Inquirição Na Justiça. Estratégias Jurídico-discursivas - Virgínia Colares Soares F Alves
-
Upload
carol-colombaroli -
Category
Documents
-
view
34 -
download
13
description
Transcript of Inquirição Na Justiça. Estratégias Jurídico-discursivas - Virgínia Colares Soares F Alves
-
d i g i t a i sLetras Teses e Disser taes originais em formato digital
1999
Programa de Ps-Graduao em Letras
Inquirio na Just
ia:
estratgias
lingstico-discur
sivas
CVirgnia olares Soares
Figueirdo Alves
-
Ficha Tcnica
Coordenao do Projeto Letras DigitaisAngela Paiva Dionsio e Anco Mrcio Tenrio Vieira (orgs.)
Consultoria Tcnica Augusto Noronha e Karla Vidal (Pipa Comunicao)
Projeto Grfico e FinalizaoKarla Vidal e Augusto Noronha (Pipa Comunicao)
Digitalizao dos OriginaisMaria Cndida Paiva Dionzio
RevisoAngela Paiva Dionsio, Anco Mrcio Tenrio Vieira e Michelle Leonor da Silva
ProduoPipa Comunicao
Apoio TcnicoMichelle Leonor da Silva e Rebeca Fernandes Penha
Apoio InstitucionalUniversidade Federal de PernambucoPrograma de Ps-Graduao em Letras
-
Apresentao
Criar um acervo registrar uma histria. Criar um acervo digital dinamizar a histria. com essa perspectiva que a Coordenao do Programa de Ps-Graduao em Letras, representada nas pessoas dos professores Angela Paiva Dionisio e Anco Mrcio Tenrio Vieira, criou, em novembro de 2006, o projeto Letras Digitais: 30 anos de teses e dissertaes. Esse projeto surgiu dentre as aes comemorativas dos 30 anos do PG Letras, programa que teve incio com cursos de Especializao em 1975. No segundo semestre de 1976, surgiu o Mestrado em Lingustica e Teoria da Literatura, que obteve credenciamento em 1980. Os cursos de Doutorado em Lingustica e Teoria da Literatura iniciaram, respectivamente, em 1990 e 1996. relevante frisar que o Programa de Ps-Graduao em Letras da UFPE, de longa tradio em pesquisa, foi o primeiro a ser instalado no Nordeste e Norte do Pas. Em dezembro de 2008, contava com 455 dissertaes e 110 teses defendidas.
Diante de to grandioso acervo e do fato de apenas as pesquisas defendidas a partir de 2005 possuirem uma verso digital para consulta, os professores Angela Paiva Dionisio e Anco Mrcio Tenrio Vieira, autores do referido projeto, decidiram oferecer para a comunidade acadmica uma verso digital das teses e dissertaes produzidas ao longo destes 30 anos de histria. Criaram, ento, o projeto Letras Digitais: 30 anos de teses e dissertaes com os seguintes objetivos:
(i) produzir um CD-ROM com as informaes fundamentais das 469 teses/dissertaes defendidas at dezembro de 2006 (autor, orientador, resumo, palavras-chave, data da defesa, rea de concentrao e nvel de titulao);
-
(ii) criar um Acervo Digital de Teses e Dissertaes do PG Letras, digitalizando todo o acervo originalmente constitudo apenas da verso impressa;
(iii) criar o hotsite Letras Digitais: Teses e Dissertaes originais em formato
digital, para publicizao das teses e dissertaes mediante autorizao dos
autores;
(iv) transportar para mdia eletrnica off-line as teses e dissertaes digitalizadas, para integrar o Acervo Digital de Teses e Dissertaes do PG Letras, disponvel para consulta na Sala de Leitura Csar Leal;(v) publicar em DVD coletneas com as teses e dissertaes digitalizados, organizadas por rea concentrao, por nvel de titulao, por orientao etc.
O desenvolvimento do projeto prev aes de diversas ordens, tais como:
(i) desencadernao das obras para procedimento alimentao automtica de escaner;(ii) tratamento tcnico descritivo em metadados;(iii) produo de Portable Document File (PDF);(iv) reviso do material digitalizado(v) procedimentos de reencadernao das obras aps digitalizao;(vi) diagramao e finalizao dos e-books;(vii) backup dos e-books em mdia externa (CD-ROM e DVD);(viii) desenvolvimento de rotinas para regularizao e/ou cesso de registro de Direitos Autorais.
Os organizadores
-
1999
Copyright V irgnia Colares Soares Figueirdo Alves, 1999Reservados todos os direitos desta edio. Reproduo proibida, mesmo parcialmente,sem autorizao expressa do autor.
In uirio n st
ia: q
a Ju
e ratgia st
s
ling tico-discur
sivass
i aoares
V rgnia Colres S
F g ei lesi u rdo A v
- UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOPrograma de Pos-Gradua
-
INQUIRU;AO NA JUSTICA:ESTRATEGIAS LINGOiSTICO-DISCUSIVAS
Tese apresentada ao colegiado do Programa dePos-Graduag80 em Letras e Linguistica - UFPE,sob a coordenag80 da Profa. Ora. Nelly Carvalho,para ser submetida a banca examinadora, em 7de dezembro de 1999, como um dos requisitospara obteng80 do titulo de doutorado emLingCJistica.
Recife1995 - 1999
-
INQUIRICAO NA JUSTICA:ESTRATEGIAS L1NGOrSTICO-DISCUSIVAS
DEFESA DE TESE :7 de dezembro de 1999
Prof. Dr. Luiz Antonio Marcuschi(presidente)
Recife1995 - 1999
-
Este estudo discute a nogao wittgensteineana de jogo de Iinguagem a partir daanalise de blocos seqUenciais de enunciados extra[dos de audiencias jur[dicasautenticas. A analise desses fragmentosidentifica estrategias Iingu[stico-discursivasna atividade social de inquirir na Justiga. Aborda-se 0 funcionamento estrategico apartir da nogao de atividade (Wittgenstein,1953), retomada pela etnometodologia,como episodio (Hymes,1962) e evento comunicativo (Saville-Troyke, 1982) e pelapragmatica como evento de fala (Gumperz, 1982') e tipo de atividade(Levinson,1978), numa perspectiva socio-pragmatica na qual 0 papel das relagoesinterpessoais e os contextos sociais imediatos interferem nos diversos processos deinferencia. Teoricos como Grice (1975), Searle (1975), Gumperz (1982), Levinson(1981), Streeck (1980), Brown (1986), Kasper (1981), Tannen (1985), Dascal (1986)e Koch (1998) sac discutidos para tratar a questao da produgao de sentido nainteragao. 0 tratamento da pergunta - resposta, estrutura da inquirigao,fundamenta-se nos estudos de Levinson (1989), Atkinson & Drew (1979), Danet etal (1976), Stenstron (1984), Marcuschi (1986), Moeschler (1986), Hintikka(1994),entre outros. Este trabalho demonstra 0 anacronismo da concepgao delingua, que opera com significados estaticos, apresentado na Iiteratura sobre ahermeneutica jurfdica. Assim como, aponta a falsa analogia da Iinguagem juridicacom Iinguagens artificiais, mostrando que 0 direito utiliza-se da lingua ordinaria,comum e natural, sendo as normas jur[dicas IingUisticamente formuladas e apratica forense estrategicamente articulada, num dos tantos vocabulariosprofissionais especializados.
-
This study discusses Wittgenstein's notion of language games starting by theanalysis of sequential blocks of utterances taken from authentic juridical audiences.The analysis of these fragments identifies linguistic and discursive strategiesoccurring at the social activity of inquiring at court. It focuses on the strategicperformance from the notion of activity (Wittgenstein,1953) revised byethnomethodology understood as episode (Hymes, 1962) and communicative act(Saville-Troike, 1982) and by pragmatics as speech event (Gumperz, 1982) andactivity types (Levinson, 1978), in a social and pragmatic perspective in which therole of interpersonal relations and the immediate social contexts interfere in theseveral processes of inference. To refer to the question of the production ofmeaning in the interaction, the analysis resorts to theorists such as Grice (1975),Searle (1975) Gumperz (1982), Levinson (1981), Streeck (1980), Brown (1986),Kasper (1981), Tannen (1985), Dascal (1986), and Koch (1998). The treatment ofquestion/answer, and the inquiring structure is drawn on Levinson (1989), Atkinson& Drew (1979), Danet et al (1976), Stenstr6n (1984), Marcllschi (1986), Moeschler(1986), Hintikka (1994), among others. This paper shows the anacronism of thelanguage concept that deals with static meanings presented in the literature ofjuridical hermeneutics. It also points out the false analogy of the juridical languagewith artificial languages showing that while law uses the common, natural, andordinary language, the juridical norms are linguistically formulated and the forensicpractice is strategically articulated in one among the many proffessional andspecialized vocabularies.
-
SUMARIO
Resumo , ivAbstract. " , vSumario '., viIndice dos Quadros viifndice dos Fragmentos vi ii
INTRODUCAo 01
CAPITULO 1 - PERSPECTIVAS DA PRAGMATICA L1NGOfSTICA. 141.1. Jogo de linguagem 141.2. Estrategia Discursiva 261.3. Pergunta-resposta .431.4. Regras do jogo 60
CAPITULO 2 - PRODUCAo DE SENTIDO NO DIRE!TO 682.1.Direito e LingQfstica: perspectivas de troca. 682.2. Notas sobre a interpreta
-
Quadro I - Tipos de tomada de depoimento 07
Quadro II - Estrategias de inquirigao '" 107
Quadro III -Inqui
-
Fragmento 1 - pergunta - res posta N 0501 F 04 B (23-30) 54
Fragmento 2 - pergunta - res posta N 0501 F 04 B (35-43) 55
Fragmento 3 - pergunta - res posta N 0501 F 04 B (44-47) 55
Fragmento 4 - pergunta - resposta N 0501 F 04 B (51-66) 56
Fragmento 5 - pergunta - resposta N 0601 F 04 B (251-259) 57
Fragmento 6 - pergunta - resposta N 0201 F 02 A (45-49) 58
Fragmento 7 - Formatayaodo corpus 106
Fragmento 8 - Narrativa "A L6gica de um Alibi" 120-121
Fragmento 9 - T6pico "ponto do onibus" 132
Fragmento 10 - Troca de checagem 1 136
Fragmento 11 - Troca de checagem 2 139
Fragmento 12 - Trocas de checagem 3,4 e 5 140
Fragmento 13 - Trocas de checagem 6 e 7 142
Fragmento 14 - Troca de checagem 8 144
Fragmento 15 - Unidade consignada 18 146
Fragmento 16 - Unidade consignada 19 147
Fragmento 17 - Unidade consignada 22 148
Fragmento 18 - Unidade consignada 33 149
Fragmento 19 - "A L6gica" 151
Fragmento 20 - "Em jufzo" 152
Fragmento 21 - "0 rev6Iver" 153
Fragmenta 22 - "Quem e quem" 153-154
Fragmenta 23 - "A canfissaa" 154-155
Fragmento 24 - Unidade consignada 24 157
Fragmento 25 - Descriyao da ci lada dialetica 160-161
Fragmento 26 - Cilada dialetica "nao tinha ninguem 18" 168-169
Fragmenta 27 - Cilada dialetica "fol um tiro s6" 171-172
Fragmenta 28 - "Quantos gal pes deu na vftima?" 176
Fragmento 29 - "Esqueci esse detalhe" 178-179
Fragmento 30 - "Quantas disparos fez 0 acusado?" 182
-
_ Como uma concessao a minha pobre argucia,Lorde Darlimgton, rogo-lhe que me explique 0 que quer
realmente dizer.
