Iniciação Ao Teatro

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  • 7/24/2019 Iniciao Ao Teatro

    1/64

    ISBN 85-08-0128 1

    9 78850801 28 31

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    Dlreo

    Samira Voussef Campedelli

    Benjamin Abdala Junior

    Preparao de texto

    Renato Nicolai

    Arte

    Coordenao e

    projeto

    grfi o miolo

    Antnio do Amaral Rocha

    Arteflnal

    Ren Etiene Ardanuy

    Joseval Souza Fernandes

    Capa

    Ary Almeida Normanha

    Edio revis ta e atual izada de Iniciao ao teatro

    volume inicialmente inclu ido na Coleo Buri t l

    publicada na DESA por Thomaz Aquino de Oueiroz.

    Sbato Magaldi

    Impresso:

    Grfica Palas

    Athena

    ISBN85 08 01283 7

    1994

    Todos

    os

    direitos reservados

    Editora tiea S

    Rua Baro de

    Iguape, 110 - P

    01507900

    Tel.: PABX 27B9322

    - Caixa Postal

    8656

    End.

    Telegrfico Bomlivro

    -

    Fax: 011) 2774146

    So Paulo

    ISP)

    f

    .

    .

    .

    Sumrio

    Apresentao 5

    1. Conceito de teatro

    7

    Origem etimolgica, 7; A trade essencial, 8; Sntese, 9;

    Coordenao, 11; Soma de elementos ,

    Espetculo, 13.

    2. O texto

    ----, 15

    Teatro literrio, 16; Matria, 16; Gneros, 18; Situao e

    caracteres, 21; Objetivo, 22.

    3. O

    ater 24

    Polmicas, 25; A

    Commedia dell Arte

    26; O

    Paradoxo

    de

    Diderot, 27; O mtodo de Stanislvski, 29; O estranha-

    menta brechtiano, 31; Significado, 32.

    4. Os elementos visuais 34

    Arqui tetura X pintura, 35; Conveno X realismo, 36;

    Evoluo da cenografia, 37; Indumentria, 40; Comple

    mento audit ivo, 41; Lugar certo, 42.

    5. A arqui tetura

    43

    O achado grego, 45; A soluo romana, 45; Na Idade

    Mdia, 46; O palco elisabetano, 46; A cena italiana, 47;

    O projeto de Gropius, 49; A arena, 50; Como cons-

    truir, 50.

    6. O encenador

    52

    Em busca da autenticidade, 54; A reteatra lizao, 56;

    Entrechoque de tendncias, 59; Abertura para o mundo, 60.

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    Ei ll l l l l l l l t

    7 A empresa 62

    A antiga organizao, 65; Teatro de equipe, 67 ; A produ-

    o isolada, 69.

    8 O pblico

    71

    o

    mvel, 72; Religio, 74; Classes, 76 ; Participao, 77 ;

    Prazer esttico, 78.

    9 Participao do Estado

    80

    A censura , 82; Patrocnio, 84; Descentralizao, 86; Fi

    nanciamentos, 87; Companhias subvencionadas , 88.

    1 Nacionalismo 89

    Os postulados, 90; A lei de 2 X 1, 91; Diretores, 93 ;

    Patrimnio universal, 94; Falsa questo, 95; Autentici

    dade

    9 6

    11 Qualificativos em voga 99

    o boulevard

    100 ; Vanguarda, 100 ; Teatro poltico, 103 ;

    Teatro pico, 104; Teatro social, 105 ; Teatro popular, 106 ;

    Teatro pobre, 108; Criao coletiva, 109 ; O happening

    110; Teatro do oprimido, 112 .

    12 Destino do teatro 114

    Cinema e televiso, 115; Os erros da nostalgia, 117 ; O

    exemplo de Copeau, 118 ; Vocao, 120.

    Bibliografia 123

    Apresentao

    niciao ao Teatro um livro escrito pa ra leigos mas que os

    especialistas lero com enorme interesse e proveito. Em linguagem

    simples e acessvel, aborda todos os problemas bsicos do teat ro,

    desde os artsticos at os econmicos.

    Aps definir o seu objeto conceito de teatro), analisa sucessi

    vamente a pea o tex to ), o espetculo o ato r, os elementos visuais, .

    a arquitetura, o encenador) , a sociologia do teatro a empresa, o

    pblico, a part icipao do Estado), para encarar finalmente as ques

    tes ligadas ao atual momento brasileiro nacionalismo, teat ro comer

    cial, teatro social, teatro popular) . A concluso discute o destino

    do teatro , definindo em poucas palavras a sua posio dentro da

    sociedade modema, em face da concorrncia de outras artes do espe

    tculo, como a televiso e o cinema.

    Os dados referentes ao passado aparecem sempre que necess

    rios para esclarecer o presente, visando-se com isso fornecer ao leitor

    uma certa massa de informaes concretas que lhe possibilite obter

    uma boa perspectiva histrica . O Autor nunca se nega a dar a sua

    . opinio pessoal, fundamentada em uma longa experincia prtica e

    terica do teatro , mas, antes de faz-lo, procura situar de forma

    objetiva os diferentes pontos de vista sobre o assunto, fugindo assim

    tanto do pensamento acadmico e no-par ticipante quanto da pol

    mica apaixonada.

    niciao ao Teatro

    ao mesmo tempo obra de erudio e de

    vulgarizao, tendo da primeira o rigor do mtodo, inclusive quanto

    bibliografia, e da segunda o fato de dirigir-se indistintamente a

    todos os leitores.

    DCIO DE

    ALMEID

    A PRADO

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    onceito de te tro

    A palavra teatro abrange ao menos duas acepes fundamentais:

    o imvel em que se realizam espetculos e uma arte especfica

    transmitida ao pblico por intermdio do ator.

    O significado primeiro na linguagem corrente liga-se idia

    de edifcio um edifcio de caractersticas especiais dotado basica

    mente de platia e palco. Quando se diz: Vamos ao teatro

    pensa-se de imediato na sada de casa para assistir num recinto

    prprio a uma representao feita por atores bailarinos ou mimos.

    Teatro implica a presena fsica de um artista que se exibepara uma

    audincia. O cinema j subentende a imagem substituindo a figura

    humana real. No teatro pblico e ator esto um em face do outro

    durante o desenrolar do espetculo

    rigem

    etimolgic A etimologia grega de te tro d ao voc-

    bulo o sentido de miradouro lugar de

    onde se v. O edifcio autnomo de fins idnticos quele que se

    chama hoje teatro se denominava odeion auditrio. Na termino

    logia dos logradouros cnicos da Grcia

    te tron

    correspondia pla

    tia anteposta orquestr e envolvendo-a como trs lados de um

    trapzio ou um semicrculo. No se dissocia da palavra teatro a

    idia de viso. Ler teatro ou melhor literatura dramtica no

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    8 INI I O AO

    TE TRO

    abarca todo o fenmeno compreendido por essa arte.

    nele indis

    pensvel que o pblico veja algo, no caso o ator, que define a espe

    cificidade do teatro. A contemplao do bailarino caracteriza o

    espetculo do bailado e a do cantor ou msicos, aspectos da arte

    musical. A lembrana da etimologia de t tro tem por fim no ape

    nas a busca de seu conceito, mas tambm o esclarecimento de um

    dado inicial, cuja omisso vem originando diversos equvocos, entre

    os quais, sobretudo, o da precedncia da arte literria, com prejuzo

    do conjunto do espetculo.

    trade essencial

    No teatro dramtico ou declamado, objeto

    deste ensaio h os gneros da comdia

    musical e da revista, por exemplo , so essenciais trs elementos:

    o ato r, o texto e o pblico. O fenmeno teatral no se processa,

    sem a conjugao dessa trade.

    preciso que um ator interprete

    um texto para o pblico, ou, se se quiser a lterar a ordem, em funo

    da raiz etimolgica, o teatro existe quando o pblico v e ouve o

    ator interpretar um texto. Reduzindo-se o teatro sua elementari

    dade, no so necessrios mais que esses fatores. As reformas dos

    puristas, preocupados em suprimir o gigantismo espetacular ou as

    contrafaes de qualquer natureza, visam sempre a devolver o teatro

    aos seus dados essenciais. Sem a interpretao de um texto, o ator

    se encaminhar para a mmica. A ausncia do ator costuma ser

    suprida, na leitura, pela imaginao, que visualiza as rubricas e ins

    creve os movimentos num cenrio ideal. Esse pluralismo na com

    posio do teatro acarreta mesmo as idiossincrasias part iculares.

    Muitas pessoas preferem ler as peas, para que o prazer esttico no

    fique sujeito deformao de um mau desempenho ou ao condicio

    namento inartstico dos intervalos. Acham esses cultores do solipsis

    mo que nenhuma realizao material corresponde liberdade cria

    dora da prpria mente. Os espectadores natos, porm, atrapalham-se

    com as indicaes do dilogo escrito, e no so capazes de armar

    a contento uma montagem imaginria. Eles esto mais prximos

    do teatro, definem-se em verdade como parte dele. Sem dvida, os

    amantes de teatro no podem prescindir da lei tura: as representa

    es, at nos centros artsticos mais desenvolvidos, cobrem apenas

    uma parcela da dramaturgia, e aqueles que se contentarem com elas

    deixaro de usufruir um imenso acervo literrio. A leitura traz um

    J

    ON EITO

    DE

    TE TRO l

    enriquecimento artstico e cultural, mas no chega a constituir o

    fenmeno do teatro. Muitas vezes se obrigado a permanecer nela

    porque a curta durao da vida exige que se substituam experincias

    completas por resumos ou simulacros.

    Conceber um quadro abstrato em que o ator represente para a

    sala vazia, realizando-se no prazer solitrio, talvez seja a maior

    contrafao da idia de teatro.

    ntese

    A presena fsica do ator, alm de definir a especifici-

    dade do teatro, importa na colaborao de vrias outras

    artes. Antes de mais nada, cabe observar que ela supe um espao

    concreto, no qual se processam os deslocamentos .do intrprete.

    Sobre o palco, a arena ou um simples estrado ergue-se o cenrio,

    que sugere o ambiente propcio ao. O cenrio vale-se de ele

    mentos oriundos de duas outras artes: a arqui tetura e a pintura. A

    criao de espao para os movimentos do ator requer o concurso

    de dispositivos arquitetnicos, distribudos segundo uma unidade est

    tica prpria e os requisitos funcionais. A pintura, que, antes da

    corrente construtivista, continha o princpio da decorao do palco,

    fornece tambm elementos importantes cenografia. A descoberta

    da luz eltrica, aplicada ao teatro a par tir de fins do sculo passado,

    alterou fundamentalmente o conceito de cenrio. Pode-se afirmar

    hoje em dia que existe uma arte da iluminao, apoio valioso para

    o melhor rendimento do espetculo. O palco recorre arte do

    mobilirio, eventualmente escultura, etc. E a necessidade de que

    as personagens se completem com figurinos adequados, modernos

    ou histricos, impe o concurso da arte da indumentria.

    O ator comunica-se com o pblico por meio da palavra, instru

    mento da arte literria. Embora alguns tericos desejem menosprezar

    a importncia da palavra na realizao do fenmeno teatral autn

    tico, sua presena no se separa do conceito do gnero declamado.

