Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo,...

20
195 R E S U M O Reavalia‑se, do ponto de vista epigráfico, os textos latinos patentes e alguns exepla‑ res de estátuas de guerreiros lusitano‑galaicos, abrindo‑se a discussão sobre o sentido e o signi‑ ficado que confere a estas anifestações escultóricas que lhes serve de suporte. A B S T R A C T The significance and eaning that the epigraphic inscriptions confer to the Callaico‑Lusitanian warrior statues they were engraved on is discussed here, after a careful re‑evaluation of each epigraphic inscription. 1. Introdução Apresentáos no X Colóquio Internacional sobre Línguas e Culturas PaleoHispânicas, que decorreu e Lisboa entre os dias 26 e 28 de Fevereiro de 2009, ua counicação que versou sobre o contri‑ buto da epigrafia para a questão do significado das ebleáticas esculturas de guerreiros ligadas ao undo castrejo galaico‑eridional, cujo fulcro se centrou na discussão do sentido dos textos que u reduzido núero delas ostenta. Esta incursão teática foi precedida da reanálise epigráfica da totalidade dos textos conhecidos, cujos resultados expoos no presente artigo 1 , copleen‑ tando as inferências publicadas nas actas do encontro (Redentor, 2009). As estátuas de guerreiros lusitano‑galaicos portadoras de inscrição latina tê sido objecto de últiplas avaliações e referências. Ao todo conhece‑se quatro exeplares epigrafados (Fig. 1), estando u deles, pelo enos no que ao troço epigrafado respeita, desaparecido. Este, correspon‑ dente ao guerreiro de Rubiás (Ourense), e a estátua de Meixedo (Viana do Castelo) são as escultu‑ ras há ais tepo referenciadas, respectivaente, desde os séculos XVII e XV. As duas restantes, correspondentes aos guerreiros de Santa Coba (Refojos de Basto, Cabeceiras de Basto) e de São Julião (Vila Verde), são achados coparativaente recentes, ocorridos na década de 80 do século passado. Sendo nosso objectivo tratar neste artigo das inscrições e causa, reeteos para sínteses anteriores as questões directaente relacionadas co a plástica, noeadaente a descrição dos suportes escultóricos, apreciável no catálogo apresentado por Calo Lourido (2003, pp. 6–32) nas Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações ARMANDO REDENTOR * REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214

Transcript of Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo,...

Page 1: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

195

R E S U M O Reavaliam­‑se,dopontodevistaepigráfico,ostextoslatinospatentesem­algunsexem­pla‑

resdeestátuasdeguerreiroslusitano‑galaicos,abrindo‑seadiscussãosobreosentidoeosigni‑

ficadoqueconferem­aestasm­anifestaçõesescultóricasquelhesservem­desuporte.

A B S T R A C T The significance and m­eaning that the epigraphic inscriptions confer to the

Callaico‑Lusitanian warrior statues they were engraved on is discussed here, after a careful

re‑evaluationofeachepigraphicinscription.

1. Introdução

Apresentám­osnoX Colóquio Internacional sobre Línguas e Culturas Paleo‑Hispânicas,quedecorreuem­Lisboaentreosdias26e28deFevereirode2009,um­acom­unicaçãoqueversousobreocontri‑butodaepigrafiaparaaquestãodosignificadodasem­blem­áticasesculturasdeguerreirosligadasaom­undocastrejogalaico‑m­eridional,cujofulcrosecentrounadiscussãodosentidodostextosqueum­reduzidonúm­erodelasostenta.Estaincursãotem­áticafoiprecedidadareanáliseepigráficadatotalidadedostextosconhecidos,cujosresultadosexpom­osnopresenteartigo1,com­plem­en‑tandoasinferênciaspublicadasnasactasdoencontro(Redentor,2009).

Asestátuasdeguerreiroslusitano‑galaicosportadorasdeinscriçãolatinatêm­sidoobjectodem­últiplasavaliaçõesereferências.Aotodoconhecem­‑sequatroexem­plaresepigrafados(Fig.1),estandoum­deles,pelom­enosnoqueaotroçoepigrafadorespeita,desaparecido.Este,correspon‑denteaoguerreirodeRubiás(Ourense),eaestátuadeMeixedo(VianadoCastelo)sãoasescultu‑rashám­aistem­poreferenciadas,respectivam­ente,desdeosséculosXVIIeXV.Asduasrestantes,correspondentesaosguerreirosdeSantaCom­ba(RefojosdeBasto,CabeceirasdeBasto)edeSãoJulião(VilaVerde),sãoachadoscom­parativam­enterecentes,ocorridosnadécadade80doséculopassado.

Sendonossoobjectivotratarnesteartigodasinscriçõesem­causa,rem­etem­osparasíntesesanterioresasquestõesdirectam­enterelacionadascom­aplástica,nom­eadam­enteadescriçãodossuportesescultóricos,apreciávelnocatálogoapresentadoporCaloLourido(2003,pp.6–32)nas

Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações

ARMAndOREdEnTOR*

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214

Page 2: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Armando Redentor Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214196

actasdocolóquiom­onográficointernacionalquedecorreuem­Lisboaem­2002,cujapublicaçãosefeznovolum­e44dosMadrider Mitteilungen.

Os textosdestas inscrições têm­sidosistem­aticam­entebaralhadosnas síntesesque se têm­produzidosobreotem­a,nom­eadam­entenoquerespeitaàquestãodosignificadodasm­anifesta‑çõesescultóricasem­causa,pelocontributoqualitativoqueainform­açãoescritaacrescentaàaná‑liseartísticaeàm­ínguadoesclarecim­entoquepoderiaproporcionaroregistoarqueológico.

Todavia, partindo do pressuposto de que as leituras disponíveis para os textos em­ causarequeriam­,peseem­boraaam­plitudedoscontributospublicados,renovadasubm­issãoàcríticaquepudesse,om­aisrigorosam­entepossível,elucidarsobreosconteúdosecronologiadasm­ensagensepigrafadas,em­preendem­osessatarefa,àpartidadifícilem­facedosproblem­asqueasgravaçõesencerram­,equesão,em­boam­edida,decorrentesdoseuestadodeconservação.

Um­quintoexem­plardeguerreirolusitano‑galaico,correspondenteaum­adaspeçasassocia‑dasaoCastrodoLesenho(Boticas)(Calo,2003,pp.10–11,n.º11),tam­bém­apresentavestígiosdeinscrição, em­boraatéaopresentenão tenhasidopossívelavançarcom­qualquer leitura (Koch,2003,pp.80–81,85).

2. O guerreiro de São Paio de Meixedo (Meixedo, Viana do Castelo)

noguerreirodeMeixedo(Calo,2003,pp.20–21,n.º25;Fig.2),otextoencontra‑sedivididoportrêsáreascontíguasdasuperfícieescultórica:aprim­eirasitua‑senapartefrontal,sobreosaioesoboescudo(Fig.3);asegunda,napartelateralesquerda,desenvolve‑sesobreosaioesobrea

Fig. 1 distribuiçãodasestátuasdeguerreiroslusitano‑galaicosepigrafadas:1,Meixedo,VianadoCastelo;2,SantaCom­ba,RefojosdeBasto,CabeceirasdeBasto;3,SãoJulião,Coucieiro,VilaVerde;4,Rubiás,Bande,Ourense.

Page 3: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações Armando Redentor

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214 197

Fig. 2 EstátuadeguerreirodeMeixedo.

Fig. 3 SequênciafrontaldainscriçãodaestátuadeguerreirodeMeixedo.

Fig. 4 SequêncialateralesquerdadainscriçãodaestátuadeguerreirodeMeixedo.

Fig. 5 IníciodasequênciafrontolateraldainscriçãodaestátuadeguerreirodeMeixedo.

Page 4: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Armando Redentor Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214198

pernadireita(Fig.4);aterceira,em­posiçãofrontolateral,sobreapernaesquerda(Fig.5).Aordem­degravaçãoparecetersidoesta,atentandonofactodeastranslineaçõesassociadasàárealateralesquerdasefazerem­em­funçãodolim­iteesquerdodasequênciadetextogravadanapartefrontaldaestátua,m­asnãoencontram­osargum­entosparadefenderquesetratadeduasinscriçõesdistin‑tas,considerandoacom­plem­entaridadedasdiversaspartes.

desconhece‑se o contexto arqueológico com­ o qual se relaciona a escultura, referenciadadesdeoséculoXV.C.A.B.deAlm­eida(2008,p.231)apresentacom­ocredívelapossibilidadedeprovirdaCitâniadeSantaLuzia,atendendoàsuadim­ensãoeposicionam­entoregional,aspectosquefacilm­entelheconferem­oestatutodelugarcentral,sendoexactam­entepelaexiguidadedospovoadosm­aispróxim­osdeMeixedo,nom­eadam­enteodeVilardeMurtedaeodeAm­onde,quetom­acom­om­enosprovávelasualigaçãoaqualquerum­deles.

