótipos estão arraigados na alma daquele povo. Não se cria estere-ótipos do nada, ele precisa ter gancho em algum fato ou acontecimento. Algumas ações de gente da região, agora mostradas pelos diferentes meios de comunicação, sedimentam ainda mais nos EUA a crença de que a América Latina é a mesma, não muda, é o retrato do legado espanhol e português ou ibero-católico. Com essa herança é quase impossível um povo ter bases democráticas e prosperar economicamente, é a ideia e fotografia mental que prevalecem nos EUA sobre a América Latina.

Quando agem dessa ou daquela forma com a região, quando invadem ou fazem comércio mais agressivo, a culpa não é deles, é do outro, o erro está aqui e não lá. Eles estariam levando progresso e tentam tirar povos da escuridão religiosa e política. Um lado tem as virtudes, o outro está com os erros. O caminho para esse outro seria copiar o modelo de gente e nação que deu certo mais ao norte.

Este livro procura contar a história do relacionamento entre as duas bandas da América dos contatos iniciais até os dias atuais, e como se criou essa América Latina que os EUA veem. É baseado em fontes secundárias, a intenção foi justamente buscar o que se escreve nos EUA sobre o assunto. Pelas publicações de lá ter-se o que eles pensam sobre a região. Impressiona como aquele país olha da mesma forma para a América Latina em mais de 150 anos de relacionamento. Essa imagem é a mesma que os governos dali têm para sua política externa, que a mídia também segue ou que Hollywood tem para criar seus filmes sobre coisas da área. O mundo mudou e os estere-ótipos sobre a América Latina nos EUA continuam praticamente os mesmos do início do contato entre os dois povos da América.

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Crença na superioridade

Religião

Talvez esteja na religião o foco maior dos ataques dos norte-americanos no século XIX e início do seguinte ao comportamento dos latino-americanos. Associam a busca e o acúmulo de riqueza como um prêmio pela virtude que um lado possuía, e que a pobreza ou subdesenvolvimento era uma consequ-ência ou punição pelos vícios e erros de uma religião que não era a verdadei-ra. O lado bom seria o protestantismo, o ruim a igreja católica. Se a América Latina era pobre, com revoltas e guerras, seria uma punição de Deus. Se, por outro lado, o país do norte demonstrava ser mais capaz e trabalhador, com aumento de riqueza do seu povo, seria o prêmio pelo seu comportamento e virtudes. Naquela época era comum associar desastres naturais como puni-ção divina, e se havia terremotos ou vulcões na América Latina seria a ira de Deus a um povo que vivia sob uma religião não verdadeira. (1)

Muitos dos imigrantes para os EUA foram da Inglaterra. Neste país já havia a separação entre essas religiões, não aceitavam o catolicismo e ataca-vam o Papa e sua base romana; a América Latina era uma região de papistas. (2) Quando chegam ao Novo Mundo e encontram grupos que professam a religião “errada”, eles tomam aquilo quase como uma guerra santa, uma cru-zada contra o erro. O protestante comum do século XIX foi treinado “desde o nascimento” para odiar o catolicismo – seus livros de infância e juventude traduziam essa intolerância, o Papa era um perigo para essas pessoas. O nor-te-americano fora instruído que os católicos são falsos e cruéis, até mesmo os poucos católicos nos EUA eram vistos dessa forma. Não foi difícil estender isso para o outro lado da fronteira, para a América Latina inteira, onde o catolicismo seria a fonte de corrupção e ineficiência dos governos e culpado ainda pelas constantes lutas e turbulências entre pessoas e países.

Capítulo I

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Os habitantes dos EUA no século XIX não tinham grau elevado de estu-dos e escolaridade, sua base de conhecimentos era limitada. Se havia alguns escrevendo, baseado em textos bíblicos, com interpretações adaptadas para certas circunstâncias, falando em púlpitos sobre uma realidade, mostrando erros de um grupo e acertos do outro, e que Deus estaria por trás disso tudo, claro que haveria uma tendência de os habitantes do país ao norte aceitarem que estavam no caminho correto e não o outro lado da fronteira. E, para completar essa crença, o norte do continente estava ficando mais rico e prós-pero que o sul, e também havia menos problemas ou infortúnios naturais. Se assim acontecia, é porque havia um Deus que assim fazia, premiava um povo que estava no caminho correto e não o outro. Também a errada religião na América Latina levava a governos ineptos e se tinha um povo politicamente passivo. (3) Teve gente dali propondo que qualquer tratado de comércio que se estabelecesse entre os EUA e uma república latino-americana tivesse artigo para garantir a liberdade religiosa. Com isso os protestantes poderiam evangelizar ou ajudar no crescimento dos povos da região, acreditavam que as nações católicas no mundo estavam atrás das que professavam o protes-tantismo. (4) Acreditavam ainda que possuíam uma cultura superior. (5)

Com tudo isso, o norte-americano teria mais respeito e atitude positiva para o trabalho, a frugalidade, a educação, o mérito, o trabalho comuni-tário e o senso de justiça, influência do protestantismo anglo-saxônico. A América Latina, influenciada pela igreja católica, não dá prioridade àqueles valores, e ainda a região é filha da Espanha e de Portugal. A Espanha, desde a expulsão dos mouros da Península Ibérica, se colocou como a defensora da fé católica. O mundo caminhava em outra direção com as reformas protes-tantes, e a Espanha se volta mais ainda para o catolicismo. A igreja católica, em reação aos avanços do protestantismo na Europa, quer o retorno à época de ouro do catolicismo, que ficara lá atrás, e são essa postura e vontade que virão para a América Latina. Parte da igreja católica na Europa vai se adap-tar aos novos tempos no confronto com os protestantes. Para as colônias, no entanto, vieram as ideias de uma igreja que já estava sendo mudada até mesmo na Europa.

Foi até criado um paralelo para tentar explicar os motivos por que a América do Norte protestante se desenvolveu e a América Latina não. (6) A sociedade norte-americana, filha do protestantismo, é considerada pro-gressista e a católica tradicional. A primeira acredita no futuro, a outra dá mais valor ao presente e ao passado. Na de lá o trabalho é uma arma que levaria ao autorrespeito e à satisfação pessoal. Na outra o trabalho é um mal necessário e a satisfação pessoal se daria fora do trabalho. O paralelo procura

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mostrar ainda que o povo norte-americano consome menos e poupa mais, na América Latina seria o inverso. A educação na sociedade progressista é fundamental, ajudaria a pessoa a ler e interpretar a Bíblia. No catolicismo isso não é incentivado, o padre é que vai interpretar a palavra de Deus na Bíblia. Na sociedade protestante o mérito pelo trabalho realizado é reconhe-cido e premiado. Na outra isso não teria muito valor, funcionariam mais os laços familiares, compadrio, amigos e conexões diferentes. Outra diferença entre os dois lados da equação é que nos EUA haveria um senso comunitário mais consistente que na América Latina, onde a união maior é em torno dos membros da família. Sem espírito comunitário, próprio da religião ca-tólica, daria espaço para o crescimento do autoritarismo, do nepotismo, da corrupção, do não pagamento de impostos e até a não obediência a horários combinados. Sociedade tradicional como a católica tende a ser autoritária, dificulta o pluralismo político e institucional. A aceitação de modos éticos e do espírito comunitário leva à aplicação melhor da justiça. Segundo o ponto de vista, a falta de espírito comunitário estaria na base de tantos e diversos equívocos na América Latina, até nos dias atuais.

Como os católicos acreditam mais na outra vida, transferem quase tudo para esse ideal distante, a questão da ética nesta vida não estaria em primeiro lugar, diferente do que ocorreria nos EUA. Criticam duramente a maneira católica de perdoar os pecados no confessionário, e que a pessoa possa voltar a pecar outra vez. Um fato que provocaria frouxidão na aplicação de leis e normas. Se alguém pode ser perdoado para ir para outra vida julgar delitos por leis humanas teria menor valor. Uma sociedade que funciona desse modo acaba atrapalhando o crescimento econômico, impede a crítica e o ponto de vista contrário, machuca a criatividade e não daria valor ao mérito. Em alguns lugares da América Latina, ainda hoje, onde a iniciativa privada en-gatinha e os empregos e cargos são dados mais pelo setor público, em que as conexões políticas e de compadrio são fundamentais, o mérito seria colocado em lugar secundário.

É ainda citado como uma das características de sociedade progressista o afastamento da religião dos assuntos seculares, na católica haveria uma aproximação maior. Como a América Latina não crescia economicamente e os EUA prosperavam, as afirmações de que a fé religiosa ajudava um lado e não o outro se firmaria. Mais tarde, nos círculos mais esclarecidos dos EUA, sabia-se que outros fatores estavam por trás desse não crescimento da econo-mia regional. Mas o homem comum daquele país, embebido em religiosidade, com um menor horizonte intelectual, a crença no fator religião como base de progresso material continuou determinante. Afirmavam que a América La-

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tina atuava errada no aspecto político e econômico por causa de sua crença religiosa, não teria o suporte no verdadeiro Deus. Não haveria na região base para o desenvolvimento dos princípios democráticos e econômicos.

A diferença entre as religiões foi também trabalhada por Max Weber em The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism, de 1904. (7) Ele mostra que a ética protestante enfatiza o trabalho, a honestidade, a racionalidade e a austeridade, principalmente a corrente calvinista que acreditava que Deus abençoava ou estava ao lado daqueles que têm ganhos materiais nesta vida. Por outro lado o catolicismo acredita mais na outra vida e não estaria muito preocupado com as questões éticas. Os católicos podem pecar quantas vezes quiserem e o perdão viria com a confissão. Fato inconcebível para os protes-tantes, deveriam se aperfeiçoar nesta vida e não somente esperar a outra. Condenava a crença católica de acreditar que a vida na Terra era uma passa-gem de sofrimento na espera de se ir para outra e que ser pobre seria um dos meios para a salvação eterna. Nada mais anticapitalista. Se a pessoa nesta vida não consegue crescer materialmente é porque Deus não quis, e se não quis é que há alguma coisa errada com ela. Se, por outro lado, alguém cresce materialmente, é porque Deus assim quis, e se quis seria lógico admitir que Ele a levaria para a outra vida, mais até do que aquele que não adquiriu nada nesta vida porque Deus não lhe dera suporte. Max Weber (8) liga a questão da racionalidade e da ética aos protestantes calvinistas com o capitalismo e a prosperidade econômica e que o catolicismo (e outras religiões) ficaram para trás por sua crença fatalista em outra vida.

A crença religiosa de outra vida na América Latina, numa região em que não havia classe média, talvez tenha sido para colocar a maioria da po-pulação numa posição de resignada contemplação e aceite desta vida como ela é. (9) Até mesmo se glorifica a pobreza, uma criação divina às avessas do pensamento norte-americano. No período colonial na América Latina ou até mesmo depois da independência a crença regional era de que tudo o que se ganha é porque Deus quis, nem adianta se esforçar ou trabalhar muito. E se havia união íntima entre Estado e igreja, a elite não ia contrariar ensi-namentos religiosos para se criar riqueza, tendem a se acomodar com o que têm. A elite torna-se subserviente e ligada aos políticos, (10) acaba havendo uma troca de favores nesse arranjo, e quem está no governo tira também a sua parte na rapina aos cofres públicos. O patrimonialismo entra nessa his-tória, onde grupos entendem que têm direito de tirar nacos econômicos do poder público.

Os contatos das pessoas nos EUA com os latino-americanos se davam no momento de mudanças naquele país. Crescimento econômico, associado

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a vitórias militares, mais aquisição de novos territórios por compra ou guer-ra, tudo estribado em grande mobilidade social. Um povo em crescimento e com perspectiva de aumentar riqueza pessoal e nacional, o outro sem essa possibilidade. (11) A impressão negativa sobre a América Latina foi ainda aumentada por livros escritos por missionários protestantes sobre a região que tinham enorme aceitação nos EUA. Eram pessoas que viveram aqui, tementes a Deus e, na opinião local, não teriam por que mentir. Falam que a igreja católica levou o povo da região ao estado que se encontrava. (12) Para esses escritos a religião no norte, criação dos puritanos ingleses, fez nascer um povo livre. O outro, ao sul, foi escravizado por ensinamentos errados da religião e por uma elite que não queria nenhuma mudança, ganhava sua par-te material naquele motim montado entre igreja e poderes espanhol e portu-guês. Viajantes pelo México escrevem que os espanhóis forçavam os índios a abandonarem suas práticas de moralidade e religião para aceitarem erros da igreja católica como sensualismo e superstição (13) ou, em outras pala-vras, até mesmo a religião pagã dos índios seria melhor que os ensinamentos católicos. A postura contra o catolicismo do fim do século XIX nos EUA continua também no século seguinte, e não ficou limitado somente aos pro-testantes. O país fora contaminado pela crença de que a igreja católica tinha sido um dos pilares do atraso da América Latina. Essa é a visão da maioria do povo norte-americano sobre a América Latina: aceitam outros aspectos da diferença entre os dois povos, mas a religião tem lugar de destaque. Não tanto como no passado, mas os fatos indicam que isso ainda existe até hoje, imagine como seriam décadas atrás. Ou, como escreveu Alexis de Tocque-ville, que o norte-americano ouvia constantemente de seus dirigentes (14) que ele era o único povo religioso, esclarecido e livre no mundo, e por isso as instituições democráticas prosperavam enquanto fracassavam em outros lugares. Ou, ainda Tocqueville, que o povo “não estava longe de acreditar que forma uma espécie sem igual no gênero humano”. (15)

Eram contínuos os ataques à religião católica. O norte-americano, por exemplo, não aceita a fé na Virgem Maria, no protestantismo isso não existe. Há a mãe de Jesus, mas não é venerada como no catolicismo. Uma prática dessas já demonstraria que algo estava errado com o povo que habitava o Novo Mundo mais ao sul. Ao lado do erro de aceitar o culto à Virgem Ma-ria os protestantes do norte também atacam a crença regional nos santos, acham um erro colocar um intermediário de sua ligação com Deus. Que as pessoas da região, ao invés de buscar crescimento na vida, se colocam atrás de um santo esperando que este o ajude a conquistar recompensas ou pedi-dos materiais. Recorrer a santos ou intermediários leva ao acomodamento,

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não seria possível florescer bases sólidas tanto na política como na econo-mia. Se o catolicismo adora ídolos chegavam a associá-lo aos ritos pagãos de religiões do passado ou os colocava ao lado do paganismo dos índios que o norte-americano estava conquistando na América do Norte. (16)

Os protestantes do período fazem também ataques ferozes sobre a atu-ação dos padres na América Latina. Os pastores protestantes tinham força nas comunidades do norte, mas não na proporção que tinham os padres mais ao sul. Só a instituição do confessionário já seria uma demonstração dessa diferença, ficavam sabendo o que acontecia no cotidiano e no íntimo das pessoas e famílias. Com esse tipo de informação, associado a outros aspectos de conhecimento da vivência de uma comunidade, o poder do padre era catapultado para o alto. Os protestantes, mais uma vez, não concordam que um ser humano possa perdoar outro de seus pecados, e que o perdoado pode voltar a pecar novamente. Tudo, depois de confessado, estaria perdoado. Cria-se uma sociedade quase sem obrigações, mais tolerante com erros e ví-cios, que era só errar, ajoelhar frente a um padre, penitenciar-se, que estava limpo outra vez. Missionários e homens de negócios que viajavam pela região também mostravam a licenciosidade dos padres, tendo alguns deles amantes e filhos. Num clima de desconfiança criado desde a Europa na luta entre protestantes e católicos, até mesmo os padres virtuosos ou que cumpriam suas obrigações religiosas com zelo desapareciam no meio dos erros dos ou-tros. (17) A força do padre na América Latina levaria as pessoas da região a vê-los, pelo menos lá atrás em sua história, como gente de alto calibre moral, virtudes e sabedoria. Associado à sua força sobre as ações espirituais ter-se-ia alguém com uma presença desproporcional perante os outros de uma comu-nidade. E se uma figura assim estava ligada ao Papa e a Roma a coisa seria complicada para um país. E, para piorar, essa ligação era forte também com a coroa espanhola ou portuguesa, uma situação nada boa para os habitantes da América Latina. Aceites e crenças que vão se firmando no imaginário das pessoas nos EUA.

Nos seus ataques à fé católica os protestantes condenavam também a quantidade de entidades de caridade que a igreja mantinha. Diziam que o excesso com essas ações acaba amolecendo o espírito de competição que o indivíduo deve possuir, cada um deve buscar na competição o que lhe é de direito. Uma crença como essa sugere que o sentido capitalista já esta-va na base daquela sociedade. O protestante norte-americano não aceitava também a quantidade de festas religiosas, procissões e dias santos que havia na América Latina. Seria quase barbarismo adorar santos em procissões e cânticos pelas ruas de uma cidade. Achavam que os gastos com as festas

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eram exagerados. Afirmam, com algum exagero, que isso seria um dos mo-tivos para o não acúmulo de capital na região, as festas drenavam os poucos recursos da área. Pagavam os ricos e também os menos ricos, e no final um dinheiro que poderia ser aplicado em coisas mais produtivas para o progresso da comunidade desaparecia nas festas aos santos. Para pessoas do protestan-tismo, seja da Europa ou dos EUA, era um absurdo povo na rua em procissão ao lado da estátua de um santo numa festa religiosa que durava dias e ainda com abuso de bebidas. Coisa de um mundo pagão, quase selvagem, agindo assim a região seria contra o progresso material. (18)

O norte-americano defendia ainda que povo desenvolvido conquistava o meio ambiente, derrubava florestas e construía riquezas. Não podiam acei-tar um povo de religião que acreditava em forças da natureza, e, que se co-locava perante ela com veneração. Essa atitude, levada por crença religiosa, criaria um povo contemplativo, esperando que as coisas acontecessem. Não se vai à luta para buscar na natureza, com suporte num Deus verdadeiro, o que fosse necessário para o crescimento humano. (19) Dominar o meio ambiente seria uma exigência de Deus; conquistar terras, matar animais, tentar civilizar índios e, se não der certo, tirá-los do caminho da civilização. A conquista da natureza a qualquer custo, que hoje seria condenada, esta-va estribada em arraigada crença religiosa. Essa maneira de encarar a vida era aceita pela elite, e muito mais ainda pelo homem comum. Dominar o meio ambiente seria uma espécie de renascer para a vida, característica do protestantismo; que no catolicismo o batismo da pessoa já resolve isso, ela renascia ali, não precisava mais de outro renascer. Os protestantes veem de forma diferente, acham que renascer (born again) é um retorno às origens e que, nessa conquista interior, o indivíduo pode caminhar para a perfeição, e dominar o meio ambiente seria um dos instrumentos nessa busca. O latino-americano, por sua incapacidade de conquistar e dominar terras, não teria a chance de renascer outra vez. (20) Espichavam essa interpretação além da conquista da terra: esse fato inculcaria no indivíduo deveres morais e senso de propriedade. Sem esses valores não se chegaria à civilização.

Há ainda a ligação entre religião e avanço tecnológico. (21) Os protes-tantes, livres de ritos, santos, magias religiosas, aceitariam o progresso tecno-lógico. Seria, outra vez, desejo de Deus, e com esses instrumentos se podia conquistar a natureza, o que daria acúmulo de riquezas e avanços na vida. Deus queria que as pessoas vencessem nesta vida, não ficassem esperando pela outra. Imagine um pastor protestante pregando que na Bíblia, nessa ou naquela passagem, Deus estava dizendo que o que eles estavam fazendo seria o correto. Quem não fizesse assim não estaria se fazendo merecedor de Deus

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nesta Terra e, como consequência, teria dificuldades para a outra vida. Era um incentivo monumental ao avanço sobre novas terras.

Há, no caso, uma diferença entre o que pensava a gente da América Latina e a dos EUA. A religião teria dado base para o que as duas partes da América sejam até hoje. A colocação ou interpretação é dura e direta: a religião na América Latina atrapalhava o progresso, o avanço tecnológico, a conquista da natureza, o acúmulo de riqueza e propriedade. Não era uma região que se desenvolveria economicamente. Daí muitos protestantes acre-ditarem que seria quase uma missão divina ajudar o povo deste pedaço do mundo. Não fizeram nada disso, mas alguns alimentaram essa ideia de que a igreja católica fracassara em ajudar o ser humano nesta vida, e que a saída seria abraçar o protestantismo e suas supostas virtudes.

Continuam as diferentes análises sobre as religiões nas duas Américas. Alexis de Tocqueville que, com seu livro, Democracia na américa, virou uma espécie de sumo sacerdote da interpretação dos EUA do século XIX, (22) diz que a América do Norte foi povoada por pessoas que sacudiram an-tes a autoridade do Papa, e levou para aquele lugar uma forma nova de cris-tianismo que trazia bases de democracia. Essa forma nova contribui para se criar a República e a democracia. Thomas Jefferson dizia (23) que a América Latina tinha sido dominada pelo catolicismo, e que isso faz o latino-america-no não estar preparado para governos representativos. Em 1817, momento em que a América Latina se emancipava da Espanha e de Portugal, escreveu que a região não estava preparada para a independência, eram incapazes de se autogovernar e que os países cairiam nas mãos de militares déspotas.

Simon Bolívar tinha quase igual pensamento pelo que escreveu em 1830, ano de sua morte. Achava que a região não estava preparada para governar-se e que cairia em mãos de pequenos tiranos. Bolívar também acreditava nas virtudes da cultura anglo-protestante e nos graves problemas da herança ibero-católica. (24) Autores latino-americanos, como Domingo Faustino Sarmiento, Francisco Miranda e Salvador Mandieta, ajudam na montagem de uma América Latina complicada porque sua base cultural era católica, não estaria preparada para ter bons governos se não mudasse seus costumes e atitudes. Falavam que, quando na Inglaterra nascia a liberdade religiosa, renovando as coisas do espírito, a Espanha estava fazendo o contrário, com mais intolerância, inquisição e a forte presença dos jesuítas, e tudo em ínti-ma relação com poderes seculares despóticos. Esses comentários eram lidos e ouvidos nos EUA. Se muitos intelectuais da América Latina criticavam a região, aumenta a percepção nos EUA de que se estava diante de um fato verdadeiro, um caso quase perdido.

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James William Park também cita esses latino-americanos e outros como o brasileiro Manoel José Bomfim, o argentino Carlos Octavio Bunge, o boli-viano Alcides Arguedas e, o mais influente deles, o peruano Francisco Gar-cia Calderón. (25) Todos falando contra os males da América Latina, bo-tando a maior parte da culpa na igreja católica e no tipo de colonização que para cá veio, e fazendo paralelos com o que havia no norte do continente. As ideias liberais entraram na região e já não havia tanto receio de se falar da igreja; associado a essas mudanças havia ainda a aceitação dos princípios positivistas que dominaram parte do período, e também o crescimento da maçonaria na área. Os ataques ao atraso da América Latina centravam-se no legado espanhol, que teve como suporte a igreja católica. Ela era o alvo. O venezuelano Carlos Rangel dizia que a igreja católica é a maior culpada pelo que a América Latina se transformou. (26) Faz comparação com a ética protestante e a lassidão que ocorreu na região e reclama que isso não com-binava com o mundo novo que surgia. Os protestantes defendiam a atuação e o comportamento dos seus fiéis no dia a dia da vida, bastante diferente daquele pregado pelo catolicismo. Cria na América Latina uma sociedade de aparências, há uma permissividade que não há na outra religião. O ponto de vista de Rangel contraria a teoria da dependência, a culpa pelos erros da América Latina estava aqui mesmo. (27) Cita ainda a falta de estabilidade política, a repressão, a presença de ditaduras, o enorme crescimento da po-pulação e as relações externas complicadas. Esses autores latino-americanos escrevem que o período colonial foi uma época ruim na história regional. Um lugar que tinha terras boas, mas que faltou orientação das pessoas que saíram da Europa. Que, apanhados pela mistura de raça, clima e principal-mente pelo domínio da igreja, não conseguiram fazer com que a América Latina encontrasse um caminho que outros povos conseguiram. Falam em “povo enfermo”, doença que não iria desaparecer facilmente. Usam quase os mesmos argumentos que usavam os viajantes, missionários ou escritores dos EUA sobre a região. Não tinha como o norte não ver a América Latina como algo complicado mesmo.

O Destino Manifesto, um movimento que dominou os EUA nas déca-das de 1830 e 1840, que deu a base teórica ao país para conquistar gente e terras, como se verá mais à frente, mostra também a força da religião na formação da crença de superioridade dos EUA sobre a América Latina. O Destino Manifesto dizia que os anglo-saxões eram uma raça superior, a re-ligião protestante a verdadeira e única e o caminho para o paraíso, governo republicano dava liberdade civil aos seus cidadãos e com instituições liberais, e o individualismo se chega ao sucesso. O Manifesto dá o toque “legal” de

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que o povo branco norte-americano tem a obrigação cristã de regenerar po-vos atrasados, (28) uma justificativa para a expansão territorial. Buscava-se na religião o instrumento legalizador da ação daquele país e, na crença do período, seria um desejo de Deus. Se colocado no contexto da época, com um povo que tinha a religião como parte íntima de vida, não é difícil perce-ber como agiriam para ocupar novas terras dentro e fora do país, e como isso também ajuda a criar a imagem de diferença entre as duas partes da América e que, apesar do tempo, ainda permanece na mente da maioria das pessoas daquele país.

Raça

O índio na história dos EUA tem lugar de destaque, já estava ali quan-do chegaram os brancos colonizadores. Foram deixados de lado por muitos anos, depois houve a expansão para o oeste e veio o choque, uma civilização conquistou a outra. Houve, por algum tempo, uma discussão nos EUA sobre esse contato entre povos diferentes, uns achando que a cultura indígena, sem malícia e ganância, era pura e mais perto do que queria Deus. A maio-ria, ao contrário, os vendo como barreira ao progresso. Os índios deviam ser civilizados ou dizimados. Prevalece a ideia da conquista e afastamento deles do caminho do desenvolvimento. Eram considerados pagãos e não prepara-dos para crescerem economicamente, seres humanos de segunda categoria. (29) Também os índios não gostam de trabalhar e as tarefas mais duras do dia a dia seriam feitas pelas mulheres. O índio não acumulava riqueza e isso estava em suas crenças religiosas. (30) São pobres mesmo vivendo em lugares que poderiam fazê-los ricos por terem minérios ou terras boas para plantios. Isso, na visão do norte-americano do período que acreditava no princípio do homem dominar a natureza e se enriquecer dela, não era aceito. Mas, para se chegar ao que ficou depois, houve antes choques e guerras, e em algumas delas os índios levaram vantagens. Era até pior para eles quando isso acontecia.

Os norte-americanos acham ainda que tiveram sorte em não encontrar em seu território civilizações indígenas mais avançadas ou sedentárias, seus índios eram nômades. Não se teve no norte que se conquistar um povo com uma cultura maior e mais sedimentada, o que é mais complicado. Nos EUA havia menos índio que no sul do continente, até isso é debitado como bên-ção divina. Em parte da América Latina ocorreu o contrário e os coloniza-

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dores usavam essa mão-de-obra para a agricultura e minas, criaram a ligação de dependência entre elite e trabalhadores.

Os índios e suas práticas foram associados com os latino-americanos. A figura do mexicano da fronteira, com sua face índia, é a imagem dessa associação. Ao associar os índios que estavam sendo conquistados nos EUA aos latino-americanos põem, outra vez, a culpa na religião católica pelo que acontecia na América Latina. Santos, divindades, festas religiosas, ídolos pa-gãos, seriam comuns a índios e latino-americanos. Com tudo isso e ainda a proximidade racial colocam os dois povos praticamente no mesmo nível. Foi no século XIX, na época da corrida do ouro nos EUA, que ocorreu um contato maior de gente desse país com uma parte da América Latina, basi-camente com os mexicanos. Estavam na fronteira, reagiam às vezes, havia choques e lutas. Havia, como ocorreu depois com os negros no sul dos EUA, linchamento de mexicanos, um fato normal, não havia punição. Como des-truíam os índios, os norte-americanos se achavam no direito de fazer o mes-mo com os mexicanos. Daí a colocar todos os latino-americanos no mesmo patamar não foi difícil.

Na Califórnia antiga os recém-chegados ainda distinguiam entre os ca-lifornianos mais abastados, de ascendência espanhola, daqueles mais pobres. Não demorou muito e o norte-americano daquela época, com alguma as-cendência inglesa, estendeu seu tom pejorativo para os donos de minas ou para os californianos “brancos”. Os que chegavam queriam tirar o poder econômico e político deles, apropriar-se de tudo naquela área, e nada mais conveniente do que colocar nos habitantes dali estereótipos até mesmo ra-ciais. Começa a saga de discriminar os mexicanos, e isso vai se estender aos poucos para o resto da América Latina. Desvalorizar a pessoa e seu compor-tamento ajuda os objetivos políticos e econômicos desse ou daquele grupo, nesse ou naquele lugar. Para a maior parte da população dos EUA tudo seria feito com suporte num suposto apoio de Deus que seria a favor de progresso e transformador do meio ambiente, e não o contrário, como nos casos dos índios e latino-americanos.

Outro ataque aos mexicanos extensivo aos latino-americanos de forma geral foi contra o mestiço. O norte-americano logo apelida gente da região de fronteira como greaser ou, além de raça misturada, sujo e gordurento. (31) Nos primeiros filmes de Hollywood, ainda no cinema mudo, em que apare-cem mexicanos, todos os títulos originais tinham a palavra greaser. A mistura de raça ou o mestiço seria uma degeneração racial, acreditava o norte-ame-ricano. As colocações sobre essa “gente de cor”, não brancos, são sempre de-preciativas. Praticamente todos os escritos daquele período também punham

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os latino-americanos, no caso os mexicanos, como um povo indolente, sem vontade de crescer na vida, feio, com moral baixo e não confiável. (32) Ima-gine o que pensaria da região o homem comum daquele país lendo os escritos de gente que viajou ou teve contato com os mexicanos. O norte-americano não entendia também o abandono com as fronteiras, pouco habitada e sem estradas, o que demonstraria um povo despreparado para enfrentar o pro-gresso e levar riqueza para sua gente. Carimbam os latino-americanos como primitivos; se comparado com a gente do norte, era a civilização contra os bárbaros mais ao sul.

Escritos da época (33) pintam um monte de características para mos-trar que índios, mestiços e latino-americanos seriam iguais. Eram contra o progresso, deviam dar espaço a povos mais competitivos e trabalhadores. Esse aspecto depreciativo nos escritos sobre os mexicanos, com base índia e mestiça, que se estende aos latino-americanos, será reforçado com os relató-rios feitos por norte-americanos viajando por outros lugares da área. Cria-se a imagem de que a América Latina era mesmo atrasada. Uma preocupação que eles deveriam ter ou poderiam ser levados a se nivelar com o povo mais primitivo ao sul. Tem autor que levanta a hipótese de que talvez os EUA não tenham tomado todo México na sequência da guerra entre os dois pa-íses de 1848 porque a maioria da população dali era mestiça. Poderiam ser regenerados? Quanto tempo isso tomaria? Nesse meio tempo, qual seria o status dessa gente dentro dos EUA? Quais as consequências que a absorção desse povo teria nas instituições norte- americanas? O mestiço ou latino-americano nunca mais se recuperou nos EUA dessa antiga vitimização. (34) A questão de raça, o desprezo pelo mestiço, empurra os EUA para longe das coisas da América Latina. A pergunta se os mestiços poderiam ser ou não regenerados é muito forte nas relações entre os dois povos. Olhado por esse ângulo não será fácil haver entendimento maior dos norte-americanos com os latino-americanos. Os anos básicos para a formação dos estereótipos sobre a América Latina nos EUA vão de 1830 a 1860, há mais de um século e meio, portanto.

Há uma quantidade enorme de livros, artigos de jornais, peças de tea-tro, poemas, relatórios de viajantes e diplomatas para mostrar como os EUA naquele momento olhavam para a América Latina. (35) O mestiço, base da população latina americana, foi caracterizado como preguiçoso, ingover-nável e que aceita tirania. Motivos, entre outros, que impediam a América Latina de se modernizar e ter uma sociedade mais estável. No final do século XIX e início do XX, é preciso reforçar, se falava muito nessa questão de mis-tura de raça. (36) Não havia ainda a preocupação de hoje em disfarçar esse

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tema. Havia lugares nos EUA que proibiam em lei que houvesse união entre raças diferentes. O pouco que houve ali foi na longínqua fronteira entre al-guns brancos e índios, fato considerado anormal. Talvez possa ser dito que o mestiço tenha sido mais vitimizado pelos EUA que o índio. Ao redor deste, depois de sua quase dizimação, ainda se levantam alguns pontos positivos. Sobre o mestiço o ataque é constante. Teses “científicas” (37) diziam que crianças que nasciam de pais mestiços herdavam as piores qualidades deles e sepultavam suas virtudes. Pessoas nos EUA, mais tarde, se recusavam a ver como igual gente que eles classificam como resultado de mistura de raça (38). Apareciam livros que pregavam verdades absolutas sobre a questão da raça e que influenciavam o governo dos EUA e a maioria da nação. Falam da mistura de raça na América Latina como gente de classe inferior e dominada por uma igreja católica corrupta. (39)

A imigração nos EUA estava crescendo e como uma reação a esses no-vos habitantes o assunto racial se mostrou ainda mais agudo. Alguns arguiam que os EUA estavam recebendo gente nada melhor do que os mexicanos, ou que o norte-americano estaria perdendo sua pureza, degenerando-se por causa do grande número de imigrantes inferiores. Como não estavam gostan-do da qualidade dos imigrantes que chegavam ali, colocavam-nos na escala dos mexicanos, que para muitos estava no pé da pirâmide racial. (40) Gente dali não acreditava que Brasil e Argentina, que estavam recebendo grande número de imigrantes, pudessem melhorar a situação social desses países. E, para piorar, esses imigrantes seriam de qualidade europeia inferior, (41) por-tugueses e espanhóis não poderiam ser comparados com os anglo-saxônicos, não tinham a energia e a força de vontade do outro. Na união desse povo de qualidade inferior da Europa com índios e negros tem-se a fotografia como os EUA viam os povos abaixo do Rio Grande, foi cristalizando na mente das pessoas dali como verdade. Em certos círculos nos EUA a mistura de raça foi vista de forma pior que o índio puro ou mesmo o negro sem mistura. O futuro do México estaria mais na pureza do sangue índio do que na mistura racial, pois pessoa de sangue misturado não tinha condições nem mesmo de governar a si mesmo. (42)

A Revolução Mexicana (1911) engolfou o país em longa luta. Havia também em países da América Central e do Caribe acontecimentos revo-lucionários paralelos, em tamanhos e calibres diferentes. Fatos que levam os norte-americanos a acreditarem que gente com mistura de sangue não conseguia se autogovernar. Ao descrever a Revolução Mexicana para uma revista dos EUA, alguém dizia que o mexicano era descendente de aventu-reiros espanhóis e índios, onde pontua a falta de coragem de um, a traição

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do outro e a crueldade de ambos. (43) A situação do mexicano nos EUA se mostrava complicada desde o início do contato entre os dois povos e não di-minuiu muito ao longo dos anos. Em 1928, por exemplo, fez-se uma pesquisa de opinião pública naquele país sobre eles. (44) Somente 28% concordavam de casamento entre os dois povos, mais de 15% opinavam pela total exclu-são da entrada de mexicanos nos EUA. Isso quando o país recebia muitos estrangeiros e precisava de mão-de-obra em abundância. Entre 23 grupos étnicos citados, o México ficou em 17º lugar, à frente somente dos chineses, dos japoneses, dos negros, dos mulatos, dos índios e dos turcos.

Não ficavam apenas nos escritos de viajantes e diplomatas as histórias negativas sobre a América Latina, também as revistas nos EUA as contavam. Jovem norte-americana, descrita quase como uma santa, foi estuprada por um mexicano na época da Revolução Mexicana. A maneira como é descrito o tal ato é de fazer qualquer norte-americano querer matar qualquer mexi-cano que encontrasse pela frente. (45) Pior ainda foram os romances sobre a região. A ficção ou as histórias contadas sobre um caso aumentavam ainda mais os estereótipos sobre a América Latina na mente dos norte-americanos. Numa ficção cabe tudo, e esse tudo quando se falava da região era aumenta-do ao máximo para se criar uma imagem de algo quase fora da realidade do homem branco. E se repetiam, agora em forma de algum conto, as falas sobre um povo preguiçoso e cruel, voltado para bebidas e sexo, dominado por igreja e governos corruptos. Não se apaga uma imagem dessas do dia para a noite.

Há uma ascendência do homem na sociedade norte-americana. A Amé-rica Latina também, mas não havia nem nesse aspecto nenhuma possibilida-de de aproximação ou identidade. Eles viam aquela superioridade do homem da região com olhos diferentes, eram indivíduos de origem europeia mistu-rados com índios ou negros. Havia o domínio do homem, mas o tipo que o norte-americano não aceitava. (46) Os espanhóis e os portugueses eram considerados os mais atrasados da Europa na visão anglo-saxônica, carac-terizados como autoritários, e não professavam os princípios do liberalismo econômico. Na América Latina, devido à quantidade de índios e depois de negros, houve enorme miscigenação. Os norte-americanos achavam que os portugueses, os espanhóis e até os franceses aceitavam a miscigenação, e que a mistura de raça gera outra mais feia fisicamente, intelectualmente inferior e com tendência à degradação moral. Diziam ainda que mesmo os brancos colonizadores da América Latina tinham amantes índias ou negras, e que as esposas permitiam. Se o latino-americano não controla essas paixões e emoções seria uma demonstração de que não dominava a si mesmo. Essa irresponsabilidade seria contrária aos preceitos de um povo civilizado. (47)

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Muitos americanos aceitavam a mistura cultural e não racial, (48) cul-turas diferentes em contato podem influenciar uma a outra, e seria normal e aceito. O negro ou o índio teriam coisas boas que seriam assimiladas pelos brancos e formando uma só cultura dentro do país, mas nada de incentivar a união sexual ou o casamento entre raças diferentes. Seja por essas criações do século passado ou desde o início da colonização dali, seja por discrimina-ção em lei, nos EUA, até os dias atuais, é pequeno o número de casamentos entre brancos e negros ou índios, há poucos mestiços ou mulatos na socie-dade daquele país.

Não se circunscreve ao mestiço e ao índio as ideias raciais nos EUA, o negro foi também visto de forma torta. Como em parte da América Latina a presença negra era forte criam-se naquele país mais distorções raciais en-tre os dois lados do continente. Falas discriminatórias com outras raças são também dirigidas aos negros. (49) Teorias raciais mostravam que os negros tinham inteligência inferior, não aptidão para a educação, propensão para corrupção e uma tendência para comportamento violento. (50) Não foi di-fícil transferir essa ojeriza do negro dali ao da América Latina. Nas charges sobre a América Latina (51) o nosso negro, quando falava, usava os termos do quase dialeto negro do sul dos EUA. Juntaram tudo num só.

É interessante essa oscilação interna dos EUA para caracterizar a Amé-rica Latina. Num momento o índio, quando o país estava concluindo a con-quista desse povo, foi alcunhado de todo o mal que havia na espécie huma-na. Nos contatos com os mexicanos na fronteira, o mestiço, parte maior do país vizinho, é vestido das piores qualidades, culpa-o por praticamente todos os males da humanidade. Quando a questão racial está no auge dentro dos EUA, em que o negro é o centro do mal, a América Latina passa a ser carac-terizada como “república de negros”. (52)

A ação racial nos EUA contra os negros baseava-se em estranhas des-cobertas científicas. Aceitavam-se teorias que dão base ao racismo ou que uma raça é superior à outra. Testes usados pelo Exército dos EUA durante a I Guerra mostravam a disparidade entre os grupos étnicos (53) com os brancos tendo uma superioridade inata. Outro estudo foi sobre o tamanho do crânio. O dos brancos era maior, seria mais inteligente, (54) e o do negro era menor, sinal de inferioridade dessa raça. Pela teoria do tamanho do crânio a supre-macia branca passou a ser indiscutível. Havia, no caso, uma prova científica. Aumentou o racismo contra o negro e a América Latina tinha população negra, a transferência dessa suposta superioridade passou os limites da fron-teira daquele país. Com tal suporte, associado ao momento econômico dos EUA, tinha-se a base para o expansionismo externo que ocorreu entre 1898,

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fim da guerra contra a Espanha, até o final da década de 1920, pouco antes da Depressão Econômica por que passou o país. (55) Antes, na conquista do oeste e do território mexicano, a base tinha sido o Destino Manifesto. Mais tarde, estribados em teorias raciais do período, marcharão para a América Latina de negros, índios e mestiços.

Outros fatores ainda ajudam na discriminação contra os latino-america-nos nos EUA. A Lenda Negra, que nasceu na Inglaterra e foi exportada para sua colônia no Novo Mundo, é um deles. Essa criação foi destinada na Europa à Espanha católica, havia uma disputa entre as duas nações e a Lenda Negra servia aos interesses britânicos. A atuação dos espanhóis na América Latina com os índios foi mostrada como ato de um povo cruel. As cartas do jesuíta Bartolomeu de las Casas denunciando a ação dos encomenderos ou grandes proprietários rurais contra os índios ajudaram na montagem da equação de que os espanhóis eram bárbaros. Foi fácil transferir essa concepção para os EUA colonial e até pós-colonial no seu relacionamento com a Espanha e suas possessões na América. E, mais tarde, na guerra contra a Espanha pela inde-pendência de Cuba, o aspecto negativo levantado lá na Europa foi aumenta-do e passado para as colônias espanholas. Não atacava só os descendentes de índios, a Lenda Negra atacava também a elite espanhola na região.

Como mais um resultado da Lenda Negra, os norte-americanos dizem, com ou sem razão, que o povo e até mesmo a elite da área não tem firmeza ideológica. (56) Muda de opinião perante fatos políticos muito rapidamente, não haveria uma definição clara na região sobre qual é a forma de governo correta e definitiva, fica-se pulando de um sistema para outro. E que também não haveria firmeza na escolha do modelo econômico a seguir. Essa indefi-nição sobre modelo ou sistema político e econômico gasta tempo e energia da nação, um dos motivos dos tantos desacertos da América Latina. Tudo isso fazia parte do caráter espanhol que emigrou para a América Latina. A Lenda Negra (57) dizia ainda que se tratava de um povo sem responsabili-dade, contra o progresso, aceitava governos autoritários e taxas e impostos criados de cima para baixo. Que deveria haver sempre alguém com mão forte para governar, e los de abajo aceitavam e algumas vezes se revoltavam, provocando desassossego político constante. A elite para tirar proveito do Estado aceita governos fortes, com suporte nas forças armadas e ataques às liberdades individuais. Que os espanhóis nunca acreditaram no trabalho árduo, outros fariam os serviços para eles. A Lenda Negra ia, portanto, além da crueldade do povo espanhol.

O latino-americano tem ainda a mania de transferir para amanhã suas obrigações. É um dos estereótipos que mais ficou sobre o povo da região,

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sempre se fala que vai resolver as coisas “mañana” ou amanhã. É a terra do amanhã, (58) ou que nada se resolve na hora, protela-se para outro dia e esse outro dia pode não chegar nunca. Não seria nunca, na interpretação levantada, um povo próspero.

Com criações como as da Lenda Negra e tantas outras, mostradas para um povo ainda não muito educado, percebe-se o enorme fosso que abrirá entre o norte e o sul do continente. O latino-americano seria totalmente diferente do que eles eram. Não dava liga, portanto. Começou a diferença entre “nós” e “eles”. Os norte-americanos são mostrados como honestos, trabalhadores, pragmáticos, frugais ou a lista completa das “virtudes” da ética protestante. O “outro” praticaria o inverso dela. Sempre a disputa entre as religiões: uma correta, a outra cheia de erros e vícios. A crença era que os anglo-saxônicos sabem controlar e ditar seu destino, o latino-americano não. (59)

Mais tarde pessoas nos EUA começam a fazer distinção entre os latino-americanos: que nem todos eram iguais àqueles no imaginário da maior parte da população daquele país, havia diferenças. Haveria na América Latina gente com educação e conhecimentos acima da média dos estratos mais baixos da sociedade. Até mesmo diferença entre países da região apareceu. Theodore Roosevelt, em suas andanças pelo Brasil e pelo Chile, dizia que esses países se mostravam diferentes dos do Caribe e da América Central. Ele foi o criador do corolário à Doutrina Monroe, que previa, entre outras coi-sas, “educar” povos atrasados naquelas regiões mais próximas dos EUA. Ele, Roosevelt, apenas para não perder a oportunidade de um gancho com uma personalidade importante daquele país, e também para mostrar como as pes-soas e até países se adaptam a circunstâncias novas, no início do século XX, defendia a não destruição do meio ambiente. Num estágio da vida dele fora o contrário: defendia o domínio do homem sobre a natureza. Depois de ter sido presidente e de ter criado alguns parques nacionais nos EUA, e ter feito viagens pela África e pela América do Sul, começou a defender o contrário do que pensava antes. (60) Aceitava até mesmo que o nascer outra vez, tão falado na religião protestante, seria a defesa do meio ambiente. Numa mudança de rumo interessante passou a defender que futuras gerações se renovariam espiritualmente dessa maneira.

O ponto de vista, como o de Roosevelt, de que havia diferenças entre pessoas e também entre países na América Latina ficava circunscrito a certos círculos dos EUA, não foi regra nacional. A maior parte da população dali olhava a América Latina da maneira de sempre. E mesmo os que olhavam a região de forma diferente, fazendo distinção entre elite e massas e entre paí-ses, logo perguntavam se essa elite estava fazendo seu dever de casa. É que os

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EUA cresciam economicamente, aumentando sua classe média e na Améri-ca Latina não ocorria o mesmo. A pobreza era uma característica marcante, aliás, até hoje. A maior igualdade da região está na impressionante similitude na pobreza. Quando se pensava que alguns nos EUA iriam influenciar outros de que havia duas Américas Latinas, uma mais culta e que deveria ser res-peitada e outra maioria pobre, lá cresciam no mesmo momento os ataques à ineficiência da elite regional. Sua única “sabedoria” seria manter os pobres em seus lugares com o auxílio da igreja católica. As massas, no geral, eram obedientes às regras criadas pela elite, nem mesmo lutavam para ter ganhos materiais maiores. Ser pobre não seria problema, o que importava era a outra vida. A ligação povo-elite foi no sentido paternalista, do compadrio, de que os de cima ajudam os mais pobres se estes cumprirem atos de lealdade ao patrón. Era a região do sin senõr, patrón.

A classe dominante na América Latina sabia como controlar e manter em situação quase de servo os mestiços, índios, negros e mulatos da região. Ascender socialmente não era uma tarefa fácil, chocava com o ponto de vista dominante nos EUA de que o ser humano tem que crescer na vida, ser bem sucedido. Esta busca é que faria o país melhorar economicamente, e não uma sociedade estática como se via mais abaixo do Rio Grande. Tem autor (61) que diz, exagerando um pouco, que a elite latino-americana conseguia convencer pessoas de que deveriam se libertar de ganhos materiais e para se preocuparem com outras virtudes da vida como arte, literatura ou música clássica. Que essas conquistas não materiais fariam as pessoas ser mais perfei-tas e até mesmo felizes. No lado mais prático da vida regional, se isso ocorres-se, a elite teria sempre um povo que não a contestava, tendia a aceitar uma situação que era benéfica, como ainda é, aos mais afortunados da vida.

Como ocorrera no final do século XIX, depois da I Guerra, já no outro século, os EUA receberam um número grande de imigrantes, como antes con-tinuam a aparecer teorias que procuravam mostrar a superioridade da raça branca. Negros, índios, latinos e povos eslávicos seriam de segunda categoria, o racismo naquele país subiu para outro patamar. Crescem ainda o antisse-mitismo e anticatolicismo. Se a maior parte dos imigrantes não era mais de ingleses ou nórdicos, se eram italianos do sul ou judeus, juntaram todos num mesmo barco, e apoiados em teses raciais atacavam esses imigrantes e suas bases religiosas. Como já acontecera em outras manifestações locais, coloca-se o latino-americano dentro dessa nova onda nacional. Se havia alguns que achavam que havia alguma diferença entre pessoas na região, que havia uma elite culta, a maioria não pensava assim. E quando ocorriam fatos negativos nos EUA não seria culpa do homem branco, sempre culpavam os outros pelos

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erros. Droga e álcool são coisas de negros, latino-americanos e imigrantes, os verdadeiros EUA não. Houve até proibição do álcool no país, e quando voltaram atrás culpavam os estrangeiros pelo fracasso da tentativa e não o norte-americano. (62) Os de fora é que ameaçavam os valores do país.

O que se percebe nas publicações, sermões em igrejas, discursos no parlamento ou em diferentes manifestações daquele período é que se foram criando as bases para a expansão externa dos EUA. Deus, religião, progresso, tecnologia, dominar a natureza, criar e acumular riqueza, ter propriedade privada, ajudar povos atrasados a crescer, ganhar mais dinheiro e, mais tarde, entra o aspecto da segurança, fatores que empurram aquele país à sua con-quista externa. A raça superior, na visão local, tinha o direito de se impor às outras, expandindo a teoria de Charles Darwin para o plano das nações. Na era intervencionista (63) na América Latina, os EUA acreditavam que o país poderia ajudar a civilizá-la. Uma atuação planejada e de longo prazo, acre-ditavam alguns, poderia melhorar esse povo. Mas logo surgem comentários que iam em direção diferente. Se os EUA não tiveram sucesso em civilizar os índios do país depois de anos de conquistas, como é que queriam fazer isso com povo diferente e longe de casa? Como fazer a tal americanização de outros povos? Além disso, o chamado “imperialismo civilizador” deve-ria concordar com um período de protetorado paternalista, mais educação formal para o povo desse ou daquele lugar. Não faz parte da cultura daquele país ser paternalista, é contra o comportamento da nação. Gastar dinheiro, tempo, educação, ação militar para segurar movimentação social e ser ainda dócil e paternalista não está escrito no livro que guia o país.

Clima

O clima é também citado como motivo para maior ou menor desenvolvi-mento dos EUA e da América Latina. Argúi-se que a maior parte dos países ricos está em clima temperado, o contrário ocorre com os países pobres, qua-se todos estão em clima tropical. Os habitantes de climas mais frios teriam que trabalhar mais porque têm menos tempo para plantar e colher. O frio encurta esse tempo, precisam encontrar meios para se aquecer no inverno. Só com trabalho duro e poupança se pode ter isso, e que, ainda, por enfren-tar situação climática adversa, a cooperação se dá entre os habitantes de uma mesma região. Cresce o sentido comunitário, diferente do que ocorre na América Latina em que falta essa cooperação. O clima na América Latina

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não incentivaria o trabalho duro, poder-se-ia ter colheita quase o ano todo e até mesmo se poderia encontrar alimento que cresce naturalmente sem plantar. Um fato que ajudaria a aumentar a indolência e esse tipo de meio ambiente ainda facilita no aparecimento de doenças. Mas e os países que possuem clima temperado como o Chile, a Argentina e o Uruguai? Esses não passaram para um patamar maior de crescimento econômico porque, além do clima, outros motivos, como a cultura de cada povo, os puxariam para o subdesenvolvimento. (64)

O clima teria sido mais favorável aos imigrantes do norte, (65) que chegavam numa terra que tinha um clima mais parecido àquele a que es-tavam acostumados na Europa, diferente dos portugueses e dos espanhóis que encontram um clima tropical e diverso do que viviam na mãe pátria. A produção econômica também ajudaria mais aos que foram para os EUA, iriam produzir bens no campo mais parecidos com o que haviam produzido antes na Europa. Os portugueses e os espanhóis tiveram que se adaptar a uma região com clima diferente e, no caso, tinham que produzir aquilo que era possível em tal situação climática. A comida dos dois lados também se mostrava mais favorável aos que chegavam aos EUA, ali se produzia e consu-mia o que era comum na Europa. Na América Latina a adaptação alimentar foi mais acentuada com a aceitação do que se poderia produzir numa região climaticamente diferente da Europa.

