DEFENDO UMA FORTE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO ÂMBITO DAS COMPETÊNCIAS DO ESTADO
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO …
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EDUCAÇÃO DO CAMPO
MAURA PEREIRA DOS ANJOS
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO
CAMPO NA UNIFESSPA: AVANÇOS E CONTRADIÇÕES
BRASÍLIA – DF
2020
MAURA PEREIRA DOS ANJOS
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO
CAMPO NA UNIFESSPA: AVANÇOS E CONTRADIÇÕES
Tese apresentada à banca examinadora no Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Faculdade de Educação, da Universidade
de Brasília, como parte dos requisitos para obtenção do título de
Doutora em Educação.
Linha de pesquisa: Educação Ambiental e Educação do Campo
Orientadora: Profa. Dra. Mônica Castagna Molina
BRASÍLIA – DF
FEVEREIRO/ 2020
MAURA PEREIRA DOS ANJOS
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO
CAMPO NA UNIFESSPA: AVANÇOS E CONTRADIÇÕES
Tese apresentada à banca examinadora no Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Faculdade de Educação, da Universidade
de Brasília, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutora em Educação.
Linha de pesquisa: Educação Ambiental e Educação do Campo
Orientadora: Profa. Dra. Mônica Castagna Molina
Brasília, 19 de fevereiro, 2020.
Conceito: Aprovada, indicada para publicação em livro.
Comissão examinadora:
Profa. Dra. Mônica Castagna Molina
Orientadora – Universidade de Brasília (UnB)
Prof. Dr. Salomão Antônio Mufarrej Hage
Examinador externo – Universidade Federal do Pará (UFPA)
Profa. Dra. Shirleide Pereira da Silva Cruz
Examinadora interna – Universidade de Brasília (UnB)
Prof. Dr. Rafael Litvin Villas Bôas
Examinador interno – Universidade de Brasília (UnB)
Profa. Dra. Kátia Augusta Pinheiro Cordeiro Curado Silva
Suplente – Universidade de Brasília (UnB)
BRASÍLIA – DF
FEVEREIRO/ 2020
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho aos meus pais:
Minha mãe Delza Pereira da Rocha, in memoriam, que recebeu do seu pai Ricarte, dois meses
de estudo, com um professor particular para lhe ensinar as primeiras letras, no sertão baiano
no anos de um mil novecentos e cinquenta, com a missão de multiplicar esse saber e se tornar
a professora dos seus treze irmãos (as). Não conseguiu tal proeza, mas que com sua herança,
quarenta tarefas de terra no sertão baiano, construiu uma casa na Vila de São Gabriel, BA,
para que seus sete filhos tivessem acesso à escola, último desejo realizado em vida. Dos
filhos, seis tornaram-se professoras (es).
Meu pai, Marino Cirilo dos Anjos, que ofereceu aos filhos, como agricultor, as duas coisas
que considerava mais importantes: o alimento de cada dia e o valor do trabalho.
Também
Aos agricultores, movimentos sociais e professores das escolas do campo da Amazônia, que
têm construindo diariamente a escola do campo, como parte da luta por condições de vida
digna, nos acampamentos, assentamentos, aldeias e comunidades.
AGRADECIMENTOS
Aos movimentos sociais e ao movimento sindical na Amazônia, em especial, aos que lutaram e
lutam pela re-existência desse campesinato migrante, que se tornou protagonista de uma história
de luta por direitos na contraposição a um projeto que não vislumbrava sua humanidade e
impunha a condição de subalternidade à sua existência; aos movimentos indígenas, novos aliados
na luta por Educação do Campo.
A minha orientadora Mônica Castagna Molina, por oportunizar meu ingresso no doutorado, na
turma 2016, e por construir a interlocução nos diversos espaços de inserção no Obeduc, Rede
Universitas, na LEdoC da UnB e no grupo Turma da Mônica. Por sua solidariedade, apoio e
incentivo e por desequilibrar minhas certezas no exercício da reflexão sobre a Licenciatura em
Educação do Campo.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade de Brasília, na pessoa da
atual coordenação, e dos docentes que conduziram com muita dedicação o processo de pesquisa e
de produção de conhecimento.
À Unifesspa, que garantiu a minha liberação para os estudos e a Coordenação de
Aperfeiçoamento de pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento recebido em forma
de bolsa do Programa Pro-Doutoral, o que contribuiu para a realização desta pesquisa, a partir de
2018.
Às professoras doutoras Kátia Curado e Shirleide Cruz, por contribuírem na minha formação
durante as disciplinas no Programa de Pós-graduação em Educação e por suas valiosas
inquietações e contribuições na qualificação deste estudo da tese.
Ao professor Salomão Hage, pelos inúmeros debates no Fórum Paraense de Educação do Campo
e em atividades de pesquisa da Rede Universitas. Pelo incentivo ao estudo e a qualificação e por
contribuir na minha formação, desde o mestrado, caminhando comigo também na qualificação e
defesa do Doutorado.
Ao Professor Rafael Villas Bôas, companheiro na construção da Educação do Campo e intelectual
exemplar, por ter aceitado o convite para fazer parte de nossa defesa e poder contribuir com o
estudo desenvolvido.
Ao meu filho, João Maurício que, adolescente, me acompanhou no período que nos mudamos
para Brasília, para cursar as disciplinas e a contragosto, retornou a Marabá, e durante os quatro
anos vivenciou a contradição em pela primeira vez na vida, ter uma mãe presente em casa e ao
mesmo tempo ausente, para se dedicar a realização desse trabalho. Por ser um companheiro,
parceiro e um grande incentivador em ter uma mãe professora-pesquisadora.
À minha família, por me apoiar em todos os momentos de minha vida e por serem exemplos de
força e coragem para seguir caminhando, aos meus irmãos biológicos: Hildete, Hildeci, Gilberto,
Hildonete, Cleide e Ramilton e a minha segunda família, pois fui adotada por Mãe Lina (e
Florêncio): Margarida, Jorge, Nélia, Gerson, Otacília, Lino, Flora e Paulo, irmãos do coração, a
todos eles, obrigada pelo incentivo e apoio incondicional e por vibrarem em cada conquista
minha.
Em especial, agradeço imensamente a minha irmã Hildete, que realizando o seu pós-doc, reservou
tempo para debater minhas ideias e contribuir na construção desse trabalho e pela fé que
depositava em mim, nos momentos que ela me faltava.
Às amizades conquistadas durante o doutorado. Primeiro, aos amigos que ingressaram em 2016,
ao Marcelo, pela partilha intensa de trabalho e estudo no período dos dois anos em Brasília,
compartilhando também os cafés com pão de queijo na Faculdade de Planaltina e o diálogo
fraterno sobre a formação docente e a Educação do Campo. E a Marcela, com quem me encontrei
em uma disciplina e continuei caminhando ao longo do doutorado, compartilhando alegrias,
almoços, sonhos e projetos de viagens para quando concluir o doutorado. A amizade dos dois foi
um alimento importante para suprir o afeto de quem estava morando fora.
Ao Jenijunio, Sérgio e Andrezza, por tornar nossa convivência leve e bem-humorada e pela
dedicação ao trabalho coletivo e momentos partilhados de crenças, dilemas e dúvidas e pela
disponibilidade em apoio em diversos momentos ao longo do percurso.
Às minhas amigas Nilsa, Renata, Hellen e Maria Célia, pelas partilhas no Observatório da
Educação do Campo, pelas conversas, apoio e inúmeros incentivos, ao longo dessa caminhada.
Aos meus amigos e colegas de trabalho da Faculdade de Educação do Campo da Unifesspa, que
apoiaram irrestritamente a minha liberação para estudar e continuaram mandando boas energias e
força ao longo do processo, em especial a Amintas, Rodrigo, Glaúcia, Margarida, Evandro e a
todos os professores que se dispuseram a contribuir com esse trabalho.
Aos estudantes do Curso de Licenciatura em Educação do Campo, que me alegram com sua
presença, me incentivaram a continuar a formação no doutoramento, e durante a pesquisa de
campo aos diretamente que contribuíram com esse trabalho.
Aos amigos que fiz no trabalho da EFA da região de Marabá: Renato, Madalena, Domingas e
Valda, que durante esse período da pesquisa, compartilharam vários almoços na Fata e momentos
de apoio e incentivo, para tornar menos solitário esse processo de escrita.
Aos meus amigos da Pedagogia 1997, que caminham comigo até presente data: Jairo, Claudinice,
Sandra, Socorro, Marcos e Cristiane, apoiadores do meu afastamento para estudo. E a Crislaine, in
memorian, amiga por mais de vinte anos, foi uma companheira, confidente e grande
incentivadora, que partiu para outro plano em 2016, nos deixando o exemplo da sua alegria e da
intensidade como viveu a vida.
Por fim, a toda turma da Mônica, em especial aos com quem tive o prazer de conviver em
Brasília: Jaciara, Queina, Micheli, Silvanete, Lenilda, Elizana, Pedro, Adriana Fernandes, Adriana
Gomes, Roble e Ângelo, pela partilha de sonhos e lutas.
Obrigada! Vocês foram fundamentais para que esta tese se concretizasse e que este sonho fosse
realizado.