Asprincipaispropostas interpretativasparaotextodaestátuadeMeixedoconhecidasatém­eadosdosanosoitenta(CIL2462e5611;Guerra,1882,p.193,1899–1900,p.176;Vasconcellos,1913,pp.49–53)distinguem­‑seapenasem­questõesdeporm­enoreacentuam­oseucarácterfune‑rário,presum­indoousodegenitivonaidentificaçãodoindivíduolem­bradoàcabeçadam­ensa‑gem­epigrafada,queeralidadem­odocontínuo.nestalinha,Tranoy(1981,p.351)suporáareuti‑lizaçãodaestátuacom­om­onum­entofunerário.

Ilustrativam­ente,dam­oscontadosdoisprincipaiscontributosdefinaisdeOitocentoseiní‑ciosdenovecentosrelativosàleituradotexto.Em­CILII2462edita‑seatranscrição:

L·SESTI·CLOdAMEnIS·FL·COROC[O]COROCAVCIVdIVS·[‑‑‑]F·SEMPROnCOnTV[‑‑‑]nS·ETFRATER,

cujodesdobram­entoépropostonosseguintesm­oldes:L(uci)Sesti Clodame/nisf[i]l(ii)Coroc[o]corocauci;/[Ti. Cla]udius[Ti.]f. Sempron[ianus]/contu[bernalis eiu]s et/frater.

J.L.Vasconcellos(1913,pp.51–53),revendoapropostahübneriana,estabelecerá:

L·SESTICLOdAMEnIS·L·LCOROCCOROGAVCIVdIVS·F·SE++FO+ICOnTV+[‑‑‑]VSFCFRATER,

confidenciando,dubitativam­ente,afigurar‑se‑lhenoiníciodasegundam­etadedaquartalinhaasequênciaTCLO.

Um­aviragem­fundam­entalnainterpretaçãodotextofoioperadaporA.C.F.daSilva(Mar‑tins&Silva,1984,pp.40–43),aodistinguirduasáreasepigráficasdistintas(afrontalealateraldireita)quepropõelerseparadam­ente.Assim­,estabeleceparaam­bas:

ClodameCorocaudif(ilio)Se[stio?]

Page 5: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações Armando Redentor

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214 199

L(ucius)·Sesti-us· L(ucii)·l(ibertus?)·Coroc-udiuscontu(bernalis?)frater

Em­suaopinião, tratar‑se‑iadedois textosdistintoscom­cronologiasdiferentes:odaáreafrontal,datáveldaprim­eiram­etadedoséculoI,eodalateral,daépocaflaviana,deixandodeforaapartequeaparecesobreapernaesquerda.

divergim­osdestainterpretação,nãosónãoaceitandoestalacuna,m­astam­bém­aoconside‑raraunicidadedotexto,em­boraconcordandocom­adistinçãodasdiferentesáreasdegravação,que não se reduzem­ às duas consideradas, pois um­a terceira, situada, com­o se disse, na pernaesquerdadoguerreiro,com­pletaoconjunto,com­opertinentem­enteseassinalavanasprim­eirastranscrições(cf.Hübner,1871,p.105;Vasconcellos,1913,p.51).nesteponto,estam­osm­aispró‑xim­osdarecenteabordagem­realizadaporA.RodríguezColm­enero(2002,pp.273–285),em­boranãooacom­panhem­os,com­oseexplanará,natotalidadedaspropostasquefaz.

A autópsia recente que fizem­os ao texto da estátua vianense perm­itiu‑nos estabelecer aseguinteleitura:

P(ublio)Clodam­eo.Corocaudif(ilio)Seau. eo[n]i

L(ucius)Sest‑i.usL(ucii)l(ibertus)Coroc‑a.udiuscontu. (bernalis)fratere.t.

Tu. be.n. e(n)s(es)f(aciendum­)c(urauerunt)

Ainterpretaçãocum­ulativadastrêspartesidentificadasim­põe‑se,resultandoem­textouni‑táriodeleiturasequencial(Fig.6),contrariam­enteaoim­aginadoporRodríguezColm­enero(2002,p.278).

norespeitanteàprim­eira,gravadasoboescudo,oexam­eaquesubm­etem­osotextoalentou‑‑nosaestabelecernestasequênciaaidentificaçãodeum­indivíduoquesehom­enageia,tendoem­atenção a utilização do dativo, contrastandona questão flexional com­ as restantes sequências.Contrariam­enteatodasaspropostasdeleituraanteriores,consideram­osqueoseunom­etem­noinícioaabreviaturaprenom­inalP(ublius),claram­entevincadaporum­ponto,aqualtem­sidocon‑fundidacom­um­I,interpretadoem­funçãodafracçãodetextogravadanapartelateraldaestátua,em­concretocom­opertencenteàterm­inaçãoem­-iusdonomendoindivíduoaíassinalado2.

Aobservaçãoatentadainscriçãoperm­ite,porém­,fazeresteacerto,tantom­aisquealetraquesetem­aíqueridolerépassíveldeserdescortinada,aindaquecom­odesgasteresultantedaintensam­eteorizaçãoqueafectaassuperfíciesm­aisexpostasdaescultura,nom­eadam­enteosseuscontor‑noslaterais,nocom­eçodalinhaseguintedasequêncialateral,queseverificajánaretaguardadaestátua,oqueéressaltadoem­decalque.

Page 6: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Armando Redentor Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214200

Fig. 6 TextodaestátuadeguerreirodeMeixedo.

Fig. 7 Porm­enordofinaldal.1dainscriçãodaestátuadeguerreirodeMeixedo.

Page 7: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações Armando Redentor

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214 201

no final da prim­eira linha frontal, após o E, que todas as leituras anteriores consideram­com­oderradeiraletra,num­trechotam­bém­bastantem­eteorizado,adivinha‑seocontornocircular,extrem­am­ente ténue,deum­O,dem­ódulo idênticoaosdosrestantesquesecom­provam­nestasequênciadetexto,nom­eadam­enteasuam­etadedireita(Fig.7);talidentificação,além­dereque‑ridaem­funçãoda interpretaçãoquesustentam­osparaoseguim­entodotexto,nom­eadam­enteparaaterceiralinha,perm­ite,dopontodevistadaordinatio,odelineam­entodeum­adistribuiçãodestapartedainscriçãoem­funçãodoeixodesim­etriadapeça.

na leitura da terceira linha tam­bém­ nos afastam­os das anteriores edições, parecendo‑nosm­aisrigorosointerpretaraterceiraletracom­oAenãocom­oR(cf.Vasconcellos,1913,p.51;Rodrí‑guez,2002,p.279),em­boranãotenham­osevidênciaclaradaletraseguinte,aqualtom­am­osporVem­ função do espaço disponível e das im­plicações que sobre ele têm­ os perfis das letras que oenquadram­;consequentem­ente,apropostadeleituram­aisplausívelim­plica,em­nossoentender,um­antropónim­o,atéagoraindocum­entado,Seaueo.

Interpretam­os, assim­, a sequência de texto frontal com­o correspondente a um­a estruturaonom­ásticatrinom­inal,àm­odalatina,m­ascom­inclusãodopatroním­iconafiliação,em­vezdohabitualpraenomenem­sigla,paraaqualserecorreuaodativo.Ogentilício,em­queressaltaater‑m­inação m­enos usual em­ ‑eus, poderá entender‑se com­o de form­ação patroním­ica baseada em­nom­e indígena, estando essa com­posição derivativa claram­ente docum­entada na onom­ásticaautóctone.Aform­asonorizadadoantropónim­oClodameusassocia‑seàform­areduzidaClot-doradical Clout-, tendo provavelm­ente a sua raiz no IE *kleu- ‘o que se ouve, célebre, fam­a’ (IEW,pp.605–607),conform­epropostadeAlbertos(1966,p.89),relacionando‑secom­oâm­bitogalaico‑‑ástureareduçãode-ou-aovocalism­o-o-(Vallejo,2005,p.286).Apresentasufixo-amo-procedentedosuperlativo*-m. mo- (cf.Albertos,1966,p.295;Vallejo,2005,pp.599–601),podendo,nocasovertente,conservaressevalor,esufixaçãosecundáriaem­-e-(cf.Vallejo,2005,pp.547–548).Estam­esm­aderivaçãoem­-e-pareceacontecernohápaxcognom­inalSeaueo.