    Para o ator, entretanto, a palavra um veculo que lhe permite

    atingir o pblico, mas no se reduz a ela a interpretao. Sabe-se

    que o silncio, s vezes, muito mais eloqente do que frases intei

    ras. A mmica ou um gesto substitui com vantagem determinada

    palavra, de acordo com a situao. Postura , olhar, movimentos

    tudo compe a expresso corporal, que participa da eficcia do

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    INICIAO AO TEATRO

    desempenho. Por isso se convencionou chamar de interpretao

    arte do ator, que reclama tantos recursos expressivos.

    O teatro no sente pejo de recorrer a elementos musicais, para

    que uma . cena alcance pleni tude. Num exemplo corriqueiro, pode o

    ator, sozinho no palco, ligar uma vitrola,

    para

    que a msica povoe

    a. solido. Ou um dilogo tem a sublinh-lo um fundo sonoro, que

    filtra o derramamento amoroso. A msica, se bem aproveitada, no

    se reduz ao papel de acompanhamento, mas pode integrar-se na

    expresso dramtica.

    O cinema e a TV, desde a sua inveno rotulados como con

    corren tes e inimigos do teatro , prestam-se tambm a figurar entre

    os elementos do espetculo. No se pe em dvida a adaptabilidade

    da arte dramtica

    para

    a tela e para o vdeo . Exige-se apenas que

    a transposio observe as regras da nova linguagem. Peas inteiras

    so tambm filmadas ou televisionadas, sem o abandono dos mtodos

    teatrais, no obstante o veculo diferente estivesse a reclamar uma

    recriao completa nos seus meios. Quanto ao teatro, discute-se a

    legitimidade da projeo de cenas e do funcionamento de um apa

    relho de TV no quad ro do espetculo. Piscator 1893-1966 no

    hesitou em aprove ita r pelculas nas montagens do tea tro poltico,

    sobretudo na dcada de vinte, para trazer maior soma de argumentos

    panfletrios convico do espectador. Jean-Louis Barrault. l910

    visualizou, atravs da cmara, o sonho do protagonista de Le livre

    de hristophe olomb

    de Paul Claudel 1868-1955 . Seria essa

    uma incorporao espria de out ra arte ao te rreno do tea tro?

    Desde que justificada e propiciando efeito esttico, inatingvel

    de outra forma com a mesma economia, a projeo cinemato

    grfica ou a TV no tm por que serem banidas do teatro. Ambas,

    como tantas outras artes, esto capacitadas a fornecer elementos ao

    espetculo. Cumpre ao tea tro absorver o que lhe seja til.

    A multiplicidade de fatores art st icos conduz sntese teatral .

    Arte impura,

    por

    certo, captando aqui e ali todos os instrumentos

    capazes de produz ir o maior impacto no espectador. A riqueza em

    sua composio torna o teatro uma das artes mais sedutoras, que

    alcana o pblico pela sntese ou pelo agrado superior de um ou

    outro elemento. Certos espetculos obtm xito pela harmonia total

    da realizao. Outros, apenas pelo interesse do texto, ou ainda pelo

    mrito do desempenho. Cenrios ou figurinos excepcionais consti

    tuem, s vezes, o principal atrativo. H muitas maneiras, assim,

    C ONCE ITO DE TEATRO 11

    par a que o teatro cumpra o seu papel. Ele ser tanto mais vlido,

    artisticamente, quanto da melhor categoria for cada um dos ele

    lIlentos que o compem e mais feliz a unidade final.

    Como coordenar, porm, elementos dispersos,

    oorden o

    tomados de diferentes artes? O autor, escrita a

    pea, pode considerar encerrada a sua tarefa, desobrigando-se de.

    acompanhar o seu destino cnico. E os mortos esto impedidos

    mesmo de zelar pelo respeito sua palavra original

    O ator

    cuida, eventualmente, de reunir os vrios aspectos da montagem,

    mas no estranhvel se essa preocupao entra em conflito com

    o trabalho in terpretativo que lhe cabe. Afinal, ele no se v repre

    sentar e, para ver os colegas, precisa omitir as prprias marcaes

    no palco.

    Ser natural ponderar tambm que, deixado o espetculo ao

    arbt rio de cada ator e dos responsveis pela cenografia e pela indu

    mentria, a desconexo pode comprometer o equilbrio artstico. Em

    abono dessa tese, lembre-se a disparidade das exegeses de um texto

    e dos resultados a perseguir. Como a obra de Moli re 1622-1673

    se classificava, t radicionalmente, no gnero cmico, todas as suas

    montagens procur avam o riso. Os estudos modernos passaram a

    ressaltar o vigor dramtico subjacente aos dilogos de aparncia

    ligeira, e as novas encenaes refletiram essa maneira de ver. Muitos

    espectadores provavelmente se recordam da austeridade dramtica

    de Le misanthrope

    na verso de Jean-Louis Barraul t, apresentada

    no Brasil em 1954. Outros intrpretes assinalaro no texto, futura

    mente, aspectos nos quais no se demoram hoje os estudiosos.

    Para

    fundamentar-se a exigncia de um espr ito coordenador

    dos vrios elementos do espetculo, no necessrio abandonar o

    terri trio do teatro. Recorra-se anlise pirandell iana, segundo a

    qual h uma verdade par a cada criatura. Os objetos so passveis

    desse ou daquele entendimento, segundo a viso particular do con

    templador. Os indivduos prestam-se aos mais contraditrios juzos,

    de acordo com a formao e o ngulo de quem os examina. No

    campo da exegese de textos, que, apesar dos esforos de objetividade,

    conserva napelavelmentetantos resduos subjetivos, os analistas po

    dem chegar, por caminhos lgicos, a concluses opostas. Da o

    reclamo de uma viso unificadora, que amolde todos os ingredientes

    para o mesmo fim.

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    12 INICIAO AO TEATRO

    o

    reconhec imento dessa necess idade legi timou, no tea tro , a

    figura do encenador. A ele i ncumbe

    pr

    em c ena uma isto ,

    real iza r o espetculo. Sua impor tnc ia cresce, se se conside ra r que,

    assim como o d ramaturgo o

    autor

    do texto, o encenador o autor

    do espetculo.

    No

    se lhe pode recusar tal eminncia , no fenmeno

    cnico.

    Uma

    pea re su ltar nesse ou naquel e espetculo, mu itas

    vezes de remoto parentesco entre si , em funo da

    arte

    d encenador.

    Pr incipa lmente agora , com a complex idade dos recursos aliciados

    pelo tea tro , compe te ao encenador const ru ir a harmonia ar t st ica do

    espetculo.

    Aceitando-se que o teatro tome de em

    Soma de elementos

    prstimo a outras artes os elementos

    que o compem, a fim de proceder sntese, cabe

    perguntar

    se ele

    no se caracter iza pela simples soma das conquistas real izadas for a

    de seu mbito. A resposta a fi rmat iva si tuar ia o teatro como a rt e

    secundr ia , dependente das experincias levadas a cabo em out ros

    campos.

    Num primeiro exame, pa rec e razovel que a l it erat ura faa as

    suas pesquisas na poesia ou no romance, comunicando os resultados

    estticos ao dramaturgo. O arqui te to e o pin tor t raba lhar iam no seu

    terreno especfico,

    para

    oferecer ao cengrafo as solues a que

    chegaram. Arranjo a posteriori das parcelas fornecidas por outras

    artes o teatro se consideraria

    mera

    vulgarizao / delas, permane-

    cendo em atraso e nunca almejando uma arrancada vanguardista,

    certo que as artes puras se prestam com maior facilidade

    experimentao. Art e coletiva, o t eat ro tende a evoluir com mais

    cautela, e

    no

    se deve esquecer que fala a numeroso pblico, eviden

    temente alhe io aos requintes do aprec iador indiv idual . As implica

    es co le tivas da a rte dramtica fazem-na mais t mida que a poesia

    ou as art es plsticas.

    Ela

    no

    se l imita, c on tudo , a aprovei ta r as

    formas que lhe so transmitidas nos vr ios setores.

    Por

    isso se afirma que o teatro uma sntese de elementos

    artsticos e

    no

    de artes. O cenrio utiliza da arquitetura e da

    p int ura alguns dados, mas

    no

    se contm

    numa

    ou

    noutra

    arte :

    fo rja a sua prpr ia especifi cidade, e den tro dela se movimenta livre

    mente, chegando a solues inditas.

    Nada

    impede que a cenografia

    seja mais avanada que as out ras a rtes p lst icas.

    CONCEITO DE TEATRO 13

    A literatura dramtica, atuando em territrio prprio, traz a sua

    mensagem, que pode no ter sido cogitada ainda nas outras artes

    literrias. Eurpides 484-407/6 a.Ci),

    Molire

    ou Ibsen 1828-1906)

    est o na vanguarda de seu t empo, em relao a quaisquer sondagens

    art s ticas. Um grande dramaturgo patrimnio tanto do teatro

    quanto

    da literatura.

    Da no

    se just ificar um ce rt o complexo de i nferi oridade do

    teatro, em face de outras artes, aparentemente mais desenvolvidas

    neste sculo. Qua lquer fo rma de expresso estagna, em certo mo

    mento, at receber um impulso inaudito,

    por

    meio do gnio. A sim

    ples circunstncia de que a dramaturgia

    modema

    conta com a figura

    de um Brecht

    1898-1956

    prova que o teatro est muito vivo,

    atent o s mais sens veis preocupaes do tempo.

    A sntese de elementos a rt sti cos faz o espetculo,

    spetculo

    e em funo dele que se deve pensar o teatro.

    Espetculo tea tra l e tea tro podem ser conside rados

    sinnimos,

    e se

    confundem como expresso artstica especfica.

    Se a l ite rat ura dramt ic a fica documen tada em livro e os cen

    rios e figurinos subsistem em fotografias e desenhos, o espetculo

    uma arte e fmera, que se rea li za integra lmente na sua durao. O

    preconcei to da e te rn idade da arte,

    to

    difundido, relega

    por

    isso o

    espetculo a p lano inferior, valorizando em contr apar tida o texto,

    p erenizado na histria literria. Mas a sit uao especial do t ea tro

    j leva Ari stteles

    384-322

    a.C.) a considerar a duplicidade de

    pea e espetculo. Apenas, o terico da otica no considera a

    primei ra e lemento do segundo , mas o espetcu lo par te da t ragd ia.

    Para

    ele, c omo a t ragd ia imi tao de aes e a imi tao se execu ta

    por

    atores, o espet culo cnico h de ser neces sariamente uma das

    partes da tragdia, e depois a msica e a elocuo, pois estes so os

    meios pelos quai s os a tores e fe tuam a imi tao ver

    RISTT L S

    ,

    otica trad. Eudoro de Sousa, Lisboa, Guimares, p. 76 . A que

    rela reduz-se a problema de terminologia, porque, ao definir a

    tragdia, o filsofo grego concei tu a insensivelmente o teat ro ou o

    espetcul o trgico. Fosse o espetculo part e da tragd ia e

    no

    ela

    elemento dele, no se jus ti fi ca ria que a mesma t ragd ia resu ltas se,

    de acordo com as encenaes, em espetculos to diferentes.

    O efmero confere ao espetculo categoria esttica especial, que

    pode ser

    uma

    razo a mais

    para

    o seu fascnio. Imaginar que , em

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    INICIAO

    AO

    TEATRO

    poucas horas, se frustra uma comunicao artstica ou se cumpre o

    destino do teatro, cria para esse tempo um privilgio.