RESUMO
Este trabalho investiga o processo de institucionalização da Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, contribuindo no registro e análise
da Política Pública de Educação do Campo, criada em 2007, que recolocou na cena pública o direito à formação de educadores e à educação dos povos do campo. Ampara-se no
materialismo histórico dialético, cujas categorias historicidade, contradição e dialética contribuem para a compreensão do objeto. A pesquisa de campo foi realizada no sudeste do
Pará, de julho/2018 a fevereiro/2019, incluindo pesquisa documental nos arquivos do Fórum Regional de Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará, na Faculdade de Educação do
Campo e no site da Unifesspa; observação sistemática em Tempos Universidade e um Tempo Comunidade e entrevistas com docentes, estudantes e representantes da Comissão Político
Pedagógico. Para a análise, os dados obtidos foram cotejados com conceitos e princípios da Educação do Campo na luta pela formação de educadores e o direito à educação, assim como
com a literatura sobre as reformas da educação superior e os impactos das políticas de avaliação no trabalho docente e na autonomia universitária. Como resultado da pesquisa,
apresenta-se como marcos do processo de institucionalização: a criação do projeto formativo no âmbito do Movimento da Educação do Campo no Sudeste do Pará, em 2009 e sua
expansão e reconfiguração, produzida no âmbito da ampliação do Procampo, concomitante com a criação da Unifesspa em 2013. O Procampo provocou a expansão e reconfiguração da
Licenciatura pelo edital de 2012, novamente demandado pelos movimentos sociais, ampliando e diversificando do seu quadro de estudantes, incluindo professores das escolas do
campo, indígenas, quilombola e camponeses, tornando a universidade pública o locus de formação dos educadores do campo, constituindo um quadro técnico-administrativo e
ampliando o seu quadro docente. A Faculdade de Educação do Campo foi criada, e como parte das contradições, na nova institucionalidade foi dada centralidade à avaliação externa,
cujo neotecnicismo impactou a autonomia político pedagógica, valorizando o disciplinar, o trabalho docente individual e a produtividade. Os espaços de decisões político, pedagógico e
técnico administrativo na Licenciatura, historicamente realizadas coletivamente, enfrentaram-se com a criação de instâncias exigidas pelo MEC. Provocam tensionamentos a centralidade
do técnico administrativo na construção de novas regulamentações, o aumento da demanda de trabalho docente, a formação multidisciplinar dos docentes. A formação interdisciplinar, o
trabalho coletivo, a alternância pedagógica, pilares do projeto formativo, permanecem, numa direção contrária ao hegemônico na Educação Superior A resistência também se expressa na
disputa por influenciar na concepção de universidade e na aprendizagem coletiva produzida pela relação com os movimentos e pelas especificidades do trabalho com os povos do campo
e os povos indígenas. Como intelectuais orgânicos, os estudantes se tornam os principais defensores do projeto formativo, tensionando a universidade e a Fecampo pela garantia da
formação de educadores do campo, pelo direito à educação por dentro da nova universidade e na defesa das escolas do campo, se inserindo como educadores e participando de lutas nos
diversos espaços que configuram o campo. Palavras-chave: Formação de educadores, Direito à educação, Licenciatura em Educação do
Campo, Formação Docente, Procampo.
ANJOS, Maura Pereira dos. Institucionalización de la Licenciatura de “Educación de
Campo” en la Unifesspa: Avances y contradicción.
RESUMEN
Este trabajo investiga el proceso de institucionalización de la Licenciatura de “Educación de
Campo”, en la Universidad Federal del Sur e Sudeste de Pará, contribuyendo al registro y análisis de la política pública de educación rural, creada en el año de 2007, que recolocó en la
escena pública el derecho a la formación de educadores y a la educación de las poblaciones rurales. Este trabajo se apoya en el materialismo histórico dialéctico, cuyas categorías:
historicidad, contradicción y dialéctica, contribuyen a la comprensión del objeto. La pesquisa de campo fue realizada en el sudeste de Pará, de julio/2018 a febrero/2019, incluyendo:
investigación bibliográfica en los archivos del Foro Regional de Educación de Campo del Sur y Sudeste de Pará, de la Facultad de “Educación de Campo” y en la página web de la
Universidad Federal del Sur e Sudeste de Pará; observación sistemática, en diferentes momentos de las actividades de la Educación de Campo: momentos en la universidad y
momentos en la comunidad; y entrevistas con docentes, estudiantes y representantes de la Comisión Político Pedagógica. Para el análisis, los datos obtenidos fueron cotejados con
conceptos y principios de la “Educación de Campo” en la lucha por la formación de educadores y el derecho a la educación, así como con la literatura sobre las reformas de la
educación superior y los impactos de las políticas de evaluación en el trabajo docente y en la autonomía universitaria. Como resultado de la investigación se presentan, en el marco del
proceso de institucionalización: la creación del proyecto formativo, en el ámbito del Movimiento de la Educación de Campo en el Sudeste de Pará, en 2009, y su expansión y
reconfiguración, producida en el ámbito de la ampliación de Procampo, concomitante con la creación de la UNIFESSPA en 2013. O Procampo provocó la expansión y la reconfiguración
de la licenciatura, a través de la convocatoria de 2012, que incorporó las demandas de los movimientos sociales, ampliando y diversificando el cuadro de estudiantes, incluyendo los
profesores de las escuelas de campo, indígenas, quilombolas y campesinos, tornando a la universidad pública el locus de formación de los educadores rurales, constituyendo un cuadro
técnico-administrativo y ampliando el cuadro docente. La Facultad de “Educación de Campo” fue creada y como parte de las contradicciones, en la nueva institucionalidad, se dio mayor
importancia a la evaluación externa, cuyo neotecnicismo impactó en la autonomía político-pedagógica, dando mayor valor a lo disciplinar, al trabajo docente individual y a la
productividad. Los espacios de decisiones políticas, pedagógicas y técnico-administrativas en la licenciatura, históricamente realizadas de forma colectiva, se enfrentaron con la creación de
instancias exigidas por el Ministerio de Educación. Provocan tensiones la centralidad de lo técnico administrativo en la construcción de nuevos reglamentos, el aumento de la demanda
del trabajo docente, la formación disciplinar de los docentes. La formación interdisciplinar, el trabajo colectivo, la alternancia pedagógica, pilares del proyecto formativo, permanecen en
una dirección contraria a la dirección hegemónica en la Educación Superior. La resistencia también se expresa en la disputa por tener influencia en la concepción de universidad y en el
aprendizaje colectivo producido por la relación con los movimientos y por las especificidades del trabajo con las poblaciones rurales y con los pueblos indígenas. Como intelectuales
orgánicos, los estudiantes se tornan los principales defensores del proyecto formativo, tensionando a la universidad y a la Fecampo, para exigir: la garantía de la formación de los
educadores rurales, el derecho a la educación dentro de la nueva universidad y la defensa de las escuelas de campo, insertándose como educadores y participando de las luchas en los
diversos espacios que configuran lo rural. Palabras clave: Formación de educadores, Derecho a la educación, Licenciatura en
Educación de Campo, Procampo.
ANJOS, Maura Pereira dos. Institutionalization process of the Degree in Rural Education
at the Unifesspa: advance of contradiction.
ABSTRACT
This work investigates the institutionalization process of the Degree in Rural Education at the
Federal University of the South and Southeast of Pará (Unifesspa), contributing to the
registration and analysis of the Public Policies for Rural Education which were stablished in
2007, and again brought to light the right to the teacher’s formation and rural people
education of. For this, we rely on dialectical historical materialism, whose categories
historicity, contradiction and dialectics contribute to the understanding of the research object.
We conducted field research in the southeast of the state of Pará, from July 2018 to February
2019, including conducting documentary research in the archives of the Regional Education
Forum of Campo do Sul and Southeast of Pará, at the Faculty of Rural Education (Fecampo)
and on the Unifesspa website; We also carry out a systematic observation in University Times
and a Community Time and interviews with teachers, students and representatives of the
Political Pedagogical Commission. For the analysis, we compared the data obtained with
concepts and principles of Rural Education in the struggle for the training of educators and the
right to education, as well as with the literature on the reforms of higher education and the
impacts of evaluation policies on teaching work and university autonomy. As a result of the
research, we present as milestones of the institutionalization process: the creation of the
training project within the Rural Education Movement in Southeast Pará in 2009 and its
expansion and reconfiguration, produced within the scope of the expansion of Procampo,
which occurred in the same period that Unifesspa was created in 2013. Procampo caused the
expansion and reconfiguration of the Rural Education degree by the 2012 public notice, with
the expansion and diversification of its student base, including rural schools’ teachers,
indigenous, quilombolas and rural workers, recognizing the University as a locus for teachers’
education in different fields of the country. knowledge and constituting personnel for the
technical-administrative areas for the course, as a result of the social movements demands.
Fecampo was created, and as part of the contradictions, in the new institutional framework,
external evaluation was given centrality, whose neotechnic impacted political pedagogical
autonomy, valuing disciplinary, individual teaching work and productivity. The spaces for
political, pedagogical and administrative decisions in the Rural Education degree that
historically have always been carried out collectively, faced with the creation of instances
required by the Ministry of Education (MEC). The centrality of the administrative technician
in the construction of new regulations, the increased demand for teaching work and the
disciplinary teachers’ education cause tension. The pillars of the education project, which are
interdisciplinary education, collective work, pedagogical alternation, remain in a direction
opposed to the hegemonic in Higher Education. The resistance is also expressed in the dispute
for influencing the conception of the University and the collective learning produced by the
relationship with the movements and the specificities of the work with the rural and
indigenous people. As organic intellectuals, students become the main defenders of the
training project, tensioning the university and Fecampo by guaranteeing the rural teachers’
education, by the right to education within the new University and in the defense of rural
schools, inserting themselves as educators and participating in struggles in the various areas
that constitute the rural field.
Keywords: Teachers’ education, Right to education, Degree in Rural Education, Procampo.
LISTA DE SIGLAS
ARCAFAR Associação das Casas Familiares Rurais do Estado do Pará
ATER Assistência Técnica e Extensão Rural
ATES Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal e Ensino Superior
CAT Centro Agroambiental do Tocantins
CEBs Comunidades Eclesiais de Base
CEPS Centro de Processos Seletivos da UFPA
CFR Casa Familiar Rural
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNE Conselho Nacional de Educação
CNER Conferência Nacional de Educação do Campo
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNS Conselho Nacional dos Seringueiros
COMFOR Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial e Continuada de
Profissionais do Magistério da Educação Básica
CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
COPSERVIÇOS Cooperativa de Prestação de Serviços
CPA Comissão Própria de Avaliação
CPP Comissão Político Pedagógico
CPT Comissão Pastoral da Terra
CRMB Campus Rural de Marabá
CRUB Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras
EFA Escola Família Agrícola
EJA Educação de Jovens e Adultos
EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
ENERA Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária
ESALQ Escola Superior de Agricultura “Luís de Queiroz”
FADESP Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa
FATA Fundação Ambiental do Tocantins Araguaia
FECAMPO Faculdade de Educação do Campo
FETAGRI Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Pará
FIES Fundo de Financiamento Estudantil
FONEC Fórum Nacional de Educação do Campo
FPEC Fórum Paraense de Educação do Campo
FREC Fórum Regional de Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará
IALA Instituto Latino Americano de Agroecologia
ICH Instituto de Ciências Humanas
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IEMCI Instituto de Educação Matemática e Científica da UFPA
IFPA Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Pará
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INEP Instituto Nacional de Estudo e Pesquisa Educacional
LAET Laboratório Agroecológico da Transamazônica
LASAT Laboratório Sócio Agronômico do Tocantins
MAB Movimento dos Atingidos por Barragem
MEC Ministério da Educação
MMC Movimento das Mulheres Camponesas
MPA Movimento dos Pequenos Agricultores
MST Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra
NAEA Núcleo de Altos Estudos Amazônicos
NCADR Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural
NDE Núcleo Docente Estruturante
NUADE Núcleo de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade.