James William Park cita inúmeros estudos e relatos de viajantes sobre a questão do clima na América Latina. Argúem que a maioria dos latino-americanos vive nos trópicos, e por causa disso não tinha condições para o progresso. Aparece sempre o argumento de que o clima ajuda na estagnação da América Latina, e que a vida era tão fácil que pouco esforço seria sufi-ciente para se viver em tal região. O autor cita viajantes que escrevem que as casas não tinham conforto, usava-se pouca roupa, não se precisava de fogo para aquecer, e com a facilidade de conseguir alimentos dava para entender por que o povo da área não se preocupava tanto em trabalhar. Se colocado diante da ética protestante do trabalho, necessário para crescer nesta vida, mesmo querendo dizer que a América Latina seria quase um paraíso, o que depreende dessas colocações é o inverso, a região criaria indolentes. O clima também influenciaria no modo de fazer política. O clima quente e úmido da América Latina criava um povo incapaz de se autogovernar. Clima, beleza natural e falta de vontade de trabalhar produzem, portanto, um povo inefi-ciente, se comparado com aqueles de climas temperados. O clima também levava a população local para uma espécie de degeneração moral, afirmavam que havia evidências de que o organismo humano era afetado nos trópicos e

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que isso influía nos aspectos morais de uma sociedade. Que a busca por sexo por parte dos homens quase desde a adolescência é porque o clima tropical leva a isso. Afirmam que o homem branco seria bastante afetado pelo clima dos trópicos. Quando na região, por mais que quisesse manter seu estilo do exterior, passa a beber mais e trabalhar menos.

Em 1915, um professor de Yale, Ellsworth Huntington, publicou um li-vro, Civilization and Climate, (66) onde defende bases “científicas” de que quem vive nos trópicos não tem jeito de crescer na vida. Ele argúi que cli-ma não é o único fator para o atraso, mas é um dos mais essenciais para se entender essa situação. Ele pontua que o clima uniforme através do ano é enervante, não tem meio-termo em dizer que a raça branca era superior às outras e que as raças nativas dos trópicos são lentas para pensar e agir. Assevera que o homem branco, quando vive nos trópicos, tende a ser mais irascível, desejar mais sexo e trabalhar menos. Se o homem branco quisesse trabalhar duramente como faz em sua terra acabaria tendo problemas graves de saúde. Escrito por alguém de uma universidade de respeito, passa a ser visto como verdade.

A análise do clima como um dos motivos para o atraso da região e não propício para o crescimento da raça humana tem colocações estranhas. Há na América Latina áreas temperadas nos Andes, por exemplo. Mas a alta altitude traria outros problemas para o homem, principalmente o branco. O ar rarefeito em cidade como a Cidade do México levaria à preguiça, à não vontade de trabalhar. Também lá, por causa do clima diferente, ter-se-ira uma população fraca que aceitava governos opressivos e sem os valores cívicos. (67) Nesse país, como também na Colômbia, no Chile, no Equador, no Peru, na Bolívia, na época do verão, a transformação das pessoas seria tão grande que nada que fizessem de extravagante era julgado errado. Tudo por causa do clima e, no caso, de uma região não tropical, mas temperada. Mas a altitude também levava as pessoas a uma situação humana pior que em outros lugares. Não havia escapatória para a região nesse tipo de análise: se tropical ou se temperada.

Continuam as interpretações sobre a região e o clima. O ar rarefeito das cidades em alta altitude ataca quem trabalha mais de quatro horas por dia, sintomas aparecem como falta de apetite, insônia, inexplicável nervosismo, podendo chegar até à loucura. (68) A crença que fica com tantos entendidos falando sobre o assunto é que o clima na América Latina não ajuda em nada no crescimento do ser humano. O clima, nessas interpretações, traz tudo o que não presta ou, em outras palavras, tudo o que era contrário à ética protestante que dominava a cena norte-americana. É impressionante como

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o contraponto do que era correto lá é citado como incorreto na América Latina. Um oposto ao outro, um lado com o bem o outro com o mal. E até o clima ajudava a fazer essa diferença na visão dos norte-americanos. É o “outro” até mesmo na questão climática.

Doenças tropicais também foram uma preocupação, mas, depois que os EUA aprenderam a se defender em Cuba e na construção do Canal do Panamá, ela não entra no imaginário popular de maneira tão forte como o clima tropical em si. O que fica mesmo é a questão do clima. O calor exces-sivo, a monotonia da temperatura o ano inteiro e a exposição constante ao sol seriam um perigo que o homem branco deveria evitar. E como os latino-americanos viviam numa região como essa, seu futuro seria complicado.

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a américa latina Criada pelos eua

São variadas as causas encontradas nos EUA para justificar as diferenças entre os dois povos da América; pouca coisa prestava na América Latina. Nessas circunstâncias não é difícil criar uma imagem distorcida do povo e da região. Primeiro os mexicanos, depois todos latino-americanos. Um autor mostra com mais detalhes (1) o que o país do norte pensava a respeito do tabaco, do álcool, do sexo, das emoções, da classe média e outros ingredientes que, na visão da-quele povo, os diferenciava do outro mais ao sul do continente. Quando se fala no “outro” sempre se tem como base a tese de Edward Said sobre esse assunto.

Uma das diferenças entre os dois povos, no século XIX e início do se-guinte, é que os EUA eram o que eram porque tinham uma classe média. Acreditavam que o homem de sucesso nasce numa classe média, o problema da América Latina é que não havia essa classe. Tinha gente nos EUA achan-do que um dia a América Latina mudaria, quando crescesse sua classe média. (2) Livros naquele país mostravam que um dos graves problemas da América Latina estava na inexistência dessa classe ou aquele ingrediente crucial para a democracia. (3) Na América Latina, de acordo com essa teoria, havia os ricos e a massa pobre. Não havia praticamente nada no meio, e que esse meio é que dava o tempero social a um país. Também o norte-americano, di-ferente dos europeus, não teve que lutar contra algum tipo de aristocracia ou temer as pessoas mais pobres, ficou mais fácil a mobilidade social no país. Os norte-americanos daquele período, muitos escolados com os acontecimentos sociais na Europa, se colocavam contra atitudes aristocráticas, característica de parte da elite da América Latina. Também olhavam enviesados para a classe mais baixa com receio de que houvesse, como houve na Europa, le-vantamentos que lhes tirassem bens e propriedades. Essa indisposição se en-caixa no modelo que estavam mentalmente criando para a América Latina: uma pequena elite controlando uma enorme massa de despossuídos.

Capítulo II

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Outra diferença com a gente mais ao sul, como já mencionado, é que o norte-americano dava valor a conquistar a natureza ou o meio ambiente. Falavam que os latino-americanos vivem em contemplação com a natureza, não a conquista, não a transforma em riqueza. Chegavam a dizer que a demo-cracia só pode florir no lugar de povo que tem o poder e o desejo de conquistar a natureza. Não seria o caso da América Latina e suas luxuriantes florestas e áreas ainda não conquistadas. Essa teoria de conquistar a qualquer preço da natureza, de derrubar selva e florestas, hoje, com um mundo em defesa do meio ambiente, se mostra estranha. Mas não naquele tempo. Sobrepor-se à natureza era uma crença de engrandecimento de um povo. Mais um ponto a favor deles e, na interpretação de lá, negativo para a região mais ao sul.

O norte-americano estava influenciado pelo rigor puritano da era vi-toriana, e um dos atos defendidos seria a sublimação sexual, que se deveria ter sexo para a procriação, não com licenciosidade, do prazer da carne, seria contra os ensinamentos religiosos. Homem e mulher deviam controlar esse instinto, se a pessoa não podia ter esse controle não podia controlar-se em outras coisas da vida. Chegavam a dizer que atividade sexual excessiva resul-taria em degeneração da raça e caminho para o barbarismo. Alguém que só pensa em sexo, ao abusar dele, poderia ter atingido seu crescimento intelec-tual, retardaria o aperfeiçoamento interior de uma pessoa. Se isso era dito a respeito do sexo pelo lado do homem, imagine como uma sociedade puritana via tal ação por parte das mulheres. Elas deviam ser puras, não lascivas, fazer sexo, se possível sem prazer, apenas, como queriam Deus e a natureza, para procriação. Mesmo dentro dos EUA haveria distinção, mais para o sul do país, onde estava a maioria dos negros escravos, havia uma tendência maior para o sexo que levava o povo dali mais para o atraso social e econômico. Colocar mais essa qualidade nos latino-americanos não foi difícil. Mais para o sul do continente a licenciosidade fazia parte do aspecto selvagem da região. Povo educado, era a ideia, controlava seus instintos, povo atrasado vivia disso.

Faziam também comparação da América Latina com os índios que esta-vam sendo conquistados nos EUA pelos brancos mais civilizados. Nas tribos seria comum o sexo além do limite. Não entendiam por que crianças mexi-canas andavam peladas em suas comunidades, atitude ultrajante na visão do puritano norte-americano, sinal de decadência. As mulheres mexicanas se vestiam com roupas leves e coloridas. Os viajantes, soldados, escritores, missionários não olhavam se a temperatura, diferente do frio do norte, seria adequada para se estar daquela maneira. O que se via era um suposto povo bárbaro estimulado para o sexo nos seus menores gestos e atitudes, um povo assim não podia progredir material e moralmente. Até mesmo o corpo das me-

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xicanas, por serem mais corpulentos, foi motivo de críticas, a obesidade seria característica da mulher dali e de toda a América Latina quando chegavam à meia idade. Criam estereótipos e põem quase sempre que Deus protegia as pessoas do norte por causa de suas crenças, comportamentos e atitudes.

Para os puritanos da época, fumar, ser possuído pela nicotina, não seria correto. Associavam nicotina com sexo: uma mulher fumar seria o mesmo que se oferecer como prostituta. Chocolate, pimenta, cafeína, outros produ-tos da América Latina, os também seriam coisas ruins, ajudavam na degrada-ção da população regional. Visto pelo prisma atual, mesmo norte-americano, parece até um deboche. Tomando a questão da cocaína como exemplo, outra produção da área, o norte americano passou a ser o maior consumidor do mundo. Se nicotina e cafeína ajudavam na depravação de povos e os torna-vam mais lascivos sexualmente, imagine o uso hoje pelos jovens do país do norte da quantidade de cocaína e também de cafeína ou chocolates.

Outro ataque no comportamento latino-americano foi sobre o consumo de álcool. Apesar de nos EUA ter muita gente que o usava, eram considera-dos de categoria humana inferior. Os puritanos de lá achavam que tinham o controle sobre esse mal, quem não o controlasse não demonstraria ter a força necessária para controlar outras coisas da vida, não estaria em con-dições de sobrepor-se à natureza, ganhar dinheiro e merecimento perante Deus por essas conquistas. Na visão das pessoas daquela época o consumo de álcool pelos mexicanos, seja homem ou mulher, seria quase um fato natural. Associam esse consumo aos costumes dos indígenas nos EUA, e traçam um perfil negativo da região. Álcool leva ao sexo em demasia, ao jogo, às bri-gas e querelas e a comportamentos inadequados em público. A pessoa tem que ser recatada, ter ojeriza a exibições públicas, não pode extrapolar seus sentimentos na frente dos outros. O álcool levaria a perder esse pudor. Os escritos da época também condenavam os norte-americanos que jogavam e bebiam. Deixavam, porém, uma porta aberta em favor deles ao dizerem que com o tempo e pela influência das pessoas de maior estatura moral até aquele norte-americano mais atrasado cresceria. Diziam que a maior parte desses norte-americanos estava nas fronteiras, e agiam assim por falta de estudos, ignorância e também pelo contato com índios e mexicanos.

Além de controlar sexo e álcool a classe média deveria ter controle sobre suas emoções. Explosões de raiva, gente sem controle emocional, os que se comportam assim são pessoas de classe inferior. Quanto maior controle de si mesmo mais cresceria alguém no seio de uma comunidade. Alguém que não domina a emoção é quase um selvagem, está associado à natureza bruta, não dominada ainda. Achavam também que os latino-americanos são imprevisí-

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veis, é ruim para o relacionamento se não se sabe o rumo correto que aquela pessoa ou grupo pode tomar. Essa imprevisibilidade não seria recomendável em gente superior, e os latino-americanos são pessoas impulsivas, mudam facilmente de direção. Os habitantes da região se alteram emocionalmente com facilidade e gostam de brigas, jogos e festas. Não acreditavam que os latino-americanos estavam prontos para progredir materialmente porque não dominavam suas paixões, não possuíam disciplina. Só com isso se poderia crescer na vida. Que a região era dominada por gente que fazia as coisas quase de forma impensada, levada pelo impulso, não seria como o norte-americano com autocontrole e, racionalidade nos seus atos, a América Latina seria uma região movida por paixão e emoção. O norte-americano, com seu princípio de moralidade um tanto quanto calvinista, com seu autocontrole e trabalho duro, teria sucesso econômico com absoluta certeza. Seria quase que auto-mático, e que até mesmo a virtude e a pureza da pessoa viriam se ela seguisse essas normas não escritas nas quais se baseava a cultura local. Fazendo um resumo dessas diferenças criam até um paralelo entre Simon Bolívar, o herói da independência em algumas repúblicas nos Andes, e George Washington, o homem que conduziu a independência dos EUA. O resultado é desfavorável a Bolívar. Ele é elogiado no campo de batalha, mas no comportamento como pessoa a diferença chega a ser abissal. Um bebia, outro não. Um gostava de-mais de mulheres e sexo, o outro tinha controle sobre isso.

Os norte-americanos criticavam também a falta de desejo pela maior parte da população da região por propriedade ou bens. Não entendiam a falta de respeito à propriedade privada, da não obediência à lei, do não pa-gamento de impostos e da atuação venal das autoridades. Seria difícil para o homem do norte entender e manter um relacionamento adequado com povo que atuava dessa maneira. Escreve-se muito naquele país sobre a não obedi-ência às leis na América Latina. Gostam de citar o caso dos encomenderos ou grandes proprietários de terra nas colônias espanholas que, ao receberem ordens da coroa, para, como exemplo, tratar de forma diferente os índios, criam a famosa frase: obedezco pero no cumplo. Obedece mas não cumpre seria a maneira que a maior parte da população da área atuaria perante as leis. Não obedecer as leis seria sinal de caos, de algo sem controle, de atraso de um povo. Associam ainda a falta de vontade de acumular bens ao não respeito pelo conceito de tempo. O homem trabalhador tem o tempo em grande consideração, não seria o caso dos latino-americanos, sem esse fator o capitalismo e suas regras não entrariam na região. Como não obedecem ao conceito de tempo, uma marcante característica de gente da América Lati-na é jogar tudo o que se tem que fazer hoje para um remoto amanhã ou, a

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famosa palavra em espanhol, mañana. (4) Enfim, os latino-americanos eram ineptos e caóticos em sua vida econômica, e democracia não combina com pobreza e ignorância.

Não aceitam que um povo seja pobre em região que oferece condições para que se cresça na vida. O latino-americano não tem essa força e vontade, os puritanos teriam isso dentro de si, seria algo inato e os transforma em seres superiores. Associam essa não vontade de crescimento material da região à preguiça: a população regional gosta de beber, dançar, jogar e não trabalhar com ardor. Que um povo que não luta para subir na vida não está em con-dições de criar raízes democráticas, acabam sendo subjugados por ditaduras, são aceitas com certa normalidade. Faziam até comparativos entre a renda de um norte americano ou mesmo do país com a renda dos mexicanos ou do México e chegavam à conclusão da superioridade do homem organizado, de valores da classe média, que obedecia a certas regras, acumulava riqueza, respeitava a propriedade privada e que estava léguas de distância de gente da qualidade dos latino-americanos.

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Continuam as interpretações nos EUA sobre os motivos que deixaram a América Latina para trás. Outra característica da área seria a forma centrali-zada de governo, e que a união de governo e igreja suprime a iniciativa indi-vidual. (5) Frente a essa situação o setor mais alto da sociedade não investe recursos para criar mais riquezas. A alternativa seriam os acordos com os go-vernos, os dois interesses ganham dinheiro. Extraem riqueza não criando em-preendimentos ou dominando o meio ambiente, mas com as concessões con-seguidas junto aos governos, cria-se uma situação de dependência mútua. E o setor empresarial, que deveria buscar meios para produzir, fica dependente da boa vontade do governante de plantão. O sucesso da elite na América Latina seria medida pelo que ela conseguia tirar de governos e não por ter criado riquezas ao arriscar seu capital. Um fato que viria desde a península ibérica com concessões para minas, sal, madeira ou outras atividades e uma parte do ganho seria distribuído com alguém de influência na corte europeia.

Outro aspecto que mostraria a diferença entre os dois povos que vivem na América estava na mobilidade social, (6) uma estática, a outra faz da mobilidade uma arma para o crescimento. Na América Latina, como uma tradição vinda da Europa, o nascimento já colocava a pessoa em boa ou má posição na vida de uma comunidade. Nos EUA a mobilidade social tinha

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que ser uma busca constante, ninguém estava amarrado ao que determinava o nascimento de alguém. Se em certo lugar existem dificuldades para se cres-cer na vida o caminho é procurar outra localidade e ali, com esforço próprio, procurar se fazer merecedor de Deus nesta vida e não ser aqui contemplativo na espera da outra.

O latifúndio é visto também como um modelo de economia atrasada, impede a mobilidade social. É um fato que também ocorreu no sul agrário dos EUA, é aceito que a luta civil entre o norte e o sul daquele país na guerra civil (1861-65) foi também de conquista do norte urbano, mais desenvolvi-do, industrial e capitalista, sobre o sul agrário, escravocrata, latifundiário e de produção monocultural. Para a crença local isso não ajudaria no cresci-mento de um país. O latifúndio na América Latina ajudou no atraso econô-mico, ou se poderia dizer que a “herança colonial mais significativa deixada pelo colonialismo ibérico foi a tradição da grande propriedade”. (7) No Brasil os engenhos, na Argentina a produção de couro e carne, no México também carne, couro e milho. Tudo dirigido por um núcleo familiar no qual gravi-tava uma massa de dependentes, essa dependência se estenderá para o lado político. No latifúndio a mobilidade social é diminuta, as distâncias entre as propriedades de terra gigantescas, pessoas de uma mesma região tinham pou-co contato entre si. A elite latino-americana criou o domínio político local dominando o acesso à terra, fato que não diminuiu depois da independência. Quanto mais terra, mais prestígio, mais poder político e controle da maioria despossuída: possuir terras seria o caminho para riqueza e do poder. Essa foi a luta no período colonial, também depois da independência, e durou ainda em muitos países da região. Mas havia terra em abundância nos dois lados do Atlântico. Tocqueville (8) dizia que o espanhol na América do Sul não poderia reclamar da quantidade de terras que tinha, mas mesmo assim não havia “na face da Terra” nações mais miseráveis que aquelas da América do Sul, e concluía, que os habitantes da região parecem obstinados em destruir um ao outro. Terra para plantar havia aqui e lá mas que, outra vez, o legado ibero-católico não ajudou a população regional a crescer economicamente.

O latifúndio na América Latina é um fato da vida regional extrema-mente mal visto pelos norte-americanos. Ele gerou acomodação na elite que, com pequeno ganho frente a uma sociedade quase miserável, tem poder e ascendência sobre a maioria da população. Vive da exploração do trabalho braçal de outros e estes, quase como uma sina divina e reforçada por uma igreja determinista, se acomoda na posição social que está, pouco lutaria para sair dela. Essa acomodação das massas até mesmo com a miséria chega a ser quase incompreensível não só para os norte-americanos, mas para tantos

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outros povos do mundo. Daí as ditaduras, o controle econômico por poucos e a não reação das pessoas para exigir outros ganhos da vida.

A falta de espírito comunitário seria outra característica regional ne-gativa. Leva ao autoritarismo e, como consequência, liga-se muito à família e, para aumentar esse abraço, surge o compadrazgo ou compadrio. Quem abençoa essa relação? A igreja católica, o ritual é dela, o batismo ainda tira o pecado do batizado. O compadre deve ser escolhido num estrato social se possível mais elevado para que o padrinho possa, se necessário, ajudar o batizado em outros momentos. Se o padrinho for o dono da terra até o tratamento de señor muda para compadre, surge uma dependência mútua entre os lados, aumenta-se o tamanho da “família”. Ações numa localidade se dão em torno de fatos assim e não da comunidade ou, como escreveu alguém, que os espanhóis não queriam só garantir o céu para eles, mas que precisavam garantir também o inferno para seus vizinhos (9) ou quem não pertencesse ao círculo familiar.

Na América Latina foram encontrados ouro e prata em abundância, o mesmo não se deu nos EUA. Ao não existir metais preciosos as pessoas que foram para o norte deveriam trabalhar mais a terra para tirar dali sua riqueza. O trabalho direto e não a exploração escrava nas minas teria ajudado mais no crescimento dos EUA do que da América Latina. Nesta, porque precisa-vam da mão-de-obra para explorar a terra ou as minas, há a escravização dos índios, com choques entre dominador e dominado, criando uma situação de conflito. No norte os índios eram nômades e praticamente foram eliminados ou encostados em reservas em poucos anos, não foram escravizados ou levados a trabalhar em terras ou minas. Não encontrar grandes civilizações indígenas também ajudaria mais o norte do que o sul do continente. Se encontrasse, por mais que fossem dizimadas, ainda ficariam restos culturais que manteriam aquele povo em determinado rumo. A conquista assim fica mais difícil do que em regiões onde a cultura indígena é menor e vivem como nômades do que aquela outra com seus templos, cidades e vida mais sedentária.

Não encontrar metais preciosos, portanto, ajudou mais a colonização nos EUA. Se os encontra talvez não tivessem dado tanta força à produção no campo e depois na industrialização na busca de ganhar dinheiro. Portugal e Espanha encontram metais preciosos e, com essa facilidade, descuidaram de criar outras riquezas. Era mais fácil comprar o que outros produziam, se desindustrializam e diminuem o trabalho no campo também. Sofreram da moderna teoria da “doença holandesa”. A Holanda descobriu muito petróleo em tempos mais recentes, sua moeda se fortaleceu e foi mais fácil comprar bens fora do que produzir internamente, começou um processo de desin-

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dustrialização daquele país. Talvez o mesmo possa ser dito de praticamente todos os países hoje produtores de petróleo, é mais fácil comprar bens indus-triais do exterior do que produzi-los internamente. No caso anterior também a Espanha e Portugal não se industrializam, e nem os países da América Lati-na, nem tanto por causa da riqueza em minerais, pouco ficava na região, mas pela política restritiva do pacto colonial. Os EUA, como quase não tinham metais preciosos, fato citado como um benefício, tiveram que buscar riqueza na produção da terra, e mais tarde na industrialização.

Outro ingrediente que diferenciaria os dois lados da fronteira, mostrado por viajantes pela América Latina ou quem escrevia sobre ela, foi que as pes-soas da região não olham para o futuro, querem o dia presente. Não pensam em acumular bens, gastam o que têm agora mesmo. Que isso seria também característica dos índios nos EUA, e associam o fato aos latino-americanos. Esse desprendimento com coisas materiais, que poderia até ser visto como uma conquista do homem por outro ângulo, era considerado um atraso pelos norte-americanos. Se a pessoa não ganha dinheiro e não o aumenta não melhora na vida, não melhoraria também o avanço do país. Por causa do comportamento do povo da região não viam como a área poderia sair do atraso econômico em que se encontrava. Até hoje a América Latina tem problemas, mas no século XIX e nas décadas iniciais do seguinte o fato foi visto de forma ainda mais ampliada. Governos caíam por causa do descon-trole na economia, tudo passado para os EUA ajudava a cimentar a ideia de que a economia da região era um desastre. Reforça mais ainda os estereóti-pos. A área só podia viver em “rebelião crônica” por causa das tantas forças e contrastes que faziam parte da vida das nações. (10)

Há mais fatores, na visão norte-americana, sobre a diferença entre as duas bandas da América. O externo, por exemplo. As colônias inglesas de-senvolveram atividades na construção náutica e mercantil, ação proibida pela política colonial espanhola de ganho somente para a metrópole. Os EUA estabelecem comércio perto de casa, ali pelo Caribe. Na América La-tina a agricultura dominou, e era para exportação, a maior parte do que se ganhava com esse comércio ficava fora. Nos EUA, desde o período colonial, em algumas atividades econômicas e com mais liberdade de atuação que na América espanhola, houve pequeno acúmulo de capital. Aos poucos se es-tendeu aquele comércio para outras áreas de domínio espanhol na América, como a Flórida, e a partir de 1783 aumentou o comércio dos EUA com a antiga metrópole. (11) Outro fato que ajudou na expansão do comércio dos EUA foram a Revolução Francesa e as guerras trazidas por ela. Os EUA se colocavam como neutros nos conflitos na Europa e vendiam para o lado que

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queria o algodão e o arroz, reexportando o que compravam para o Caribe. Ganhos que reforçam a estrutura financeira, mais acúmulo de capital para posteriores investimentos em infraestrutura física e industrial no país. O ga-nho do comércio na América Latina quase não ficava nas colônias, ia para as metrópoles. Houve, portanto, pouco acúmulo de capital na região para se investir em diferentes atividades posteriormente. As metrópoles exerciam um controle colonial muito forte, deixando pouco espaço para que os que ali habitavam acumulassem riqueza. O caso cubano é até citado como exemplo. A Espanha deu um pouco mais de liberdade econômica à pequena ilha do Caribe. Gente dali acabou ganhando dinheiro, o que não ocorria na maior parte da América espanhola, com certa satisfação econômica interna a inde-pendência de Cuba veio mais tarde que em outros lugares da região (1898).

A herança colonial ibero-católica, mais latifúndio, escravismo e pouca renda acabam criando novas crises nas ex-colônias após a independência. A luta no período foi constante, não havia entendimento. Guerra civil atrapa-lhava o andamento dos novos países. Não havia unidade econômica interna, e sem isso as decisões na economia não alcançavam objetivos imaginados. As brigas pelo espaço novo que surgia provocam novas lutas, aparece a força das capitais no domínio do resto da nação, o que irá provocar desentendi-mentos com outras regiões do país nascente. (12) Um caso exemplar é o da Argentina, a luta entre Buenos Aires e as províncias do interior. Três guer-ras civis aconteceram entre os lados, até que na última, em 1852, Buenos Aires se impôs ao resto do país. Portanto, mesmo depois da independência, interesses da elite ou regionais estavam ainda fazendo os países enfrentarem borrascas até militares, o que viria a atrasar o crescimento econômico ainda mais. Um tanto diferente do que acontecera no protestante EUA.

Essa indefinição, ou melhor, a consequência do que surgiu na América Latina pós-independência, abriu espaço para que a Inglaterra se beneficias-se do colonialismo imposto pela Europa. Sem a Espanha e Portugal, com independência ocorrendo em todo lugar, o espaço novo foi ocupado pela Inglaterra e por seu comércio. Têxtil, ferrovias, artigos de ferro, empréstimos e incentivo à produção regional na agricultura, pecuária e mineração, bens primários contra os industrializados e de capital. Nos EUA, apesar de não poderem nem de longe competir com os ingleses na produção industrial, já existia uma incipiente indústria, principalmente têxtil e náutica, que ajuda o país a manter capital internamente. O da América Latina, como resultado da colonização e do que aconteceu depois da independência, foi em parte drenado pelo comércio inglês. O atraso da Espanha e de Portugal em finan-ças e tecnologia abriu a porta da região para a Inglaterra. (13)

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Outra característica diferente entre as duas partes da América é que um lado defende mais, como já mencionado, o individualismo, o outro tendia ao coletivismo. As propriedades comunais de índios e camponeses foi uma realidade regional, não geraria riqueza. Uns trabalham, outros não, e no final todos têm direito aos mesmos benefícios extraídos da terra. Na exploração da terra no norte não havia a presença do poder público para tirar sua parte e regulamentar o que se deve fazer ou não. Muitas vezes na América Latina era o Estado que financiava um agente para conquistar terras de fronteiras, nos EUA não havia essa relação, a iniciativa privada tomou a dianteira. Mais tarde o poder público fez concessões a construtores de linhas férreas das terras à margem delas. A empresa procurava vendê-las para inclusive se ca-pitalizar para ajudar no empreendimento em que estava envolvida. (14) Não foi o que aconteceu na América Latina.

Os norte-americanos achavam até que ser um agressivo caçador de ani-mais era uma virtude, estavam conquistando e dominando o hostil meio ambiente, mataram milhões de búfalos, dos quais usavam apenas o couro. Vangloriam-se de nomes da época, como Bufalo Bill, que, ganhando cinco dólares por mês de uma companhia de linha férrea matou em um ano e meio mais de quatro mil búfalos. Estima-se (15) que tenham matado mais de três milhões de búfalos entre 1872-74. Ato até glorificado. Imagine isso nos tem-pos atuais, com a ênfase que se dá hoje à defesa do meio ambiente lá ou em qualquer lugar. Conquistar a natureza, dominar ou dizimar animais selvagens seria quase uma missão divina. Claro que não havia uma preocupação com o meio ambiente como se tem agora. Todos na nave Terra têm quer ter essa preocupação, mas é até cinismo a atuação hoje da maioria dos norte-ame-ricanos contra ações de outros povos na questão de meio ambiente. Poucos falam que estão condenando em outros lugares aquilo que foi feito ali quase como uma determinação de Deus. No caso da conquista da Amazônia (16) um viajante americano na região lá por 1840 dizia que ela não poderia ser co-lonizada por um “povo imbecil e indolente”, deveria ser por um povo tivesse energia e determinação para derrubar a floresta e buscar suas riquezas. Dizer isso na atualidade beira ao delírio até mesmo nos EUA.

Outra diferença citada entre as duas regiões ainda sobre a conquista de fronteiras era que nos EUA se criavam fortes militares para segurar os “selvagens” índios, tomar suas terras e deixar passar o progresso. Na Amé-rica Latina, ao invés de fortes, tinham as missões religiosas para ensinar aos índios e pobres da fronteira uma subordinação às coisas divinas. A rique-za não é desta terra, deve-se preparar para a outra vida. Eles acreditavam que a conquista de novas terras, principalmente nas fronteiras, sem ajuda

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de governos, cria o sentido individualista e de independência, características defendidas pelo espírito capitalista, que falta tal ação aos latino-americanos, daí se submeter muitas vezes a governos autoritários sem reagir. Acham que na América Latina, como consequência da herança da Europa, o conquista-dor só age, incluindo conquistar fronteiras, para ter a boa vontade da coroa. Se ocorresse, as coisas seriam facilitadas para ele. Um lado querendo distân-cia de governos e favores, o outro o desejando como um meio de se fazer na vida. Adquire-se na região (17) uma mentalidade voltada para cargos e benefícios reais. Sempre encontrando explicações na religião, quando as pessoas conquistam a atenção da coroa já seria um ato divino, o resto viria na esteira, incluindo fortuna e prestígio.

Existe algum exagero em tais interpretações, mas se olharmos com cui-dado o que ocorre em certas localidades do Brasil hoje, lugares onde são pequenas as ofertas de empregos na iniciativa privada, e onde os favores dos governantes são importantes para ganhos e prestígio, pode-se dizer que não é de toda equivocada a interpretação daquele tempo sobre a região, pesso-as expressam obediência e lealdade aos chefes na busca de ganhos futuros. Não é somente com o esforço pessoal que se conquista bens e posições, mas também através de ligações especiais. A habilidade da pessoa se mostra mais nesse particular do que se fossem fazer conquistas na competição aberta. O que, no fundo, não deixa de ser um dom, e quando ganha espaço, com essa habilidade própria da região, a sociedade local o olha como vencedor. Quase não precisa se esforçar mais, seu trabalho de ascensão, através de ligações especiais, já foi feito. É admirado e cria em outros o interesse em fazer a mesma coisa. Isso existe até hoje em lugares do Brasil em plena economia globalizada e com tênues ligações com o capitalismo. A lição viria lá de trás, é a tradição do favor, da ajuda a grupos e pessoas independente de sua ca-pacidade. Um fato regional, que é o inverso daquele que prega a conquista por méritos próprios, sem encostos e apoios, como seria do tradicionalismo ibero-católico.

A América Latina é também criticada pela falta de um empenho maior na construção, por exemplo, de ferrovias. (18) Houve, mas não no tamanho da necessidade regional. Os EUA foram conectados de um mar ao outro, maneira para se conquistar terras e levar riqueza a longas distâncias. Lá pra-ticamente tudo foi feito por eles. Na América Latina não havia meios técni-cos e grande parte das ferrovias foi construída pelos ingleses ou até mesmo por norte-americanos. Não há crescimento econômico, é a afirmação, sem transportes adequados, e se na América Latina isso não ocorreu, seria mais uma demonstração de atraso de um povo sem ambição para conquistar ri-

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quezas. Como a crença nos EUA era que Deus estaria por trás disso tudo, dá para perceber a distância em que eles colocavam uma América da outra.

Outro aspecto negativo da região na visão dos norte-americanos são as instituições políticas. (19) Eles acreditam em democracia, seria o caminho para um melhor governo, que isso não ocorre na América Latina, não have-ria uma aceitação normal da população da área aos princípios democráticos. Ao longo do tempo até houve mudança nessa direção, mas o comum seria países da região tenderem para lados diferentes e não previstos nos cânones democráticos. Ditaduras, populismos e comunismo fariam parte do arsenal político regional. Na visão deles não haveria firmeza ou convicção de que a democracia seria o modelo maior de governos, chegavam até a querer a americanização da América Latina nesse aspecto. (20) Na época do chama-do imperialismo cultural do governo Woodrow Wilson (1913-1921) falavam que os EUA eram o guardião da decência e da justiça na região, poderiam ensinar modos e democracia. Essa suposta americanização começaria pelo México, depois pelas nações do Caribe e poderia chegar até a América do Sul. A América Latina só tinha uma saída, seguir o modelo vitorioso, (21) o centro de tudo estava nos EUA. Recentemente o governo George Bush, na derrubada do regime de Saddam Hussein no Iraque, chegou a acreditar que a partir dali os EUA influenciariam toda aquela região, bases democráticas e do capitalismo liberal espalhariam para o Oriente Médio. Continua no âmago daquele povo a ideia de uma missão civilizatória, não se sabe se divina ou na busca de ganhos materiais, ou se ambas as coisas. Lá atrás os norte-americanos achavam que se poderiam espalhar pela América Latina as boas coisas da suposta superior civilização anglo-saxônica.

Existem muitas diferenças entre as duas Américas, mas se percebe nas interpretações e colocações que a herança ou legado colonial seria a base maior dos acertos de um lado e de erros do outro. As instituições e as po-líticas formuladas na América Latina não eram consistentes, por exemplo. Os EUA escolheram melhores rumos políticos e por isso deram certo. A América Latina, outra vez por causa de suas raízes, não as escolheu e sofre as consequências até hoje. (22) A evolução dos EUA e da América Latina difere desde o início por causa das instituições trazidas ou adotadas da mãe-pátria, onde os modelos coloniais foram concebidos. Os colonizadores ingle-ses saíram de uma Inglaterra mais moderna, com mais tolerância à censura, mais ênfase à educação, aceitava a busca pelo conhecimento, mais liberdade econômica, e que a poupança e o investimento visando o futuro ajudavam a transformar qualquer sociedade. A América Latina, sob influência da Penín-sula Ibérica, por tradição local, e a ligação com os princípios católicos, via o

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mundo de forma diferente. Não tanta ênfase na educação, pouca mobilidade social, mais censura ao conhecimento, mais restrições econômicas e sem a preocupação de poupar para se construir um amanhã diferente. O amanhã está em outra vida. Clamam que a colonização espanhola provavelmente foi o pior estilo de se fazer governo que o mundo já viu, o modelo colonial atra-sou a região. Péssimo ensinamento colonial e mistura de raça, só se poderia imaginar um futuro opaco para a América Latina. (23)

Ainda como consequência do legado colonial há nos EUA um claro federalismo onde os estados detêm muitos poderes. Na América Latina a si-tuação seria inversa, com mais poderes na mão do governo central. As colô-nias anglo-saxônicas já davam mais liberdade ao indivíduo e às localidades, a América Latina herdara a hierárquica e centralizada organização da igreja católica. (24) A região, em consequência, apresenta uma forma mais centra-lizada de governo que os EUA e o Canadá. O ponto mais forte, portanto, das diferentes interpretações do atual estágio da América Latina em contraste com os EUA estaria na colonização que houve nas duas partes da América. E, como base maior, coloca-se sempre a força de uma e outra religião. Não talvez porque um Deus seria superior ao outro, mas porque a tradição do ca-tolicismo diferia do protestantismo. E que, como consequência, uma religião era mais liberal em política, economia, censura, abertura ao conhecimento, e a outra não. Se aceito o ponto de vista, estaria aí parte da explicação para a distância entre os dois lados.

Autores latino-americanos, como o venezuelano Carlos Rangel, (25) em seu livro Del Buen Salvaje al Buen Revolucionario, também critica a Amé-rica Latina por causa do seu passado ou legado ibero-católico. Rangel traça um paralelo entre o sucesso dos EUA e o contrário que ocorreu na América Latina, o problema regional estaria na tradição cultural regional herdada da Espanha e de Portugal. A América Latina foi colonizada por países que rejeitavam o espírito do modernismo que surgia no mundo, criou-se uma muralha contra o racionalismo e o livre pensamento, fatos que ajudaram no desenvolvimento capitalista. Que a região adquiriu do legado europeu a aversão pelo trabalho e uma afinidade com violência e autoritarismo, o tra-balho era feito por escravos em encomiendas, e depois nas fazendas. O sistema mercantilista, em que as colônias deveriam fazer comércio somente com a metrópole, foi outro impedimento, desencorajou a industrialização regional. Daí surgia o monopólio, privilégios e diferentes restrições ao individualismo criador que atrapalhava o crescimento das colônias. Uma sociedade assim só podia viver sob a tutela do autoritarismo, surgem os caudilhos ou caciques ou coronéis que mandam numa região, e são obedecidos pelas massas. É co-

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mum aceitar que um dos motivos para surgir o populismo na América Latina foi a migração dos camponeses para os centros urbanos em momento de in-dustrialização. Ali as massas não encontravam o antigo patrón ou chefe polí-tico, apegam-se às figuras populistas que prometem resolver seus problemas, transferem do campo para a cidade aquela mesma ligação que havia antes.

Continuam os ataques ao modelo colonizador ibérico na América La-tina. Falam ainda que a cultura espanhola passou para sua colonização as-pectos básicos da vivência dali como fatalismo, ou que a vida está além do controle humano; hierarquia, a sociedade é naturalmente hierárquica, as po-sições dependem de nascimento; dignidade, que não tem nada que ver com direitos, iniciativa ou igualdade de oportunidades e, por fim, a superioridade do homem do qual originaria o autoritarismo, o paternalismo e o conhecido machismo regional. Faltava, ainda, como já dito, o espírito comunitário, o que levou Ortega y Gasset a dizer que essa falta leva os espanhóis a odiarem novidades e inovações, aceitar qualquer coisa nova que chegue de fora hu-milha o espanhol. (26)

Um autor (27) tem uma pergunta instigante: por que os políticos, bu-rocratas e intelectuais da América Latina, mesmo sabendo que os países da região não estavam se desenvolvendo, não encontraram respostas adequadas para mudar de direção? Por que esses líderes, até recentemente, vieram com respostas não apropriadas para problemas antigos e já detectados? Por que a Espanha e Portugal continuaram no mesmo caminho já detectado como errado até Diz que outros países, cita-se o caso do Japão, quando perceberam que podiam sair do que eram e abraçaram novas e sadias alternativas assim o fizeram. Que na América Latina o erro de interpretação e julgamento dos rumos a seguir permaneceu sem encontrar a saída correta.

Continuemos na trilha da América Latina criada nos EUA. Ali a região é vista de forma igual, fala-se em América Latina, não em países diferentes. (28) Marta Cottam, (29) ao trabalhar com a imagem que os propositores da política externa dos EUA têm da América Latina, também concorda que ali se vê a América Latina como uma entidade única. Argúi ainda que os norte-americanos, mesmo nos tempos atuais, não se preocupam em mudar a imagem que têm da América Latina desde outros tempos. Entre os países da América Latina há diferenças de costumes, comportamentos, clima, história, em crescimento ou estabilidade econômica, mas na visão norte-americana seria tudo igual. Ou como diz o antropologista George Foster, (30) que a cultura ibérica moldou a América Latina de tal forma que as similaridades entre as nações da América espanhola são mais importantes que as diferen-ças, todos os países constituem uma área cultural única. E sempre se pontua

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que a herança cultural ibero-católica foi o maior de todos os obstáculos para o progresso regional.

A América Latina para o norte-americano é vista como monolítica, portanto. De descendência hispânica, católica, mestiça e negra, pobreza, governos autoritários, desordem na vida econômica e política. Não se olha os países da América Latina de forma individualizada, e é um dos grandes problemas para um entrosamento maior entre os dois interesses. Um fato acontecido em El Salvador o homem comum dos EUA, associa a toda a região. Se a Nicarágua tem um tipo de problema, é como se fosse igual e comum para toda a área. É, guardadas as proporções, como o brasileiro olha para a África, quando ocorre ali um fato, a maioria das pessoas não vê que é nesse ou naquele país, pela lei do menor esforço o toma como um problema da África, como se fosse um só país. O norte-americano faz a mesma coisa com a América Latina. Não se leva em conta o tamanho físico, a população, o PIB, a diversificação na exportação de um país como o Brasil, tudo é como se fosse uma grande Guatemala. Governos dali dedicaram tempo, dinheiro e atenção aos problemas de combate aos movimentos de esquerda no Caribe e na América Central, e a mídia norte americana dava total cobertura ao assunto. No mesmo período na mídia do país quase nada se falava sobre o Brasil ou a Argentina que, comparados com a pequena República centro-americana, estaria léguas de distância em economia, população e comércio internacional. Nada disso importa ao homem comum nos EUA, abaixo do Rio Grande é tudo igual para eles. Por outro lado, não estar nas manchetes nos EUA poderia ser visto até como benéfico. Quando ali se dá atenção a algum país da América Latina é, no geral, um assunto negativo. Os fatos su-gerem que não está nas manchetes seria até sinal de que o país está passando por boa situação.

Mais estereótipos nos EUA sobre a América Latina. Do finalzinho do século XIX até tempos mais recentes a região passa a ser vista nos EUA como um símbolo feminino. Apesar de já haver avanços na condição da mulher naquele país e no mundo, a América Latina foi vista como, digamos, a anti-ga mulher nos EUA: dependente, emotiva, sem condições de dirigir grandes coisas na vida. Precisava de suporte e apoio do sexo masculino, não estaria preparada para enfrentar a vida. Essa imagem colou na América Latina. Em páginas deste livro estão charges tiradas da imprensa dos EUA que mostram essa visão norte-americana da América Latina. A região é sempre mostrada como uma mulher, e muitas vezes sendo conduzida ou instruída por um galan-te e atencioso Tio Sam. Se comparada com as outras imagens de antes (negro, mestiço, índios, preguiçosos, atrasados) essa nova invenção do imaginário po-

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pular dali parecia até mais “simpática” que as anteriores. A mulher, no ponto de vista norte-americano, devia ser sedutora para atrair o homem ou, em ou-tras situações, seria virtuosa, meiga, sem defesas, fisicamente frágil, buscando simpatia e benevolência, e precisando de proteção. (31) Essa foi a imagem associada à América Latina da época: fraca, dependente, sem condições de crescer sozinha sem o suporte de algum país forte e preparado como os EUA.

James Park (32) também escreve que a região passa a ser vista nos EUA com um caráter essencialmente feminino que requeria orientação e suporte. O caso do momento fora a separação do Panamá da Colômbia, e como tinha sido fraca a resposta dos colombianos se comparada à forma como agiram os norte-americanos. A força maior do outro, a decisão em fazer o Canal do Panamá e enfrentar a resistência da Colômbia, separando a área daquele país de forma fácil, aumenta a impressão de que a região era muito fraca, como uma mulher que precisaria de suporte para crescer e enfrentar desafios. A América Latina não estava, portanto, qualificada para ser parceira dos EUA nesse hemisfério. São características como essas que, ao longo do tempo, criam a imagem que se tem antes e agora da América Latina naquele país. Até hoje, apesar de alguns interlúdios e palavras diferentes no discurso dali, a região é vista como parceira não confiável, não estaria preparada e em con-dições de ajudar os EUA em grandes empreendimentos na cena mundial.

No mesmo período em que a América Latina era caracterizada nos EUA como um símbolo feminino, também o foi como uma criança (childlike) ou imatura, e que os EUA, como um guardião, deveriam se preocupar e ajudar a crescer o povo da região. (33) Quase tudo que se referia à América Latina naquele país estava conectado a fatos acontecendo na vida interna daquele povo. Houve a I Guerra, a forte imigração e a industrialização, e os EUA passavam por transformações e, nesse mundo diferente, discutia-se muito ali como criar uma criança, como deveria ser educada para o futuro. O aceite maior era que ela deveria ser orientada sobre as influências negativas des-se novo mundo, ser protegida para crescer física e emocionalmente. Sarah Sharbach também dá destaque ao fato de a América Latina ser vista nos EUA como criança. (34) Uma criança no início do seu crescimento político deveria ser cuidada para se chegar mais à frente e tomar conta de si mesma. As charges da época mostram como essa versão pegou nos EUA. Um era o adulto com todas as qualidades, o outro seria inocente e politicamente imaturo. A criança necessita de guia, uma babá, para sair daquela situação e caminhar para a fase adulta e responsável. Um país visto como criança não podia tomar conta de seus assuntos internos, criava-se a justificativa para a intervenção até armada dos EUA.

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O estereótipo de um povo é criado por outro, quem o faz passa a res-saltar suas próprias qualidades. O outro, no caso a América Latina, sempre está errado, faz as coisas erradas. O que justifica qualquer ação do país que se imagina civilizado para com o outro povo. Este precisaria daquele para que o ajudasse a sair da situação em que se encontram. Justifica-se qualquer tipo de ação e o povo do país invasor ou em suposta missão civilizatória aceita e concorda com qualquer ato praticado contra a outra nação. Se o fizeram foi para ajudar e a culpa, se houver algum problema, é do outro. Ele deve aproveitar aquilo que se está levando para lá, se não aproveitar também a culpa é dele. Países que desafiassem ou causassem problemas para essa intenção civilizatória dos EUA eram vistos como crianças malcriadas. As charges neste livro e dezenas de outras no livro de John Johnson mostram isso também. Viam também as brigas e os desentendimentos entre países latino-americanos, como a guerra do Chaco entre Paraguai e Bolívia, como atos de crianças se comportando de maneira inadequada. (35)

Também Martha Cottam, que estuda as ações de quem planeja a política externa dos EUA para a América Latina, escreve que a percepção lá era que na região os países são como crianças, e estando sempre precisando de con-selhos e direção. (36) Diz ainda que povo ou países não são tratados como iguais porque não são vistos como iguais. (37) É a frase mais clara e direta para se entender o comportamento dos EUA com a América Latina até nos dias atuais. Não tratam como iguais porque não consideram ninguém da região como igual. Se assim é não há diálogo sincero entre partes e interesses. Não existem condições de trocas políticas iguais ou o que eles chamam em inglês de compromise, em que um lado cede algo e o outro também para se chegar a um denominador comum. No caso do relacionamento dos EUA com a Amé-rica Latina nunca se ouviu a palavra mais usada em política naquele país. Talvez possa ser citado um único caso: o dos mísseis em Cuba. Houve um acordo, os lados cederam para não se chegar a um confronto nuclear. Mas, mesmo aquele caso, não foi um acordo ou compromise entre Cuba e os EUA, foi entre este país e a União Soviética sobre um assunto latino-americano. Os EUA não estavam preocupados com Fidel Castro ou algum tipo de rebeldia de líderes regionais, sua única preocupação é que esse ou aquele país caísse para o lado de algum adversário maior dos EUA na arena internacional.

James Park, (38) ao comentar como o norte-americano via a América La-tina como uma criança, cita uma carta de Theodore Roosevelt, de 1911, que fala que o povo latino-americano age muitas vezes como crianças e tentam impressionar outros de coisas que eles não são de fato. Ou, como mostram as charges naquele país, a região vista como uma criança emburrada, malcriada,

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que precisa de apoio para crescer como um ser humano normal. Em outros momentos essas crianças aparecem de forma dócil ou que já estão aprendendo a se comportar. Mais à frente na história elas aparecem como crianças negras. Como o negro nos EUA naquele momento estava em sua pior situação inter-na a imagem de criança e negro que se fazia da América Latina era a pior que podiam imaginar ali. Crianças eram inocentes e inexperientes, e deveriam ser protegidas. Nesse caso, a criança deveria, era uma das perguntas da época, (39) ser tratada com mais rigor na educação para aprender, ou não se poderia ser tão drástico e deveria apelar para a racionalidade dela? Ou, em palavras diferentes, puxar a orelha da criança quando ela errar ou o diálogo, a conversa franca a ajudaria a achar o melhor caminho na vida? Sem muito esforço em responder à pergunta, na interpretação dos EUA, a associação com a América Latina daquele período é inevitável. John Johnson diz que o método de puni-ção e humilhação era uma forma de criar as crianças ali. (40) Passam isso para o plano internacional quando os EUA defendem paciência e premiações para pequenas conquistas conseguidas por países latino-americanos. Como uma criança que faz uma boa ação e é recompensada. A recompensa é o estímulo para que outros fatos como aquele ocorram e desse modo a criança ou o país vai crescer no caminho pressupostamente correto. Assim deveria ser com a América Latina. Premiar e incentivar as pequenas conquistas para que a re-gião seguisse o modelo adequado para crescer como nações.

Nas charges mostradas por John Johnson as crianças, como a América Latina foi vista na época, eram divididas em duas vertentes. O desenho da charge representava, no geral, um país frente a alguma situação interna ou externa. Já o desenho em si dessa criança era um tanto quanto anormal como figura humana. As crianças que os norte-americanos aprovavam como boas eram mostradas arrumadinhas, socialmente aceitáveis e dóceis, claro que desenhada numa forma depreciativa. As crianças ruins ou que preci-savam de corretivos, retratadas como nações da área, foram pintadas com barbas por fazer, intratáveis, impulsivas, indisciplinadas, contestadoras e na-turalmente com pele escura própria dos mestiços e não estavam preparadas para aprender e ter autocontrole.

Essa questão do autocontrole é citada à exaustão como característica positiva da cultura anglo-saxônica. A pessoa, frisa-se uma vez mais, deve se comportar em situações externas, nunca mostrar seus sentimentos ou ser emotiva. Quem age assim, quem não controla seus sentimentos e emoções, não seriam pessoas civilizadas. Um povo que tem isso como base de sua cultu-ra e comportamento em contato com pessoas que agem diferentes já cria um choque quase instransponível para se ter um maior entendimento. O tem-

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peramento latino-americano era visto também como motivo de seu atraso. Um comedido, o outro quase irracional, levado por raivas súbitas e propen-são para a violência. (41) Espontaneidade, abraçar, emotividade não faziam parte da maneira de ser dos anglo-saxônicos e sim dos latino-americanos. O temperamento latino-americano, acreditam os norte-americanos, é um dado que mostra a inabilidade da região para se ter instituições democráticas. (42) O tempo e o ensinamento de outros povos ajudariam a modificar esse com-portamento também. A América Latina é filha da Península Ibérica onde a expansividade das pessoas é maior e mais aberta que aquela da Inglaterra ou de sua afilhada na América, os EUA. No caso, está na Europa a raiz desse dis-tanciamento. Associado ao índio, ao meio ambiente diferente, deu um povo que nunca seria a imagem do outro acima do Rio Grande. Não foi e não é.

A Inglaterra, mãe dos EUA, estendeu seus tentáculos econômicos, polí-ticos e culturais em largas porções do mundo na época do Império Britânico, um espaço político e econômico que se abriu aos poucos, depois da derrota de Napoleão Bonaparte em Waterloo, em 1815. Andou pela América Latina, teve presença na região do Prata, principalmente na Argentina. Andou tam-bém pela costa da América Central, não se firmou em lugar em que a cultura fosse católica e de povo de descendência espanhola e portuguesa. Nas Ilhas Falklands foi longe da presença e influência argentina. Jamaica e Bahamas, que não tinham aquela forte tradição colonial, são exceções na região. Claro que fez comércio, que fez tratados vantajosos para o país, que emprestou dinheiro, mas não fincou raízes como fez na Índia, no Egito, no Oriente Mé-dio, na África e até mesmo na diferente China. Se a mãe-pátria assim agia e sentia, não é difícil entender que sua colônia e depois país independente também se comportasse de forma quase igual com os povos da região.