    A repetio ao longo da vida est na base dos prazeres essen

    ciais. Termina um espetculo, e o sorti lgio s ocorrer, para o seu

    criador, em novo espetculo. Finda uma temporada , restar dele

    apenas a memria. A concentrao de esforos artsticos, em torno

    do efmero, atribui ao teatro misria e grandeza in confundveis.

    o

    texto

    Costuma-se conceder prioridade ao texto, na anlise do fen

    meno teatral. At os encenadores e intrpretes mais bem-sucedidos ,

    como Baty (1885-1952) e Jouvet (1887-1951) , reverenciam o dra

    maturgo, fonte de sua atividade. Baty encontrou uma bela frmula

    para exprimir a precedncia do elemento literrio :

    O

    texto a

    par te essencial do drama. Ele para o drama o que o caroo

    pa ra o fruto, o centro slido em torno do qual vm ordenar-se os

    outros elementos. E do mesmo modo que, saboreado o fruto, o

    caroo fica para assegurar o crescimento de outros frutos semelhan

    tes, o texto, quando desapareceram os prestgios da representao,

    espera numa biblioteca ressuscit-los algum dia (ver Gaston B TY

    Le metteur en scne, in ideau

    baiss

    Paris, Bordas, 1949, p. 218

    Citando que no comeo era o verbo, Jouvet reconheceu que o

    escri tor o elemento principal e ativo e o verdadeiro diretor (ver

    Louis

    JOUVET

    ilexions du comdienRio de Janeiro, Americ, 1941,

    p. 218 Sem obra dramtica, no h teatro. A existncia de uma

    pea marca o incio da preparao do espetculo .

    A arqueologia, porm, no autoriza a exegese do ator francs.

    No comeo no era o verbo, como no era o bailarino ou outro

    elemento da representao. Desde o princpio, as partes do teatro

    teriam aparecido indissociadas. De nada adianta afirmar que no

    se faz espetculo sem pea.

    texto, alinhado na biblioteca, sem

  • 7/24/2019 Iniciao Ao Teatro

    9/64

    16 INICIAO AO TEATRO

    algum

    que

    o encene,

    tamb

    m

    no teatro

    . Ser sempre mai s

    fecundo pensar a arte dramtica na tot al id ade dos seus e lemento s.

    Ao escrever a pea, o

    dramaturgo

    autntico j supe a ence

    nao, da qual par ticipa obr igator iamente o pblico . Se ele quisesse

    prescindir da representao, preferiria

    outro

    gnero literrio.

    Pode

    o

    autor no

    se importar com a acolhida do pblico, mas nunca deve

    esquecer

    que

    as suas

    palavras

    precisam ser

    encontradas

    em funo

    de

    uma

    audincia.

    Aqueles que no

    tm a

    vocao

    leg t ima do

    eatro literrio teatro

    hipertrofiam o significado do texto

    como

    l it er atura. O espet culo ser ia a boa ou a m execuo de uma

    obra

    completa

    em si mesma , d et ermi nant e nico da cat egor ia a rt s ti ca do

    te at ro. Romanc is ta s e poetas que no dominam o dilogo cnico

    escudam-se na crena de que,

    embora no

    tenham

    escrito

    uma pea

    t ea tr al (e h no qual if icat ivo

    uma

    velada

    ironia),

    fizeram

    boa

    litera

    tura.

    Essa

    posio ope-se

    dos fabricantes de peas, artesos

    hbeis,

    que

    normalmente

    esto fora da

    literatura

    , e se distinguem

    pelo que se con vencionou

    chamar

    carpintaria

    teatral.

    Os dois pon to s de v is ta acham-se eq id is tant es do

    teatro

    autn

    tico , e talvez o primeiro

    tenha

    menos

    contato

    com ele do

    que

    o

    segundo.

    No

    se recordam exemp lo s de peas que sejam

    boa

    litera

    tura e

    mau

    teatro.

    Embora

    o juzo possa

    parecer

    , demasiado severo,

    os textos de t ea tro que

    no

    se def inem como teatrais acabam tam

    bm po r enr iquece r o rol da m li te ra tura.

    atria

    Lide

    o poeta

    com

    o verso ou a

    palavra

    e o

    romanc

    ista

    com a

    narrativa

    , o veculo do

    dramaturgo

    o dilogo.

    O

    romance pode tambm

    va le r-s e do dilogo, mas subsidiariamente,

    sem

    que

    aba rque toda

    a

    narrao

    .

    Grande

    parte

    da

    dramaturgi

    a

    clssica foi vazada em verso,

    no

    cabendo

    ,

    apenas por

    isso, tax-la

    de potica. Ali s , a s imples exi st nc ia do verso, como se sabe ,

    no

    s ignifi ca poesia . No

    teatro

    , alega-se que muitos dilogos de I bs en,

    feitos em pros a, encer ram ma is poesia do que peas intei ras escri tas

    em versos.

    O dilogo teatral requer um encadeamento prprio,

    porque

    deve

    ser tr an

    smitido pelo ator. Sua

    matria

    , na

    boca

    de um

    ser

    humano

    que

    o

    pronuncia

    , visa c ria o da per sonagem.

    No trans-

    U TEXTO 17

    cur so do espet culo, i ns taura- se o un iver so t ea tr al po r intermdio

    da

    ao

    de per sonagens em cena .

    Drama

    etimologicamente, significa a o. A simples conver sa ,

    entabolada como

    dilogo,

    no

    constitui

    ao,

    e

    po r

    isso care ce de

    teatralidade.

    Para

    se facil itarem a

    tarefa

    de fixar personagens agindo,

    os autores antepem-lhes obstculos,

    cuja

    transposio

    conduz

    ao

    desfecho. Os obstculos colocam-se no ntimo ou no exte rior das

    per sonagens , e carac te ri zam o conf li to, que a maioria dos tericos

    julga essenc ia l ao conce ito de drama.

    Ao

    con funde- se na l inguagem leiga com enredo ou int riga.

    Henri Gouhier (1898- ) distingue-os com objetividade, propondo

    uma

    definio tcnica, de proveito

    para

    dramaturgos

    e estudiosos. Mui tas

    vezes,

    po r

    inadvertncia, se escreve

    ao

    , quando a pal av ra

    adequa

    da ser ia enredo. P ie rr e-Aim

    Touchard 1903-

    ) j hav ia denomi

    nado o enredo o esqueleto da ao

    ver

    Pierre-Aim TOUCH RD

    Dionysos apologie pour le thtre

    Par is , Seuil, 1949, p.

    119). Es

    tabelecendo paralelo com o esquema d inmico de Bergson , Gouhier

    ensina :

    A

    ao , pois , um esquema dinmico com personagens

    que

    pedem vida e situaes que tendem a ser encenadas, vida e repre

    sentao

    estando dirigidas

    num

    certo sentido

    ver

    Henri GOUHIER

    L oeuvre thtrale

    Paris,

    Flammarion

    ,

    1958,

    p.

    73).

    O

    enredo,

    igualmente essencial

    obra, opera

    a

    encarnao,

    para

    oferecer

    ao

    a possibilidade de desenrolar-se

    num tempo

    datado, de exter io

    rizar-se num espao habitvel (p.

    80).

    Exempli fic a o ens as ta a

    distino com Brnice e L tourdi. A tragdia de Racine

    1639

    -1699)

    o

    tipo da pea em que a ao

    atualiza

    sua fora dramtica

    ao

    mximo

    com um

    mnimo

    de intriga

    p. 80-1)

    . J a

    comdia

    de

    Moli re se

    mostra o

    tipo da

    pea

    em

    que tudo

    int ri ga, e at

    in tr igas: a

    ao,

    se nos atemos mais

    palav ra que

    ao objeto,

    reduzida a

    uma indicao

    (p.

    85).

    Acaba

    o e ste ta

    po r

    referir-se

    funo

    fabuladora

    do

    enredo

    e

    emoo

    criadora da

    ao

    . O

    enredo

    cumpre

    o objet ivo de divertir e a

    ao

    faz as personagens exist irem

    como

    -pessoas.

    Apr es ent a o, de senvolvimento e solu o de um conflito - eis

    o e sq uema habi tu al da

    chamada

    pea

    bem

    feita, alimento rotineiro

    dos espetculos.

    Esse

    p rocesso const ru ti vo sugere a id ia de unida

    des de ao, tempo e lugar . As per sonagens ,

    dado

    o tempo mnimo

    em

    que

    se

    desnudam para

    o pblico, surgem no palco j

    beira

    da cri se aguda

    que

    lhes def in ir o destino .

    Para

    que

    no

    se disperse

    a a teno do

    espectador

    e

    no

    se

    prejudique

    a organicidade do texto ,

  • 7/24/2019 Iniciao Ao Teatro

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    18 INICIAO AO TEATRO

    concentram-se os conflitos num tempo e num lugar. Os conceitos

    mais ou menos restritivos dessas unidades fazem que a pea se passe

    num dia ou em meses e num s recinto ou na mesma cidade. Tudo

    so convenes e o texto , obra de fico , observa-as ou se l iberta

    delas, impondo-se pela prpria capacidade de convencer.

    No se pode tratar do texto sem uma referncia aos

    n ros gneros aos quais ele se filia. Louvando-se em Arist

    teles, tratadistas apresentam como gneros bsicos, na tradio oci

    dental iniciada na Grcia, a tragdia e a comdia. Ambas ligam-se

    ao culto dionisaco, por tador no seu bojo do elemento sombr io da

    primeira e da expanso alegre da segunda. Desconhecem-se, porm ,

    as fases intermedirias dessa passagem, e o prprio Aris tteles des

    mente a pureza dos gneros, ao afirmar que a epopia traz em

    germe a tragdia e Homero sc. IX a.C. ) foi o primeiro que

    traou as linhas fundamentais da comdia ver RISTTELES Po-

    tica p.

    73

    . Na estrutura da comdia aristofanesca, a nica subsis

    tente do sculo V a.c. e a sua mais genuna expresso, encontram-se

    o comos tico sobrevivncia do culto ao deus Dionsio, no cortejo

    de camponeses brios e indisciplinados entoando os cantos flicos),

    a farsa do Peloponeso e a comdia siciliana contribuindo com a

    idia de entrecho) e a prpria tragdia que lhe levou as suas con

    quistas formais, pela tcnica do verso e ordenao das partes) . Cada

    gnero , no seu apogeu, aparece, assim, contaminado e impuro, e a

    pluralidade de elementos que o compem recusa o rigor em sua

    caracterizao. A lt ima pea da tetra logia trgica chamada drama

    sat rico, gnero hbrido, que toma o prprio Dionsio e seu squito

    como personagens e se .destina provavelmente a engastar o espetculo

    no culto religioso.

    O teatro erudito de Roma nacionalizou o legado grego, e a

    dramaturgia medieval, despontando nas novas lnguas em ormao.,

    estabeleceu seus prprios gneros. As peas religiosas da

    Idade

    M

    dia francesa dividem-se em dramas litrgicos, dramas semilitrgicos,

    milagres e mistrios, correspondendo em parte s laudas dramticas

    da Itlia ou aos miracles e moralities ingleses. O Sculo de Ouro

    espanhol valoriza na plenitude o auto sacramental. As vrias denomi

    naes referem-se terminologia crist que lhes deu origem, e seriam

    abandonadas pelos teatros que, no Renascimento, voltaram ao modelo

    greco-lat ino. A revivescncia clssica atingiu sobretudo a It lia e a

    o TEXTO 19

    Frana, ao passo que a Espanha e a Inglaterra mostraram-se mais

    sensveis ao esprito medieval. Procuram-se aqui, naturalmente, os

    amplos painis didticos, porque no ser difcil discernir na tragdia

    de Corneille 1606-1684) a continuidade dos gneros medievais, em

    lugar da estrita observncia dos padres aristotlicos.