_ Acho melhor nao faze-lo, Duquesa.Hoje em dial ser inteligivel e ser desmascarado."
(. ..)(0 leque de Lady Windermere)
Oscar Wilde (*Dublin, 1854 - t Paris, 1900)
-
INTRODUCAo
1 Do autor, as principais obras que influenciam 0 pensamento jurfdico ocidental, SaD:KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. de Joao Batista Machado. Coimbra:
Armenio Amado, 1976.-------------------. A Justiga e 0 Direito Natural. Trad. de J. B. Machado. Coimbra:
Armenio Amado,1979.-------------------, Die Illusion der Gerechtigkeit -Eine kritsche Untersuchung der Sozialphiiosophie Platons.
Wien: Manzsche Verlag, 1985.
-
no uso da lingua no contexto jurfdico. 2 Os eventos de fala e de escrita constituem
2 A fonte das scnten
-
Na dissertagao de mestrado, A decisao interpretativa da tala em
depoimentos judiciais (Alves, 1992), aborda-se a questao do funcionamento da
linguagem na Justiga, analisando aspectos da tessitura textual na construgao do
documento da audiencia. Partiu-se da descrigao etnografica do evento "tomada
de depoimento" pela inexistencia, no Brasil, de ;:esquisa que explicasse 0
funcionamento discursivo e metodologia adequaclE:1para a segmentagao do
evento citado. Tomado de emprestimo a Musica, c termo tessitura remete anogao de organizagao I textura. A ideia semantica de unidade, de encadeamento,
de ligagao entre as partes de um todo constitui a etimologia da palavra. 0 seu
uso pela Lingufstica de Texto nao e, portanto, uma mera inovagao terminologica,
mas uma nogao que revela posturas teoricas assumidas pelos estudos do texto.
Nossa analise (Alves, 1992) contempla as condigoes de interpretagao,
pelo juiz, dos enunciados produzidos pelo depoente. A determinagao tipologica
de tomadas de depoimento constitui um dos resultados da referida pesquisa,
delimitando do is conjuntos basicos de transformagoes processadas na passagem
do texto-depoimento (fala) para 0 texto-documento (escrita), a saber:
transformac;oes organizacionais e transtormac;oes interpretativas. A
classificagao das transformagoes processadas na passagem do texto-depoimento
para 0 texto-documento considera a observancia ou inobservancia dos princfpios
de fidelidade e essencialidade, fornecidos pela instituigao jurfdica, na medida em
que em toda transformagao esta implfcito 0 processo de interpretagao, de
reformulagao de um texto original mente produzido. 0 texto-documento e a
editoragao monologada - uma versao em segunda geragao - de um texto
produzido coletivamente - que nunca podera ser considerado um fae simile do
-
decisoes interpretativas.(cf. Alves, 1993f
3 Em nosso trabalho utilizamos 0 termo 'transformagao' para designar processos de "tradugaointralingual" ou "retextualizagao". Jakobsan (1988:63-72) distingue tres maneiras de interpretar umsigna verbal ou especies de tradugao. Sao elas: (1) tradugao intralingual au reformulayao, queconsiste na interpretagao dos signos verbais por meio de outros signos da mesma lingua,utilizando Dutra palavra mais ou menos sin6nima ou recorrendo a um circunl6quio; (2) traduagaointerlingual ou tradugao propriamente dita, interpretayao para Dutra lingua; (3) traduc;c3ointersemi6tica ou transmutagao, que ocorre quando e feita a interpretagao dos signos verbais parmeia de sistemas de signos nao verba is.
-
e escrita, inexistem na tomada de depoimentos4.
funcionamento da Justiga brasileira5. A analise de tomadas de depoimento
4 Nossa analise e citada por Luiz Antonio Marcuschi, no capitulo 9. Da fala para a escrita, dolivro, 0 tratamento da oraiidade no ensino de lingua, no prelo.
5 Nossa trabalho extrapola 0 restrito ambito dos encontros de Lingi.Hstica, tendo side apresentadaem encontros promovidos pela area juridica, tais como 0 Seminario de intercambio academicoentre a Programa de Pas - Graduagao em Direito da PUC de Sao Paulo e a Faculdade de Direitodo Recife da UFPE, em janeiro de 1996, onde a tematica tratada foi a semi6tica jurfdica e a 1aJornada Pernambucana de Semi6tica Juridica, promovida pela Faculdade de Ciencias Humanasde Pernambuco, coordenada pelo Prof. Jackson Borges e Prof. Joachim Sebastien, em margo de1998, entre outros. Assim como, temos participado das atividades cientlficas do Nucleo dePesquisa e Estudos Sociojurfdicos (NUPESJ) da UNICAP, desde 1994. Assumimos, em 1998. adisciplina Metodologia de Pesquisa Juridica (JUR 1016) na UNICAP.
-
(1), como esquematizado no Quadro I, a seguir7:
6 Em todo a pais, as Assembleias Legislativas instauraram Comiss6es de Constituigao e Justiga.Em Pernambuco, tram ita na casa dos deputados um Projeto de Reestruturagao do PoderJUdiciario que tem gerado pohmica entre os poderes legislativo e judiciario em decorrencia das37 emend as apresentadas pelos deputados serem refutadas pelos 27 desembargadores doTribunal de Justiga, segundo 0 presidente do TJ Eterio Galvao. "Os pontos do projeto que maistem gerado polemica na Assembleia sac a extingao das varas de Assistencia Judiciaria,transformando-as em varas comuns; extingao de cargos de 47 taquigrafas e mais 40 juizessubstitutos; extingao das varas de menores do interior do Estado e transferencia das varas deentorpecentes para varas comuns, extinguinda assim as varas especializadas em droga". Assim,o Jornal do Commercia (21/10/1999) trata a materia sab 0 titulo: "Eterio nao convence osdeputados(sic) ASSEMBLEIAfJUOICIARIO Desembargador vai ao Legislativo explicar projeto derestruturagao do Judiciaria e e 'enfrentado' por Guilherme UchOa (deputado do PMOS)". No Brasil,as negociagoes / discussoes, divuigadas na grande imprensa, tem acontecido em clima acirradoentre os poderes, sendo evocadas a eficacia, a agilizag80, a modernizag80 do judiciario(apontando-se a implementagao de computadores como "SOIUg80", inclusive), a aproximagao dopovo etc., pelos representantes das varios segmentos politicos.
7 0 termo 'consignag80', adotado nesta abordagem, e usado nos f6runs para designar 0 ate de 0juiz registar em documento, assentar, ditar ao escrevente 0 que deve constar nos autos dasdeclarag6es do depoente.
-
(1) P - R (A) ~C(2) PG - N ~ (1)
Legenda:P PerguntaR RespostaA AvaliagaoC Consignagao~ leva a
PG Pergunta genericaN Narrativa sem ini:i:HTupgao( ) Elemento facultEltivo- Adjacencia
-
nesta investigac;ao, analisar as estrategias de inquiri~ao, interpretar e explicar
como elas se processam, como funcionam as jagas de linguagem, na inquiric;ao
judicial, em situac;6es autenticas de usa.
Na literatura jurldica, a tomada de depoimento de tipo do esquema (2) (cf.
Quadro I) e constantemente recomendada (cf. Souza, 1971: 79), com base em
criterios que sistematizamos da seguinte forma, preservando algumas citac;6es do
autor, entre aspas:
(a) cognitivos - referem-se a "mem6ria" e aos esquemas mentais do depoente:"imagens que ele havia coordenado";
(b) discursivos : "0 sistema de perguntas e res pastas mutila a integridade da
narrac;ao";
(c) 16gicos: concernem a hierarquia das proposic;6es "... se desassociem imagens
que havia coordenado"; "... deixar de parte alguma minudencia";
(d) jurldicos: "minima differentia facti magna differentia juris".
Entretanto, nas observac;6es de campo, ha uma preferencia pelo
questionario, esquema (1). E posslvel inferir que (1) e a forma canonica de tamar
depoimentos porque, mesmo quando e adotado a tipo (2), ha uma retomada do
esquema (1). Nesta estrutura, a juiz faz perguntas, a depoente responde, a
avaliac;ao na maioria das vezes, e a pr6pria consignac;ao, as momentos do
questionario sao subsequentes a consignac;ao. No tipo (2), entretanto, a juiz faz apergunta generica, como, par exemplo, - " a senhor assistiu a esse crime? "- e
deixa 0 depoente fazer uma narrativa sem interrupc;ao. Durante a narrativa, a juiz
anota t6picos que retoma, um par um, no momenta seguinte da inquiriC;ao, de
estrutura (1). A estrutura (1) corresponde a inquiriC;ao, propriamente, au"quesitac;ao" como denominam as operadores jurfdicos (ct. Quadro I).
-
que "ao tomar 0 depoimento verbal, 0 juiz pode aquilatar, de maneira mais
segura, da verdade do que esta sendo dito, observando, pelas reticencias, pela
seguranGa, pela dubiedade e ate mesmo pelas expressoes fision6micas de quem
depoe, a sinceridade, a pureza de tais depoimentos" (Levenhagem, 1981 :25). A
citagao contem, no mfnimo, uma vagueza conceitual enl relagao ao termo 'verbal'
que, como sabemos, tanto pode se referir a um dej':::{)imento oral como a um
depoimento escrito, pois ambos sac verba is. EstQ r'f.~comendagao da pratica
jurfdica baseia-se, talvez, no senso comum ou "bom" sensa; imagina-se que a
"pureza", "manifesta
-
segue os moldes da dissertac;ao de mestrado (Alves, 1992). 0 estudo esta
dividido em quatro capftulos e as conclusoes.
o capitulo 1 apresenta e discute as noc;oes de: (a) jogo de linguagem,tratando a noc;ao wittgensteineana de jogos de Iinguagem como multiplas
condic;oes empfricas das praticas possfveis da linguagem; (b) estrategia
discursiva, como uma atividade especffica que pressupoe a inserc;ao e a ac;ao do
homem numa comunidade lingufstica, apresentando algumas abordagens sobre a
inferencia na interac;ao, (c) pergunta-resposta - aborda a sequencia P-R (A),
especificando os pressupostos te6ricos e opc;oes metodol6gicas adotadas nesta
investigac;ao e (d) regras do jOgO, tratando as possibilidades de produc;ao de
sentidos em func;ao do tipo de inquiric;ao, prop6sito e matriz de ganhos do jogo. 0
funcionamento dos textos, nos eventos sociais, observa regras de finidoras, mas,
sac as regras estrategicas que dao conta de sequencias maiores de lances do
jogo, delineando-o de maneira global.
o capitulo 2 expoe alguns pressupostos da interpretac;ao jurfdica, dando
indicac;oes da concepc;ao de lingua que permeia a literatura sobre a
hermeneutica jurfdica. A noc;ao de cIaritas, na literatura jurfdica, pressupoe a
existencia de um sentido literal, sendo a interpretac;ao jurfdica uma "tecnica"
para desvenda-Io ou, como afirmam alguns, desvela-Io, na busca da "verdade".