Outra característica da América Latina que povoa a mente dos norte-americanos é que a maior parte do latino-americano vive em condições hu-manas ruins e precisa de assistência de nações civilizadas. (43) Ou de forma mais direta: a América Latina é composta de gente mal nutrida, casas de condições péssimas, sem água tratada e outros avanços básicos que possuem outros países em outros lugares do mundo. Povo assim teria dificuldade de chegar à modernidade, um fato que até ajudou a justificar, principalmente na década de 1920, a invasão econômica dos EUA na região. (44) Estava ali para ajudar a melhorar a qualidade de vida do povo, só com avanços materiais diminuiria as ações revolucionárias e quedas de governos na região. A ideia que se vende é que a presença norte-americana seria útil e salvadora para aqueles povos invadidos. Tudo isso tem influência na ação política dos EUA na região, (45) e até mesmo para os proponentes de sua política externa.

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expansão dos eua para a américa latina

A Doutrina Monroe nasceu na presidência de James Monroe, em 1823. Um posicionamento daquele país contra a presença e influência de países europeus no continente, ela irá traçar as linhas do relacionamento futuro dos EUA com a América Latina. A região se declarava independente da Es-panha e de Portugal, os EUA se posicionaram como árbitro e nação superior em toda a América. Não tinha poder militar ou econômico para dar suporte a tal pretensão, mas assim mesmo criou a doutrina que balizou seu relaciona-mento com a área. E isso ocorria de acordo com o que sentia sua população, acreditavam numa superioridade em relação aos países da América Latina, agora independentes. A Doutrina será invocada nos anos à frente para justi-ficar a questão da segurança dos EUA.

Lars Schoultz abre o primeiro capítulo do seu livro com uma frase escrita num diário por John Quincy Adams, com a idade de 12 anos, dando suas im-pressões sobre os espanhóis numa viagem à Espanha: “eles são preguiçosos, desagradáveis, sujos, em síntese, eu os comparo a um bando de porcos”. (1) É o homem que estará como Ministro das Relações Exteriores na administra-ção James Monroe em 1823 quando foi formulada a Doutrina Monroe e foi, na sequência, presidente dos EUA entre 1825 e 1829. A doutrina, ao longo dos anos, irá tirar os EUA do isolacionismo que caracterizou sua política externa desde a independência em 1776. Um isolacionismo que, na verdade, se referia mais aos acontecimentos europeus.

O assunto que deu base para nascer a Doutrina, que criaria uma espé-cie de legalização futura de intervenções dos EUA na América Latina, foi a Santa Aliança nascida na Europa em 1815, após a derrota de Napoleão Bonaparte. A Santa Aliança formada por Rússia, Áustria, Prússia e França no Congresso de Viena queria restabelecer a legitimidade monárquica na

Capítulo III

u

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Europa, muitas derrubadas na era napoleônica, diante do avanço das ideias liberais do período. Havia, também, no momento da formulação da Doutri-na, receio dos EUA de um expansionismo da Rússia que reclamava parte do território daquele país. A Inglaterra, o maior poder naval e econômico do momento, não fazia parte da Santa Aliança, e temia que ela se expandisse para a América Latina que já estava, desde antes mesmo da independência, sob sua influência econômica. Tentam uma união com os EUA para impedir uma ação maior da Santa Aliança na América Latina. Os EUA não aceitam o acordo proposto, atuam sozinhos nessa formulação, sem a presença dos ingleses. (2)

A Doutrina dizia que qualquer tentativa de potências europeias em estender seu poder na região ou contra os países que surgiam na América Latina seria considerada perigosa para a “paz e a segurança dos EUA”, ou vistos como “manifestação não amiga com os EUA”. (3) O bordão que fi-cou será aquele de a “América para os americanos”. Os EUA, de forma até arrogante, garantiam, em contrapartida, que não interfeririam nos assuntos europeus. Não tinham à época força maior para isso, mas já falavam grosso. Talvez possa ser especulado que a crença das pessoas do país em uma inata superioridade dada por vários fatores, incluindo o religioso, estava por trás dessa arrogância inicial. Mesmo sem força militar e econômica adequada acreditavam ser mais fortes que os seus vizinhos ao sul do continente. A base clara da Doutrina seria a separação entre os interesses das Américas com os do velho mundo, não permitir que houvesse a extensão daquele poder por aqui, e defendia o princípio da não intervenção.

Os EUA não tinham como garantir independência ou impedir a presen-ça de potências da Europa na região. Governantes de diferentes países euro-peus desdenharam da Doutrina, e é importante ressaltar que não há nenhu-ma prova de que potências europeias realmente armaram um esquema para mandar força militar para a América Latina para restaurar o poder espanhol na região. (4) Não seria de interesse de outras potências, principalmente das duas maiores, França e Inglaterra, que a América Latina voltasse aos tempos do domínio espanhol. Isso diminuiria o comércio e outros interesses numa região que acabara de se tornar independente. Quem proclamou a Doutrina foi o Executivo dos EUA, o Congresso não participou em sua elaboração e discussão, não poderia ser considerada parte da lei internacional. Ela foi também unilateral, não houve nenhuma consulta com os países latino-ame-ricanos, os EUA eram o criador e o único dono da Doutrina. Em fevereiro de 1824 o Brasil propôs uma aliança com os EUA. No mesmo ano a Colômbia tentou coisa idêntica com o país do norte, e em 1825 o México recebeu a

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mesma resposta que os outros dois receberam. O governo norte-americano se escudava na própria Doutrina que dizia que os EUA ficariam neutros no conflito entre a Espanha e suas colônias agora em revolta. (5) Nem mesmo lá no início, quando os EUA não eram nenhuma potência, houve uma apro-ximação mais consistente, segura e clara entre as duas partes da América. Não eram, desde aquele tempo, tratados como iguais. Estava na cultura e comportamento daquele país desde o início da colonização. Fatores como religião, raça, comportamento impediam que houvesse um entendimento maior e igual entre os lados. Até hoje, por sinal.

A Doutrina Monroe, escreveu de forma crítica Gaston Nerval, (6) não teve intenção de beneficiar a América Latina, nunca criou uma união pan-americana, era unilateral e exclusiva para beneficiar os EUA. Ela foi viola-da pelas potências europeias várias vezes com a complacência dos EUA. Só serviu para dar base à expansão dos EUA na região, ajudando a legalizar as intervenções daquele país na área, principalmente no Caribe e na América Central. A América Latina via a Doutrina sem muita preocupação ou espe-rança, na época o grande poder estava na Inglaterra. Tinha capital para em-prestar, força militar e já comprava matéria-prima da América Latina, vendia bens industrializados e fizera muitos acordos comerciais que lhe favorecia. A América Latina se sentiria mais “segura” com a presença inglesa do que com uma aparente decisão de um EUA ainda fraco em economia e força militar. Mas a importância da Doutrina não está no momento de sua formulação, ela terá vida longa, balizaria a política externa daquele país com a região por mais de um século. Será invocada em tantos outros momentos, e a base está na questão de segurança dos EUA. Esta segurança, com o tempo, se expande além da ameaça direta, e inclui também os investimentos, o comércio ou os interesses econômicos dos norte-americanos na área.

Para mostrar como os EUA não tinham condições de se opor às potências europeias haverá intervenções na América Latina em momentos diferentes. Em 1833 os ingleses põem a mão em parte de Honduras; em 1841 estabe-lecem um protetorado na costa da Nicarágua e ainda os ingleses tomaram as Ilhas Falkland dos argentinos. A França interveio em Veracruz em 1838, e a Espanha anexou de volta Santo Domingo. A mais clara intervenção foi da França no México entre 1861-1865, (7) na fronteira dos EUA, com uma tentativa de impor uma monarquia, o que feria de morte o princípio da Dou-trina Monroe, que seria na defesa de regimes republicanos. É verdade que em 1848 o presidente James Polk já fazia ação mais dura para impedir que a Espanha transferisse Cuba para outro poder europeu, (8) mas foram pro-testos que não tinham a atenção maior da Europa, os EUA não eram ainda

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o que vieram a ser mais tarde na região. Além disso, tinham seus próprios problemas internos para resolver. Um deles, o maior daquele século, foi a guerra civil que engolfou o país entre 1861-1865. Mais tarde, no entanto, ela serviu de base para a expansão dos EUA, principalmente no Caribe e na América Central. A Doutrina Monroe, mesmo sem passar pelo Congresso, dava algum sentido legal à política externa do país. Porém, houve nos EUA um fato que talvez tinha sido até maior que a Doutrina criada em 1823. Foi o Destino Manifesto.

O Destino Manifesto é um movimento ou ideia para se conquistar no-vas terras além até do horizonte nacional, deu base moral, cultural e até ideológica para as conquistas. Cartas, panfletos, discursos falavam em ex-pansão territorial, sempre houve nos EUA a crença de que ali estava um povo superior ajudado por Deus e a religião, e que tinha o direito de ex-pandir suas fronteiras e conquistar outros povos. A frase é atribuída a um jornalista, John O’Sullivan, que a colocou em um artigo em 1845 de que era um “destino manifesto” tomar conta do continente, uma missão dada pela Providência. (9) Passa a ser ideologia dominante na década de 1840. (10) Os EUA estavam conquistando as terras indígenas do país, mas já falavam em ir além e tomar terras de gente de raça misturada. A raça anglo-saxônica tinha o direito de dominar povos mais fracos. O inglês Rodyard Kipling, que criou a mística da missão do homem branco, ou como ele chama, “fardo do homem branco”, para ajudar povos inferiores e colocá-los sob o cristianismo, dizia que essa seria também missão dos EUA e não só da Inglaterra. Ou como dizia também o senador de Indiana, Albert Beveridge, que Deus fez da raça branca os organizadores do mundo, colocar ordem onde existe caos. Deus os fez aptos a governar para administrar povos “bárbaros e decadentes”, sem o homem branco o mundo cairia na selvageria. E que “entre todas as raças Deus designou o povo norte-americano como a nação de Sua eleição para que conseguíssemos a regeneração do mundo”. (11) Ele defendia ainda que os EUA assegurassem novas rotas de comércio e tivessem colônias para man-dar seu excesso de produção. Atrás daquele discurso de missão divina talvez seja esse o motivo principal.

O Destino Manifesto surge num momento de orgulho e nacionalismo que viviam os EUA na metade do século XIX, uma visão idealista na busca da perfeição social através de Deus e da Igreja. Deus dava suporte à expan-são territorial, ir além da última fronteira no continente americano. A base religiosa do movimento é forte, e quando se referia a raças inferiores, como índios e mexicanos, ficava mais forte ainda. Mas não era somente Deus que empurrava a nação para essa missão, o movimento seria uma consequência

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inevitável da história, e que praticamente estava escrito nas estrelas que os norte-americanos conquistariam o continente de mar a mar. Essas ideias es-tavam no auge; quando a expansão para o oeste estava acontecendo, criou-se uma filosofia nacional que justificava o Destino Manifesto. (12) A crença na superioridade racial já estava firme no país, aceitava-se nos EUA que grande parte dos habitantes daquele continente era incapaz de criar gover-nos capazes e democráticos, deveriam ser conquistados por uma raça mais preparada. O componente de segurança nacional também fez parte dessa ideia em movimento: acreditavam que com expansão e aumento de fronteira os EUA não precisavam temer intervenções de outros países.

O Destino Manifesto coloca a responsabilidade nas pessoas e nações por seu próprio extermínio, não são os conquistadores que representam o mal. O mal é o ser inferior. Não tinham o direito de se opor à civilização, nem direito à liberdade e à terra, cria-se a base para justificar qualquer ge-nocídio. Esta conquista foi feita com base em descobertas “científicas” do momento que provavam que os euro-americanos seriam superiores a outros povos. Cientificamente eram mais inteligentes e, mais interessante, estariam implícitas nessa superioridade física até qualidades morais. Elas seriam ina-tas a eles e não às raças inferiores. Havia, além de religião e outros ingre-dientes para dar sustentação àquele movimento, uma base científica. Diziam até que qualquer avanço que houve nas instituições de povos não brancos foram por influência deles, ou tinham nascido entre eles. A superioridade racial justificava qualquer ato, até mesmo extermínio de raças inferiores. A questão da raça incorporada ao ideal do Destino Manifesto justificava o ex-pansionismo norte-americano, (13) estavam levando liberdade para outros povos, tirando-os da opressão de tiranos. Nunca seria genocídio, eram os EUA levando conhecimento, tecnologia, instituições para outros povos. Na época, e também em tempos mais recentes, esses povos são mostrados como selvagens e feios fisicamente. Os euro-americanos eram amantes da paz, fi-sicamente mais bonitos, civilizados e que levam liberdade para povos opri-midos. Naquele período estava estabelecida uma clara hierarquia racial ou a maior força do branco sobre outras raças. Isso estaria provado pela ciência, e que o branco era mais apetrechado moralmente. (14) Encontra-se, portanto, bases científicas, morais e religiosas para conquistar terras e povos. Cria-se uma justificativa para se ir em frente sem ter dúvida moral ou nenhuma dor de consciência para o conquistador. O mal estava, e até hoje está, sempre do outro lado, o bem chegava para ajudá-los a sair da escuridão.

Impressiona como isso faz parte da alma daquele país. Na II Guerra chegaram à Europa para levar liberdade, acabar com a tirania. Mais tarde a

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União Soviética passou a ser o império do mal, deveria ser destruída aquela ideia maligna, o bem estava com eles e não do outro lado do muro. Quando o socialismo morreu a crença norte-americana nos valores do país, que vem lá de trás, cresceu mais ainda. Qualquer conquista ou ação externa é justifi-cada e vendida para o mundo como verdade política e econômica. Escolhem quem está do lado do bem e carimbam quem não é, criam, como no passado, as justificativas internas para atuarem externamente. Rotulam, como fize-ram com os índios e mexicanos no século XIX, quem presta ou não. E que os norte-americanos estão indo para ajudar aquele povo a encontrar a luz da liberdade e do crescimento econômico. O Destino Manifesto é algo que não sai da vida do país. É uma espécie de missão.

Nessa conquista e expansão territorial, o Destino Manifesto destruiu tri-bos, culturas e o meio ambiente, nada poderia ficar contra o progresso, e isso queria dizer trabalhar a terra, tirar riqueza dela. É difícil imaginar os EUA sem o Destino Manifesto, é parte da alma nacional. A partir dele é que se pode entender a presença dos EUA pelo mundo. Ele justifica e tira a questão mo-ral da expansão territorial, militar ou econômica. O norte-americano acredi-ta que está levando progresso e liberdade para outros povos. Até mesmo no recente caso do Iraque, em que acham que levariam progresso econômico e liberdade àquele povo, e que isso irradiaria pelo Oriente Médio. Não desa-pareceu com o tempo a ideia de se conquistar lugares e povos, levar conhe-cimento e progresso, é parte do ideal do país. Não colocam agora de forma explícita que é uma missão divina como faziam antes, mas está implícito na ação que eles têm esse dever, mesmo quando invadem terras alheias estariam fazendo um bem para aquele país ao espalhar sementes de conhecimentos, de liberdade e da maneira de viver de um povo supostamente superior. Des-tino Manifesto é uma filosofia nacional sem tempo limitado para acabar. Foi mais forte no passado, mas continua embutido na alma nacional.

O Destino Manifesto levou os EUA à guerra com o México (1846). A guerra com o México ocorreu no governo do presidente James Polk (1845-1849). Foi rápida, (15) em 1847 a Cidade do México já estava tomada; em fevereiro de 1848 é assinado o Tratado de Guadalupe Hidalgo, (16) que deu aos EUA 3,1 milhões de quilômetros quadrados de novas terras ou mais um terço da nação. O México perdeu metade do seu território ou Califórnia, Te-xas, Nevada, Utah, Arizona, Novo México, Colorado e Wyoming. O Tratado também acertou a questão do Texas, que se arrastava desde 1836, quando se separou do México. O México recebeu 15 milhões de dólares na conclusão do tratado. O custo da guerra para os EUA ficou em torno de 100 milhões de dólares, uma pechincha pelo que foi conseguido.

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O final da guerra com o México, a superioridade mostrada ali, o tratado generoso que conseguiram, criou nos EUA a ideia de superioridade cultural e militar sobre os mexicanos, e por extensão para toda a América Latina. (17) A guerra com o México deu o tom que os EUA iriam adotar nas suas rela-ções com os vizinhos latino-americanos, não seriam nunca, dali para fren-te, tratados como iguais. (18) Já havia a crença nessa superioridade racial, religiosa e cultural, com uma vitória daquele porte isso aumentou na vida daquele povo. A derrota do México foi acachapante e até humilhante, não estavam preparados para o enfrentamento com um povo onde existia até fermentação intelectual para iniciar a expansão externa. A auto estima de um povo estava nas alturas, momento de orgulho nacional, o outro tinha seus demônios econômicos e políticos para enfrentar internamente. Sem essa força interior, sem preparo adequado, perderam quase outra nação para os vizinhos mais agressivos do norte. Um duro revés para o povo mexicano, derrota que criou mais ainda nos EUA a mística de superioridade para com os latino-americanos. Até hoje, por sinal.

O presidente James Polk havia resolvido ainda a situação no Oregon junto aos interesses ingleses, a área passou a ser também norte-americana. Os EUA já haviam comprado antes a Louisiana, em 1803, da França por 11 milhões de dólares. Uma área de mais de dois mil quilômetros quadrados e que incluía Arkansas, Iowa, Oklahoma, Kansas, Nebraska e parte de Mines-sota. Em 1821 foi completada a compra da Flórida da Espanha. O Destino Manifesto já estava desde muito tempo no ideário da nação.

Houve nos EUA uma discussão para saber se absorviam todo o México ou não (“all Mexico”). Um dos pontos de vista era que os EUA deveriam substituir o despotismo espanhol com a liberdade. Ou, como mostra uma fonte que alguém escreveu em 1847, que os mexicanos são acostumados a ser conquistados, e a vitória foi com o intuito de dar-lhe liberdade, segurança e prosperidade, liberar gente e não escravizar seria a nobre missão do país. (19) Mas tinha muita gente nos EUA que não queria tomar todo o México porque isso iria acrescentar uma população ao país diferente em raça, reli-gião e educação, um povo não acostumado a trabalhar e resistente à lei, e que isso teria um custo muito alto para a nação. (20) Quase a mesma opinião que tinha Stephen Austin no momento de separar o Texas do México ao dizer que os euro-americanos desejavam ficar longe dos mexicanos, um povo que os brancos achavam que fosse “moral, intelectual e politicamente infe-rior”. (21) A instabilidade política no México levou alguém a proclamar em 1846 que, enquanto os EUA estavam construindo ferrovias para aumentar o desenvolvimento do país, os mexicanos estavam fazendo revoluções. (22)

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Para que ter um povo desse incorporado aos EUA ou, como dizia o senador John Clay em 1848, que aquela incorporação seria fatal para as instituições dos EUA. Que havia algo de pestilento naquele povo e que era contagioso. (23) Não seria possível absorver os sete milhões de mexicanos aos EUA pela diferença em religião, hábitos e caráter, falava o senador John Calhoun no momento da guerra entre os dois países. Os EUA deveriam ter internamente somente a raça livre do homem branco, incorporar o México seria como in-corporar os índios, mexicanos são índios, e a outra parte composta de gente de sangue misturado. Os EUA deveriam ficar o máximo possível sem mexi-canos. (24) Coloca-se parte do debate nos EUA para saber se incorporavam todo o México àquele país para mostrar o tom que norteou o futuro relacio-namento e a ação dos EUA com os latino-americanos.

É interessante pontuar que há autor (25) que coloca o expansionismo norte-americano dentro da disputa política interna entre estados livres de escravos ou não. A disputa que levou o país para a Guerra da Secessão mais tarde. E o exemplo dessa discussão mais evidente foi a da anexação do Texas como mais um estado norte-americano. A conquista de terras do México, no momento por que passavam os EUA com a questão do escravo, era como se fosse algo normal e natural. O que se queria saber era para que lado iria esse ou aquele território no momentoso assunto da escravidão.

Depois que os norte-americanos se expandiram entre o Canadá e o Mé-xico, e do Atlântico ao Pacífico, cumprida a expansão continental, o Destino Manifesto olhou para o exterior. O primeiro passo foi a compra do Alasca em 1867 da Rússia por 7,2 milhões de dólares. Era a internacionalização do Destino Manifesto. Os EUA tinham, outra vez, o direito de expandir-se para terras distantes por meios políticos, militares ou econômicos. Para se ver como o ideário nacional influenciava a política do país o governo investiu forte na construção de navios de guerra, acreditava que quem controlasse o mar controlava seu próprio destino. Em 1890 um militar, Alfred Mahan, publicou um livro, The Influence of Sea Power upon History, que teve influ-ência concreta nas ações de governos dos EUA. (26) Dizia que os EUA não podiam continuar isolados, à margem dos assuntos mundiais, e que comércio e o poder militar eram inseparáveis.

Depois de se conquistar o continente, já recuperados da Guerra Civil, com a economia crescendo e precisando de novos mercados, a nova missão ou orientação foi para o exterior. O isolacionismo, por motivos de desassos-sego interno ou pela fraqueza do comércio e da força naval, fora defendi-do antes. Agora as forças nacionais olhavam para outros horizontes, numa adaptação rápida, o discurso mudou. É uma característica dos EUA, é só

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observar nos tempos mais recentes como mudou o ponto de vista do povo e governo dali frente a certas situações mundiais. Em um dado momento esse ou aquele país ou personagem no exterior é o inimigo a ser combatido, em outras circunstâncias muda-se de alvo ou discurso e tenta-se atingir quem antes parecia ser amigo daquela nação. Parecem, algumas vezes, como as ações contadas por George Orwell em seu livro, 1984. O bem hoje pode ser o mal amanhã ou vice-versa. Ou, repetindo a frase conhecida, de que os EUA não têm amigos, têm interesses.

Em 1890 o setor que geria terras nos EUA declarou que havia terminado a expansão da fronteira americana, não havia mais terras a serem conquis-tadas. Um fato aparentemente natural provocou um dilema nacional. Os norte-americanos haviam sido incentivados a ir para o oeste, ter sua terra, começar vida nova num lugar novo, como se fosse um nascer outra vez para a vida, e se falava que não havia mais espaço para ser conquistado no país. A identidade do país foi formada em torno disso. Não havendo mais terra a ser conquistada, o país deveria se voltar para uma política externa que vislumbrasse novas conquistas para que aquele sonho ou maneira de ser do povo norte-americano ainda encontrasse meios de se revigorar física e espi-ritualmente. (27)

Em 1885 Josiah Strong publicou um livro, Our Country, que teve enor-me influência na política externa nos EUA, vendeu mais de 167 mil cópias. Ele mistura raça, religião, ciência e imperialismo na sua análise. Defende que os anglo-saxões devem dominar o mundo, e que esse povo defendia dois aspectos imbatíveis da humanidade: liberdade e cristianismo; o protes-tantismo seria a raça missionária, deveria fazer a evangelização do mundo. (28) Ele faz contas sobre a população da Europa, da Inglaterra, dos EUA, compara tudo e chega à conclusão de que o futuro da humanidade estaria nas mãos dos anglo-saxônicos. Vai ainda mais adiante, buscando explicações “científicas” da época, diz que os brancos nos EUA eram superiores fisica-mente aos ingleses, cita até Charles Darwin para dar suporte a sua versão. Dizia que ele escreveu que o grande progresso dos EUA e o caráter daquele povo seriam o resultado da seleção natural, que, com as melhores pessoas da Europa, o resultado daquela seleção natural daria um povo especial. Di-zia ainda que Deus estava treinando a raça anglo-saxônica para sua futura missão (dominar o mundo), o catolicismo estava perdendo influência sobre as pessoas educadas, o protestantismo era a religião do homem branco. (29) Mas talvez o intelectual que mais influenciou a expansão externa dos EUA tenha sido Frederick Jackson Turner. Em 1893 apareceu seu trabalho Fron-tier in American History. O oeste já estava conquistado, era preciso descobrir

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novas alternativas de expansão, mesmo além-mar, para continuar crescendo economicamente. (30) Ele dizia que o poder econômico dá suporte ao poder político. Ele, Josiah Strong e Alfred Thayer Mahan foram os três que, com suas publicações, mais influenciaram a ida dos EUA para o exterior, primeiro perto de casa, depois onde ainda hoje se encontra.

Não eram somente os EUA que achavam que conquistar terras seria missão de uma grande nação. A Europa, na segunda metade do século 19, acreditava que o vertiginoso crescimento dos EUA tinha sido por causa das terras adicionadas ao país, deu a base para o crescimento da nação. Quando os EUA declaravam que não tinham mais onde conquistar terras no seu território foi o momento em que na Europa se falava que o crescimento do país fora consequência da adição de novas terras. (31) Falava-se, portanto, na Europa que o caminho seria ter mais terras e explorá-las para o bem do seu povo, uma filosofia de crescimento econômico da época. Os EUA, não tendo mais onde buscar terras em seu território, defendem o expansionismo além-mar, base da política externa de potências europeias do período. Além do ganho econômico com essa ação, outro dado foi acrescido à proposta expansionista: segurança para o país.

E onde poderiam ser encontradas essas novas terras? Onde seria a nova fronteira para se expandir? Pensou-se em ir para o norte, para o Canadá, (32) mas havia um bom relacionamento entre os EUA e a Inglaterra naquele momento, coisa costurada desde as lutas pela independência do país. O bom senso recomendava não tentar uma aventura no Canadá. Talvez fosse mais fácil para o sul do continente do que para o norte, tendo em vista uma Espa-nha enfraquecida e uma região praticamente abandonada. O caminho natu-ral seria a América Latina. E isso deveria ser feito logo, antes que interesses europeus se movessem para a área. Outra vez entra o aspecto religioso ao colocarem que, além da conquista em si, eles levariam a palavra correta de Deus aos povos da região. A questão religiosa está na base da ação expansio-nista dos EUA dentro do país ou fora. Ela pode ser vista de diferentes formas. Uma, que o povo dali acreditava mesmo que estava ao lado da verdadeira religião, e que seria sua missão civilizar outros povos. A outra é que se usava a Bíblia e a religião para preencher propósitos de satisfação econômica. Ou ainda a união das duas coisas – ensinar a palavra de Deus e ganhar dinheiro. Fato, aliás, que seria uma recomendação da própria religião, a pessoa teria que ser vencedora nesta vida para merecer a outra também. Seja por esse ou por aquele motivo percebe-se o caminho que toma a política externa do país vizinho ao norte do continente. Para os EUA continuarem a crescer, como fizeram até aquele momento com a conquista interna da fronteira para

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o oeste, e indo além na América do Norte com a expansão para o México, deveriam expandir-se para novas terras.

Era como se jogava o jogo do poder do período. A Europa andava fazen-do coisas iguais em outras partes do mundo, os EUA começam pela região mais ao sul do continente, em que, imitando a Europa, comprava por preço menor matérias-primas que eram levadas para os EUA, ali se transformavam em bens industriais que voltavam a ser vendidos na América Latina. Os norte-americanos se viam como um fator positivo para a região. Achavam que poderiam ajudar mais a América Latina do que os europeus, a Europa representava o passado, cheia de lutas internas e vícios, os EUA o futuro, sem as peias que amarravam a velha Europa. E tudo, claro, se estribava numa vontade divina, Deus abençoava o que estavam fazendo, falavam claramente que o expansionismo americano era uma bandeira que Deus dera a eles. (33) Viam-se como a mola propulsora do progresso para a América Latina, eles é que iriam levar a região para perto da civilização. Teve gente nos EUA que via essa conquista como um erro, falavam que, ao fazer aquilo com outros povos, manchariam o ideal de democracia e liberdade em que os norte-americanos acreditavam, (34) seria melhor ficar em casa e deixar cada povo cuidar de si mesmo, contato com o atraso poderia afetar o povo mais desenvolvido. Um ponto de vista que, frente à realidade local e mundial, não prosperaria. O entendimento na Europa, principalmente na Inglaterra, base da cultura norte-americana e também na maior parte da população nos EUA, foi que se devia ir em frente. Eles pensavam em curar feridas regionais ao dar apoio para a América Latina. Acham explicação para tudo. Que a região era como se fosse uma criança que precisa ser guiada e de estímulo, depois ela mesma continuaria sua caminhada. Usavam quase sempre a ideia de humanismo, ajudar quem precisa, mas lá no fundo o motivo seria o econômico. Quase a mesma coisa que fizeram antes no território norte-americano na conquista das terras dos índios. No início o discurso era para ajudá-los a sair do atraso, depois que houve choques e mortes, quando os índios reagiram aos avanços dos brancos, deveriam, em nome de Deus e do progresso, ser eliminados.

Poderiam fazer praticamente o que queriam para levantar a moral e a economia de outras gentes. Capitalismo e protestantismo de mãos dadas. Não há talvez melhor exemplo dessa crença do que o discurso norte-americano nas suas relações com a América Latina. Era uma espécie de cruzada, de luta religiosa, de sobrepor-se ao catolicismo pelos verdadeiros ensinamentos pro-testantes. A política externa dos EUA para a região continha praticamente todos esses elementos. América Latina precisava crescer economicamente e aprender democracia, e quem poderia fazer isso seria o norte-americano.

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Houve gente nos EUA (35) que dizia que a ação dos norte-americanos na região poderia reverberar ao contrário, mostravam que a tentativa de levar civilização para os índios nos EUA e colocá-los ao lado do conquistador não funcionara. Que o mesmo poderia acontecer na América Latina e, pior, po-deria colocar o povo contra o norte-americano e forçar a região a se manter mais arraigada em torno de suas crenças e modo de vida. A bronca regional talvez tenha suas raízes lá atrás na tentativa norte-americana de “civilizar” a região. Os que defendiam a expansão além-mar alegavam o contrário, que o país poderia civilizar povos e colocá-los no caminho do crescimento econô-mico. Arguiam que isso estava aos poucos ocorrendo com os imigrantes que chegavam aos EUA com seus vícios e maneiras estranhas da Europa, e com o tempo estavam sendo assimilados pela cultura e maneira norte-americana.

Naquele momento da criação das bases da expansão para o exterior a indústria estava em crescimento no país, precisavam de mercados para vender produtos e comprar matéria-prima. O fator econômico os empurra para outras regiões, como estava acontecendo com países da Europa e com o Japão na Ásia. O exemplo do caso norte-americano é até emblemático. O país passava por grave crise na economia, debitam parte da culpa ao excesso de produção local, seja agrícola ou industrial. (36) A saída seria encontrar mercado fora, de preferência perto de casa. Não dava ainda para competir com os europeus em outros lugares do mundo, o correto, na visão de líderes políticos do momento, seria na América Latina. Nesse contexto nasceu a proposta de uma conferência pan-americana a ser realizada em Washington em 1889. O motivo da conferência seria para encontrar meios para uma maior penetração comercial na América Latina retirando dali principalmen-te os ingleses. O encontro começou em outubro de 1889 e terminou em abril do ano seguinte. Os EUA promoveram uma excursão por lugares que im-pressionassem os delegados com seu crescimento econômico. Falava-se em estabelecer tratados de reciprocidades com países diferentes. Não era fácil para os EUA fazer essas modificações porque o país era ainda protecionista, tinha altas tarifas contra outros países. Mas no momento em que se sentem um pouco mais fortes em seu parque industrial seria hora de buscar alterna-tivas externas, e o lugar escolhido tinha sido a América Latina.

Num primeiro momento dessa reciprocidade o Brasil foi um dos poucos países a aceitar participar de uma troca comercial. Estabeleceu, em 1891, um acordo com os EUA para a entrada de café e açúcar no território daquele país em troca de comprar bens manufaturados. Os outros países a participa-rem desse novo acordo comercial foram os do Caribe e os da América Cen-tral, que já compravam produtos dos norte-americanos. O Brasil se punha na

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outra ponta dos interesses da Argentina. Esta tinha uma ligação mais íntima com a Inglaterra, a economia mais forte do período. A decisão do governo brasileiro foi aproximar-se da nova potência em ascensão, Rio Branco buscou ligações maiores com os EUA, isso é bem descrito no livro de Bradford Burns. (37) Mas não funcionou direito esse momento inicial de reciprocidade. Pri-meiro, pela política interna dos EUA em que uma administração partidária se contrapunha a outra nessa matéria. Os Democratas com Grover Cleve-land ganham a eleição em 1892, cortaram as ações do governo Republicano anterior. Outro motivo pela morte dessa iniciante ação de reciprocidade é que não havia muitas linhas de barcos entre os países da região e os EUA, não havia também casas bancárias e créditos para ajudar no crescimento des-sa relação. A Europa ainda se mostrava mais atrativa para a América Latina do que os EUA, mas este país continuou sua tentativa de dominar o mercado regional. O crescimento de sua marinha era um sinal de que outros tempos estavam para vir no relacionamento entre os lados do continente.

No Chile, em 1891, houve pequeno incidente em que os EUA mostra-ram sua nova musculatura naval. Morreu um marinheiro de um navio norte-americano e outros foram feridos numa disputa no porto de Valparaíso. O presidente Benjamin Harrison (1889-1893) queria que o governo do Chile se desculpasse pelo incidente. Este país, como se encontrava convulsionado, concordou em pagar uma indenização pelo ocorrido. (38) Grover Clevelandd (1893-1897) também teve a oportunidade de mostrar essa nova força do país quando da revolta da marinha no Brasil de 1893-1894, no governo Floriano Peixoto. Dois navios de guerra foram mandados pelos EUA para proteger os interesses comerciais do país frente a esse movimento insurrecional, mais tarde esse número cresceu para cinco navios. Não se precisou de nenhuma intervenção, mas, para os EUA e a América Latina, havia algo novo no mar, e não eram mais somente os navios e a marinha da Inglaterra. Mas para mos-trar a diferença que havia entre os interesses comerciais uma fonte diz que os EUA estavam protegendo cinco navios comerciais deles que estavam no porto do Rio de Janeiro, enquanto da Inglaterra havia mais de cem. (39)

Mas seria num caso com a Venezuela que os EUA mostrariam essa nova postura para com a região e o mundo. Havia uma disputa desse país sul-americano com a Inglaterra sobre fronteira com a Guiana inglesa. A data que marca esse novo posicionamento norte-americano é 1895. O Secretário de Estado da administração Grover Cleveland, Richard Olney, mandou uma nota para a Inglaterra que teve enorme significado para a relação entre os EUA e a América Latina a partir dali. Um trecho da nota dizia que os EUA eram soberanos neste continente e sua vontade era lei na região, (40) era

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invocada a Doutrina Monroe de 1823 para defender o ponto de vista. An-tes, quando ainda não tinha força militar e econômica suficiente, ele não se opôs a ações de países europeus na América Latina, agora a situação mudou e os EUA falavam que potências europeias não poderiam tomar pedaços de territórios da América Latina. A partir dali começou o aceite que os EUA tinham o direito pela sua posição geográfica de intervir nas disputas diplomá-ticas regionais, mesmo que não fosse parte delas. O que caracterizou o fato foi a aceitação de potências europeias, principalmente a Inglaterra, para esse novo posicionamento. (41)

Outro fato daquele momento que, para o bem ou para o mal, empur-rou os EUA para dentro dos assuntos da América Latina foi a guerra com a Espanha em torno da emancipação política de Cuba, em 1898. (42) A luta pela independência de Cuba começou em 1895, internamente, os EUA já possuíam investimentos em engenhos de açúcar, minas e ferrovias ali. Cuba continuava colônia espanhola, mas tinha mais liberdade econômica, um tan-to quanto diferente do pacto colonial espanhol para suas antigas possessões, um dado que talvez tenha feito com que a sua independência viesse bem depois do que ocorreu com outros países da área. Os EUA, pela proximidade geográfica, tinham investimentos na ilha do Caribe, a guerra os ameaçava. Mas o fato imediato que empurrou os EUA para o conflito foi o clamor da população do país contra a ação dos espanhóis ali. Já havia o carimbo da Lenda Negra contra os espanhóis que circulava na Europa e nos EUA desde muito tempo. Fatos novos levaram àquele clamor popular.

A atuação do general espanhol Valeriano Weyler e a criação de espécie de campos de concentração em Cuba, mostrado à exaustão por jornais dos EUA, reforçam a imagem de um povo que agia de forma cruel. Em Cuba os espanhóis acreditavam que havia ajuda do povo e até dos usineiros para os que lutavam pela independência. Para impedir isso, de forma equivocada, Weyler obrigou milhares de pessoas a se concentrarem em certos lugares. A consequência em fome, doenças e mortes foi inevitável. Tudo foi mostrado pela imprensa de forma dramática; para os EUA da época, reforçava o ponto de vista de que os espanhóis nunca deixaram de ser cruéis e desumanos. Jor-nais nos EUA exageravam nas atrocidades dos espanhóis na ilha, chegou ao ponto, por causa das descrições, de o New York Journal atingir a marca de um milhão de cópias por dia. (43) Os cônsules mandavam dramáticos comuni-cados para os EUA que, interessantemente, apareciam nos jornais.

Cito pesquisa feita nos despachos diplomáticos de três cônsules norte-americanos em Cuba entre 1896-1898. (44) Não havia embaixador em uma colônia, eram os cônsules os encarregados dos assuntos diplomáticos. Os três

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representantes dos EUA foram Polasky Hyat (Santiago de Cuba), Alexander Brice (Matanzas) e O. McGarr (Cienfuegos). Cito, entre outros e apenas como ilustração, dois dos despachos que devem ter ajudado a empurrar os EUA para a guerra com a Espanha. Eles apareciam na mídia impressa do país quase com as mesmas palavras empregadas nos despachos dos cônsules.

Escreveu Brice para o Departamento de Estado, em 28 de maio de 1897, que: “neste preciso momento cinco mulheres com seus filhos morrendo de fome estão em minha porta pedindo comida. Uma me disse que perdeu três filhos por falta de comida. Certamente os EUA irão tomar alguma medida decisiva sobre esse assunto. Os olhos das pessoas famintas estão voltados para nós. Que Deus oriente o presidente McKinley e nosso Congresso sobre Cuba”. A outra é mais dramática ainda. Hyat escreveu para o Departamento de Estado em 6 de fevereiro de 1897: “eu fui acordado esta manhã por um barulho de multidão em minha porta. Ao olhar para fora eu vi uma face agonizante e macilenta já fria de morte. O corpo estava de joelhos, cabeça jogada para trás como num ato de súplica... e o velho chapéu de palha e o restante de uma calça eram tudo o que cobria esse monte de pele e osso. Era um caso de morte por fome sem nenhuma dúvida”. (45) E a imprensa publicando tudo.

Os EUA assim mesmo relutavam em entrar numa guerra com uma po-tência europeia, apesar de decadente. Exercitar musculatura militar com países latino-americanos era uma coisa, outra com um país europeu. Em fevereiro de 1898, de forma não esclarecida até hoje, um navio de guerra dos EUA, Maine, explodiu no porto de Havana, morreram 226 norte-america-nos. Lembra o que ocorreu em Pearl Harbor em dezembro de 1941. O clamor nos EUA para entrar na guerra aumentou consideravelmente: em abril da-quele ano a guerra foi declarada contra a Espanha. Em julho do mesmo ano, ou 10 semanas depois do início das hostilidades, os EUA batiam a Espanha, uma antiga colônia batia uma ex-metrópole, criou-se um senso de orgulho nos EUA no momento em que o patriotismo ali estava em alta. Foi o que se chamou uma “esplêndida pequena guerra”. Ou seja, os EUA precisavam de algo sem muita perda humana e material contra um país europeu para se mostrar como um novo ator na cena mundial, e definitivamente não ter mais pruridos em seu relacionamento com a América Latina, principalmente no Caribe e na América Central ou como passou a ser conhecido o mar do Caribe como o mediterrâneo norte- americano.

Por três anos, entre 1899 e 1902, Cuba foi comandada por força mili-tar norte-americana. Depois foi aprovada no Congresso cubano a chamada Emenda Platt, que dava o direito de os EUA intervirem em Cuba toda vez

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que houvesse qualquer problema social ou político. (46) A emenda cria um protetorado dos EUA, além de receberem base militar e ter livre abertura para investimentos econômicos na ilha. Foi o modelo que, a partir dali, os EUA tiveram para a região. (47) Agiam de forma diferente dos países euro-peus que exerciam o domínio direto em uma colônia, como faziam Inglaterra e França por exemplo. Os EUA inovavam: não estariam ali fisicamente com força militar, mas tomavam conta de toda a vida política e econômica da nação sob protetorado. E, se necessário, mandava força militar. Uma nova forma de expansionismo ou imperialismo.

Os países da América Latina, já temendo a força dos EUA, não se mos-tram muito simpáticos à atuação daquele país contra a Espanha. A exceção ficou por parte do Brasil, que até permitiu que navios norte-americanos se abastecessem de carvão e fizessem pequenos reparos no litoral brasileiro. (48) Outra vez a diplomacia do país tentando se juntar à potência emer-gente e contra os interesses dos argentinos que sempre estiveram juntos da Inglaterra. Naquele mesmo momento, como consequência da guerra contra a Espanha, os EUA se apossam também de Porto Rico e das Filipinas, a tese expansionista em andamento. Como já dito, a base seria econômica, de segu-rança e também porque conquistar novas terras revigorava a nação.

Houve uma segunda crise em que esteve envolvida a Venezuela, e que reforçou ainda mais a presença dos EUA nos assuntos regionais. Inglaterra, Itália e Alemanha, por causa de dívida do país sul-americano não pagavam, queriam bloquear a Venezuela em 1902. Apesar de os EUA concordarem com o princípio de que quem deve tem que pagar, não concordam que po-tências europeias coletem dívida numa região sob influência direta deles. Os EUA propõem que o assunto fosse levado para discussão em fórum inter-nacional, os países europeus concordam em levantar o cerco e entregam o tema para a Liga de Haia, e ali se decide que a Venezuela tem que pagar suas dívidas. Essa decisão que parecia uma boa coisa para os interesses das partes envolvidas, incluindo a posição dos EUA, não foi bem vista por esse país. A partir dali outros países europeus poderiam usar a diplomacia do barco de guerra para recolher o que lhe era devido, não interessava aos EUA que isso se transformasse em regra. Sabiam da instabilidade política nos países do Caribe e da América Central e, frente a situação como essa, poderiam não pagar dívidas, e haveria outra vez a presença de força militar europeia para cobrar o que lhes deviam (49) de forma direta ou até mesmo levar, como no caso venezuelano, à decisão internacional. Não seria interessante, portanto, para os EUA que disputa em sua área de influência saísse de sua órbita e fosse ser resolvida em outros lugares.

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Em dezembro de 1904 nasceu o chamado Corolário Roosevelt à Dou-trina Monroe. Dizia a mensagem do presidente Theodore Roosevelt (1901-1909) ao Congresso dos EUA que os países da América Latina que agissem com razoável eficiência em matéria política e social, se mantivessem ordem e pagassem suas dívidas e obrigações, não precisavam se preocupar com a in-terferência dos EUA. Crônicos problemas internos nos países que ameaças-sem os laços que caracterizam uma sociedade civilizada talvez forçassem os EUA, “mesmo que de forma relutante”, a intervir para acertar as desavenças internas. (50) A Doutrina Monroe saiu de sua maneira passiva para agressiva participação nos assuntos da área. A partir dali, qualquer problema político ou social em um país ou que ele não pagasse suas obrigações financeiras os EUA teriam o direito de intervir para resolver o impasse interno.

Estava agora justificada a invasão, nascia a diplomacia do dólar (51) ou do Big Stick ou grande porrete. Aquela que dizia que se devia falar calma-mente com o latino-americano tentando levá-lo a entender a coisa lógica, mas devia-se carregar sempre um grande porrete na mão. Se depois de algum tempo e tentativa de persuasão nada fosse conseguido, que se desse uma ca-cetada na cabeça dele para que aceitasse os argumentos, daí o termo big stick ou grande porrete, que consta nos livros de história daquele país como mo-mento novo da relação dos EUA com a América Latina. Os EUA se trans-formaram na polícia da região, recolheriam as dívidas do próprio país e, se potência europeia tivesse que receber algum pagamento, os EUA fariam isso por ela. Não seria mais permitida a presença armada da Europa em assuntos da área de influência norte-americana. E fazia isso por motivos econômicos, políticos, de hegemonia regional, por princípio religioso do homem branco para levar civilização para outras pessoas e países. Sempre o legado colonial espanhol a acompanhar a América Latina na visão daquele país.

Houve uma sequência de invasões dos EUA na área: em 1912 na Ni-carágua; em 1915 no Haiti, ficando até 1934; em 1916 na República Do-minicana, que findou formalmente em 1941; em 1926 outra vez voltam os marines para a Nicarágua. Cuba e Porto Rico eram praticamente colônias sob tutelas diferentes. Mais tarde os EUA começam a se afastar militarmente da área deixando no lugar a Guarda Nacional treinada por eles. Ela serviu a diferentes ditadores. Esses grupos armados caíram em mãos de famílias como as de Anastácio Somoza, na Nicarágu,a e Rafael Trujilo, na República Do-minicana, que controlaram a ferro e fogo o povo desses países. (52) Os EUA criticavam a atuação da elite regional em não promover o desenvolvimento material da maior parte da população, e ao mesmo tempo ajudavam esta mesma elite a manter a situação que interessava a ela, e o povo ficava mais

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submisso ainda. Como o interesse norte-americano era o lucro este viria de maneira mais rápida numa união dessa forma. A grande massa nunca teve atenção dos norte-americanos. Aliás, impressiona essa indiferença deles pe-los reais problemas sociais da região. Também apoiavam a elite regional na luta do fim do século XIX e início do XX em tomar as terras comunais dos índios e mestiços. Elas existiam desde tempos imemoriais, e de um momento para outro seus antigos donos passam a ser peões ou trabalhadores braçais nas fazendas e propriedades dos mais abastados. E estes tinham, muitas ve-zes, o apoio dos norte-americanos ou de força militar treinada por eles para controlar manifestação de descontentamento. Mesmo se não mandassem força militar apoiavam o princípio da propriedade privada e não coletiva, um suporte moral e até mesmo ideológico para a destruição das terras comu-nais. O exemplo clássico de destruição desse tipo de propriedade foi o que aconteceu com os ejidos no México. Em alguns anos, aquilo que existia desde antes da chegada dos conquistadores vai para as mãos de pouca gente. Mais tarde, em 1911, explode a Revolução Mexicana que, entre outras promessas, pretendia devolver a terra tomada dos mais pobres pelos defensores do libe-ralismo, como o que ocorreu no governo Porfírio Diaz (1876-1911).

Os EUA continuaram a investir e a tomar conta da região que o circun-dava. Foi ali que exercitou a musculatura militar e econômica para passos maiores mais tarde na arena internacional. A área do Caribe e a da América Central foram parte importante da política externa daquele país. Outro fato que colocou ainda mais os EUA dentro dessa área foi a construção do Ca-nal do Panamá. (53)Uma companhia francesa que tentava construir o canal teve problemas financeiros, mas mantinha ainda a concessão para aquela construção. O território do canal era da Colômbia. No governo Theodore Roosevelt ele comprou a concessão dos franceses e tentou negociar com os colombianos a construção do canal. Não houve entendimento, onde hoje é o Panamá resolveu se separar da Colômbia. Este país reagiu, mas foi impedido de ação militar maior pela presença de navios de guerra dos EUA. A inde-pendência veio em 3 de novembro de 1903; no dia 6 de novembro os EUA já reconheciam o novo governo, e em fevereiro de 1904 assinaram o acordo para a construção do Canal. Os EUA teriam soberania absoluta no Canal e nas terras que o cerca. Em 1914 foi inaugurado. Foi muito comemorado esse fato, mostrava a força da engenharia do país, e também é citado o trabalho no setor de saneamento no combate a doenças tropicais. A região do Canal do Panamá para cima ficou praticamente sob protetorado norte-americano, ou como disse um Secretário de Estado do país, Philander Knox, que aquela área era muito importante para a segurança dos EUA. (54)

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A relação mais próxima dos EUA, como já mencionado, era com as pequenas repúblicas do Caribe e da América Central. O único país maior latino-americano em que houve algum tipo de entrevero no relacionamento com os EUA foi, outra vez, o México. Woodrow Wilson (1913-1921) atacou o porto de Veracruz durante o governo de Victoriano Huerta. (55) Também, depois do ataque de um grupo comandado por Pancho Villa numa cidade americana da fronteira com o México, em que morreram alguns civis, ele invadiu o país na chamada “expedição punitiva” para encontrar Villa. (56) Não encontrou e retornou para casa. Outro fato muito comentado desse pe-ríodo foi o telegrama Zimmermann. Alfred Zimmermann era o Ministro das Relações Exteriores da Alemanha durante a I Guerra, quando explodiu na imprensa dos EUA que ele havia instruído o embaixador no México a propor a esse país que, se entrasse na guerra contra os EUA, receberia de volta os territórios perdidos na guerra de 1848. (57)

Na I Guerra os EUA buscaram algum tipo de aproximação com a Amé-rica Latina; falava-se em pan-americanismo outra vez. (58) A guerra aca-ba ajudando na penetração econômica maior dos EUA na América Latina. Como a Europa estava conflagrada, tinha comércio menor e vendia menos na área, na brecha criada, os EUA preencheram o espaço aberto. Bancos abriam na região melhores linhas de créditos, e também ligação por trans-portes facilitava a penetração comercial, o que sempre quis aquele país. O Brasil é o exemplo dessa expansão, dando prosseguimento à tentativa nacio-nal de estreitar relações com os EUA. Até a guerra o Brasil dependia mais da Inglaterra em suas transações comerciais, principalmente na compra de carvão mineral. O país passou a importar mais dos EUA. O Brasil, além das pequenas repúblicas do Caribe e da América Central, ficou também ao lado dos EUA na declaração de guerra à Alemanha. Mas, mesmo fazendo essas mesuras, nunca houve maior deferência dos EUA para com o Brasil. Sofreu até embargo em suas exportações para lá quando, depois da guerra, o café teve majoração de tarifa porque foi considerado produto de luxo e não essen-cial. O país até reclamou que o comércio dos EUA com a Argentina durante a guerra crescera mais do que com o Brasil. (59) São dados que mostram o rumo das relações dos EUA com a América Latina, não há deferência a nenhum país. Em determinado momento, por causa de algum fato especial, pode haver um interesse do governo, da mídia e da população dali. Passada a situação volta-se ao de sempre, e esse sempre é que os países da região não podem ser tratados como iguais. Não possuem nada ou quase nada para dar em troca para se criar um relacionamento mais positivo ou proveitoso para os dois lados.

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Com a experiência latino-americana de comércio os EUA se abrem para o mundo, passam a ter presença também na Europa e em outras regiões do globo, lugares com menos riscos para os investimentos que na América Latina, por causa da instabilidade econômica e política da região. Passou a ser claro para o mundo que a América Latina era uma área de influência norte-americana, ninguém mais desafiava a Doutrina Monroe. As discussões em Paris depois da guerra mostraram que as potências europeias não davam importância para os países da área, o diálogo foi com os EUA. O mundo via e vê assim até hoje. O pior é que talvez a imagem criada pelos EUA sobre a América Latina tenha se espalhado pelo mundo. Uma crença numa espécie de inferioridade colada na gente regional. O conceito não muito elevado da América Latina no mundo tem raízes em seus próprios problemas, mas, as-sociado a isso, a descomunal presença dos EUA nos assuntos da área através dos anos, quem sabe, ajudou a cristalizar em lugares diferentes a ideia da pouca importância da região no contexto mundial.