    Nesse quadro, Shakespeare 1564-1616 , que tantos estudiosos

    no hesitaram em qualificar de brbaro, aps seu selo pessoal, visan

    do a uma nova sntese de elementos trgicos e cmicos. As tragdias

    puras do autor de

    Hamlet

    so assim designadas no porque estejam

    isentas de cenas cmicas, mas porque a cats trofe do desfecho acar

    reta a morte dos protagonistas. Shakespeare foi o grande mestre do

    romantismo e Victor Hugo 1802-1885 , no prefcio de Cromwell

    manifesto esttico do movimento, preceitua a adoo de um texto

    que passa natura lmente da comdia tragdia, do sublime ao gro

    tesco. Preferiu-se denominar drama esse novo gnero compsi to, e

    da por diante o teatro desrespeitou sem pejo as classificaes tradi

    cionais. A chamada dramaturgia de vanguarda, sobretudo, fez ques

    to de abolir os gneros rotineiros, e, para citar um s exemplo ,

    veja-se a obra de Ionesco 1909-

    :

    cantora careca antipea;

    lio drama cmico; Jacques ou a submisso comdia naturalista;

    cadeiras farsa trgica; e Vtimas do dever pseudodrama. O teatro

    de hoje procurou refletir, at nos gneros, a dissociao do homem

    contemporneo.

    O predomnio da ao ou da intriga enquadra uma pea. A

    fronteira ent re os gneros no pode ser determinada com preciso,

    vendo-se, a cada instante, comdia com elementos dramticos e drama

    com elementos cmicos. A tragdia estaria codificada com maior

    rigor,

    por

    causa do exemplo de

    tsquilo

    525-456 a.C

    . ,

    Sfocles

    496-406 a .C.) e Eurpides, e dos preceitos da Potica aristotlica,

    da qual se perderam os captulos relativos comdia. A mimese

    trgica fixaria os homens melhores do que eles ordinariamente so,

    e a cmica, piores. Ao definir a tragdia, Aristteles refere-se

    imitao de aes de car ter elevado. Todos esses conceitos so

    demasiado vagos, e no correspondem obra dos trs trgicos. Que

    significaro homens melhores? Ent ra ri a a ponto de vista tico ou

    classe social, j que a tragdia se nutre da saga herica, a cargo de

    reis e aristocratas? Sob o aspecto moral, discutem-se aes de vrios

    heris trgicos, como Xerxes, Cli temnestra ou Creonte . O que pro

    voca a tragdia de muitos protagonistas a transgresso de leis

    religiosas ou de suposto direi to natural , acarretando a sua perda. E

  • 7/24/2019 Iniciao Ao Teatro

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    20 INICIAO AO TEATRO

    paira sobre a tragdia a presena da fatal idade, a dependncia

    humana

    do arbtrio divino, a noo fundamental da vida como efmero e

    sof rimento - circunstncias ausentes da teorizao aristotl ica. Inte

    res sado mais em explorar o efe ito patt ico, Eur p ides timbrou em

    trazer para a cena reis aleijados ou em andrajos.

    H quem negue a possibi lidade da tragdia, no mundo moderno,

    porque a par ti r do c ri st ian ismo se desenvolveu a id ia do l iv re -a rb

    trio, incompatvel com os postulados da rel igio grega. Como acre

    ditar hoje em vontade super ior dos deuses, regendo o destino humano?

    Os dramaturgos atrados pelo gnero trgico procuraram deslocar a

    fatalidade para o conflito com o meio sufocante ou a prpria falha

    interior. Dentro dessa acepo ampla

    que

    se podem considerar

    tragdias, po r exemplo, Mourning becomes Electra Electra e os fan

    tasmas), de O NeiII

    1888-1953),

    e Dea th of a salesman morte

    de um caixeiro-viajante), de

    Arthur

    Miller 1915- ).

    O drama, liberto da fatalidade e mais condizente com os con

    flitos do cr isto , que podem ser resolvidos sempre pelo arrependi

    mento e pela penitncia,

    medrou

    na l it er atur a tea tr al e compreende

    as peas norma lmen te denominadas srias. Se nele predomina a

    int riga, s endo mnima a ao , assenta-lhe a palavra melodrama ,

    to

    em voga no

    teatro

    de efeitos fceis e lacrimejantes .

    A comdia, nas incurses mais ambiciosas, recusou sempre con

    f ronto desf avorve l com a t ragdia, embora o preconcei to contr a

    ela j se mani festasse no a tr aso

    com

    que foi admi tida nos concursos

    atenienses. Uma das grandes lutas de Aristfanes 446?-385?

    a.C,)

    foi

    para limpar

    a comd ia da po rnogra fia e da lascvia de

    sua dana

    (o crdax), conferindo- lhe dignidade semelhante da tragdia. Na

    parbase de Os

    cavaleiros,

    chega o

    autor

    a proclamar que a arte

    de fazer comdias a mais difcil de todas. Nessa senda, acompa

    nhou-o Molire, reivindicando para o gnero uma inequvoca supe

    r ioridade. Afirma o comedigrafo, na Critique de I cole des femmes

    Crtica da escola de mulheres): se , pela dif iculdade, se colocasse

    o mais no caso da comdia, t alvez no fosse engano. Porque, enfim,

    acho que bem mais fcil guindar-se aos grandes sentimentos, desa

    fiar em versos a Fortuna, acusar os Destinos e dizer injrias aos

    Deuses, do que penetrar devidamente no ridculo dos homens, e

    exprimir agradavelmente no teatro os defeitos de t odo mundo . Quan

    do se pintam her is , faz-se o que apraz ; so retratos de

    pura

    inven

    o, nos qua is no se procura de modo a lgum a semelhana, e

    onde

    se tem a seguir a trilha de

    uma

    imag inao que se d livre curso,

    o TEXTO 21

    e que f reqentemente deixa o verdade iro para

    agarrar

    o fantstico.

    Mas

    quando

    se p in tam os homens , preci so

    pintar

    ao vivo; deseja-se

    que esses retratos sejam fiis, e nada se obteve se neles no se

    conseguiu fazer reconhecer as pessoas do seu tempo. Numa palavra,

    nas peas s rias, bas ta ,

    para

    no ser cen surado , dizer coisas que

    sejam de bom senso e bem escri tas; mas isso no suficiente nas

    outras, preciso brincar; e

    uma

    est ranha empresa a que consi ste

    em fazer rir as pessoas de bem .

    Essa

    reivindicao,

    fundada

    na qua lidade das peas ,

    no

    deixa

    dvida quanto mesma hi erar qu ia da comd ia e da tragdia. Anal i

    s ando o problema, Gouhier no chega a outra concluso e afirma:

    no

    h maus gneros: h somente ms peas

    obra

    citada, p. 203).

    A ao define tambm a comdia e, quando ela d lugar intriga,

    surge o vaudeville, que est

    para

    a comdia

    como

    o melodrama

    para

    o drama . Gouhier admite

    uma

    hierarquia, porm, em termos exclu

    sivamente teatrais, que no

    apelam para conceitos ticos, filosficos

    ou religiosos. Cada gnero fornece as suas obras-primas.

    Mas

    ser

    jus to dis tinguir entre

    Tartuffe,

    de Molire, e

    Occupe-toi d Amlie

    de

    Feydeau 1862-1921).

    A

    pea

    de ao alcana um grau mais

    elevado do que a pea cuja intriga se basta.

    Com

    a primeira, o

    teatro atinge seu duplo fim: diver ti r criando personagens que existem

    como pessoas p. 2 12 ). Numa dramaturgia maior , o poeta insuf la

    a v ida a personagens dot adas de

    uma

    existncia histrica e miste

    riosa como a das c riatur as p. 216). O simples enr edo no bas ta

    para que as personagens apaream em sua completa dimenso humana.

    Outra

    divi so habitua l na dramatur

    itu o e c r cteres

    gia a de pea de situao e pea

    de caracteres.

    Ela

    conduziria, na aparncia , aos conceitos de intriga

    e de ao: a primeira, dominada pela int riga , e a segunda, a limen

    tando-se da ao. Sartre

    1905-1980)

    definiu o t eatro

    moderno

    como de situao, oposto ao antigo, que seria de caracteres. Esse

    conceito j no se ajustaria s idias de intriga e de ao,

    porque

    ser ia inconcebvel reduzir o

    teatro

    moderno in triga . A dis tino

    vem da prpria p robl emt ica sartriana, em que o homem escolhe

    sempre numa situao dada. Se verdade que o homem livre em

    uma situao dada e que se escolhe livre numa situao dada e que

    se escolhe

    nesta

    e

    por

    esta s ituao, ento preciso mostrar no teatro

    si tuaes simples e humanas e l iberdades que se escolhem nestas e

  • 7/24/2019 Iniciao Ao Teatro

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    INICIAO AO TEATRO

    por

    estas situaes (apud Francis JEANSON,

    Sartre par lui-

    me

    Paris, Seuil, 1955, p. 11) . Est claro, porm, que a situao procura

    a ressaltar a ao do homem se escolhendo. O talento na inveno

    de situaes acaba por traar a trajetria de um carter. No outro,

    de resto, o processo de CorneilIe em

    Le Cid

    em que o protagonista

    escolhe permanentemente entre duas possibilidades que as situaes

    lhe oferecem. Por certo toda grande pea se assinala pela justeza e

    inteligncia das situaes e pela profundidade dos caracteres que se

    forjam dentro delas.

    jetivo O texto deve ser escri to para a eficcia do espetculo.

    No admite apenas uma reao a posteriori que o es

    pectador sentiria ao voltar para casa. Meditam-se certos aspectos,

    sem dvida, numa reflexo que sucede ao cair da cortina. O prazer

    esttico sente-se, globalmente, no decorrer da representao, e no

    se consegue reviv-lo, mais tarde, se no se manifestou na presena

    do ator.

    O imediatismo do efeito teatral reclama da pea uma srie de

    caractersticas. Os dilogos precisam sugerir que so os nicos que

    poderiam ser pronunciados, naquela situao. A fala harmoniza-se

    com o conjunto do desempenho, no sufocando o ator, pela demasia,

    at amarrar-lhe os gestos e os movimentos. As sutilezas da frase,

    cuja percepo no se coaduna com a rapidez das rplicas, vivem

    mal no palco. A sntese poderosa capta o pblico pelo choque.

    Escreveu-se com abundncia que uma pea deve ser verossmil.

    Esse pressuposto contribuiu muito para, na dramaturgia de propsitos

    realistas, se abolirem os monlogos, que no natural que as

    pessoas falem sozinhas. A converso do monlogo em dilogo passou

    a expandir-se, tambm, no teatro renascentista, com o objetivo de se

    alcanar maior dramaticidade. Ao invs de monologarem, os prota

    gonistas da tragdia de Racine dialogam com seus confidentes.