Opatroním­icoénom­ecom­postocujoprim­eiroelem­entocorrespondeaoIE*koryo-ou*koro-‘guerra,exército’(IEW,pp.615–616),conform­etem­sidopostoem­relevopordiversosestudiosos(Albertos,1966,p.96;Prósper,2002,p.62;Vallejo,2005,p.294).Osegundoquiçáse relacionecom­oIE*ka–u“bater,cortar’(IEW,p.535),basedoverbolatinocu–do–, -ere ‘bater,espancar’,edeterm­oscom­ocaudex‘troncodeárvore’,caudıca‘tipodebarco’,rem­etendoparaacepçõesrelaciona‑dascom­ocom­portam­entoguerreiro.Outrosnom­espeninsulares,cingidosaoâm­bitolusitano,docum­entam­oradicalCaud-,com­oogenitivoCaudieCaudicus(cf.Vallejo,2005,p.272).Prósper(2002,p.63)haviasugeridorelaçãocom­*kauko- ‘grito’paraum­aform­aCorocauci (cf.Albertos,1966, p.97) há m­uito descartada (Martins & Silva, 1984, pp.40–43; Silva, 1986, p.307) e querem­ontaàleiturapropostanoCIL.

Asegundaeterceirapartesdotextoidentificam­,verosim­ilm­ente,osresponsáveispeladedi‑catória,conform­esedepreendedafórm­uladefecho.

nafacelateralesquerda,háreferênciaaum­indivíduoque,dopontodevistaonom­ástico,seapresenta igualm­ente com­ tria nomina, m­as de estatuto jurídico distinto, em­bora por m­eio deapostoseindiquearelaçãoexistentecom­ohom­enageado:L. Sestius L. l. Corocaudiusdiz‑secontuber-nalisefrater.Contrariam­enteaesteterm­oderelaçãofam­iliar,aindicaçãocontubernalissurgeabre‑viada.Ogentilíciodesteindivíduoéclaram­entelatinoepoucovulgarem­solohispânico(cf.Abas‑cal, 1994, p.221), sendo de destacar a sua correspondência com­ o de L. Sestius Quirinalis, actorim­portantenaconquistaepacificaçãodonoroeste(cf.Tranoy,1981,pp.148–149).Ocognom­eéindígenaecoincidecom­opatroním­icodeP. Clodameus Seaueo.AleituraCorocaudius,tam­bém­sus‑tentadaporRodríguezColm­enero(2002,p.279),enãoCorocudius,com­oestabeleceuA.C.F.da

Page 8: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Armando Redentor Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214202

Silva(Martins&Silva,1984,p.41),écom­provávelpelaexistênciadeténuevestígiodoAnoiníciodal.3,distintam­enteapreciávelem­decalque,quedestam­aneiraquasesealinhacom­aanterior,talqualainterpretam­os.

Paraafracçãodotextogravadanapernadireita,cujaligaçãoàanteriorévincadaporm­eiodeconjunçãocolocadanofinaldam­esm­a,edequeseconservam­escassosvestígios,estabeleceuRodrí‑guezColm­enero(2002,p.279)aleituraTubine(n)s(es) f. c.Foiexactam­enteesteinvestigadorque,pelaprim­eiravez,apresentouum­apropostacoerenteparaainterpretaçãodapartedotextogravadanessesector,daqualanteriorm­enteapenashaviasidolidoorem­ate,correspondenteàfórm­ulaeàterm­ina‑çãodonom­equeaantecede(cf.Vasconcellos,1913,p.51),quandonãoseignorou(cf.Martins&Silva,1984,p.41).Estapartedainscriçãoé,talvez,devidoàsparticularm­entedeficientescondiçõesdeconservação,am­aisproblem­ática.Asm­aioresdúvidasinstalam­‑seaoníveldoterceiroequartocaracteres:quantoaoprim­eirodestes,podem­oshesitarentreBed,m­asosresquíciosconservadosparecem­adaptar‑sem­elhoraum­B;oespaçoqueaseguirsobejaébastanteestreitoeapenasadaptá‑velaum­Iou,em­alternativa,aum­E,considerandoqueoquesegravouapósonédelgadíssim­o,quasenãosedistinguindoassuasbarras,sendoam­aisnítidaasuperior.

Seguindooresultadodaautópsiapornósrealizada,propom­osligeiracorrecçãoàleituradeRodríguezColm­eneroporviadaconstataçãodevestígiodetraçoperpendicularàhasteinterpre‑tadaporesteautorcom­oI,equecorrespondeàbarrasuperiordeum­E,estabelecendoonom­edocolectivopopulacionalem­Tubene(n)s(es).

Concordam­oscom­elequandoequiparaogrupopopulacionaldocum­entadonoguerreirovianenseaoscolectivosdainscriçãodoguerreirodeCabeceirasdeBasto,queadiantecom­entam­os,podendoestereferir‑seaum­povoadocujonom­ebem­poderiaser*Tubenaou*Tubenum.

Considerandoqueatendênciarastreávelaoníveldosadjectivospátrioscom­sufixaçãolatina-ensiséaperdadosom­nasal,com­oseconstatacom­frequênciaporentreadocum­entaçãoepigrá‑fica,parece‑nospoucorazoávela interpretaçãodonom­ecolectivocom­oTuben(s)es, registoquejustificariaparaopovoadoum­nom­e*Tube,àsem­elhançadeoutrostopónim­osdafachadaatlân‑ticadonoroesteem­queoradicalnãosofrealongam­entoetêm­aterm­inação-e,com­oCaleouTude,em­boratam­bém­fossem­form­asplausíveis *Tubumou*Tuba.

Apropósitodotopónim­o,lem­bram­osaexistênciadeum­Tuben oppidumnaTunísia(Plin.,N.H.,5,37)quepoderáoriginar‑senum­am­esm­aetim­ologia,possivelm­entenoIE*thuba–‘eleva‑ção,colina’(IEW,p.1080),com­aqualtam­bém­serelacionaráoterm­olatinotuber‘tum­or,excres‑cência’.

Apropostadeleituradatotalidadedotextorecentem­enterealizada,culm­inandosubsequen‑tesacertos,porA.RodríguezColm­enero(2000a,2000b,2002),equetem­osvindoacom­entar,

L(ucius)·Sesti-us L(ucii)·l(ibertus)·Coroc-audius (et)

ClodameCorocaudi·f(ilia)·Serdeo Gl-ano·Ucci·f(ilio)·p(osuerunt)

contube(rnalis)frateret·

Page 9: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações Armando Redentor

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214 203

Tubine(n)s(es) f (aciendum) c(urauerunt),

apesardecom­pletam­ente inovadora,ultrapassaarealidadeda inscrição,aoquerervernapartefrontaldotextoum­aquartalinhaquenospareceinverosím­il.É­‑o,querdopontodevistaepigrá‑fico,atendendoàescassezdoespaçodisponível,im­plicandooesm­agam­entodessalinhanabordadarepresentaçãodosaio,eàpoucoclaraidentificaçãodecaracteresnessealinham­ento(com­osecom­provapelosdiferentesajustesapresentadosparaessalinhanosdiferentesartigosquepubli‑cou),querdointerpretativo,poisdestam­aneiracom­plexificadem­odosupérfluoainterpretaçãodoconjuntodotexto,aoterdeforçosam­entem­esclarasváriaspartesparachegaraum­aversãom­inim­am­entecom­preensível.

3. O guerreiro de Santa Comba (Refojos de Basto, Cabeceiras de Basto)

OguerreirodeSantaCom­ba(Calo,2003,pp.23–24,n.º28;Fig.8)apareceunosiníciosdosanos80doséculotransactonasim­ediaçõesdopovoadofortificadohom­ónim­o3,com­oqual,pro‑vavelm­ente,serelaciona.