De volta à história. Atos externos dos EUA estavam sempre conectados ao momento por que passava o país. Sarah Sharbach (60) é outra que mostra esse fato e, no caso específico, mostra como a política externa dos EUA na década de 1920 ou durante a diplomacia do dólar ou era intervencionis-ta sofre influências do que ocorria internamente no país. Além do aspecto econômico, a visão racial do período acaba empurrando ainda mais os EUA para o Caribe e a América Central, não somente ali mas também para o seu relacionamento com os latino-americanos até mesmo em sua política externa. Ela mostra que as teorias raciais “provavam” a superioridade do homem branco sobre negros, índios e povos de raças misturadas. A imprensa aceitava esse fato, o homem comum também, e isso determinava a ação de Washington para a região. Ela comenta o que diziam livros da época sobre o assunto, todos defendendo que o homem branco era superior, e que os outros povos não tinham condições de autogoverno. Também é a época em que havia grande imigração para os EUA, e muita gente ali achava que isso iria degenerar a raça especial que se pretendia criar no país.

A autora escreve que, como despojo da guerra contra a Espanha em 1898, os EUA não colocaram Porto Rico como estado por causa dessa visão racial. O mesmo se poderia dizer de Cuba, que ficou como um protetorado especial sob a Emenda Platt. Ninguém queria absorver uma República de negros, índios, mestiça e, pior, católica. É interessante observar que o Havaí virou mais um estado norte-americano, e que Porto Rico até hoje não atingiu essa posição. Cuba e Haiti são exemplos dessa atuação dos EUA em contato com a Améri-ca Latina. No momento do Destino Manifesto, do expansionismo na América

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do Norte, a maioria das pessoas naquele país não queria absorver todo o Mé-xico com receio de que a raça inferior contaminasse a outra. No caso do Haiti, Porto Rico e Cuba a associação é a mesma. Se as teorias raciais determinavam que negros, índios e mestiços eram inferiores, não havia como ter uma apro-ximação com povos que tinham a maioria de sua população nessas condições. Com outro agravante, além de serem católicos, os europeus da Península Ibé-rica eram também inferiores ao povo anglo-saxônico. Não foi difícil, naquela década expansionista, também associar o latino-americano com os índios e os negros dos EUA, todos de raça inferior. Sharbach cita a quantidade de artigos em jornais e magazines, além de livros nos EUA na década de 1920, que mos-travam essa diferença de índios e negros em caráter, inteligência, aptidão para o trabalho e governar a si próprio. Os jornalistas e acadêmicos escreviam sobre a ligação entre raça e incompetência política, ponto de vista que justificava a política externa do país. O que queria dizer intervenção militar, (61) os mari-nes levavam civilização. O culpado por aquela situação, na teoria conhecida, é o povo invadido. O outro está ali para ajudá-lo.

Havia, nesse caso e momento (como em outros), uma união entre o que pensava a população do país e a política exterior. Na crença arraigada ali, que vem desde lá de trás, de que o homem branco teria o dever de ajudar outros povos a melhorarem suas vidas. A ideia prevalente nos círculos do governo em Washington naquela época era que a América Latina era atrasada mesmo. O Departamento de Estado tinha até dificuldade em recrutar gente para trabalhar na área, quem fosse recrutado considerava o recrutamento como castigo ou como fim de carreira. (62) Havia instruções internas do governo dos EUA para o corpo diplomático de que estavam na região como missão, para ajudar com sua experiência, investimentos, empréstimos e melhorar a qualidade de vida da população regional. Falavam aos futuros diplomatas que eles ouviriam muito que os EUA eram imperialistas, mas que não dessem ouvidos a isso, sua missão seria de ajuda e não o contrário. Lá por 1925 os EUA investiam ou emprestaram 11 bilhões de dólares para o mundo, dessa quantia a América Latina recebera 4 bilhões. Era o principal lugar para onde ia o dinheiro deles, depois a Europa e o Canadá. (63) Com tanto dinheiro na área a política externa tratava de garanti-lo, defender os interesses dos investidores dos EUA na América Latina, basicamente no Caribe e na América Central. Os norte-americanos alegavam que, seja ali ou em outro lugar, os investimentos criavam empregos, geravam impostos ou se construíam estradas, e que atos como esses é que ajudavam a população local. Também o exemplo do trabalho duro e planejado acabava in-fluenciando gente e nações. Concorde-se ou não, era o discurso que pregavam para os países sob protetorado ou com presença econômica forte deles.

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boa Vizinhança

Em março de 1933 o presidente Franklin Delano Roosevelt (1933-1945), em sua posse, disse que haveria uma nova maneira de relacionamento com a América Latina. Uma política regional em que os vizinhos respeitam a si mesmos e o direito dos outros. Um mês depois, em outro discurso, decla-ra que os EUA não praticariam política de intervenção em países vizinhos. (1) Nascia a chamada política da Boa Vizinhança. Desaparecia o Corolário Roosevelt à Doutrina Monroe, que pregava que os EUA tinham o direito de intervir nos assuntos internos de país latino-americano se houvesse proble-mas políticos graves ou até mesmo para coletar dívidas de países devedores. Interpretação que provocou mais de 20 anos de invasões em diferentes países do Caribe e da América Central, e até do México. No início de uma nova administração nos EUA, em plena Depressão Econômica, o país entende que era tempo de enterrar essa prática estranha de política externa.

Não nasceu com Franklin Roosevelt a ideia de acabar com aquela práti-ca. A origem dessa mudança está no governo Calvin Coolidge (1923-1929) seu Secretário de Estado, Frank Kellog, começou a trabalhar no assunto. (2) Ele tentava aprovar um sonho, com o pacto Kellog-Briand, (3) para abolir a guerra no mundo. Depois da destrutiva I Guerra alguns achavam que era hora de se eliminar esse assunto da vida das nações, sonho nunca foi concretizado. Se Kellog estava patrocinando um ato que eliminaria a guerra, como é que po-deria concordar com o Corolário Roosevelt que queria dizer intervenções ou atos de guerras contra nações da América Latina? Não fechava a equação.

Ele entrega a missão de estudar essa mudança ao Subsecretário de Esta-do, Reuben Clark. Seu memorando de 1928 é que deu a base para que, mais tarde, Franklin Roosevelt criasse a nova política norte-americana para a América Latina. Clark concordava com a Doutrina Monroe, que defendia a autodefesa em caso de ataque, previsto no mesmo pacto Kellog-Briand, mas

Capítulo IV

u

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fulminava o Corolário que autorizava invasões. O próximo presidente dos EUA, Herbert Hoover (1929-1933), também pensava assim. Ele fora Secre-tário de Comércio nos governos Warren Harding e Calvin Coolidge, viajara pela América Latina e percebera o mal que as invasões faziam na imagem dos EUA na área, fato que até atrapalhava o aumento do comércio do seu país na região. Passou a defender também um novo tipo de relacionamento com os países do continente. Hoover governou sob enorme problema econômico e, por mais que defendesse um novo tipo de aproximação com a América Latina, não colocou em prática nenhuma medida maior nessa direção. O memorando Clark, apesar de aceito, dormiu em gavetas. Franklin Roosevelt que o ressuscitou, nascia no seu governo uma nova ação diplomática dos EUA para a América Latina.

Houve outro fator que talvez tenha influenciado para que o norte-ame-ricano atuasse de forma diferente com a América Latina na década de 1930 e um pedaço da seguinte. Estava em evidência a teoria do pluralismo cultu-ral, Franz Boas (4) foi seu principal defensor. Esse ponto de vista atacava as teorias anteriores de que o homem branco, basicamente anglo-saxão, seria o detentor de virtudes ou do predicado civilizador, uma ideia que prevale-ceu naquele país por muito tempo. Franz Boas defendia que a cultura não é propriedade de uma raça, é o acúmulo de conhecimento de um povo. Não depende só de um povo especial que achava que tudo o que os outros faziam estava errado, ou que a cultura seria a propriedade de um grupo de ilumina-dos. Dizia mais a nova teoria, contrariando o que pregavam os teóricos an-teriores nos EUA, que um povo civilizado deveria entender os outros povos como eles são. Contrariava ainda manifestações do social Darwinismo e ia contra também a tese aceita de que a humanidade cresce em estágios do sel-vagem para o barbarismo até a civilização. Estava implícita ainda no ponto de vista do pluralismo cultural a desilusão com os valores do individualismo e da sociedade capitalista de forma geral. (5) A Depressão fez muita gente pensar com mais cuidado sobre os solavancos da economia de mercado.

Uma teoria como essa chegou forte na América Latina, pensadores lo-cais a aprovaram e Franz Boas passou a ser um nome admirado na região. Gilberto Freire, como exemplo, escreveu sobre a mestiçagem e a cultura própria do Brasil sem receio das teorias anteriores que falavam em supe-rioridade de um grupo humano sobre o outro no aspecto cultural. Reforça no Brasil e em outros lugares da América Latina o sentimento de orgulho nacional e surgem resistências maiores a atos de expansão de outro povo na região. Sentindo o novo momento nos EUA, como era de se esperar, o cine-ma de Hollywood refletia a situação, apareceram filmes mais palatáveis com

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as coisas da região. (6) Não ficou apenas em Franz Boas essa mudança em círculos intelectuais nos EUA. Na década de 1920 já havia, internamente, um movimento em favor da cultura indígena, diferente de como ela era vista antes, agora mostrada de outra forma, e que os índios por seu contato com a natureza, sua simplicidade e vida comunitária, estavam acima do modo de ser capitalista e individualista. Havia algum desapontamento também com o sistema capitalista, a crise econômica era aguda e alguns achavam que a bus-ca desenfreada pelo lucro trazia problemas diferentes. Frente a uma situação interna complicada até se encontra características positivas em povos que sempre mereceram desprezo. Historicamente os índios tinham sido associa-dos com aos latino-americanos, principalmente aos mexicanos. Se os indíge-nas passam a ser vistos de forma diferente por alguns intelectuais, o mesmo ocorreu com os latino-americanos. Já se falava em maravilhas do México, principalmente na arte indígena e na moderna. Falava-se em serenidade, harmonia com a natureza, uma nova visão. (7)

Houve, ainda, naquele período diferente da história norte-americana, uma aceitação, pelo menos em certos círculos, do negro e sua maneira de se comportar. Como visto antes, o negro, o índio e a mulher eram sinônimos de inocência, não preparados para o capitalismo. Teorias raciais diziam que mulheres e negros seriam como crianças brancas, por causa de seus cérebros menores. (8) A mulher seria passiva, não competitiva, diferente do homem que, nessa análise, tinha todas as qualidades que pedia o mundo competitivo do capitalismo, como racionalidade e lógica. A América Latina tinha sido associada naquele país a criança, mulher, negro e índio, as charges do período traduzem isso com clareza. Como havia uma nova interpretação, aquelas qua-lidades negativas desapareceram e surgiram outras mais positivas. Passou-se a aceitar até a mestiçagem, sempre pontuando que isso era aceito não em toda a população daquele país, mas em segmentos intelectuais. Essas novas ten-dências, na verdade, influenciaram mais a América Latina do que os EUA.

Sarah Sharbach diz que encontrou pouca evidência dessa inversão ou mudança de comportamento nos EUA referente à América Latina na dé-cada de 1920, (9) e que acabaria influenciando a política externa da Boa Vizinhança. Discussão acadêmica à parte não se pode negar que havia ma-nifestações diferentes já naquela década sobre os índios do país, e que isso se estenderia aos mexicanos com sua ascendência índigena também. Co-meça-se a descobrir a arte local, sua maneira de encarar a vida passa a ser vista por alguns como algo diferente e até positivo. Aparecem autores como Waldo Frank, Ernest Hemingway, Frank Tannenbaum escrevendo livros que punham em outro patamar a cultura latino-americana. Waldo Frank talvez

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tenha sido o intelectual norte-americano que mais teve sucesso na América Latina. Falava em mistura de raça, união das duas bandas da América em formar uma nova raça e cultura. Dizia em suas palestras aquilo que a plateia queria ouvir, ou seja, que não havia abaixo do Rio Grande, como imaginava a cultura do próprio país dele, um povo indolente, que havia uma cultura ativa e não anormal. Defendia até que os EUA deveriam colocar recursos do país para ajudar a criar essa nova América e não tentar reconstruir o velho mundo. (10) Deveria ser uma música maravilhosa aos ouvidos da classe do-minante na América Latina, tem-se dois segmentos em êxtase com o novo momento: negócio e intelectual. Imagine a influência de pessoas dos EUA escrevendo livros e fazendo palestras pela América Latina sobre a intelectua-lidade da região. Fredrick Pike mostra isso, e até trabalha com certos autores da área que seguem a cartilha de Waldo Frank. (11)

De forma consciente ou não esses intelectuais norte-americanos esta-vam fazendo o trabalho que queria o Departamento de Estado na conquista de mentes e corações na América Latina. Falas nessa direção ajudavam a po-lítica daquele país, que tentava diminuir a força das ideias fascistas e nazistas na região. Waldo Frank até aceitou quatro mil dólares do Departamento do Estado para uma turnê intelectual pela América Latina. (12) O embaixador dos EUA no México, Josephus Daniels, dizia em 1943, após a visita e pales-tras de Henry Wallace, também favorável a essa nova visão sobre a América Latina, que nenhuma outra pessoa poderia fazer um trabalho tão magnífico em anular a propaganda nazista no país do que o que fez Wallace. Havia tanta aproximação com as novas ideias que a maior parte da intelectuali-dade norte-americana aprovou a ação de Lázero Cárdenas no México em nacionalizar o petróleo, expropriar bens norte-americanos, e ainda a reforma agrária que ele fez. Estavam vivendo no México intelectuais de esquerda dos EUA, que aplaudiam a Revolução Mexicana. Durante a Depressão Econô-mica até o socialismo cresceu nos EUA, muitos acreditando que o regime capitalista não era apropriado, fazia sofrer parte das pessoas de um país. Era um tempo diferente, na verdade.

Esse caldeirão cheio de novidades é importante para entender o aceite da política da Boa Vizinhança nos círculos intelectuais na América Latina, e também do apoio mais tarde aos norte-americanos na guerra que viria. O caminho tinha sido aplainado, entre outros, por intelectuais que falavam e escreviam de forma favorável às coisas da área. Isso teve clara implicação quando, depois da II Guerra, os EUA abandonaram suas propostas e teses defendidas na política da Boa Vizinhança. Deixa de se preocupar com a re-gião, volta-se para a reconstrução da Europa e o enfrentamento com Mos-

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cou. O desencanto dos intelectuais da América Latina foi enorme, talvez esteja aí um dos motivos para a maior aproximação com as teses de Moscou e o afastamento de Washington no meio intelectual da América Latina.

Há ainda outro fato que ajuda nessa mudança de tom dos EUA para com a região. Na década de 1930 aparecem no país os problemas no meio ambiente como consequência da desenfreada conquista do oeste. Não é demais repetir que a maior parte da população dos EUA acreditava que o homem civilizado era aquele que conquistava a natureza, dominava o meio ambiente, dali tirava riqueza. Que outros povos, como os índios e os latino-americanos, não agiam assim, e por isso estavam lá atrás na escala da civiliza-ção. Um ponto de vista com defesa até mesmo nos ensinamentos religiosos, o homem, com a bênção de Deus, deveria ser dono da natureza. E aí veio a resposta dela com as grandes secas nos lugares onde se fizera toda derrubada de florestas para se plantar civilização. Aparecem, naquele interessante mo-mento da vida daquele país, escritos e comentários de que talvez eles estives-sem errados na tal conquista da natureza, e quem sabe os latino-americanos e os índios não estivessem tão equivocados em procurar viver sem a destruir tanto como ocorrera no norte do continente. Os latino-americanos assim procederam, não porque eram contemplativos, queriam defender a natureza ou preservá-la intacta. Mas, seja por esse ou aquele motivo, na América La-tina as florestas estavam ainda em pé, e não nos EUA, e havia agora uma res-posta dura da natureza frente à ação do homem. A seca no oeste, o problema na agricultura provocam um quase êxodo do campo para as cidades ou para estados promissores, como a Califórnia. Livros e filmes norte-americanos re-fletem aquela situação complicada do país.

A reação ao que aconteceu nos EUA com o meio ambiente e sua nova (e passageira) visão sobre os latino-americanos vai além ainda. Acreditavam alguns que na América Latina, pela relação com a natureza, havia mais pu-reza nas pessoas, menos acúmulo de riqueza, e essa busca exagerada é que criava outros males nos EUA. O exemplo mais claro seria a Depressão, em que a ganância de alguns jogara o país naquele abismo econômico. A Amé-rica Latina estava livre dessa avareza, tinha um povo que poderia ensinar a eles como viver melhor com menos, e que estavam certos os povos da região em reagir à exploração capitalista vinda do norte. A pureza regional, a não avareza ou busca desenfreada pela riqueza não seriam tão ruins assim. Teve gente nos EUA que achava que o país deveria aprender com os latino-americanos muitos aspectos da vida.

É preciso ressaltar que, apesar de tantas mesuras novas, (13) o governo norte-americano não foi atingido por essa movimentação de boa vontade de

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alguns intelectuais para com a América Latina. O que interessava à política externa do país era ter mercado para os produtos dos EUA, e não aceitar igualdade entre povos e costumes. A região continuou a ser olhada pela maior parte da população dali e pelo governo como sempre foi. Atrás das teorias e da retórica nova havia um interesse maior e concreto dos EUA para dar o novo passo diplomático chamado agora de Boa Vizinhança. (14) O país entrara em Depressão Econômica desde 1929, e para sair da incômo-da situação precisava, entre outras ações, aumentar seu comércio, vender mais para diminuir o desemprego interno. Um dos lugares com os quais os EUA tinham um comércio mais ativo era com a América Latina, onde com-pravam matérias-primas e vendiam produtos manufaturados. Uma área que estava sob influência daquele país desde o início do século. Com o problema econômico em casa seria hora de tentar aumentar mais ainda o comércio regional. Cordell Hull, Secretário de Estado de Franklin Roosevelt, colocou essa preocupação de forma clara ao dizer que nada da política externa dos EUA tinha valor naquele momento se as ações econômicas não caminhas-sem juntas. (15) A Depressão influenciava os passos de qualquer governo dos EUA naquele período, esse era um dos principais motivos por trás da nova política. (16)

O Congresso dos EUA, em junho de 1934, passou o Acordo de Comér-cio Recíproco; este acordo parece com o Acordo Tarifário McKinley de 1890 quando os EUA enfrentavam outra crise econômica. O Executivo ficava au-torizado a rebaixar tarifas até 50% sem consultar o Congresso se houvesse concessões recíprocas. (17) Nos dois casos há abertura comercial maior do país, que era extremamente protecionista. Nas crises, na busca de maior co-mércio e tentativa de ajudar nos problemas econômicos internos, surgiam mudanças. Apesar de ser um ato que atingia o comércio de forma geral, essa nova liberalização tarifária foi mais direcionada para a América Latina, lugar onde os EUA tinham sempre superávit comercial. Além disso, essa liberalização dirigida a países latino-americanos não criaria ações contrárias nos EUA, que sempre foram protecionistas, porque a região produzia bens primários que não competiam com os de lá. (18) Também em 1934 foi cria-do o Exibank ou o banco de exportação e importação dos EUA, um banco para facilitar e aumentar as trocas comerciais, principalmente com os latino-americanos. Pareceu para alguns latino-americanos que o banco seria para ajudar no desenvolvimento regional; só pareceu, porque sua intenção maior era facilitar as trocas. Municia os compradores com dólares para comprar bens industriais nos EUA, uma arma do país de ajuda aos atos diplomáticos. Não havia filantropia, o jogo era capitalismo puro em que um lado tinha o

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capital para emprestar e cobrar juros e possuía ainda bens industriais, e o outro lado bens primários.

Os EUA se transformam no maior comprador de produtos latino-ame-ricanos, com isso criam uma relação de dependência econômica maior da América Latina. (19) Tiros e invasões tinham sido substituídos por comércio de tal forma que, mesmo na Depressão, os EUA tiveram balança comercial favorável com a área. A região continuou a ser exportadora de bens primá-rios, e a consequência perversa é que não houve diversificação de produção. (20) Se um ou dois produtos primários tinham boa aceitação no exterior, no caso um mercado grande como os EUA, a direção da política econômi-ca do país latino-americano exportador, como vinha sendo desde o período colonial, era manter o mesmo rumo, aprofundar a produção daqueles bens. Alguns ganham dinheiro, a renda se concentra e a maior parte da população passa ao largo desses ganhos momentâneos. No caso do acordo tarifário novo dos EUA para com a América Latina há um aparente ganho econômico de algum setor exportador de bens primários desse ou daquele país. Não há ne-nhuma tentativa de agregar valores à produção econômica, o pouco ganho nacional satisfaz a elite e acalma os ânimos políticos. A atuação da área, do ponto de vista capitalista, foi de ingenuidade, ou como dizia o escritor peru-ano, Luis Sanchez, que guerras fizeram alguns ricos na América Latina, no geral com suporte de capital dos EUA e Inglaterra, mas a maioria continuava pobre, fazendo apenas para sobreviver. (21)

Há também interesse dos EUA na questão de segurança no novo relacio-namento com a América Latina. O tom político na Europa estava crescendo e os EUA comandaram ações regionais na busca de segurança hemisférica que não deixasse descoberta sua retaguarda através de países próximos ou, como chamavam, pela sua backdoor. Os EUA propuseram atos para prevenir guerras na região e até mesmo eliminar situações que pudessem levar àquilo. E, como sempre, deram ênfase ao fator comercial, (22) ele fluindo se criaria condições para acabar com receios de novas guerras como aquela que ocor-ria entre Bolívia e Paraguai (Guerra do Chaco).

O fator comercial substituiu o antigo discurso do país, que era a invasão para ensinar modos políticos e civilizados a povos da região. Com um comér-cio mais forte, principalmente pela dependência que muitos países passam a ter do mercado norte-americano, a diplomacia dali viu que não precisava mais do grande porrete na mão. O porrete agora seriam as práticas comer-ciais, uma maneira mais inteligente e eficaz que a anterior. E, na busca desse novo passo de entendimento regional, os EUA concordaram com o princípio de consultas prévias entre as nações do hemisfério. Era uma novidade, nunca

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antes aquele país concordara com isso. Agora, frente a uma nova realidade comercial, econômica e de segurança, mudavam o rumo. Não acontecerá essa consulta prévia como as nações latinas americanas imaginavam. Mais à frente os EUA não consultaram ninguém para tomar medidas rumo à guerra que engolfou a Europa. Mas naquele momento a ação funcionava como mais uma liga para sedimentar a política da Boa Vizinhança. Se os governos lati-no-americanos entendessem a história do relacionamento norte-americano com a América Latina saberiam que é quase impossível os EUA aceitarem algum acordo com a região em termos iguais, essa igualdade não existe na cultura deles. Um governante de lá que assim agisse não teria apoio da maio-ria da nação, perderia votos na próxima eleição.

Num encontro pan-americano em Buenos Aires em 1936 aparecem me-didas de segurança hemisférica. Cria-se um pacto de consultas que deveria ser acionado em caso de ameaça à paz regional, também se houvesse guerra entre países da própria região e, o mais importante para os EUA, em caso de guerra de fora da área que pudesse colocar em risco a paz dos países do conti-nente. Defendia-se ainda que não seriam reconhecidos territórios adquiridos à força. Reforça-se o princípio de não intervenção, aliás, de acordo com a nova tese da diplomacia norte-americana com a política da Boa Vizinhança. Aceitava-se ainda que não se poderia coletar débitos com intervenção, era o que previa a Doutrina Drago, que nunca fora levada em conta antes pelos EUA. E concordava ainda que se deveria resolver disputas internacionais com diálogo e não com guerras. (23) Mudara, apesar de momentaneamente, o tom das ações daquele país. É o primeiro documento regional que falava em se defender de agressões de países de fora. A Doutrina Monroe tocava no assunto, mas colocava só os EUA como o defensor contra essa invasão, agora entravam no pacto todas as nações da área. Os EUA sabiam e sabem das desavenças históricas entre países da América Latina. Algumas vezes, na busca de seus interesses, até estimulam isso. Aparecer num documento que se vai resolver disputa pelo diálogo e imaginar que os EUA estivessem interessados nisso supõe muita ingenuidade. Os fatos sugerem que ele esta-va interessado na parte não escrita de que a região não poderia sair de sua tutela e influência para a de outro país da Europa, por exemplo. Esse foi o escopo dos novos acordos, o restante entrava como discurso e retórica que os norte-americanos acham que a América Latina gosta muito. Exploram tam-bém outro comportamento latino-americano: a mania de se criar grupos de trabalhos e arrumar cargos e funções para pessoas de outros países. Quanto mais comissões e grupos diferentes em discussões entre países em que havia acrimônia histórica seria melhor para os interesses dos EUA. Colocam nos

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acordos o que lhes interessa e deixam o restante para o deleite de uma cul-tura que preza o formalismo, a pompa, cargos, discursos e funções que têm aparente força de mando.

O caso cubano é emblemático daquele novo momento entre os EUA e a América Latina. Os EUA tinham Cuba como um protetorado, a Emenda Platt estava na Constituição daquele país e permitia os EUA a agir militar-mente quando houvesse problemas políticos ou sociais. Desde 1924 os EUA apoiavam o complicado governo de Gerardo Machado, ele é expelido da pre-sidência em agosto de 1933. FDR já estava no governo. A situação econômi-ca de Cuba era dramática, o preço do açúcar caíra no mercado internacional, fonte principal de divisa do país. A situação política estava imbricada com a econômica. Frente à incômoda situação muita gente invocou a Emenda para que os EUA colocassem tropas na ilha para acalmar os ânimos. Ora, o novo governo dos EUA dissera que não haveria mais intervenções, não só em Cuba, mas em toda a América Latina. Se interviesse em Cuba matava a nascente política da Boa Vizinhança. Na América Latina, principalmente no Caribe e na América Central, cresceu a opinião de que a nova política dos EUA para a região não funcionaria. FDR deu um passo mais efetivo para matar esses comentários: em junho de 1934 a Emenda Platt desaparece. Os EUA manteriam, porém, a base militar em Guantânamo.

O problema social e político em Cuba tinha raízes no fator econômico, sem resolver essa equação continuaria quase na mesma a complicada situa-ção da ilha. O governo norte-americano precisava mandar uma mensagem mais concreta à região sobre suas novas intenções. (24) Como a Depressão era forte e precisavam de mercado comprador, aceitavam que o melhor ca-minho para ter influência na América Latina não seria mais intervenção armada e sim aumentar os laços comerciais. Tomam o caso cubano como exemplo a ser seguido: estabelecem novo acordo com a ilha em que aumen-tava a cota de venda do açúcar cubano para os EUA, também reduziu a taxa de importação sobre o produto. Cuba, em reciprocidade, reduzia suas taxas de importações em grande parte dos bens importados dos EUA. (25) Em 20 anos de acordo, Cuba comprava mais de 70% do que importava do exte-rior dos EUA, e mandava para lá perto de 70% de sua produção doméstica, exportava bens primários e recebia produtos industrializados. A indústria norte-americana vai penetrar em Cuba e praticamente em toda a América Latina, aos poucos substituindo a presença europeia nas trocas regionais. O comércio estava na base da política da Boa Vizinhança.

O caso brasileiro também é sugestivo. Brasil foi o primeiro país da Amé-rica do Sul a assinar o acordo de reciprocidade com os EUA, em fevereiro

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de 1935. O venda do café brasileiro para os EUA ficava sem muita restrição tarifária, o que ajudava a aumentar a produção no país. Mas, interessante-mente, o comércio do Brasil com a Alemanha também cresceu no período. Uma delegação alemã tinha vindo à América do Sul em 1934 para aumentar as trocas com a região. Um fato que não passou despercebido pelos EUA, e até dá para aceitar que sua atuação em tantas frentes regionais contra a Alemanha tinha isso no horizonte: poderia perder parte do comércio da região para os alemães. A Alemanha oferecia comprar do Brasil produtos como café, borracha e cacau, e vender bens industrializados e também arma-mentos. (26) Além disso, havia uma fatia da população brasileira que tinha ascendência alemã, era interessante para aquele país manter uma ligação saudável com o Brasil.

Seria interessante especular se essas movimentações externas com ale-mães de um lado e EUA do outro competindo pelo mercado brasileiro aju-dou a cimentar o regime de Getúlio Vargas. Os produtos agrícolas nacionais tinham dois dos melhores mercados do mundo para serem exportados. Fazia bem para o bolso do agricultor brasileiro, acomodava até o descontentamen-to paulista pela forma como Getúlio chegou ao poder. Ali se tinha a maior produção de café do país, e os mercados externos se ampliavam indepen-dente de se ter um paulista ou um mineiro no governo. Quem sabe Vargas e seu regime não teriam durado tanto se não fosse a abertura que o exterior naquele momento fazia para os produtos do país. E, em parte, explica tam-bém por que Vargas ficou numa aparente indecisão entre os EUA e a Alema-nha. Os fatos sugerem que o empurrão final do empréstimo dos EUA para a construção de Volta Redonda é que puxou Vargas para o lado dos aliados. A indefinição dele era pragmatismo puro.

Os EUA, portanto, atuaram rapidamente para dissipar dúvidas sobre sua nova política para a América Latina. Mandou logo recados e praticou ações para dizer que não haveria mais intervenções armadas. Criou até um clima po-sitivo nas relações, conquistou parte da população regional, apesar da diferen-ça de ganhos entre os lados. No lugar dos marines foi criado o modelo econô-mico da reciprocidade entre uma economia que produzia bens industrializados e as outras mandavam matérias-primas, e que ainda por cima não competiam, com as produzidas naquele país. Os EUA procuraram acabar com antigas in-tervenções ainda existentes com o Haiti em 1933, apesar de ter alguém ainda dos EUA no controle da alfândega do país, ato que só findou em 1941. A República Dominicana entrou também nos acordos, a alfândega voltou para o domínio do país. No Panamá, um novo tratado dizia que os EUA, apesar de soberanos no Canal, não interfeririam nos assuntos internos do país.

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Em 1937 houve pequeno entrevero com a Bolívia quando o país can-celou a concessão da companhia de petróleo Standard Oil. Conversações levam a um entendimento para pagamento das propriedades tomadas. No México, no governo Lázaro Cárdenas, houve também expropriação de bens de companhias de petróleo norte-americanas e tudo passava para o governo mexicano. Houve gritaria nos EUA contra a ação, até mesmo achavam que seria coisa do comunismo. Mas, outra vez, prevaleceu o diálogo, e o governo do México pagou indenizações às companhias expropriadas. (27) O novo momento que viviam os EUA levou o país a aceitar sem muitas reclama-ções a nacionalização do petróleo feita por Lázaro Cárdenas no México, em 1938. Se isso fosse feito em outra conjuntura histórica talvez os homens de negócios dos EUA tivessem forçado o governo do país a tomar medidas mais drásticas contra a ação do governo mexicano.

Veja como é a história. Cárdenas é tido com um dos melhores presiden-tes do México, a distribuição de terras e a nacionalização do petróleo estão entre os grandes atos praticados. Ele enfrentou os capitalistas do norte sem sofrer muitas consequências. Se isso tivesse ocorrido em outro momento tal-vez a reação fosse diferente, a história de Cárdenas, quem sabe, não fosse a que é hoje. O ponto de vista de que não há heróis e sim momentos heróicos ou que não é a pessoa que faz o momento, é o inverso, talvez se aplique àque-le caso. A conjuntura nos EUA não era propícia a invasões ou ações mais drásticas contra outro povo, nesse momento, atuou Cárdenas. Talvez possa ser dito em sua defesa que o brilhantismo dele foi perceber que o gigante do norte estava em situação complicada, e resolveu atuar. Não perdeu a oportu-nidade de agir em favor do interesse do seu país.

Uma das ações da política da Boa Vizinhança que merece atenção foi a desenvolvida na área cultural. O governo dos EUA criou, em 1938, com os tambores de guerra já sendo ouvidos, a Divisão de Relações Culturais praticamente voltada para a América Latina. Em 1940 apareceu o Office of Inter-American Affairs comandado por Nelson Rockefeller, e que foi extinto em 1946. (28) Para começar seu trabalho Nelson Rockefeller mandou fazer, em 1940, uma pesquisa de opinião pública nos EUA sobre a América Latina queria saber o que o norte-americano pensava da região. (29) Permitia-se aos entrevistados dar até 19 adjetivos para descreverem os latino-america-nos. De 40 a 50 por cento responderam que o latino-americano era emocio-nal, ficava bravo à toa, dominado pela religião católica, atrasado, preguiçoso, ignorante, e que se devia suspeitar dele. A mais forte das associações ou 80% era de região de povo de pele escura. Na faixa dos 20% até 30% citam a área como de gente ignorante, desconfiada, amiga, suja, orgulhosa e imaginati-

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va. Inteligente, honesto, bravo, generoso, progressista e eficiente ficaram na rabeira ou na faixa de 15% (inteligente) a 5% (eficiente). Nada de novo, é como o país olha a América Latina desde o início do contato entre os dois povos. Mesmo num momento especial e complicado por que passavam os EUA, com Depressão Econômica, precisando de mercados fora, seca pro-longada no oeste e guerra na Europa que poderia afetar interesses do país, a população dali não mudou sua impressão sobre o povo mais ao sul do Rio Grande. O governo sabia disso, aquela diferente aproximação entre os lados era conjuntural.

O artigo de Gisela Cramer e Ursula Prutsch (30) explica o que foi e o que fazia o Office, essa invenção norte-americana para o período da guerra. A preocupação daquele país era com a possibilidade de o nazismo conseguir penetrar na região, tinha que haver um trabalho para impedir a penetração comercial e ideológica. A segurança dos EUA estaria em perigo, acredita-vam. Havia ainda a preocupação de que a guerra traria problemas para a economia latino-americana pela queda no fluxo de comércio com os países em conflito. Problema econômico poderia trazer instabilidade política, fis-sura que poderiam aproveitar os alemães para penetrar na região. (31) A agência criada atuaria para estabilizar a economia da América Latina, para assegurar e aprofundar a presença dos EUA na região e para combater a ação de potências do Eixo nos setores cultural e comercial. Nomes de grande importância nos EUA, em diferentes áreas de atividade, fizeram parte do staff da agência. Gente de marketing, cinema, comunicação, empresarial e outras estavam ali. A agência teve 1.100 funcionários, 300 espalhados pela América Latina. Era uma operação de guerra mesmo, adidos militares se espalharam pela região. O FBI distribuiu também centenas de agentes pela América Latina para combater a expansão do nazismo. Essa nova e diferente presença norte-americana na América Latina foi até certo ponto aceita pelo clima criado pela política da Boa Vizinhança. Tudo era feito em torno de uma suposta unidade interamericana. Havia ainda no escritório Rockefeller grupos para trabalhos nas áreas de transportes, navegação e educação sob um suposto selo de unidade regional, tudo recebia o carimbo de interameri-cano. Não só isso, o Office também se preocupava com saneamento, saúde pública, alimentos, informação, propaganda e atividades culturais. (32) A América Latina acreditou que havia algo realmente novo no ar naquele relacionamento.

Como era de se esperar tudo voltaria ao que sempre existiu entre os EUA e a América Latina quando a guerra terminou. Foi um choque que pegou a classe intelectual, política e dos negócios despreparados para a se-

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paração rápida e sem nem dizer até a volta. Outra vez se percebe como faltam estudos na região sobre os EUA. Os acordos ou tapinhas nas costas são mesuras para esse ou aquele momento. A crença histórica naquele país sobre os latino-americanos não se muda do dia para a noite. Somente en-tendendo-os se pode ter um relacionamento mais positivo. Eles fazem isso e quem sabe país do tamanho dos interesses do Brasil pudesse abandonar esse receio em estudá-los

Voltando ao trabalho do Office. Um dos primeiros atos da agência foi criar uma lista negra de gente que tinha simpatia pelo nazismo, quem esti-vesse nela teria problemas nos EUA e seria considerado como inimigo. O trabalho da agência foi em consonância com a política externa do país. E esta, naquele momento, visava o nazismo e não perder para a Alemanha posição já adquirida na América Latina. Toda a atuação, em qualquer área, era no caminho dos interesses da política externa daquele país. No setor de transportes, por exemplo, o esforço foi para criar passagem de suprimentos ou matérias-primas para os EUA ou aliados usando meios diversos nos pa-íses, como as ferrovias no México ou Canal do Panamá. Ficavam de olho também na questão econômica para que os países não tivessem grandes problemas para não haver instabilidade política. Se houvesse seria mais fácil a entrada de gente e ideias que os norte-americanos não queriam. As ajudas nas áreas de saúde, alimentos e saneamento foram mais dirigidas para as ba-ses militares norte-americanas na região. (33) Era muita inocência acreditar que seria diferente.

No setor de propaganda já apresentavam as notícias em press release, trazendo a mensagem pronta para ler que queria a política externa do país. Havia rádio, artigos em jornais e revistas, fotografias, panfletos, o que fosse necessário para atingir a população e mostrar como eram positivos a cultura e o estilo de vida dos EUA e como estava equivocado o lado inimigo. Uma propaganda eficiente e diuturna na cabeça do povo latino-americano. A Divisão de Cinema, em cooperação com os grandes estúdios de Hollywood, incluindo a Disney, (34) produzia comerciais e filmes de acordo com a po-lítica da Boa Vizinhança. A propaganda não era somente de lá para cá, passavam documentários sobre a América Latina nos EUA. Cerca de cinco milhões de pessoas daquele país em 1944 assistiram essas informações sobre a região. Os filmes, os documentários e as notícias foram destinados ao povo de lá e ao de cá, cada caso com um tipo de informação para ajudar num entendimento sobre os dois povos. A Divisão de Assuntos Culturais patro-cinou tradução de livros de autores regionais, exibições de artes, concertos e conferências. Os EUA sabiam que os intelectuais da América Latina e a

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elite não achavam os norte-americanos um povo envolvido com arte, sim os europeus. A agência trabalhou também para mostrar um povo um pouco mais refinado, e que se preocupava com isso também. A intenção era se tornar palatável em qualquer segmento da sociedade da região, mas sabiam que a grande arma estava na arte popular do país, expressada no cinema e na música. Foi, afinal, a que mais ficou no imaginário da população. Foi um massacre na arte popular, o cinema levou milhões de pessoas a copiar ma-neiras, comportamento e expressões dos norte-americanos. A música nos filmes chegava até antes que os discos e atingia gente nos lugares mais lon-gínquos. A conquista regional foi feita de forma subliminar. Praticamente empurraram para longe da América Latina a presença cultural francesa e até inglesa de antes.

Artistas de Hollywood embarcaram em excursões pela América Latina, tornava-se mais fácil mandar pessoas conhecidas por causa dos filmes para um país para ganhar mentes e corações sem muito esforço. O Rio de Janeiro na época recebeu alguns deles, praticamente desaparecem depois da guerra. No lado educacional o Office procurou combater qualquer influência do Eixo nessa área. Fechar escolas que ensinavam em alemão, como no sul do Brasil, fazia parte do arsenal de guerra montado. Produzem livros escolares sobre a região, algumas escolas nos EUA passam a ensinar português e espa-nhol. Criam revistas em português, espanhol e francês para mostrar como os EUA eram poderosos, industrializados, militarmente fortes e como poderiam se defender. Propaganda para valer mesmo.

O setor de cinema foi onde mais atuou a propaganda dos EUA. O inimi-go, o outro, era o nazismo ou o fascismo, o lado correto, de todas as virtudes humanas, estava com os EUA e os aliados. O artigo de Clayton R. Koppes e Gregory D. Black (35) mostra como atuou a indústria cinematográfica no período da guerra. O Office of War Information teve força sem preceden-tes sobre Hollywood. Tinha que passar pela censura dele que tipo de filme se pretendia fazer. Teria que ser sempre algo que glorificasse a democracia e demonizasse o adversário na guerra, a intenção era conquistar mentes e corações interna e externamente. Os autores citam alguém que disse que a maneira mais fácil de injetar propaganda na cabeça de uma pessoa seria atra-vés de filmes, e que ela não percebe que está sendo conduzida para onde a propaganda quer. O cinema foi o mais poderoso instrumento de propaganda. (36) Foi criado um Manual para a Indústria Cinematográfica que detalhava como deveria ser um filme. Deveria, inclusive, ser mostrado que se o fas-cismo ganhasse a guerra haveria destruição dos ganhos democráticos, dos direitos políticos, e que haveria discriminação racial. (37)

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É estranha essa proposição tendo em vista a situação nos EUA do negro e até de certos grupos de imigrantes. Essa discriminação se estendia aos ín-dios e àqueles que pareciam índios abaixo do Rio Grande. A América Latina era negra, índia e mestiça e, no caso, discriminada. O Manual dizia que os fascistas é que seriam racistas. Não dá para resistir em fazer mais uma coloca-ção. Quando a Rússia entrou ao lado dos aliados na II Guerra, a indústria do cinema mudou o foco anterior sobre um Joseph Stalin complicado e inimigo para um novo que falava em amizade, e que americanos e russos eram irmãos na luta contra o outro inimigo. (38) Está certo Schoultz quando escreve que a grande potência faz o que quer e as outras têm que aceitar a situação. Enfim, Hollywood fez o dever de casa na guerra. No caso da América Latina seu dever foi criar filmes próprios e estilizados sobre a região. Os assuntos da área estavam tão bem encaminhados com o escritório de Rockefeller que o tema cinema nem ficou sob a guarda do Office of War Information, ficou com a coordenação do Inter-American Affairs mesmo. (39)

É um dado interessante (40) a influência que a música latino-americana teve nos EUA naquele fugaz namoro da época da Boa Vizinhança. Intelectu-ais e músicos dali descobriram o mambo, o tango, a rumba, o samba, a salsa, os ritmos mexicanos. Observam a proximidade nas músicas das raízes negras de lá e do Caribe, por exemplo. Cuba foi até entronizada como lugar de mú-sica que influencia outras nos EUA. A música pode dizer muito da maneira de ser de um povo. Um antigo filósofo escocês (41) dizia que não estava in-teressado em quem escreveu as leis de um país, mas queria saber quem e por que se escreveu as músicas que refletem mais a opinião de um povo do que se pode imaginar. E, lendo os sinais errados, parte da intelectualidade latino-americana acreditou que poderia haver um trabalho conjunto entre os dois lados do continente. Isso não se realizou e provocou mais tarde desânimo e frustração regional com os EUA. E talvez dure até hoje.

Paralelamente às ações nas áreas econômica e cultural os EUA coman-daram outras em matéria de segurança hemisférica. Os acontecimentos na Europa fizeram aparecer uma série de ações nessa direção. Lá atrás, em 1936, no encontro pan-americano de Buenos Aires, apareceram propostas para garantir a segurança da área, também em Lima, em 1938, em outro encontro de todos os países da América Latina com os EUA. Era como se na Europa estivesse sendo criada uma nova Santa Aliança que ameaçava a integridade e a independência dos países da região. (42) Antes apareceu a Doutrina Monroe, agora, diante de um novo tempo, propunham-se atos de segurança, incluindo os próprios interessados ou as nações latino-americanas. A Dou-trina fora um ato unilateral, agora usavam um caminho diferente. Não foi

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bem assim, os EUA agiram por conta própria mais tarde quando se jogaram no caldeirão dos problemas que enfrentava o mundo e não ouviu a América Latina sobre essas ações.

A declaração de Lima dizia que, se a paz ou a integridade de qualquer nação do continente fosse ameaçada por um poder de fora, a resposta viria em conjunto na defesa dos interesses de todas as repúblicas da área. A ata final do encontro continha 110 resoluções, declarações e recomendações. Num outro momento foi criado um corpo de sete juízes (43) encarregados de estudar e recomendar atos para que as nações da área ficassem neutras no conflito que avizinhava na Europa. Uma criação estranha e sem sentido prático, própria do estilo latino-americano. Mais tarde o chamado comitê pan-americano de neutralidade foi mudado para o comitê judicial que ficaria encarregado dos problemas jurídicos nascidos da guerra e também para de-cisões no pós-guerra. (44) São criações a que os norte-americanos não dão nenhuma importância, atos mais para satisfazer a maneira peculiar latino-americana. Cada país teria direito de indicar pessoas para cargos aparen-temente importantes, o que acalmava os descontentes. O que interessava aos EUA era o comprometimento de que não se permitiria invasões ou a presença de um poder de fora, e que ameaçava a hegemonia dos EUA na América Latina, fato que levara tempo para se concretizar. Com os novos atos e encontros, mais acordos comerciais e demonstrações de boa vontade, incluindo a aproximação cultural, quando veio a guerra com o nazismo, com raras exceções, os EUA contaram com o apoio da maior parte dos países da América Latina sem esforço adicional.

Quanto mais fatos aconteciam na Europa mais ocorriam encontros. Um novo foi no Panamá em outubro de 1939, para reforçar a neutralidade dos pa-íses da região no entrevero que crescia na Europa. Outro encontro de Minis-tros das Relações Exteriores ocorreu em Havana em 1940, e decidiram que, de forma coletiva ou individual, (45) não permitiriam que países de fora da região tomassem alguma colônia da França ou da Holanda. A decisão, cons-cientemente ou não, autorizou os EUA a tomarem medidas militares sozinhos. Quem tinha condições de fazer algum enfrentamento militar era aquele país. Vê-se nos encontros e suas diferentes decisões que os EUA permitem um bo-cado de propostas como se estivessem consultando seus aliados, mas colocam sempre o seu principal interesse. E a intenção maior naquele momento seria não perder para outra potência a influência na região que o país tomara tem-po para ter e estava ampliando com os novos tratados de comércio.

As decisões sobre neutralidade e também a de consulta prévia, como era de se esperar, desaparecem com a presença dos EUA no conflito que

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crescia mais ainda na Europa. Os EUA socorrerão a Inglaterra e outros paí-ses contra o nazismo, incluindo a Rússia. Criaram uma série de ações apro-vadas pelo Congresso para vender ou emprestar material que ajudasse os aliados na guerra, como a troca de navios por base militar, o cash and carry ou ainda o lend lease. Seria feito, era a decisão, por motivo de segurança do próprio país. Não há uma só ação ou palavra nesses atos que ajudam a so-correr países como a Inglaterra em sérias dificuldades na Europa que tenha um simples palpite de algum país latino-americano, a consulta prévia entre as nações do hemisfério nunca foi pedida. Não se está falando nessa consulta prévia que os EUA iriam submeter suas ações futuras a tratados assinados na região, mas de pelo menos informar os aliados novos ou de ocasião sobre passos tomados que poderiam envolver os EUA e levá-los à guerra, um fato que afetaria a América Latina. O interesse das nações da região estava em jogo, portanto. A desconfiança histórica dos EUA no latino-americano leva à especulação de que talvez aquilo não tenha acontecido com receio de que vazasse algum tipo de informação para lados adversários. O que os EUA que-riam e conseguiram nos acordos feitos foi autorização para que aquele país defendesse seus interesses na América Latina. Não consultaram ninguém sobre qualquer movimentação rumo à guerra, e os protocolos de neutralida-de eram letras mortas. (46) Além disso, os EUA sabiam e sabem que não há unidade ou posicionamento único entre os países da América Latina, não é difícil provocar acrimônia entre países da área. Ou, como escreveu um diplo-mata peruano em 1941, Felipe Barreda, sendo estimuladas as desavenças é mais fácil para os EUA dominarem a região. (47) Eles agem na defesa de seus interesses, exploram, se necessário, as desavenças regionais ou entre países que existem por décadas ou séculos. Discutir se isso é ético ou não, é mais para o plano filosófico, e não das disputas entre nações.

Não existiria defesa continental se houvesse problemas econômicos gra-ves e na defesa de seus objetivos, e buscando segurança numa guerra que se aproximava, os EUA tomaram medidas para estabilizar o preço do café, o assunto era de interesse de 14 nações latino-americanas. Cria-se uma comis-são, em 1940, que divide o mercado norte-americano do café em cotas para cada país. Outras matérias-primas próprias para o esforço de guerra também recebem incentivos e apoios dos EUA para serem produzidas na região, o caso da borracha no Brasil. e a história mostra sua influência por um curto período na economia de parte do país. (48)

Não deixa de ser interessante especular se os diferentes acordos comer-ciais daquele momento, onde a região fornecia bens do campo para o mer-cado norte-americano pode ter ajudado a manter governos autoritários e

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com pitadas de populismo na América Latina. Os países estavam vendendo seu principal item de exportação com preços adequados, com taxações me-nores e com pedidos seguros por causa das cotas. Com a economia de um país apresentando dados positivos, se não para a maioria da população pelo menos para parte da elite, provocava certa estabilidade política, e quem sabe foi bem aproveitada em países diferentes pelo ditador do momento. Durante a guerra a América Latina vendeu mais de 50% de suas exportações para os EUA, e recebeu mais de 60% das importações daquele país. O cerco, que começou em 1928 com a decisão de acabar com a diplomacia do dólar ou do grande porrete, completou seu círculo. Mais um dado naquele relaciona-mento de ocasião foi que, com o crescimento da política de exportação, fal-taram bens na América Latina, o que provocou alguma inflação, e as pessoas mais pobres pagavam por isso. E mais: os preços dos produtos primários não cresceram e, no final, a área latino-americana perdeu mais que ganhou com aquele aparente crescimento das transações comerciais. (49)

Outro fato sugestivo daquele período promovido pelos EUA foi o tra-balho do FBI na América Latina para combater atos de agentes nazistas. Calcula-se em 360 o número de agentes do FBI na região trabalhando para conter propaganda nazista. Criavam listas negras de gente daqui que tinha ligação ou fazia negócios com países do Eixo. (50) Publicaram uma lista de 1.800 pessoas e firmas comerciais da América Latina que supostamente te-riam simpatia pelo Eixo, e que seriam tratadas como se fossem nazistas, não teriam a benevolência dos EUA. (51) Atuavam como se estivessem em casa, na verdade, uma interferência nos assuntos dos países e contrários ao espíri-to da política da Boa Vizinhança. Faziam esse trabalho paralelamente ao da segurança interna de qualquer país. Alemães e italianos, menos na Argenti-na, foram detidos aos montes.

Houve também um significativo aumento de adidos militares nas embai-xadas dos EUA pela América Latina, procuravam manter ligações íntimas com os militares da área. Em 1938 havia missões militares somente em cinco países da região, já em dezembro de 1941 havia um adido militar em cada embaixada dos EUA. (52) Começa um relacionamento mais aprofundado entre os militares dos dois lados do Atlântico com treinamentos, venda de material militar, serviço de inteligência. Essa ligação foi além daquele tempo, aquele trabalho feito lá atrás para conter o nazismo nos países rendeu frutos maiores durante a Guerra Fria no enfrentamento com o comunismo. (53) A raiz dessa aproximação foi antes e durante a II Guerra. O resultado político interno foi visto mais tarde com a chegada dos militares ao poder em quase toda a região a partir da década de 1960. A ligação entre os militares foi o

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instrumento que substituiu outras formas de pressão externa dos EUA, como a Emenda Platt ou o Corolário Roosevelt. Essa aproximação e união foi mais útil e menos custosa em imagem do que as outras. Percebe-se uma linha mestra na ação dos EUA na América Latina: unir-se a grupos internos. Um momento é um lado político que quer continuar ou voltar ao poder e pede o apoio dos norte-americanos para a empreitada. Outro momento se junta a um segmento como o militar, que busca diferentes tipos de benefícios para controlar, ter ou aumentar poder.

O Brasil, por se alinhar com os EUA, acabou se beneficiando um pou-co com a II Guerra. Do dinheiro do lend lease destinado à América Latina cerca de 450 milhões de dólares (1% do que foi destinado aos países aliados na Europa), algo como 70% do total ficaram com o Brasil. (54) Recebeu-se empréstimo para se construir a usina de Volta Redonda, em troca o país ce-deu aos EUA uma base militar no Nordeste, lugar onde os norte-americanos imaginavam que o nazismo poderia estabelecer um ponto de apoio para suas ações na África. Outro receio dos EUA foi com a enorme costa nacional, e que isso poderia facilitar a presença de forças do Eixo por aqui. Com o alinhamento com os EUA, pelo jogo diplomático na América do Sul e por ter mandado 25 mil soldados para lutar na Itália, o Brasil acabou se benefi-ciando um pouco com a guerra. Uma guerra em que os EUA lutaram prati-camente sem apoio da América Latina. Nem o Brasil e nem nenhuma na-ção latino-americana participou em decisões militares maiores que os EUA tenham tomado mesmo tendo sido criado, em 1942, o Comitê de Defesa Inter-Americano. Aqueles acordos, reuniões e encontros de antes, tratados de cooperação e apoios mútuos, de consultas prévias ou neutralidade, nada foi levado em conta pelos EUA quando decidiu por essa ou aquela ação re-ferente à guerra. Aquilo serviu apenas para aumentar a segurança dos EUA, para manter abertas as rotas de suprimento desde que as potências do Eixo não estivessem preparadas para invadir a América Latina. (55) Nunca hou-ve nenhuma intenção de cooperação militar com a região (o caso brasileiro na Itália foi a única exceção).