Estabelecemos analogia entre tais abordagens e crenc;as metaffsicas oriundas da
dicotomia "mundo das ideias" - "mundo das coisas" do platonismo. Como na
semiologia de St~. Agostinho, essas abordagens operam com uma semantica
ingenua (Dascal, 1989) que relaciona "palavras I coisas", num processo de
etiquetagem automatico. Pais a semantica ingenua supoe a existencia objetiva e
estanque das "significac;oes", incluindo 0 "conteudo" das afirmac;oes, teorias,
-
normas de conduta, etc. A interpretagao, nessa perspectiva, prescinde 0 uso que
se faz da lingua na vida diaria, acreditando que a interpreta~ao correta e
imediatamente acessivel a qualquer pessoa que domine a tecnica e as regras
rigidas da lingua. Nessa condigoes, a interpretagao se obtem pela aplicagao
16gico-algoritmica de regras, a maneira tarskiana.Destacamos que apesar da utilizagao exaustiva do latim - "lingua morta" -
nos brocardos jurfdicos, a linguagem jurfdica utiliza a lingua comum e natural
(objeto de estudo da linguistica) e nao "lInguas artificiais ou formais", tais como
os sinais da matematica, da 16gica, da quimica ou da ffsica que constr6em
sistemas de signos pr6prios. Qualquer abordagem que, trate a linguagem juridica
como "Iinguagem artificial da ciencia do Direito" esta estabelecendo uma falsa
analogia. As normas juridicas sac linguisticamente formuladas e a linguagem
jurfdica mais um dos vocabularios profissionais especializados.
Acreditamos, ainda, que algumas consequencias da atividade lingufstica
de inquirir tem suas origens no contato academico com tais postulados.
Apresentamos aproximagoes entre 0 direito e a lingUistica em outros paises,
apontando perspectivas de troca entre os dois dominios do conhecimento,
postulando a existencia de um objeto de estudo especffico que justifica a agao
interdisciplinar.
o capitulo 3 delineia a metodologia, apresentando 0 modelo detranscrigao, a formatagao do corpus e a estrutura do evento que denominamos
tomada de depoimento. A proposta deste trabalho, em sua concepgao, constr6i
seu metodo de estudo: elaborando conceitos (nomeando as estrategias
linguistico-discursivas), propondo recortes discursivos (na forma de fragmentos)
a partir de dados lingu[sticos brutos coletados na Justiga, adaptando a
-
formatagao consagrada pela analise da conversagao as necessidades do
trabalho e elaborando procedimentos pr6prios de analise.
No capitulo 4, analisamos os blocos sequenciais que identificamos como
estrategias de inquirigao. 0 evento comunicativo a que chamamos "tomada de
depoimento" tem estrutura interativa complexa na sua realizagao. Para fins de
analise, consideramos como estrategias estruturais (:Ie:;, evento, os dois modelos
de audiencia fornecidos pela literatura juridica, corne, descreve Souza (1971), que
sac os consagrados pela pratica forense brasileira. Sendo assim, propomo-nos a
trabalhar dois grandes conjuntos de estrategias: (a) estruturais e (b)
processuais. Nossa analise, divide-se em cinco partes de acordo com as cinco
estrategias linguistico-discursivas apresentadas neste trabalho, ou seja, (a)
deixar produzir uma narrativa; (b) rechecagem nos momentos (i) e (ii); (c)
rechecagem nos momentos (iii) e (iv); (d) deponTlentos reiterados; (e) cilada
dialetica. Como nucleo de nossa discussao assumimos a nogao wittgensteineana
de jogo de linguagem. Sendo assim, a analise interpretativa incorpora os
postulados te6ricos, ja apresentados, tentando dar conta de cada atividade
linguistico-discursiva em cada estrategia identificada no corpus, caso a caso. As
denominagoes das estrategias consideram a pr6pria atividade em curso, tendo
side 0 termo 'cilada dialetica', incorporado aqui, cunhado por um dos juizes.
As conclusoes retomam aspectos centrais da analise na forma de
resultados basicos. Assim como, sugere aplicagoes desta investigagao para 0
ensino nos cursos juridicos e sinaliza possibilidades para outras investigagoes na
linha de pesquisa do discurso juridico, visando um dominio interdisciplinar.
-
CAPITULO 1
PERSPECTIVAS DA PRAGMATICA LINGOfSTICA
8 Kempson (1980: 22-32) aponta algumas dessas abordagens da significagao: (1) teoriasfundadas na concepg8o extensionafista que reune teorias que supoem homogeneidade na relagaopalavra/objeto (Russel, 1902; Davidson, 1967); (2) teorias imagfsticas que explanam a naturezado significado em fungao da imagem no cerebra do falante (ou do ouvinte), como supoe Souza(1971); (3) teorias a partir da ideia de conceito , sendo que "coloca-se apenas no lugar do termoproblematico significado 0 termo igualmente opaco conceito" (p.27) que Sapir (1921: 13)denominou "capsula conveniente do pensamento" e Saussure tratou 0 resultado do valor doconceito no sistema da lingua; (4) teoria componencial que requer a analise nao empfrica darelac;;ao palavra/conceito e estabelece relayao entre a palavra e complexos de significado - osprimitivos semanticos - a partir de marcadores semanticos (Katz, 1972); e por af vaL
- "Na cultura contemporaneal quando se lan
-
"pais pode parecer como se, em logica, falassemos de umalinguagem ideal. Como se a nossa 16gica fosse uma 16gica, parassim dizer, para a vazio.( ...) e como se fosse necessaria urn 16gicopara mostrar finalmente aos homens que aparencia deve ter umafrase correta." (Wittgenstein [1953], 1996: I 81)
- "A linguagem deve servir para 0 entendimento de urn construtorA com urn ajudante B. A executa a constru
-
"vVittgenstein nao arenas destruiu 0 conceito de lingua ideal,construido pelos fi16sofos l6gicos, mas sua analise faz pairar umaduvida sobre a consistencia do conceito de 'lingua', realidadeautonoma e unitaria, tal como a construiram os lingiiistas,particularmente desde a gramatica comparada do seculo XIX."11
questoes: " 'Que e uma pergunta?' _ E a constata~ao de que nao sei tal e tal coisa,
11 0 uso moderno do termo 'Pragmatica', entretanto, e atribufdo a Charles Morris (1938) quedelimitou sintaxe, semantica e pragmatica, distinguindo-a do pragmatismo - uma combinag3o de16gica, epistemologia e etica do 16gico americano Charles Sanders Peirce. (cf. Ogden & Richards,1976: 279-289).
- "Imagine urn jogo de linguagem no qual B informa a A,respondendo a uma pergunta deste, 0 mimero de lajotas ou cubosde urn monte, ou as cores e formas das pedras espalhadas aqui eali. _ Tal inforrna
-
12 A nOCfaode "ato de iinguagem" em Wittgenstein nao equivale a nog80 de "ato de fala" deAusti n. (cf. nota 14 e item 2.3)
-
ProgrllID9> de P6s-Grfl.(11lit\Q!i.t,> 21ern Le,tras e Ut1i4:d",dul;,
PiPEsequencias que ocorrem antes e que Ihe servem de "pistas contextualizadoras",
14 Ao postular que os atos ilocucionarios de fala sao unidades culturais indissoluveis dos fatosinstitucionais de cada comunidade, a teoria dos atos de fala (introduzida por Austin (1962) e
sistematizada por Searle (1969)) apresenta, tambem, a possibilidade do ato ilocucionario serincorporado pela semantica e pertencer a lingiHstica e os atos perlocucionarios pertencerem aoutros dominios do conhecimento. A pragmatic a fragmentada gerou tres tendencias de estudo dosatos de fala: os pragmaticistas, os semanticistas e os complementaristas. A vertente dospragmaticistas elegeu 0 ato de fala como unidade pragmatica, entretanto, a maioria das analisesadotou frases idealizadas como unidade padrao, nunca dados empiricos em seus contextos derealizaQ80.
-
literai da forma lingufstica.15
15 Fillmore (1966) afirma que todo enunciado assertive (ou declarativo) tem uma pressuposi
-
perguntar, contar, tagarelar pertencem a hist6ria de nossa natureza assim como
andar, comer, beber, jogar"; trata-se, portanto, de uma faculdade, uma
capacidade humana, 0 indivfduo que compreende e capaz de fazer coisasespecfficas. A nogao de estrategia como atividade especffica que pressupoe
como fundamento a insergao e agao do homem numa comunidade lingufstica tem
sua origem na nogao de jogos de linguagem de Wittgenstein, baseada na
possibilidade de mudanga de conceitos e significados a partir da fungao que as
textos assumem na comunidade.
A importancia da filosofia wittgensteineana e apontada par Parret (1988),
que ve nela um dos marcos te6ricos nos estudos da linguagem. 0 autor discute
as nogoes de regularidade, regra e estrategia a partir de consideragoes
epistemol6gicas de tres paradigmas que abrangem as tendencias da teorizagao
contemporanea: Saussure, Chomsky e Wittgenstein, rEispectivamente. 0 autor
trata dos pontos de vista de cada tea ria, a natureza das regras e a modo como
cada teoria encarou a funcionamento da linguagem na produgao de sentido. Da
abordagem estrutural de Saussure e de sua metodologia dicotomizante consagra-
se a metafora econ6mica centrada na nogao de valor que prioriza as
regularidades da fala para descrever a lingua, sacrificando as variagoes
(temporais, individuais e contextuais). Na teoria lingUfstica de Chomsky, as
nogoes de gramatica e regra sao nucleares e a metafora biol6gico-ffsica gerou
leis interiorizantes a partir de tres mecanismos explicativos: abstragao,
matematiza
-
adotou a metafora social, fundada na nog80 de comunidade (estar "em
conex80"); nessa perspectiva, as regras san estrategias exteriorizadas e
pertencem ao senso comum de uma comunidade lingOfstica. A nog80
wittgensteineana de comunidade refere-se ao modo de agir comum aos seus
membros, ao carater convencional e publico da Iin~Ju8gem, em contraposigao a
nogao de "Iinguagem privada" associada a inten(~:~tcJa intuig80 e percepgao
individuais.
A aproximagao entre Filosofia e LingOfstica intensifica-se, neste seculo, a
partir de Wittgenstein. Muitos fil6sofos reconhecem que muitos dos problemas
"filos6ficos" apresentados como sistemas metaffsicos e outras tantas afirmagoes
sobre a natureza das coisas eram resultado da projegao ilegftima de regras
segundo as quais elaboraram suas frases, quando falavam sobre 0 mundo. Ou
seja, a revis80 que se faz, hoje, na filosofia p6s-wittgensteineana e terapeutica
(uma auto-compreensao da filosofia), no sentido de mostrar que aparentes
enigmas filos6ficos e varios problemas considerados fundamentais da existencia
humana san 0 resultado da Ifngua mal empregada. Tanto e que, quando 0
equfvoco Iingufstico e apontado (na questao, no enunciado do problema ou na
proposigao) 0 questionamento fiios6fico mostra-se sem significado estrito e sua
solugao nem e possivel, nem necessaria, do ponto de vista filos6fico (cf. Robins,
1981: 365).
Para a LingOistica, as questoes de senti do , antes restritas a adigao de um
sentido estrutural a um sentido lexical (cf. Kempson, 1980), ganharam impulso
com a possibilidade de considerar a praxis no processo de compreensao.