Adisposiçãodotextoapresenta‑seem­V,adaptadaàm­etade inferiorda caetra, resultandointersectadaaprim­eiraregrapelafiguraçãodoum­bo(Fig.9).Aleituraqueapurám­osnaanáliseautóptica realizada é concordante com­ a recente proposta de revisão avançada por RodríguezColm­enero(2002):

‘Ar’tificesCalubrigens‑esetAbi‘a. n’ie.n. (ses)f. (aciendum­)c(urauerunt)

Asprim­eirasleituraspublicadas(Alm­eida,1981,p.115,1982,pp.82–84;Silva,1981–1982,pp.89–90,1982,pp.80–82,1986,p.308,n.º554=Icon.10/Epig.3;Calo,1983,pp.159–185;Tra‑noy,1988,p.223,n.22)divergem­,todavia,desta,residindoapenasnaterceiralinhaasdiferenças,dequedecorrem­naturaisim­plicaçõesinterpretativas.ParaasequênciaquesesegueaArtifices / Calubrigen/ses,C.A.F.deAlm­eidapropôset Abianis,e,notrabalhosubsequente,Abinis,aceitandoaexistênciadeduasentidadesapar,eA.C.F.daSilvae(x)s Albinis,entendendoosCalubrigensesden‑trodeum­grupom­aisam­ploqueseriam­osAlbini,tom­adoscom­opopulus,sugestãodepoisacolhidaporJ.Alarcão(1992,pp.64–65,1998,pp.54–55),considerandoaposteriorconversãoem­ciuitas.Calosustentaaprim­eirapropostadeleituradeAlm­eida,defendendoasuarazoabilidadeinterpre‑tativaegram­atical,enquantoTranoyoptapelaconsideraçãodeum­aabreviaturaAbianis(enses).

Asdiferençasexpostas relativam­enteaonom­edasegundaentidade residem­sobretudonavalidaçãoounom­enosprezodedeterm­inadosporm­enores,quepodem­redundar,ounão,noaco‑lhim­entodedeterm­inadosnexos.Todavia,pelaautópsiaquerealizám­os(beneficiáriadeilum­ina‑çãorasante,quernatural,querartificial)nãopartilham­osdocepticism­odeA.Guerra(1998,p.102)relativam­enteàsdificuldadesdestaquestão,parecendo‑nospoder‑sedesam­biguarasreservasporelelevantadasrelativam­enteàexistênciadessasuniões(Fig.10).

Em­prim­eirolugar,aduplaposiçãodeC.A.F.deAlm­eidaassentanaaceitaçãoeposteriornegaçãodonexoAn.É­,porém­,fortem­enteplausívelasuaexistência,com­oindiciapequenadepres‑sãohorizontalentreasduasprim­eirashastes.Porseuturno,onexoALpropostoporA.C.F.da

Page 10: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Armando Redentor Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214204

Silva (1981–1982, p.90) para esta m­esm­alinhaé, em­nossoentender,dem­aisdifíciladm­issão,porum­lado,pelaexiguidadedapretendida barra e, por outro, pelo inusi‑tadodasualigaçãoàhasteesquerdadoA,enãoàdireita,sendoestaaraizdeum­asuges‑tão Labinis que chegou a form­ular Alarcão(1992,p.64).

dom­esm­om­odo,nãoéadm­issívelalei‑turadoquartocaracterdesta linhacom­oS,pois com­ m­ais facilidade se identifica com­um­T,debarracurtaedescentrada.Estadiver‑gênciaacentuadaporA.C.F.daSilva,além­dedificilm­ente se coadunar com­ o registo epi‑gráfico, resultaria ainda bizarra, sabendo‑sequeom­aishabitualnaescritaepigráficaéorecursoagrafiashipercorrectas,que,nocaso,im­plicaria a form­a exs, acrescendo que om­odo de indicação de proveniência defen‑didonãoencontraecoem­exem­plosconheci‑dos,com­ojáexpôsGuerra(1998,p.101).

Tam­bém­aletraquetem­sidosistem­ati‑cam­ente identificada com­o S no final dalinharevelaadaptar‑sem­elhoraodesenhodeum­E,com­odiscerniuRodríguezColm­enero(2002,p.270)4.nesteparticular,oquem­aisse evidencia é um­a haste vertical, que nãopode confundir‑se com­ o traçado de um­ S,cujaligaçãoligeiram­entearredondadacom­abarrasuperiortem­paralelonosrestantesEE,sendotam­bém­identificávelabarracentral.Aquiloquelevouinvestigadoresanterioresàadm­issãodacurvaturainferiordeum­S,cujotraçadoresultariasem­preatarracadoedisso‑nante relativam­ente aos congéneres, nãoparece passar de beliscadura vertical com­exactoparalelom­aisaolado.

Por últim­o, à direita deste caracter,vislum­bram­‑se ténues vestígios do que, em­consequência da anterior leitura de um­ E,podem­osatribuiraovérticesuperiordeum­n, necessariam­ente incom­pleto devido àquebraduradorebordodacaetrae,possivel‑m­ente, de dim­ensão inferior, m­ais conso‑nantecom­adasletrasdalinhaseguinte,naqualapenassegrafouem­siglaafórm­ulaf. c.Fig. 8 EstátuadeguerreirodeSantaCom­ba.

Page 11: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações Armando Redentor

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214 205

Fig. 9 Porm­enordainscriçãodaestátuadeguerreirodeSantaCom­ba.

Fig. 10 TextodaestátuadeguerreirodeSantaCom­ba.

Page 12: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Armando Redentor Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214206

Trata‑sedeinscriçãoque,em­nossoentender,identificaosdedicantesdaescultura,nom­ea‑doscom­oartifices.Esteterm­o,deusocorrentenaépocaim­perial,designagenericam­entequalquerindivíduoquedom­inaum­aars,istoé,quetem­um­ofício,nãoseajustandoaum­aform­aespecíficadetrabalhoartesanal(Gim­eno,1988,p.7).

OadjectivopátrioCalubrigensisrem­eteparaum­topónim­oCalubriga.docum­entando‑seum­a*CalubriganoespaçoterritorialdosGigurri,conform­eoregistodeinscriçãodeACigarrosa(CILII2610+HEpOl,8421),naqualserefereum­Pompeius Reburrus, Gigurrus Calubrigensis,poder‑se‑iaentenderqueoscalubrigensesdedicantesdaesculturafossem­daíprovenientes,ocasionandopen‑sarnum­grupodeem­igradosouem­artistasitinerantes,em­borasejam­aisplausívelquefossem­procedentesdeum­outrolocalcom­am­esm­adenom­inaçãotoponím­ica,provavelm­entesituadonum­ âm­bito geográfico não dem­asiado distante do local de achado (cf. Alm­eida, 1982, p.83;Calo,1994,p.280,n.1;Guerra,1998,p.376;Rodríguez,2002,pp.270–272).Otopónim­oem­-brigatem­possivelm­entecom­oprim­eiroelem­entooradicalCala-,talcom­oCallaecia,com­passa‑gem­de-a-a-u-antesdelabial(Unterm­ann,1992,p.383;Guerra,1998,p.376).Apropósitodeantroponím­iaàqualaparentem­entesevinculaom­esm­oradical,Albertos(1966,p.72)propôsqueestarem­ontasseàraizIE*kal-‘duro’(IEW,pp.523–524).Evisandooetnónim­oCallaeci,Búa&Guerra(1999,p.335)defendem­um­aderivaçãoapartirde*Kalla‑<*kalna‑<*kl.na‑‘m­ontanha,outeiro’,opçãocriticadaporPrósper(2002,p.179–180),que,em­alternativa,sugereorecursoaum­aetim­ologia*kl.ni- (ou*kl.si)‘bosque’,sem­rejeitarum­abasehidroním­ica*kal-defendidaporVillar(2000,pp.314–317).

Porseulado,Abianien(ses)poderem­eterparaum­topónim­o*Abiania ou,com­opropõeRodrí‑guezColm­enero(2002,p.272),*Abianium,queconsideracorresponderaum­castellum,talcom­o*Calubriga.devepoderaproxim­ar‑sede*ab-/*ap-‘água’(Guerra,1998,p.250),raízesbastantepro‑dutivasquerem­term­osdeantroponím­ia,querdetoponom­ásticaeteoním­ia(cf.Prósper,2002,pp.93–94). A localização deste lugar, à falta de outros testem­unhos toponím­icos, propende aentender‑seigualm­entedentrodoâm­bitogeográficolocal.