PARFOR Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
PC do B Partido Comunista do Brasil
PDI Projeto de Desenvolvimento Institucional
PDS Projeto de Desenvolvimento Sustentável
PDTSA Programa de Pós-graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na
Amazônia
PNAES Política Nacional de Assistência Estudantil
PPC Projeto Pedagógico do Curso
PPP Projeto Político Pedagógico do Curso
PROCAMPO Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação
do Campo
PROEG Pro-Reitoria de Ensino de Graduação da Unifesspa
PROEX Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Estudantis
PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
PROPIT Pro-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação Tecnológica
PROUNI Programa Universidade Para Todos
PSE Processo Seletivo Especial
RESAB Rede de Educação do Semiárido Brasileiro
REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais
SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão
SEDUC Secretaria de Estado de Educação
SEMED Secretaria Municipal de Educação
SEPLAN Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional
SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
SINTEPP Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado do Pará
SISU Sistema de Seleção Unificada
SNI Serviço Nacional de Informação
SOME Sistema Modular de Ensino
STTR Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
TCC Trabalho de Conclusão de Curso
UAB Universidade Aberta do Brasil
UENF Universidade Estadual do Norte Fluminense
UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFOPA Universidade Federal do Oeste do Pará
UFPA Universidade Federal do Pará
UFS Universidade Federal de Sergipe
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UnB Universidade de Brasília
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, em
português: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UNICEF United Nations Children's Fund, em português: Fundo das Nações Unidas
para a Infância.
UHE Usina Hidrelétrica
URE Unidade Regional de Ensino
USP Universidade de São Paulo
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Mapa do Sul e Sudeste do Pará .......................................................................... ..65
Figura 02 - Cartaz da II Conferência Regional de Educação do Campo................................100
Figura 03 - Cartaz da III Conferência Regional de Educação do Campo...............................103
Figura 04 - Cartaz da IV Conferência Regional de Educação do Campo...............................105
Figura 05 - Cartaz da V Conferência Regional de Educação do Campo................................111
Figura 06– Faixa etária dos estudantes que acessaram os níveis de ensino no Pronera.........133
Figura 07 - Distribuição geográfica dos estudantes da Fecampo/Unifesspa..........................136
Figura 08 - Cartaz do Seminário de Abertura da turma 2018- Fecampo/Unifesspa...............230
Figura 09 - Mapa produzido pelos estudantes na sistematização das viagens de
campo......................................................................................................................................231
Figura 10 - Seleção de textos com a temática indígena..........................................................267
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 - Cursos ofertados pela Superintendência Regional - SR 27 ..................................97
Tabela 02 - Cursos atendidos pelo Edital Procampo 2012.....................................................120
Tabela 03 - Quantidade de estudantes ingresso no curso de 2009 a 2017..............................136
LISTA DE IMAGENS
Imagem 01 – Café Camponês para recepção dos estudantes..................................................137
Imagem 02 – Aglomeração de estudantes no auditório..........................................................138
Imagem 03 – Auditório – Recepção aos estudantes ............................................................138
Imagem 04 – Mística de Abertura .........................................................................................139
Imagem 05 – Seminário de abertura da turma 2018...............................................................222
Imagem 06 – Seminário de Abertura turma 2017...................................................................223
Imagem 07 – Registro da frase na placa de inauguração da UHE de Tucuruí (1ª fase)........226
Imagem 08 – Registro da frase da placa de inauguração da UHE de Tucuruí (2ª fase).........227
Imagem 09 – Geradores da UHE de Tucuruí.........................................................................228
Imagem 10 – Visita ao Acampamento João Canuto...............................................................228
Imagem 11 – Abertura da exposição no Tapiri do Campus I.................................................232
Imagem 12 – Presença dos estudantes do ensino médio das escolas públicas de Marabá.....232
Imagem 13 – Interação com estudantes de turmas veteranas na socialização de poemas......233
Imagem 14 – Caminhando sobre o Pedral do Lourenção.......................................................236
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 – Primeira organização em Grupos de Trabalho do FREC ..................................104
Quadro 02 – Grupos de Trabalhos do FREC constituídos em 2010.......................................108
Quadro 03 – Sistematização das ações realizadas no âmbito do Frec....................................110
Quadro 04 – Conferências Regionais de Educação do Campo no Sudeste do Pará...............111
Quadro 05 – Representação dos três primeiros tempos formativos........................................219
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 17
1. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO: A EDUCAÇÃO DO CAMPO
E A CONCEPÇÃO DE FORMAÇÃO HUMANA EM MEIO AO AVANÇO DA
CONCEPÇÃO NEOTECNICISTA DE EDUCAÇÃO.................................................... 24
1.1. A Educação do Campo e a Licenciatura em Educação do Campo .................... 25
1.1.1. Concepção de formação humana ........................................................................ 34
1.2. A formação docente e as universidades públicas como locus de projetos em
disputa .......................................................................................................................... 39
1.3. Caminho teórico-metodológico percorrido na realização da pesquisa .................. 46
1.3.1 A Licenciatura em Educação do Campo da Unifesspa .......................................... 50
2. EDUCAÇÃO DO CAMPO: PROJETO CONSTRUÍDO COLETIVAMENTE
COMO PARTE DA LUTA DA TERRITORIALIZAÇÃO CAMPONESA NO
SUDESTE DO PARÁ ...................................................................................................... 59
2.1. Conflito e a luta pela terra como marcas da territorialização dos povos do campo
no Sul e Sudeste do Pará a partir da questão agrária brasileira na Amazônia............ 60
2.2. Sujeitos coletivos de representação dos agricultores: movimento sindical e
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e suas estratégias de luta .............. 73
2.3. Parceria movimentos sociais e instituições púbicas de ensino como estratégias de
fortalecimento dos territórios conquistados pelo campesinato .................................... 82
2.4. Criação do FREC e a ampliação das parcerias com o poder público municipal ... 99
2.5. Licenciatura em Educação do Campo: nova graduação forjada pela construção
coletiva........................................................................................................................ 112
3. PROCAMPO: A POLITICA DE EXPANSÃO E AS REPERCUSSÕES NA
LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO EM MARABÁ.............................. 119
3.1. Reconstrução da Comissão Político Pedagógico (CPP) com a participação dos
movimentos sociais no processo formativo. ................................................................ 119
3.2. Acesso para camponeses, quilombolas e indígenas - ampliação e diversificação dos
povos do campo na Educação Superior pública. ........................................................ 125
3.3. Expansão no quadro docente e diversidade de formação dos professores........... 139
4. CONTRADIÇÕES NO PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO NA UNIFESSPA ............................................................... 160
4.1. A criação da Unifesspa e a constituição da Faculdade de Educação do Campo . 161
4.2. A avaliação da Educação do Campo pelo MEC: medo e responsabilização como
estratégias de adequação e alinhamento ao projeto neotecnicista .............................. 162
4.3. Movimento pela reformulação do Projeto Político Pedagógico – a disputa entre o
trabalho disciplinar individualizado e o projeto coletivo de formação ...................... 178
4.4. A construção da nova universidade: “as comissões como espaços de decisão” e a
intensificação do trabalho docente ............................................................................. 200
5. PROJETO DE FORMAÇÃO HUMANA E QUALIDADE SOCIAL DA
LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO ...................................................... 214
5.1 As lutas sociais constituem temática interdisciplinar no projeto formativo .... 215
5.2. Processo formativo permanente dos docentes do curso no conflito entre o
disciplinar e o interdisciplinar.................................................................................... 242
5.3. Novas temáticas geradas pelos processos de produção de desigualdades ............ 262
5.4. As dimensões da formação humana na Licenciatura em Educação do Campo:
análise produzida pelos estudantes ............................................................................ 270
5.4.1. Aprendizagens dos espaços coletivos no trabalho organizado pela CPP ............. 270
5.4.2. A organização estudantil e as lutas pela permanência na formação..................... 287
5.4.3 A formação por área na Licenciatura em Educação do campo e as demandas sociais
das comunidades ....................................................................................................... 295
5.5 A práxis formativa produzida no encontro entre lutas sociais e preparação para a
docência no campo: sínteses ....................................................................................... 305
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 307
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 317
17
INTRODUÇÃO
Este trabalho, intitulado “Licenciatura em Educação do Campo na Unifesspa:
Formação de educadores e o direito à educação” é uma tese de doutoramento da Linha de
Educação Ambiental e Educação do Campo do Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE) da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), no âmbito da análise
das políticas de formação docente e da política de formação de educadores do campo.
O objeto de estudo do trabalho é a Licenciatura em Educação do Campo, criada em
2007, para atender a formação de professores na EdoC, fruto de uma política pública criada na
Secadi/MEC por meio do Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em
Educação do Campo (Procampo). O Procampo foi formulado com a participação dos
movimentos sociais do campo, considerando o acúmulo de experiências no âmbito das lutas
por Educação do Campo. As finalidades dessa política eram constituir, no campo educacional,
propostas de educação crítica, que contemplassem os povos do campo no seu direito a
educação básica do campo, como direito universal básico e um bem social público.
O projeto piloto da Licenciatura em Educação do Campo foi desenvolvido em quatro
universidades, a saber: UnB, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade
Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal de Sergipe (UFS) em 2007. Em 2008, o
Procampo lançou um edital acessado por 28 instituições de ensino, e em 2012, o último edital
lançado por esse programa provocou sua expansão, com a criação de quarenta cursos em
trinta e duas instituições públicas de ensino, em todas as regiões do Brasil (MOLINA, 2017).
Nosso locus de estudo foi a Licenciatura em Educação do Campo da Unifesspa no
Pará. A criação dessa nova graduação no Campus de Marabá, na época, integrante da
Universidade Federal do Pará (UFPA) se deu em 2009, institucionalizada inicialmente a partir
das vagas de expansão do REUNI.1 A demanda de formação do campesinato constituído no
sul e sudeste do Pará e a parceria entre universidade e movimentos sociais foi decisiva para
sua criação, construída a partir do acúmulo das experiências de formação em diversos cursos
financiados pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), realizados
no sudeste do Pará. Em 2013, houve uma expansão, a partir do acesso ao último edital do
1 REUNI - Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais criado pelo Ministério da Educação em que promoveu a expansão do ensino superior, a partir da ampliação de vagas na
educação superior nos cursos de graduação em dez anos, a partir de 2008, e permitir o ingresso de 680 mil
alunos a mais nos cursos de graduação; Suas ações previam, além do aumento de vagas, medidas como a
ampliação ou abertura de cursos noturnos, o aumento do número de alunos por professor, a redução do custo por aluno, a flexibilização de currículos e o combate à evasão.(Fonte: reuni.mec.gov.br/). Há inúmeras críticas a
esse programa que não tratarei nesse trabalho.