Para se ver como era desprezada a presença de latino-americano numa operação de guerra talvez seja interessante mostrar o que escreveu Lars Schoultz sobre observações feitas por norte-americanos nessa suposta par-ticipação militar de gente da região junto com os EUA. (56) Um membro do Departamento de Estado pediu aos militares numa reunião que eles acei-tassem as ofertas de países da área para colaborar na guerra. Um almirante falando por todos disse que os latino-americanos não tinham sido úteis em nada, que ele tinha se esforçado muito para encontrar alguma coisa que eles

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pudessem fazer, mas que ficasse claro que eles fariam somente sugestões, e que os norte-americanos não tinham nem que prestar atenção nelas. Na mesma reunião foi proposto que os cubanos tomassem conta das bases aéreas dos EUA em Cuba; um general disse que o trabalho feito por cubanos seria até pior do que se nada fosse feito. Continua o autor a levantar dados sobre o que pensam os militares e não militares nos EUA sobre a atuação militar dos latino-americanos. Em 1818 perguntaram a John Quincy Adams em que a América do Sul poderia colaborar com os EUA, ele falou que a região pediria dinheiro e armas e sua incompetência iria atrapalhar a ação militar deles. Em 1950, depois da guerra, foi produzido um documento sobre a atuação da América Latina no conflito, e foi dito que com uma única exceção (Brasil) não houve nenhuma colaboração da América Latina na defesa do hemisfério ocidental. Em 1940, durante a guerra, apareceu um memorando que dizia que não havia nenhuma intenção daquele país em ter os latino-americanos como aliados concretos na guerra. O que queriam eram bases militares, ma-térias-primas e combate a agentes nazistas infiltrados na região em troca de ajuda militar. Conta ainda o autor o que colocou num diário o Secretário de Guerra, Henry Stimson, questionando a habilidade dos latino-americanos em realizar qualquer tarefa pequena.

O autor conclui com o óbvio de que a política da Boa Vizinhança não mudou a imagem que os latino-americanos têm nos EUA. Foi uma ação de um momento e em benefício de uma situação interna e externa dos EUA. Espicaça a região ao dizer que foram feitos encontros de alto nível entre as partes, visitas de chefe de estado com alguma fanfarra e criação de novas burocracias para institucionalizar ações de pan-americanismo. Sabem que os latino-americanos gostam disso, e lhes deram o que queriam, mas não pas-sava de ações de superfície, sem nenhuma profundidade e que influenciasse o povo norte-americano ou até mesmo seus líderes. O que os EUA queriam com a política da Boa Vizinhança era ganhar dinheiro para ajudar a melhorar sua economia e depois segurança perante um mundo em efervescência.

O militar e historiador de Atenas, Tucídede, escreveu que as grandes nações fazem o que querem e as menores têm que aceitar a situação. (57) Pa-rece que ele escrevia sobre a distante América. Este é o princípio que existe na relação dos EUA com a América Latina. E o caso ficava ainda pior, a força descomunal dos EUA inibiam outros países, não queriam desafiá-lo na região que se tem no mundo como área de influência daquele país com receio de perder negócios com aquele mercado. O que é mais vantajoso, o mercado latino-americano ou o do gigante ali do norte? Uma presença acachapante dessas, até sem esforço adicional, isolava mais ainda a região.

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Os vizinhos ainda compram da Europa.North American, 1902, in John Johnson

Theodore Roosevelt e a política do Big Stick.New York Herald, 1904, in John Johnson

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Alijando a velha Europa. As palavras devem ser lidas ao contrário.Ohio State Journal, 1916, in John Johnson

Ensinando democracia.New York Times, 1963, in John Johnson

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O herói norte-americano protegendo a feminina Cuba contra a vilã Espanha.Puck, 1896, in John Johnson.

Tio Sam e a feminina América Latina.Hartford Times, 1963, in John Johnson

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Tio Sam dá remédios para acalmar as crianças.Milwaukee Sentinel, 1907, in John Johnson

Tio Sam corta um galho para educar uma criança rebelde.Baltimore Sun, 1910, in John Johnson

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Tio Sam ajudando a crescer a república de negros. O negro norte-americano pede o mesmo tratamento.

Ram’s Horn, 1903, in John Johnson

Tio Sam fazendo barba e cabelo da “república de negros”. Washington Post, 1905, in John Johnson.

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Ensinando o latino-americano a governar.Harper’s Weekly, 1898, in John Johnson

O Brasil e seus problemas.Kansas City Star, 1965, in John Johnson

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A América Latina não tem classe média.The Herblock Gallery, 1968, in John Johnson

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na guerra Fria

Em 1946, em Fulton, Missouri, Winston Churchill fez o famoso discurso em que falava em “cortina de ferro”, propunha a união de esforços dos EUA e da Inglaterra para conter a expansão do comunismo. Os norte-americanos gostam de dizer que meses antes o diplomata George Kennan, baseado em Moscou, conclamara o governo dos EUA a endurecer o jogo contra a União Soviética. FDR morreu em abril de 1945, assumiu a presidência Harry Tru-man (1945-1953). Em julho de 1945 houve o encontro dos “três grandes” em Potsdam, ali começa a se estabelecer as fronteiras de uma nova Europa. A América Latina é tratada na conferência como uma região não só sob influência dos EUA, mas dependente deles, não tem importância nas dis-cussões. Em 1947 surgirá a Doutrina Truman de contenção ao avanço do comunismo em qualquer lugar do planeta. Começou na prática quando o governo inglês declarou que não podia ajudar mais o lado político na Gré-cia que lutava contra insurgentes de esquerda. Os EUA assumiram o lugar deles, a ex-colônia tomou o lugar da ex-metrópole na arena internacional. Essa decisão de combater o comunismo onde quer que fosse necessário foi aprovada em ato bipartidário nos EUA, Republicanos e Democratas concor-daram com ela.

Imagine uma decisão nacional dessas surgindo na potência que domi-naria uma parte do mundo depois da guerra, e as consequências disso para a América Latina. Uma área de influência deles, cuja ação, certa ou errada, vem lá de trás com a Doutrina Monroe e seu Corolário, a diplomacia do dólar ou do grande porrete, com a política da Boa Vizinhança a as ações durante a II Guerra, mais investimentos na região e a tese da segurança na época do nazismo e agora com o comunismo. Será complicada a situação da América Latina no contexto da Doutrina Truman. A área era (e é) pobre, com ins-tabilidade econômica e política crônica, tendo ainda o exemplo do sucesso

Capítulo V

u

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soviético e o apelo que tem o socialismo para resolver problemas dos mais pobres. De um lado a contenção à expansão do comunismo criada nos EUA por decisão bipartidária, do outro a realidade latino-americana. Poderia ser juntada ainda a frustração dos intelectuais e de parte da classe empresarial com o abrupto desfecho da política da Boa Vizinhança, em que tudo o que houve antes desapareceu, com frustração geral. Segmentos sociais caminha-ram para o lado soviético e encontraram a má vontade dos EUA.

Os EUA, no início de seu expansionismo externo, davam atenção política e militar para a região, principalmente no Caribe e na América Central; foi a época do aprendizado em terras alheias. Depois do domínio militar veio o eco-nômico, meio mais eficaz de dominar. Mais tarde, com a II Guerra, jogam-se na arena internacional, é o novo grande jogador no tabuleiro político que se abre no mundo no pós-guerra. A América Latina, que já não gozava de prestígio perante a política externa daquele país desde algum tempo, passa a ter menos prestígio ainda. Os fatos novos mundiais empurram os EUA para um fogaréu que se abriu no mundo. Os norte-americanos, desde a guerra, já estavam na América Latina em ligações estreitas com os militares através de encontros, conselhos de segurança, treino de pessoal, adidos militares. Como deveriam dedicar mais atenção ao que acontecia na Europa e em outros lugares, pela lei do menor esforço, juntam-se aos militares na América Latina na repressão aos movimentos de esquerda. Usaram as pessoas daqui mesmo na busca de seus objetivos de política externa. Ajudavam no combate com treinamentos, dinheiro, serviço de inteligência e, se preciso, derrubavam governos.

Voltando aos passos iniciais da Guerra Fria. No outro lado, os soviéticos também estendiam sua área de influência, espalhavam sua força e domínio para o leste europeu na Polônia, Tchecoslováquia, Romênia, Albânia, Hun-gria e Alemanha do leste. As duas maiores potências militares do pós-guerra, EUA e União Soviética, se colocavam como líderes dessa disputa que trouxe consequências dramáticas para a América Latina. Em 1947 os EUA criaram o Plano Marshall para tentar estabilizar economias da Europa Ocidental, receio de que, na confusão, algumas caíssem para o lado do socialismo. A União Soviética não permitia que países do seu bloco participassem do Pla-no Marshall, e criou um plano alternativo que vai desembocou em 1949 no Comecon ou Conselho para Assistência Econômica Mútua. Os atritos começaram entre os lados: o bloqueio de Berlim em 1948-1949, a Guerra da Coréia (1950-1953), o Vietnã (1959-1975|), Cuba indo para a esquerda e a crise dos mísseis em 1962 e o Afeganistão em 1979-1989. Criaram-se no lado militar a Nato e o Pacto de Varsóvia: é dentro dessa moldura mundial a América Latina se viu envolvida, uma era dramática para a região.

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A relação dos EUA com a América Latina, como já dito, mudou depois da Guerra Mundial. A crise econômica acabara nos EUA desde a entrada do país na guerra em dezembro de 1941, com a produção voltada para o esforço de guerra a economia embalou outra vez. Depois do grande conflito, com os EUA passando a ser potência do momento mundial, a fala de aju-da aos latino-americanos, trabalhar juntos na direção do desenvolvimento, desaparece. A iniciativa privada e o jogo próprio do capitalismo deveriam conduzir o processo e não ajuda dessa ou daquela forma. Até o argumento da defesa do meio ambiente praticamente desaparece com a certeza de que a tecnologia ajudaria a enfrentar o problema da natureza sem destruí-la. Essa aceitação sobre tecnologia é mais forte depois da explosão da bomba atô-mica, dominava-se essa se poderia ter outros avanços tecnológicos. O que prevalece naquele país é a imagem antiga de uma América Latina atrasada, e continuar assim, não havia classe média, aquela que dava base a tudo, havia uns poucos ricos e a maioria miserável. Até as falas politicamente corretas da época da Boa Vizinhança desaparecem. É uma característica interessante dos EUA: quando está em alta na política e na economia o comportamento do país é num sentido, quando se está em baixa muda a postura. Lá na fren-te, se as coisas se ajeitam, volta-se ao que era antes.

Nos EUA, depois da luta contra o nazismo, em defesa da democracia e da economia de mercado, acende-se no povo norte-americano a certeza de que estavam ao lado da verdade, os princípios defendidos pela nação seriam os corretos. Tudo o que havia se falado antes sobre aspectos negativos do ca-pitalismo, de defesa da natureza, de que a América Latina tinha qualidades, desaparece frente a um novo momento. Passam a acreditar que o crescimento constante é possível, que o meio ambiente pode ser domado pela tecnologia e mais ainda nas virtudes da classe média. Prosperidade, lucro, melhora de qualidade de vida, estilo agressivo para se conseguir isso, passa a ser tônica da vida nacional outra vez. E, nesse contexto, a intenção de se aproximar da América Latina, de ajudar a região a crescer, de achar que aqui possuía quali-dades interessantes, praticamente desaparece. Entrava-se, depois da II Guer-ra, num outro patamar de relação com a América Latina. Mais capitalismo, menos ecologia ou ajuda aos mais pobres, mais ganhos, mais mercados para comércio, associação com a elite local na busca de negócios, compra de maté-rias-primas mais baratas, transformá-las para vender bens industrializados na área. A época da política da Boa Vizinhança desapareceu e afetou o humor da nascente classe média regional, principalmente do mundo intelectual.

Os filmes de Hollywood voltaram a mostrar quase os mesmos estereó-tipos, não tão claros como antes porque havia interesse em vender os filmes

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na América Latina e atrapalhava os negócios se fossem repetidas as mesmas e antigas agressões. Elas agora eram mais sutis, mais elaboradas, mas estavam lá. E o cinema norte-americano quase sempre segue a tendência da nação sobre a América Latina. Quando se observa como a imprensa trabalha os assuntos da área e como o homem comum vê os latino-americanos sabe-se que Hollywood seguia a mesma trilha. Aceitando o que pensa a maioria dali é que se faz dinheiro. Fazer filmes altruístas em benefício de uma suposta união de interesses entre os dois mundos não atraía o espectador que pen-sava na direção oposta. Faziam-se filmes que agradavam e atraiam gente para assisti-los e mostrar a América Latina que está no imaginário dali era o caminho mais fácil.

A América Latina, depois da II Guerra, de forma geral, abraçou os ide-ais dos ganhadores do conflito, caminhou para governos mais democráticos. Alguns até acreditaram que haveria apoio econômico que ajudasse a área a melhorar seus índices sociais e humanos. A população crescia, as gran-des cidades recebiam cada dia mais gente, havia problemas de saneamento, habitação, transporte. Uma expectativa correta, mas fora da realidade do momento. Os EUA, a maior potência do mundo ocidental, voltava-se para a estabilização da Europa e da Ásia e contra a expansão do comunismo em qualquer lugar. A América Latina, mais uma vez, passou a ser secundária na política externa daquele país. Já dominavam a economia da área e que precisava de recursos e tecnologia deles, não tinham por que se preocupar tanto com uma região que estava sob sua influência desde décadas atrás. A política de Washington passou de regionalismo para internacionalismo. (1) As reuniões dos EUA, do meio para o fim da guerra, foram com a Inglaterra, a União Soviética ou até mesmo com a China e não com os supostos aliados regionais dos norte-americanos. O sonho de ter um Plano Marshall para a região nada mais era do que sonho. Outro sonho logo desfeito estava na questão de segurança regional. Nos tempos da guerra falava-se que no sis-tema interamericano todos os países tinham voz igual numa decisão. Veio a ONU e ali se estabeleceu que o Conselho de Segurança teria direito de veto sobre a decisão do corpo inteiro daquele sistema de consulta e segurança. As decisões regionais anteriores caíram perante uma decisão daquele porte, os EUA tinham poder de veto naquela instituição maior, e não iria se submeter a dividir decisão num fórum menor. E mais ainda sendo a única potência em assuntos militares.

A América Latina, na elaboração dos tratados e acordos, acredita nas propostas e acenos de cooperação, depois vêm as frustrações, é por isso que nos EUA se diz que a região é ainda infantil em fazer política. Os norte-

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americanos sabem também da separação e divergência entre países da área que transcendem acordos ou boa vontade, é quase impossível haver voz úni-ca numa decisão. Além disso, uma oferta de ajuda financeira ou de abertura comercial a esse ou àquele país pode fazê-lo mudar de ideia, aceitar o ponto de vista dos EUA. Ou ainda a ajuda militar a um ditador ou grupo no poder pode levar a decisão de um país para o lado que os norte-americanos que-rem. Um país, EUA, falando uma só linguagem. Os outros sem unidade e precisando da potência maior para resolver problemas sociais ou econômicos em casa. Era e é uma situação desigual e complicada, e que os EUA soube-rem e sabem muito bem como explorar.

Mesmo diante desse quadro houve ainda tentativas incipientes para se aproximar os lados. Em 1945, num encontro no México, a Ata de Chapul-tepec (2) fala em segurança continental. No lado econômico a decisão era óbvia e foi a base do que os norte-americanos fariam na região, os EUA defendiam livre comércio e atuação de empresas privadas. (3) A região se beneficiaria economicamente, empregos cresceriam, deveria abrir suas eco-nomias para que as forças de mercado encontrassem o melhor caminho. A América Latina queria suporte para industrialização e preços para seus pro-dutos em patamares aceitáveis; com o fim da guerra, os EUA quase que abandonam as ações para estabilizar preços ou comprar por cotas, aparece uma sequência de problemas econômicos regionais. Os EUA deram mais recursos entre 1945 e 1952 para a Bélgica e Luxemburgo (4) do que todas as nações da América Latina juntas. Mesmo para país como o Brasil, que ajudou na guerra, a complacência encurtou, é que se olha a região de forma igual, não há diferenças, o pacote é um só, incluindo quem mandou 25 mil soldados para a guerra na Europa. Os EUA também não acreditavam que na região tivessem governos eficientes e aptos para administrar supostas ajudas. Até hoje, como desculpa ou acreditando mesmo no ponto de vista, dizem que não dão ainda mais ajuda à América Latina com receio de que os recur-sos não sejam aplicados com honestidade, e que não têm meios de impedir que aconteçam falcatruas. É parte da concepção de lá de que a região, como não filha da ética protestante, usa meios não republicanos com o dinheiro emprestado ou doado.

Em 1947, como já se esboçava o combate ao comunismo no mundo, incluindo a América Latina, aparece uma conferência de interesse dos EUA. No Tratado do Rio, outra vez, a América Latina concordou com praticamen-te a única coisa que os EUA buscavam. Ficou estabelecido que um ataque de potência estrangeira a qualquer nação da área seria tomado como um ata-que contra todos os países da região. O tal ataque não teria resposta militar

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imediata, dependeria de uma reunião de Ministros das Relações Exteriores de todos os países, e para se ter a decisão precisava-se de dois terços de aprovação dos votantes. Um autor (5) interpretou que foi uma boa decisão para a América Latina, impediria os EUA de invadir países da região se não houvesse aquela aprovação dos dois terços. Talvez o assunto possa ser visto por outro prisma. Os EUA não se comprometiam em defender nenhum país na bucha de um suposto ataque, precisaria consultar e ter aprovação de mui-tos países da área. Nesse meio tempo analisaria se seria interessante ou não assumir aquele risco. Era o único militarmente forte, só ele poderia aventurar numa imaginada defesa dessas. Por outro lado, se quisesse invadir um país, como veio a ocorrer com a República Dominicana em 1965 ou na derrubada de Jacob Arbenz na Guatemala em 1954, não precisaria pedir opinião de ninguém da área. Atuaria, como atuou antes, de forma unilateral. Como única potência militar era quem estava pronto para fazer invasões.

Tem hora que dá quase para acreditar que falta mesmo amadurecimento político regional. É verdade que a América Latina dependia do capital, tec-nologia e mercado dos EUA, e isso também empurrava a área a aceitar coisas que não parecem comuns no mundo do relacionamento entre nações. Mas a Europa, se cabe o paralelo, devastada pela guerra, precisando da mão esten-dida dos EUA, não ia fazer acertos se a sua diplomacia não pudesse justificar mais tarde. Há sempre um compromisso com a história. Na América Latina não funciona assim, fatos mostram que países aceitam tomar lados se houver uma compensação que satisfaça a uma determinada situação interna. Não há nem o receio de ser cobrado pela história. Exemplos abundam.

Na luta contra o comunismo, na Guerra Fria que se estabelecia, os EUA forçaram que a região rompesse relações diplomáticas com a União Soviéti-ca, entre 1947 e 1952, com exceção do México, da Argentina e do Uruguai, todos os outros países tinham rompido com Moscou. Internamente, sempre na linha proposta pelos novos tempos da guerra contra o comunismo pelos EUA, os países na América Latina restringiam a atuação dos partidos comu-nistas, perseguiam seus membros, atacavam os sindicatos. Outra vez a região se alinhava a uma ação de política externa dos EUA.

Apenas como exercício de imaginação é interessante ressaltar uma vez mais que quase sempre o Brasil se punha contra o que a Argentina defendia. Em muitos momentos, desde o início do século XX, quando era forte a eco-nomia do país vizinho, o Brasil se alinhou com os EUA e contra a ação dos argentinos. Era a política criada por Rio Branco de alinhamento quase que automático com a potência que nascia, e se contrapondo à união da Argenti-na com a Inglaterra. Mas, apenas para arguir, se o Brasil jogasse junto com os

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argentinos e vice-versa talvez a região tivesse conseguido mais benefícios até mesmo junto aos EUA. Economias menores juntas poderiam forçar algum tipo de acerto que fosse vantajoso para os dois países. Mas é sonhar demais acreditar que naquele tempo haveria, tendo em vista a história e os interes-ses do Brasil e da Argentina, esse tipo de entrosamento. E os EUA sabiam da divisão entre eles, nada mais cômodo do que explorar, se necessário, a situação existente.

Estamos ainda no rescaldo do fim da II Guerra. Os EUA diziam que a Europa, por causa dos problemas trazidos pela devastadora guerra, deveriam receber ajuda para sair da miséria (não se falava a mesma coisa para a misé-ria da América Latina), não dá chance para o crescimento do comunismo. Toca-se nesse tema mais uma vez porque ele será a base da relação econômi-ca dos EUA com a América Latina naquele longo período. O Secretário de Estado, George Marshall, traçou o rumo num encontro em Bogotá em 1948, quando disse que o dinheiro para a América Latina deveria vir da iniciativa privada, que os EUA (6) estavam concentrados na Europa com receio da expansão comunista. Por aquela época não estava ainda tão forte o receio de se espalhar as ideias de Moscou para a América Latina, a área não mereceu muita atenção. Havia nos EUA o receio de que a França e a Itália caíssem para o lado comunista e que, se ocorresse, por causa dos muitos italianos na América Latina, e porque era forte a presença da cultura francesa na área, poderia a região ser influenciada para o lado comunista. (7) A preocupação, portanto, continua na Europa e não na região.

No início de 1950 o senador Joseph McCarthy começou os quatro anos de sua diatribe contra comunismo, e acusava o partido Democrata de ser leniente com ele. Há uma frase do momento: we lost China (perdemos a Chi-na), perdeu para o comunismo um mercado grande que poderia ajudar mais ainda a economia norte-americana. Não podia perder mais lugar nenhum, menos ainda um que estava sob direta influência dos EUA: a América La-tina. Será um momento de paranóia naquele país contra o comunismo, e é nesse contexto que a América Latina esperava ajuda dos EUA. Como não virá, e como os problemas sociais eram enormes, mais os exemplos iniciais positivos do leste europeu, muitos países tentavam uma saída por outro lado político para resolver seus problemas, e encontravam a maior potência da época apavorada com a expansão do comunismo. As consequências regio-nais nos campos político, econômico e social foram tremendas.

George Kennan, o sempre ouvido diplomata norte-americano, fez uma viagem de três meses por algumas capitais da América Latina em 1950, e escreveu um documento para o Secretário de Estado Dean Acheson do go-

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verno Truman, dando suas impressões sobre a região e fazendo ainda reco-mendações (8). Suas conclusões são aquelas conhecidas e tratadas ao longo deste livro. Ele culpa a herança espanhola pela incompetência da região, re-força com todas as letras a mesma crença que os norte-americanos têm sobre a América Latina desde o início do contato entre os dois povos. Fala que a geografia, o clima, a história e a raça não criaram um povo para a democracia e a prosperidade, recomenda que os EUA continuem a tomar conta da área para impedir que os comunistas tomassem países da região. Recomendava ainda dar suporte a governos fortes por causa da tradição regional em aceitar esse tipo de atuação política, e para impedir a expansão do comunismo. A região, por sua tradição e história, continua Kennan, não havia nascido para a democracia, e apoiar governos autoritários seria um caminho natural. O erro estava aqui, não trazido de fora.

Impressiona a similitude de pensamento através dos tempos dos formu-ladores da política externa dali, incluindo pessoas do porte de George Ken-nan e Dean Acheson. A herança espanhola e indígena seria a culpada pelos problemas regionais por séculos. Na época da política da Boa Vizinhança, apesar de a maioria das pessoas dali continuarem a olhar para a América Latina da mesma forma que antes, a linguagem sobre a região mudou um pouco. Terminada a II Guerra, acabados a Depressão Econômica e aquele receio de que o capitalismo podia não dar certo, muda-se o discurso nacional outra vez. Na mesma linha de raciocínio e de acordo com um novo tempo, já na década de 1950, o Secretário de Estado de Dwight Eisenhower (1953-1961), John Foster Dulles, dizia que os latino-americanos não tinham capa-cidade de se autogovernar, eram como crianças. (9) Ele aconselhava o irmão de Eisenhwoer, Milton, antes de uma visita dele à América Latina, que, ao tratar com o latino-americano, lhes desse palmadinhas nas costas, se mos-trasse amigo para que pensasseem que ele gostava deles. (10) Chegam a ser desrespeitosos. Talvez o conselho nem fosse necessário, é só observar como se comportam alguns dirigentes daquele país hoje em contato com líderes latino-americanos, continuam dando pequenos tapinhas nas costas ou na barriga. Se caminhando juntos colocam a mão no ombro para mostrar uma suposta camaradagem. Sabem que pessoas da região apreciam isso, mesmo que não faça parte do comportamento deles. E a mídia regional dá espaço para aqueles gestos ensaiados. Como também a mídia ressalta que o presi-dente do país é amigo de tal presidente dos EUA, e que o outro presidente fora mais amigo do que saiu. Eles não vem dessa maneira.

E assim vem através dos anos. Na hora de tirar uma fotografia nova da região volta-se às antigas e já arraigadas no imaginário popular daquele povo.

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Ou, em palavras diretas, aquelas depreciativas sobre raça, religião, clima ou tradição ibero-católica. Frente a uma crença que não muda, governos dos EUA não precisam dar muitas explicações em sua relação com a região. Vem lá de trás a crença de que o povo da América Latina age emocionalmente, que precisa crescer e amadurecer para ter governos próprios. Se a elite políti-ca e diplomática, como Kennan, Acheson ou Foster Dulles, via dessa forma, imagine como tudo isso se processava na mente de um homem do povo. Aliás, a equação pode até ser invertida: a política externa tinha como base a crença da maior parte da população do país sobre a América Latina, e não somente o que pensava de forma independente a elite política de lá.

O exemplo clássico de como os EUA vão atuar daí para frente na região aconteceu na Guatemala, essa nova tendência assolaria a América Latina por décadas. Ali estava a United Fruit Company com milhares de hectares com plantio de banana. (11) Governava o país Jorge Ubico com mão de ferro, fazendo o que La Frutera queria. Seu despotismo acaba em 1944 com a chegada ao poder de um professor, Juan José Arévalo. Começam as reformas na Guatemala. A United Fruit se viu ameaçada porque no país se criaram sindicatos, um código do trabalho e caminhou-se para uma reforma agrá-ria. Expropriou-se 40% das terras da companhia norte-americana. Ela pediu apoio ao governo dos EUA, ali se vê como uma companhia do país tinha ligações com o governo, e como a política externa se voltava na defesa desses interesses. O presidente da empresa era irmão de John Moors Cabot, alto funcionário do Departamento de Estado. Os irmãos Dulles, John e Allen, um Secretário de Estado e outro diretor da CIA, trabalharam numa firma de advocacia que tinha ligações com a companhia. A secretaria pessoal do pre-sidente Eisenhower era casada com o principal lobista da companhia. (12) A pressão será tremenda.

Antes de contar o que ocorreu na Guatemala talvez seja interessante mostrar como nasceu no Departamento de Estado dos EUA a base intelec-tual para justificar as ações novas na América Latina. Louis Halle trabalhava naquele setor do governo norte-americano e ficou encarregado de elaborar um estudo que justificasse atos posteriores do governo na região. É muito citado o artigo que escreveu em 1950 para a revista Foreign Affairs, é o fim do incentivo à expansão da democracia na área. Ele acredita, repetindo a crença normal naquele país, que a América Latina não tinha bases democrá-ticas. Compara a história dos EUA desde a independência com a da Amé-rica Latina, e mostra como um lado progrediu na democracia e o outro sem condições de ter governos próprios e sadios, o resultado era o caos. Que a região tem uma tradição autoritária e acredita no homem com pulso forte.

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Fala ainda que na América Latina os heróis são colocados em estátuas mon-tados em cavalos em praças públicas, e que o latino americano tem adoração por isso. É “uma manifestação de imaturidade”, característica de adolescente que adora o grande herói que destrói seus adversários e se coloca acima da lei. (13) Uma análise de alguém que mal conhecia a América Latina e que deu base para a atuação do governo norte-americano na Guatemala, e dali para frente serviu de mote para outras ações na área. Ou seja, a América Latina não estava preparada para a democracia, acreditava em governos for-tes, e esse foi o caminho que os EUA tomaram com a região. Acabara a Boa Vizinhança, volta-se ao que sempre fora. Apoio a ditaduras foi um fato nor-mal, estavam fazendo o correto, a América Latina era filha do autoritarismo. É impressionante como essas crenças sobre a América Latina se fixavam na mente e no coração daquele povo. O que Halle escreveu nada mais era do que o quadro histórico que eles tinham da região.

Alguém, Louis Halle, criou a justificativa intelectual para o que viria a ocorrer na América Latina: para combater o comunismo, entregue os gover-nos a homens com pulso forte em associação com a elite local. Mudanças ou reformas sociais seriam coisas de comunistas e deveriam ser combatidas. A imaturidade política da região poderia dar espaço à entrada do comunismo, e por isso os EUA deveriam agir. Essa é a moldura de toda a Guerra Fria na América Latina. Medo de que pela inocência política regional a União Sovi-ética se aproveitasse, os EUA deveriam impedir essa suposta ação. Certo ou errado é o que vai prevalecer na região com implicações históricas até hoje na vida de cada nação desta parte do mundo. O campeão da democracia, que ajudara na derrota do autoritarismo na Europa, apoia o inverso na Amé-rica Latina. É antiga a tese de que o erro está sempre no outro. A culpa da atuação dos EUA na América Latina seria das pessoas daqui e não de quem vinha de fora. Este, ao contrário, estava ali para salvar e ajudar aquele povo, isso justificava perante o povo norte-americano qualquer ação externa. Ali-ás, ocorre até hoje. Ataque norte-americano no Oriente Médio seria para impedir que tal governo fosse para um suposto lado errado e que os EUA estavam levando democracia e desenvolvimento social. Vem lá de trás, faz parte da história e da cultura do país.

O governo Dwight Eisenhower aceitou a tese de Halle, decidiu apoiar qualquer ditador que fosse anticomunista e pudesse manter ordem interna. (14) Uma decisão que trouxe choro e ranger de dentes para a história re-gional. Já que a América Latina admira o herói forte, aquele que batia nos seus oponentes e que estava acima da lei, foi esse o caminho escolhido como modelo a ser seguido por outros governos mais tarde nos EUA. Como se fosse

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para acalmar consciências aceita-se que a região é assim e eles nada pode-riam fazer. A Europa, em reconstrução, seria o único lugar que a América Latina teria para buscar algum tipo de suporte, pelo menos intelectual, para enfrentar a força descomunal dos EUA naquele momento. Estava prostrada e precisando da ajuda norte-americana, não seria lugar para se buscar apoio.

Houve, porém, alguns poucos nos EUA que viam que o caminho toma-do pela política externa do país para a América Latina era equivocado. O caminho seria atacar a pobreza regional, ali estava a base para uma suposta entrada do comunismo. O modelo econômico e até mesmo político que a região seguia deveria ser mudado. Para os EUA, naquele momento, qualquer ação nesse sentido seria ato vindo de fora, ajudado por Moscou para desesta-bilizar governos. E como eles acreditavam que a área vivia em sua adolescên-cia política (com muita simpatia colocando desse modo) não podiam deixar que agentes de fora agissem na América Latina. Entregaram a região para governos autoritários ou “delatores amigos”. (15)

Voltando à Guatemala. A ação que ocorreu ali foi o modelo que se teria na América Latina de maneira geral. Os EUA não invadiriam o país, mas ajudaram interna e externamente um grupo de descontentes a derrubar o go-verno que eles entendiam pró-comunista. Os norte-americanos armaram em 1954 Carlos Castillo Armas que, com alguns dissidentes e suporte massivo dos EUA, derrubou o governo de Jacobo Arbenz. (16) A análise de Martha Cottam (17) sobre os acontecimentos na Guatemala talvez seja a mais lúcida sobre como agia a diplomacia dos EUA em cima dos estereótipos criados na mente norte-americana através da história. A política externa do país traba-lhava sempre nessa direção. Não foi somente lá atrás na diplomacia do dólar ou no Destino Manifesto, aquilo estava arraigado na mente das pessoas dali, e agia na política externa do país movidos por essa crença histórica. O caso da Guatemala é emblemático. O país era considerado mesmo uma república bananeira, ou que só vivia do que produzia no campo, e com a presença da United Fruit Company a imagem se firmava mais ainda. A imagem nos EUA era, portanto, de uma área dependente, não tinham condições de autogover-nar, menor de idade em sua ação política.

A tática nova foi acusar de comunista todo mundo que queria algum tipo de reforma. Arbenz tinha apoio da confusa coalizão de esquerda a seu governo, mas não era comunista no sentido clássico da palavra. Como os EUA viam comunistas até debaixo da mesa de jantar acusavam qualquer um de ser agente de Moscou, e porque Arbenz advogava reformas, incluindo a agrária, foi visto como inimigo. Deveria ser colocado para fora porque sendo infantil em política seria facilmente manipulado pela União Soviética. (18)

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A autora mostra a maneira simplista como o Departamento de Estado via a política da Guatemala, não entendia o que ocorria, e, ao não entender, re-corria à formula pronta de sempre de que a região era complicada, não tinha condições de se autogovernar. Nunca é demais citar a tal fotografia mental que se tira de algo, fixa-se nisso e não muda, a Guatemala se insere nesse quadro. A autora procura mostrar como a política externa dos EUA estava eivada de estereótipos que vêm desde muito tempo naquele país.

A ação diplomática dos EUA em tratar o caso da Guatemala é típica dessa imagem dependente do país. Os EUA estão corretos: o outro é fraco, inferior e não hábil para fazer as escolhas políticas certas. (19) Para mostrar como a imagem estava fixada na mente norte-americana sobre um povo incapaz tomo emprestada a descrição que Cottam faz da decisão do governo dos EUA para derrubar Arbenz. Este assunto é analisado até com mais pro-fundidade no livro Bitter Fruit de Schlesinger e Kinzer. (20) A ação feita pela CIA é uma montagem, como se fosse para amedrontar crianças. O exército invasor praticamente não existia, a ação psicológica era o que interessava, quase tudo foi feito por rádio, panfletos, barulho para amedrontar o governo, os militares e até o povo. Ao ler o trabalho feito pela CIA, e que deu certo, dá para entender como os EUA pensam realmente da América Latina.

O plano previa que os EUA criariam um grupo de exilados contra Ar-benz, que iria libertar o país do jugo comunista. Através de rádios e massiva propaganda a CIA bombardeiam a nação de que o grupo invasor era enorme e bem equipado (na verdade não conseguiram mais do que 150 guatemalte-cos e agregados para fazer a invasão). Parece mesmo que estavam tratando com crianças. Para criar o clima que queriam jogam algumas bombas em cer-tos lugares do país, foram pilotos mercenários dos EUA recrutados para fazer o serviço, ações assim amedrontariam o povo e os militares. A intenção era que Arbenz fosse derrubado por dentro e não pela quase fictícia invasão.

Insiste-se nisso para mostrar como os EUA veem a América Latina, era como se fosse uma ação para amedrontar crianças mesmo. A operação da CIA tinha que desmantelar a pequena força aérea da Guatemala. Um piloto do país fugiu com seu avia,o o que fez Arbenz praticamente esconder o resto do que lhe restava dessa pequena aviação, com isso não sobrevoou os lugares para comprovar ou não o tamanho do tal exército da invasão. O grupo liderado por Castillo Armas não fez avanços militares, não tinha nem treinamento, ficaram num pequeno povoado esperando que a CIA fizesse o serviço e Arbenz deixasse o governo. E deixou. Toda a operação norte-americana, escreve Martha Cottam, foi montada em cima dos estereótipos que se tinha sobre a América Latina. Região dominada por uma pequena

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elite junto com a igreja católica, e que não queria perder o antigo poder. Povo quase analfabeto para entender o que estava acontecendo. Medo de que a União Soviética dominasse a política local, porque o povo era despreparado para se autogovernar. E, no final, funcionou a ação.

A partir da queda de Arbenz, governos autoritários tomaram conta da Guatemala. Esse foi o detalhe histórico mais doído. A Guatemala teve um pequeno suspiro de democracia com os governos Arévalo e Arbenz, e os EUA ajudaram a destruir essa pequena abertura na política local. O governo norte-americano sabia que Arbenz não era comunista e, com uma escusa que a história prova o contrário, provoca um futuro banho de sangue naque-le país. Em anos subsequentes morreram cerca de 30 mil guatemaltecos na violenta repressão interna com participação até do Green Beret, uma força norte-americana treinada em ações de guerrilha. Os EUA interromperam na Guatemala os avanços criados nos governos Arévalo e Arbenz como liber-dade de imprensa e sindical, voto universal, eleições livres e um princípio de reforma agrária, ações que deram base ao processo democrático. Se os EUA tivessem dado força às reformas em andamento, com pequeno investimento na economia teriam influenciado toda uma região. A Guatemala sempre foi líder naquele pedaço do mundo, se ela se transformasse, transformaria toda a América Central. E hoje, quem sabe, ter-se-ia mais gente incorporada ao mercado consumidor. Os EUA ganhariam mais dinheiro ainda.

Também, ao dar força a regime militar e não democrático na Guatema-la, os EUA ajudaram a fortalecer os regimes ditatoriais em toda a área. Na América Central e no Caribe, com exceção da Costa Rica, por muitos anos nenhum governo professava os cânones democráticos, fato que até reverbe-rou contra os interesses dos EUA mais tarde. Na Nicarágua, como exemplo, o governo Reagan investiu tempo e dinheiro na tentativa de derrubar os Sandinistas que assumiram o governo depois da luta contra a ditadura da família Somoza.

Outro dado que chama a atenção naquele episódio é a crença que todos na Guatemala tiveram de que o país estava mesmo sendo invadido. Tudo foi montado pela CIA com mensagens falsas. O que encabula é que até as forças armadas acreditaram. O Ministro das Relações Exteriores, Guillermo Toriello, em mensagens para os EUA e para o corpo diplomático, denunciava a tal massiva invasão. Até mesmo Jacobo Arbenz falou nisso no seu discurso de despedida antes de se refugiar na embaixada do México. Chega a impressionar como se ganhou uma “guerra” quase que somente com ações psicológicas.

Sarah Sherbach diz que, para aparecer um estereótipo e para que ele vi-ceje, deve haver alguma coisa de concreto do que se fala ou cria. No caso da

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Guatemala, que virou um modelo para toda a América Latina, fixou ainda mais na mente das pessoas dos EUA que a América Latina era fraca mes-mo. E na política externa daquele país também. Ou como dizia o Secretário de Estado John Foster Dulles, quando surgia na América Latina governos ditos populares, que a região tinha um povo que não tem o dom de se au-togovernar, “são como crianças quando enfrentam um problema”. (21) A imaturidade dos líderes latino-americanos em política era aceita como uma verdade histórica pelos que faziam a política externa dos EUA. Ou como dis-se Richard Nixon, vice-presidente de Eisenhower, que os espanhóis tinham muitos talentos, mas governar não estava entre esses. (22) Colocam-se essas afirmações em momentos diferentes para mostrar como o povo norte-ameri-cano olha a América Latina e isso é também o ponto de vista dos dirigentes do país. Seja lá atrás, seja em tempos mais recentes, vê-se sempre alguém com as mesmas frases que estão no imaginário popular daquele país.

Ainda no governo Eisenhower começa uma discussão nos EUA sobre os motivos reais dos problemas políticos na América Latina. Alguns arguiam, entre eles o irmão do presidente, Milton, que nem tudo na região seria coisa de comunista, que havia pobreza, desnutrição, faltavam reformas que aju-dassem os mais pobres a melhorar de vida, precisava-se de capital e tecno-logia. Sem isso e com as condições do povo piorando pela urbanização que ocorria havia manifestações populares e até tomada de governos por gente que queria algum tipo de mudança. A tumultuada visita do vice-presidente Nixon à América Latina em maio de 1958 mostrou uma América Latina diferente para os EUA. (23) Manifestações gigantes contra ele ocorreram no Peru e na Venezuela, chegaram a cercar seu carro; ele teve que se refugiar na embaixada norte-americana em Caracas. O governo dos EUA percebeu que havia algo no ar, o país não era mais bem-vindo como antes. Começa uma pequena mudança de ponto de vista no governo dali. Continuariam a combater o comunismo por qualquer meio que fosse, principalmente na associação com os militares e a elite regional, mas seria preciso fazer algu-ma coisa para modificar a situação dos mais pobres. Era tempo, como disse Eisenhower, de ganhar mentes e corações dos pobres da América Latina. (24) Ajudou nisso o presidente Juscelino Kubitschek com a sugestão de se criar um plano de desenvolvimento econômico para a região que ajudaria a diminuir a fricção política e impediria que surgissem regimes de esquerda na área. O caso cubano mostrava que algo diferente estava acontecendo, e que os EUA deveriam usar outros meios para acalmar a região. E Cuba estava no Caribe, perto dos EUA, e era lugar de influência direta do país desde o final do século XIX.

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Com Cuba não ocorreu o mesmo que aconteceu com a Guatemala. É um pouco diferente, mas serve como modelo de análise dos tempos da Guerra Fria. Fidel Castro tomou o poder em janeiro de 1959, (25) os EUA, no início, não ligaram muito. Era um lugar talvez mais dependente deles do que a Gua-temala pela compra que se fazia dos bens do país, principalmente do açúcar cubano. Qualquer arrufo era só não comprar que haveria problemas econô-micos com consequências políticas e sociais. Os EUA achavam que Cuba era dependente, mas a grande diferença entre os dois casos é que ela estaria sob a influência de um poder de fora da área. Quando os EUA estavam confusos com alguém no governo na América Latina, e como não queriam entender o que estava acontecendo. logo criavam a tese de que aquele país estava sob domínio de uma força de fora. (26) Achavam que a região não poderia fazer sozinha qualquer política que tivesse êxito, não acreditavam e talvez não acreditem até hoje que a América Latina chegou à maturidade política. Quando há um fato que foge da foto mental tradicional que eles têm da área, uma coisa um pouco mais confusa ou até mesmo sofisticada, não é própria da América Latina tal ação ou atitude. Tem-se alguém por trás instruindo ou instrumentalizando aqueles dirigentes. Se não são eles, quem seria?

Na época da Guerra Fria só poderiam ser agentes de Moscou. Não im-porta se não encontrassem esses agentes, partiam do princípio de que havia algo errado ou satânico no ar. Deduziam e aceitavam que os dirigentes regio-nais não tinham capacidade para articular uma ação política mais sofistica-da. Deviam ser combatidos porque, com certeza, se descobriria depois uma mão invisível por trás daquele ato político que naquele momento parecia incompreensível. Mesmo sendo repetitivo nunca é demais dizer que tudo é porque se tem uma foto mental da região que não muda. Essa interpretação, que é regra no país, justificaria qualquer ato do governo dali na América Latina, seria normalmente permitido pelo povo do país porque todos veem pela ótica histórica de que o “outro” ou a América Latina sempre está erra-da, e que os norte-americanos estão ajudando povos ainda adolescentes em política a passar por esse ou por aquele estágio. Não se vê meios no horizon-te para modificar essa maneira de eles verem a região. E, ao mesmo tempo, não dá para a América Latina, geograficamente perto da maior potência militar e econômica do mundo, ignorá-la, ou começar a fazer barulhos con-fusos como fazem alguns dirigentes regionais em momentos diferentes da história do relacionamento entre os dois lados. A atuação de alguns deles aumenta mais ainda na cabeça do norte-americano as crenças antigas que eles têm da área. Agem como eles veem a região e que o tempo se encarrega de desmontar suas retóricas. Nunca respondem a eles, se fizessem pegaria

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mal junto ao eleitorado nos EUA, a tática é ignorá-los e a tantos outros que agiriam infantilmente.

Funciona numa democracia a busca pelo voto numa eleição, nenhum partido no poder nos EUA gostaria de tomar alguma ação na América Latina que mais tarde tirassem votos, seja nesse momento ou em outro qualquer. Tem assuntos externos ali que levaram a isso, podem ser citados os casos do Vietnã, os reféns do Irã ou a “perda” da China, que pesaram na hora de uma eleição. Com referência à América Latina não tem sido bem assim. Mesmo o caso cubano da Baía dos Porcos, no início do governo John Kennedy, ou a crise dos mísseis, não afetaram a eleição de Lyndon Johnson do mesmo par-tido do presidente assassinado em Dallas em 1963. Em 1988, George Bush, vice-presidente de Ronald Reagan, apesar do caso Irã-Contras (ajuda aos “contras” os Sandinistas em território de Honduras) ter explodido em 1986, se elegeu presidente do país.

De volta ao caso cubano. Os EUA, no início de 1960, começam a pres-sionar economicamente Cuba na questão de petróleo, e também diminuindo a compra do seu açúcar na tentativa de enfraquecer o governo Fidel Castro. Foi um erro, empurraram Cuba para o braço do adversário, a União Sovi-ética assumiu a posição de supridor de petróleo e comprador de parte do açúcar da ilha. Continuavam aceitando que Cuba, como outras nações da América Latina, seria aprendiz em política, mas agora sob o domínio do mal que chegou de fora. Acreditando que Cuba, como outros países da área, não tinha condições de enfrentar um confronto armando maior, a administra-ção Eisenhower bolou um plano, executado por seu sucessor John Kennedy, outra vez com o suporte da CIA, para invadir Cuba com exilados cubanos. Quase o mesmo tipo de ação contra o governo de Jacobo Arbenz da Gua-temala, incluindo pequeno bombardeio aéreo sem presença de força militar dos EUA. Cuba, em 1961, se defendeu e venceu essa tentativa ao derrotar a despreparada força enviada contra ela na Baía dos Porcos.

O preparo e a ação militar foram um ato típico do pensamento norte ame-ricano sobre a região, principalmente com os países do Caribe e da América Central. Tinham na cabeça que, por infantilidade da área, repetir o que fize-ram na Guatemala daria mais certo ainda num país supostamente menos pre-parado. Foram surpreendidos, atribuíram esse novo fato à presença de agentes de outros países que ajudaram Cuba a fazer o enfrentamento militar. Não fora coisa de latino-americano. John Kennedy assumiu a culpa pelo fiasco da ope-ração. Cuba se jogou nos braços da União Soviética, para este país era inte-ressante ter um aliado perto da costa dos EUA. Mais tarde, em 1962, houve a crise dos mísseis em Cuba, a União Soviética estava colocando mísseis na ilha

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do Caribe voltados para os EUA, fato que quase levou as duas superpotências a uma guerra nuclear. No último instante estabeleceu-se um acordo, acredita-se que sem a aprovação de Fidel Castro, em que os soviéticos retirariam os foguetes que estavam sendo montados, em contrapartida os EUA se compro-metiam a não invadir Cuba, que caminhava mesmo para o socialismo.

Outra vez o momento histórico determinava o que o país iria fazer, houve nova mudança de rumo nos EUA sobre seu relacionamento com a América Latina. Os EUA estavam com problemas internos com a luta pe-los direitos civis dos negros. Uma superpotência daquele porte, que pregava democracia e liberdade, tinha parcela de sua população sem a tal liberdade política e civil. Mandavam também um recado errado para o mundo de que na região sob sua tutela, a América Latina, não havia liberdade, e a pobreza crescia cada dia mais. Sua imagem e prestígio em outros lugares do mundo poderiam ser atingidos. Em situação assim aquela nação mudava de direção. Passado aquele específico momento retorna ao leito normal de sempre a po-lítica externa dos EUA.

O movimento pelos direitos civis crescia nos EUA. Os negros, desde o início dessa insatisfação, em dezembro de 1955, em Montgomery, Alabama, quando Rosa Parks se rebelou contra a discriminação em ônibus, queriam mudar a situação interna deles. Na década de 1960 o assunto entrou em ebulição. Martin Luther King, com seu sonho de uma América em que a cor da pele não medisse o caráter de uma pessoa, era a favor de mudanças usan-do o pacifismo, do outro lado estava Malcolm X, que a queria nem que fosse a força. Aparecem também no período os Panteras Negras, que apoiavam mudanças radicais no relacionamento branco e negro naquele país. Foram emblemáticas as fotos de atletas negros dos EUA nas Olimpíadas do México de 1968 no pódio quando levantaram a mão com uma luva que representava os Panteras Negras. A imagem dos EUA no exterior ficou arranhada, o país que saíra da guerra como campeão em democracia, que pregava liberdade contra governos autoritários ou totalitários, seja ou não comunista, tinha uma parcela da população em situação vexatória. Nos governos Democratas de Kennedy, e depois de Lyndon Johnson, virão mudanças nesse relaciona-mento. Em 1965, um século depois do final da Guerra Civil (1861-65), em que pressupostamente o negro seria emancipado, veio a decisão da Suprema Corte dos EUA de one man, one vote. Também se derruba a barreira de negros e brancos no setor educacional.

A América Latina também se mostrava indócil, passava por um tur-bilhão político e intelectual. Além da vitória e do exemplo de Fidel Castro em Cuba, a imagem externa da União Soviética estava crescendo na região,

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inclusive no campo tecnológico. Lançara o sputnik circundando a Terra, tec-nologia que amedrontou o norte-americano, e o astronauta russo Yuri Gaga-rin, em 1961, foi o primeiro homem no espaço. Tinha-se ainda na América Latina a igreja católica se envolvendo mais com a política. A Teologia da Li-bertação pregava que seria dever da igreja lutar para diminuir a pobreza, usar os meios necessários para isso. Baseada em encíclicas e no Concílio Vaticano II a igreja tomava a opção pelos mais pobres. Foi um empurrão para que mui-tos religiosos da América Latina caminhassem para o lado da política, ou até pregassem a derrubada de governos para melhorar a situação dos segmentos mais pobres. (27) Momento em que houve um pequeno distanciamento entre parte da igreja e a elite, fato que não ocorria desde o período colonial, a união entre os dois interesses vinha desde a colonização ibérica. Agora, empurrado por um novo tempo, no meio da Guerra Fria, apareceu a encíclica que dizia que não estava errado pregar que um país ajudasse sua população mais pobre, e que, na busca desse objetivo, se poderia até se levantar contra governos autoritários que impedissem reformas para melhorar a vida da maior parte da população. Já não seria pecado ficar desse lado. Uma instituição secular e forte como a igreja católica tomar uma posição dessas numa região pobre foi um incentivo a levantes contra a situação social e econômica estática da época. Mas, por outro lado, era o momento máximo da Guerra Fria em que os EUA usavam todos os mecanismos para impedir que a América Latina se aproximasse de ideologias contrárias ao que aquele país defendia. Era como se parte da igreja ficasse do lado da União Soviética.

Mais tarde, Karol Wojtyla, ou Papa João Paulo II, nascido num país co-munista, Polônia, condenou essa ação da igreja na América Latina. (28) No governo Ronald Reagan há uma aproximação entre os interesses dos EUA e os do Vaticano no tiroteio final sobre a queda do comunismo no leste eu-ropeu. Os fatos sugerem que um lado acaba ajudando o outro, e a parte que interessava aos EUA no momento seria a condenação do Vaticano contra a presença de padres em movimentos de esquerda na América Latina. O Papa condenou essa movimentação com o argumento de que a igreja não devia se envolver em assuntos políticos, devia se preocupar e preparar o povo para outra vida. Mas lá atrás, na década de 1960, a movimentação da igreja cató-lica foi em outra direção, uma que não agradava aos EUA da época.