    Colocar a verossimilhana como padro de valor excluiria do

    . teatro os enredos fantsticos ou fantasiosos, que muitas vezes conven

    cem mais a platia. Toda a comdia aristofanesca no poderia ser

    aferida pelo cnone do verossmil, porque ningum acredita que um

    mortal funde , acima das nuvens, uma cidade imaginria, como sucede

    em Os pssaros. Os entrechos inventados por Aristfanes, contudo,

    servem muito bem s teses que ele advoga. curioso observar,

    por outro lado, que acontecimentos verdadeiros, sados da realidade,

    o

    TEXTO 13

    tornam-se inverossmeis, ao serem transpostos para uma pea. O

    autor no conseguiu insuflar-lhes credibilidade. O texto deve, por

    tanto , chegar convico artstica, diversa da simples realidade, e

    cujo aproveitamento literal define apenas a reportagem.

    Quando uma obra tem garra, no se pergunta se os seus ante

    cedentes ou o seu entrecho so ou no verossmeis. S mais tarde,

    numa anlise fria do espetculo, cabem certas indagaes, e entre

    elas, por exemplo, se os pressupostos da histria de dipo seriam

    possveis. As dvidas sobre a veracidade real da situao tratada por

    Sfocles no so absurdas, e obedecem antes a lgica irrepreensvel.

    Sem contar a fatalidade que j o marcou, no nascimento, como

    dipo poderia desconhecer o modo pelo qual morreu o antigo rei de

    Tebas, seu antecessor, e deixar de concluir que foi

    seu

    assassino?

    Essa objeo, levantada num esmiuamento posterior, no invalida

    o alcance da tragdia. Gouhier explica muito bem o motivo da

    eficcia de

    dlpo Rel

    independentemente desse problema: o que

    produz a arte do dramaturgo no uma impresso de verossimi

    lhana, mas esse sentimento de presena que, justamente, dispensa

    de situar a questo da verossimilhana (obra citada, p. 47) . Desa

    grada nas peas fracas a falta de credibilidade (no de

    verossimlhan

    a , que anula o efeito da presena em cena. E, desde que tenha

    vida no palco, o texto preenche o seu objetivo primordial .

  • 7/24/2019 Iniciao Ao Teatro

    13/64

    3

    o t r

    A presena do ator caracteriza o fenmeno do teatro. Parasi

    tr io ou

    no

    da arte do dramaturgo, essa ar te s adqui re v ida cnica

    ao ser an imada por ele. Os debates sobre a maior importncia do

    texto ou da interpretao guardam indisfarvel rano acadmico:

    no tem sentido discutir o primado de funes que part ici pam de

    um s organismo - o espetculo. O ato r nutre-se da pea, mas

    ele quem empresta p leni tude fsica e espi ri tual ao mero l ibr eto con

    cebido pelo dramaturgo.

    Considera-se o

    ator

    um instrumentista que

    usa

    como instrumento

    o prprio corpo. Voz , expresso, autoridade

    cnica -

    tudo ele

    conjuga,

    para

    alimentar o pblico. Uma vocao ina ta para o pa lco

    lhe indispensvel, sob pena de no convencer a respeito da auten

    t ic idade daquilo que transmite. Seu ponto de part id a, sem dvida,

    o texto, a personagem que lhe cabe encarnar na pea. Essa relao

    fundamenta os estudos que

    tm

    sido feitos sobre o desempenho.

    Dois outros vocbulos so uti lizados como sinnimos de ator:

    comediante e intrprete.

    Intrprete

    sugere que ele v, sua manei ra,

    uma matria dada, e a corporifica de acordo com a exegese. O

    mundo de pal av ras e de ma rc ae s de uma personagem escrita supe

    uma plurivalncia de sentidos, captada e expressa pelo intrpre te .

    Sua arte seria a de um executante, equivalendo, na msica, de

    qualquer instrumentista.

    J

    o

    ATOR 2S

    Jouvet estabeleceu, na nciclopdia Francesa uma distino pro

    fissional entre

    ator

    e comediante, que a juda a compreender sua arte.

    Para ele, o ato r s pode representar certos papis, os outros ele

    deforma, na medida de sua personalidade. O comediante pode repre

    sen ta r todos os papis. O ato r habi ta uma personagem, o comediante

    habitado

    por

    ela . Assim , um trgico sempre um ator. A p ri n

    c ipal d ife rena ent re o comedian te e o ator se

    encontra

    no mimetismo

    do qual o ator no capaz no mesmo grau que o comediante . O

    ator

    impe e exibe a prpr ia personal idade,

    enquanto

    o comediante

    se esconde por detrs do papel, apagando a

    sua

    natureza em benefcio

    da t ransmisso objet iva da imagem sugerida pela pea.

    Chamar-se-ia criao atividade do ator? Ele parte, com efeito,

    de um texto pronto, e sua tarefa primordial a de dar o melhor

    desempenho

    ma t ri a do dramatu rgo. A pa lav ra criao, em arte,

    no

    est na ordem do dia, e ela poderia ser

    posta

    em xeque tambm

    a propsito do poeta ou do pintor. Para facilidade de raciocnio,

    seria lcito admitir que a arte do

    ator

    uma

    criao

    sui generis

    porque feita com bas e em

    outra

    criao. Mas se criao subentende

    criador, e criador aquele que faz

    uma

    criatura, o ator pertence a

    essa categoria, porque a criatura qual ele d vida , no pal co, tem

    individualidade prpria, e nunca ser idnt ica

    criatura animada por

    outro

    ator, embora com o mesmo texto. Se o dramaturgo concorre

    com o registro civil de pessoas naturais, o ato r tambm sempre

    povoa

    o

    mundo

    com um novo ser , cuja exi stncia tem a

    durao

    do

    espetculo ou da memr ia daqueles que o contempla ram.

    olmic s O terreno movedio em que se aplica o ato r suscita

    as numerosas pol micas sob re o desempenho. A cir-

    cunstncia de que essa arte se funda apenas no corpo humano, na

    p leni tude express iva que capaz de at ingi r, impede a fixidez , tpica

    da palavra, da tinta, ou das linhas arquitetnicas. Discute-se, por

    exemplo, a relao do comedi an te com o texto -

    no

    s a dosagem

    de um e ou tro, mas t ambm em que med ida o intrpret e se subord ina

    ao d rama turgo e o serve ou se utiliza dele. O modo de sentir o ator

    a personagem, a fim de t ransmi ti -l a ao pbl ico, abre out ros deba tes,

    que se acham ent re os mais vivos da atual idade: o entendimento

    do Paradoxo de Diderot

    1713 1784

    , o m todo de Stanislvski

  • 7/24/2019 Iniciao Ao Teatro

    14/64

    16 INI I O AO TE TRO

    1863-1938) e as teorias de Brecht so algumas das formulaes

    felizes sobre o problema, surpreendendo-o na origem.

    Outras

    pol micas

    menores cercam a profisso do ator. At que

    ponto a tcnica imprescindvel ao seu trabalho, e assim necessita

    ele de uma escola especializada? Qual a sua posio na sociedade:

    maldito, simples veculo de entretenimento, ou dolo? A mimese, que

    est na base da convico de um comediante, considerada

    por

    muitos como inferior, e a esse ttulo chegam a bani-lo da sociedade

    perfeita. Moralistas, apoiados em princpios religiosos, temem o

    cunho demonaco da virtual despersonalizao e vivncia de uma

    personalidade imaginria, e condenam liminarmente a arte interpre

    tativa.

    A tenso psicolgica a que se submete o ator lhe confere uma

    individualidade distinta, e com freqncia assalta-o a neurose. O

    esforo de penetrao de uma personagem leva-o, no cotidiano, a

    tomar de emprstimo as reaes dela, e essa empatia traz amide

    desequilbrios emocionais. Os atares e as atrizes transferem para a

    vida privada os sentimentos das personagens, e da alguns matrim

    nios nascidos das situaes idlicas dos textos ou a mudana do alvo

    amoroso, coincidente com a troca do cartaz. Ser vibrtil por exce

    lncia, atento a todos os estmulos que possam enriquecer-lhe a natu

    reza, o comediante necessita de grande conteno para estabelecer

    um satisfatrio equilbrio entre a plenitude artstica e a realizao

    como ser humano.

    Commediadell rte

    o ator um dos elementos do espe-

    tculo, harmonizado com os demais.

    A harmonia rompe-se, pelo excesso ou pela deficincia de qualquer

    dos elementos. A omisso do intrprete conduz em geral ao chamado

    teatro literrio, do encenador ou dos acessrios. O reinado absoluto

    do ator confundiu-se com a

    Commedia dell Arte

    que se afirmou do

    sculo

    XV

    ao XVII, na Itlia, expandindo-se por toda a Europa e

    exercendo decisiva influncia na posteridade.

    O fundamento da

    Commedia delI rt a improvisao, isto ,

    o ator torna-se o autor do espetculo que vai oferecendo. Mesmo

    a existncia de lazzi achados cmicos, e a preservao de canovacci

    roteiros seguidos pelos intrpretes , no invalidam a idia de que os

    dilogos se conjugavam de acordo com a fantasia do momento .

    o TOR

    17

    Essa liberdade criadora, paradoxalmente, confinava-se por outra limi

    tao: os intrpretes fixavam-se sempre. numa mscara , especiali

    zando-se em determinado papel, pelo qual ficavam famosos, at a

    morte. Com base num esquema, os cmicos davam largas imagi

    nao . Mas, na realidade, eles acabaram por ser os autores de um

    s tipo, o que equivale a repetio e pobreza . A

    Commedia dell Arte

    morreu da indigncia do texto, motivo do desequilbrio do espetculo.

    A reforma de Goldoni 1707-1793) no representou, como se

    costuma pensar, o restabelecimento do primado literrio. Pode-se

    ainda admitir que o dramaturgo italiano tivesse feito valer a supre

    macia da boa pea sobre a m pea improvisada pelos cmicos

    dell Arte.

    O valor maior de Goldoni residiu no gnio em criar timas

    personagens, que favoreceram a plena expanso do comediante.

    O chamado teatro literrio esmaga o intrprete. Os dilogos

    abundantes constrangem o ator, que se sente mal em cena. Se o

    dramaturgo no previu a necessidade da interpretao, por que no

    escreveu ensaio ou romance? O teatro literrio menos teatral que

    todos os abusos cometidos pela

    Commedia dell Arte.

    Imaginar, tam

    bm, o intrprete coibido pelo dirigismo excessivo do encenador ou

    pelo acmulo de acessrios apequen-lo no palco, exatamente onde

    ele deve ser o centro da ateno. A Commedia dellArte entre

    outras virtudes, teve a de marcar em definitivo que o ator a base

    do teatro.

    Paradoxo e i erot Muitos atores recusam e ter.icos dis-

    cutem, mas o ponto de par tida para

    quaisquer conjeturas sobre a interpretao o Paradoxo sobre o

    comediante de Diderot. Argumenta-se que o filsofo tinha um conhe

    cimento exterior dessa arte, porque nunca pisou num palco. O ttulo

    do ensaio deixa bem claro que se trata de paradoxo sobre o come

    diante, e no do comediante. As consideraes racionais no roubam

    a fora do postulado de Diderot , que soube pr o dedo na ferida.

    Uma afirmao categrica resume a tese:

    f

    a extrema sensibi

    lidade que faz os atores medocres; a sensibilidade medocre que

    faz a multido dos maus atores; e a falta absoluta de sensibilidade

    que prepara os atares sublimes. As lgrimas do comediante descem

    de seu crebro; as do homem sensvel sobem. do seu corao ver

    Denis

    I EROT Paradoxe sur le comdien

    Paris, Bditions Nord-Sud,

  • 7/24/2019 Iniciao Ao Teatro

    15/64

    28

    INICIAO

    AO

    TEATRO

    1949, p.