18
Procampo, que ocorreu paralelamente à constituição da nova universidade, na qual o Campus
de Marabá se tornou o campus sede.
A Unifesspa foi criada em 2013, a partir do desmembramento da Universidade Federal
do Pará, pela Lei 12.824 de 05 de junho de 2013, como universidade multicampi. Além do
Campus de Marabá, foram criados os campi em Rondon do Pará, Santana do Araguaia, São
Félix do Xingu e Xinguara. Sua área de abrangência era o atendimento da demanda de trinta e
nove municípios da região e os estados no entorno, que compreendendo o norte do Tocantins,
o Sul do Maranhão e o norte do Mato Grosso, segundo consta no seu primeiro Projeto de
Desenvolvimento Institucional (PDI). Ela foi fruto de uma luta histórica de docentes e
diversos movimentos sociais do campo e da cidade em torno do Campus de Marabá. A
Unifesspa tem como um dos seus desafios atender à demanda regional por formação docente
da educação básica do campo, na estrutura dessa universidade foi criada em 2014, a primeira
Faculdade de Educação do Campo (Fecampo) do Brasil.
A referida pesquisa objetivou compreender o processo de institucionalização da
Licenciatura em Educação do Campo na Unifesspa, buscando responder às seguintes
questões: Quais foram os elementos constitutivos do processo de institucionalização da
Licenciatura em Educação do Campo na Unifesspa? O projeto de desenvolvimento, a partir da
luta pela terra e por território no Sudeste do Pará, formulado a partir do protagonismo dos
movimentos sociais e sindical do campo, continua no horizonte da formação ofertada na
Licenciatura em Educação do Campo? Como desdobramentos, apontamos os seguintes
questionamentos: a) Quais as especificidades do projeto formativo da Licenciatura? b) Quais
princípios foram instituídos no Projeto Político Pedagógico (PPP) da Licenciatura em
Educação do Campo na Unifesspa? c) Quais as repercussões da política de expansão do
Procampo na Licenciatura em Educação do Campo na Unifesspa? A EdoC, que construiu uma
concepção de formação docente a partir da formação humana, tem conseguido na Unifesspa
se contrapor ao projeto neotecnicista de formação, o qual tem como fundamentos
epistemológicos as “habilidades e competências” e ao neotecnicismo implementado pelas
reformas do ensino superior no Brasil? d) Quais princípios foram tensionados, inspirados pela
política de avaliação instituída pelo MEC e na formação do quadro docente provocada pela
expansão e o que se reconfigurou na nova institucionalidade? e) Como e em que a
constituição da Fecampo e de uma nova institucionalidade reconfigurou o projeto formativo
da Licenciatura em Educação do Campo?
O objetivo geral da pesquisa era compreender o processo de institucionalização do
curso de Licenciatura em Educação do Campo em meio à disputa entre concepções de
19
educação, na Unifesspa. Os objetivos específicos foram reconstruídos ao longo do trabalho de
pesquisa. Assim, norteiam o trabalho: a) Historicizar o processo de institucionalização da
EdoC como construção coletiva resultado de parcerias constituídas entre movimentos sociais
e universidade para territorialização camponesa no sudeste do Pará; b) Compreender as
repercussões da política de expansão do Procampo na Licenciatura em Educação do Campo
na Unifesspa; c) Analisar de que forma a concepção de formação docente e de educação, a
partir da perspectiva crítica e dos princípios da Educação do Campo, foram tensionado na
Fecampo em uma nova institucionalidade constituída na Unifesspa; d) Investigar o que se
manteve do projeto coletivo da EdoC e novas reconfigurações da Licenciatura em Educação
do Campo na Unifesspa.
A pesquisa se justifica porque a formação de educadores do campo foi uma temática
marginalizada dentro das discussões dos pesquisadores, no âmbito dos programas de Pós
Graduação em Educação, até a década de 1990. Nas últimas duas décadas do século XXI,
teve sua ampliação, a partir do acesso à escolarização dos povos destes territórios, pelas
demandas do Movimento da EdoC a qual, protagonizada pelos movimentos sociais do campo,
demandou e constituiu políticas públicas em sua especificidade, para a construção de um
sistema público e garantia no campo da formação e profissionalização dos professores que
atuavam em territórios rurais. Também é recente o acesso à formação dos que atuam nesse
campo e sua consolidação como campo de pesquisa.
Uma alteração significativa foi protagonizada a partir de 1990 com a presença concreta
desse campesinato como sujeito político, dentro das universidades federais brasileiras,
principalmente a partir da constituição dos cursos financiados pelo Pronera, e na última
década do século XXI pelo Procampo. Essa presença significativa provocou a pesquisa das
questões da formação e da prática pedagógica das escolas do campo com estudos que vão
desde trabalhos de conclusão de curso até dissertações e teses, em diversas universidades do
país.
Nas décadas de 1960 a 1980 a questão da Educação Rural era tratada dentro da temática
da Educação Popular (PAIVA, 1987; SCOCUGLIA, 2003). O estudo da arte sobre Educação
Rural no Brasil realizado por Damasceno e Beserra (2016) enfocando as décadas de 1980 a
1990 mostra que ela aparecia como um tema de menor importância, tanto para o governo
federal em relação a investimentos públicos, quanto para as universidades, como tema de
pesquisa. A insignificância da produção do conhecimento na área foi demostrada por apenas
102 trabalhos encontrados que tratavam dessa temática, em relação a 8.226 relacionados a
20
outras, representando 1,2% dos estudos sobre Educação Rural (DAMASCENO E BESERRA,
2016).
Em 2005 foi realizado o I Encontro Nacional de Pesquisa em Educação do Campo, que
não apontou a formação docente como um eixo de debate. Essa temática apareceu como
destaque em 2008, no II Encontro, como segundo eixo, inserido no eixo principal “trabalho
docente e escolas do campo”. A temática permaneceu em 2010 no III e último Encontro
Nacional de Pesquisa em Educação do Campo (MOLINA, 2008, 2010).
Souza (2016) realizou um levantamento do conteúdo das teses e dissertações em
Programas de Pós-Graduação em Educação de 1987 a 2015, cujo tema central da pesquisa era
Educação e/no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O objetivo da pesquisa era
“evidenciar os conhecimentos educacionais construídos nesses quase 30 anos da singular
história da educação, oriunda da luta dos povos trabalhadores do campo” (SOUZA, 2016, p.
21). Sobre formação de professores encontrou 65 trabalhos, dos quais analisou seis. Os
trabalhos analisados apontam para experiências então em andamentos de cursos de Pedagogia
da Terra; destacando as temáticas do trabalho pedagógico, da relação teoria-prática, da
valorização da prática educativa nos movimentos sociais e da existência das escolas
multisseriadas. Ela destaca as formações contextualizadas com o protagonismo dos
movimentos sociais, em especial, nas práticas pedagógicas das escolas do campo. O curso de
Licenciatura em Educação do Campo é apontado como outra conquista histórica dos
movimentos sociais e um campo de estudo a ser explorado (SOUZA, 2016).
A EdoC tornou-se uma temática de pesquisa reconhecida nacionalmente a partir de
2000. Sousa (2016, p. 82) identifica 405 teses e dissertações defendidas no período de 2000 a
2010 e 362 no período de 2011 a 2015. Para ela, embora ainda seja pequeno o número de
pesquisadores, em todas as regiões do país tem-se investigado cientificamente as ações
desenvolvidas dentro da EdoC. Sousa (2016) destaca ainda que ao buscar a temática nos
descritores “Educação do Campo” e “Educação e Movimentos Sociais do Campo” no
Diretório de Grupos do CNPQ, encontrou 07% no centro Oeste, 14% no Sudeste, 23% no Sul,
35% no nordeste e 21% no norte do Pará.
O ultimo levantamento foi realizado por Molina, Antunes-Rocha e Martins (2019), o
qual apresenta o total de 451 produções, encontradas a partir de pesquisa com o descritor
Educação do Campo no período dos últimos quinze anos, no banco de tese e dissertações da
Capes e identificados 285 grupos de pesquisa registrado na plataforma do CNPQ, presentes
em todas as regiões do Brasil em funcionamento, em 127 instituições de educação superior.
21
A construção da Licenciatura em Educação do Campo em 2007 tem acirrado os
debates teóricos, pedagógicos e práticos sobre formação de educadores do campo. A questão
de fundo que se coloca acerca dela é se dará conta dos desafios de fazer avançar a EdoC, ao
propor um projeto de curso que aponta para uma formação docente em um momento histórico
de negação do direito à educação crítica e de avanços das pedagogias neoliberais (MOLINA e
HAGE, 2015).
Faz-se necessário produzir pesquisas que registrem, sistematizem e analisem a
construção da EdoC e, em especial, questões subjacentes à formação docente e à garantia do
direito a educação aos povos do campo. Esse esforço de análise também tem sido realizado no
subprojeto 07 Educação superior e Educação do Campo coordenado por Hage e Molina
(2014; 2015; 2017), na Rede Universitas BR.
Entre os muitos desafios ao institucionalizar a proposta da Licenciatura em Educação
do Campo, concebida a partir da estratégia da “docência por área do conhecimento”,
apontamos: _contribuir na construção de propostas interdisciplinares, construindo coletivos
docentes nas escolas do campo para possibilitar um trabalho interdisciplinar que dialogue com
o todo da formação humana; _a tarefa de “preparação de educadores para uma escola que
ainda não existe, no duplo sentido, de que ainda precisa ser conquista e ampliada
quantitativamente no campo, e de que se trata de construir uma nova referência de escola [...]”
(CALDART, 2010, p. 134).
Nossa investigação busca contribuir nesse debate, ao investigar o processo de
institucionalização da Licenciatura em Educação do Campo e os desafios em uma nova
institucionalidade na Unifesspa. Muitos autores têm destacado que as reformas da educação
superior, realizadas na década de 1990, têm alterado a função social da universidade ao impor
o neotecnicismo como concepção de educação hegemônica. Também afetam essa função os
cortes nas verbas das instituições públicas de ensino nos anos 2010, orientadas pela
concepção neoliberal de educação, que visavam retirar a educação do âmbito do direito
universal básico para inseri-la no âmbito de serviços ofertados pelo mercado, instalando
processos de privatização por dentro das políticas instituídas no âmbito do MEC.