4. O guerreiro de São Julião (Coucieiro, Vila Verde)

Am­aisrecentedescobertadeesculturadeguerreiroepigrafadacorrespondeaodaCitâniadeSãoJulião(Calo,2003,pp.19–20,n.º24;Fig.11),tendo‑sedadoaidentificaçãoacidentaldosdoisfragm­entosqueacom­põem­num­am­ontoadodepedraspresentenum­adasplataform­asm­édiasdopovoado5,aquandodaprim­eiracam­panhadeescavaçãorealizadapelaUnidadedeArqueologiadaUniversidadedoMinhoem­1981(Martins&Silva,1984,pp.31–32).nasuperfíciedacaetra,apre‑sentatrêslinhasdetexto,com­oum­boentrem­eandoasduasprim­eiras(Fig.12),cujaleituraéaseguinte:

‘Ma’lceinodouilonisf(ilio)

Resum­e‑seainscrição,quenãolevantadificuldadesm­aioresdeleituraapesardodesgastedasuperfícieepigrafada,aum­aestruturaonom­ásticadetipoperegrino,com­idiónim­oem­dativo,seguidodopatroním­icoedaabreviaturadoapostofilius,queidentificaráopersonagem­cujaindi‑vidualidadeseplasm­aránoregistoescultórico.

Page 13: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações Armando Redentor

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214 207

Fig. 11 EstátuadeguerreirodeSãoJulião(fotografia:ManuelSantos/ArquivodoMuseud.diogodeSousa).

Page 14: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Armando Redentor Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214208

norespeitanteàonom­ástica, foi já salientadooseuceltism­oeadequaçãoà figuradeum­chefeguerreiro(Martins&Silva,1984,p.36),tendo‑sereveladobasilarparaestainferênciaaaná‑liselinguísticacunhadaporM.ªL.Albertosparaosnom­esem­questão.

Relativam­entea Malceinus,considerouestaautora(Albertos,1966,pp.279–280),naesteiradePalom­ar(1957,p.115),tratar‑sedeform­açãocom­postacom­oelem­ento‑genos‘filho,descendentede’,definindo‑lhecarácterpatroním­ico,tipicam­enteindo‑europeiaefrequentenoâm­bitocelta,nocasovertentecom­asparticularidadesdeapresentarensurdecim­entoeinfecção,edenãopos‑suirvogaldeligaçãoentreosdoiselem­entos.Em­consequência,apropostaetim­ológicadeAlber‑tos (1966,p.145)paraoprim­eiroelem­ento, seguindoKrahe (1955,p.588), rem­ete,em­term­ossem­ânticos,paraum­sentidoorográfico,tendoem­contaoalbanês mal‘m­ontanha’,orom­enomal‘m­argem­,m­onte’,oletãomala‘m­argem­,bordo’,em­consonânciacom­oIE*mel‑,*mel ‑‘aparecer,levantar‑se’(IEW,pp.721–722).

Recentem­ente, Luján (2007, p.250), acentuando a celticidade de Malgenus, relaciona estenom­ecom­oirlandêsmall‘lento’enom­esgalosem­Mal‑.

Considerandoalgum­asparticularidades,com­oareferidaausênciadevogaldeligaçãoentreosdoiselem­entoscom­positivoseadistribuiçãoafastadadonúcleogeográficodosnom­esem­ -genos,Vallejo(2005,pp.345–346)põeem­dúvidaquesetrate,efectivam­ente,deum­nom­ecom­‑posto,equacionandotratar‑sedeform­aderivadaapartirdeum­radicalmalg-/malc-,quecolocaem­relaçãocom­onom­eMalcioequeretroageaum­abase*malg-paracujaetim­ologiasugereoIE*me–lg-‘arrancar,colher,ordenhar’(IEW,pp.722–723)ou*melgh‘inchar’(IEW,pp.723–724),construídasobreum­grauØdaraizml.g‑queproporcionariaodesenvolvim­entointerconsonânticoadequadoaogrupo*-al-.Corroboraasuahipótesecom­onom­ebrácaroMelgaecus(CILII2435e2426),cujaderivaçãoem­*-aiko-surgeevidente.

Fig. 12 Porm­enordainscriçãodaestátuadeguerreirodeSantaCom­ba(fotografia:ManuelSantos/ArquivodoMuseud.diogodeSousa).

Page 15: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações Armando Redentor

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214 209

Trata‑sedeum­nom­equasequeexclusivam­entedoâm­bitolusitano,com­diversascam­biantes(Vallejo,2005,p.345;Abascal,1994,pp.410–411),tendoaform­aregistadanestainscriçãooutrotestem­unhopeninsularocíduoem­CeloricodaBeira(CILII424+HEp2,792).

Paraaform­aantroponím­icaDouilo,correspondenteaopatroním­ico,talcom­oparaoutrascom­ o m­esm­o radical, nom­eadam­ente Douiterus, Douitena ou Douaecia, Albertos (1966, p.108)inclina‑seaaceitararelaçãocom­oceltadouis‘forte,bom­’,doIE*deu‑(ou*dou-),*du-‘serforte,venerar algo’ (IEW, p.218). Luján (2000, p.83) conjecturou um­a base a partir da raiz *dheubh-‘negro,escuro’(IEW,p.263)ePrósper(2002,p.417)relacionaosnom­espeninsularesquetêm­em­com­um­oradical*dowcom­osogâm­icosdebasedou-,recorrendoàm­esm­aetim­ologia.Em­revisãoaestescontributos,Vallejo(2005,p.309)concluipelam­aioradm­issibilidadedapropostam­aisantiga.

Onom­eem­questãotem­distribuiçãopreferencialnaárealusitano‑galaica,aopassoqueaantroponím­iarelacionadacom­as form­asbásicas Douit- eDobit- seconcentranasáreasástureelusitanasetentrional,com­extensõesceltibéricas(cf.Vallejo,2005,pp.303–307).

5. O guerreiro de Rubiás (Bande, Orense)

Ainscriçãoanteriortem­claroparalelonadoguerreirodocastrodeRubiás6que,apesardesedesenvolverem­apenasduas linhas,seresum­etam­bém­aum­aestruturaonom­ásticadom­esm­otipo,igualm­entecom­oidiónim­oem­dativo.EstaesculturafoireferenciadanodealbardoséculoXVII,sabendo‑sequeoletreiroestavaabertonoescudoredondocom­um­bocentral(Castellá,1610,fl. 159v). Encontra‑se desaparecida, em­bora a literatura arqueológica de novecentos não tenhaenjeitadoapossibilidadedeacabeçadeestátuadescobertaem­1935em­Rubiáscorresponderaoguerreiroepigrafado(cf.Calo,1994,pp.409–414,2003,p.17,n.º21).

Apesardealeituraquetem­sidoeditada(CILII2519=ILER 2226)corresponderaAdrono / Veroti f(ilio),julgam­osquealição,porrazõesepigráficaseonom­ásticas,deverásercorrigidapara:

[L]adronoVerotif(ilio)

Estaproposta repousanum­aevidência incontornávelqueo trabalhoderevisãoepigráficaquetem­osvindoarealizarnoâm­bitodaáreagalaicabracarensem­anifesta:adenãohaverprovaindubitáveldeum­aform­aantroponím­icaAdronus.Relativam­enteàsatestaçõesreferenciadasparaaquelaform­a(cf.Abascal,1994,p.258),verifica‑sequenoúnicocasoem­queépossívelaanáliseautópticaem­virtudedaconservaçãodosuporteepigráfico(AE1983,583)pudem­oscorrigiralei‑turaparaLadronus7.QuantoaCILII2430b,sabem­osporArgote(1732,livro2,cap.2,p.258)queosuporteseencontravaquebrado,deduzindo‑sepelotextotransm­itidoasuaincom­pletudenoladodireito,conform­eseilustranoCIL,m­asnadanosasseguraqueoiníciodaprim­eiralinhanãoestivessetam­bém­m­aculado,peloque,objectivam­ente,serám­aisadequadopresum­irqueaform­aantroponím­icanãoestácom­pleta,atendendoaquetem­osonom­e Ladronusm­últiplasvezesdocu‑m­entadononoroestee,em­concreto,noespaçobrácaro.

no caso da inscrição ourensana em­ apreço é, do ponto de vista epigráfico, perfeitam­enteexplicávelafalhadocaracterinicialdevidoaqualquerlascaduraoum­ossa,oum­esm­odesgaste,norebordo da superfície circular da caetra, tendo em­ conta a verosím­il distribuição horizontal dotexto,àsem­elhançadoqueseverificanaspeçasdeVilaVerdeedeRefojosdeBasto.Entender‑se‑á

Page 16: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Armando Redentor Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214210

queelanãotenhasidooriginalm­enteequacionadaem­virtudedaincipiênciadosconhecim­entosonom­ásticosdaépocaem­quefoireportadaaescultura.

nestem­esm­osentido,haviam­jáopinadoA.C.F.daSilva(Martins&Silva,1984,pp.38–39)e,m­aisrecentem­ente,RodríguezColm­enero(2002,p.267),em­boraapenasaduzindoafrequênciadonom­eLadronus,aindaqueoprim­eirosugiratam­bém­aadequaçãosem­ânticadoantropónim­o,querelacionacom­afunçãoguerreira,porcom­paraçãocom­olatim­latro,naacepçãoindirectade‘guerrilheiro’.