    22).

    No

    cabe

    dv

    ida: o

    grande

    desempenho estriba-se,

    para

    o enciclopedista, na ausncia total de sensibilidade.

    Se o int rpre te faz a la rde da

    gama

    variadssima de emoes que

    capaz de sentir, do

    corao maior

    que o

    mundo ,

    f in car sua

    a rt e apena s na a ridez do crebro haver ia de ir ri t -l o. A edio c it ada

    do

    Paradoxo

    recolhe

    uma

    v in tena de depoimentos,

    unnime

    s em

    recusar a tese de Diderot . As opinies melhor fundamentadas,

    porm,

    r es sa lt am o papel da inte li gnc ia no

    trabalho criador

    do intrprete,

    atenuando

    o radical ismo dessa falta absoluta de sensibi lidade .

    Jouve t r eformu la o p roblema,

    para

    concluir

    que

    a

    lucidez do

    comediante no seno sua sensibilidade controlada po r ela prpria

    p. 125).

    Dullin

    1885-1949)

    admite que a sensibi lidade seja neces

    sria, mas deve ser controlada pel a in te ligncia do comediante

    p. 138). Afirma Barraul t que o problema efe ti vo cons is te em

    adquirir o controle de uma sinceridade

    p

    . 146). Dos testemunhos

    diversos infere-se,

    po r

    certo,

    uma

    reabili tao da sensibilidade

    como

    base para o trabalho i nt erpret at ivo . O con trol e e a in te lig nc ia no

    poderiam

    tamb

    m ausentar-se de um mecanismo que se repete s

    vezes meses a fio, r ec lamando uma coerncia racional.

    Tudo

    depende, em grande

    parte

    , do

    temperamento

    de

    cada

    ator.

    O

    problema

    do

    comediante no

    o de se r sincero, mas o de

    apa

    rentar sinceridade.

    Para

    muitos intrpretes, no se d is soc ia a aparn

    cia do sen timento:

    como

    exprimir uma

    verdade para

    o pblico, se

    ela no nasceu de

    uma

    experincia sensvel? Mounet-Sully

    1841

    1916)

    debatia-se numa faina diria em busca da inspirao, para

    comentar,

    quando

    ela o socorria:

    Deus baixou

    . J Sarah

    Bernhardt

    ( 1845

    -1923),

    i ncapaz, na velhi ce , de

    representar

    de p, d evaneava

    sentada

    nos intervalos das rp licas, afagando

    uma

    cri ana , que no

    era

    vis ta pe lo e spectador . O r el axamento emoci ona l val ia-lhe mais

    que a concentrao.

    A exper incia mostra

    que

    o ato r extremamente sensvel e

    no

    favorecido pela inteligncia se perde no emaranhado emocional, sem

    atingir o pblico. Seu problema o de

    t r n s m i t i ~

    emo o,

    no se contentando em senti-Ia. Por outro lado, o int rprete muito

    cerebral corre o risco de se estiola r em frieza, sem envolver o

    espectador.

    A permanncia excessiva de uma pea em cartaz costuma trazer,

    pelo cansao, a mecanizao do desempenho. E. assim , um

    p r ~ d x o

    do comediante se ria o de re adqui ri r, a

    cada

    noite, a pureza original

    d iante da personagem.

    o

    TOl a

    O

    debate entre

    sensibilidade e ln

    mtodo de tanislvski teligncia

    tende

    a incidir no ac a-

    demismo. O

    ato

    r deve

    conhecer

    os meios

    para falar

    ao pblico. As

    conjeturas tericas, no

    experimentadas

    na prtic?, ,sempre ~ e s u l t m

    estreis.

    Por

    isso o

    grande encenador

    russo Stanislvski

    sahentou

    a

    importncia

    da

    tcnica, mais neces sr ia noss a a rt e que a

    outra

    qualquer

    ve r

    ST N SLVSK

    ,

    Minha vida na arte

    trad.

    Esther

    '1es

    quita,

    So

    Paulo, Anhembi,

    1956,

    p.

    202)

    . Afastou-se ele , l?da

    gaes filosficas

    sobre

    o teatro, que no tm alcance p ra t co Ime

    diato, para dedicar-se questo do como? . Os l ivros A preparao

    do atar A construo da personagem e A criao de um papel trad.

    Pontes

    de

    Paula Lima, R io

    de Janei ro , Civ il izao Brasi leira, 1964,

    1970 e 1972 respectivamente), alm de Minha vida na arte aos

    qua is se segu ir iam out ro s, se a

    morte

    no interrompesse to fecunda

    atividade, estabeleceram as bases do sistema ou

    mtodo

    de Stanis

    lvski, ainda no superado como compndio

    para

    o comediante.

    Qualquer ator

    que dese je

    penetrar

    os segredos de sua profisso

    ganhar

    em

    ler

    Stanislvski e exercitar-se a

    partir

    de seus ensina

    mentos.

    O objetivo fundamental

    das

    pesquisas stanislavskianas

    e s t ~ -

    l ecer a tot al i nt im idade

    entre

    o

    ator

    e a

    per

    sonagem,

    para

    que

    haja

    a ident if icao de ambos. Narra o terico, em Minha vida na arte

    que

    os seus

    atores

    ,

    para

    se impregnarem

    p p i ~ para

    '.'entrarem

    na pele das per sonagens , escolhiam um dia

    para

    viver ,vIda delas,

    de acordo com as indicae s do texto

    p

    . 44 ) .

    Cada

    dilogo, cada

    observao

    cada comportamento

    visava a

    reproduzir

    a psico logia da

    person gem se o autor a surpreendesse

    naquela

    circunstncia.

    No

    pode

    haver mais proveitoso exerccio

    para animao

    de um papel,

    no qual o ato r elabora, em todos os pormenores, o inteiro

    carter

    r et ra tado . Nesse empenho , servem ao comed iant e

    tanto

    a apl icao

    lcida como um feliz acaso. Conta Stanislvski que , ao

    preparar

    George Dandin no saa dos clichs habituais . Todos os esforos

    de

    penetrao

    do papel no

    logravam

    atingir mais que os efeitos

    exteriores.

    At

    que um

    trao

    da maquilagem, feito involuntariamente,

    mudou

    a expresso de

    sua

    fisionomia, t razendo-lhe a int imidade

    necessria

    com

    a c ri atu ra de Mol ire.

    Robert

    Lewis, em

    Mtodo ou loucura trad

    .

    Brbara Heliodora

    ,

    Rio

    de

    Janeiro

    ,

    Letras

    e Art es,

    1962

    ) , faz

    uma

    sinopse do sis tema ,

    constituda de quarenta itens, os qua is enfeixam os vr io s requ is it os

    para

    chegar-se a

    uma boa

    a tuao. Uma fras e de

    Pushkine

    estende-se

  • 7/24/2019 Iniciao Ao Teatro

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    38

    INICIAO

    AO

    TEATRO

    sem inconvenincia ao ator: A autenticidade da paixao, a verossi

    milhana da emoo, colocadas nas circunstncias dadas, o que

    nossa razo exige do escritor ou do poeta dramtico (p. 95 . Para

    satisfazer essa exigncia, o intrprete trabalha-se a si mesmo , isto

    , se auto-analisa, faz um esforo de introspeco, e o resultado ser

    tanto mais expressivo quanto mais rica for a personalidade, no perma

    nente intercmbio com o mundo exterior. A ao, requerida do ator,

    identifica-se ao conceito de inteno, norma ntima de atingir deter

    minado fim. Verdade do sentimento ou paixo assemelha-se a ver

    dade em certa circunstncia. Deve-se criar vida, sentimento verda

    deiro, com a ajuda da tcnica, a qual, atravs da conscincia, desperta

    o subconsciente. O objetivo final do trabalho interpretativo a

    criao, no palco, da vida de nossa Alma - no a vida fsica, e o

    corpo apenas o instrumento . Passa-se, no diagrama, em chaves

    menores, ao processo de sentir (internamente) e ao processo de

    expressar a emoo. Exploram-se, adiante, os trs motores da vida

    psquica: a inteligncia, a vontade e o sentimento (emoo). Defi

    ne-se a reao a certo estmulo, como se ele se passasse na realidade,

    e valorizam-se a imaginao, a memria emocional e outros compo

    nentes do perfeito universo interpretativo. Os sentimentos verdadeiros

    de nada valem se o ator no domina os meios expressivos, a fim

    de chegar ao pblico. Surgem, pois, os exerccios de relaxamento, a

    noo de tempo e ritmo, a colocao da voz, a dico, a dana, a

    acrobacia e tudo mais que ampara o intrprete, aparelhando-o para

    que no falhe na tarefa de passar da fase criadora interna expresso

    artstica, do contedo imaginrio forma acabada - fim da obra

    de arte.

    Ningum foi mais longe do que Stanislvski na pesquisa da ver

    dade ntima, no trabalho de interiorizao, nessa procura de um

    colquio alucinadamente sincero, cujo ideal a inteira entrega do

    ator personagem. Pensa-se, com esse procedimento, alcanar a

    fuso do intrprete com o papel, fornecendo ao espectador a ilusria

    possibilidade de escutar e ver agir a prpria personagem e no quem

    a representa. Esse pressuposto condicionaria o ator a embriagar-se

    no propsito de abdicar do prprio eu em funo do eu absoluto da

    personagem. Stanislvski guarda-nos do erro, afirmando que o ator

    no pode experimentar seno seus prprios sentimentos, no pode

    agir seno em seu prprio nome. Ele no saberia tomar de emprs

    timo outra personalidade. No palco, o ator continuar ele mesmo,

    sentir o que representa, medindo-se sua arte pela faculdade de

    o

    ATOR 31

    reviver a vida da personagem . Essa conscincia probe os delquios

    irracionais, levando a concluir que, na base da interpretao, segundo

    Stanislvski, se encontra o mesmo duplo que inspirou o

    Paradoxo

    de

    Diderot. .

    str nh m nto rechti no

    Ao ideal da fuso do ator com

    a personagem ope-se a teoria

    de Brecht, que preconiza, ao contrrio, um afastamento, no seu fa

    moso

    Organon O conceito do dramaturgo alemo no se separa da

    tese geral sobre os objetivos do teatro, e se nutre tanto da idia a

    respeito dos propsitos da pea como da presena do pblico no

    espetculo. O conjunto de princpios leva formulao da teoria

    do teatro pico, de claro papel desmistificador dentro da sociedade

    de classes. A preocupao de racionalidade, que abole o transe, leva

    ao preceito: Em nenhum momento (o ator) deve entregar-se a

    uma completa metamorfose. Uma crtica do gnero: Ele no repre

    sentava o papel de Lear, ele era Lear , seria para ele a pior das

    acusaes. Ele deve contentar-se em mostrar sua personagem, ou,

    mais exatamerrte, no contentar-se em viv-la; o que no implica que

    permanea frio enquanto interpreta personagens apaixonadas. Apenas,

    seus prprios sentimentos nunca devero confundir-se automatica

    mente com os de sua personagem, de forma que o pblico, por seu

    turno, no os adote automaticamente. O pblico deve desfrutar nesse

    ponto a mais completa liberdade (ver Bertolt

    RECHT

    Petit organon

    pour le thtre, in crits sur le thtre Paris, L Arche, 1963, p. 192 .