A construção dessa tese representa uma reflexão sistemática do que se instituiu como
Licenciatura em Educação do Campo na Unifesspa, buscando compreender e construir uma
leitura crítica do seu processo de institucionalização, que não está imune às disputas de
projetos na formação docente e nem às concepção de universidade em enfrentamento e
disputa.
22
O trabalho está organizado em cinco capítulos. No primeiro, apresentamos o
referencial teórico metodológico; buscando explicitar os conceitos de da EdoC, hegemonia,
formação humana e intelectual orgânico que fundamentam e as categorias do método
(historicidade, dialética e contradição) que subsidiaram a análise da pesquisa no materialismo
histórico dialético. Também apresentamos o caminho percorrido para construção e análise de
conteúdo dos dados.
O segundo capítulo tem como objetivo historicizar o processo de institucionalização
da Educação do Campo como construção coletiva, resultado de parcerias constituídas entre
movimentos sociais e a universidade, para contribuir na territorialização camponesa no Pará
buscando responder as questões: a) Quais as especificidades do projeto formativo da
Licenciatura? b) Quais princípios foram instituídos no Projeto Político Pedagógico (PPP) da
Licenciatura em Educação do Campo na Unifesspa?
Para apresentar as repercussões do Procampo na expansão da Licenciatura em
Educação do Campo na Unifesspa, o terceiro capítulo destaca como parte do processo de
institucionalização enquanto política pública, buscando responder ao questionamento: Quais
as repercussões da política de expansão do Procampo na Licenciatura em Educação do Campo
na Unifesspa? Utilizamos para construção desse capítulo os registros do debate realizado no
Campus de Marabá, encontrado em documentos no PPP, arquivos da Fecampo, apoiado em
entrevistas realizadas com a representação da Comissão Político Pedagógico (CPP),
estudantes e docentes da Fecampo.
O quarto capítulo tem como objetivo analisar de que forma a concepção de formação
docente e de educação, a partir da perspectiva critica e dos princípios da Educação do Campo
foram tensionados na Fecampo e na nova institucionalidade constituída na Unifesspa?
Buscando responder aos questionamentos: a Educação do Campo, que construiu uma
concepção de formação docente a partir da formação humana, tem conseguido na Unifesspa
se contrapor ao projeto neotecnicista de formação que tem como fundamentos
epistemológicos as “habilidades e competências” e ao neotecnicismo implementada pelas
políticas de avaliação instituídas pelo MEC? d) Quais princípios foram tensionados,
inspirados pela política de avaliação instituída pelo MEC e na formação do quadro docente
provocada pela expansão e o que se reconfigurou na nova institucionalidade?
O quinto capítulo visou investigar o que se manteve do projeto coletivo da EdoC e as
novas reconfigurações na Licenciatura em Educação do Campo na Unifesspa. Ele buscou
responder ao questionamento inicial: e) Em que se reconfigurou no projeto formativo na
23
Licenciatura em Educação do Campo a constituição da Fecampo e uma nova
institucionalidade na Unifesspa? Relacionando com pergunta de pesquisa: O projeto de
desenvolvimento, a partir da luta pela terra e por território no Sudeste do Pará, formulado a
partir do protagonismo dos movimentos sociais e sindicais do campo, continua no horizonte
da formação ofertada na Licenciatura em Educação do Campo? E, por fim, a apresentação das
considerações finais do trabalho.
A pesquisa contribui para a formação de professores de uma maneira geral e
especificamente para os cursos de Licenciatura em Educação do Campo que estão se
institucionalizado, bem como para a Educação do Campo e a Educação por registrar a
ampliação dos povos do campo como sujeitos de direitos.
Os princípios constituídos na Educação do Campo fundamentam a Licenciatura em
Educação do Campo, tanto em seu projeto quanto em sua execução. Tais princípios se
resumem no trabalho coletivo, na formação humana em diversas dimensões e na constituição
de intelectuais orgânicos, que compreendam as lutas sociais como parte do processo de
desumanização, alterando a forma e conteúdo da escola. Projetando formar educadores
capazes de contribuir em processos de resistência, a Licenciatura tem produzido processos
educativos nos quais a concepção de educação tem como horizonte contribuir no processo de
transformações das situações de opressão, sempre na contramão da hegemonia.
Como tese, defendemos que o processo de institucionalização da Licenciatura em
Educação do Campo será permanente, nunca estará completo porque na luta por políticas
públicas pelo direito a educação numa compreensão emancipatória sempre será questionado,
já que os processos de produção de hegemonia precisam limitar a educação ao seu sentido
restrito de instrução, reduzindo as possibilidades humanas de questionamento e encobrindo as
contradições sociais presentes na sociedade em que vivemos. A incompletude, no entanto, é
própria dos processos dialéticos de formação humana, sendo o projeto de formação afetado
pelo modo como novas sínteses são propostas, dentro da militância e dos processos
pedagógicos.
24
1. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO: A EDUCAÇÃO DO CAMPO E
A CONCEPÇÃO DE FORMAÇÃO HUMANA EM MEIO AO AVANÇO DA
CONCEPÇÃO NEOTECNICISTA DE EDUCAÇÃO
Este capítulo tem como objetivo apresentar os fundamentos teóricos metodológicos que
orientaram a construção desse trabalho de pesquisa. Apresentamos uma conceituação que
fundamenta a Educação do Campo, na luta por direito a especificidade e a políticas públicas
que atendam o direito a Educação, apoiados em Caldart (2000, 2010, 2012, 2015 e 2019),
Arroyo (1999, 2007); para o debate da constituição das Licenciaturas também nos apoiamos
em Molina (2012, 2015, 2017), Molina e Sá (2011) e Molina e Hage (2015). De Marx (1974,
1989), Gramsci (1987, 1991 e 2006), nos apropriamos da concepção de formação humana;
inspirados nesses autores, Frigotto (2008, 2010 e 2012) e diversos autores da tradição crítica
da formação docente que compartilham desse referencial teórico, tem reafirmado a defesa do
direito à formação crítica e de outra concepção de qualidade da educação pública.
Dialogamos com os autores Shiroma et al (2003); Garcia (2009) Sguissardi e Reis
Junior (2018) e Freitas (2011; 2012 e 2018), sobre a imposição das reformas do ensino
superior, induzidas por políticas neoliberais, conduzida pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas (INEP) e pelo MEC na graduação e pela Capes na pós-graduação. Tais autores
apontam como pilares dessa política um projeto de humanidade e de sociedade individualista,
meritocrática e produtivista e de formação com vistas a competição internacional. Como parte
do movimento de disputa de projetos na sociedade capitalista, outra concepção tem sido
implementada e disputa a hegemonia na sociedade, em relação as reformas da Educação
superior e as alterações nas funções sociais da universidade pública a partir da interferência na
função social da universidade e na autonomia do trabalho docente.
Para entender essa contradição, apresentamos no segundo tópico a formação docente e
as universidades como locus de projetos em disputa pelas políticas de avaliação da graduação
e da pós-graduação, como estratégias de implementação de uma nova sociabilidade do
trabalho fundamentada na produtividade, no trabalho individual e na competição, a qual tem
hegemonizado a Educação superior e o debate sobre qualidade social constituído no Brasil.
O Materialismo Histórico Dialético foi utilizado como método para análise do nosso
objeto de pesquisa do qual selecionamos as categorias historicidade, contradição e dialética
apoiado Marx (1974, 1989), Marx e Engels (1999), Neto (2011) e Masson (2007, 2014). O
tópico está organizado em três subtópicos: a) a Educação do Campo e a Licenciatura em
Educação do campo, destacando a concepção de formação humana que fundamenta a visão de
25
humanidade, de sociedade e que guiaram a construção das propostas pedagógicas de
Educação do Campo; b) a formação docente e as universidades públicas como locus de
projetos em disputa; c) apresentamos, o caminho teórico-metodológico percorrido na
realização da pesquisa, através do materialismo histórico dialético (através das categorias
historicidade, contradição e dialética) e detalhamos nosso objeto de estudo a Licenciatura em
Educação do Campo da Unifesspa.
1.1. A Educação do Campo e a Licenciatura em Educação do Campo
A Educação do Campo (EdoC) constitui a denominação do movimento político,
pedagógico e epistemológico construído coletivamente e apresentado na coleção “Por uma
Educação do Campo”. Caldart (2000, 2010, 2012, 2015 e 2019) tem se se debruçado sobre as
críticas, dilemas e tensões sobre esse conceito e a sistematizar a constituição da EdoC. A
partir de 2007, também passou a enfatizar a Licenciatura em Educação do Campo, em seus
aspectos teóricos, pedagógicos e práticos, contribuindo desde a construção das primeiras
experiências até seus desafios atuais.
O conceito de Educação do Campo foi elaborado na década de 1990, e foi
constituído a partir da materialidade das lutas sociais empreendidas pelos movimentos sociais
e sindical do campo. Caldart (2007) afirma que a tríade “Campo, Políticas Públicas e
Educação” se tornou estruturante desse conceito, e apresenta quatro questões relacionadas
para compreendê-lo.
A primeira delas é que o debate da noção de campo precede o da Educação, e se
relaciona com ela, através da categoria trabalho (CALDART, 2007; 2010). O campo instituiu
as lutas sociais que foram o fundamento de origem, as tensões no campo brasileiro, pelo
avanço do capitalismo e os processos de disputa por um modelo de desenvolvimento. Nessa
luta, “se disputou políticas públicas em sua forma e conteúdo e se constituiu um projeto
formativo de Educação formulada na práxis; colada a historicidade e nas condições de
produção do humano” (2007, p.78).
Segundo a tríade apresentada acima, a autora diz:
É importante ter presente que está em questão na Educação do Campo, pensada na
tríade Campo - Políticas Públicas - Educação e desde os seus vínculos sociais de
origem, uma política de educação da classe trabalhadora do campo, para a construção de um outro projeto de campo, de país, e que pelas circunstâncias sociais
objetivas de hoje, implica na formação dos trabalhadores para lutas anti-capitalistas,
necessárias à sua própria sobrevivência, como classe, mas também como
humanidade [...] (2007, p. 72).
26
A segunda questão levava em conta que, desde a sua criação, a EdoC se contrapôs às
políticas e a concepção de Educação Rural, que apresentava o campo como lugar de atraso e
negação da vida dos povos do campo, subordinando a educação ao projeto de
desenvolvimento capitalista.