Todavia,Albertos(1964,p.249)expressouincertezaquantoànaturezadonom­eLatro,nom­e‑adam­entequantoaeventualrelaçãocom­aqueleapelativolatino,tom­andoLatron(i)uscom­oseuderivado.EsealatinidadedeLatroém­aisaceitávelem­funçãodasuadispersão,tantoLatron(i)us,com­o Ladronus e Latrius têm­ existência restringida ao âm­bito lusitano‑galaico (Vallejo, 2005,p.326).Apropósitodoúltim­onom­e,Albertos(1964,p.249)relacionouoradicalem­questãocom­o IE *pel , *pla– ‘largo e plano’ (IEW, p.805), com­ correlatos no antigo irlandês la–thar ‘lugar’(*pla–-tro-)enogalêsllawdr‘calças’.Contudo,talveznãosejaim­possívelquetodospartilhem­um­am­esm­a base etim­ológica IE *le–(i)- ‘dar, posse, obter, possuir’ (IEW, p.665), presente no gregoλa′τρου‘salário,soldo’,com­queserelacionaolatim­latro–‘m­ercenário’,ounoantigoislandêsla–d–‘propriedade’.

À sem­elhança do constatado com­ outra onom­ástica patenteada nas anteriores inscrições,tam­bém­aform­agenitivaVeroticonstituium­hápax,quesedeveráaproxim­ardeoutraantroponí‑m­iaindígenacom­om­esm­oradical,com­oVironus,Virius,Viriatus...queVallejo(2005,p.452–456),repassando diferentes contributos etim­ológicos, considera poder entroncar num­a m­esm­a raiz* uiro-s‘varão’(IEW,p.1177).

6. Nota final

Aanálisedostextosapresentadosperm­itea identificaçãodealgum­as linhasdeforçacom­interesseparaadiscussãodepautascronológicasedosignificadodestetipodeestatuária,tem­á‑ticaque,com­oreferim­os,detalhadam­enteapresentam­osnasactasdoX Colóquio Internacional sobre Línguas e Culturas Paleo-Hispânicaseque,porisso,nãoporm­enorizarem­osnestaocasião.

Quantoàcronologiados textos, apesarde serm­atériadelicada, tem­osporaceitávela suaintegraçãonaprim­eiram­etadedoséculoId.C.ou,nocasoconcretodoreferenteàestátuadeSantaCom­ba,om­aistardarnosseusm­eados.

Paraa inscriçãodoguerreirovianense foiHübner (1871,p.107)queem­prim­eiropropôs,com­basenum­critérioexclusivam­entepaleográfico,um­adatação,atribuindo‑aàsegundam­etadedaprim­eiracentúriad.C.,quandom­uitoaoim­perialatodenero.destepontodevista,nãovem­osinconvenientenum­aintegraçãoclaranaépocajúlio‑claudiana,em­concretonaprim­eiram­etadedacentúria.AabreviaturadelibertusreduzidaàinicialreforçaadataçãonoséculoId.C.,m­asnãoauxilianodetalhecronológico.

Apenasacepçõeshistóricasnospodem­confortarasugestãopaleográfica.nom­eadam­ente,aaceitaçãodacoincidênciahistóricadeidentificaropatronodeL. Sestius Corocaudiuscom­L. Sestius Quirinalis,governadordaLusitâniaqueterátidointervençãonoprocessodeorganizaçãodonoro‑esteentre22e19a.C.,queésustentadanacom­unhãodosm­esm­ospraenomenenomenefoisuge‑ridaporTranoy(1981,pp.327,351),em­boracom­interpretaçãodotextodivergentedanossa.dequalquer m­odo, m­esm­o não se tratando daquele senador, é bastante plausível que o patronopudesseseralguém­engrenadonom­ovim­entodeconquistaepacificaçãom­ilitar,com­osustenta

Page 17: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações Armando Redentor

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214 211

RodríguezColm­enero(2002,p.285),sobretudotendoem­consideraçãoasingularidadedogenti‑lícioem­causa.Hipoteticam­ente,talveztam­bém­devêssem­oscontabilizarafavordeum­acronolo‑giaaltadestesm­onum­entoscom­inscriçãoasuaescassez,plausivelm­entedecorrentedeincipientepenetraçãodaspráticasepigráficasnoseiodascom­unidadesindígenase,consequentem­ente,doseudom­ínio.

Ainfluênciadaderivaepigráficaquesereconhecenestam­inoriadeestátuashaveráquebuscá‑la,em­nossoentender,noprogram­aepigráficooficialquesevailevantandoem­Bracara Augustaàsem­elhançadoqueocorrenasrestantescapitaisconventuaisdonoroeste.Aem­ergênciadaepigra‑fiaprivadaterásidoum­processom­enosprecoce,m­asdesdeosfinaisdoséculoIa.C.tem­osnacapitalbrácaraum­conjuntodededicatóriasdinásticas,aAugustoeoutroselem­entosdafam­íliaim­perial,ondesurgem­,porexem­plo,osBracaraugustanicom­odedicantes,ou,poucom­aistarde,negotiatores,em­hom­enagem­aC. Caetronius Miccio(cf.Tranoy,1980,pp.69–71).Anaturezaeestru‑turadasm­ensagenspatentesem­algum­asdestasepígrafesabonam­nestesentido,setiverm­osem­contaasuareduçãoànom­eaçãodospersonagens,em­dativo,eàm­ençãodecolectivospopulacio‑naisougruposprofissionaisenquantodedicantes,com­osugestivam­enteaconteceem­AE1974,392eCILII2423+AE1966,186,inscriçõesrespectivam­entedatáveisentre‑12/4e42/44.

deacordocom­oconteúdodasepígrafesdosguerreirosqueexpom­os,seráadequadopensar‑‑sequecadaesculturanãorepresentasim­plesm­enteum­tipo,m­astem­oobjectivoderecriardopontodevistaplásticoum­indivíduoconcreto,enquantoverdadeiroretrato,com­odefendem­,porexem­plo,Tranoy(1988,pp.223–225),A.C.F.daSilva(2003,p.47)eAlarcão(2003,p.120),nocasodasesculturasepigrafadas,eCalo(1994,p.687),equeessaobrarevestiráum­carácterhono‑rífico,desseláveldaflexãoescolhidaparaaindicaçãoescritadasuaidentidadeedom­odeloartís‑ticoeleito.

Com­excepçãodotextodoguerreirodeSantaCom­ba,osrestantesidentificam­essasindivi‑dualidades(P. Clodameus Corocaudi f. Seaueo;Malceinus Douilonis f.;Ladronus Veroti f.),querreduzindo‑se a isso a m­ensagem­, com­o acontece nas inscrições associadas às esculturas de Rubiás e deSãoJulião,queracrescentando‑sealgom­aissobreocontextodaacçãodedicatória,com­oilustraaepígrafedodeMeixedo,entrevendo‑se‑lhesprogressõescívicasdiferenciadas.

Ese,porum­lado,autilizaçãododativoassociadaaosnom­esgravadosnapartefrontaldasestátuasdeMeixedo,deSãoJuliãoedeRubiás,com­oapontám­os,nãonosparececonsentâneacom­aatribuiçãodecarácterfunerárioàsinscrições,peseem­boraorecursodocum­entadoàfór‑m­ulaf. c.,poisocasoem­questãonãoéhabitualem­textosfuneráriosdecronologiatãotem­porãcom­oaquecuidam­osplausívelparaestasepígrafes,poroutro,a interpretaçãodostextoscom­indicaçãodosdedicanteseaquelafórm­ulaparece‑nosincom­patívelcom­aideiadeosuporteescul‑tóricotersidoreaproveitadoparagravaçãodasepígrafes,com­otêm­pretendidováriosinvestiga‑dores(Maluquer,1963,p.68;Taboada,1965,p.12;Tranoy,1981,pp.327,351;Calo,1994,p.672;Koch,2003,p.81).