    Mostrar a personagem e no encarn-la , eis o lema brechtiano

    para o ator. Esto contidas a as premissas didticas do terico: o

    teatro um dos instrumentos da revoluo. Importa, em cada situa

    o, isolar o

    gestus

    social, aquele ensinamento preciso que d a

    medida dialtica da histria. Se o ator se confundisse mediunicamente

    com a personagem, manteria a atmosfera ilusria do espetculo,

    prejudicando a instaurao da conscincia revolucionria. Da a van

    tagem de piscar o comediante para o pblico, lembrando-lhe sempre

    que o espetculo fico.

    Brecht no probe que seu ato r, nos ensaios, se ponha na pele

    da personagem, como um mtodo de observao, entre outros. Ele

    v na observao, alis, parte essencial da arte do comediante. Esse

    raciocnio admitiria que se considerasse a utilizao do mtodo de

    Stanislvski um estdio anterior ao da procura do efeito de distancia

    mento (ou estranhamento).

    evidente que, para afastar-se, neces-

  • 7/24/2019 Iniciao Ao Teatro

    17/64

    32

    INICIAO

    AO

    TEATRO

    srio

    estar

    prximo an te s de mais nada e a t cnica da

    aproximao

    se aprende no sistema stanislavskiano. A primeira teoria tem sobre

    tudo fundo psicol gico enquanto a segunda sub linha os e lementos

    sociais e polticos. O

    estranhamento brechtiano

    visa a

    no

    permitir

    que o

    ator

    se confunda com os pos tu lados de uma ordem perempta.

    Embora admirando sem reservas as encenaes do erliner

    Ensemble

    conjunto dirigido

    por

    Brecht e depois pela atriz

    Helene

    Weigel

    1900-1971 ,

    sua viva a lguns cr ticos e a tores

    no

    distin

    guem o estilo prprio que deveria carac te rizar- lhe o desempenho.

    Tratar-se-ia apenas de excel en te int erpret ao equipa rve l dos

    grandes elencos na forma t radi ciona l. Seja

    qual

    for a validade da

    teoria brechtiana do

    estranhamento,

    de

    qualquer maneira

    ela aguou

    o

    empenho

    lc ido do

    ator

    em est imular o juzo crtico do pblico.

    O ator passou por diferentes avaliaes

    na

    histria

    ignific do

    do tea tro.

    Na

    Grcia

    verdadeiro

    oficiante do cul to

    de Dionsio ele recebia

    honras

    pblicas. Em

    Roma

    onde o teatro

    no gozava do mesmo favor o comediante era escravo e sabe-se que

    cer tas mmicas lascivas gnero que se cul tivava ao lado da drama

    turgia erudita de origem grega eram desempenhadas po r prostitutas.

    A

    Idade Mdia

    r eformu lou a quest o do ato r ao ext rai r um esboo

    de

    drama

    da l iturgia cr is t. Sacerdotes religiosos de toda espcie

    e o squito do clero

    concorreram para

    o espetculo medieval seme

    lhante

    para

    eles a

    uma ato

    de f. O

    amadorismo

    que se

    nutria

    de

    elementos sados das vrias classes irmanados pelo espr ito de devo

    o cedeu lugar s confrar ias profissiona is exibindo-se de burgo

    em burgo. No sculo XVII,

    no

    obstante recebesse subsdios de

    Lus

    XIV

    e fosse uma das glrias reconhecidas de

    Frana,

    Molire

    no

    teve sepul tura crist

    porque

    se ded icava infaman te

    prof

    isso

    de ator.

    Ao

    ser vencido o p reconcei to soci al com o rel axamen to

    da f rel ig iosa o

    ator

    al ou -se ao posto de do lo no qua l possvel

    admir -lo agora. As vedetas des frut am de um pres tg io incomum e

    sobretudo

    atravs do mecanismo cinematogrfico

    passaram

    a mitos

    coletivos.

    At

    cerca de cinqenta anos a trs as car te ir as p rof is siona is do

    Brasil assemelhavam a condio de atriz de prosti tuta.

    H

    menos

    de quatro dcadas o ator ascendeu socialmente e correu o risco de

    transformar-se em enfe ite de festas el egan te s. A mul tipl ic ao das

    escolas especializadas inscr itas nos currculos universitrios vem

    completando

    a tarefa de valorizar o int

    rprete

    .

    Denuncia

    ainda o

    o ATOR

    33

    lugar secundrio que ocupa na organizao da sociedade o baixo

    salrio que lhe atribudo. Salvo raras excees o

    ator

    percebe

    vencimentos de fome e

    no

    aufere as mesmas garantias reconhecidas

    aos

    outros

    profissionais. Desdobra-se ele

    para

    assegurar a sobrevi

    vncia em trabalhos

    na

    televiso ou no cinema colidentes com a

    aparncia de conforto e bem-es tar que o apr eo social s upe em seu

    cotidiano.

    Alm

    da

    tenso

    psicolgica

    natural

    no

    desdobramento

    em

    outra

    criatura o precrio ganho financeiro do

    ator

    fustiga-lhe a

    neurose.

    Alvo dos

    dramaturgos

    que

    no

    o consideram adequado

    para

    as

    suas personagens ou dos encenadores que

    no

    o julgam satisfatrio

    para

    as suas concepes o ator em tea tros pouco desenvolvidos

    sempre vtima de crticas.

    Como

    a profisso

    no

    seduz sob o pr isma

    econ mico s os talentos dotados de vocao irresis tvel

    permanecem

    no palco. Muitos valores inequvocos desestimulados pela ridcula

    retribuio adaptam-se a outros t raba lhos sufocando seu legt imo

    anseio de afirmar-se com plenitude. As perspectivas

    no

    so de molde

    a

    pensar

    de imediato em melhores dias.

    A esses p roblemas po r assim dizer prosa icos junta-se outro

    t alvez mais srio l igado a toda a maldio de incomunicabilidade do

    homem moderno . A f ico contempornea particularmente a teatral

    esmerou-se em assinalar que a confidncia

    humana

    ressoa no

    vcuo

    e as rplicas de

    uma

    pea mais parecem dilogos de surdos. Piran

    delIo 1867-1936 , antes de outro dramaturgo surpreendeu a ques

    to dentro

    do

    prprio

    teatro a

    ponto

    de desesperar da viabi lidade

    de uma autntica arte interpretat iva. Em Seis personagens

    procura

    de um autor toda vez que o Primeiro Ator c omea a representar

    o Pai este o interrompe po r no se reconhecer naquela inexpressiva

    ca rica tu ra de seus sen timentos . A pea patenteia melancolicamente a

    impraticabilidade do desempenho sob o ngulo do autor.

    Diversos

    dramaturgos

    por

    m

    testemunham

    que suas plidas

    criaes ganharam vida insuspeitada na pele de grandes comediantes.

    A indicao

    sumria

    do papel

    desabrochou

    numa existncia completa

    cuja ampli tude mal se reconhecia na palavra escrita.

    No

    so poucos

    os autores que admitem certos intrpretes

    como

    co-au to re s de sua

    ob ra . O prp ri o Pi randell o ao

    ganhar

    i ntimidade com o teatr o

    compreendeu-o

    melhor e em Os

    gigantes da montanha

    sua ltima

    pea a fiana que os a tores

    do

    corpo aos fantasmas para que vivam

    e eles vivem. O difcil

    dramaturgo

    rendeu-se a grandeza da

    pro

    fisso de comediante.

  • 7/24/2019 Iniciao Ao Teatro

    18/64

    s elementos visu is

    or comodidade, preferiu-se englobar sob a rubrica de elemen

    tos visuais o exame da cenografia e da indumentr ia. Ainda hoje,

    tambm por facilidade de expresso, tem-se o hbito de cons idera r

    acessrias essas duas artes, ao lado da msica ou do uso incidental

    do cinema ou da TV . Mas o acessrio, por definio , o que no

    fundamental junto a uma coisa, sem fazer par te integran te dela .

    Ora, no espetculo, o cenrio e a vestimenta situam o ator no espao,

    e so essenciais caracter izao da personagem tanto quan to a

    palavra. A mais simplificada decorao ainda no o deixa de ser,

    ou o pblico precisa comple tar pela imaginao aquilo que a mon

    tagem no lhe oferece. Algum lembrar que Hamlet,

    por

    exemplo,

    tem sado de uma indeterminada Dinamarca rriedieval, para usar trajes

    modernos. Essa opo do encenador modifica a tragdia shakes

    peariana, para conferir-lhe marcadamente o cunho de atua lidade.

    Desde os tempos gregos, as convenes cenogrf icas e do vestur io,

    incluindo as mscaras, j serviam para definir em princpio o gnero

    e as personagens. Como cons iderar acessrias as artes que so fun

    damentais na materializao do espetculo?

    Elementos visuais,

    por outro lado, tm o defeito de supor uma

    excessiva amplitude para caracterizar a cenografia e a indumentria,

    porque o intrprete Ce conseqentemente o desempenho) o primeiro

    elemento visual do teatro. A visualizao extravasa tanto das artes

    os

    ELEMENTOS VISUAIS 35

    plsticas do teatro que se diz, com intuitiva espontaneidade, que se

    vai ver uma pea . No espetculo, atravs da expresso do come

    diante, as palavras tornam-se visveis, e elas s adquirem plena resso

    nncia auditiva quando acompanham os gestos e o movimento dos

    lbios. Consentneo com a sua origem, o teatro fende a tornar

    plstico tudo que participa de sua formao. A dificuldade pa ra

    separar os vrios elementos do espetculo tem a vantagem, ao menos ,

    de contribuir subsidiariamente para a definio do teatro como sntese

    artstica.

    rquitetura pintura

    A cenografia oscilou, desde os primei-

    ros tempos , entre a arquitetura e a

    pintura. Dependendo da inclinao maior do artista plstico aplicado

    no teatro e das tendncias de uma escola, o cenrio se aparen ta mais

    a um espao construdo ou a um quadro. Entretanto, ainda a o

    ideal do teatro a sntese das duas artes.

    A presena do ator , intrprete de determinada personagem,

    obriga a um enquadramento espacial que leva o palco

    arquitetura.

    Stanislvsk i reproduz, em inha vida na arteum dilogo com Gordon

    Craig 1872-1966) , no qual lhe repetida uma incontestvel ver

    dade: o corpo do ato r, abaulado como , no fica bem ao lado da

    tela pin tada, cha ta e sem relevo: o palco exige a escu ltura, a arqui

    tetura, o volume p. 183 ). Pensando-se na situao do homem no

    espao que o envolve , inimaginvel que no se concebesse sempre

    o cenrio em termos arquitetnicos. Ser justo ponderar, porm , que

    mesmo os pinto res que fazem o cenrio como tela procuram sugerir

    uma construo , no se bas tando com uma unidade pictrica inde

    pendente do intrprete. O pblico reconhece com facilidade, alis,

    quando um cenrio foi desenhado por um pintor que no en tende de

    . teatro: ele se vale de sugestes de equilbrio plstico avessas figura

    do comediante, como uma lua situada na parte inferior do telo de

    fundo Ccobe rt a a cada ins tante nos deslocamentos no palco) ou um

    animal fixado em pose, contrar iando a mobi lidade permanente do

    desenrolar do dilogo no tempo.