Outro movimento intelectual daquele fervilhante momento latino-americano foi a teoria da dependência. Ela tem como expoentes os neo-marxistas, que não viam desenvolvimento autônomo regional vinculado ao capitalismo central, só com um rompimento, só com uma revolução socia-lista. Segundo Lawrence Harrison muitos intelectuais da América Latina

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acreditavam que a área seria um lugar maravilhoso se não fossem os norte-americanos ou a exploração do mundo capitalista. Que aceitar a teoria da dependência é aceitar determinismo, ou que a América Latina é impotente para romper com sua pobreza, e que a história é praticamente escrita por forças de fora. (29)

O que tratava a teoria da dependência? Ela estudava o relacionamento das economias periféricas ou não desenvolvidas com os países centrais ou mais desenvolvidos e considerados hegemônicos. Dizia que há uma relação de dependência econômica dos países mais pobres com os países mais ricos. (30) Cria-se, também, a partir do econômico, uma relação de dependência política que acaba moldando o desenvolvimento político e social dos países ditos periféricos ou dependentes. A teoria analisa ainda que as economias menores assentavam sua base econômica na exportação de matérias-primas ou produtos primários, e que os países ricos impunham o preço nelas, e que vendiam de volta bens industrializados mais caros, sugando a pouca renda regional. Que os países centrais acabavam se apropriando do pouco exce-dente econômico gerado nos países mais pobres pela ação do capital externo, na compra de matérias-primas por preços impostos e na venda de manufatu-rados com preços maiores.

Essa dependência maligna limitava a tomada de decisões políticas de interesse da maioria das populações dos países mais pobres, a força do mer-cado suplantava a política. Dizia ainda a teoria que havia uma ligação entre capital externo e um segmento da elite nacional de cada país. Isso deveria ser rompido, mesmo a força. O atraso latino-americano se dava, portanto, por causa de obstáculos externos ao desenvolvimento nacional, uma conse-quência do imperialismo e também de um feudalismo agrário interno que, combinados, atrapalhavam o crescimento regional. O desenvolvimento dos países periféricos estava limitado pelo desenvolvimento dos outros países. Esse era o modelo capitalista que, na tese, beneficiava os países ricos. Essa herança colonial ou pré-capitalista agroexportadora era a maneira como a região estava inserida no capitalismo mundial. Para desenvolverem deve-riam romper essa dependência. Deveria haver uma aliança entre o povo e a burguesia mais nacionalista. A teoria da dependência não era somente ba-seada nas condições pré-capitalistas ou de exportação de bens primários dos países pobres para os mais ricos, ia além, havia ainda a divisão internacio-nal do trabalho. Um tem capital e indústria, outros exportam a mais-valia, fornecem ainda mão-de-obra barata, matéria-prima e criavam-se pequenas indústrias para substituição de importações, criticadas porque tinham pouco valor agregado.

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Percebe-se o viés marxista na explicação, o momento mundial levava a isso. Já estava morta a política da Boa Vizinhança, houve frustração no meio intelectual pelo que veio depois nesse relacionamento entre os EUA e a América Latina. Inicia-se a Guerra Fria, União Soviética de um lado e os EUA do outro. O leste europeu dava sinais de crescimento com socialismo e isso irradiava para os países da América Latina. Fidel Castro, em Cuba, mostrava uma provável saída também. E a tese proposta era a do rompi-mento com o sistema capitalista que beneficiava os EUA. Há, também, no momento, uma onda de industrialização na região, e como consequência uma urbanização rápida em que os problemas cresceram nos grandes centros urbanos. O poder público não conseguia responder àquela nova realidade, o que gerava mais descontentamento social e levava os intelectuais a imagi-narem saídas e alternativas para o futuro da região. Os militares chegam ao poder na maior parte da América Latina e, por algum tempo, as propostas de mudanças que nasceram no meio intelectual e acadêmico repercutiram em certas camadas da sociedade. A revolução ou o rompimento com um sistema equivocado, repressivo, antinacional, estava na dobra da esquina. No meio acadêmico foi visto como quase certeza. Acreditava-se que a solução mais apropriada para um povo estava no socialismo, chegaria um momento em que, sem escapatória, o mundo acabaria abraçando as teses socialistas. O capitalismo estava se deteriorando e esboroaria.

Na evolução da teoria surge mais tarde a tese da chamada nova depen-dência. Algumas economias cresceram e passaram a exportar alguns bens in-dustrializados e não somente produtos do campo. As multinacionais estavam chegando e a dependência nova se dava pela necessidade de tecnologia, ca-pital de fora, pagamento de royalties, endividamento, remessa de lucros. Era, outra vez, a associação entre o capital externo e uma parte da burguesia inter-na. E, mais uma vez, o país dependente, mesmo que um pouco industrializado, não tinha autonomia política real. Estava subordinado às forças do mercado interno e de fora, nunca haveria uma autêntica autonomia de um país em que pudesse fazer política voltada para os interesses da maioria da população po-bre que precisava de educação, melhor atendimento na saúde, água tratada, saneamento e moradia, políticas públicas que deveriam ser tomadas, e que não se podia tomar porque o poder político estava amarrado aos interesses do capital nacional e do exterior. Sem uma quebra nesse modelo perverso não se poderia chegar ao desenvolvimento, sem romper com esse ciclo que vinha desde o período colonial, não dava para educar e esclarecer o povo para que defendessem seus direitos. Um povo não preparado seria massa de manobra dos interesses de uma elite preocupada somente com ela mesma.

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A teoria da dependência teve ainda outro viés: a América Latina po-deria se inserir de forma autônoma no relacionamento com o capitalismo sem passar por uma revolução socialista. Nem todos os que defendiam a teoria acreditam na tese nova. Começa a haver, portanto, atritos e interpre-tações diferentes sobre a teoria, um fato até natural frente à evolução das forças econômicas e também pelo enfrentamento político e ideológico de cada momento. A teoria da dependência vai se moldando, portanto. Surgiu também a tese do subimperialismo, como o caso brasileiro que se expandia para os países vizinhos e servia de plataforma das multinacionais para se vender bens industrializados nesses países. Dizia-se em alguns países da área que havia um acordo entre o Brasil e os EUA, este país deixava o outro como capataz regional no interesse do jogo capitalista. Até mesmo autores norte-americanos (31) escrevem que o Brasil seria um junior partner dos EUA na América do Sul.

Na verdade, desde a década de 1950, no governo Juscelino Kubistchek, já se desenhava essa expansão regional do Brasil, a política externa daque-le governo defendia esse novo posicionamento. (32) O lugar onde o Brasil exerceu primeiro essa tendência foi o Paraguai, governado por um general, Alfredo Stroessner, em início de mandato. Como a oposição ao seu governo, os Febreristas, estava exilada na Argentina e ameaçava tomar o poder, ele se voltou para o Brasil. Ele dizia que o Paraguai era como uma pessoa com um só pulmão econômico ou a dependência do porto de Buenos Aires para com-prar e vender produtos. Queria outro pulmão, surgem a Ponte da Amizade, no rio Paraná, e a saída pelo Porto de Paranaguá. Como consequência dessa nova ligação surgem os brasiguaios ou os brasileiros que foram para aquele país e que, com sua produção econômica, ajudam a manter o regime de Stro-essner no poder. Aparece mais tarde, depois de grande polêmica diplomática, a hidrelétrica de Itaipu em sociedade entre os dois países. O Brasil aceitou a sociedade com o Paraguai, com receio de que o país voltasse aos braços argentinos, que acenava em construir com os paraguaios a usina de Yacyreta. O Brasil já colocara o país guarani como sua entrada no mundo hispânico regional, tentativa de quebrar a hegemonia argentina na região do Prata.

No período auge da teoria da dependência, a Cepal, ou Comissão Eco-nômica para a América Latina e Caribe, um órgão da ONU, com sede em Santiago do Chile, comandada à época pelo argentino Raul Prebish, mesmo acreditando na tese da dependência, tentou cortar caminho econômico para o desenvolvimento da América Latina. Aceitava que havia uma dependên-cia na troca de matérias-primas da região com produtos industrializados dos países ricos, essa equação deveria ser alterada. Apareceram em 1960 duas

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tentativas de integração regional, uma através da Alalc ou Associação Lati-no-Americana de Livre Comércio, incluía todos os países da América do Sul e mais o México da América do Norte. Na América Central, no mesmo ano, foi criado o Mercado Comum Centro Americano. (33) A Cepal dizia que os mercados latino-americanos eram pequenos para se ter uma industrialização adequada e competitiva com outros centros. Para contornar o problema a solução estava em unir os países, através das integrações econômicas, para ampliar o mercado. Com mercado maior se poderia produzir em economia de escala e suportar a competição com outros centros produzindo bens de qualidade e com preço adequado. Mais tarde há um rompimento dentro da ALALC, e os países andinos criam o Pacto Andino. (34) A separação se deu, entre tantos motivos, porque os países menores achavam que quem se beneficiaria com a integração econômica seriam as economias maiores (Argentina, Brasil e México), que estavam em processo de industrialização. As economias menores continuariam a vender produtos básicos, bens que as maiores até produziam, e teriam que comprar bens industrializados dentro da área. Seria a teoria da dependência num ponto menor e regionalizada. Faltaram também meios de transportes, havia muita instabilidade política e econômica, e o mundo vivia a Guerra Fria. As tentativas de integração econômica regional fracassaram.

A teoria da dependência recebeu muitas críticas. Os que não aceitam a tese da dependência e exploração externa, sejam autores latino-americanos ou de outros países, voltam à história regional e ao legado político e econômi-co que veio da Península Ibérica. A região é fruto do que recebeu da Europa e de acertos ou erros criados pela sua história interna ou no relacionamen-to com outros países. Os demônios, no caso, são mais caseiros e devem-se buscar meios próprios para exorcizá-los e não culpar os outros pelo que se é. Não aceitam que as causas do não crescimento regional estavam lá fora, que os países centrais impunham um comércio perverso para a região, teria que ser quebrado esse círculo maldoso, se necessário com revolução para se criar uma nova política voltada para os interesses nacionais. Os críticos da teo-ria da dependência acham que ela foi um erro, atrasou o desenvolvimento regional. (35) Lá por meados da década de 1970 Coreia do Sul, Hong Kong e Cingapura estavam mostrando que seria possível ter industrialização para consumo interno e para exportação em lugares pobres – surgem os chamados Tigres Asiáticos para contrariar a tese da dependência. A renda per capita da Coreia do Sul e de Taiwan era menor que a de alguns países latino-ameri-canos em 1950, incluindo o Brasil, em 1987, os dois países asiáticos haviam passado os latino-americanos. Aquela região, diferente da América Latina,

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de acordo com Lawrence Harrison, segundo os ensinamentos de Confúcio, acredita em ética do trabalho, dava ênfase ao futuro, à educação e ao mérito pessoal. (36) Diferente do caso latino-americano, com sua influência cató-lica, portanto.

As exportações da América Latina para o mundo cresceram, mas nunca comparado com o que ocorreu com aqueles países asiáticos. O centro, no caso, comprava bens industrializados de países antes periféricos. Um ataque na teoria da dependência, isso só poderia ocorrer com o rompimento com o sistema mundial capitalista, que era injusto e sempre beneficiava um só dos lados. Sem revolução ou rompimento os tigres asiáticos derrubavam um dos itens mais aceitos da teoria. A Austrália, outro país antes da periferia e exportador de matéria-prima, sobressaiu e tinham renda per capita tão alta como qualquer país industrializado. Até o Brasil, como exportador de bens industriais, inclusive para países desenvolvidos, teria escapado da principal tese da teoria da dependência.

A teoria da dependência também dizia que o exterior, principalmente os EUA, tinham mais lucros anuais no comércio com a América Latina. Os produtos primários, quanto mais se produzia, tinham seus preços achatados. Os bens industrializados vendidos na região, pelo contrário, cresciam sempre de preço, e isso acarretava uma sangria anual de recursos da periferia para os países centrais. Tem gente que não concorda com esse ponto de vista, (37) alega-se que os que defendem a teoria não olhavam os benefícios que os investimentos levavam para alguns países como salários, pagamento de impostos, transferência de tecnologia e consumo de energia. Quando tudo era colocado numa balança acabavam ficando mais recursos no país do que saía. No caso de país como o Brasil, que começava a se industrializar, onde as multinacionais tinham interesses no mercado e também em usar o país como plataforma para exportar para outros da região, talvez o ponto de vista possa ser aplicado, mas em países que não recebiam indústrias ou tecnologia a diferença em recursos entre o que entrava e o que saía se mostrava a favor da economia mais forte.

Tem autor (38) que diz que a atuação de intelectuais nos EUA e na América Latina, do início da década de 1960 em diante, acabou atrapalhan-do o desenvolvimento da região. Cita-se alguns deles dos EUA, como Andre Gunder Frank, Susane Jones, Richard Fagen com comentários específicos sobre o que eles propuseram. (39) Até mesmo intelectuais fora da área de economia e sociologia, como Gabriel Garcia Marques, Pablo Neruda, Miguel Astúrias, culpavam os EUA pelo atraso da América Latina. (40) A crítica maior vai para a teoria da dependência, que dominou o debate na América

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Latina por um longo período. Certa ou errada, ela culpava o exterior pelos problemas enfrentados pela região. Seja por esse ou aquele motivo, a verdade é que a América Latina ficou para trás em crescimento econômico, se com-parada com os EUA. Em 1800 a renda per capita dos EUA era o dobro da do México e quase a mesma do Brasil. Lá por 1913, ela era quatro vezes maior que a do México. e sete vezes maior que a do Brasil. (41)

Há uma tradição na América Latina de culpar o exterior pelos seus pro-blemas, não parece que é o caminho correto. (42) Há um passado e um presente para serem olhados e discutidos. Em 1989, como exemplo, caiu o Muro de Berlim, há um novo mundo, desde então, a Ásia o abraçou e está exportando, ficando rica e diminuindo a pobreza, lá é lugar onde as multi-nacionais buscam mão-de-obra para produzir e vender, e hoje o Atlântico foi substituído pelo Pacífico no comércio mundial. Na Ásia investiram na educação de forma clara e com objetivos determinados. Na década de 1950 o Brasil deixava para trás a Coreia do Sul em educação e renda per capita, 20 anos depois a curva começou a mudar para o lado coreano, outros 20 anos e a Coreia tem uma renda per capita maior que a do Brasil. Todos concordam que foi o extraordinário investimento em educação a arma nacional para o desenvolvimento. A Coreia do Sul hoje exporta bens de última tecnologia para parte do mundo. Era antes um país pobre e, pela teoria da dependência, nunca sairia daquela condição, os mais ricos a exploravam, como exploravam a América Latina. O comércio mundial só seria benéfico aos países centrais. Com alguns países asiáticos a teoria da dependência não se aplica.

Pode-se também fazer outras ressalvas com o caso latino-americano. Estudos mostram, como um exemplo, que no Brasil (43) fatores locais leva-ram a uma quase estagnação econômica entre 1822 e 1913. Transporte foi um deles: o custo do frete era muito alto, tinha situações em que ficava em até 50% do valor do bem vendido. O interior do país era pouco conectado por estradas, ferrovias foram poucas também. Em 1884 o país possuía 6.240 quilômetros de ferrovias ou 0,7 km de trilhos por cada mil quilômetros de território do país. Aumentou-se a construção de ferrovia entre 1890 e 1914, mas, apenas como comparação, em 1900 os EUA tinham mais de 20 vezes extensão de linhas férreas que o Brasil. O número que o Brasil atingiu em 1914 de ferrovia os EUA tinham em 1850. Capital de fora para investir era escasso, e o risco muito grande, o governo deveria assumir esse espaço, fê-lo devagar e com pouco recurso também. Também não havia facilidade no país para rotas fluviais, a geografia, no caso, ajudou mais os EUA que o Brasil. Rios havia, mas em posições geográficas não muito favoráveis, como os da Região Amazônica.

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Outros fatores atrapalharam também o crescimento. A quantidade de escravo, por exemplo. Com isso teve-se, mesmo depois da emancipação, um enorme contingente de pessoas quase sem renda para comprar bens. A con-centração de renda era inevitável, ela foi aumentada pelo fator terra. Como o custo do transporte era elevado precisava-se de mais terra barata para diminuir o custo nessa ponta da produção. O latifúndio aumentava mais ainda a distância entre o mercado consumidor e o comprador. Nos EUA as propriedades eram menores, davam escala de produção, trabalhadas em sua maior parte pela família; cria-se o espírito comunitário que, em tese, ajuda na formação democrática. Houve mais distribuição de renda, com chances de mais gente comprar produtos e riqueza circular. (44) No caso brasileiro havia ainda a tendência, aliás, na América Latina inteira, de se concentrar em um ou dois produtos de exportação. Enquanto havia preço, bens como açúcar e algodão, apesar do alto custo do transporte, davam lucros. Qual-quer oscilação nos mercados afetava essa não diversificação da produção.

A teoria da dependência ajudou a moldar a formação de tantos jovens em universidades e outros lugares da vida de cada país da América Latina. Passa-se o tempo, fatos novos mostram novas interpretações, e é como se nada tivesse acontecido, parece que não se aprendeu com o exemplo do pas-sado. Setores universitários ainda estão presos a dogmatismos como aquele que deu base à antiga teoria da dependência. O mundo ficou mais pragmático e alguns ainda ensinam os jovens a lutarem num campo quase irreal, quando se vai enfrentar a realidade do mundo do trabalho há um choque. E quando não se encontra saídas para essa ou aquela situação culpa-se o exterior, este tem sido um esporte regional para explicar casos da América Latina. Culpa-se a Inglaterra pela Guerra do Paraguai até hoje, mas a história é outra, a região estava em conflito desde a independência. (45) Culpou-se a Esso e a Shell pela Guerra do Chaco entre Paraguai e Bolívia por causa do petróleo que ali existia; nunca encontraram nada naquele pedaço da América do Sul. O fracasso da integração econômica na América Latina na década de 1960, através da Alalc, do Pacto Andino ou o Mercado Centro-Americano, foi culpa dos EUA. Motivos regionais levaram àqueles fracassos. E algumas vezes até se cria ou se aceita teorias para explicar que o erro não está aqui, o culpado vem de fora.

Foi nesse momento de ebulição política, econômica e intelectual na América Latina, mais os próprios problemas internos dos EUA como o mo-vimento pelos direitos civis e ainda a competição com a crescente imagem do modelo soviético em partes diferentes do mundo, que o governo John Kennedy entendeu de olhar por outro viés a América Latina. Aceitava agora

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a busca de alternativas para ajudar a maioria da população pobre da América Latina, aquela mesma intenção que começara no governo Eisenhower que o antecedeu. A tese defendia, que se não se fizesse algo diferente, os pobres poderiam ser atraídos para o comunismo. A luta dos EUA foi sempre a de combater o comunismo, seja por intervenção, ajuda às escondidas, dinheiro, tapinhas nas costas, estivesse no governo um Democrata ou um Republi-cano, mas nunca abandonam a ajuda militar na região. Foi uma política de duas faces: apoio econômico por um tempo e também de ajuda e treina-mento dos militares para combater o comunismo. Na presidência de John Kennedy houve, portanto, uma nova tentativa de aproximação entre as duas partes diferentes da América.

Kennedy representava o novo, supostamente diferente dos presidentes recentes daquele país. Falava talvez a linguagem da época. Uma época que se mostrava diferente na música, no comportamento, no relacionamento, na família. Os jovens até pensavam que poderiam mudar o mundo com paz e amor. Como exemplo, Joan Baez ou Nat King Cole cantavam músicas latino-americanas. A Bossa Nova, música nascida no Brasil, teve boa aceitação em certos círculos dos EUA. Parecia repetir o que houvera lá atrás no momento da Depressão por que passou o país quando foi descoberta a música latina americana, principalmente a do Caribe. Que, como na década de 1960, teve aceitação razoável em parte da população do país. Mas, é preciso ressaltar mais uma vez, que mesmo num momento diferente para o relacionamento entre os dois lados da América a maioria das pessoas dali continuou a ver a região como cheia de instabilidade política e econômica. No governo e ins-tituições de estudos percebeu-se que o problema social da América Latina era agudo, ali estava a base do descontentamento contra governos, elite e os próprios EUA. Foi nesse contexto que nasceu a Aliança para o Progresso, ela supostamente impulsionou a região para outros patamares.

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novos tempos e Práticas antigas

A hostil recepção ao vice-presidente dos EUA, Richard Nixon, em maio de 1958, em sua visita à América Latina, despertou aquele país para uma nova re-alidade regional. Achavam que havia uma admiração para o chamado “colosso do norte”, e não havia mais. Até o diretor da CIA, Allen Dulles, se mostrou chocado. Em 1959, nascia a agência que foi a base para a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento, com recursos iniciais de um bilhão de dólares. Fidel Castro chegou ao governo cubano em janeiro de 1959; em abril de 1961 as forças paramilitares montadas pelos EUA para derrubá-lo foram derrotadas na Baía dos Porcos, e Cuba marchou para o lado dos soviéticos. A pobreza da América Latina era enorme, e forte o apelo para o comunismo. Um novo presidente do país assumira o governo em janeiro de 1961, John Kennedy do partido Democrata. Já em março de 1961, antes mesmo do fiasco da inva-são contra Cuba, o governo lançou a ideia da Aliança para o Progresso. (1)

Os EUA ainda estavam presos à decisão da época do Plano Marshall ou que não havia dinheiro público para investimentos na América Latina, diferente do que se faria na Europa, devastada pela guerra e mais perto dos fluidos de Moscou. A América Latina não tinha passado por isso e, claro, estava longe do governo soviético e sob tutela dos EUA. O foco mudou: os EUA concordaram em colocar recursos para ajudar no desenvolvimento econômico da região, um Plano Marshall tardio para a área. Além de se falar em dinheiro para ajudar na industrialização, em estradas e outros setores para o futuro desenvolvimento da região houve ainda recursos para resolver o problema imediato da enorme pobreza, a necessidade social demandava isso. O programa previa ainda reforma agrária, habitação, melhor educação e saúde para os mais pobres e mais impostos, principalmente o de renda. Seria modificada a maneira de recolhimento de impostos para que diminuísse a diferença existente entre ricos e pobres. Deveria ser abolido o analfabetismo, acabar com a inflação e buscar um equilíbrio fiscal. A América Latina con-tribuiu também com recursos próprios para ajudar nesse esforço.

Capítulo VI

u

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Ao olhar a proposta pelo retrovisor da história já dava para perceber que ela teria problema. Foi a década de 1960 e falar naquele período em im-posto de renda para os mais ricos, para que esse dinheiro ajudasse aos mais pobres, ou que deveria haver uma distribuição de terras numa região em que o latifúndio era uma tradição colonial, já dava para antever que o programa encontraria barreiras. Não gozaria de apoio no meio da elite que não olhava para o longo prazo dos ganhos, não abriria mão do que lhe pertencia para um suposto ganho mais tarde quando a população melhorasse sua qualidade de vida. Os objetivos propostos para a Aliança para o Progresso também eram irrealizáveis. Um alto assessor do governo Kennedy (2) disse que o projeto previa levar o latino-americano a ter apreciação pelo trabalho e pelo conhe-cimento científico e mudar a ênfase regional em estudos humanísticos. Tam-bém previa aumentar o senso de responsabilidade pública e mais respeito pelo bom governo, mais espírito de comunidade, e que a mobilidade social se fizesse mais pelo valor do indivíduo do que pelo status. Queriam mudar o comportamento do povo da América Latina. Uma proposta não realista, nunca foi atingida.

Mas assim mesmo se tentou implantar o programa, previa-se chegar a uma quase revolução em 10 anos. A quantia em recurso seria de 20 bilhões de dólares, tanto para o plano de longo prazo como aquele para resolver as mais imediatas necessidades da população. A renda per capita deveria au-mentar nesse período em pelo menos 2,5% ao ano, e o PIB em 5%. Quem deveria tocar o programa seriam três instituições latino-americanas: a OEA, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Cepal ou Comissão Eco-nômica para a América Latina, órgão da ONU com sede em Santiago do Chile. Foi criado ainda o Conselho Econômico e Social Pan-Americano, que era gerido por nove pessoas que receberam a alcunha de “os nove sábios”. Também buscaram o apoio de dois ex-presidentes latino-americanos, Carlos Lleras Restrepo, da Colômbia e Juscelino Kubitschek, do Brasil.

Criam-se liames burocráticos, muita gente para decidir. As três institui-ções latino-americanas, como o banco, a OEA e a Cepal, não tinham ne-nhuma importância para os EUA. Além disso, a América Latina era olhada pelos norte-americanos como se fosse inferior, nunca tratada como igual, era uma tradição da cultura e do comportamento daquele povo. Se não con-cordavam em tratar a região como igual como imaginar que os EUA iriam se submeter a controles e orientações de instituições regionais? Os norte-americanos entraram com a maior parte dos recursos e não estavam dispos-tos a aceitar que gente da América Latina orientasse os gastos dos recursos que estavam colocando à disposição da região. Os fatos sugerem que ou as

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pessoas dos EUA envolvidas no projeto não estavam familiarizadas com a realidade latino-americana ou a coisa tinha sido feita para não dar certo. O ideal também seria que o povo da América Latina se envolvesse no assunto, foi um programa de cima para baixo, sem uma efetiva participação popu-lar, incluindo fiscalização dos gastos. Havia no período muito analfabetismo, grande parte das pessoas morando no campo, meios de comunicação menos abrangentes que os de agora. Seria sonhar demais querer que o povo exer-cesse uma fiscalização mais efetiva num programa tão amplo e complexo. Também nos EUA a população não estava convencida desse plano. Quem votaria e liberaria recursos seria o Congresso, e parlamentares sempre esta-vam de olho na eleição seguinte.

Também as propostas imaginadas no programa atrapalhariam a ação da esquerda latino-americana. (3) Um programa daquele, se desse certo, tiraria o discurso das pessoas que militavam naquela área. Recebeu chumbo por esse lado também, além do receio da elite em mudar uma situação regional que lhe era favorável desde o período colonial. Outro fator que não ajudou a proposta foi a desconfiança regional sobre esses novos EUA. Antes eram invasões, arrogância, morte da política da Boa Vizinhança, e em seguida apa-recia outro discurso no país, preocupado com reformas sociais e econômicas, querendo ajudar os mais pobres. Essa mudança provocou alguma descon-fiança. Sem desconfiança já seria difícil cumprir a proposta, com ela pelo caminho ficaria pior ainda.

Um das ações paralelas do plano foi o envio de milhares de jovens norte-americanos para a América Latina no programa chamado Peace Corps. Pare-ce que o Peace Corps ajudou em duas pontas os interesses dos EUA: o jovem que veio compreendeu mais a América Latina em sua crua realidade, um conhecimento que poderia ser positivo ou negativo para o relacionamento; também diminuíram os protestos dos jovens norte-americanos contra seu próprio país ao compararem o que ali existia com a dificuldade encontrada na América Latina. Cresceram também nos EUA os estudos sobre a região, surgiram, aos poucos, os Centros de Estudos Latino-Americanos (Washing-ton bancou alguns deles, outros receberam recursos de entidades privadas). Esses centros estudavam a política, a economia, a sociologia, a história, a antropologia, a literatura, a arte ou o que fosse da região. Esses estudos aju-davam a ter ali, pelo menos em certos lugares, uma visão diferenciada da América Latina e seus reais problemas. Formavam gente para trabalhar em multinacionais na América Latina, na CIA ou no Departamento de Estado, ou mesmo serem professores sobre assuntos da área. Foram criados 24 desses centros nos EUA (a relação está no capítulo final), e ainda se tem 14 outros

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na Inglaterra e que, tendo a língua inglesa como base, facilita uma troca e complementação nos trabalhos acadêmicos sobre a América Latina.

Retornando à Aliança para o Progresso. Problemas concretos aparece-ram nessa nova ação do governo norte-americano para a América Latina. O crescimento per capita anual desejado nunca foi atingido, também o PIB de 5%, com exceções, tornou-se difícil de ser alcançado. O crescimento per capita nos anos iniciais da Aliança ficou em 1,5%. (4) E, para atrapalhar ainda mais, o pequeno crescimento era anulado pelo aumento populacional. Inflação foi outro complicador do período. Inflação e população crescendo anulavam qualquer ganho que os mais pobres pudessem ter. Nos EUA, em novembro de 1963, John Kennedy foi assassinado em Dallas. Seu sucessor, Lyndon Johnson, que não participara da montagem desse plano para a Amé-rica Latina, nunca foi um entusiasta sobre a região. Além disso, tinha seus próprios problemas, e dois deles de alta envergadura: a guerra do Vietnã e a necessidade de resolver ou minorar a situação do negro no país cuja popu-lação talvez fosse tão pobre quanto a da América Latina. O Congresso tam-bém foi diminuindo seu entusiasmo frente aos números que apareciam sobre a Aliança, e foi cortando recursos para o programa. O novo presidente não tinha interesse em fazer enfretamento ali para buscar o que se faltava para complementar o que se propôs lá atrás. Ele destinou recursos para tentar contornar problemas internos nos EUA, como a pobreza do negro norte-americano naquilo que recebeu o nome de war on poverty, até ajudou a di-minuir as reclamações dos mais pobres do país. Ao invés de mandar recurso da nação para outra gente e região decide-se que seria mais bem aplicado internamente. Ajudava até nos aspectos político e eleitoral, ajudava ainda em ganhar a opinião interna num momento em que o país aumentava a escalada da guerra no Vietnã, uma guerra nunca bem vista pela maioria da população dali.

Naquela mesma década começou a crescer o número de ditaduras na América Latina, a Guerra Fria aumentou. O governo Johnson (1963-1969), seguindo o modelo clássico nos EUA, aceitou governos autoritários amigos para combater o comunismo. Como ali acreditava que a região tinha essa tradição, o melhor seria não contrariar a história, não navegar contra. Era melhor se adaptar à realidade do momento e não provocar mudanças sociais, econômicas e políticas para um povo que, achavam, não estava preparado para isso. A Aliança para o Progresso foi mais uma tentativa dos EUA em momento que o país se encontrava tensionado por fatos internos e externos que o colocavam numa posição um tanto quanto incômoda. Em situações assim, mostra a história deles em seu relacionamento com a América Latina,

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há uma tentativa de aproximação. Passada a borrasca volta-se ao de sempre. As administrações Lyndon Johnson, mais as seguintes, de Richard Nixon e Gerald Ford, que o substitui depois do caso Watergate, voltam-se para a es-tabilidade política na América Latina. Volta-se aos tempos anteriores àquele pequeno momento de otimismo do governo Kennedy. Volta-se praticamente à época de Eisenhower: ajuda econômica sem o exagero de um programa como o de Kennedy, investimento da iniciativa privada e armas e treinamen-tos para os militares.

Na administração Lyndon Johnson, com a guerra no Vietnã e a crescen-te influência de Cuba na América Latina, fez até pior: mandou, em 1965, 20 mil marines invadirem a República Dominicana (5) e contou até com apoio militar do Brasil no governo Castelo Branco. Voltou-se à época da diplomacia do dólar ou do big stick lá da década de 1920, que fora pressupos-tamente enterrada com a política da Boa Vizinhança. Johnson dizia que não iria permitir outra Cuba na área; deu apoio a qualquer governo militar que surgisse na América Latina, partia do princípio de que era a forma comum de governo aceito na região. Parabenizou e abençoou, por exemplo, a tomada do poder no Brasil, em março de 1964, pelos militares. Seu governo treinou, entre 1963 e 1971, na Academia Internacional de Polícia em Washington, 641 militares brasileiros. (6)

Para se ver como não mudou a opinião nos EUA sobre a América Lati-na, outra pesquisa de opinião pública (Gallup) de 1968 mostrou que a discri-minação, distorção ou o que fosse criado pela história continuava o mesmo. O resultado é quase idêntico àqueles das pesquisas de 1928 e 1941. A pessoa devia indicar numa escala de importância a colocação de 28 nações, cinco latino-americanas (Brasil, Argentina, Chile, Uruguai e Cuba). Canadá ficou na frente de todas com 64%, Brasil com 13% ou 15º lugar no grupo de 28 nações. Argentina com 11% ficou em 18º lugar. Chile com 8% (o mesmo da velha Índia) ou 20º lugar, Uruguai com 7% na 22º posição e Cuba com menos de 1% junto com a China comunista na última posição. Com exce-ção de Cuba, os outros países latino-americanos ficaram acima dos países comunistas Rússia, China e Vietnã, e também de árabes como o Egito e Iran, mas não ficaram à frente de nenhum país considerado branco ou da civilização ocidental. (7) Há nas pesquisas de opinião uma clara amostra da visão norte-americana para com a América Latina. Uma região onde, nessa interpretação, os povos não estariam em condições de sozinhos crescerem politicamente e chegarem ao patamar alcançado pelos povos brancos.

Em setembro de 1970 Salvador Allende ganhou a eleição para presiden-te do Chile, foi o primeiro presidente socialista eleito no mundo ocidental;

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(8) François Mitterrand na França mais tarde. Antes, na eleição, os EUA já atuaram para impedir sua vitória. Allende no poder amedrontou Richard Ni-xon (1969-1974) e o seu Secretário de Estado Henry Kissinger. O Chile não era uma Guatemala ou uma república de banana, mas era visto pelo governo norte-americano como sem importância e também como uma criança em política. (9) A imagem de Allende e do Chile na mente dos dirigentes norte-americanos é a clássica: não tem importância, é dependente, mas deve-se impedir que vá para o lado inimigo, a União Soviética. Kissinger (10) disse que os EUA não iam permitir que um país fosse para o comunismo por “irres-ponsabilidade de seu próprio povo”. Mesmo sendo alemão, mas já embebido da cultura norte-americana, pensava e falava sobre a América Latina como se fosse um nativo daquele país. É também clássico atribuir a culpa ao “ou-tro”, o erro pela derrubada de um governo, ou o que fosse, seria do próprio povo do país e não de quem veio de fora. Estaria ali para ajudar aquele povo que não sabia se relacionar na arena internacional e poderia, porque ainda inocente em política, ser engambelado por uma potência de fora da área.

O Chile é um país com uma sociedade e atividade política um tanto quanto evoluída. Quem estuda a história da região sempre viu naquele povo um passo à frente em posicionamento político e aceite de novas ideias. Tinha uma tradição democrática até sofisticada, em 40 anos de história não hou-vera qualquer derrubada de governo por golpe militar. Nada disso tinha im-portância para o pensamento norte-americano. Como é comum nos EUA, a América Latina é vista de forma igual, toda a região sofre dos mesmos males como resultado da herança colonial. A regra, pela lei do menor esforço, era colocar qualquer país da área dentro da mesma moldura ou estereótipo que vem lá de trás. Não salva ninguém, nem o Brasil com o seu tamanho físico e população e nem mesmo o Chile, pensavam Nixon e Kissinger. Os EUA exerceram pressão econômica sobre o governo chileno, impedindo emprés-timos de agências internacionais como o Banco Mundial e o Banco Intera-mericano de Desenvolvimento. Usaram os mesmos métodos para se derrubar um governo latino-americano de um país dependente, e se havia problema de intervenção de um poder de fora a culpa era do próprio país e suas defici-ências, os EUA não estariam fazendo nada de mal. Allende foi deposto por Augusto Pinochet em setembro de 1973, Chile viveu momentos de angústia política por muito tempo. A repressão foi brutal.

Reitera-se que nos diferentes momentos de intervenção dos EUA em países da América Latina havia a associação dos interesses norte-americanos com algum grupo dissidente interno. Os EUA não atuaram sozinhos na Gua-temala, nem na tentativa de derrubar Fidel Castro ou ajudando os Contras

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em Honduras para atingir os Sandinistas ou ainda nas diferentes vezes em que invadiu a Nicarágua ou a República Dominicana. Sempre havia um gru-po fora do poder ou querendo se manter nele pedindo o apoio dos norte-americanos. Nessa divisão interna, que é eterna, eles atuam. Seguindo uma regra quase imutável há a união dos EUA com algum grupo de descontente que busca o apoio deles para chegar ao poder ou se manter nele. No Chile não foi diferente. Os casos diferentes do padrão de associação de grupos com os norte-americanos foram a guerra contra o México, a invasão do porto de Veracruz, e também, como já mencionado, na chamada “expedição puniti-va” entre 1916-1917, em que o general John Pershing com 10 mil soldados caçou Pancho Villa pelo interior do país.

Aproveita-se este caso para reforçar o ponto de vista de como se foi criando nos EUA a imagem negativa sobre a América Latina. Imagine o que pensaria um norte-americano ao saber que há um grupo de soldados por mais de um ano dentro de um país latino-americano sem que o mesmo reaja. Nem quer saber se havia ou não revolução no México, forma nele a convicção de que ali era assim e seria a mesma coisa no resto da região. O caso da independência do Panamá da Colômbia também pode ser citado. A separação foi fácil, não houve reação dos colombianos. Nos países invadidos no Caribe e na América Central a reação era superficial, um tipo de com-portamento incompreensível para a cultura anglo-saxônica. Cristaliza mais ainda nos EUA a imagem negativa sobre a região.

Jimmy Carter (1977-1981), do partido Democrata, ganhou a eleição de 1976 e introduziu mudanças na política externa dos EUA para a América Latina. Ele não aceitava a automática política da Guerra Fria entre o bem e o mal, considerava-a muito restritiva; tentou fazer mudanças, também no re-lacionamento com a América Latina. (11) Por exemplo, resolveu a situação do Canal do Panamá com a assinatura de um acordo em setembro de 1977, os panamenhos o assumem em 31 de dezembro de 1999. (12) Isolar Cuba não havia dado certo, países da área já mantinham relações diplomáticas com a ilha e crescia a propaganda de que os cubanos tinham uma situação na saúde e na educação melhor que a maioria dos países da América Latina, um fato que permanecia escondido para a maior parte dos norte-americanos. São criados, em 1977, escritórios de representações diplomáticas em Havana e Washington, maneira de abrir uma pequena porta entre os dois interes-ses. (13) A aproximação sofreu retrocesso quando, mais tarde, o governo norte-americano se deu conta do envolvimento militar de Cuba na África. E, claro, o regime cubano, quando dava, estendia a mão a diferentes países da América Latina.

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Os fatos mais uma vez sugerem que essa nova política de aproximação de Carter tinha raiz no que acontecia internamente naquele país, um mo-mento trepidante na vida daquela nação: os assassinatos de Robert Kennedy e Martin Luther King, em 1968, a derrota no Vietnã em 1975, ou ainda o desfecho do caso Watergate em 1974. Watergate abalou a política nos EUA, a democracia dali criticava em governos autoritários as ações encobertas e comandadas pelo governo Nixon. Teve gente que até achou que a instituição democrática poderia ser atingida. A economia dos EUA também sofria aba-los desde a crise do petróleo que, talvez pela primeira vez, teve filas de carros em postos de gasolina. Na indústria o país sofria grande competição do Japão e da Alemanha. Uma capa de uma revista semanal talvez seja o retrato do momento porque passou o país. Aparecia a palavra the surrender (a rendição) com o mesmo tipo de letra que escrevera anos antes na rendição do Japão no fim da II Guerra. Agora quem estava quase se rendendo era quem ganhara a guerra. A tentativa de mudança dos EUA em seu relacionamento com a América Latina quando estava em situação interna ou externa complicada era uma característica interessante, pontua-se mais uma vez. A política da Boa Vizinhança nasceu num desses períodos, a Aliança para o Progresso também. Agora Jimmy Carter seguia a cartilha do país em ser mais maneiro-so naqueles momentos. Quando a situação se mostrou diferente voltou-se a atuar como sempre, principalmente na relação com a América Latina.

Acreditava o governo norte-americano que a União Soviética resolvera expandir-se por áreas do mundo enquanto os EUA estavam ainda atordo-ados pelos diferentes acontecimentos internos e pela derrota no Vietnã. A África seria um desses lugares, e Cuba estaria ajudando nessa empreitada. Não se sabe até hoje se a ação de Castro ali foi uma iniciativa própria ou se a União Soviética estava por trás. Há interpretações que dizem que até os aliados soviéticos foram apanhados de surpresa com aquele ato cubano. O que não se tem dúvidas é que o armamento foi soviético, ajudou a esquerda a tomar o poder em Angola com Agostinho Neto, por exemplo. Castro, ali-ás, foi o único dirigente internacional a ser convidado para a posse daquele presidente. Frente a fatos como esses e outros na América Latina com apoio dos cubanos, o governo Carter voltou atrás no seu iniciante relacionamento com Cuba, tratou-se como um caso no auge da Guerra Fria.

O caso cubano serve de gancho para mais uma análise da relação dos EUA com países latino-americanos. A Cuba de Fidel Castro foge do figurino clássico criado nos EUA sobre a América Latina: dependente, criança em política e fácil de ser manipulada. Essa quebra de paradigma é que talvez te-nha feito com que os EUA, até hoje, tenham Cuba na alça de mira, ela fugiu

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dos estereótipos de antes. Mas não escapa de outro: tudo aquilo aconteceu porque os EUA cochilaram e a ilha caiu nos braços de um inimigo de fora da área. Não foi cochilo, foi equívoco mesmo, acharam que iam fazer no caso cubano o mesmo que fizeram com Arbenz da Guatemala. Se falhasse a ação paramilitar a pressão econômica estrangularia o regime de Cuba. Ao jogar Castro para o lado soviético aconteceu até o apoio econômico na venda de petróleo e compra de açúcar. Depois, na crise dos mísseis, no acerto final, é comum aceitar que uma das condicionantes para não se instalar mísseis voltados para os EUA seria que este país não invadisse Cuba. Não invadisse e nem patrocinasse, como em tantos outros casos, invasão do país. Talvez sejam fatos assim, ainda não digeridos, que fazem com que os EUA tratem Cuba até hoje como um caso no auge de uma Guerra Fria que morreu há tanto tempo.

Os EUA hoje têm relação comercial com o Vietnã, lugar onde sofreram uma derrota militar, onde morreram milhares de norte-americanos. Os EUA têm ligação com a China que era acusada de tantas coisas antes de Richard Nixon buscar entendimento diplomático e comercial. Os EUA se aproxima-ram também de outros países que no passado tinham contrariado interesses norte-americanos. Com Cuba, pequena ilha do Caribe perto dos EUA, com base católica e espanhola, nada disso ocorre. É um caso curioso. Alega-se que os norte-americanos não buscaram um entendimento com Cuba porque os cubanos nos EUA não querem, mas não tem sido assim quando aquele país precisa enfrentar pressões até maiores que as dos cubanos. No caso do Oriente Médio os EUA já enfrentaram o lobby judeu, que é superior ao dos cubanos nos EUA, tem mais dinheiro, força na mídia e votos que eles. Além disso, os novos cubanos nos EUA, aquela geração depois dos primeiros exila-dos, não pensam como os mais antigos, querem abertura para Cuba, e mes-mo assim o governo norte-americano não faz gesto nessa direção. Pesquisa de opinião pública nos EUA, da Zogby de 10 de agosto de 2007, mostrou que 58% dos norte-americanos concordam em modificar a relação com Cuba, e 56% que acabe o cerco comercial. Em 2 de outubro de 2008, em outra pes-quisa do mesmo instituto, já mostrava uma tendência até maior: 60% para rever a política para a ilha e 62% para abandonar o bloqueio comercial.

Mesmo com a opinião pública a favor de uma mudança, contrariando a regra ali de seguir o rumo que a maioria do país quer, o governo norte-americano não mostra vontade em mudar algo que tinha algum sentido nos anos da Guerra Fria. O que gera desconfiança de que seja uma espécie de punição porque um país da área se comportou de forma diferente da regra criada naquele país para os povos da região. Se houver conversação entre os

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dois interesses talvez o problema esteja em que o lado mais fraco da equação seja tratado como igual. Quem sabe dá para conjeturar que esteja aí a dificul-dade do Departamento de Estado em fazer essa mudança. Tem uma história por trás, teria que modificar a tese antiga aceita ali sobre o que é e como se comporta a América Latina, e se fizer algo diferente para um país teria que modificar a maneira de tratar outros países da área também.

Fala-se ainda no governo norte-americano que o impedimento para essa aproximação é porque em Cuba não há liberdade de imprensa ou pensamen-to, só um partido e não tem eleições livres, que Cuba deveria primeiro fazer essas mudanças para depois haver a aproximação. O Vietnã e a China hoje têm partidos únicos, liberdade de imprensa vigiada e um controle político de um grupo no poder. Os EUA não exigem mudanças para se ter entendimento comercial e diplomático com eles. Num passado não distante os EUA ajuda-ram a manter no poder na América Latina algumas das piores ditaduras do mundo. Na Argentina, no Brasil e no Chile, como exemplo, os militares e seus aliados internos e externos praticaram atos que os norte-americanos conde-nam em Cuba. Augusto Pinochet ficou no poder por anos com suporte e apoio dos EUA. Não se pediu a ele que libertasse prisioneiros ou tirasse a mordaça da imprensa para que houvesse entendimentos entre os dois governos. Os fatos sugerem que essa aproximação não vem, entre outros motivos, porque alguém na região, agindo certo ou errado, contrariou a tese dominante nos EUA de que os países da região são dependentes e imaturos politicamente.

Não se está fazendo defesa do regime cubano, já está na hora de se promo-ver ali mudanças e aberturas num mundo diferente desde a queda do Muro de Berlim. Mas é quase incompreensível os EUA fazerem de Cuba, uma pequena ilha de 11 milhões de habitantes, ainda um lugar inimigo como se a Guerra Fria não tivesse terminado. Esse episódio só pode ser entendido dentro do quadro histórico da relação dos EUA com o Caribe e a América Central. Um aprendiz em política, com apoio de fora da área, ousou desafiar o gigante perto de casa. Não é que o caso cubano seja o caminho na relação entre os dois lados da Amé-rica, não há mais espaço para isso num mundo cada dia mais aberto. Foi citado como ilustração sobre o relacionamento dos EUA com países da região.

Outro acontecimento da era Carter foi a chegada ao poder dos Sandinis-tas na Nicarágua em 1979. O governo norte americano, ainda indeciso quan-to a sua política para a América Latina, deixou a coisa acontecer. Carter ten-tou uma aproximação com o novo governo, até ofereceu ajuda econômica, não queria repetir o erro que os EUA cometeram com Cuba ao antagonizar Fidel Castro e esse ter se alojado nos braços de Moscou. Os Sandinistas prefe-riam, no entanto, uma ligação maior com a União Soviética e com Cuba. Se

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aceitassem, perdiam o discurso interno, a luta deles (14) fora contra a família Somoza, que dominava o país desde que o patriarca da família, Anastácio, assumira o comando da Guarda Nacional na década de 1930, força criada pe-los EUA para tomar conta do país e usada por um grupo se manter no poder. Os Sandinistas não tinham como dizer à população, da qual dependiam para controlar o poder, que nada daquilo era verdade, e que os EUA seriam um país amigo dos que agora chegavam ao governo. A administração Carter foi considerada culpada nos EUA pela perda da Nicarágua para o lado soviético. No xadrez da política mundial isso não poderia ocorrer, cada país que caía no tabuleiro aumentava o poder do outro. Mesmo a pequena Nicarágua entrava como peça nesse jogo que dominou o mundo por muito tempo.

Frente a um novo momento dos EUA a administração Carter em ênfase à defesa dos direitos humanos em sua política para a América Latina. (15) A decisão de política externa foi positiva por um lado e difícil de ser concretizada por outro. Era momento das ditaduras na área e de defender os direitos huma-nos quando tanta gente estava sendo torturada, presa, e sem poder político foi até altruísta. Mas, com militares no poder em quase todos os países, haveria um choque de interesses. Imagine os governos da Argentina, do Chile e do Brasil se preocuparem com direitos civis ou com a defesa dos direitos do cida-dão. Carter ameaçava cortar ajuda aos governos militares que não obedeces-sem a suas propostas sobre direitos humanos. Governos como o do Brasil, da Argentina e do Chile rompem os acordos militares que tinham com os EUA. Criticam o governo Carter que os condenava, e diziam que ele não condenava os governos comunistas que infringiam também os direitos humanos.

O candidato a presidente pelo partido Republicano, Ronald Reagan, já criticava a política externa do governo Carter desde a campanha eleitoral de 1980. Achava que o presidente afrontava governos amigos na região, havia sido leniente e deixado o grupo comunista tomar o poder na Nicarágua, e que isso poderia estender para El Salvador, onde a Frente Farabundo Marti esta-va ganhando terreno. (16) Criticava ainda a atuação do governo para com Cuba e, mais tarde, aconteceu o momentoso fato em Teerã, quando foram feitos reféns os norte-americanos que trabalhavam na embaixada dos EUA no Irã. Um assunto que ajudou na derrota de Carter para Ronald Reagan.

Quem pautou a atuação futura da administração Reagan (1981-1989) para a América Latina foi Jeane Kirkpatrick. Ela era professora de Ciência Política da Universidade de Georgetown, Washington, e escreveu artigos em que condenava o que fizera Carter, e dava aula de como se deveria tratar a América Latina ou mais precisamente os assuntos em andamento da América Central e do Caribe. O que ela proclamava e defendia era a essência do pen-

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samento norte-americano sobre a região. Ela dizia que a política externa de Carter de direitos humanos enfraqueceu os aliados dos EUA na América La-tina, quase todos naquele momento com governos militares. Ela faz distinção entre governos autoritários e totalitários. (17) Defendia que governos autori-tários, como os da América Latina, seriam bons para os EUA, eram contra o comunismo e aceitavam princípios do capitalismo. Governos totalitários não aceitavam nada disso e, no geral, tinham o domínio de gente da esquerda. Também fala da importância da região para os EUA no jogo do poder mun-dial, cair um país na área de influência para o comunismo seria mandar uma mensagem errada para o resto do mundo. O poder dos EUA era global, a que-da de uma Nicarágua mandaria um recado para outros lugares do planeta.

Na continuação da análise, Kirkpatrick mostra como o norte-americano olha a América Latina da mesma forma desde o início dos primeiros contatos entre essas duas Américas. Ela não titubeia em aceitar o que o norte ame-ricano já aceitava sobre o comportamento latino-americano. Escreve que a região, pela tradição ibero-católica, estava acostumada a governos auto-ritários, não havia bases para florescer governos democráticos. A tradição seria do machismo, estava impregnado na alma regional, a violência é parte do sistema e da vida dessas nações. Falava sobre El Salvador e o momento político, e dizia que ali a violência e o golpe de estado são fatos normais, são parte da cultura do povo. Que a cultura local, como no resto da América Latina, enfatiza o machismo. Sua tese, altamente elogiada, não tinha nada de novo. Era como os EUA viam a região e também como atuava a política externa dali desde a década de 1920. É enorme a semelhança das ideias de Kirkpatrick com o que escreveu Louis Halle, que pautou também o governo Eisenhower quando decidiram derrubar Arbenz na Guatemala. Há um pa-drão seguido quase linearmente. Em alguns momentos muda-se um pouco a política externa dali devido a alguns fatos novos internos ou externos, mas a regra era a que Kirkpatrick estava propondo, e que deu a base intelectual para a atuação do governo Reagan na América Central. Ela fez tanto sucesso que foi indicada embaixadora do país na ONU.

Formou-se naquela nação, portanto, uma ideia sobre a América Latina que não muda. O governo Reagan foi na década de 1980, e o que pensam da região é quase a mesma coisa que pensavam os formuladores da política externa do país na época da diplomacia do dólar ou do grande porrete. Ki-rkpatrick, professora de uma universidade, também membro do conservador American Enterprise Institute, em Washington, como diz Schoultz, nunca esti-vera em El Salvador ou publicara um trabalho acadêmico sobre o país, dava aulas e ensinamentos sobre aquele país baseada exclusivamente no que já

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estava no imaginário do norte-americano a respeito do povo abaixo do Rio Grande. O que escreve Kirkpatrick sobre a América Latina é o mesmo que escreveram Louis Halle e George Kennan.