Na disputa que se constituiu em torno desse conceito, houve tentativas de explicá-lo
apagando o campo e seus conflitos, isolando apenas um dos termos, desvinculando-os da
relação social que a produziu. Caldart (2010) alertava que muitos queriam compreendê-la
apenas como política pública, retirando o campo e as contradições, e os que preferiam
explicá-la apenas como um debate das práticas pedagógicas das escolas do campo.
Para Caldart, a terceira questão implicava em reafirmar que a EdoC se constitui na
luta pela democratização do acesso à Educação, centrado na escola e nos processos de
escolarização, ao mesmo tempo em que sua materialidade de origem e seus vínculos com uma
teoria pedagógica emancipatória, tensionam essa centralidade e a própria concepção de escola
que ela decorre. A autora defende que: “a instrução é um direito universal. O conhecimento é
direito e necessário. Mas é falsa essa centralidade quando ele (o conhecimento) é deslocado
de outras dimensões de um processo formativo; quando se separa conhecimento de valores e
de interesses sociais” [...] (CALDART, 2007, p.83).
A luta pela democratização do conhecimento foi considerada, desse ponto de vista,
fundamental para se pensar alternativas para a construção de outro projeto de campo e de
sociedade, considerando articuladas à democratização do acesso à terra e ao conhecimento, as
lutas por democratização da educação, como instrumentos que qualificam e possibilitam
incidir sobre os rumos da sociedade.
A concepção teórica da EdoC estava articulada as dimensões da teoria pedagógica de
luta emancipatória, a partir da categoria trabalho:
O debate de campo é fundamentalmente debate sobre o trabalho no campo. Que traz
colada a dimensão da cultura, vinculada às relações sociais e aos processos
produtivos da existência social no campo. Isso demarca uma concepção de
educação. Integramos a uma tradição teórica que pensa a natureza da educação
vinculada ao destino do trabalho [...] de um lado, esta concepção nos aproxima/nos
faz herdeiros de uma tradição pedagógica de perspectiva emancipatória e socialista:
é dessa tradição o acúmulo de pensar a dimensão formativa do trabalho, do vínculo
da educação com os processos produtivos, de como não é possível pensar/fazer
educação sem considerar os sujeitos concretos e os processos formadores que os
constitui como seres humanos desde a práxis social. Uma tradição que nos orienta a
pensar a educação colada à vida real, suas contradições, sua historicidade; a pretende
educar os sujeitos para um trabalho não alienado; para intervir nas circunstâncias
objetivas que produzem o humano (CALDART, 2008, p. 78).
27
Por isso, Caldart (2010) destaca a necessidade de processos formativos que
enfatizam as lutas sociais, tendo o trabalho humano como centralidade, em enfrentamento à
concepção liberal de ensino como instrução, baseado em processos cognitivos. Tal concepção
se tornou hegemônica nas últimas décadas e que se constituiu aliada a objetivos estreitos de
instrumentalização dos seres humanos para a execução do trabalho alienado na sociedade
capitalista. A instrução pública constitui a concepção defendida de Educação no
neoliberalismo, desvinculada da formação intelectual crítica e das relações sociais produzidas
na sociedade capitalista.
E por fim, a quarta questão apontada por Caldart (2010) trata da especificidade dos
povos do campo. A Educação do Campo encontrou unidade em torno do conceito de
Camponês, por seu conteúdo político nas lutas sociais que os movimentos camponeses
organizaram. No entanto, compreendia ainda a diversidade de povos que compõe o campo
brasileiro, assumindo os povos indígenas e quilombolas como parte dessa diversidade. Caldart
(2007, 2010) reafirmava que essa diversidade precisava ser incorporada, a partir da
especificidade, no debate da teoria pedagógica.
A luta pela especificidade, para ela, não era uma tentativa de desvincular das lutas
mais gerais e de construir fragmentação e particularismo. A EdoC tem lutado pela
especificidade quando denuncia que “o universal tem sido pouco universal. O que se quer,
portanto, não é ficar na particularidade e fragmentar o debate e as lutas; ao contrário, é a luta
para que o universal seja mais universal, seja de fato, síntese de particularidade diversas e
contraditória” (CALDART, 2008, p. 74).
Os movimentos sociais, orientados pelas teorias pedagógicas socialistas ou críticas,
avançam na formulação pedagógica de sua concepção de educação. Retomam e reelaboram as
concepções da Educação Popular, a partir das contribuições de Freire (2005), construídas na
década de 1960 no Brasil, com a contribuição de Arroyo (1999, 2003) na década de 1990
influenciam a construção de um pensamento pedagógico crítico e propositivo, que havia sido
fortemente reprimido pela ditadura militar no Brasil. Nos anos de 1990, esses movimentos
sociais têm se dedicado também, na socialização da produção da pedagogia socialista. Essas
concepções de educação crítica foram reconstruídas e fortalecidas dentro da EdoC.
Arroyo (2007) foi um dos autores que contribuiu nesse processo de constituição da
concepção de EdoC, refletindo teoricamente sobre a construção de um projeto educativo que
vinculasse os movimentos sociais do campo e os docentes das universidades. Ele defendeu
que:
28
os movimentos sociais como coletivos de interesses organizados colocam suas lutas no campo dos direitos, não apenas de sua universalização, mas também de sua
redefinição. Concretizam esse dever histórico e universalizam direitos que, sob uma
capa da universalidade, não reconhecem a diversidade, excluem ou representam
interesses locais, particulares, de um protótipo de ser humano, de cidadão e de sujeitos de direitos. Os movimentos sociais não apenas reivindicam serem
beneficiários de direitos, mas seus sujeitos, agentes históricos da construção dos
direitos. Estamos em um tempo propício a reconstrução dos direitos (ARROYO,
2007, p. 162).
O tempo histórico propício a reconstrução de direitos a que se referia Arroyo foi o
primeiro governo de Lula, no qual os movimentos sociais trabalharam para eleger um governo
de esquerda e reivindicaram posteriormente o atendimento de suas demandas. Uma das
demandas foi pela educação.
Arroyo (2007) fazia uma crítica ao “protótipo de profissional único para qualquer
coletivo” e as “as normas e diretrizes generalistas” (2007, p. 165), que apenas aconselhavam
que se “adaptem” à especificidade da escola rural, entendida como contexto, se apresentando
contra a concepção generalista de formação docente. Ele defendia que havia uma
especificidade de formação de educadores do campo como sujeitos de direito à educação; essa
defesa, segundo Arroyo, “não desvirtua, antes alarga a teoria pedagógica e as concepções de
formação de educadores críticos” (2007, p. 166).
Os povos do campo, organizados em movimentos sociais, lutaram pelo reconhecimento
de suas especificidades e pelo direito a uma formação que contemplasse suas demandas. As
matrizes formadoras defendidas eram o reconhecimento da terra e da cultura como
formadoras e das lutas sociais como condição para a transformação das condições desiguais
no campo brasileiro, sem perder de vista as questões e lutas gerais da construção de outro
projeto de desenvolvimento que os incluíssem como humanos. Caldart reafirma que:
A Educação do Campo (EdoC) se constituiu, no final da década de 1990, como uma
articulação nacional das lutas dos trabalhadores do campo pelo direito à educação,
materializando ações de disputa pela formulação de políticas públicas no interior da
política educacional brasileira (...) Luta por políticas ou medidas específicas em
função de uma desigualdade histórica no atendimento aos direitos sociais da
população trabalhadora do campo (camponeses, assalariados rurais, “povos
tradicionais”,...). A perspectiva de lutas comuns no plano do direito humano à
educação trouxe junto uma necessidade/possibilidade de comunicação e cooperação
entre práticas educativas diferenciadas que também se colocam no plano do direito:
direito de desenvolver estas práticas e de que sejam respeitadas e reconhecidas na
sua diversidade [...] Entendemos que nessa novidade histórica está a definição
principal da especificidade da EdoC e, ao mesmo tempo, sua associação às lutas
históricas do conjunto das classes trabalhadoras do país, de todo mundo.
(CALDART, 2015, p. 1-2).
A reivindicação pelo direito a educação e pelo direito a especificidade da EdoC gerou
tensões no campo da pedagogia crítica e no campo das políticas públicas. Essa tensão se
29
acentuou no debate sobre o conteúdo e as práticas pedagógicas da concepção da escola do
campo e na discussão do acesso as políticas especificas, que implicassem na oferta de cursos
de formação para docentes que atuam no campo: a tensão entre o universal e o particular no
bojo do conhecimento escolar, e suas implicações no campo da didática e do currículo, tendo
como referência a epistemologia crítica e as diversas correntes da pedagogia que advogam
esse conceito.
A reivindicação da EdoC advogava a necessidade de reorientar a discussão do
universalismo/relativismo em outros termos, que permitissem articular as duas questões: a
preservação de um espaço de reflexão que incorporasse a razão pedagógica e sua pauta de
universalidade e a necessidade de incorporar, nessa reflexão, a dimensão política que está na
base da construção da diferença que se realiza no seio da escola, contextualizada
historicamente.
O debate da universalidade e especificidade, no âmbito da política pública, é parte da
luta por direitos historicamente negados. A luta por políticas públicas de formação docente
para o campo apontou a necessidade de políticas especificas. As experiências de EdoC
apontaram que, além da elevação do grau de escolaridade, era necessário construir uma
concepção mais alargada de formação, que tivesse uma sólida formação teórica, mas que
contribuísse na ressignificação das problemáticas e conhecimentos apreendidos nos modos de
vida e nas diversas lutas dos movimentos sociais e sindicais do campo.
A criação da Licenciatura em Educação do Campo foi sustentada nessa concepção,
forjada nas experiências e práticas nos cursos de formação financiados pelo Pronera, que se
constituíram como laboratório de construção de um projeto de formação. A nova graduação
buscava incidir sobre a forma da escola, disputando sua forma e conteúdo e garantir processos
de escolarização que contribuísse na formação dos povos do campo.
Segundo Molina (2017) a Licenciatura foi instituída com a intencionalidade de formar
educadores capazes de compreender a totalidade dos processos sociais em que estão inseridos
e de criar condições necessárias para compreensão dos processos sociais de ensino-
aprendizagem. As estruturas sociais são ações objetivadas, por isso a necessidade de pensar o
ser humano concreto, historicamente situado, para pensar projetos formativos que tenham
como horizonte a superação das desigualdades, mas que estão no âmbito da ampliação dos
direitos conquistados com muita luta.