Blikstein (1995), tomando como ponto de partida 0 filme de Werner Herzog: Jeder
fUr sich und Gott gegen aile (1974) (0 enIgma de Kaspar Hauser), concebe a
-
praxis como a fabricaQc30 da realidade. A /inguagem primitiva ou e/ucidaQc3o
ortensiva (... "Santo Agostinho descreve 0 aprendizado da linguagem humana
como se a crian
-
A ideia de jogo de linguagem, portanto, ao corresponder a: (1) "Iimitagao
das escolhas, impostas a atividade do jogador pelas regras" e (2) "carater nao
rigorosamente determinante dessas regras, que possibilitam escolher entre varias
taticas e, eventualmente, determinar a melhor tatica caso por caso (que assegure
sucesso ou 0 melhor resultado do J. UogO))"16,restringe as possibilidades de
produgao de sentido, pois se um texto nao tem um unico sentido (deslocamentos
poeticos, ambiguidade, polissemia, etc ...), tambem nao tem todos os sentidos ad
infinitum, remetendo a analise ao funcionamento estrategico de discursos em
situagoes autEmticas de interagao.
o termo 'estrategia', de origem grega, consta nos dicionarios como "arte
militar de planejar e executar movimentos e opera
- " A defini
-
que por definic;ao, a intencionalidade subjacente nao pode ser aberta17. Os
17 Parret (1988: 55) remete para 0 trabalho de Vincent e Cartelfrenchi (1981) 'On the art ofdeception: how to lie while saying the thruth'. In: H. Parret & M. Sbisa and J. Verschuren (eds.),pp. 749-77. (conforme bibliografia em Parret (1988: 253).
18 "A razao pela qual eu pensava que 0 pensamento e a fala eram uma 56 e mesma coisa agoratornou-se clara. 0 pensamento com efeito e uma especie de linguagem." (Wittgenstein (Carnets:12 de set. de 1916) apud Auroux, 1998:59)
-
atividade em questao. De que maneira as propriedades estruturais de uma
atividade restringem a contribuic;ao verbal que pode se realizar atraves dela? - e
a questao central do autor. Os princfpios basicos sac encontrados nas
abordagens do estudo da inferencia no discurso, apresentadas pelo autor:
(1) 0 princfpio de cooperac;ao (Grice, 1975) permeia a interac;ao nas diferentes
situac;oes e os pressupostos gerais sac tao fortes que as aparentes violac;oes
aumentam as inferencias que poderao preserva-Io;
(2) nas abordagens de Gordon & Lakoff (1975), Heringer (1972), Fraser (1975),
a forc;a i1ocut6ria indireta produz inferencias de regras especfficas para
formular expressoes indiretas de tipos particulares propostos. Entretanto,
Searle (1975) e Brown & Levinson (1978) sugerem que esses princfpios
especfficos podem ser reduzidos aos princfpios mais gerais de Grice (1975);
(3) na inteligencia artificial, 0 estudo de Charniak (1972) destaca a enfase ao
uso macic;o de conhecimento factual sobre 0 mundo como premissas para
gerar inferencias, aproximando-se da ideia minskeneana de "frame";
(4) as abordagens etnometodol6gicas da analise da conversac;ao, especial mente
as de Sacks, Schegloff & Jefferson (1974), Turner (1974) e Schegloff (1984),
cuja enfase recai na informac;ao estrutural sobre a organizac;ao conversacionai
e na maneira como cada informac;ao predispoe os participantes a verem os
enunciados como preenchendo certas func;oes em decorrencia de suas
localizac;oes estruturais. Ha inferencias decorrentes da pr6pria estrutura da
conversac;ao e do papel que cada enunciado desempenha naqueia situac;ao
conversacional.
o recurso a estrategias de varias naturezas, em nfveis hierarquicos
diferentes, no processo de compreensao, tem side bastante discutido nos ultimos
-
anos, tanto por linguistas quanto por psic610gos. Podemos destacar os seguintes
estudos: modelos de compreensao (Clark & Haviland, 1977; van Dijk & Kintsch,
1983; van Dijk, 1992); processos de inferemcia (Sacks, 1985; Shank et ai, 1982);
uso estrategico no processo de aprendizagem (KirbY,1984); polidez (Brown &
Levinson (1978), Davidson, 1984); relagoes interpessoais (Goffman, 1959, 1983);
argumentagao (Koch, 1984); efeitos da mudanga de t6pico (Jefferson, 1972);
abertura conversacional (Schiffrin, 1977); solicitagao de aplauso (Atkinson, 1982);
identificagao referencial (Marcuschi, 1994).
o funcionamento estrategico do discurso, entretanto, e uma via de mao
dupla na interagao. as te6ricos tem privilegiado as estrategias de compreensao
em detrimento das de produgao, tratando, assim, 0 processamento textual de
maneira unilateral. Para Van Dijk (1992: 31), que adverte para 0 processo
construtivo do conhecimento, a diferenga fundamental entre estrategias de
produg80 e de compreens80 reside na direg80 do mapeamento: 0 ouvinte e 0
locutor tem acesso a diferentes tipos de conhecimento; consequentemente, a
natureza das estrategias relevantes e tambem diferente. A principal tarefa do
locutor e a construg80 da macroestrutura textual - plano semantico do discurso-
, composto de elementos do conhecimento geral, elementos do modele
situacional que inclui 0 modele do ouvinte (seu conhecimento, motivagoes, agoes
passadas e intengoes) e um modele do contexto comunicativo. Esse macroplano
possibilita, portanto, a execug80 da base textual de maneira estrategica (niveis
local e linear), de modo que 0 processamento inferencial decorre de: escolhas
entre informagoes implfcitas e explfcitas; estabelecimento de sinalizagao da
coerencia local; formulagao de estruturas de superffcie (dados semanticos,
pragmaticos e contextuals) enquanto "inputs" controladores. Nao confundir com
-
as abordagens que adotam 0 modelo de input - processamento - armazenagem -
output (herdado da informatica), que devem ser vistos com cautela na area da
interpretagao humana. Apesar de ser bastante objetivo na computagao (e
adotado pelas teorias da comunicagao de massa), podem levar a resultados
equivocados, visto que um especialista sabe muito bem como 0 input e
armazenado na memoria do computador, mas nos ainda nao temos tanta
objetividade nas nossas teorias acerca do processamento cognitivo da linguagem
do ser humano. 0 indivfduo nao codifical decodifical codifica mensagens como
um operador de codigo Morse, num ate automatico. As analises IingOfstico-
discursivas do processamento cognitivo sac interpretativas e realizam - se a
partir de dados empfricos em situagoes autenticas de interagao.
Koch (1998:26-34) discute atividades e estrategias de processamento
textual como a mobilizagao "on-line" dos diversos sistemas de conhecimento, que
para efeito de exposigao, divide-as em: (a) estrategias cognitivas; (b) estrategias
socio-interacionais e (c) estrategias textuais ou textualizadoras.
As estrategias cognitivas (a) "consistem em hip6teses operacionais
eficazes sobre a estrutura eo significado de urn fragmento de texto ou de urn texto
inteiro" (p. 29), tendo a fungao de permitir ou facilitar 0 processamento textual,
quer em termos de produgao, quer em termos de compreensao. Sao estrategias
de uso do conhecimento que resultam tanto das caracterfsticas textuais e do
contexto, como das caracterfsticas dos usuarios da lingua: seus objetivos,
convicgoes, crengas, opinioes e atitudes, conhecimentos de mundo (de tipo
episodico ou conhecimento mais geral e abstrato, representado na memoria
semantica ou enciclopedica) "0 que torna possivel, no momento da compreensao,
reconstruir nao somente 0 sentido intencionado pelo produtor do texto, mas
-
on n de P6" - G T:'\(l uay~O 32Jl. rogTaD1 '" '" .
ern Letras e LinguistlC@,UYPE
tambem outros sentidos, nao previstos ou mesmo nao desejados pelo produtor"
-
fala de atribuigao de identidade social; sendo 0 primeira usado para reverter,
numa dada situagao, uma posigao desfavoravel ou subordinada, pelo apelo a
uma outra identidade, visando assegurar 0 contrale da situagao, na
negociagao dos papeis sociais. "Voce nao passa de ..." e suas variantes e
considerado por Penna, tambem, como rito social usado para demarcar
espagos, direitos e deveres; sendo "Voce sabe COI'V' quem esta falando?", no
pracessamento da estrategia de negocia~ao, urr! lito social auto-atributivo e
"Voce nao passa de ..." uma atribuigao dirigida ao interlocutor, um caso de
alter-atribuigao.
As estrategias textuais ou textualizadoras (c) consistem na selegao de
diferentes formas de organizagao dos elementos lingOfsticos no texto, tendo em
vista a produgao de sentidos. Koch distingue:
(1) estrategias de organiza~ao da informa~~ao, que dizem respeito a
organizagao do material lingOfstico na superffcie textual (estrutura
informacional dado I novo e articulagao tema-rema);
(2) estrategias de formula~ao: (a) insen;ao que intraduz explicagoes ou
justificativas; apresenta ilustragoes ou exemplos; intraduz atenuagoes,
ressalvas, avaliag6es; faz comentarios metaformuiativos com a fungao
de organizar 0 mundo textual; ou despertar ou manter 0 interesse dos
interlocutores pela insergao de questoes retoricas (recurso persuasivo);
ou criar uma atmosfera de cumplicidade ou intimidade (b) reformulac;oes
retoricas que se realizam atraves de repetigoes, parafraseamentos para
reforgar a argumentag2lo ou para facilitar a compreensao pela
desaceleragao do ritmo de fala ou reformulac;oes saneadoras que
ocorrem sob a forma de corregoes au reparas, repetigoes e parafrases
-
com a fungao de solucionar dificuldades de compreensao (auto ou
heterocondicionada) imediatarnente apos a verbalizagao de um
segmento.
(3) estrategias de referenciac;ao ou (re)ativagao de referentes realiza-se
pela remissao anaforica ou cataforica, form,mdo-se cadeias coesivas ao
longo do texto. A remissao efetua-se por rrli;:dode recursos de ordem
"gramatical" ou de natureza lexical (sin{;;nIlTlos, hiper6nimos, nomes
genericos, descrigoes definidas, reiteragao de um mesmo grupo nominal
ou por meio da elipse). Para Koch, a partir de "pistas" expressas na
superffcie textual, pode-se inferir 0 todo de algumas partes, um conjunto
de um ou mais subconjuntos, conhecimentos que fazem parte de um
mesmo "frame" ou "script.