São três momentos diferentes, com três personagens também diferentes, falando de forma impressionante a mesma linguagem sobre a região. Pessoas e pontos de vista que influenciaram a política externa dos EUA para a América Latina. Pontua-se uma vez mais que o modelo mental que aquele país tem da região vem desde o século XIX e permanece inalterado, algo impregnado na alma daquele povo e governo. Acreditar que isso mudou no atual quadro do relacionamento entre os dois interesses é acreditar em duendes. Os fatos suge-rem que, mesmo sendo repetitivo, é quase impossível a América Latina ser tra-tada como igual pelos EUA. Se um governo dali pensasse em tal ato teria que recuar, porque não é aceito pela maioria da nação que aprendeu a aceitar que a região é complicada, e que isso tem base no legado colonial. Preocupar-se com problemas da América Latina, além de certo limite, não faz parte da cartilha de governos dos EUA. Casos raros rendem votos. E se a maioria dos aconteci-mentos não rende votos é pelo motivo óbvio de que não tem importância, e a razão disso está na história da relação entre os dois lados da América.

Ronald Reagan modificou a atuação dos EUA na América Central. Não somente ali, sua relação com a América Latina foi aquela conhecida historica-mente. Aceitou, pela economia de esforço, aceitar o que a maioria das pessoas no EUA aceita sobre a América Latina. Ele dizia que a área era o backyard dos EUA, não se podia deixar que existissem comunistas à sua porta. O ataque ini-cial foi sobre a questão salvadorenha, mandou recursos, deu força aos militares do país e não se preocupou com direitos humanos. Mortes de freiras nortes-americanas, assassinato do Arcebispo Oscar Romero, massacres constantes, praticamente tudo publicado pela mídia dos EUA, não foram levados em con-ta. A maior parte da nação aceitava aquilo como um fato natural e normal da área, na mesma linha de raciocínio de Kirkpatrick. Carter é que tentou atuar, frente à circunstância interna que o empurra a isso, de forma diferente. Não agradava aos ouvidos e mentes da maioria do seu país. Não foi reeleito.

Em El Salvador, Reagan acabou tendo sucesso, os guerrilheiros que ca-minhavam para tomar o poder não chegaram lá. Dá para especular que, se Carter tivesse ganho a eleição, e como sua ação foi de buscar algum tipo de acomodação política para a área, atuando diferente da agressiva política de Reagan para a América Central, talvez a Frente Farabundo Marti tivesse chegado ao poder. Reagan impediu que isso ocorresse. Seu governo voltou as baterias também para os Sandinistas na Nicarágua. (18) Retornou aos tem-pos de Eisenhower na derrubada de Jacobo Arbenz na Guatemala, e criou

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uma força paramilitar, estacionada em Honduras, para atazanar o governo nicaraguense. Exerceu ainda pressão econômica contra o regime que se aproximara da União Soviética e Cuba. No mesmo estilo da CIA, em 1954, no caso da Guatemala, houve também uma guerra psicológica contra os San-dinistas, falava-se em forças monumentais invadindo o país. Como a região é vista de forma infantil em sua vida política, o caminho, como em outros casos, seria amedrontar essa gente com uma parafernália de ação psicológica. Deu certo com Arbenz, teria que dar certo agora também. Foi uma tentativa não tão forte como antes porque os meios de comunicação acabaram mos-trando parte do que estava realmente acontecendo. Reagan não conseguiu derrubar os Sandinistas apesar da enorme pressão, sendo a maior delas o embargo econômico. A pressão militar ajudou a enfraquecer os Sandinistas, gastaram em defesa os poucos recursos da nação. A situação econômica es-tava também complicada. Além disso, a União Soviética esboroava-se, e dali e nem de Cuba poderia ter mais ajuda. Os dois lados em disputa, Sandinistas e os Contras, que tinham o suporte dos EUA, aceitam uma proposta de paz intermediada pelo presidente da Costa Rica, Oscar Arias. E ela previa, entre outras demandas, que houvesse eleição no país.

Na eleição de 1990, Daniel Ortega, dos Sandinistas, perdeu a disputa para Violeta Chamorro. Ela era esposa do jornalista Joaquim Chamorro assas-sinado pelo regime da família Somoza anos antes. A pressão econômica tinha sido forte, a União Soviética com seus problemas não ajudou na proporção que fizera com Cuba, a condição social na Nicarágua piorou, houve inflação, o preço da comida subiu. Os Sandinistas, que não perderam a disputa armada com as forças paramilitares estacionadas em Honduras, e pagas pelos EUA, perdem no voto como resultado da situação econômica interna. A pressão dos EUA funcionou de maneira indireta. Logo que Violeta Chamorro ganhou, teve apoio econômico, e o embargo desapareceu no governo George Bush.

No governo Reagam explodiu ainda a crise da dívida externa, que apa-nharia a América Latina de forma contundente. (19) Anos antes, com a subida do preço do barril de petróleo, os países produtores se abasteceram de dólares, os chamados petrodólares. Colocam parte desse enorme capi-tal em bancos europeus e dos EUA. Esses bancos precisavam emprestá-los para ter algum lucro, o mundo estava cheio de dólares para emprestar. A dívida da América Latina, que era de 27 bilhões de dólares em 1970, su-biu para 340 bilhões em 1984. (20) O serviço da dívida quase estrangula as economias regionais. O governo Reagan ajudou a minorar a situação da dívida mexicana (80 bilhões de dólares), depois deixou que o restante fosse conduzido pelos bancos privados com o suporte do Fundo Monetário Inter-

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nacional. Para ter suas dívidas renegociadas ou minoradas pediam-se ações de austeridade econômica nos países endividados, fato que atingiu o nível de vida da população, houve inflação e descontentamento político. É só olhar, como exemplo, o que houve no Brasil nos governos João Baptista Figueiredo (1979-1985) e José Sarney (1985-1990). Talvez possa ser dito que se a situa-ção econômica do período não fosse tão ruim a oposição não teria condições de enfrentar o regime militar num colégio eleitoral criado para eleger alguém civil de confiança do regime que saía. Com crise econômica, ganho salarial em queda, inflação acelerando, povo descontente acendeu-se o estopim que levou a oposição ao governo, a crise da dívida externa ajudara nisso. A crise econômica e suas consequências sofridas pelo Brasil ou qualquer outro país da América Latina foram debitadas à região. O culpado era, como sempre, o outro. Foi um dos fatos e momentos de que mais se falaram nessa tal de culpabilidade nos EUA e, no caso, com alguma razão.

Reagan invadiu ainda a pequena ilha caribenha de Granada, em 1983, (21) é parte da tese defendida por Kirkpatrick sobre o prestígio dos EUA no mundo, não podia perder nenhuma nação sob sua influência. Se perdesse mandaria um recado errado para outros lugares. Acreditando que ali havia um governo comunista ligado a Fidel Castro, ele invadiu a ilha. Impressiona como uma ação daquela fez bem ao ego dos norte-americanos. O país perdera a guerra do Vietnã e passara por uma série de problemas políticos internos. A invasão de uma ilha pequena ajudou a melhorar o humor nacional, e Reagan, grande comunicador que era, soube capitalizar aquele momento. Os EUA também ficaram ao lado da Inglaterra na guerra com a Argentina pelas Ilhas Malvinas ou Falklands. (22) Os EUA pressupostamente deveriam dar apoio a uma nação do continente perante a opinião pública internacional. Reagan optou por Margareth Thatcher, e a antiga aliança que unia os dois países. Não houve pressão da OEA ou o que fosse que fizesse os EUA darem suporte pelo menos aparente a um membro da organização. Uma das alegações dos EUA foi que o país ficaria ao lado da democracia contra o governo militar e ditatorial na Argentina. O inverso do que fizera por anos de Guerra Fria ao dar força aos regimes de exceção em praticamente toda a América Latina.

Em 1991 a União Soviética entrou em colapso. Ela já não dava atenção aos fatos na América Latina desde algum tempo. Aliás, com exceção do caso cubano, a presença dela nos assuntos latino-americanos talvez tenha sido mais invenção dos EUA para justificar uma atuação mais forte na área. O apoio de Moscou a Cuba pode ser ressaltado, outros nem tanto. Não houve caso similar com outros países da área. O tiroteio infernal sobre a tal pre-sença dos soviéticos funcionou. Pareceu até, só que num plano maior, com

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o caso da Guatemala de Arbenz, bateram o bombo com vigor, e de tanto bater passou a impressão de que a coisa era mais real do que realmente foi. O objetivo era aquele mesmo.

Apesar da “negligência benéfica” por que passava a região desde o fim da Guerra Fria um caso ainda aconteceu na relação entre os EUA e seus vizinhos mais próximos. Os EUA tinham ascendência sobre o Panamá desde que o país foi criado, o Canal era o símbolo mais forte dessa dependência. Na década de 1980 um aliado dos EUA, general Manuel Noriega, começou a mostrar certa independência, falava em nacionalismo. (23) Como Noriega não podia con-tar com a elite, a classe média local se voltou para as massas para afrontar os EUA. Este país, no governo George Bush, o acusava de dar suporte ao tráfico de drogas. Gente dos EUA foi para o Panamá para dizer ao homem forte do país que era tempo de abandonar o governo. Ele não ouviu nenhuma dessas opiniões. George Bush invadiu o país com 25 mil soldados, prendeu Noriega, mandou-o para os EUA, onde é julgado por tráfico de drogas e condenado à prisão perpétua naquele país. A OEA fez uma reunião de emergência e con-denou a presença dos EUA no Panamá por 20 votos a 1. Um protesto inócuo, como é inócua a atuação dessa organização em assuntos latino-americanos. Os EUA não tomam conhecimento de sua existência, nem obedecem a suas diretrizes ou se preocupam com suas decisões. O caso Noriega é um exemplo, outro foi o do apoio de Ronald Reagan à Inglaterra na Guerra das Malvinas.

Para se ver como a OEA atua de forma estranha, em 1991, depois da queda do Muro de Berlim, e de ter Augusto Pinochet abandonado o governo no ano anterior, em reunião no Chile, decidiu-se que a América Latina não permitiria mais interrupção no processo democrático, ou não se permitia mais ditaduras. Dez anos depois, em Lima, com fanfarras, reforçou-se a mes-ma decisão. Depois de anos de regimes de exceção, em que os EUA davam apoio, só depois da Guerra Fria a OEA decidiu “criar” um mecanismo contra ditaduras e a favor de democracia. Imagine a reação das pessoas nos EUA ao tomarem conhecimento de atos como esses por um órgão de suposta impor-tância regional. Em torno de ações assim aumenta a crença de que o latino-americano é quase infantil em política externa.

O governo norte-americano, antes de derrubar Noriega, obedecendo às regras de um novo momento, promoveu uma ação de propaganda nos EUA, na América Latina e em outros países para justificar o ato armado. Desde a Guerra do Vietnã, em que a mídia jogou a guerra na sala de jantar do norte-americano comum, o governo do país aprendeu como lidar com um evento externo. Prepara-se antes os ambientes interno e externo de apoio à iniciativa que se vai tomar. Informações, certas ou distorcidas, para a mídia,

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discursos contra tirania, e que se vai levar liberdade e democracia para esse ou aquele povo. Tantos anos depois é a mesma tese do Destino Manifesto ou de missão quase divina. Foi o que aconteceu no Panamá onde um presidente foi deposto, mandado para uma prisão no país invasor, e a maior parte da América Latina apoiou a medida sem perguntar se fora correta ou não ou de que lado estava a razão. A razão ficou outra vez com o mais forte com sua arma militar e de propaganda. A culpa pela invasão foi do invadido, os EUA estavam ali para restaurar a liberdade a um povo oprimido. Derrubou o mesmo Noriega que fora antes aliado dos EUA. Martha Cottam diz que o caso Noriega foi, mais uma vez, aceito nos EUA porque o Panamá era visto como um país dependente, com um governo cruel e autoritário, na tradição latino-americana, sua saída seria uma coisa boa para o povo panamenho.

George Bush, presidente dos EUA entre 1989 e 2003, criou (24) a cha-mada Iniciativa para as Américas, ou a tentativa de integração econômica do Alaska à Terra do Fogo, todos os países das Américas numa integração econômica. Essa iniciativa serviu para reavivar as integrações que estavam adormecidas na região. O Mercado Comum Centro Americano e a CAN, ou Comunidade Andina, tomaram fôlego novo. Reforça também a vontade de integração existente entre o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai no Mercosul. Todas as integrações criando musculatura para uma conversa maior com os EUA numa suposta integração continental. (25) Depois de muito de-bate e controvérsia ocorreu a integração econômica da América do Norte ou EUA, Canadá e México no Nafta (North American Free Trade Agreement) em 1992. (26) Uma economia menor em contato com duas outras maiores. Uma das intenções desse acordo de livre comércio visava aumentar o número de empregos no México, diminuiria a ida de tantos mexicanos para os EUA. Mais tarde, o Chile foi admitido nessa integração. Funcionaria, em tese, como um aprendizado para que à frente outros países da área pudessem também participar de uma integração econômica maior, fato que não ocorreu.

Mais tarde, num encontro em Miami, em dezembro de 1994, já no gover-no Bill Clinton (1993-2001), foi proposta a criação de uma integração econô-mica entre todos os países na Alca (Área de Livre Comércio das Américas). (27) Encontros e mais encontros, debates no Congresso norte-americano para aprovar medidas concretas para essa integração, mas não deslanchou. Outros países da região, como o Brasil, apoiados nos parceiros do Mercosul, queriam concessões especiais dos EUA, principalmente na abertura de mercado para produtos agrícolas ou que os EUA acabassem ou diminuíssem subsídios ao setor. Por seu lado, os EUA queriam que os países da integração abrissem as portas para, por exemplo, o setor de serviço. Um lado não cedeu aos apelos

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do outro. A proposta de integração econômica, recebida antes com fanfarras, foi morrendo aos poucos. Seria um instrumento que, se funcionasse em bene-fício de todos, poderia fazer uma aproximação maior entre os países da área. O receio regional de ser sufocado pela economia gigante dos EUA fez com que os países não buscassem com mais força essa integração. Os EUA, por sua vez, estabeleceram acordos comerciais mais aprofundados com outros países ou blocos da área. O Cafta, ou Acordo de Livre Comércio da América Central, inclui os países daquela região, mais a República Dominicana, numa integração comercial com os EUA. Houve também alguns benefícios tarifá-rios nos EUA para os países produtores de coca, uma abertura do mercado ali para que supostamente aqueles países possam mudar um pouco a produção da coca para outros produtos. E, se ocorrer, os norte-americanos comprariam mais esses bens da Colômbia, do Peru e da Bolívia.

Diminuiu a importância da América Latina para os EUA depois da Guer-ra Fria. Não havia mais com que se preocupar, não havia mais possibilidade de um país da região ir se abrigar no guarda-chuva soviético, imagem anterior verdadeira ou não. Não há mais comunistas ou que um país ao ir para o outro lado afetava a imagem e o prestígio dos EUA no mundo. A América Latina não é também uma área estratégica, o Atlântico estava sendo substituído pelo Pacífico como rota de comércio. A tecnologia moderna, principalmente a mi-litar, (28) em que de longa distância se pode fazer o que antes demandava pre-sença física, acaba fazendo com que a região tenha menos importância ainda. Satélites fazem observações quase milimétricas em qualquer lugar do planeta. Quando o Canal do Panamá passou para aquele país, os EUA já sabiam que não precisavam estar presentes no Canal para defender seus interesses na re-gião. Novas armas e satélites ajudavam nisso. Mas havia ainda alguns itens da agenda internacional que preocupavam os EUA em seu atual relacionamento com a América Latina: meio ambiente, drogas, imigração e comércio.

Existem sinais de que o mundo poderia sofrer consequências catastró-ficas se não mudasse a maneira de tratar o meio ambiente, não seria mais possível dilapidar esse capital sem restrições. Nem mesmo a tecnologia po-deria fazer com que o homem atuasse livremente no meio ambiente. Isso se choca com a antiga crença naquele país de que o homem devia conquistar a natureza, princípio até mesmo espiritual. Povo que não conquista seu meio ambiente é atrasado, pensavam por muitos anos. Agora, com sinais de aque-cimento global, com uma juventude mais preocupada com o meio ambiente, o país pensa diferente de antes, e dá atenção nessa área ao que ocorre na América Latina. Entidades ambientais fazem um barulho coordenado sobre o que ocorre, por exemplo, na Amazônia. Talvez possa ser arguido ainda que,

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quando se discutir para valer algum acordo global sobre meio ambiente, país como o Brasil, por causa da Amazônia, pode ser puxado para a agenda dos EUA. Até mesmo com discussão econômica sobre comprar ou não comprar bens não produzidos de forma ambientalmente saudável.

Outro assunto que hoje interessa os EUA em seu relacionamento com a América Latina é a questão do narcotráfico. (29) Os EUA são o maior consumidor de drogas do mundo e, como em tantos outros casos, procura-se mostrar que o culpado pelo fato não é o lado consumidor de droga e sim o produtor. É uma luta que não depende só do produtor, ou como disse um ex-presidente da Colômbia no auge do embate do país com o narcotráfico, num horário nobre da televisão nos EUA, que a culpa pelos problemas por que passava a Colômbia era dos EUA como o maior mercado consumidor, que o problema desapareceria se aquele país diminuísse o consumo de cocaína. Os norte-americanos levaram um susto com aquela fala sincera.

Os EUA ajudam até a combater as Farcs ou Forças Armadas Revolucio-nárias da Colômbia dando alguns bilhões de dólares para aquele país com o intuito de, ao enfraquecê-la ou derrotá-la, diminuir a quantidade de drogas para os EUA. É que se acredita que há uma ligação entre os traficantes e os guerrilheiros das Farcs, que é no tráfico que aquele movimento se abastece para seu enfrentamento político. Mas mesmo com ajuda como essa pesquisa de opinião pública nos EUA pelo instituto Zogby, em 2 de outubro de 2008, mostra que 76% dos norte-americanos acreditam que o país está perdendo a guerra contra as drogas. (30) Esta droga, que atinge milhões de jovens nos EUA, é como se fosse uma vingança contra a intrusão nas coisas da região, uma vingança de Montezuma numa alusão à conquista do México pelos espanhóis. O norte-americano enfraqueceu a cultura dos índios nos EUA ao vender bebidas alcoólicas a eles, (31) o mesmo foi feito ao introduzirem o rum entre os negros do país, como fez a Inglaterra com o ópio na China. Hoje a cocaína é um problema numa sociedade afluente que busca prazeres novos. O que aconteceu antes com índios e negros talvez esteja acontecendo agora com uma parte da juventude daquele país.

O comércio dos EUA cresce na América Latina, é maior com o México do que com todos os outros países da região juntos. O México absorve algo como 9% das exportações norte-americanas para o mundo, o Canadá recebe 20%, a Ásia 37% e toda a América Latina 7%. (32) A América Latina, entre 1992-2003, foi a região do mundo onde mais cresceu o comércio, 154%, com os EUA (a maior parte desse crescimento foi com o México), Ásia, 88%, 89% Europa e 78% África. Há um novo competidor na área que é a China. O comércio da China com a região cresce a uma média anual de

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40%, (33) já anda pelos 100 bilhões de dólares. A China compra cada dia mais produtos primários da área, a soja brasileira é um exemplo: a China a compra, os EUA não. O comércio entre Brasil e a China suplantou aquele com os EUA. A China tem investimentos em minas e refinarias no Peru, na Costa Rica, na Venezuela e na Argentina. Talvez esteja agora morrendo a Doutrina Monroe, aquela que dizia que não poderia haver outra potência na área, seria perigoso para os EUA. Há um novo ator: China. Um dos motivos dessa aproximação está na negligência que os EUA relegaram à América Latina desde o fim da Guerra Fria, e mais ainda no governo George Bush depois do ataque terrorista naquele país. Também podem ser acrescentados outros fatores próprios da região, (34) há mais independência econômica e não há tanta crise, as economias estariam mais robustas que antes. O caso brasileiro talvez ilustre um pouco o novo momento em que, com o comércio com a China, houve crescimento econômico na venda de mais commodities, a moeda se fortaleceu, havia menos inflação e os juros caíram.

Os fatos sugerem que a preocupação agora dos EUA na América Latina seja com a China, e por comércio e não, como no passado, com a ex-União Soviética, e por ideologia política. Dá até para especular se a China ajuda-ria na melhoria da logística de transporte em trechos da América do Sul para facilitar a exportação e a importação entre os dois interesses. Dos EUA, através de agências de fomento, até saiu dinheiro para infraestrutura, não de forma estratégica e planejada como essa imaginada aqui para levar e receber produtos pelo Pacífico. A China precisa de comida, a área pode produzir. Ela não pode ficar dependente de um só mercado, como os japoneses antes da II Guerra com alguns itens exportados dos EUA. China precisa diversificar o mercado comprador, a América do Sul poderia ser um deles. No caso uma potência investiria na região e não se sabe como reagiriam os EUA, não seria enfrentamento como nos tempos da Guerra Fria, mas por comércio. Se houver disputa, quem sabe, surge algo novo num relacionamento antigo. Seria a segunda vez que um país, desde o longínquo início do século XX, se posicionaria na região num enfrentamento com os EUA por comércio. Antes foram a Alemanha e a II Guerra, o desfecho dela eliminou aquela presença. A falada atuação da ex-União Soviética, com exceção do caso cubano, talvez tenha sido mais fanfarra do que um fato real. Agora se tem a China depois daquela quase paranóia regional da Guerra Fria. É um novo momento, bom para ser observado. Pesquisa de opinião pública da Zogby publicada nos EUA em 10 de agosto de 2007 (35) mostra que 56% dos norte-americanos acham que a presença da China na América Latina é uma ameaça para a influência dos EUA na região. Só 10% entendem que não há ameaça nenhuma. Lá se

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faz até pesquisa para analisar essa nova presença de um ator da política e comércio internacional na área. Um dado que, se por levado em conta o que houve antes, acaba influenciando a política externa do país.

Seria interessante perguntar como é que se vai posicionar o Brasil nesse jogo na América do Sul, onde o país vende uma razoável porção de bens in-dustrializados. Os dois gigantes da economia e comércio mundial se posicio-nando na região, e seria bom que o Brasil mostrasse também suas armas para fazer parte desse jogo. Agora é comércio, vender produtos, não tem mais o viés ideológico que acabava atrapalhando ações mais concretas de atuação comercial. O tempo mudou, personagem novo e situação nova aparecem, e seria útil que o Brasil fosse um dos protagonistas também nesta parte do mundo. Investir em transportes na área, facilitar as ligações do país com os outros da região, talvez seja uma das saídas. Com meios de transporte mais adequados, e pela proximidade geográfica, talvez dê para entrar nessa com-petição entre aqueles dois gigantes da economia mundial.

Na questão da segurança, um fator que empurrava os EUA a se imiscuir na região para não diminuir seu prestígio no mundo, depois da queda do Muro de Berlim e das novas tecnologias, faz com que a América Latina te-nha menos importância nos EUA. Não será abandonada pela política externa norte-americana, a proximidade geográfica e os problemas regionais, como imigração, acabam afetando aquele país. Por causa da imigração, o comércio e a geografia eles tinham um olho voltado para a região. É, afinal, uma área da influência deles, e não se abandona uma conquista que começou lá atrás com a Doutrina Monroe, seguida pela nota de Richard Olney, que definia a região como de interesse deles, passando ainda pelo Corolário Roosevelt à Doutrina Monroe, a diplomacia do dólar ou do big stick, ou era intervencio-nista. A rápida passagem pela Boa Vizinhança, novas invasões, Fidel Castro e a ex-União Soviética, nova recaída ou a Aliança para o Progresso, a volta às ações militares e paramilitares, derrubadas de governos, Carter e sua po-lítica dos direitos humanos, Reagan não a aceitou e retornou a maneira de antes ao promover invasões e derrubar governos ditos não amigos dos EUA. Com a queda do Muro de Berlim desapareceu o receio com o comunismo, as novas tecnologias fizeram a região ter menos importância na política externa daquele país, hoje mais voltada para o Oriente Médio, a Europa e a Ásia.

Pesquisa de opinião pública nos EUA pela Zogby, publicada em 26 de janeiro de 2008, mostra que somente 7% dos norte-americanos concordam que a América Latina é importante para aquele país. O Oriente Médio apa-rece com 43% de importância, a Ásia com 20% e a Europa e a Rússia com 12%. (36) Nem precisava de uma pesquisa desse tipo para comprovar um

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fato real do momento da relação entre os EUA e a América Latina. Quan-do os EUA decidiram tomar conta do comércio regional a América Latina teve importância para eles. Depois vieram a II Guerra e a Guerra Fria, mo-mentos também de presença mais próxima. Depois da Guerra Fria, na atual conjuntura, em que não há por parte dos EUA nem receio de país da região se bandear para regimes diferentes, a região passou para plano menor na política externa daquele país. Há um fato que pode fazer com que haja uma modificação nessa atitude: uma competição mais acirrada com os chineses na área. O que seria até positivo para os interesses da região.

Outro item de interesse na relação entre os dois lados da América é a imi-gração. Há hoje nos EUA cerca de 33 milhões de imigrantes latino-americanos legais e ilegais. Os EUA até constroem um muro na fronteira com o México para tentar interromper o fluxo de imigrantes para aquele país. Haverá fricção política sobre o assunto, mas nos EUA a decisão está tomada, e até apareceu corpo de voluntários para caçar imigrantes ilegais em alguns estados da fron-teira com o México. Imigração é um dos temas mais fortes da agenda entre os EUA e a América Latina. A mesma pesquisa de opinião pública da Zogby de 26 de janeiro de 2008 (37) confirma isso: 76% dos norte-americanos acham que a imigração é uma preocupação “muito importante”. Para diminuir a ida de tanta gente para os EUA, 36% acreditam que o melhor seria que o país criasse meios na região para gerar empregos. Chega a 61% dos norte-ameri-canos que são contra os imigrantes latino-americanos mandarem dinheiro de lá para seus países de origem. Outra pesquisa (38) mostra, interessantemente, que 48% dos norte-americanos acreditam que os EUA se beneficiam com os imigrantes da América Latina. Outra (39) dá que 52% dos norte-americanos são contra se criar meios para legalizar os imigrantes latino-americanos ilegais lá, e que 58% concordam com a construção do muro na fronteira com o Mé-xico para impedir a entrada de imigrantes da América Latina nos EUA.

A pobreza e a estagnação econômica da América Latina seriam até uma ameaça à segurança interna dos EUA. Mais pobreza, mais imigração de pes-soas com qualificação educacional menor. Daí que talvez, pensando neles, aquele país até concorde com ações novas que ajudem a melhorar a economia da região. Dando asas à imaginação, quem sabe, os norte-americanos, ao se sentirem ameaçados em perder um comércio cada dia mais crescente, modi-ficassem maneiras de ver e atuar na região e aceitassem uma nova realidade regional. Quando se fala em aceitar é levando em conta que a força da econo-mia norte-americana é tão grande que, frente a alguma ameaça dos EUA de sanção comercial ou diplomática a outro país se ele não se afastar de interes-ses deles na América Latina, há uma tendência de que o ameaçado recue.

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estereótipos em Filmes e na Mídia

O México é fronteira com os EUA, os primeiros contatos entre os dois mundos diferentes da América se deram ali. Além disso, houve uma guerra em que um perdeu parte do seu território e o outro o engrandeceu. Começa naquele trecho do Novo Mundo a criação dos estereótipos sobre a América Latina. O cinema e a mídia norte-americana, ao retratar a gente dali, tradu-ziam o que pensavam as pessoas naquele país sobre os latino-americanos. Há uma conexão entre a crença daquele povo e a ação do cinema e da mídia, como há também na política externa. O mexicano ou os latino-americanos em geral eram mostrados nos filmes como ignorantes, barba sempre por fazer, preguiçosos, praticantes de violências desnecessárias. Era sempre o bandido, o bom era o homem branco que estaria do lado do bem. O homem latino-americano nunca poderia ser acreditado, era perigoso e traiçoeiro. As mu-lheres latino-americanas eram mostradas de forma sensual, mas submissas.

A caracterização inicial da região foi com os mexicanos na época dos filmes mudos. Entre 1908 e 1915 foram feitos quatro filmes nos EUA em que havia a presença de mexicanos, todos eles falavam nos greases ou gordurosos ou oleosos. Foram The Greaser’s Gauntlet (1908), Tony the Greaser (1911), The Greaser’s Revenge (1914) e The Girl and the Greaser (1915). (1) Era como os mexicanos eram vistos nos EUA, gordurosos e feios. Toda vez que o me-xicano era colocado frente a frente com o norte-americano ele perdia a dis-puta por causa da qualidade moral superior do outro. (2) Mostram os filmes que os mexicanos não tinham capacidade militar até mesmo em sua terra, para ter alguma vitória deveriam ter a orientação de um norte-americano. Nos filmes o norte-americano pode ter uma mulher mexicana, mas nunca um mexicano poderia casar ou ter um romance com uma mulher branca dos EUA. (3) O norte-americano branco sempre ganhava a parada contra a pele escura ou quase índia do mexicano. Nunca nos filmes mudos houve um em

Capítulo VII

u

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que ocorresse o contrário, mesmo que o branco norte-americano fosse um simples cowboy, ganhava até a mocinha de um grande rancheiro mexicano. É o caso ainda daquele ser que não cresceu mentalmente e que precisa do apoio e suporte de uma gente mais civilizada para sair do estágio em que se encontra. O cinema, como os romances e a mídia, e ainda a política externa, refletiam isso também.

Veio a Revolução Mexicana (1911) e os personagens do México ficaram piores ainda, era o indivíduo ou um grupo vagando pelo país com sombrero, cartucheira atravessada no peito, sempre bebendo, fazendo coisas inadequa-das e contra a lei. Os revolucionários do período lutaram para derrubar o regime ditatorial de Porfírio Diaz (1874-1911), aquele mesmo que pessoas nos EUA entendiam que seria o governo ideal para o povo mexicano, era ca-racterística da região ter governos autoritários e no caso nada melhor do que aquele de Diaz. Este e outros governos autoritários foram mais aceitos nos EUA como os corretos para a América Latina do que, por exemplo, Fran-cisco Madero, o homem que começou a revolução e levou o México a outro patamar político. O embaixador dos EUA no México, Henry Wilson, disse que Madero era corrupto e tirano, isso mandado para os EUA como verdade sobre um povo acaba incrustando na mentalidade dali. Mercedes de Uriarte mostra quantas terras os norte-americanos compraram no México na época de Porfírio Diaz, lá por 1910 havia 55 milhões de acres de terras mexicanas em mãos de norte-americanos. (4) E a imprensa do país defendia Diaz e con-denava como atrasados aqueles que lutavam por distribuir terras.

Hollywood nunca deixou de caracterizar os latino-americanos em filmes da forma como eram vistos pelo povo norte-americano, mas vai adaptou a tempos diferentes. O mercado latino-americano se mostrou apetitoso para aquela indústria e, se havia reclamações sobre os estereótipos, eles faziam algumas mudanças para não perder esse ganho. Isso aumentou depois da I Guerra, a Europa não podia continuar a criar filmes e os EUA preencheram o espaço aberto na América Latina. A guerra também impedia que Hollywood distribuísse filmes na Europa, e o mercado latino-americano se mostrava mais necessário ainda para aquela indústria. Mas, mesmo com esse fator eco-nômico, continuaram as criações sobre as pessoas da América Latina. Allen Woll escreve que na Conferência Pan-Americana de Buenos Aires, quando cada dia mais se caricaturava a região nos filmes, ali se falou em tantas coisas como transportes e bancos, mas ninguém se lembrou de levar o assunto es-tereótipos no cinema para ser discutido. (5) A imagem do mexicano estava tão ridicularizada nos filmes que o governo do país, em 1922, decidiu não permitir a entrada de filmes que tratassem os mexicanos como vinha fazendo

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Hollywood. O mesmo fizeram outros países, como Nicarágua, Panamá e até mesmo o Brasil, que uma vez não permitiu um filme que falava que o inven-tor do avião seriam os irmãos Wright dos EUA, e não Santos Dummont. (6)

Mas, independente de ações como essas, nas três primeiras décadas do século os latino-americanos foram retratados no cinema da forma que estava no imaginário do norte-americano desde o início do contato entre os dois povos. No cinema, na mídia, nas propostas de relações exteriores do Depar-tamento de Estado, nos escritos dos viajantes, nos romances havia uma só caracterização das pessoas da América Latina. Os fatos mostram que não mudaram essa visão. Sendo assim, voltando outra vez à mesma afirmação, a região não era tratada como igual por causa da visão histórica que aquele país tinha sobre o latino-americano, há um bloqueio atravessado no meio de uma relação mais efetiva entre os lados. Há nos EUA, como diz Schoultz, (7) uma crença persistente na inferioridade dos latino-americanos. É um fato, é real e não se muda isso facilmente.

Deixando a desconfiança em uma aproximação entre os dois povos de lado, volta-se ao cinema e sua maneira de retratar a América Latina. Hollywood deu destaque ao longo dos anos ao latin lover ou o estilo macho e sensual latino-americano. O latin lover se referia mais aos italianos como Rudolph Valentino, muito raramente seria um ator próprio da região nos filmes. (8) Quando se mostra um ator fazendo o papel de um latin lover no geral é um italiano ou um espanhol e não alguém da América Latina. Não há um romance normal entre uma mulher branca e um latino-americano, se houver deve terminar em tragédia. (9)

No final da década de 1920 muda a tendência dos filmes de Hollywood sobre a América Latina, como já faziam os norte-americanos nas áreas políti-ca e comercial. O país entra em depressão econômica, a seca no oeste revela uma ferida doída no meio ambiente, chega-se à política da Boa Vizinhança. A relação e os interesses norte-americanos para a região mudam, e também no cinema. O primeiro filme a não trazer estranhos estereótipos foi Flying Down to Rio, de 1933. A família Rockfeller controlava a companhia cinema-tográfica que fez o filme, e tinha interesses econômicos na América Latina, principalmente no petróleo na Venezuela, e força que se mudasse a imagem dos latino-americanos naquele filme. (10) Começam a aparecer também fil-mes sobre heróis regionais como Benito Juarez e Simon Bolívar. Artistas da América Latina enchem Los Angeles como Carmem Miranda, Desi Arnaz ou Cesar Romero. São vários os filmes da era da política da Boa Vizinhança que mostram outro olhar de Hollywood sobre a América Latina. Ficou ainda mais diferente quando o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs

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chamou Hollywood para o esforço na luta contra o nazismo, em que os fil-mes deveriam levar para o mundo, incluindo a América Latina, que os EUA eram a terra da promissão.

Walter Disney foi um dos maiores colaboradores do Office, até criou personagens regionais, como o Panchito para o México, um galo estilizado armado de pistolas, dando tiros em todo mundo, típico mexicano na imagem quase eterna criada naquele país. Joe Carioca ou o nosso Zé Carioca foi outra invenção dos estúdios Walter Disney, um malandro que nunca queria traba-lhar, era a imagem que Disney tinha do Brasil da época. E o país se encantou com o personagem, até parece que houve uma identificação. Woll diz que Joe Carioca foi a versão de Disney para Carmen Miranda. (11) O Office de Rockfeller lutava para encontrar uma espécie de Miss Pan-Americana, pode-se dizer que a encontrou numa sensual mulher que ajudaria no enten-dimento regional, Carmen Miranda. Naquele momento se descobria tam-bém a música regional como o mambo, o samba e a rumba, e os filmes sobre a área deveriam sempre trazer músicas exóticas com gente igualmente exótica. Se olhado com cuidado, mesmo com toda boa vontade de Hollywood, havia ainda aquela caracterização estranha da região. É o caso de Carmen Miranda e suas roupas e maneiras estilizadas ou quando ela faz o papel de uma argen-tina que trouxe reclamações do país vizinho. Uma mexicana poderia fazer o papel de uma brasileira ou vice-versa porque na crença dali a região abaixo do Rio Grande era igual. Os filmes viam a América Latina como os EUA viam a América Latina.

Carmen Miranda é o nome maior do Brasil naquele pan-americanismo de ocasião. Ela foi contratada da 20th Century Fox de 1941 a 1946, perío-do da guerra e da política da Boa Vizinhança. Ela participou de 14 filmes. Ela, diz Tânia da Costa Garcia, (12) era a típica representante da América Latina mostrada pelo cinema norte-americano. Um tanto quanto selvagem, sexo à flor da pele, não gostava de trabalhar, gosta de festas, riso aberto e franco, também indolente e com pitadas de malandragem. É o exótico diante do mundo civilizado. Cores nas roupas, muitos colares, frutas na cabeça, é quase que os trópicos num personagem só. Aquilo agradava ao público nor-te-americano, uma visão de algo distante, dançando uma música diferente que ninguém entendia a letra, mas não importava. O que importava era a imagem, aquela do estereótipo regional, por mais boa vontade que tivesse a política de aproximação entre os lados do Atlântico.

Bianca Freire Medeiros comenta um dos filmes de Carmen Miranda de 1941, “Uma Noite no Rio”, em plena efervescência do pan-americanismo. O Rio de Janeiro aparece de forma estilizada, mas dentro do razoável, agrada à

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capital, e se agradou ali agradava ao resto do país. Carmen é como se fosse a América Latina, fala muito, é sedutora e ciumenta. (13) O inverso do que se supõe que sejam os norte-americanos, mais contidos, não extravasando sen-timentos, sempre se mostra o outro no inverso do que é o norte-americano. Só que naquele momento o fazia de forma menos contundente, através de musicais, onde se passa a mensagem que se quer na ajuda subliminar do esforço de guerra sem que as pessoas percebam. Não importa para os EUA o que diz Carmen em português, o que importa é o som, a imagem selvagem, o exótico. A autora fala que Carmen reinventou (14) a música brasileira em termos melódicos e coreográficos.

Talvez seja interessante espichar um pouco mais esse detalhe. Carmen Miranda nunca foi uma verdadeira sambista. Ela espalhou pelo mundo uma maneira diferente, não autêntica, de dançar o samba. Aqueles trejeitos com as mãos têm importância tanto quanto o gingado das cadeiras. Não era ou é comum o samba ser dançado daquela maneira. Como o cinema é uma má-quina de divulgação de grande alcance o tipo de samba dançado por ela es-palhou pelo mundo, principalmente para os EUA e a América Latina. Muita gente no exterior acha que aquela é a maneira correta para dançar o samba. Na verdade, não se vê uma autêntica sambista dançando esse som brasileiro como Carmen fazia. Para o bem ou para o mal, o que ela fez no cinema na-quele período levou um estilo de dançar o samba que era mais dela do que de autênticos sambistas.

Depois da II Guerra e da política da Boa Vizinhança, como ocorreu em outras áreas do relacionamento entre norte e sul da América, outra vez mu-dou o tom do tratamento de Hollywood para com a América Latina. Os fil-mes mostram caracterizações inadequadas. Houve um fator, porém, que fez com que não fossem tantas como tinham sido até antes da guerra: dinheiro. Lá por 1949 o ganho de Hollywood com a América Latina era 20% do total que fazia no mercado estrangeiro. Uma região com menos de 10% da popu-lação mundial dava 20% do ganho daquela indústria no exterior. (15) O di-nheiro fala mais alto e, por esse motivo, Hollywood, apesar de não deixar de criar estereótipos, diminuiu a quantidade deles se comparado com o período que vai de 1910 até a política da Boa Vizinhança. Para não criar atritos com a América Latina foi criada uma associação que olharia para que a indústria do cinema não ofendesse o comportamento de outros países. Mesmo com isso a imagem latino-americana no cinema não mudou muito, outros filmes mais tarde mostrariam isso. A imagem que os filmes de Hollywood ajuda-ram a gravar na mente da população norte-americana pode ser resumida no seguinte: o povo da região é violento, seja camponês ou patrão a imagem

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sempre apresentada é de um povo que beira ao ridículo e, apesar da inata violência ou da quantidade de gente para enfrentar, o herói norte-americano sempre vencerá por ser mais inteligente e ter tecnologia mais avançada que o latino-americano. (16)

Há um documentário de 61 minutos que traduz muito bem a imagem que o cinema de Hollywood tem da América Latina. (17) A autora pegou todos os filmes sobre a região de 1907 até 1963, ainda buscou alguns filmes-documentários de 1900, como aquele da guerra Espanha-EUA. Praticamen-te todos os filmes que tratam da América Latina estão ali. O documentário se chama The Gringo in Mañanaland. Não quer dizer terra do amanhã, o título já é parte da imagem que se tem da região ou de um povo que não resolve as coisas agora, sempre joga para um amanhã. Essa é a ideia do título. É realmente interessante o que o documentário mostra, é a história nua e crua do latino-americano nos EUA. É a união do cinema com a história da relação entre as duas Américas, são os estereótipos em sua inteireza. É ainda o que pensa a política externa do país ou o que pensa o norte-americano.

No documentário mostra-se nos diferentes filmes o povo e a exótica América Latina, com palmeiras, praias, plantações de café, cacau, cana-de-açúcar, danças estranhas. Até Ronald Reagan, quando ator, aparece em fil-mes, dá até para imaginar que o conhecimento que teve da região foi daquele tipo mostrado nos filmes em que trabalhou, e que refletia 100% da visão que se tinha nos EUA. Mais tarde, reforçado pelo trabalho dito acadêmico de Jeane Kirkpatrick, nomeada por ele embaixadora na ONU, estava moldada sua política externa para a América Latina, principalmente para Nicarágua, El Salvador e Cuba.

Tudo o que existe de estereótipo nos EUA está no documentário: a América Latina é criança, feminina, negra, índia e mestiça, sensual, revo-lucionária, católica, cheia de doenças tropicais, insetos, calor insuportável. Tem hora que se mostra um povo idílico, sem ambição, quase que vivendo num paraíso. Era daqueles momentos em que alguns ali idealizavam a região como não gananciosa, principalmente durante a Depressão Econômica em que supunham que a ganância demasiada quebrara o país. Mas são poucas essas descrições, a maioria é aquela conhecida. Nos filmes ainda mudos apa-recem os escritos na tela de que os EUA estavam invadindo tal país para sal-var aquele povo de governos autoritários e errados. O erro estava no outro, não no invasor; ele estava ali como convidado de um grupo em disputa local. É impressionante como o cinema reflete o que o país passava na política externa dos governos também. Em situação diferente mostra o empresário norte-americano levando progresso a diferentes países, “um progresso com

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humanidade”. Até os presos são mostrados bem tratados, felizes e cantando todos os dias. A United Fruit Company é retratada como benéfica, levava progresso e emprego para a América Central. Há vários documentários feitos por ela de sua ação na área.

Filmes diferentes mostram as norte-americanas brancas vestidas como mulheres inglesas num mundo exótico e de gente de pele escura; os homens em ternos bem cortados outra vez imitando os ingleses. Quando começam as descobertas da arte antiga mexicana aparece o norte-americano de terno nessas buscas repetindo o que os ingleses estavam fazendo no Egito. Apa-recem florestas intactas, erro da região que não a conquistava ou, no outro extremo, os norte-americanos derrubando árvores para a chegada do pro-gresso. A mesma descrição que faz Fredrick Pike sobre a conquista da terra e a ligação até com o divino. Além dos pequenos trechos dos filmes daquele período aparecem ainda documentários feitos sobre acontecimentos espe-ciais como, por exemplo, a construção do Canal do Panamá. A obra seria resultado da alta tecnologia do país e, a partir dali, os EUA passariam a ser comprador e vendedor no mundo inteiro. A engenharia do país é colocada nas alturas. Outro documentário da época é a fala de Herbert Hoover sobre sua viagem pela América Latina.

Em síntese o documentário mostra a seguinte linha, aliás, descrito no panfleto que faz a propaganda dele: o bravo gringo explorador descobre uma terra rica e exótica, elimina a selva e constrói um jardim do éden. A mulher branca tem algum tipo de problema a resolver nesse paraíso, e a mulher local é amiga e adorável. O homem nativo é o contrário, não obediente às leis e regras do trabalho. Quando a coisa se complica, com auxílio de tecnologia nova, o gringo vence qualquer parada, inclusive rebeliões (outra imagem da área). Eles são os bons vizinhos. O documentário mostra como uma grande potência com poderes quase imperiais resume a sua dominação para seu pró-prio povo e também para o dominado.

Nos filmes atuais, com linguagem aparente menos agressiva, existem quase as mesmas caracterizações que antes. “Scarface”, como exemplo, tra-duz como os latino-americanos são violentos. E, nesse filme, como em ou-tros, interessantemente, o latino-americano é quase sempre um cubano. O papel do personagem principal dificilmente seria dado a um mexicano, por exemplo. A imagem do cubano nos EUA é mais palatável para o norte-americano do que a do mexicano. A história explica. Outro filme recente, “Apocalypto”, mostra um cruel povo indígena da região. Aquela cena, quase no fim do filme, em que os índios que sobram de uma perseguição infernal observam as caravelas chegando e que, a partir dali, a união de um povo

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autóctone violento com o espanhol, como o define a Lenda Negra, se cria-ria uma área do mundo em que a crueldade é parte da vida cotidiana. Em linguagem cinematográfica diferente é nada mais do que a imagem que a América Latina tem nos EUA

Há nos novos filmes também uma caracterização dos chicanos ou os des-cendentes de mexicanos nascidos nos EUA. Dominik Lorenz conta que o cinema acrescentou no seu vocabulário palavras latinas que trazem outra forma de estereótipo como mañana, hasta la vista ou no problema. O autor é alemão e carrega nas tintas da descrição do assunto ao dizer que a intenção subliminar seria mostrar que qualquer um pode falar espanhol, pois até o latino-americano o fala. Substituir a palavra por outra como buenas noches por buenos nachos ou hasta la bye-bye ao invés de hasta la vista é chamado de mock spanish. (18) E, segundo Jane Hill, seria uma forma de racismo en-coberto. Lorenz concorda com ela e diz mais que quem controla a língua é superior, e se controla a sua e ainda domina a outra é mais superior ainda. No caso dos chicanos eles não estariam preparados nem para dominar a de-les. Ao usar a linguagem distorcida dos chicanos ou o mock spanish o branco norte-americano mostraria ainda ter senso de humor, é uma fala usada como algo engraçado e depreciativo. No geral aquelas palavras levantadas por Lo-renz são usadas para carimbar mais ainda a região. Mañana querendo dizer que não se decide nada ou se deixa tudo para um longínquo depois. Hasta la vista é para fazer alguém desaparecer com tiro ou o que seja. Hollywood continua também a criar a imagem do latino-americano com apetite sexual, politicamente corrupto e que sofre de incapacidade mental. (19) É o cinema por outros meios perpetuando os estereótipos. Se antes eram diretos com os mexicanos e depois com os latino-americanos agora são com os descenden-tes dos mexicanos nos EUA.

Charles Ramirez Berg (20) diz na introdução do seu livro que a constru-ção da América Latina e seus habitantes no cinema têm a intenção de jus-tificar os objetivos expansionistas dos EUA, que isso foi feito pela Doutrina Monroe e pelo Destino Manifesto no continente. Os EUA tinham o direito de controlar todo o hemisfério, que isso era indisputável e que a Doutrina Monroe desde 1823 foi o instrumento que os EUA usaram para atacar a região. Hollywood, continua Berg, reflete isso, apoia esse domínio ao criar fil-mes e propagar ideias para perpetuar essa hegemonia, e na maioria das vezes sem atentar para a verdadeira história de um país e de sua gente. No caso dos mexicanos a coisa foi ainda pior: perderam quase metade do território, e os usam como trabalhadores braçais baratos. Para justificar tudo isso era neces-sário mostrar que os latino-americanos seriam seres humanos inferiores. Os

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estereótipos nos filmes, diz Berg, são parte do discurso dos EUA sobre quem deveria dominar o continente americano, uma espécie de Doutrina Monroe e Destino Manifesto agora ilustrado para cinema.

A mídia também ajudou a criar a imagem que o latino-americano tem nos EUA, aliás, foi parte importante nessa história. O que pensa a nação está na mídia, há uma sincronia entre o que diz a mídia nos EUA e o que pensa o homem comum ou o que existe na formação da cultura e da mentalidade daquele povo. Mercedes Lynn de Uriarte (21) mostra como a imprensa dos EUA descreve os mexicanos. O mexicano é típico índio, diz um articulista norte-americano (22) em 1914, analfabeto, a maioria filhos ilegítimos, ine-ficiente e emotivo. O problema político do México seria por causa da sua fraqueza de caráter ou que a causa real dos problemas dali eram o tempera-mento e a raça. Essas mesmas palavras foram ditas por outros personagens em outros momentos no relacionamento entre os dois povos. Como a Revo-lução Mexicana para derrubar Porfírio Diaz estava no auge, para os norte-americanos o que ocorria ali era próprio de um povo bárbaro e atrasado. E, como escreve Dominik Lorenz, se está na mídia se transforma em verdade na mente do homem comum. Ele já tem os estereótipos de um povo e fica muito mais fácil aceitar o que a notícia traz da América Latina. Ele não tem tempo, num mundo apressado, para refletir sobre o que é correto ou errado, aceita as colocações como lhe são repassadas. Latino-americanos e negros são mostrados como não obedientes às leis, os brancos sempre como vítimas. Se ocorrer um crime o mais fácil e cômodo é atribuí-lo ao outro, reflete o que o povo pensa do negro e do latino. Se hoje um chicano comete um delito, todo o grupo é caracterizado como igual. (23) Não é somente aquele indiví-duo como indivíduo, que cometeu um delito, é toda a gente parecida com ele que age sempre desse modo. É porque, mais uma vez, isso está na mente e no coração das pessoas dali por mais de 150 anos de história de um relacio-namento complicado entre povos, ideias e comportamentos.

Na busca de como os mexicanos são vistos na mídia dos EUA a mesma autora diz que uma pesquisa descobriu que em 34 fontes norte- americanas e 74 mexicanas que trabalhavam com a mídia dos EUA sobre os assuntos do Mé-xico somente 18 matérias foram positivas, 134 eram negativas. (24) Não é so-mente lá atrás na época da guerra de 1848, em que o México perdeu um naco grande do seu território, não é somente na confusa situação política no México no momento da Revolução Mexicana, isso ocorre em toda ligação histórica entre aqueles dois países. O mexicano é descrito até hoje quase sem nenhuma mudança, é a mesma que ele tinha tantos anos atrás. E, pela economia de es-forço, é fácil associar toda a América Latina com o que veem nos mexicanos.

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E isso influencia a feitura das ações de política externa daquele país. E, para piorar a situação, a mídia dos EUA não tem a América Latina como lugar para mandar bons correspondentes, preocupa-se mais com outros lugares.

Uriarte comenta uma fala em 1986 de dirigente dos EUA no Senado daquele país que esclarece um pouco como a mídia dali trata os assuntos da América Latina. A imprensa parte do princípio que os norte-americanos são superiores e civilizados, e que latino-americanos ou mexicanos são cor-ruptos, traficantes de drogas e não obedecem às leis. Conclui dizendo que, se os norte-americanos vissem os latino-americanos como eles realmente são, e não de maneira distorcida, seria impossível para o governo dos EUA conduzir uma honesta política externa para a região. (25) Ele quis dizer que a política externa do país é prisioneira dos estereótipos que grassam ali desde o período colonial. Que se fosse alterado esse rumo, se vissem a região de outra forma, levaria problemas para quem faz a política externa para a área: teriam dificuldades para fazer uma nova. No manual do Departamento de Estado para a América Latina já existem regras históricas claras e praticamente imu-táveis sobre a região. Seria enfadonho repeti-las.

O caso da Seleções do Reader’s Digest no Brasil é sugestivo. Mary Jun-queira (26) mostra como a Revista Seleções via o Brasil e a América Lati-na. A revista foi fundada nos EUA em 1922, entrou no México em 1940 e no Brasil em 1942. Pedido por quem? Nelson Rockffeler outra vez, aquele mesmo encarregado de ganhar a região para o lado dos EUA no esforço de guerra contra as potências do Eixo. A revista mostra os EUA como a terra da promissão, com ordem, progresso, povo trabalhador, todas as qualidades do homem branco e protestante. Ela atingia nos EUA principalmente a classe média, como era ainda incipiente essa classe na América Latina imaginava-se que a revista não prosperaria, mas pelo esforço de guerra valia até o risco. E deu certo. Impressiona como a descrição de Seleções sobre a América Lati-na se encaixa no princípio norte-americano de conquista de terras selvagens, de vazios que precisavam ser povoados e levados à civilização. Uma região de territórios vazios, sem leis, sem ordem. (27) Os EUA seriam o contraponto, deveriam ser imitado. Em quase tudo o que se lê sobre esse relacionamento, seja na literatura, revistas, descrições de viajantes, jornais, charges, roman-ces, o caminho é idêntico.