A Licenciatura estava no âmbito da disputa por políticas públicas. Segundo Molina
(2012), há consenso na compreensão de que não é possível alcançar a igualdade jurídico-
política no capitalismo, porque o fundamento das desigualdades está na propriedade privada e
30
as desigualdades são produzidas historicamente pela apropriação das riquezas geradas pelo
trabalho. No entanto, estabelecer a emancipação humana como horizonte prescinde da
emancipação jurídica. A compreensão da historicidade dos direitos e da possibilidade de sua
desconstrução e reversão é que se fez necessário a luta por políticas públicas para a instituição
dos direitos básicos. A constituição dos direitos produz questionamentos na concepção
burguesa de igualdade e impõe ganhos aos trabalhadores.
Por isso, a autora defende que é necessário lutar por políticas públicas e disputar os
fundos públicos do Estado, pelos sujeitos coletivos de direito, de forma que, dependendo da
correlação de forças, há ganhos menor ou maior “entendendo-o na concepção gramsciana,
como condensação das relações presentes numa dada sociedade, num determinado tempo
histórico” (MOLINA, 2012, p. 591).
Em um Estado democrático, os fundos públicos gerenciados são reivindicados para
garantir e criar políticas públicas. Os povos do campo, organizados, reivindicaram um
atendimento nas suas especificidades como reparação social do direito negado historicamente,
negação que produziu desigualdade e diferenciação social. Segundo Molina (2012), na luta
pela universalização do direito, há a necessidade de instituir políticas específicas porque:
cabe ao Estado, ao universalizar os direitos, considerar [...] a radicalização do
princípio da igualdade para estabelecer a universalidade do direito exige, nesse caso,
ações específicas para atender a demandas diferenciadas, resultantes de
desigualdades históricas no acesso à educação (MOLINA, 2012, p. 595).
A luta por políticas públicas de formação docente para o campo apontou a necessidade
de políticas especificas, para além da luta pela universalidade dos direitos, já que, em
consequência das diferenças e desigualdades históricas quanto ao acesso, se constituiu uma
dívida histórica com esses povos, quanto ao direito à educação.
O debate da EdoC, que se iniciou pelo acesso à escola e, consequentemente, da
formação docente, se intensificou nos movimentos sociais e nas universidades, com um
desejo de institucionalização da Educação do Campo enquanto política pública (MOLINA,
2012).
A construção dessa política pública teve como objetivo a melhoria das condições e da
qualidade das escolas do campo, potencializada pela formação dos educadores, bem como
construir propostas para melhoria da educação ofertada nas escolas do campo (MOLINA E
HAGE, 2015).
A construção do Procampo (cujo detalhamento apresentamos no segundo capítulo),
tem sido objeto de estudo realizado por Molina e Sá (2011), Molina (2014, 2015, 2017),
Molina e Hage (2015, 2019), bem como avaliação da política de expansão. O Procampo
31
criado em 2007, em quatro universidades pilotos, tem sua expansão em editais expedidos pela
Secadi/MEC em 2008 e 2012. O último edital lançado constituiu seu processo de expansão
para todo o país.
Segundo dados do MEC, no lançamento do Programa Nacional de Educação do
Campo (PRONACAMPO), em 2012, as taxas de atendimento aos níveis obrigatórios de
escolaridade eram: na Educação Infantil 66,80%, no Ensino Fundamental 91,96%, Ensino
Médio 18,43% e EJA Ensino Fundamental 4,34%2. Os índices de analfabetismo no campo
eram de 4.935.448 (35,4% do total) dos analfabetos no Brasil. No lançamento do programa
havia 342.845 professores que atuavam no campo; dos quais 160.317 não tinham curso
superior (156.190 atuavam com o Ensino Médio e 4.127 atuavam apenas com o Ensino
Fundamental), contrariando a LDB nº 9495/96.
O programa foi lançado tendo como meta inicial formar 45.000 professores (ou seja,
menos de um terço do total dos docentes sem formação) utilizando-se também da Educação à
Distância (EaD) pela Universidade Aberta do Brasil (UAB), intenção repudiada pelo Fórum
Nacional de Educação do Campo (2012); entidade que congrega os movimentos sociais rurais
e instituições de ensino superior que atuam na construção da EdoC. O repúdio se amparava na
compreensão política de que a EaD representava um retrocesso, por apenas propiciar
alterações nos índices educacionais a partir da expedição de diploma, sem nenhuma qualidade
da formação e pela ausência de condições mínimas para acesso às plataformas digitais para o
público interessado. (FONEC, 2012)
A constituição de movimento nacional, reivindicativo e propositivo da EdoC
constituiu em uma ação que disputa com o projeto hegemônico, formulando um projeto de
formação docente, articulado a uma educação emancipadora, que tivesse como fundamento o
trabalho como princípio ontológico e educativo. Tal projeto encontrou na luta por políticas
públicas, no horizonte da emancipação política, um caminho para reivindicar direitos em
parcerias entre os movimentos sociais do campo e docentes das instituições públicas de
ensino.
Para Caldart (2010), a construção da Licenciatura:
[...] foi vista como uma possiblidade objetiva de provocar o debate sobre a
necessidade de transformação na escola, em vista de outros projetos formativos e
desde seu acúmulo de discussão pedagógica e as matrizes da tradição de educação
emancipatória que carregam e têm tentado levar aos educadores do campo, desde
suas próprias atividades de formação. Esse é um entendimento que precisa ser
realçado porque não nos parece ser consensual entre os que hoje se identificam com
2 Dados apresentado pelo MEC no lançamento do Pronacampo, em apresentação do power point que foi
disponibilizado às instituições, mas não encontramos publicados.
32
a Educação do Campo e têm participado das discussões desse novo curso. (2010, p.
133).
Esse objetivo de incidir sobre a transformação da forma e conteúdo das escolas do
campo apontada por Caldart (2010), também é reafirmado em Molina e Sá (2011) quando
apontam que a proposta de formação de professores foi para contribuir na transformação das
escolas no campo, na qual se configurou na proposta lançada em 2007. A formação visava
incidir sobre a construção de um sistema público de Educação Básica do Campo, a partir de
uma concepção curricular de escola emancipatória.
Para Molina e Sá (2012, p. 329) “o principal fundamento do trabalho pedagógico deve
ser a materialidade da vida real dos educandos, a partir da qual se abre a possibilidade de
ressignificar o conhecimento científico”. A escola que pretendesse construir uma formação
que fosse suporte para luta pela emancipação dos sujeitos, precisava ultrapassar seus muros e
se tornar um espaço de vida, no qual as lutas sociais, o trabalho e a cultura dela derivada, não
apenas como expressão do capitalismo, mas como produção humana no campo, fosse a base
da organização curricular.
A práxis educativa que visava transformar os processos de produção de conhecimento
se encontrou com a concepção de interdisciplinaridade; por isso foi organizada a formação
por área do conhecimento como uma estratégia possível para construção de uma concepção
ampliada de educação e para ampliação do direito à educação aos povos do campo.
Para garantir que a atualidade adentrasse o espaço escolar, o projeto formativo
precisava reorganizar os espaços educativos, considerando a sala de aula, mas ampliando para
outros tempos e espaços pedagógicos. Propunha-se a enxergar a totalidade das necessidades
humanas e as totalidades que têm limitado as possibilidades de ser mais, de realizar a
humanidade (FREIRE, 2005).
A necessidade de pensar os processos educativos considerando, em seu processo
pedagógico, a concepção freiriana de educação, exigiu a problematização da realidade, tendo
a pesquisa como princípio educativo e o diálogo como fundamento da produção do
conhecimento científico (diálogo com os conhecimentos sistematizados historicamente e os
que mobilizaram as ações humanas em seu cotidiano). Assumiu também de Pistrak (2011)
como um fundamento da Pedagogia Socialista, a categoria Atualidade que consistia na
capacidade e apresentava a prática social como base para constituição de um plano de estudo
na formação dos estudantes (FREITAS, 2013).
Para conseguir o objetivo de alterar a forma e conteúdo da escola, foi elaborada a
alternância de tempos e espaços formativos, herdada da Pedagogia da Alternância.
33
Ressignificada na educação superior, constituiu-se em alternância pedagógica para constituir a
práxis na formação docente. Essa estratégia permitiu materializar o princípio da
indissociabilidade da relação teoria-prática como fundamento da práxis pedagógica e buscar
uma interdisciplinaridade calcada nos problemas que se apresentavam na materialidade da
vida social (FREIRE, 2005; FREITAS, 2013).
A construção da reflexão teórica teve como referência as lutas e questões dos
territórios e da própria escola do campo, as lutas pelo direito à sua existência no e do campo.
O movimento de constituir tempos de estudos na universidade, instigados pelas questões da
materialidade da vida, buscando retornar para os tempos nos diversos espaços que constituem
o campo brasileiro, teve como objetivo construir articulações entre a teoria e prática na
construção de uma práxis, entendida em Gramsci (2006) inspirado em Marx, como a relação
criadora da ação humana que possibilita a transformação de si e do seu entorno.
Segundo Caldart (2010), a formação por área do conhecimento foi uma estratégia,
dentre outras, utilizada para construir uma formação interdisciplinar a ser construída tendo
como base o trabalho coletivo dos docentes e constituir uma escola que dialogasse com os
problemas e a integralidade da vida humana. Para alcançar tal objetivo foi construída a partir
de princípios que visavam a “construção de um vínculo mais orgânico entre o trabalho que se
faz dentro da escola e as questões da vida dos seus sujeitos concretos, e reorganização do
trabalho docente que visa superar a cultura do trabalho individual e isolado dos professores
(...)” (CALDART, 2010, p 129). Em princípio, a área do conhecimento não deveria ganhar a
centralidade na proposta de formação, mas constituiu um dos desafios no processo de
institucionalização porque encontrou com a formação das licenciaturas e dos bacharelados
que tende a apresentar seus campos de estudos específicos, baseados na disciplinaridade.
A proposta implicava alterar as finalidades educativas da escola, ou seja, partir de um
projeto que pensasse a emancipação e formação integral dos educandos, numa concepção
gramsciana de formar nas dimensões que possibilitem ser dirigentes e dirigidos na formação
de intelectuais orgânicos, aliando o projeto da escola com um projeto de transformação da
sociedade.
Os princípios educativos (dentre eles, a auto-organização para os estudantes
apreenderem os fundamentos da vida coletiva e aprenderem a se organizar enquanto
dirigentes e dirigidos, se posicionando frente aos problemas sociais e ao trabalho coletivo) são
estratégias da construção de uma nova sociabilidade, a qual permitiria construir os valores
éticos necessários a vida em sociedade e produzir um conhecimento interdisciplinar.