(4) estrategias de "balanceamento" do explicito/implicito que
estabelecem relagoes entre informagoes textualmente expressas e
conhecimentos previos, pressupostos ou partilhados. Sobre os
conhecimentos partilhados, Marcuschi adverte que, na vida diaria, nos
orientamos na suposigao de que, semanticamente, nossas
representagoes sac comuns. "Ernbora tida como pacifica, essa no~ao e
ainda obscura e nao pass a de suposi~ao de partilhamento". Marcuschi
(1994: 06)
Marcuschi (1985: 03-16) distingue inferEJncias de pressuposigoes que
preenchem as lacunas dos textos, em decorrencia do "princfpio de economia
lingu[stica", inserindo elos de ligac;8.o. Para 0 autor (corroborando sugestao de
Brown e Yule (1983:257)), "a restaura
- "Reservo portanto, 0 termo inferencia apenas para os casos em queas rela
-
ESQUEMA GERAL CAS INFERE:i;,!CIAS
(A) INFERENCIAS LOGICAS- dedutivas {baseadas sobretudo nas rela
- "A analogia e a correla
- 'motiva
-
sentido numa abordagem ecletica, contemplando a semantica dos enquadres
(frame semantics), a teoria dos atos de fala, a teoria das implicaturas
conversacionais (maximas de Grice), a teoria dos conjuntos vagos, abordagens
da comunica
-
Programs, de P Cll' ~, G l' I'1tlll n ~~;,t 40em tetra!; ~ LHigu1s!lcli;
Uillpergunta (IV), no nfvel ret6rico, identifica mudangas de registro sociolingu[stico
-
iceberg), onde a relevancia nao e monolltica e as contextualizagoes sac
organizadas de maneira progressiva e hierarquizada, permitindo uma
compreensao em perspectiva. No apice da piramide, estao as regras gramaticais,
o fragmento de lingua em seu co-texto (incluindo as relagoes deiticas e
anaf6ricas). Nos estagios intermediarios, estao a fungao proposicional que
contextualiza 0 referente e a condigao ilocut6ria que contextualiza as intengoes
acionais (situagoes que determinam a significanc:ia). Na base da piramide,
finalmente, esta a contextualizagao mais fundamental, que consiste no carater
comunitario como um valor com suas maximas derivadas. Tanto a "cebola
semantica" como a "piramide" aproximam-se da ideia wittgensteineana de
representaqao panoramica que consiste justamente em "ver as conexoes" das
articula~6es intermediarias. (cf. (Wittgenstein [1953], 1996: I 122)
Adam (1990: 51-106), por sua vez, propoe pianos de organizagao do texto
em: cadeias, espagos semanticos, blocos textuais, perfodo, dimensao
pragmatico-configuracional, numa abordagem tambem hierarquisada.
(1) cadeias (plano do enunciado) nas quais ocorre a progress80 textual,
continuidade e organizagao do sistema referencial/seqOencial;
(2) espa~os semanticos (plano da enunciagao) onde a organizag8o da
polifonia gera os sentidos interpretaveis dentro de quadros possfveis. Os textos
tem marcas visfveis de atribuigao de proposigoes ao enunciador/locutor, tais
como: citag80 de fala, verbos dicendi (afirmar, postular, pregar, dizer, verbos de
opiniao, etc ...);
(3) segmenta~ao de blocos textuais visfveis/perceptiveis; na fala, situa-se
no eixo do tempo (pausas, hesitagoes); na escrita, tem base no espago, na
-
pontuagao, na paragrafagao, na disposigao grafica na organizagao da folha de
papel;
(4) periodo (especie de empacotamento proposicional) que organiza 0
ritmo sintatico do texto, elementos da pontuagao, conectores e organizadores de
perfodos;
(5) estrutura sequencial que compreende: (a) texto: unidade constitufda
de varias sequencias, (b) proposi~ao: (constituinte) unidade semantica mfnima e
(c) sequencia: unidade constitutiva do texto, como pacotes de texto. Para 0
autor, um texto e uma unidade constitufda de sequencias que sac constitufdas
de macroproposigoes, que sac constitufdas de proPOSigOIi:1S;
(6) dimensao pragmatico-configuracional que compreende a analise de
configuragoes do todo textual, a partir de uma fung8o, que emerge no texto na
seguinte configurag8o: (1) componente semantico-referencial (conteudo); (2)
componente enunciativo-discursivo (enuncia~ao) e (3) componente
argumentativo - pragmatico.
Como se ve, a revisao de literatura desta amostra do conjunto da
teorizagao sabre estrategia discursiva (ou de processamento textual), no seu
bojo, traz a essencia dos fundamentos filos6ficos postos por Wittgenstein, em
Investigac;oes, com a ideia de jogo de Iinguagem (cf. item 1.1).
A analise estrategica do funcionamento lingufstico-discursivo das
inquirigoes judiciais verificara, a partir da observag8o da reelaborag8o feita pelo
juiz daquilo que foi dito pelo depoente, 0 funcionamento da produg8o de sentido,
as camadas da significag80 onde incidem as interpretagoes na interag80 e outros
-
estrangeira.21
21 A descrig8o, segmentag80 e modelo analltico para 0 evento tomada de depoimento, propostopor Alves (1992), foi adotado por Jose de Ribamar Mendes Bezerra, em sua dissertagao demestrado: "Existe inquirigao acusativa na linguagem do poder judiciario?", defendida em 1996, naUniversidade Federal de Alagoas.
-
ponto da segunda parte do mesmo par" (tradug80 livre). Os autores, presos ao
modelo estruturalista, constr6em um sistema abstrato, uma regra prescritiva para
explicar como as pessoas produzem perguntas e respostas; pretendo predizer
como as pessoas reais, na vida diaria, conversam. 0 desenvolvimento da analise
da conversag80 demonstra que tal rigidez n80 se aplica ao que acontece na
pratica, pois 0 usa subverte esta regra, as pessoas falam em sobreposig80,
transgridem outras regras, nem sempre esperando que 0 outro pare de falar.
o instrumental te6rico para os estudos da interag80 fornece algunsmodelos para a analise do par adjacente pergunta e resposta - P-R. Os estudos
do discurso jurldico, de uma maneira geral, elegeram 0 par P-R, como objeto de
estudo. Esta parece ser uma escolha "natural", visto que as interagoes de
negociag80 da ordem social realizam-se, na sua maioria, em situagoes interativas
de inquirig80. Portanto, a seqOencialidade, a pOSig80 e a localizag80 de
elementos lingOlsticos orientam os estudos empfricos de estrategias recorrentes
na interrelag80 pergunta-resposta.
Atkinson & Drew (1979) realizam uma analise detalhada a respeito da
organizag80 dos turnos de tala no contexto jurldico, a partir do texto classico de
Sacks, Shegloff e Jefferson (1974) para a conversag80 cotidiana. A analise, no
contexto jurldico, aponta duas caracterlsticas que distinguem a interag80 na corte
da conversagao informal:
(a) a ordenag80 dos turnos de fala e fixa e predeterminada;
(b) 0 tipo de turno e fixe e predeterminado.
Neste quadro, portanto, elaborar perguntas e uma atividade restrita a parte que
conduz a interag80, fenomeno que caracteriza uma assimetria interativa; a
-
interagao na Justiga se caracteriza par regras institucionalizadas, ritualfsticas,
predeterminadas e, em princfpio, fixas.
Ducrot (1977:17-19), inspirado na nogao de implicatura conversacional de
Grice, configura as condigoes de existencia do ata da enuncia
-
usa assimetrico nas interaf;oes interpessoais. Nesse contexto, as papeis sao
rigidamente definidos: a juiz pergunta, a depoente responde.
Danet et 81 (1976), tomando como unidade de analise a sequencia
pergunta-resposta e como orientaf;ao te6rica as atos da fala (Austin,1970;
Searle,1969; e Fraser, 1976), tem como objetivo uma texionomia das perguntas e
do grau de coercitividade das mesmas. Os autores codif~caram vinte e seis tipos
de pergunta e res posta na corte, concluindo qUE, a coercitividade realiza-se
atraves de seis tipos basicos de pergunta:
(1) Entona~ao: "Entao voce fez x ?"
(2) AmbigUidade ilocuciomiria: "Voce pode nos contar ..."
(3) Perguntas fechadas, cuja resposta deve ser sim au nao:
"Voce foi para casa depois que deixou a trabalho?"
(4) Utiliza~ao de marcadores interrogativos~ como: que, quem, onde,
quando e por que: "0 que voce fez quando ele pegou a arma?"
(5) Declarativas que pedem confirma
-
Iimitada que reLine proposigoes de natureza prescritiva. Ha um certo consenso
entre as pesquisadores que trabalham com a discurso jurfdico, no que diz
respeito aos modelos analfticos para interagoes cotidianas; para eles, tais
modelos nao podem ser aplicados automaticamente, sem levar em conta as
especificidades do evento comunicativo e, consequentemente, a tipo de texto
produzido.
o par pergunta e resposta, uma das sequencias conversacionais maiscomuns, e abordado em varios modelos de analise na literatura; porem, ha muita
circularidade nas definigoes e subjetividade na classificagao dos elementos do
par. No geral, as definigoes, do ponto de vista funcional, assemelham-se a dada
par Stenstrom (1984:263), que define uma pergunta (P) como um enunciado que
pode solicitar uma res posta (R) e R como um enunciado coerentemente
produzido par solicitagao de P; e a "follow - up" (traduzido como avaliagao- A)
(F), como uma reagao a resposta- R. A autora considera que, nas interagoes, a
pessoa que elabora uma pergunta frequentemente demonstra a que pensa au
espera da resposta - como par exemplo se concorda au discorda, se esta
surpreso, etc. - au, par outro lado, reconhece a receptividade da informagao com
A literatura, em geral, trata a pergunta (P) do ponto de vista da: iniciativa I
reagao, precisao I imprecisao, clareza I obscuridade, completude I incompletude,
diretividade, representatividade, importancia au relevancia e contextualidade.
Esses atributos s6 podem ser avaliados a partir da relagao P-R. Par outro lado,
as respostas (R), no funcionamento da linguagem, pod em ser classificadas em:
(a) reportagem dos fatos au informagoes, (b) previsoes, (c) opinioes au
-
reportagem de opinioes, (d) requerimento de informac;oes, (e) rejeic;ao ou
negac;ao, (f) promessas, (g) requerimento de esclarecimento, etc ..
A perspectiva tradicional, portanto, centra as observac;oes no aspecto
proposicional / informacional, tomando a pergunta (P) como uma solicitac;ao para
suprir uma informac;ao e a resposta (R) como 0 E:-1nunciadoque prove esta
informac;ao. A pergunta e vista como "indaga
-
(8) (P-R) sendo P com modalizador: "por acaso ..."
(9) (P-R) sendo Puma constelagao de questoes
o autor considera que as perguntas do tipo (4) podem restringir as alternativasde (R), mas ha a possibilidade de variagoes, como por exemplo a preferencia
pelas (R) elfpticas, nas quais 0 interlocutor, no caso cir;\s (R) afirmativas, repete 0
verba ou outro elemento central da pergunta.
Para atender as especificidades dos dados cuietados em situagoes de
inquirigao judicial, para esta investigagao, acrescentamos ao modele acima 0
tipo: (10) (P-R) sendo P na forma (a) ou (b), com alternativas predeterminadas,
por ser muito encontrado no corpus.
A analise funcional considera que a P impoe restrigoes a R; ora de
natureza ilocucionaria, ora de natureza discursiva, ou ate mesmo de natureza
semantica. A forma de apresentagao de P fornece indicagoes sobre 0 que 0
inquiridor espera da R. Em proporgoes menores, a R pode restringir a
possibilidade de progressao tematica nas trocas interativas subsequentes.
Abordando as relagoes entre perguntas e respostas, Moeschler (1986:
246-252) apresenta um modelo alternativo de discurso conversacional
baseado no principio funcional-composicional, no qual as tracas (T) SEW
compostas de constituintes que tem relagoes i1ocucionarias e os lances (L) sac
compostos de constituintes que tem relagoes interativas (trocas (T), lances (L) e
atos (A)). 0 modele preve relagoes funcionais de do is tipos: a) ilocucionarias e b)
interativas. Os constituintes, por sua vez, podem ser: (a) diretor (primario), que
produz 0 significado ilocucionario do lance e (b) subordinado (adicional), que sac
opcionais e podem ser eliminados. 0 modelo e apresentado em um esquema
- "Mas como posso decidir 0 que e um tra
-
22 Traduzido para 0 portugues como "graga" (Jose Carlos Bruni). Em comunicagao pessoal, 0Prof. Karl-Heinz Efken (UNICAP), como falante nativo, diz que a palavra alema witz foi muitousada nos textos de Freud. Na obra de Freud, witz foi traduzida por "chiste" que equivale a: ditogracioso, piada, pilMria, brincadeira, gracejo. Acreditamos que, em Wittgenstein, refere-se aspossibilidades de deslocamento de sentido que a lingua oferece, pois, "brincar" e fazer de conta,deslocar de urn universe simb61ico para outro.