Em­síntese,tem­osporpoucoadequadaaideiadoreaproveitam­entopuroesim­plesdasestá‑tuasepigrafadas,adm­itindoque,m­esm­oquepossam­nãotersidoplaneadosem­conjuntosuporteetexto8,hápelom­enoscom­plem­entaridadedeobjectivosentream­basaslinguagens,nãodevendoestardistanciadasnotem­poasacçõesqueasproduziram­,sendo,porém­,sustentávelasuasim­ul‑taneidadeporviadafórm­ulaquefinalizadoisdostextos.Eem­alternativa,nãosedescuraapossi‑bilidadedeainscriçãotersidoagregadaàrepresentaçãoescultóricaprópriadedeterm­inadoindi‑víduonasequênciadasuam­orte,nãocom­oepitáfio,m­ascom­ohom­enagem­,perpetuandopelaescrita,nahistóriaem­itologiacom­unitárias,a identificação,pelonom­e,dopersonagem­atéaíplenam­enteidentificávelnoretratoesculpidorealizadoem­vida.

Page 18: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Armando Redentor Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214212

NOTAS

* Bolseirodedoutoram­entodaFundaçãoparaaCiênciaeaTecnologia(FCT)/FaculdadedeLetrasdaUniversidadedeCoim­bra(FLUC);InvestigadordoCentrodeEstudosArqueológicosdasUniversidadesdeCoim­braePorto(CEAUCP).Endereçoelectrónico:aredentor@gm­ail.com­.

1 Otrabalhofoidesenvolvidonoâm­bitodoProjectodeInvestigação“CiuitasyreligioenelnoroestehispánicoII:interacciones,sincretism­oseinterpretatioenelpanteónprovincial”(HAR2008‑00358/HIST),financiadopeloMinisteriodeCienciayInnovación,direcciónGeneraldeProgram­asyTransferenciadeConocim­iento.

2 AsfotosdainscriçãopublicadasporA.C.F.daSilva(Martins&Silva,1984,estam­paV),naproduçãodasquaisseutilizouom­étodobicrom­ático,corroboram­partedestaevidência,sendoaíbem­visívelodesenhodoPacom­panhadodeponto.

3 Estepovoado,com­oqualprovavelm­enteserelacionaaestátua,apresentaduasplataform­asam­uralhadasaqueseassocia,navertentesudeste,um­aterceira,delim­itadaportalude;oespólioobservávelàsuperfíciereduz‑seafragm­entosdecerâm­icarom­ana,com­um­edeconstrução(tegulae),edecerâm­icadetradiçãoindígena(Carvalho,2008,2,p.36,n.º3041402).

4 Estaevidênciaétam­bém­apreciávelnoregistofotográficodaaplicaçãodom­étodobicrom­áticopublicadoporA.C.F.daSilva(1981–1982,est.IV,2).

5 ACitâniadeSãoJulião,localizadanolim­itedasfreguesiasdePonteedeCoucieiro,tem­um­aocupaçãoduradourainiciadanoBronzeFinal(séculosX/IXa.C.),com­buracosdeposteelareirasnapartem­aisalta,equeseprolongaatéaoséculoIIId.C.;aarquitecturadefensivadopovoadoécom­postaportrêslinhasdem­uralhaeum­aquartafortificaçãoanordesteeeste(Martins,1990,p.97,n.º104;Carvalho,2008,pp.57–58,n.º3131101).

6 Trata‑sedeum­povoadoem­esporão,sobranceiroaorioCadós,afluentedoLim­a,com­fossonocolodeacesso,sobreoqualsedesenvolveparcialm­enteoaglom­eradohom­ónim­oactual,im­pedindoacaracterizaçãodaestruturaam­uralhada;oespólioassociadoaosítiodocum­entaforteocupaçãonasduasprim­eirascentúriasd.C.(Calo,1994,p.403).

7 Aleiturapornósestabelecidaem­recenteavaliaçãoautópticaparaestainscriçãoprocedentedolugardePaço,freguesiadeLago(Am­ares),éaseguinte:‘Mate’ r‘n. u’s. /L. adroni/f. (ilius)‘an(n)i’s·u(ixit)·L·.

8 noexem­plardeguerreirolusitano‑galaicocom­vestígiosdeinscriçãodoCastrodoLesenho(Boticas),cujoestudotem­osem­curso(conjuntam­entecom­CarlaBrazMartins,JoãoFonteeGonçaloCruz),ém­anifestaaagregaçãodainscriçãoàsuperfícieescultóricaquehaviaanteriorm­enterecebido

decoração.

BIBlIOGRAfIA

ABASCALPALAZÓn,JuanManuel(1994)‑Los nombres personales en las inscripciones latinas de Hispania.Madrid:UniversidadCom­plutense;Murcia:Universidad.

AE=L’Année Epigraphique.Paris.

ALARCÃO,Jorgede(1992)‑Aevoluçãodaculturacastreja.Conimbriga. Coim­bra.31,pp.39–71.

ALARCÃO,Jorgede(1998)‑Aindasobrealocalizaçãodospopulidoconuentus Bracaraugustanus.Anales de Arqueología Cordobesa.Córdoba.9,pp.51–57.

ALBERTOSFIRMAT,MaríaLourdes(1964)‑nuevosantropónim­oshispánicos.Emerita.Madrid.32,pp.209–252.

ALBERTOSFIRMAT,MaríaLourdes(1966)‑La onomástica personal primitiva de Hispania Tarraconense y Bética.Salam­anca:ConsejoSuperiordeInvestigacionesCientíficas;Universidad.

ALMEIdA,CarlosAlbertoFerreirade(1981)‑novaestátuadeguerreirogalaico‑m­inhoto(RefojosdeBasto).Arqueologia.Porto.3,pp.111–116.

ALMEIdA,CarlosAlbertoFerreirade(1982)‑Um­acartaapropósitodaestátuadeguerreiroRefojosdeBasto:resposta.Arqueologia.Porto.5,pp.82–84.

ARGOTE,Jerónim­oContadorde,C.R.(1732)‑Memorias para a Historia Ecclesiastica do Arcebispado de Braga, Primaz das Hespanhas dedicadas a Elrey D. Joao V.Lisboa:OfficinadeJosephAntoniodaSylva,Im­pressordaAcadem­iaReal.Título1:da Geografia do Arcebispado Primaz de Braga, e da Geografia antiga da provincia Bracarense,tom­o1.

BÚACARBALLO,Carlos;GUERRA,Am­ílcar(1999)‑novainterpretaçãodeum­aepígrafevotivadoPoçodasCortes,Lisboa(EO144‑E).InVILLARLIÉ­BAnA,Francisco;BELTRÁnLLORIS,Francisco,eds.‑Pueblos, lenguas y escrituras en la Hispania prerromana: actas del VII Coloquio sobre Lenguas y Culturas Paleohispánicas (Zaragoza, 12 a 15 de marzo de 1997). Salam­anca:Universidad;Zaragoza:Institución“FernandoelCatólico”,pp.329–338.

CALOLOURIdO,Francisco(1983)‑Arte,decoración,sim­bolism­oeoutroselem­entosdaculturam­aterialcastrexa:ensaiodesíntese.InPEREIRAMEnAUT,Gerardo,ed.‑Estudos de Cultura Castrexa e Historia Antiga de Galicia.SantiagodeCom­postela:Universidade,pp.159–185.

CALOLOURIdO,Francisco(1994)‑A plástica da Cultura Castrexa galego-portuguesa.LaCoruña:FundaciónPedroBarriédelaMaza.

CALOLOURIdO,Francisco(2003)‑Catálogo.Madrider Mitteilungen.Mainz.44,pp.6–32.

Page 19: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações Armando Redentor

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214 213

CARVALHO,HelenaPaulaAbreude(2008)‑O povoamento romano na fachada ocidental doconuentusBracarensis.Braga:UniversidadedoMinho(dissertaçãodedoutoram­entoem­Arqueologia,UniversidadedoMinho).

CASTELLÁFERRER,Mauro(1610)‑Historia del apóstol de Iesus Christo Sanctiago Zebedeo patrón y capitán general de las Españas.Madrid:enlaoficinadeAlonsoMartindeBalboa,todaacostadelautor(...).

CILII–HÜBnER(1869e1892).

GIMEnOPASCUAL,Helena(1988)‑Artesanos y técnicos en la epigrafía de Hispania.Bellaterra:UniversitatAutònom­adeBarcelona.

GUERRA,Am­ílcar(1998)‑Nomes pré-romanos de povos e lugares do Ocidente peninsular.Lisboa:[s.n.](dissertaçãodedoutoram­entoem­HistóriaClássica,UniversidadedeLisboa).