O trabalho de Junqueira com a Revista Seleções e o livro de Fredrick Pike se complementam quando falam da conquista da natureza pelos norte-americanos. Lá como terra de progresso porque conquistam territórios selva-gens para produzir de forma ordeira, em obediência às leis, com democracia e sob a égide da melhor religião, o protestantismo. Quem não se encaixasse

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nesse figurino seria selvagem, caótico, violento e não tinham princípios de-mocráticos. Essa era também a opinião de uma revista de grande circulação nos EUA e que teria importância no Brasil. Para Seleções a saída para a Amé-rica Latina seria seguir o modelo norte-americano, deu certo lá daria aqui também. (28) É interessante perceber que Seleções cria estereótipos sobre o mundo hispano-americano da região, em que o Brasil aparecia como um país mais ordeiro e progressista que seus vizinhos. O “outro”, no caso, eram os vizinhos. Dito por revista norte-americana deve ter agradado a classe média brasileira que crescia aos poucos.

A revista ataca também os governos autoritários da Alemanha, da Itália e do Japão. Põe os outros aliados do lado do bem. Mais tarde colocou a União Soviética na alça de mira, como exportadora de ideias que não coadunavam com os princípios democráticos. Não importa que a Rússia, aliada na guerra, fosse antes descrita com palavras simpáticas. Quando virou adversária na arena internacional, a revista a colocou em tons negativos. A revista atingiu a classe média urbana que começava a surgir no Brasil, impressionou tam-bém o sistema de distribuição dessa revista, chegava longe no país. Em Mato Grosso, por exemplo, num pequeno lugar de garimpo chamado Poxoréo, lá pela década de 1950, meu pai nunca a deixou de receber uma vez sequer.

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Capítulo final

A imagem da América Latina nos EUA, apesar da estabilidade econômica e política das últimas décadas, não melhorou quase nada. Mesmo que aquele país em alguns aspectos esteja parecendo uma América Latina, não há ali sinais de que esteja mudando o conceito que a região tem no imaginário popular. Há demasiados estereótipos sobre a América Latina, um fato im-pregnado na alma daquela nação que não vai desaparecer de maneira fácil, e fica mais complicado ainda diante de um mundo em rápida transformação. Com acontecimentos novos todos os dias as pessoas não teriam tempo para interpretá-los, submetem-se a generalidades, colocam qualidades negativas em outro indivíduo, grupo ou país, criam-se generalizações sobre o “outro” (1) numa imaginada disputa “eles” e “nós”. O outro é sempre inferior. Expe-riência, contatos, estudos mudam estereótipos entre pessoas com algum grau de educação, (2) o que não é ainda o caso da maioria nos EUA.

Sarah Sherbach (3) comenta o livro de Walter Lippmann, (4) escrito em 1922, que talvez ilustre como os EUA olham para a América Latina através dos anos. Para ele os jornais eram o que ligava o povo dos EUA com o mun-do. As pessoas criam estereótipos mentalmente sobre o que ocorre em terras e povos distantes, uma maneira de simplificar o complexo mundo. Ele diz que a pessoa não vê algo primeiro e depois define, define primeiro e depois é que o vê. Como o mundo é complexo, tem muita coisa para ser olhada e definida, a cultura dos EUA (ou de qualquer lugar) busca o que a cultura do país já definiu para a maioria do povo. Se a cultura local criou estereótipos de outros povos e lugares, o homem comum quando ouve algo sobre aquele povo o associa com o que o país já definiu culturalmente antes. Há uma eco-nomia de esforço do indivíduo para entender e aceitar eventos que ele não viu ou vivenciou. A fotografia na mente dele será sempre a fotografia que já existia historicamente. Por que, num mundo cheio de fatos e alternativas

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novas e quase diárias, uma pessoa dos EUA iria criar imagens ou fotografias diferentes da América Latina? Antes se falou e criou ali a crença de povos imaturos, pobres, sem condições de autogovernos, atuando como aprendizes na arena política, disputas territoriais intermináveis, governos autoritários como consequência de uma herança europeia equivocada. Tudo isso está na mente do povo dali, é fácil aceitar essas crenças históricas. A teoria criada por Lippmann se encaixa como uma luva na visão que os norte-americanos têm da América Latina.

Até hoje ainda é difícil mostrar para um americano comum que a Amé-rica Latina não tem mais inflação, ou que há eleições normais na maioria dos países. Basta aparecer algum governante falando o que lhe vier à cabeça, pro-pondo alternativas consideradas equivocadas, que logo esse ato é associado com toda a região. Não adianta dizer que aquele pronunciamento ou derru-bada de governo foi feito naquele país e não no Brasil. É tudo igual, porque, como mostra Lippmann, já há uma fotografia da região na mente das pessoas que vêm desde lá de trás. E mesmo nos tempos atuais, pela economia de es-forço, as crenças sobre a América Latina continuam nos EUA. E, para ajudar nessa confusão mental, de tempos em tempos aparece algum dirigente regio-nal mostrando um estilo autoritário ou populista em sua ação de governo, e isso reforça os estereótipos criados a respeito da América Latina nos EUA. Não se cria estereótipos do nada, tem que ter base em algum fato ou realida-de, (5) tem que ter alguma amarração. Se não tiver um gancho a invenção logo fenece. E há casos na América Latina que confirmariam parte da realida-de, dando suporte ao estereótipo criado. Se não houvesse não duraria. E se é esse ou aquele país não interessa, é a América Latina. E a imagem que está na cabeça do norte-americano médio é aquela de uma região confusa, complexa e com tradições contrárias àquilo que eles acreditam que seja correto.

Algumas tradições ou ações latino-americanas são estranhas ou até ab-surdas para o norte-americano. No governo Jorge Ubico, em 1935, na Gua-temala, como exemplo, fez-se uma votação para modificação constitucional com a qual ele poderia continuar como presidente, em que se exigia que se colocasse na cédula de votação o nome de quem votou. A proposta favorável a ele teve mais de 800 mil votos e 1.227 contra. (6) Um fato desses contado para o público norte-americano leva aquele povo a criar mais generalizações sobre a região. E como há a aceitação de que tudo é igual por causa da mes-ma história, um fato daquele seria comum para toda a área.

Exemplos mais atuais também existem e que ajudam a manter a imagem antiga da América Latina no imaginário norte-americano. Tem análise do momento que fala que o comportamento latino-americano é cultural, al-

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guém do mundo acadêmico dos EUA escreveu pequeno artigo em que traz de volta esse assunto. (7) Conta alguns casos recentes para dar base à sua hipótese. Escreveu que a Argentina teve problemas de gás para suprir o mer-cado interno, e que o fato fora provocado pelo governo argentino em não permitir aumentos no preço do produto para a população. Os investidores recuaram nos investimentos. Chegou a tal ponto a falta de gás que o governo argentino quis usar parte do que o Brasil comprava da Bolívia para suprir a demanda interna. O governo não sabia que isso ia acontecer? Se a conse-quência era previsível, como entender que a ação do governo fosse tomada? A Bolívia, outro exemplo citado, desapropriou investimentos da Petrobras no país. Não tinha recursos para investir em energia e se mostrou surpresa quando foi ao mercado financeiro buscar empréstimos e os investidores ex-ternos se recusaram a colocar dinheiro ali. Se já havia precedente perigoso com outro investimento era natural que ficasse mais difícil conseguir investi-dores de outros lugares, seria temeridade investir no país. Se o fato era natu-ralmente previsível, como é que se toma uma decisão daquela da Petrobras sem maiores análises? E o mais interessante é que a maioria da população aceita a decisão do governo. Por que, continua a articulista, ainda hoje, com a democracia sendo aceita no mundo todo, a região glorifica o caudilho ou o herói autoritário ao invés do líder democrático? Conclui que há um compo-nente cultural nessas estranhas ações que são seguidas por diferentes países e povos da região. Não é uma tese de fácil aceitação, mas há algo no ar que incomoda. Imagine fatos desses, como o de Jorge Ubico da Guatemala antes, mostrados para o público norte-americano, só pode fortalecer a imagem que eles têm da região e que vêm lá de longe na história.

As generalizações se espalharam mais ainda nos tempos modernos com a televisão confirmando fatos considerados comuns no imaginário daquele povo. Casos como o de Hugo Chávez na Assembleia Geral da ONU quando discursou depois de George Bush e fez uma teatralização de que satã acabara de sair dali mostrada para o público norte-americano faz com que as genera-lizações sobre a área se fortaleçam. Ou na estranha deposição do presidente Manuel Zelaya de Honduras, em que os EUA praticamente entregaram a solução do caso aos dirigentes da América Latina. Dirigentes latino-ameri-canos, incluindo os considerados de esquerda, pediam pressão e apoio maior dos EUA para o retorno de Manuel Zelaya. Um fato que levou o presidente dos EUA, Barack Obama, a dizer que os latino-americanos pediam sempre menos ingerência dos EUA nos assuntos da área e naquele caso estavam pedindo que aquele país mostrasse sua musculatura. Nem mesmo a OEA, aquele órgão político regional de faz-de-conta, se mostrou operante. Um

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caso daquele mostrado para o público norte-americano, em que a maioria das pessoas está preocupada com seu dia a dia e não tem tempo para apro-fundar a análise do fato, as leva a firmar mais ainda as generalizações de que a região é ainda aprendiz em política, tem dificuldade para resolver seus próprios problemas.

E, mais uma vez, não importa onde o fato negativo tinha ocorrido, não importa se a economia ou população é grande ou pequena, a simplificação histórica leva o norte-americano a associar toda a região com o caso pitoresco ou violento, todos os países e toda a gente da área teriam o mesmo compor-tamento. Uma realidade quase impossível de mudar até mesmo no mundo acadêmico. Se nos EUA a América Latina é vista ainda engatinhando em po-lítica, está implícito que a cultura dali entende que há uma relação de senhor e de dominado entre os dois lados. (8) Quando algum dirigente latino-ame-ricano na atualidade pede que se crie um novo tipo de relacionamento entre os dois interesses, e não mais de dominador e dominado, está correto. Mas os EUA não aceitam mudar uma atitude que tem raízes na cultura daquele povo, dificilmente a região será tratada como igual. Se for, quem o fizer perde pontos ou votos junto à população dali. Não aceitam o tratamento de iguais em qual-quer tipo de discussão ou ação. Não é maldade, a história não deixa.

Não há no dicionário cultural e histórico daquele povo sinal que mos-tre que a visão nos EUA sobre a América Latina possa mudar num futuro previsível. O norte-americano não se preocupa nem em analisar o latino-americano como um povo que trabalha, cria sua família, vai à escola e luta no dia a dia para sobreviver, como faz também o norte-americano. (9) Os estereótipos estão tão arraigados que essa visão simples de qualquer povo encontra-se embotada pela crença local sobre a região. Não há no horizonte possível sinal de que isso possa ser alterado, o fosso é antigo e deve continuar como está. A mídia do país reforça isso ao noticiar os acontecimentos regio-nais, o culpado pela divulgação de uma região caótica seriam os próprios pa-íses. A imagem que a América Latina tem ali é de descontrole na economia, governos ditatoriais, desastres naturais, tráfico de drogas quase sem controle, pobreza de doer, desigualdade social alta, falta de saneamento, brigas por ter-ras. Fatores que, quando jogados sem filtro e sem maiores explicações para os EUA, ajudam a criar mais estereótipos sobre o povo ao sul do continente.

Mas, interessantemente, começam a crescer opiniões nos EUA de que aquele país não pode “civilizar” a América Latina. Tem muitas preocupações em casa para resolver e derrubar governos, impor vontades, não dá certo mais. É claro que o contexto mundial é outro, não há mais ameaça de comunismo na chamada porta dos fundos deles, a questão de segurança hemisférica não

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está em jogo. Para reforçar o ponto de vista de que eles não podem mais dar aulas à América Latina sobre uma suposta superioridade histórica tem-se hoje nos EUA, basicamente, nos círculos acadêmicos, a suposição de que estão surgindo no país fatos que o fazem parecido com a América Latina. Não esta-riam em condições de dar lições para a região, têm problemas internos a resol-verem. Acreditavam numa superioridade cultural que lhes dava condições de até usar meios não tão éticos para se impor em dada situação. Os problemas que surgem e crescem ali já não deixam tão clara essa superioridade. Falam hoje em (10) latim- americanização dos EUA ou, com algum exagero, que o país estaria se transformando numa grande América Latina. Problemas como os da América Latina, criticados pela maioria do povo dali, estariam acon-tecendo nos EUA. Uma interpretação dessas não é entre o homem comum, é mais aceita e falada no meio acadêmico ou intelectual daquele país. Esses problemas são levantados pelos próprios norte-americanos, e estão aqui elen-cados como amostra de um mundo globalizado que cada dia se parece mais.

A análise começa pela religião. Falava-se sempre que os padres católicos são corruptos e de baixa moralidade sobre sexo. Fazem um paralelo com o que está acontecendo nos EUA com os pastores protestantes no aspecto de corrupção e sexo, e chegam à conclusão de que ali a coisa é até pior do que na América Latina. Referem-se, claro, aos muitos escândalos envolvendo nomes da igreja local com desonestidade e ações sexuais constrangedoras e publicadas à exaustão na mídia local. E que, interessantemente, a mídia latino-americana dá pouca atenção. Na economia a nova interpretação é também crítica com o que acontece naquele país, setor em que os norte-americanos davam antes lições para a região. As dívidas interna e externa dos EUA preocupam e drenam recurso do país, os japoneses estavam le-vando parte desses recursos com o empréstimo que fazem ao tesouro norte-americano. Os norte-americanos reclamam da situação como reclamavam os latino-americanos com os empréstimos e a presença dos EUA na econo-mia regional. Os EUA sempre criticam o povo latino-americano pela falta de disciplina para o trabalho, eles, pela ética protestante, estavam preparados para enfrentar desafios. Os japoneses estão dando aulas sobre como ter mais disciplina para produzir no trabalho, ganhar e poupar dinheiro. Os japoneses fazem hoje o mesmo tipo de comentário que o norte-americano fazia sobre a incapacidade latina americana para o trabalho duro e disciplinado.

Os norte-americanos também criticavam a questão sexual na América Latina, uma região de lassidão moral. O que está acontecendo nos EUA faz os acontecimento da América Latina parecerem coisa pequena. Quantidades de adolescentes como mães solteiras, casamentos desfeitos, adultérios e divórcios

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também. Mantém-se a ajuda social do governo como o food stamp ou o bolsa-família de lá, acreditava-se que o tempo e o mercado absorveriam os mais pobres, e não seria mais necessário esse tipo de ajuda. Aumenta-se o abuso e consumo de álcool e droga, é quase uma epidemia. Também criticavam a América Latina por vício em jogos, os que assim agiam tinham baixa estatura moral, os EUA talvez sejam o país onde mais se joga hoje. Não é somente o que ocorre em Las Vegas, são também as diferentes loterias em que milhões se mostram viciados, e dinheiro da família é drenado para satisfazer essa quase epidemia. A raiva ou o ato temperamental desproporcional foi sempre asso-ciado aos latino-americanos, um povo sem controle emocional. Estudos mos-tram que os norte-americanos estão cada dia mais com ódio de alguma coisa, e muitas vezes sem saber por quê. Ódio não somente contra fatos estranhos de outros lugares do mundo, mas de pessoas e atos do próprio país. O norte-americano está, devido à crescente violência, preso e armado dentro de casa.

O norte-americano dizia que na América Latina os governos taxavam os mais pobres para beneficiar os mais ricos, ou concediam empréstimos para realizações que muitas vezes não acontecem, que isso aumentava a desi-gualdade social. Nos EUA os ricos, ao usarem meios e escapes legais, pagam menos impostos, e os mais pobres acabam pagando a conta maior do país. Corrupção parecia ser uma praga latino-americana. Até hoje na mente da maioria das pessoas dali isso é um fato, aliás, baseado em forte realidade. Mas supostamente os EUA agiam de forma diferente, não é mais verdade. A quebra de agências de poupanças na década de 1980, os escândalos com em-presas na bolsa de valores em que foi puro roubo de dinheiro dos pequenos investidores que haviam acreditado nas informações distorcidas das agências de riscos ou de contabilidades. É quase que dizer que o sistema seria corrupto se até a bolsa de valores estava contaminada.

A ajuda que os governos estavam dando a empresas no país para enfren-tar a concorrência de fora, fato que o norte-americano sempre condenava na América Latina, também acontecia ali. Lá atrás, nos governos Ronald Reagan e George Bush, a Chrysler, com Lee Iacoca no comando, foi pedir so-corro para enfrentar a competição dos carros japoneses. O governo atendeu; parece que só ocorria na América Latina. Recentemente a crise começou no setor imobiliário, espalhou-se pelo resto da economia norte-americana e mostrou outra face do país. O governo teve que socorrer, no antigo estilo condenado na América Latina, bancos e fábricas de carros. A injeção de recursos do contribuinte para salvar o sistema foi enorme, o governo chegou a ficar com a maioria das ações de empresas privadas. É claro que não deve-riam deixar as empresas quebrarem e contaminar o resto da economia. Agiu

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com racionalidade, mas esse tipo de ação por governos latino-americanos era visto ali como equívoco, o mercado encontraria o caminho correto. A crítica não serve mais para a região. As agências de risco daquele país deram notas altas a empresas que estavam em situação crítica, induzindo o pequeno investidor a perder dinheiro em ações. Essas agências são as que medem os riscos de empresas e governos da América Latina.

Mas é preciso ficar claro que, apesar dos seus problemas atuais, os EUA ainda vão dominar por muitos anos a cena mundial, é um equívoco acreditar no contrário. Ficar na torcida para que os EUA aumentem seus problemas, como uma espécie de vingança pelo desigual relacionamento entre as duas bandas da América, não parece o caminho correto. A América Latina, por proximidade geográfica e até histórica, deveria encontrar meios para melho-rar as relações com a ainda maior potência econômica e militar do planeta. O historiador Arnold Toynbee ensina que, quando duas culturas ou eco-nomias têm relações, a maneira mais inteligente para a economia menor resistir à mais forte não seria ficar numa posição negativista e de resistência impenetrável, mas, espertamente, procurando usar com eficácia os métodos e tecnologias da economia e cultura mais forte em seu próprio beneficio. A América Latina é vizinha do maior marcado do mundo, onde todos os países querem entrar, e não aproveitar essa vantagem para ter mais presença ali é quase inexplicável. Há uma espécie de nacionalismo às avessas ou algum tipo de complexo cultural que inibe e amarra as ações regionais num contato mais produtivo com os EUA.

Os fatos sugerem que os acordos comerciais dos EUA com países ou com blocos deles da América Latina seriam um dos caminhos para se ter um comércio mais efetivo na região. Os EUA já possuem entendimentos com o México e o Chile através do Nafta. Com a Cafta ou Central America Free Trade Agreement têm acordo com os países da América Central mais a Repú-blica Dominicana. Tem dois acordos dependendo de aprovação no Congres-so com o Peru e a Colômbia. Não há nada nesse sentido com o Mercosul, tentaram fazer uma ponte com o Uruguai, um dos membros dessa integração econômica regional. O Brasil fez concessões especiais ao país vizinho e por enquanto o assunto não foi em frente. Se a Venezuela for para o Mercosul torna-se mais difícil uma aproximação econômica com os EUA. Se também a América Latina se unisse economicamente, criando uma força maior que a individualidade de cada país, talvez soasse algum sino mais ao norte do continente. Mas a região, por mais que lute e tente, nunca conseguiu fazer funcionar de maneira adequada uma integração econômica regional. Há di-ferenças históricas na área quase tão grandes como existem dos EUA para a

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região. Várias tentativas de integração econômica ocorreram como na Amé-rica Central, Alalc, Pacto Andino, Mercosul, mas sempre surgem obstáculos que fazem com que os passos rumo a uma efetiva integração sejam lentos. O norte-americano sabe disso também.

A América Latina teria também que parar com a antiga mania de esperar ajuda dos norte-americanos, a vantagem a ser buscada é comercial, não outras. Para sair ajuda diferente dali o governo tem que mostrar para a população quais são as vantagens para o país, se não fizer é criticado e perde votos na eleição seguinte. Tem que haver retorno, é da cultura deles não dar nada de graça. Qual a vantagem hoje de ajudar a América Latina com algum plano novo? Como explicar isso ao eleitorado do país? Os norte-americanos pode-riam, como exemplo, ajudar a América Latina ou, se não tanto, a América Central e o Caribe com tecnologia agrícola. O país possui talvez os melhores trabalhos técnicos para a produção no campo. Poderia ter criado condições para aumentar a produção agrícola daquela região, preferem dar a comida, mas não ensinar a produzi-la. Se fizessem isso teriam a má vontade dos produto-res de alimentos nos EUA, e seus representantes no Congresso teriam menos mercado para venderem seus produtos e, outra vez, a cara amuada de muita gente internamente. Agricultores gaúchos gostam de contar que foi um pastor evangélico norte-americano, Albert Loehenbauer, que morava na região de Santa Rosa, Rio Grande do Sul, que, numa viagem ao Missouri, EUA, trouxe sementes de soja, já plantação comum naquele país, escondidas numa garrafa, em 1923. Foi a partir daquele quase contrabando que começou a produção ali e depois no Brasil. E a conversa, verdadeira ou apenas ilustrativa, é para mostrar que, se não fosse daquela maneira, se fossem esperar a semente da soja ser doa-da por um suposto santo do governo dali, talvez ela não viesse. E, se for olhado com cuidado, eles têm razão. Uma razão que é dada pela lógica do negócio.

Um dos fatos marcantes da reação dos EUA sobre acontecimentos e mudanças na América Latina na década de 1960 foram os Centros de Es-tudos Latino-Americanos e sua copiosa produção acadêmica. Passaram a entender com base em pesquisas como agia a região. Não estão errados, bus-cam o que é de interesse para eles. Errada estaria a América Latina de não fazer a mesma coisa na busca de entender melhor esse distante e desconfiado parceiro. Os Centros de Estudos Latino-Americanos nos EUA tiveram gran-de importância para o entendimento daquele país sobre seus vizinhos mais ao sul do continente. Talvez no futuro, pela importância menor da América Latina para os norte-americanos, eles até percam um pouco da força e do valor que tinham antes. Mas, para mostrar seu atual significado, veja a lista e os lugares onde eles estão localizados nos EUA: (11)

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• CenterforLatinAmericanStudies,ArizonaStateUniversity.• InstituteofLatinAmericanandIberianStudies,ColumbiaUniversity.• LatinAmericanStudiesProgram,CornellUniversity.• DukeUniversity’sCenterforLatinAmericanandCaribbeanStudies.• Florida InternationalUniversity’s LatinAmerican andCaribbean

Center.• HarvardUniversity’sDavidRockefellerCenterforLatinAmerican

Studies.• CenterforLatinAmericanStudies,NewMexicoStateUniversity.• CenterforLatinAmericanandCaribbeanStudies,NewYorkUni-

versity.• CenterforLatinAmericanStudies,SanDiegoStateUniversity.• CenterforLatinAmericanStudies,StanfordUniversity.• SUNY-Albany’sDepartmentofLatinAmerican,Caribbean&US

Latin Studies• TulaneUniversity’sRogerThayerStoneCenter.• LatinAmericanAreaCenter,UniversityofArizona.• UniversityofCalifornia,Berkeley’sCenterforLatinAmericanStudies.• CenterforIberianandLatinAmericanStudies,UniversityofCali-

fornia at San Diego.• CenterforLatinAmericanStudies,UniversityofChicago.Univer-

sity of Florida.• CenterforLatinAmericanandCaribbeanStudies,IndianaUniversity.• CenterforLatinAmericanStudies,UniversityofKansas.• UniversityofNorthCarolina’sInstituteofLatinAmericanStudies.• CenterforLatinAmericanStudies,UniversityofPittsburgh.• UniversityofTexasatAustin’sLongInstitute.• LatinAmericanandIberianStudies,UniversityofWisconsin.• CenterforLatinAmerica,UniversityofWisconsinMilwaukee.

Há ainda uma quantidade enorme de publicações em revistas acadêmicas sobre a América Latina. Não há no mundo um lugar em que se tenha tantos trabalhos sobre a região como nos EUA. Só a título de ilustração, o Handbook of Latin American Studies, publicado naquele país desde 193,6 e hoje já on line, com ênfase nas áreas de ciências sociais e humanas, tem praticamente tudo, que se publica sobre a América Latina não só nos EUA, mas no mundo intei-ro. No Handbook está o livro ou artigo, o autor, a editora e um pequeno co-mentário feito por um entendido naquele tipo de publicação. É também por assunto, dá muita facilidade para se pesquisar sobre o que se queira da região.

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Segundo informação da HAPI ou Hispanic American Periodicals Index há 74 jornais ou revistas acadêmicas nos EUA sobre a América Latina. Existem no momento 285.514 títulos de artigos, de 1970 para cá, de assuntos da região. Acrescentam mais cerca de 6.200 por ano de artigos novos, não incluindo revisão de livros. Estão incluídos no index da HAPI artigos de autores não norte-americanos, apesar de estarem ali indexados somente os melhores ar-tigos de gente de fora dos EUA. Pelas pesquisas e publicações, viagens e mais os satélites os EUA estudam em minúcias as coisas da região.

Por outro lado, apenas como queixa inócua, no Brasil e na América La-tina de forma geral não se estuda os EUA. O que se sabe daquele país talvez seja pela ótica distorcida do cinema do que se passa ou passou na história deles, e das notícias que vêm montadas de lá. Através do cinema e da músi-ca há um quase massacre cultural de lá para cá. Os jovens, ao assistirem os desenhos animados, são bombardeados de forma subliminar para supostos aspectos da superioridade norte-americana, os super-heróis da juventude re-gional muitas vezes são de lá. E isso passa de geração em geração. E, mesmo frente a esse quase massacre de cultura popular, a região continua a não de-dicar estudos adequados aos verdadeiros EUA. Na América Latina se estuda com ênfase a história da Revolução Industrial inglesa, e tem que ser estudada mesmo, mas não se dedica tempo para entender outra que ocorreu mais per-to da região, ali nos EUA, e que tem enorme impacto na vida regional. Uma espécie de complexo cultural, ou o que se queira denominar, faz com que a América Latina se negue a estudar um país que tem, para o bem ou para o mal, grande influência em toda a área. Eles estudam a região e a América Latina, numa postura ainda não bem explicada, recusam-se a fazer o mesmo com eles. Entendê-los, através de estudos sérios, talvez seja caminho para buscar alternativas para um relacionamento até mais vantajoso para o lado de cá. Não tem sido até agora. Estudos sobre os EUA não podem ser somen-te de diplomatas ou de quem tem interesse direto naquele país, teriam que ser em lugares que propagam o que se aprendeu com teses e dissertações sobre variados aspectos da vida norte-americana. Eles fazem isso, a Améri-ca Latina não. O erro é daqui e não de lá. Ficar esperando aparecer não se sabe de onde uma ajuda para que a região encontre seu caminho não é uma decisão sábia, principalmente achar que essa suposta ajuda viria dos EUA. No mundo dos negócios não há filantropia. Mas, com estudos e entendendo melhor os EUA, talvez dê para se ter algum tipo de aproximação que seja mais vantajosa para a região. Não seria uma tarefa fácil, a maioria do povo norte-americano continua a olhar para os latino-americanos como sempre olhou, como aquela fotografia descrita por Lippmann.

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notas

Capítulo i

1. Fredrick B. Pike. The United States and Latin America – Myths and Stereotypes of Civiliza-tion and Nature. Austin: University of Texas Press, 1992, p. 75.

2. John J. Johnson. Latin America in Caricature. Austin: University of Texas Press, 1997, pp. 12-13. Além do texto o livro traz 131 charges ou caricaturas sobre a América Latina na imprensa norte-americana entre 1880 e 1973.

3. Pike, pp. 76-77.4. Ibid. p. 84.5. Johnson, p. 13, e Lawrence E. Harrison. The Pan-American Dream – Do Latin America’s

Cultural Values Discourage True Partnership with United States and Canada. Boulder: Wes-tview Press, 1997, p. 4.

6. Harrison, pp. 32-39. Robin Greir. “The Effect of Religion on Economic Development: a Cross National Study of 63 Former Colonies”, Kyklos, vol. 50, Fasc. 1, pp. 47-62, 1997. Esse aspecto religioso recebe hoje outras defesas, agora com análises mais sofisticadas. Estudos mostram que há uma relação negativa entre catolicismo e progresso econômi-co. Greir, usando estatísticas, números e gráficos, assegura que as colônias espanholas tiveram desempenho econômico pior que as inglesas. Analisou 63 colônias entre 1961-1990, as espanholas e as francesas, com base católica, tiveram desempenhos “significa-tivamente piores” que as inglesas em renda per capita e PIB. Os números apresentados mostram realmente uma superioridade nas ex-colônias inglesas. Não se pode atribuir a um só fator essa diferença, há outros componentes, como as instituições políticas e até mesmo a atuação de governos, como assevera Carlos Benito, “The Causes of Poverty in Latin America and the Caribbean – The Role of Political Institutions”, paper apresenta-do em evento na Guatemala em maio de 2000. Mas, para o norte-americano médio, seja no passado ou agora, a religião protestante era superior à católica. E foi essa visão que permaneceu no país, independente de novas e sofisticadas análises e interpretações. Mas é preciso ressaltar também que a França tem base católica e chegou ao patamar de país desenvolvido, e que a Renascença nasceu numa Itália católica.

7. Lawrence E. Harrison. Underdevelopment is a State of Mind – The Latin American Case. Boston: The Center for International Affairs, Harvard University and Madison Books, pp. 22-23.

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174 Alfredo da Mota Menezes

8. Harrison, The Pan-American Dream, p. 31.9. Pike, p. 79.10. Ibid. p. 115.11. Lars Schoultz. Beneath the United States – A History of U.S. Policy Toward Latin America.

Cambridge: Harvard University Press, 1998, p. 14 Johnson, pp. 12-13.12. James William Park. Latin American Underdevelopment – A History of Perspectives in the

United States, 1870-1965. Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1995, p. 89.13. Ibid. p. 90.14. Claude Julien. O Império Americano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970, p. 24.15. Ibid. p. 24.16. Pike, pp. 77-78.17. Ibid. pp. 79-81.18. Ibid. pp. 81-83.19. Ibid. p. 78.20. Ibid. pp. 126-128.21. Ibid. pp. 78-79.22. Harrison, The Pan-American Dream, p. 24.23. Ibid. pp. 28-29.24. Ibid. pp. 29-30.25. Park, pp. 91-92.26. Harrison, Underdevelopment is a State of Mind, p. 32.27. Ibid. p. 155.28. Johnson, p. 14.29. Pike, p. 94.30. Ibid. pp. 93-97.31. Ibid. p. 100.32. Ibid. p. 49.33. Sarah E. Sharbach. Stereotypes of Latin America, Press Images, and U.S. Foreign Policy,

1920-1933. New York: Garland Pub., 1993, p. 11.34. Johnson, p. 15.35. Pike, pp. 44-52.36. Ibid. pp. 144-151.37. Johnson, p. 210.38. Há estudos que diziam que a mistura de raça, com sangue branco, poderia melhorar a

qualidade de um povo. Estranha pesquisa publicada na década de 1920 nos EUA pro-curava mostrar que havia uma relação positiva entre a qualidade de sangue e o grau de inteligência de um povo (Sharbach / p. 9).

39. Park, pp. 83-86.40. É interessante notar que há autores, como Josias Strong, que falam, até citando Charles

Darwin, que foram a quantidade e a qualidade de gente que emigrou para os EUA que ajudaram no crescimento maior daquela nação.

41. Park, p. 86.42. Ibid. pp. 83-84.43. Ibid. p.p. 84-85.44. Johnson, p. 18.45. Park, pp. 93-94.46. Johnson, p. 211.

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Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 175

47. Pike, pp. 148-149.48. Ibid. p. 153.49. Johnson, p. 157.50. Sharbach, p. 7.51. Johnson, p. 158.52. Ibid. pp. 157-159.53. Sharbach, p. 5.54. Johnson, p. 16.55. Ibid. p. 17.56. Ibid. p. 11.57. Ibid. p. 10.58. Sharbach, p. 12, e Johnson, p. 12.59. Johnson, pp. 311-312.60. Pike, pp. 202-208.61. Ibid. pp. 200-201.62. Ibid. p. 224.63. Veja Capítulo III.64. Harrison, The Pan-American Dream, p. 20.65. Stanley J. Stein e Barbara H. Stein. A Herança Colonial da América Latina – Ensaios de

Dependência Econômica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970, p. 100.66. Park, pp. 80-81.67. Ibid. p. 81.68. Ibid.

Capítulo ii

1. Fredrick B. Pike, pp. 44-85.2. James William Park, pp. 96-97.3. Sarah Sharbach, p. 14.4. Lawrence E. Harrison. Underdevelopment is a State of Mind, p. 144.5. Pike, p. 114.6. Ibid. p. 115.7. Stanley e Barbara Stein, p. 107.8. Lawrence E. Harrison. The Pan-American Dream, p. 25.9. Harrison. Underdevelopment is a State of Mind, p. 143.10. Pike, pp. 60-61.11. Stanley e Barbara Stein, pp. 100-101.12. Ibid. p. 103.13. Ibid. p. 119.14. Também buscavam investidores na Europa. A iniciativa privada assumindo riscos. Uma

ação praticamente impossível para a América Latina do período. 15. Pike, p. 121.16. Ibid. p. 125.17. Ibid. p. 130.

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176 Alfredo da Mota Menezes

18. Stephen Haber How Latin America Fell Behind – Essays on the Economic Histories of Brazil and Mexico, 1800-1914, principalmente o capítulo 4, pp. 93-117.

19. John Johnson, pp. 20-21.20. Park, p. 97.21. Ibid. p. 99.22. Harrison. Pan-American Dream, pp. 21-22.23. Park, p. 93.24. Harrison. Pan-American Dream, pp. 22-23.25. Harrison, Underdvelopment is a State of Mind, pp. 30-32.26. Ibid. pp. 142-143.27. Harrison. The Pan-American Dream, p. 23.28. Johnson, pp. 29-31.29. Martha L. Cottam. Images & Intervention – U.S. Policies in Latin America. Pittsburgh:

University of Pittsburgh Press, 1994, pp. 14-35.30. Citado por Harrison. Pan American Dream, p. 26.31. Johnson, p. 73.32. Park, pp. 90-91.33. Johnson, pp. 116-119.34. Sharbach, pp. 23-35.35. Ibid. p. 31.36. Cottam, pp. 22-23.37. Ibid. p. 25.38. Park, p. 90.39. Johnson, p. 116.40. Ibid. p. 118.41. Sharbach, p. 40. 42. Ibid. p. 43.43. Ibid. p. 35.44. Ibid. pp. 37-39.45. Ibid. p. 43.

Capítulo iii

1. Lars Schoultz, p. 1. 2. Federico G. Gil. Latin American-United States Relations. New York: Harcout Brace Jova-

novich, 1971, pp. 57-59; Lars Scholutz, p. 3. Michael LaRosa e Frank O. Mora. Readings in Neighborly – U.S.- Latin American Adversaries Relations. Boulder: Rowan & Littlefield Publishers, 1999, p. 65.

3. Gil, 61. Joseph Smith. The United States and Latin America – A History of American Diplo-macy, 1776-2000. New York: Routledge Group, 2005, pp. 15-16. LaRosa e Mora, pp. 63-64.

4. LaRosa e Mora, p. 73 e Gil, p. 63. 5. Smith, pp. 17-18 e Gil, pp. 62-63.6. LaRosa e Mora, pp. 85-89. O livro de Gaston Nerval se chama Autopsy of the Monroe

Doctrine: The Strange Story of Inter-American Relations.

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Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 177

7. Gil, pp. 64-668. LaRosa e Mora, p. 67.9. Smith, p. 28.10. Schoultz, p. 25.11. Claude Julien, p. 51.12. Reginald Horsman. Race and Manifest Destiny – The Origins of American Racial Anglo-

Saxionism. Cambridge: Harvard University Press, 1981.13. Schoultz, p. 26.14. Sarah E. Sharbach, p. 3.15. Smith, pp. 28-29.16. Schoultz, p. 34.17. Smith, p. 30.18. Schoultz, p. 38.19. Smith, p. 29.20. Ibid. p. 30.21. Ibid. p. 27.22. Schoultz, p. 15.23. Ibid. p. 14.24. Ibid. pp. 31-36.25. Ibid. pp. 14-38.26. Claude Julien, p. 46.27. Fredrick B. Pike, pp. 155-156.28. LaRosa e Mora, pp. 21-22.29. Ibid. pp. 27-29.30. Walter LaFeber. The New Empire – An Interpretation of American Expansion, 1860-1898.

Ithaca: Cornell University Press, 1963, pp. 62-80.31. Pike, p. 158.32. Ibid. p. 159.33. Ibid. p. 168.34. Ibid. pp. 168-169.35. Ibid. pp. 176-177.36. Smith, p. 4837. E. Bradford Burns. The Unwritten Alliance – Rio Branco and Brazilian-American Relations.

New York: Columbia University Press, 1966.38. Smith, p. 55 e Schoultz, pp. 101-105.39. Smith, p. 56.40. Gil, p. 67; Smith, p. 57 e Schoultz, p. 115.41. Schoultz tem a melhor análise dessa disputa da Venezuela, pp. 107-124.42. Schoultz, pp. 125-151; Smith, pp. 59-65; Walter LaFeber, pp. 370-406.43. Smith, p. 6144. Alfredo da Mota Menezes. “Me Estoy Muriendo de Hambre – An Analysis of the Cuban

Situation, 1896-1898”, paper, 1982, 23 páginas, no site: www.alfredomenezes.com em Ou-tras Publicações, p. 16 .

45. Menezes, p. 1746. LaRosa e Mora, pp. 91-92.47. Smith, pp. 64-65.48. Ibid. p. 68.

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178 Alfredo da Mota Menezes

49. Ibid. p. 70.50. Schoultz, p. 184.51. Schoultz, pp. 205-219; Lester D. Langley. The Banana Wars – United States Intervention in

the Caribbean, 1898-1934. Chicago: The Dorsey Press, 1985, pp. 53-216; Walter LaFeber. Inevitable Revolutions – The United States in Central America. New York: W.W. Norton& Company, 1984, pp. 22-58; Walter V. Scholes e Marie V. Scholes. The Foreign Policies of the Taft Administration. Columbia: University of Missouri Press, 1970, pp. 40-104.

52. Talvez o melhor livro sobre a presença da Guarda Nacional na vida de algumas nações da América Central e do Caribe seja o de Richard Millett, Guardians of the Dynastty – A History of the U.S. Created Guardia Nacional de Nicaragua and the Somoza Family. Maryk-noll: Orbis Books, 1977.

53. Schoultz, pp. 152-175; LaRosa e Mora, pp. 95-99; Walter LaFeber. The Panama Canal – The Crisis in Historical Perspective. Oxford: Oxford University Press, 1979, pp. 3-57.

54. Smith, pp. 74-75.55. Cole Blasier. The Hovering Giant – U.S. Responses to Revolutionary Change in Latin America.

Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1976, pp. 101-105 e LaRosa e Mora, pp. 101-104.56. Blasier, p. 107.57. Ibid. p. 109.58. Smith, p. 78.59. Ibid. p. 82.60. Sharbach, pp. 5-6.61. Ibid. pp. 12-15.62. Ibid. p. 81.63. Ibid. p. 84

Capítulo iV

1. Federico G. Gil, pp. 155-156.2. Lars Schoultz, pp. 290-296.3. Aristide Briand, Ministro das Relações Exteriores da França. O pacto foi assinado por 15

nações em agosto de 1928.4. Fredrick B. Pike The US and Latin America, pp. 262-264, e “Latin America and the In-

version of United States Stereotypes in the 1920s and 1930s – The Case of Culture and Nature”, The Americas, 42, pp. 131-162, p. 138, 1985.

5. Pike, The case of culture and nature, p. 138 e Sarah E. Sharbach, p. 56. Pike, The US and Latin America, p. 265.7. Ibid. pp. 137-141.8. Pike, The case of culture and nature, p. 144.9. Sharbach “Introdução”, p. 1. xii.10. Pike, The case of culture and nature, pp. 149-152.11. Pike, The case of culture and nature.12. Ibid. p. 154.13. Ibid. pp. 160-161.14. James William Park, pp. 132-166.

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Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 179

15. Joseph Smith, p. 97.16. Schoultz, p. 303.17. Ibid. p. 305.18. Smith, p. 97.19. Schoultz, p. 305.20. Smith, p. 98.21. Ibid. p. 108.22. Gil, p. 158.23. Ibid. p. 159.24. Schoultz, pp. 296-301.25. Gil, p. 162.26. Smith, pp. 98-99.27. Cole Blasier, pp. 121-124.28. Smith, pp. 108-109, e Schoultz, p. 308.29. Pike, The US and Latin America, pp. 291-292, e John Johnson p. 18,30. Gisela Cramer e Ursula Prutsch, “Nelson A. Rockefeller’s Office of Inter-American

Affairs (1940-1946) and Record Group 229”, Hispanic American Historical Review, vol. 86, número 4, novembro 2006.

31. Cramer e Prutsch, pp. 785-786.32. Ibid. p. 791.33. Ibid. pp. 793-794.34. Ibid. p. 795. Veja último capítulo que trata do assunto.35. Clayton R. Koppes e Gregory D. Black “What to Show the World: The Office of War

Information and Hollywood, 1942-1945”, The Journal of American History, vol. LXIV, número 1, pp. 87-105, junho 1977.

36. Koppes e Black, pp. 88-89.37. Ibid. pp. 91-92.38. Ibid. p. 99.39. Ibid. pp. 87-88.40. Pike, The US and Latin America, pp. 281-285.41. Ibid. p. 359.42. Gil, pp. 168-169.43. Ibid. pp. 169-171.44. Ibid. p. 182.45. Ibid. p. 173.46. Ibid. p. 178.47. Ibid. p. 199.48. Ibid. pp. 177-178.49. Ibid. pp. 183-184.50. Smith, p. 109.51. Schoultz, p. 311.52. Smith, p. 110.53. Schoultz, p. 310.54. Gil, p. 183.55. Schoultz, p. 313.56. Ibid. pp. 314-315.57. Citado por Lars Schoultz, p. 315.

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180 Alfredo da Mota Menezes

Capítulo V

1. Joseph Smith, p. 112.2. Alan McPherson. Intimate Ties, Bitter Struggles – The United States and Latin America

since 1945. Washington: Potomac Books, Inc., 2006, pp. 19-20.3. Smith, p. 113 e Lars Schoultz, pp. 332-333.4. Smith, p. 114.5. Ibid. p. 115.6. Schoultz, p. 333.7. Ibid. p. 334.8. Michael LaRosa e Frank O. Mora, pp. 177-188.9. Smith, p. 119.10. Schoultz, p. 336.11. Stephen Schlesinger e Stephen Kinzer. Bitter Fruit – The Untold Story of the American

Coup in Guatemala. New York: Anchor Book, 1983.12. Schoultz, pp. 337-338.13. Ibid. p. 341.14. Ibid. p. 346.15. Ibid. p. 347.16. Schoultz, 338-345; McPherson, 34-39; Blasier, 151-210. A melhor análise do assunto

está no livro de Schelesinger e Kinzer. 17. Martha L. Cottam. Images & Intervention – U.S. Policies in Latin America. Pittsburgh:

University of Pittsburgh Press, 199418. Ibid. 38-3919. Ibid. 41-4220. Stephen e Kinzer, principalmente os capítulos 11, 12 e 13.21. Schoultz, p. 352.22. Ibid. p. 351.23. McPherson, pp. 41-43.24. Schoultz, p. 356.25. McPherosn, pp. 46-49; Blasier, pp. 151-210; Schoultz, pp. 356-357.26. Cottam, p. 46.27. McPherson, pp. 82-83.28. Carl Bernstein e Marco Politi. Sua Santidade – João Paulo II e a História Oculta de Nosso

Tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996, pp. 262-276.29. Lawrence E. Harrison, Underdevelopment is a State of Mind, p. 162.30. Lawrence E. Harrison, The Pan-American Dream, pp. 70-71.31. Samuel L. Baily. The United States and the Development of South America, 1945-1975.

New York: New Viewpoints, 1976, capítulo 5, pp. 133-170.32. Alfredo da Mota Menezes. A Herança de Stroessner: Brasil-Paraguai, 1955-1980. Campi-

nas: Papirus, 1987, capítulos I e II, pp. 11-68.33. Alfredo da Mota Menezes. Do Sonho à Realidade – A Integração Latino-Americana. São

Paulo: Alfa Omega, 1990, capítulo II, pp. 30-135, e Alfredo da Mota Menezes e Pio Penna Filho. Integração Regional – Os Blocos Econômicos nas Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Campus-Elsevier, 2006, pp. 12-19 e pp. 76-85.

34. Menezes e Penna, pp. 66-74.

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Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 181

35. Harrison, Pan-Ameriacna Dream, p. 71.36. Ibid.p. 72.37. McPherson, pp. 26-28.38. Harrison, Pan-American Dream, pp. 88-94.39. Talvez possam ser acrescidos outros nomes como de Paul Sweezzy e Leo Huberman.40. Harriman, Underdvelopmente is a State of Mind, 16241. Stephen Haber, How Latin America Fell Behind , 142. Essa posição de parte da intelectualidade latina americana em culpar o exterior pelos

males regionais faz parte do livro Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano, publicado em 1996, pelo peruano Álvaro Vargas Llosa, pelo cubano Carlo Montaner e pelo colom-biano Plínio Mendoza.

43. Stephen Haber, capítulo II, pp. 34-64.44. Ibid. p. 262.45. Alfredo da Mota Menezes. Guerra do Paraguai – Como Construímos o Conflito. São Paulo:

Contexto, 1998. Francisco Doratioto. Maldita Guerra – Nova História da Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, pp. 23-59.

Capítulo Vi

1. Federico G. Gil, pp. 238-250; Joseph Smith, pp. 123-126; Alan McPherson, pp. 51-54; James William Park, pp. 204-229.

2. Lars Schoultz, p. 383.3. Gil, p. 245.4. Ibid. pp. 245-246.5. Cole Blasier, pp. 241-258.6. Schoultz, p. 360.7. John Johnson, p. 19.8. Schoultz, pp. 361-362; Blasier, pp. 262-270; McPherson, pp. 74-79.9. Martha Cottam, p. 56.10. Schoultz, p. 361.11. Smith, pp. 141-149.12. Walter LaFeber, The Panama Canal, principalmente o capítulo 6, pp. 160-216.13. Wayne S. Smith. The Closest of Enemies – A Personal and Diplomatic Account of U.S.-

Cuban Relations since 1957. New York: W.W.Norton & Company, 1987, principalmente os capítulos 4, 5, 6, 7 e 8, pp. 101-237.

14. LaFeber, Inevitable Revolutions, capítulos 3 e 4, pp. 145-270 e John A. Booth. The End and the Beginning – The Nicaraguan Revolution. Boulder: Westview Press, 1982, capítulos 7, 8 e 9, pp. 127-214.

15. Schoultz, pp. 362-363; Cottam, pp. 71-116; McPherson, pp. 79-8216. Schoultz, pp. 364-366; Smith, pp. 149-156; Cottam, pp. 117-131; McPherosn, pp. 89-105. 17. Schoultz, p. 378.18. Smith, pp. 146-149.19. McPherson, pp. 106-107.20. Smith, p. 159.

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182 Alfredo da Mota Menezes

21. Ibid. pp. 157-159.22. Ibid. pp. 156-157.23. Cottam, pp. 143-162; Smith, pp. 141-144.24. Smith, pp. 162-164 e McPherson, p. 113.25. Alfredo da Mota Menezes e Pio Penna Filho, Integração Regional, pp. 47-85.26. Ibid. pp. 90-105.27. Ibid. pp. 105-127.28. Schoultz, p. 368.29. Smith, pp. 165-167.30. Rensselaer W. Lee III. “La Conexión Narco Guerrilla”. Revista Occidental: Estudios Lati-

noamericanos, ano 7, número 3, 1990. pp. 271-310. 31. Pike, p. 351.32. J. F. Hornbeck e Marisabel Cid, “Report for the Congress – US-Latin American Trade:

Recent Trends”. 33. The Economist, 13 de agosto de 2009.34. Ibid.35. Pesquisa de opinião pública da Zogby de 10 de agosto de 2007, “Majority of American

Understand Little about Latino American Neighbors”.36. Zogby de 26 de janeiro de 2008, “American Public Sees Latin America through Narrow

Imigration Lens”.37. Ibid.38. Zogby de 10 de agosto de 2007, já citada. 39. Pesquisa da Zogby de 2 de outubro de 2008, “Public Views Clash with US Policy on

Cuba, Imigration and Drugs”.

Capítulo Vii

1. Carlos E. Cortés. “The Convenient Arena: Mexico in U.S Motion Pictures”. In: Imagens Recíprocas – La Educación en las Relaciones Mexico-Estados Unidos de América, Colegio de México, México, 1991, p. 236.

2. Allen L. Woll. The Latin Image in American Film. Los Angeles: UCLA Latin American Center Publications, 1980, p. 9.

3. Carlos Cortés, p. 237.4. Mercedes Lynn de Uriarte. “Crossed Wires: The U.S. Press and Mexico”. In: Imagens

Recíprocas – La Educación en las Relaciones México-Estados Unidos de América, Colegio de México, México, 1991, p. 252.

5. Woll, pp. 15-16.6. Ibid. p. 35.7. Schoultz, p. 380.8. Woll, p. 23.9. Cortez, pp. 236-237.10. Woll, p. 39.11. Ibid. p. 65.12. Tânia da Costa Garcia. “Carmen Miranda e os Good Neighbors”, 5 (internet). É um

resumo do livro It Verde Amarelo de Carmen Miranda. São Paulo: Annablum, 2004.

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13. Bianca Freire Medeiros. “Hollywood Musicals and the Invention of Rio de Janeiro, 1933-1953”. Cinema Journal 41, número 4, pp. 52-67, 2002. Há um resumo com o título “O Rio de Janeiro de Hollywood em Quatro Takes”, 5 (internet).

14. Ibid. p. 7.15. Woll, p. 87.16. Ibid. p. 108.17. DeeDee Loleck. “The Gringo in Mañanaland”, DVD, Box 89, Wilow NY 1249518. Domenik Lorenz. “Stereotypes of Chicanos in US”. Druck und Bindung, Nordertedt Ger-

many , Books on Demand: 2008, p. 7, (internet). Jane Hill. “Mock Spanish: a site for the indexal reproduction of racism in American English”, Language and Culture Sympo-sium, 2008 (internet).

19. Ibid. 20. Charles Ramirez Berg. Latin Images in Film – Stereotypes, Subversion, Resistance. Austin:

University of Texas Press, 2002.21. Mercedes Lynn de Uriarte. Crossed Wires: The U.S. Press and Mexico.22. Uriarte, p. 254.23. Lorenz, p. 6.24. Uriarte, p. 259.25. Ibid. p. 263.26. Mary Junqueira. “Representações Políticas do Território Latino-Americano na Revista

Seleções”, Revista Brasileira de História, vol. 21, número 42, pp. 323-342.27. Junqueira, p. 323.28. Ibid. p. 338.

Capítulo Final

1. Charles Ramirez Berg, pp. 14-15.2. Ibid. p. 23.3. Sarah Sherbach, pp. 21-23. 4. Walter Lippmann. Public Opinion. New York: The Macmillan Company, 1947.5. Sherbach, p. 1 xvi; Berg, p.16.6. Schoultz, p. 337.7. Susan Kaufman Purcell, Diretora do Center for Hemispheric Policy, University of Mia-

mi, “Cultural Obstacle”. In América Economia, 1 de abril de 2008.8. John Johnson, pp. 118-119.9. Ibid. p. 312.10. Pike, pp. 352-358.11. Research Institute of Latin American Studies, University of Liverpool.

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