- 23 A no
-
23.
24.
25.
26.
27. -J-
28.
29.
30.
sabia quem mato (.) 0 comentario era que 0 corpo tava la no chao(.) todo
mundo dizendo que aquele cabra trabalhava numa horta 0 que morreu (.)
agora se:: /
que 0 depoente nao assistiu it pnitica do
crime relatado na den uncia (.) somente ao
35. - J-
36.
24 No tratamento do material oral, optamos pelo modele de transcrigao da Analise daConversagao proposto pelo projeto NURC (Norma Urbana Culta) da Universidade Federal dePernambuco. Ver notagoes para transcriyao, em anexo. As falas em negrito, afastadas damargem a direita, constituem 0 ditado que 0 juiz faz ao escrevente - aquilo que constara nosautos do proc8sso judicial.
-
37.
38.
39.
40.
41.
42.
43.
Fragmento 2
A linha 40 e um requerimento de esclarecimento do lugar onde a vitimatrabalhava. Nesse caso, 0 proprio juiz interrompe a consigna
-
52.
53. -0-
54. -J-
55. -0-
56. -J-
57.
58. -J-
59. -0-
60.
61. -J-
62.
acusados)?
eu vim sabe agora
quando? hoje?
hoje
CONSIGNANDO))
que so I
virando-se para 0 depoente quando foi? agc)ra?
agora mesmo que to vendo (.) agora!
0 acusado estava presente na sala de audii>ncw.)
CONSIGNANDO)
que 0 depoente somente veio a saber (..)
que aut/autl a auto ria do crime (.) esta
sendo atribuida aos acusados (.) ap6s
chegar nesta audiencia com a leitura da
pronunl da demincia
64.
65.
66.
Fragmento 4
o fragmento 4 tem 0 prop6sito de esclarecer rela
-
acompanhado da unidade de tempo que toma como referemcia 0 momenta da
tomada de depoimento - 'agora' - usado na linha 53 pela depoente. A resposta
esclarece que 0 tempo da tomada de conhecimento dos autores do crime se
refere ao momenta da enunciaC;ao.
Os tres exemplos acima SaD tracas de checagem iniciadas a partir de
pedidos de esclarecimento do juiz. As raras perguntas do depoente, permitidas
pelo juiz, tambem ocorrem nesse tipo de troca; entretanto, assumem a func;ao
interativa de interrupc;ao ao evento, considerando que seu papel e responder as
perguntas. As perguntas do depoente foram agrupadas em dois tipos: (1)
esclarecimento metalingUistico e (2) esclarecimento de pergunta.
Na linha 255 (fragmento 5) ha um pedido de esclarecimento
metalingUistico para 0 item lexical 'vftima' da pergunta do juiz (linha 251). As
palavras 'vftima' e 'acusado' sao, frequentemente, substitufdas pelas locuc;6es
substantivas: '0 que morreu' e '0 que matou', respectivamente, como no uso da
251. -Def-
252. -1-
253. -D-254. -J-255. -D-256. -J-257. -D-258. -J-259. -D-Fragmento 5
excelencia se: a: vitirna bebia frequenternente?
sabe se a vitirna bebia (.) frequenternente ?
nao sinha
bebia ou nao ')
o que rnata')
o que rnorreu
o que rnorreu ?
se era urn hornern acosturnado a viver [ ernbriagado?
[ bebia (.) bebia
-
Na linha 254, a JUIZ, provavelmente toma como ambfgua a resposta da
depoente: "nao sinha" (Iinha 253), no contexto, tanto pode ser responsiva ao fato
da vftima nao beber ou nao beber frequentemente, quanta pode ser uma res posta
referente ao (des)conhecimento da depoente sabre a assunto, correspondendo
"nao sinha" a nao sei se a vftima bebia freqOentemente, desconheqo 0 fato.
Nessas circunstancias, a juiz busca identificar qual das respostas deveria ser
interpretada para sua indagac;ao inicial. S6 na Iinha 255, a depoente sinaliza que
a problema e outro, de natureza lingufstica, pois a depoente desconhece 0 item
lexical 'vftima'. A perspectiva wittgensteineana de jogo de linguagem exige que se
identifique a prop6sito, pois a funcionamento estrategico escapa ao
aprisionamento as regras. Qual a prop6sito do juiz responder a pergunta da
depoente, numa situac;ao na qual ela s6 deveria respondE~ras suas perguntas?
No exemplo seguinte, ha um esclarecimento de pergunta (fragmento 6),
a linha 47 assinala a infcio de uma troca de checagem. Aparentemente, a
depoente nao compreendeu a pergunta do juiz e pede esclarecimento.
Entretanto, tanto a pergunta das linhas 45 e 46, assim como a reformulac;ao
(Iinhas 48 e 49) sao coercitivas, na medida em que podem restringir as
alternativas de resposta; como analisaram Danet et al (1976), citados
anteriormente.
(0201 ( F 02 A: 45-49)
45. - J - quem foi que achou mim (.) a vitima 0 gmpo que estava com a vitima
46. ou como foi ? ((virando-se para D))
47. - 0 - como assim'l
48. - J - quem foi que achou mim tivesse/ que 0 Cicran/ ((vitima)) 0 Fulano
49. ((acusado) bateu com a/ bateu na garrafa?
Fragmento 6
-
A pergunta do juiz e sobre "quem" (qual a pessoa ou pessoas) ante a
assen;ao de que: "alguem" (quem?) "adlou ruim tivessel que 0 Cicranl ((vltima))
o Fulano ((acusado)) bateu com a! bateu na garrafa?", qualquer que seja a
res posta requer a manutengao do pressuposto de que a agao de 'achar ruim"
ocorreu. Esta informagao contida na pergunta nao hcwia side dada pela depoente
em seus enunciados anteriores. Nesse caso, (I (;;![i"iunciado interrogativo do
depoente "como assim?" (Iinha 47), pode evidenciar !.,Hila estrategia discursiva em
decorrencia da tensao provocada par pontos de vista divergentes entre as
interlocutores que, no contexto, nao devem ser enunciados. 0 enunciado do
depoente pode assumir 0 sentido de: "0 que 0 senhor quer saber com esta
pergunta?" Na adesao ou discordancia ao que esta sendo perguntado, a
elaboragao de um enunciado interrogativo pode representar, simplesmente, um
preenchimento de pausa para reorganizagao de j(jeias au uma estrategia para
escapar de responder a pergunta indesejada.
A inquirigao judicial privilegia a pergunta-resposta unilateralmente - 0 juiz
pergunta, a depoente responde. as epis6dios ern juiz permite ao depoente
alguns turnos na forma de pergunta na superflcie textual, constitui um
procedimento estrategico no nlvel discursivo da interagao, Considerando que
problemas de compreensao decorrentes de desconhecimento do lexico (cf.
fragmento 5) poderiam gerar problemas de referenciagao que prejudicariam 0
andamento da inquirigao, assim como a pr6pria progressao t6pica seria
interrompida caso a pergunta do fragmento 6 (Iinha 47) nao tivesse side feita,
sendo a pergunta do juiz reformulada. Nao ha, portanto, quebra da assimetria
interativa, a juiz permanece na administragao dos turnos, prevalecendo a lei da
relac;8.o hierarquica entre as interloGutores, posta por Ducror (1977) nas leis do
-
25 Jaakko Hintikka, autor de vasta obra, e professor da Universidade de Boston. Auroux (1998:444 - 446) assinala na hist6ria da filosofia da Iinguagem as seguintes publicagoes: Models ofmodalities (1969), The intetions of intentionality and other models for modality (1975) e Languageand information (1983). Destacam-se, ainda, Kowledge and the known (1974) e The game ofLanguage (1983).
-
depende da identificac;ao dos oraculos nos quais 0 argumentador confia: que
outras fontes (oraculos) podem estar disponfveis? Para Hintikka, 0 termo oraculo
e objeto de comparac;ao analftico e nao metaf6rico, como pode sugerir. Usa -se 0
oraculo para todo e qualquer argumento, pois, avaliar a estrategia do
argumentador consiste em identificar as fontes de informac;6es que estavam
disponfveis e qual a informac;ao fornecida pelo oraculo, a partir dos diferentes
lances executados pelo argumentador para representar 0 argumento (assea;ao x)
no quadro do modele interrogativo.
Hintikka remete a S6crates cujo metodo consistia em deixar que seu
interlocutor fizesse descobertas fazendo perguntas adequadamente
selecionadas. "Tenho isso em comum com as parteiras: sou esteril de sabedoria; e
aquilo que ha anos muitos censuram em mim, que interrogo os outros, mas nunca
respondo por mim porque nao tenho pensamentos sabios a expor, e censura justa"
(Platao, Teaethetus: 15c apud Abbagnano, 1998: 637). A maieutica socratica
compara-se com a arte das parteiras porque consiste em "dar a luz"conhecimentos existentes ou que se formam na mente dos discfpulos pela
formulac;ao de perguntas instigantes.
o modele interrogativo de Hintikka considera todo 0 raciocfnio eargumentac;ao como uma sequencia de perguntas-respostas, intercaladas por
inferencias 16gicas (dedutivas). A fidelidade ao "modelo" socratico e atestada pela
luz que lanc;a sobre a natureza do elenchus (refutac;ao). 0 S6crates de Platao,
com a ironia de sua pretensa ignorancia, restringe perguntas do tipo sim-nao
para que 0 interlocutor desenvolva suas hip6teses sobre 0 questionamento da
pergunta. A estrategia dos jogos interrogativos tem continuidade, na tradic;ao
filos6fica, na transic;ao operada por Arist6teles para a 16gica formal, a partir
-
desses jogos. Hintikka (1994:75) afirma, ainda, que a ideia da 16gica de
perguntas e respostas ocupa uma legiao de fil6sofos alem dos jogos
interrogativos praticados na Academia de Platao, os jogos obligationes medievais
dos escolasticos, Bacon, Kant, Collingwood, Hans-Georg Gadamer e Larry
Laudan, nao sendo nada de novo na hist6ria dos E:!studosdo raciocfnio. Para 0
autor, a demora na teoriza980 sistematica de seu rr1c:::I'G/ointerrogativo (que ainda
progride) deve-se as restri90es (de primeira orden'! e epistemica) assumidas nas
regras de forma9ao de nossas (dele) 16gicas habituais. Fica claro que Hintikka e
um seguidor de Wittgenstein, pois, no fundo, ouve-se a segunda tese da obra
Investigar;oes Filos6ficas sobre 0 metodo filos6fico das 16gicas analfticas,
gerando revisoes "terapeuticas" no pensar filos6fico. Hintikka propoe, entao, uma
16gica epistemica nao-rfgida26 de perguntas e respostas para minimizar as
restri90es impostas por padroes "Iogicamente" possfveis de dependencia e
independencia entre quantificadores e operadores epistemicos, para as
diferentes especies de argumenta9ao.