    A pintura , no teatro, completa a const ruo arqui te tnica. s

    vezes, havendo muitas mudanas de ambiente ou desejando-se um

    efeito de leveza, que difcil de obter com o cenrio construdo,

    apela-se para uma soluo pictr ica , amoldada ao esprito da arqui

    tetura. Uma tela com mveis e objetos pintados no deixa por isso

    de sugerir um espao construdo, que aquele em que se move o

    t o ~

  • 7/24/2019 Iniciao Ao Teatro

    19/64

    -

    36 INICIAO AO

    TEATRO

    Outra

    luta que se vem

    travando

    a

    onveno X realismo do rea lismo contra a c on v en o

    no

    especfica alis da cenografia e da indumentria mas comum a toda

    arte. Num primeiro exame pode-se argumentar que se cabe ao

    cenrio

    enquadrar

    a ao e

    roupa

    ves ti r o

    ator num

    c e rto p ap el

    uma

    b as e r ea li st a de ve ri a p res id ir s em pr e aos e le me nt os vis uais do

    e sp etc ulo. Lembre-se c on tud o q ue o p r p rio

    teatro

    e m p rin cpio

    conveno e a

    partir

    desse

    dado

    tudo o mais tem direito de liber

    tar-s e do realismo.

    No

    b as tas se essa v l vu la t er ica a p r pr ia

    h is t ri a do t ea tr o d es me nt e a o be di n ci a e st ri ta aos

    padres

    realistas.

    Grande

    parte da d ra ma turgia a comear p el a an ti ga si tua a

    ao no meio da rua o que facilita o uso de um cenrio nico e

    convencional

    para

    di fer ent es peas . Os ce n ri os de i nt er io res tam

    bm

    sobretudo

    os sales ou as salas de visitas

    que no

    reclamam

    particularidades evidentes

    podem

    ser c om un s a m ui to s t extos .

    Ainda

    assim h um ponto de partida realista dentro de u ma a mpl a con

    veno.

    D ep oi s das c ol un as e das p er sp ec ti va s b a rro c as do c la ssic ismo

    a c en og ra fia ro m n tic a v olto u-se

    para

    a p aisa ge m

    independentemente

    das exigncias da obra.

    Est

    a um exemplo tpico de conveno

    d as e sc olas fugindo

  • 7/24/2019 Iniciao Ao Teatro

    20/64

    38 INICIAAO AO

    TEATRO

    passagem dos demnios e a ida par a o inferno dos pecadores irre

    missveis. Na parte direita, acima do cho, situava-se o paraso lugar

    de felicidade eterna. Esse enquadramento permanente

    encontrvel

    nos mais diversos mistrios, revelava o profundo vnculo da ceno

    grafia com o esprito do texto: a vida humana como t ransitoriedade

    para um desses dois destinos inapelveis.

    A maquinaria medieval esmerou-se em efeitos cnicos. As

    execues passavam-se em face do pblico. Os canhes, util izados

    nas bata lhas, chegaram a provocar mortes ou queimaduras graves.

    Narra Gustave Cohen (1879-1958) que o pintor flamengo Karl

    Van

    Maender

    p r e p ~ o ~

    .um. dilvio com tanta perfeio que os especta

    dores de mI.steno ficaram tambm inundados. A admirao pelo

    e?genho fOI

    maior

    do que o possvel desagrado com o banho impre

    VIstO

    (ver Gustave OHEN

    Histoire de la mise en scne dans le thtre

    religieux franais du Moyen

    ge nova edio, Paris, Honor Cham

    pion, 1951, p. 156).

    A dramaturgia clssica retornou aos princpios greco-lat inos,

    adotando as unidades aristotlicas. Um s cenrio prestava-se a

    t o ~ s

    os dilogos: Os divertimentos de Corte, que se tornaram

    par ticularmente bnlhantes em Versalhes, apelaram de novo para a

    suntuosidade.

    No livro

    Drama - its costume and decor

    A Studio Publication,

    1951),

    James Laver afirma que cenrio sempre Barroco, e Bar

    o teatro em flor, isto , em sua maior teatralidade, quando

    ele Invade cada departamento da vida (p. 18). Adiante, o ensasta

    acrescenta que o teat ro moderno, ou talvez seria mais verdadeiro

    dizer o teatro cujo ciclo se est finando, o descendente direto do

    t ~ t r o

    de Corte do perodo Barroco (p. 74). As perspectivas suces

    srvas tiveram o objetivo de alargar i lusoriamente a dependncia do

    palcio escolhida como cenrio. Serlio 1475-1554), Torelli (1608

    -1678) e a famlia Galli de Bibiena [Ferdinando (1657-1743) inven

    tou os cenrios em perspectiva diagonal] foram alguns dos mestres

    i t ~ l i n o s que fizeram o bar roco triunfar em toda a Europa. A gran

    diosa construo arquitetnica desses cenrios, porm, presta-se me

    nos ao teatro declamado que pera. Dentro de tantas colunas

    1

    cupu as, arcos e perspectivas, a presena humana se reduz e s se

    faz sentir pelo canto vigoroso.

    O

    r o ~ n t i s m o

    deps o arquiteto em favor do pintor de paisagem,

    observa ainda James Laver (p. 198). O duque de Meiningen (1826-

    os ELEMENTOS VISUAIS 39

    -1914) principiou a reforma realista, e Anto ine 1858-1943), no

    Thtre Libre

    chegou a utilizar pedaos de carne verdadeira no

    cenrio de um aougue. A propsi to dessa alterao, escreve Pierre

    Sonrel 1903-1983): A fotografia representa na segunda metade do

    sculo XIX o mesmo papel do diorama no fim do sculo XVIII e

    da perspectiva no sculo XVII. Admira-se a o

    trompe oeil

    e a

    imitao servil, objetiva, da natureza (ver Pierre

    SONREL

    Trait de

    scnographie

    Paris, Libr. Thtrale , 1956, p.

    89).

    A mera reprodu

    o da realidade

    volta, certamente, no poderia continuar por muito

    tempo um ideal artstico.

    Na Grcia, em

    Roma

    e na Idade Mdia, os espetculos realiza

    vam-se durante o dia, aceitando-se a luz do sol para i luminao em

    todas as circunstncias. A passagem do teatro para as salas fechadas

    e os horrios no turnos levou a iluminar-se o palco, primeiro com

    leo e depois com gs. A descoberta da eletricidade teve profunda

    repercusso na cenografia, modificando completamente os recursos

    luminosos, a partir de fins do sculo passado. Appia elege fator

    bsico de uma

    boa

    decorao a luz, que salienta a plasticidade do

    corpo humano. A luz, seccionando espaos, no palco, e crescendo

    ou diminuindo de intensidade, pode funcionar sozinha como cenrio,

    e mais de uma vez tem resolvido admiravelmente os problemas

    inacessveis aos elementos construdos. A ins talao de numerosos

    refletores, rotina dos teatros bem aparelhados, facilita os jogos lumi

    nosos, e ressalta um ator ou um pormenor. Se a pintura, por si,

    ganha em ser contemplada numa luz uniforme, a incorporao da

    eletr ic idade confirmou o lugar da cenografia na rea arquitetnica.

    A enorme tradio recolhida do passado d l iberdade ao art ista

    atual

    para

    mover-se em qua lquer campo, de acordo com o seu tem

    peramento. Alguns cengrafos continuam na linha pictrica, tratada

    pelas pesquisas plsticas de hoje. Outros reformulam o constru ti

    vismo. Ainda uns terceiros fundem as duas tendncias, e utilizam

    em quant idade as projees , faci li tadas pelos recursos tcnicos mo

    demos . Um novo desejo de reconstitu ir uma sntese teatral, a par ti r

    da decorao, ameaa de formalismo certos espetculos. Outros

    cengrafos, acreditando que o importante sublinhar o vigor inter

    pretativo, reduzem conscientemente sua obra a elementos cnicos, o

    que

    no

    deixa de ser um desvio.

    Entre

    essas vrias tendncias oscila o palco de hoje, aberto ao

    mais amplo experimentalismo.

  • 7/24/2019 Iniciao Ao Teatro

    21/64

    4 INICIAO AO TEATRO

    ndumentria A fico permi tiu sempre que a indumentria tea-

    tral gozasse de grande liberdade, afastando-se deli

    beradamente dos modelos realis tas. A esti lizao das mscaras, das

    tnicas e dos co turnos da tragdia grega transfo rmava o ator numa

    figura escultr ica, e a comdia, embora mais simples, recorria tam

    bm ao fantstico. A drama tu rg ia lati na usou como caracter izao

    as roupas vestidas pelas personagens: a comdia palliata tinha perso

    nagens gregas, que trajavam o plio; na comdia

    togata

    os atores

    utilizavam a toga romana; a

    trabeata

    referia-se aos cavaleiros, com

    trabea;

    a

    tabernaria

    fixava os humildes; e a tr agdia

    praetexta

    mos

    trava os atores com a toga romana ou

    praetexta.

    Sobre as vestimentas medievais , escreveu Pierre Sonre l: Mais

    que a preocupao com a verdade histrica, era o gosto

    damagnifi

    cncia que presidia escolha dos costumes. Os anjos eram vestidos

    com roupas de meninos do coro; Deus Pai t razia hbitos episcopais,

    a mitra ou a tiara; Pilatos usava o traje de um rico senhor ou de

    um poderoso magistrado obra citada, p. 19 .

    A inobservncia dos ensinamentos da Histria chegou ao auge

    no sculo XVI I, em que as gravuras mos tram guerreiros pseudo

    -romanos com plumas na cabea. Na reforma geral empreendida

    pelos encic lopedistas franceses, um dos pontos bsicos era a maior

    verossimilhana da indumentr ia . Lembra James Laver que Mlle.

    Favar t, ao aparecer no palco, em 1761, como princesa turca , vestida

    com um traje turco autntico, provocou tremendo espanto do pblico

    obra

    citada, p. 155 .

    Os atores da

    ommedi

    dell Arte i taliana usavam figurinos de

    conveno. Os primitivos Arlequins, por exemplo, vestiam malhas

    colantes, com manchas coloridas, aplicadas ao longo do t ronco e dos

    membros. Essas manchas estilizaram-se depois em formas geom

    tricas, passando de tringulos a losangos . Observaes paralelas

    poderiam ser feitas a propsi to das out ras mscaras . As mulheres,

    entretanto, l imitavam-se a seguir a moda.

    O realismo inoculou tambm na indumentr ia o gosto da vera

    c idade histrica e da perfe ita adequao do tra je personagem. Mas

    ele, por sua vez, nos excessos , incorre em riscos prejudic ia is . Um

    perigo a reconst ituio arqueolgica, out ro a fotografia. Os figu

    rinos teatrais no podem deixar de servir ao ato r e ao propsito

    geral de fico.

    OS ELEMENTOS VISUAIS 4

    omplemento auditivo Tra tando-se de teatro como sntese

    de elementos artsticos, em que a parte

    visual se conjuga com a l iterr ia, cabe lembrar que a msica par ticipa

    tambm do espetculo. A tragdia grega atribua a ela grande im

    portncia , porque as evolues do coro eram marcadas pelo can to.

    A msica era assim orgnica na representao. Em O

    misantropo

    comdia de Menandro

    342/41-291/90

    a.Ci , descoberta recente

    mente, as separaes entre os atos se faziam com nmeros de can to

    e dana. O t eatr o esmerava-se no propsito de englobar as vrias

    artes . A coreograf ia dos diversos gneros supunha elevado cunho

    esttico.

    O desejo de explorar separadamente todas as