GUERRA,LuísFigueiredoda(1882)‑AestátuacallaicadeVianna. Pero Gallego.VianadoCastelo.1:15(Maio),pp.3–4[–AestátuacallaicadeVianna.Revista de Sciências Naturaes e Sociaes.Porto.4,1886,pp.192–194].

GUERRA,LuísFigueiredoda(1899–1900)‑Vestigiosrom­anosnoconcelhodeViannadoCastello. O Archeologo Português.Lisboa.1.ªsérie.5:6,pp.175–177.

HEp=Hispania Epigraphica.Madrid.

HEpOl=Hispania Epigraphica Online (disponívelem­URL:<http://www.eda‑bea.es/>).

HÜBnER,Em­il(1869)‑Inscriptiones Hispaniae Latinae.Berolini:Georgium­Reim­erum­(Corpus Inscriptionum Latinarum;2).

HÜBnER,Em­il(1871)‑Noticias archeologicas de Portugal pelo Dr. Emilio Hübner: traduzidas e publicadas por ordem da mesma Academia.Lisboa:Typ.daAcadem­iaRealdasSciencias.

HÜBnER,Em­il(1892)‑Inscriptiones Hispaniae Latinae:Supplementum.Berolini:Georgium­Reim­erum­(Corpus Inscriptionum Latinarum;2).

ILER=VIVES(1971–1972).

IEW =POKORnY(1959).

KOCH,Michael(2003)‑dielusitanisch‑galläkischenKriegerstatueninihrem­literarisch‑epigrapischenzusam­m­enhang.Madrider Mitteilungen.Mainz.44,pp.67–86.

KRAHE,Hans(1955)‑Die Sprache der Illyrier.Vol.1:Die Quellen.Wiesbaden:Harrassowitz.

LUJÁnMARTÍnEZ,EugenioRam­ón(2000)‑Sobrelosorígenesdeloscom­parativosindoeuropeusen*-teros.Revista Española de Linguística. Madrid.30:1,pp.77–102.

LUJÁnMARTÍnEZ,EugenioRam­ón(2007)‑L’onom­astiquedesVettons:analyselinguistique.InLAMBERT,Pierre‑Yves;PInAULT,Georges‑Jean,eds.‑Gaulois et celtique continental.Genève:droz,pp.245–276.

MALUQUERdEMOTESInICOLAU,Juan(1963)‑LospueblosdelaEspañacéltica.InMEnÉ­ndEZPIdAL,Ram­ón,ed.‑Historia de España.T.1,vol.3: España primitiva.Madrid:Espasa‑Calpe,pp.5–194.

MARTInS,Manuela(1990)‑O povoamento proto-histórico e a romanização da bacia do curso médio do Cávado.Braga:UniversidadedoMinho.

MARTInS,Manuela;SILVA,Arm­andoCoelhoFerreirada(1984)‑AestátuadeguerreirogalaicodeS.Julião(VilaVerde).Cadernos de Arqueologia.Braga.2.ªsérie.1,pp.29–47.

PALOMARLAPESA,Manuel(1957)‑La onomástica personal pre‑latina de la antigua Lusitania.Salam­anca:ConsejoSuperiordeInvestigacionesCientíficas.

POKORnY,Julius(1959)‑Indogermanisches etymologisches Wörterbuch.Bern;München:Francke.

PRÓSPERPÉ­REZ,BlancaMaría(2002)‑Lenguas y religiones prerromanas del Occidente de la Península Ibérica.Salam­anca:Universidad.

REdEnTOR,Arm­ando(2009)‑Sobreosignificadodosguerreiroslusitano‑galaicos:ocontributodaepigrafia.InActa Palaeohispanica X: actas del X Coloquio sobre Lenguas y Culturas Paleohispánicas (Lisboa, 26–28 de febrero de 2009).Zaragoza:Institución«FernandoelCatólico»(=Palaeohispanica.Zaragoza.9),noprelo.

ROdRÍGUEZCOLMEnERO,Antonio(2000a)‑Epígrafeslatinossobreguerrerosgalaicos:unaclaveesencialparalainterpretacióndelaestatuariabélicadelnoroestehispánico.InKHAnOUSSI,Mustapha;RUGGERI,Paola;VISMARA,Cinzia,eds.‑L’Africa romana, 13: atti del XIII Convegno di studio (Djerba, 10–13 dicembre 1998).Rom­a:Carocci,pp.1669––1684.

ROdRÍGUEZCOLMEnERO,Antonio(2000b)‑Bracara Augustaenlosiniciosdesuandadurahistórica:cuatropuntualizaciones,entreotrasposibles.Revista de Guimarães.Guim­arães.110,pp.89–118.

ROdRÍGUEZCOLMEnERO,Antonio(2002)‑Epígrafeslatinossobreguerrerosgalaicos:unaclaveesencialparalainterpretacióndelaestatuariabélicadelnoroesteIbérico.InROMAnÍMARTÍnEZ,Miguel;nOVOAGÓMEZ,MaríaÁngeles,eds.‑Homenaje a José García Oro.SantiagodeCom­postela:Universidade,pp.267–285.

Page 20: Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e … · no guerreiro de Meixedo (Calo, 2003, pp. 20–21, n.º 25; Fig. 2), o texto encontra‑se dividido por três áreas

Armando Redentor Inscrições sobre guerreiros lusitano-galaicos: leituras e interpretações

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 11. número 2. 2008, pp. 195–214214

SILVA,Arm­andoCoelhoFerreirada(1981–1982)‑novosdadossobreaorganizaçãosocialcastreja.Portugalia.Porto.novasérie.2–3,pp.83–94.

SILVA,Arm­andoCoelhoFerreirada(1982)‑Um­acartaapropósitodaestátuadeguerreiroRefojosdeBasto.Arqueologia.Porto.5,pp.80–82.

SILVA,Arm­andoCoelhoFerreirada(1986)‑A cultura castreja no Noroeste de Portugal.PaçosdeFerreira:Câm­araMunicipal,MuseuArqueológicodaCitâniadeSanfins.

SILVA,Arm­andoCoelhoFerreirada(2003)‑Expressõesguerreirasdasociedadecastreja.Madrider Mitteilungen.Mainz.44,pp.41–50.

TABOAdACHIVITE,Jesús(1965)‑Escultura celto-romana.Vigo:Castrelos.

TRAnOY,Alain(1980)‑ReligionetsociétéàBracara Augusta(Braga)auHaut‑Em­pirerom­ain.InActas do Seminário de Arqueologia do Noroeste peninsular (Guimarães, 1979).Guim­arães:SociedadeMartinsSarm­ento.Vol.3,pp.67–83.

TRAnOY,Alain(1981)‑La Galice romaine: recherches sur le Nord-Ouest de la Péninsule Ibérique dans l’Antiquité.Paris:deBoccard.

TRAnOY,Alain(1988)‑duhérosauchef:l’im­ageduguerrierdanslessociétésindigènesdulenord‑OuestdelapéninsuleIbérique(IIes.avantJ.‑C.–Iers.aprèsJ.‑C.).InLe monde des images en Gaule et dans les provinces voisines:actes du colloque(Sèvres, 16 et 17 mai 1987).Paris;Clerm­ont‑Ferrand;Lim­oges:Errance,pp.219–227.

UnTERMAnn,Jürgen(1992)‑Anotacionesalestudiodelaslenguasprerrom­anasdelnoroestedelaPenínsulaIbérica.InGalicia: da romanidade á xermanización. Problemas históricos e culturais (Actas do Encontro Científico en Homenaxe a Fermín Bouza Brey (1901–1973), Santiago de Compostela, outubro 1992).SantiagodeCom­postela:MuseodoPoboGalego;SeccióndePrehistoriaeArqueoloxía,InstitutodeEstudiosGalegosP.Sarm­iento;departam­entodeHistoria1,UniversidadedeSantiagodeCom­postela,pp.367–397.

VALLEJORUIZ,JoséMaría(2005)‑Antroponimia indígena de la Lusitania romana.Vitoria‑Gasteiz:UniversidaddelPaísVasco.

VASCOnCELLOS,JoséLeitede(1913)‑Religiões da Lusitânia: na parte que principalmente se refere a Portugal.Vol.3.Lisboa:Im­prensanacional.

VILLARLIÉ­BAnA,Francisco(2000)‑Indoeuropeos y no indoeuropeos en la Hispania prerromana: las poblaciones, las lenguas prerromanas de Andalucía, Cataluña y Aragón según la información que nos proporciona la toponimia.Salam­anca:Universidad.

VIVES,José(1971–1972)‑Inscripciones latinas de la España romana: antología de 6.800 textos. Barcelona:Universidad;CSIC.