Hintikka distingue regras definidoras de regras estrategicas, na perspectiva
wittigensteineana de jogo, para tratar 0 carater restritivo e 0 carater nao
rigorosamente determinante dessas regras, que precisam ser compreendidas na
totalidade do jogo, possibilitando escolher entre varias estrategias, a que melhor
se adequa ao carater do jogo, caso-a-caso (cf. Wittgenstein (1953], 1996: I 562-
568). "Assirn, as regras definidoras de urn jogo indicarn-nos 0 que significa jogar
urn jogo, ao passo que as regras estrategicas nos indicarn 0 que significa jogar urn
-
Nessa linha de raciocfnio, Hintikka (1994:79-82) exemplifica com 0 caso da
chamada falacia da argumentagao ad hominem que consiste em "pressionar um
homem com as conseqiiencias retiradas dos seus pr6prios prindpios ou
admissoes", citando John Locke. 0 que 0 autor discute e 0 carater da interdigao
ao uso da argumentagao ad hominem (consideradD urn erro de raciocfnio) em
termos absolutos, sem mencionar consideragoes estl'"i:::\tr:~gicas,tais como:
(1) tipo de inquiri~ao: 0 elenchus socratico 6xarninava as consequemcias
retiradas da resposta do interlocutor. 0 autor cita 0 exemplo contemporaneo
da policia norte-americana que ao ler os direitos do preso afirma que tudo que
for dito podera ser usado contra ele, 0 que pode parecer contraditorio. Assim
como, numa discussao, quando temos a intengao de fazer com que alguem
mude de opiniao atraves do nosso argumento, devemos fundamenta-Io nas
suas respostas as nossas questoes;
(2) estabelecimento da verdade: e uma ma estrategia acreditar em todos os
oracu/os, principalmente quando se busca a verdade cientffica, pois, he fontes
e fontes de pesquisa. Num tribunal, as confissoes podem ser usadas contra
nos, mas, mesmo assim, a Justiga nao as aceita em seu valor nominal, procura
ouvir outros oraculos; daf decorrendo a estrategia de acareagao;
(3) estrutura de ganhos do jogo: 0 erro em argumentar ad hominem pode ser
de natureza estrategica, depende da estrutura de ganho de cada jogo, sendo
impossivel definir regras rfgidas e inalteraveis para todos os jogos;
(4) 0 ponto, 0 prop6sito, 0 objetivo do jogo: quando 0 objetivo primario eprocurar a verdade, nao e relevante refutar a posigao da outra pessoa.
Entretanto, quando 0 que importa e derrubar um oponente, deve-se
-
argumentar. Portanto, 0 ponto, 0 prop6sito, 0 objetivo devem ser considerados
tanto no que se refere ao argumento, quanta ao jogo como um todo.
No modele interrogativo, proposto por Hintikka, a avaliac;ao de uma
determinada asserc;ao resulta do reconhecimento da regra de inferEmcia que da
origem a asserc;ao. Parte do princlpio que nenhuma informac;ao e nova no ambitodo argumento, nem se encontra simplesmente la. A pro posta para avaliac;ao do
argumento consiste em questionar: de onde vem? a asserc;ao veicula
informac;ao? e uma informac;ao parcial ou totalmente nova? procede das
asserc;6es anteriores? 0 oraculo (fonte de informac;ao) definira a confiabilidade
do argumento. 0 modele interrogativo, portanto, usa a pergunta como objeto
analftico de comparac;ao, sendo passo de inferencia 16gica para qualquer
argumento.
Essa /6gica epistemica nao-rfgida de perguntas e respostas inclui
considerac;6es estrategicas nao previstas pelo conjunto de regras mecanicas de
inferencia das 16gicas de primeira ordem, propiciando um deslocamento na
perspectiva de tratamento da argumentac;ao. As outras 16gicas partem de
assunc;6es restritivas, fundadas em padr6es "Iogicamente" posslveis de
dependencia I independencia entre quantificadores e operadores epistemicos,
preocupando-se com 0 aspecto formal do passo a passo do raciocfnio. Enquanto,
o modelo nao-rfgido de perguntas e respostas considera 0 pensamento
estrategico em sequencias maiores, dando conta de aspectos holfsticos em
func;ao da matriz de ganhos no desempenho do jogo como um todo. As 16gicas
formais (inspiradas em Arist6teles, ou, mais recentemente, em Frege) constr6em
e usam suas Iinguagens artificiais para raciocinar, ao pas so que a 16gica de
pergunta e resposta. desde a maieutica socratica, desenvolve processos de
-
inferencia a partir da propria lingua ordinaria para raciocinar, como propoe
Wittgenstein (cf. item 1.1).
Hintikka apresenta um exemplo de Sherlok Holmes como perito em fazer
perguntas aparentemente sem senti do e afirmar ter alcangado a trama dos crimes
e encontrado as solugoes atraves da "Iogica" e da "cledugao". Elementar? Nao,
para qualquer manual de logica tradicional, pensarnento critico, tratado de
argumentagao e toda a parafernalia de produtos qU(~:a :ndustria editorial langa no
mercado academico, todos os anos. 0 exemplo trazido do lendario personagem
construfdo por Doyle (1952) e 0 caso do desaparecimento do campeao cavalo de
corrida Silver Blase e 0 provavel assassinato do treinador, tambem, encarregado
do estabulo que foi encontrado num pantano, morto por uma pancada na cabega.
o cenario da ficgao de Doyle (1952) e um lugarejo da Inglaterra, por volta de
1890. 0 inspetor, ja estava quase desistindo de apontar um culpado entre os
varios suspeitos, ate a chegada de Sherlock Holmes. 0 inusitado no
interrogatorio de Holmes e que nao fazia perguntas sobre 0 episodio imediato,
fazia perguntas que escapavam ao pensamento "Iogico". Chegando la, ao tentar
esclarecer 0 desaparecimento do cavalo, 0 detetive pergunta a um pastor das
proximidades: "algumas de suas ovelhas comegou recentemente a coxear?"
Como uma pergunta que nem se relaciona ao cavalo desaparecido, nem ao
treinador, nem ao assassino desconhecido, nem ao provavel ladrao de cavalos
pode ser relevante ao caso? 0 inspetor local, que ja havia interrogado quase
toda a populagao da redondeza, pergunta a Sherlock Holmes: "_ Ha alguma
coisa para a qual deseje chamar a minha aten
-
~l'ogl'ali.a (k PClS- 0 r~; '1 Uti. vA ki~m Letms e LinguistiCl\
YFPEconhecimento dos depoimentos reunidos
-
experiEmcia, faz inferencias avaJiativas - "hip6teses de relevancia" - provindas de
conhecimentos gerais (cf. Warren (1979) apud Marcuschi, 1985:06, item 1.2) e
nao restrito aos elementos predeterminados pelas regras de inferencia das
16gicas analfticas (apriorfsticas), nas quais elementos novos (como 0 cao) nao
poderiam ser acrescentados.
Hintikka (1994) propoe que as regras definidoras estabelecem os lances
que podem ser realizados e definidos nas situagoes e como as regras sac
aplicadas lance-a-Iance, antes do jogo comegar. As regras estrategicas, por sua
vez, dao conta de sequencias maiores de lances, preocupando-se com toda a
hist6ria que pode desenrolar-se quando 0 jogo e jogado, de maneira global. Asregras estrategicas dao conta de aspectos do desempenho do jogo e do modo
como os ganhos do jogo e determinado.Esta analise das estrategias na justiga (cf. Cap. 4) sinaliza que a pr6pria
inquirigao e um modo de argumentar, tal como 0 metoda da maieutica socratica.
As perguntas no jogo de inquirir nem sempre sac feitas para obter informagoes
imediatas nas respostas solicitadas, antes, visam ganhos futuros no andamento
da interagao.
-
CAPITULO 2
DIREITO E PRODUCAO DE SENTIDO
Evidentemente, abordamos 0 assunto como aspirante a linguista,
ignorante em Oireito. Benveniste (1989:220) comenta i/( ... ) serao propostas a
aten
-
estudo da linguagem no ambito do direito, restringe-se a hermeneutica jUridica, adespeito dos estudiosos declararem a necessidade de uma nova hermeneutica
contribuindo para sanar a crise no ensino jurfdico e na pratica forense.
A literatura jurfdica, no Brasil, sinaliza maior abertura dos estudos jurfdicos
aos questionamentos da Sociologia, Antropologia, Historia, Ciencia Polltica,
Economia, Psicologia, Biologia (principal mente, para as quest6es de pradugao de
vidas em laboratorio, como a clonagem), Informatica, etc. A Filosofia, nem se fala,
ja que 0 pensamento jurfdico confunde-se com 0 pensamento filosofico, na
historia da humanidade. Mas, e a LingOfstica? A apraximagao e inevitavel e
iminente, mas, como toda traca requer ajustes nos aparatos teoricos dos do is
dominios do conhecimento que constroem maneiras distintas de tratar seus
objetos de estudo. A LingOfstica, mais intensamente nessa ultima metade de
seculo, buscou sistematizar seus estudos a partir da descrigao de dados
empfricos; enquanto 0 Direito consolida-se pela reflexao, predominantemente,
normativa e prescritiva do dever ser em fungao do conjunto de regras (normas e
leis) que regulam 0 comportamento dos homens entre si, pois, apesar do Direito
ocupar-se da tecnica da coexistencia humana, em sociedade, nao ha tradigao de
estudos fundamentados em dados autenticos coletados na realidade desta
sociedade.
Na decada de 1970, nos Estados Unidos, Inglaterra, Suecia, Alemanha e
Israel, varios estudos questionavam 0 uso da linguagem em contextos
institucionais e 0 abuso no uso da linguagem pelos detentores do poder, no
exercfcio de suas atividades prafissionais, denominando-se plain language
moviment ao conjunto desses estudos. Eram abordagens sociolingOfsticas que
enfatizavam a questao da assimetria onde se defendia 0 direito do cidadao
-
291). Provavelmente 0 texto "fundador" de Harris (1963)27 e sua tradugao para 0
jurfdica -0 "juridiques" - como uma especie de situagao de diglossia28,
27 Concordamos com Possenti (1993:24) quando desconsidera a abordagem de Harris noconjunto dos que disputam a primazia da analise do discurso "...sequer considerarei propostascomo a de Harris, porque discurso so faz sentido para mim enquanto significativo."
28 0 termo diglossia foi cunhado para distinguir situac;oes em que uma das duas Ifnguas emsitua
-
base te6rica a sociolingufstica variacionista. Sob influEmcia dos analistas do
discurso, Wodak (1980) e (1985), McGaughey & Stiles (1983), Woodbury (1984)
e O'Barr & Conley (1985) apontavam a interferencia das perguntas feitas pela
corte nas decis6es judiciais, afirmando que 0 'discurso' determinava os resultados
da corte, pois controla a projec;ao dos papeis e revela: classe social, salario,
respeitabilidade, responsabilidade e credibilidade das partes envolvidas no
processo.
No estudo das transformac;6es do depoimento (oral) em documento
(escrito) - nosso objeto de estudo em Alves (1992) - fizemos um esboc;o que
distingue duas tendencias de estudo do discurso jurfdico (OJ): (a) os que
contemplam a linguagem 'da' Justic;a e (b) os que analisam 0 funcionamento da
linguagem 'na' Justic;a. as primeiros sac de natureza lexicografica e
sociolingufstica, preocupando-se com a significac;ao especffica que as palavras
adquirem no ambito da Justic;a - 0 "juridiques"- e relac;6es inter-sociais. as
estudos do tipo (b) tentam dar conta de dados lingufsticos coletados na Justic;a
como unidades pragmaticas, nas quais a interac;ao entre os indivfduos, 0
contexto situacional e a func;ao comunicativa integram 0 processo de produc;ao
de sentido.
o termo discurso jurfdico (OJ), herdado da sociologia, contempla 0 espac;oinstitucional em que se produzem textos falados e escritos. As abordagens que
tratam 0 funcionamento da linguagem "na" Justic;a (b) tentam dar conta de
processos de organizac;ao, desenvolvimento e compreensao de textos em
situac;6es empfricas. Atkinson & Drew (1979) descreveram propriedades
estruturais e sequencias de interac;ao na corte, numa perspectiva
etnometodol6gica. Nofsinger (1983) defende que a coerencia textuai prescinde
-
da interac;ao simetrica, como na corte as estruturas de participac;ao dos
interlocutores sac assimetricas, pois, quem define a interac;ao e 0 magistrado,
para 0 autor, na corte nao pode haver coerencia. Discordamos da concepc;ao de
coerencia adotada pelo autor, certamente, a coerencia e um processo
cooperativo entre produtor e receptor em func;ao do princfpio de interpretac;ao do
texto; entretanto mesmo em situac;oes assimetricas, ()corre coerencia como um
processo cognitivo.
o termo LingOfstica Forense vem sendo institufdo para denominar as
tecnicas concernentes as provas de natureza lingOfstica apresentas a corte e a
cooperac;ao dos lingOistas como especialistas, como peritos no esclarecimento de
materiais verbais. No Brasil, vez por outra, perfcias tecnicas sac solicitadas aos
institutos de para identificar vozes em grav8c;oes com utilizaC;80 de
espect6grafos dos laborat6rios de fonologia. Gibbons (1994) dedica a terceira
parte do livro Language and the law a LingOfstica Forense. 0 autor enumera dois
modelos de classificac;ao das evidencias IingOfsticas (1) que considera 0 canal no
qual a prova esta constitulda: lingua falada (fala, escuta); lingua escrita (redac;ao,
leitura) e (2) que contempla os nfveis da linguagem: grafo-fOnicos; lexical;
gramatical; discursivo.
No ambito da lingOfstica forense, alguns pesquisadores sac convidados
para prestar depoimento, sob juramento, apresentando suas analises, tendo
como objetivo esclarecer a corte a natureza lingOlstica das provas apresentadas
pelo FBI norte-americano quando produz provas que desagradam a opiniao
publica e desafiam advogados a encontrar subsidios tecnicos para derruba-Ios
ante 0 juri popular. Estudos desse tipo tern sua relevancia para a Justi9a como,
no caso, os realizados por Shuy (1981) e (1982) utilizando, como unidade de
-
analise 0 t6pico discursivo, separou e mostrou ao juri "quem disse 0 que a
quem sobre que t6picos". 0 FBI havia construfdo provas, a partir de gravac;6es
de interac;6es entre seus agentes e 0 acusado. Tais provas, extrafdas das
gravac;6es, recorriam a estrategias discursivas que distorciam enunciados
utilizando-se de supergeneralizac;6es de sentido e amissae do contexto
comunicativo para incriminar 0 acusado. A analise de Shuy convenceu ao juri de
que 0 acusado apenas respondia aos t6picos introduzidos pelo agente do FBI. 0
lingOista mostrou que nao havia intencionalidade nas asserc;6es atribufdas ao
indivfduo e, em alguns casos, ele nao dissera 0 que afirmavam haver dito. 0
testemunho de Shuy, sob juramento, foi decisivo na absolvic;ao do acusado.
Gumperz (1982) (b) tambem compareceu a corte, sob juramento, para provar a
inocencia de um medico filipino envolvido num caso de erro medico de grande
repercussao e divulgac;ao da imprensa. 0 pesquisador levou a corte uma analise
contrastiva entre 0 tagalog, lingua materna do medico, e 0 ingles americano. A
partir da gravac;ao integral do depoimento do filipino, Gumperz assinala as
marcas lingOfsticas nas quais ha influencia da estrutura da lingua nativa do
acusado, no estabelecimento da referencia, e assinala que ha estrategias de
persuasao na interac;ao entre 0 medico e 0 agente do FBI.
A aplicac;ao da LingOfstica em situac;6es de julgamento reflete 0 discurso
de busca de modernizac;ao da justic;a, a contemporaneidade dos "crimes verbais"
numa sociedade "semiotizada" ao extremo, tratada nos estudos de Bourdieu,
Foucault, Pecheux e outros que discutem as quest6es das trocas simb61icas na
economia capitalista que transforma 0 discurso em coisa, reificando-o, numa
-
29 Inspirados em Karl Marx: "A magia consiste simplesmente em que, na forma de mercadoria,devolvem-se aos homens, como espelho, as caracteristicas sociais de seu pr6prio trabalho,transformadas em caracteristicas objetivas dos produtos desse trabalho, na forma depropriedades socia is naturais das coisas produzidas; portanto a mercadoria espelha tambem arelagao social entre produtores e trabalho global, como relagao social de coisas existentes forados pr6prios produtos. Por meio desse quid pro quo os produtos do trabalho tornam-se
mercadorias, coisas sensivelmente supra-sensiveis, isto e, socials" (Das kapital, I 4) apudAbbagnano (1998: 841)
-
principalmente, 0 Direito. Referindo-se as contribuic;oes da lingufstica forense,
Hutton enumera obstaculos de tres tipos:
(1) Conceitos te6ricos dos linguistas, e seus postulados centrais enquanto
disciplina, construindo metalinguagens particulares: (a) fornecendo evidencias
a corte, (b) produzindo e observando transcric;oE;!Se (c) identificando vozes
individuais, constituem um discurso especializ.E:.(;;Onas idealizac;oes dos
linguistas e abstrac;oes que as linguistas [';:;::-rl feito fora do atual
"comportamento da linguagem." Hutton afirma que os linguistas propoem
transcric;oes como tendo peso equivalente aos materiais orais produzidos na
corte, sob questionaveis assunc;oes de que as cortes operam interpretando
quotas de fala ou lendo transcric;oes. A objec;ao e de que a analise linguistica
nao da conta da significac;ao de um enunciado particular numa ocasiao
particular, pois 0 aparato te6rico (abstrato e idealizado) academico nao tem
competencia para tal. as linguistas, segundo a autor, nao podem aplicar suas
categorias de gramatica e discurso a vida real, sua especializac;ao academica
nao os habilita para resolver problemas interpretativos fora de seus
laborat6rios lingufsticos.
(2) Lingufstica nao e ciencia na mesma proporc;ao que a Qufmica. 0 autor
introduz sua argumentac;ao tomando como ponto de partida a fato de que "0
linguista pode objetar que a analise 1ingi.iistica e, nesse caso, semelhante it
analise quirnica." A despeito de que nenhum linguista que trabalhe na
perspectiva pragmatica cometeria tal barbaridade, 0 autor, fundamentando-se
na filosofia cartesiana da ciencia, esforc;a-se em demonstrar que, aexemplo da
qufmica, a lingOfstica nao e uma ciencia experimental, nao trabalha com
invariantes, seu metodo nao tern a propnedade da repetlbilidade. nem e
- "As intui
- que a troca e a circula
-
31 "Neither lawyers nor linguistis have a monopoiy of the truth, and both could !earn from eachother, and benefit from the chance to examine each other's presupposition about language".
-
2.2. NOTAS SOBRE A INTERPRETA~AO JURiOICA
32 Saussure, Searle, Grice, entre outros, compararam 0 sistema da lingua com 0 jogo de xadrez.Saussure usou a metMora do jogo para distinguir aspectos externos (pe
-
35 0 autor refere-se, provavelmente, a hip6tese Sapir,E & Whorf, BL de isomorfismo entrelingua e cultura; retomada por Levi-Strauss por supor que ha homologia entre lingua, cultura eciviliza9aa, a prop6sita das teses de N.Marr que estabelecem correspondencia entre a evolu9aodas estruturas socia is e 0 tipo de lingua. (Dubois, 1978:354-355) Benveniste (1989:93-104) trata aquestao afirmando que a sociedade 56 se sustenta pelo uso camum da lingua, distinguindo a
saciol6gica como uma rela9ao de encaixe que reifica, da rela9ao semiol6gica como uma rela9aode interpretancia que calaca lingua e sociedade em dependencia mutua, senda a lingua a sistemainterpretante da sacidade. Na elabara9aa de sua teoria sobre a semialagia da lingua, 0 mesma
autor afirma: "a lingua torna passivel a saciedade" (Benveniste (1989: 63).
-
36 a autor limita-se a enumerar os tipos de descri9ao, que apenas reproduzimos, sem, sequer,Gomenta-Io~.
-
justificat6ria, constituindo a ideologia da interpretaq80 cujo objetivo seria a
elaborac;ao de uma teoria que formulasse todas as diretrizes que resolvesse
todos as problemas axiol6gicos da interpretac;ao; lamenta 0 autor que ainda
nao tenha side formulada tal teoria. Sendo assim, considera-se, na "nossa
cultura jurfdica", que quando uma decisao interpretativa torna-se inevitavel,
esta deva ser justificavel (e nesse sentido, racional), 0 interprete deve apontar
as diretrizes de sua decisao, ponderando os criterios para as avaliac;oes e
apresentando as fontes ou materiais de interpretac;ao.
Ainda, segundo Arnaud (1999), as avaliac;oes da interpreta~ao juridica:
(a) contribuem para determinar se 0 texto nao esta claro na situac;ao dada; (b)
servem de base para fazer escolhas entre as diretrizes de interpretac;ao e (c) sac
as vezes necessarias para utilizar as diretrizes formuladas com 0 auxflio de
termos estimativos. Dentre as varias tipologias de interpretac;ao, 0 autor apenas
enumera as seguintes como as mais frequentemente utilizadas nos tratados de
interpretac;ao, quanta a:
(a)diretrizes: (interpretac;ao sistemica; interpretac;ao lingufstica
interpretac;ao funcionai);
(b) posic;ao institucionai dos interpretes:(1) interpreta~ao autentica - que
emana do criador da norma interpretada; (2) interpreta~ao legal - dada
por uma autoridade cujas decisoes ex lege sac dotadas de validade
para os outros; sendo considerada como interpreta~ao autentica, na
terminologia de Keisen37; (3) interpreta~ao operativa - feita durante a
-
curso da aplicaC;80 do direito; (4) interpreta~ao doutrimiria - feita pela
ciencia jurfdica;
(c) fontes, metodos ou autoridades: hist6rica, 16gica, teleol6gica,
gramatical, sistemica;
(d) objeto da interpretaC;80: direito escrito (constitucional, direito penal,
civil, administrativo, internacional publico), costumes, atos jurfdicos,
ac6rd80s, etc ... ;
(e) faculdades postas em pratica: interpretaC;80 como funC;80 do
conhecimento ou interpretaC;80 como funC;80 da vontade. Arnaud
comenta que, segundo Kelsen, a interpretaC;80 como funC;80 do
conhecimento e a interpretaC;80 doutrinaria que consiste em determinar
todos os sentidos possfveis do texto, enquanto a interpretaC;80 como
funC;80 da vontade e a interpretaC;80 8utentica aquela pela qual a
autoridade investida de poder de interpretar faz uma escolha entre os
sentidos possfveis. Para Kelsen, apenas a interpretaC;80 autentica e
criadora;
(f) qualificaC;80 dos resultados: interpretaC;80 literal (interpretatio litteralis);
interpretaC;80 extensiva (interpretatio extensiva); interpretaC;80 restritiva
(interp