Segundo Freitas:
34
[...] a nova escola deverá estar sempre na vida, na prática social, no trabalho
socialmente útil, onde os sujeitos se constituem inclusive pela inserção nas lutas
sociais e pela vivência das contradições, constituindo-se como sujeitos que se auto-
organizam para intervir na construção do mundo. Neste processo, a escola será mais
uma agência entre tantas outras. A escola do trabalho é a escola da vida, incluído aí
o trabalho produtivo, quando adequado à idade da criança (FREITAS, 2012, p. 05).
Os princípios e as estratégias que foram construídos e/ou utilizados na EdoC e que a
Licenciatura em Educação do Campo assumiu, têm o objetivo de operar a transformação da
formação escolar. “A escola tem que ser vista, necessariamente, na perspectiva do trabalho
coletivo entre educadores (incluído aqui os gestores) e estudantes, de caráter democrático
participativo” (FREITAS, 2010, p.8). Assim, o fundamento do trabalho coletivo é construir
outras relações menos hierárquicas no qual o protagonismo docente passa a ser compartilhado
com outros sujeitos que eles têm importância vital na construção de uma escola participativa e
democrática, que visa a formação de lutadores e construtores do futuro (PISTRAK, 2011, p.
29).
Para Caldart (2010, p.156), esta Licenciatura tem como finalidades educativas um
projeto que aponte a emancipação e formação humana em todas as suas dimensões
(cognitivas, afetivas, artísticas, sociais, dentre outras). Buscamos apresentar abaixo uma
síntese da concepção de formação humana que orienta essa concepção de educação.
1.1.1. Concepção de formação humana
A emancipação humana das condições de exploração foi compreendida como
possiblidade e como horizonte histórico, apontados por Marx e Engels (1999) quando
analisaram, a partir da dialética, as contradições sociais e vislumbraram na luta social a
possibilidade de transformação das condições sociais de opressão.
A formação do ser social em Marx (1974) como produto e produtor do trabalho em
sua gênese, implica numa teorização do trabalho como ação realizada apenas pelos seres
humanos, apontando que os aspectos que nos diferenciam dos animais são teleologia (prévia
ideação, finalidade) objetivação, exteriorização. Tais capacidades permitem transformar
intencionalmente uma realidade, um objeto material e, ao mesmo tempo, transformar-se. Foi
esse movimento sobre o mundo natural que constitui a segunda natureza humana e os
processos de objetivação e apropriação que geram a história humana.
Engels (2013) analisa a constituição do homem enquanto ser social, forjada na relação
homem-natureza, entendendo como historicamente a humanidade foi se produzindo,
intervindo no mundo natural com seu trabalho, se tornando produto e produtor do meio social.
35
Engels (2013) apresenta os fundamentos de uma concepção materialista histórico dialética de
humanidade.
Várias questões constituem o debate marxista em torno do trabalho como
fundamento ontológico de formação do ser social, para compreender sua dimensão criadora
do mundo, portanto, potencializadora e capaz de transformar o mundo em que vivemos.
Lukács (1978) se preocupou em apresentar fundamentos, nos escritos de Marx, de uma
ontologia histórico materialista. Este autor argumenta que os seres humanos atuam no mundo
a partir das necessidades, que são as motivações, e a construção do dever-ser ou consciência é
um produto da sua atuação no mundo.
Na interpretação lukácsiana da teoria marxiana, os seres humanos anteveem e
projetam suas ações, antes da execução do trabalho; o produto do trabalho é ao mesmo tempo
sua objetivação e subjetivação, pois sua consciência é fruto construído da ação. É sobre essa
base sócioontológica que a sociedade é produzida e a práxis social é a decisão sobre as
alternativas encontradas na construção social.
Na leitura que Marx (1974) construiu sobre os fundamentos de como se organiza a
sociedade, no sistema de produção capitalista, encontra-se a ideia central da divisão social do
trabalho e da apropriação privada, por uma classe, dos valores produzidos pelo trabalho de
todos. Uma classe de seres humanos foi expropriada dos meios de produção, restando-lhe
apenas sua força de trabalho; por isso a exploração e a alienação dos produtos de seu trabalho
se tornaram um fundamento da geração de riqueza, o que gera as desigualdades de condições
materiais e por consequências, de bens culturais e simbólicos.
Gramsci (2006), refutando uma leitura determinista de Marx, de que a produção das
desigualdades na sociedade seria apenas no campo do econômico, reafirma a teoria marxiana
quando vislumbrou que a produção do poder e das desigualdades se faz cotidianamente na
produção da hegemonia. Para Gramsci (1987), a sociedade é construída a partir do consenso e
da coerção. O exercício do aparelho repressor somente seria utilizado quando não se consegue
o consenso e por isso a coerção foi explicada como parte também da estrutura do poder. Para
garantir a hegemonia, o consenso tende a ser obtido e produzido pela produção de ideologia
no cotidiano. Masson e Schlesener (2019, p. 7), interpretando Gramsci, apresentam que esse
autor atribuiu vários significados para a palavra ideologia. Dentre eles, o mais importante para
a organização política da classe trabalhadora é o que apresenta a ideologia como um
movimento da luta de classes na elaboração do exercício da hegemonia.
Gramsci critica uma leitura marxista mecanicista de que as condições econômicas
determinam a formação do ser social, mas corrobora que elas impõem condicionamentos.
36
Para Masson e Schlesener (2019, p. 7), a perspectiva mecanicista, já criticada e superada por
Marx, nas Teses sobre Feuerbach, porque ela destrói as possibilidades de superação da
subalternidade, e se concretiza no trabalho ativo de reinterpretar o passado para construir a
história presente. Para elas, os momentos concretos da luta política são fruto da vontade dos
homens em seus projetos de transformação de realidade.
Gramsci (1987,1991) formula o conceito de intelectual e de hegemonia. Para ele,
conceito de intelectual, nesse sentido, poderia ser estendido a todos os seres humanos, mas
nem todos exercem essa função na sociedade; os que a exercem são funcionários subalternos
da classe dominante na aparelhagem estatal e na sociedade civil, como intelectuais que
formulam e disseminam capilarmente as ideias, valores e práticas das classes dirigentes.
Gramsci classificou os intelectuais em três tipos: o grande intelectual, que produz concepções
de mundo que pretendem ser universais e os pequenos e médios intelectuais, que espalham as
concepções de mundo hegemônicas para que permeiem todo o tecido social. Ele defendeu a
necessidade da formação de “intelectuais orgânicos”, em contraposição a intelectuais
tradicionais que teriam como capacidade de formular a crítica ao status quo e organizar e
dirigir a sociedade com vistas a criar condições de transformação em direção à sociedade do
trabalho.
Para ele, a hegemonia capitalista é produto da dominação da infraestrutura, mas está
interligada com a superestrutura construída, não havendo separação entre elas. Ao analisar a
partir do campo da produção do poder e da hegemonia, ele analisa que a hegemonia se faz
produto da dominação material, aliada à capacidade de produzir visões de mundo e naturalizá-
las como única possível. Por isso as diferentes mídias, a ciência, a educação e a arte cumprem
papel importante na produção e manutenção de uma concepção hegemônica de sociedade, na
construção e elaboração da subjetividade coletiva.
Para Gramsci (1987), portanto, a ideologia é a representação da realidade firmada
pelos grupos dominantes, pela necessidade objetiva de construir e garantir a sua hegemonia,
pois ela não está dada a priori. A unidade pretendida será sempre questionada pelos grupos
subalternos, os quais, embora tenham sua subjetividade individual elaborada pela ideologia
dominante, podem organizar-se e, a partir de sua emancipação política, construir uma
subjetividade coletiva, uma identidade de classe que lhes permita avançar na disputa
hegemônica.
Masson e Schlesener (2019) trabalham com a noção de ideologia como uma forma
de consciência social que orienta a ação humana diante dos conflitos sociais, por isso é uma
luta contínua. Para elas “a ideologia se elabora no embate político, como modo de pensar e de
37
conceber a vida, como identificação e superação das contradições na luta pela construção de
uma nova ordem social e política” (MASSON e SCHLESENER, 2019, p. 7). O debate da
produção de novas ideias e de uma nova humanidade foram forjados na EdoC com esse
pressuposto, investindo no trabalho em todas as dimensões do humano, a partir do confronto e
de conflito estabelecido na convivência entre os seres humanos para a constituição de novos
intelectuais orgânicos.
Muitos autores no campo da educação se dedicaram a formular um projeto de
formação humana, que compreendesse como históricos os processos de desumanização.
Dentre eles, Frigotto (2012) tem contribuído na EdoC, no debate sobre interdisciplinaridade
que sistematiza sua compreensão, bem como na a leitura que realizou sobre a formação
integral, (que ele denomina de omnilateral). Esse autor apresenta uma distinção entre o
trabalho, em sua dimensão criadora da vida humana (ontológica) e as formas de emprego ou
trabalho assalariado no capitalismo – que produzem a alienação e mutilação da vida dos
trabalhadores (FRIGOTTO, 2010). Reitera que foram as lutas dos trabalhadores organizados
que construíram uma “sociedade salarial” no século passado, conquistando os direitos
trabalhistas e a regulação do Estado sobre o emprego, e que estamos vivendo um outro
momento histórico nesse século, com a destruição da “sociedade salarial” a partir do
“desemprego estrutural” produzido pelo neoliberalismo, uma sociedade caracterizada pela
diminuição dos postos de trabalho, pela precarização das condições de trabalho no mundo.
Frigotto reafirma a concepção do trabalho como central na produção do mundo, em
contraposição a tese de Habermas de que “a ciência tem ocupado o espaço da principal força
produtiva na atualidade” (FRIGOTTO, 2010, p. 15.), buscando apresentar outros
desdobramentos da relação entre trabalho e valor e as formas contemporâneas de
estranhamentos. O trabalho constituiu um eixo fundamental para compreender as condições
de alienação e as possibilidades de sua superação.
Para ele, a educação cumpre um papel fundamental em produzir uma crítica a essa
sociedade e reafirmar o trabalho como valor de uso e como princípio educativo e criador de
humanidade (FRIGOTTO, 2010). Ele defende o conceito de educação omnilateral como um
projeto de educação para a emancipação em todos os sentidos, visando o desenvolvimento
integral dos seres humanos, nas dimensões que envolvem a vida material e seu
desenvolvimento intelectual, cultural, educacional, psicossocial, afetivo, estético e lúdico.
Esse projeto educativo não pode ser desenvolvido plenamente sob a égide do
capitalismo, porque a função social da escola foi direcionada para formação de mão de obra
acrítica e pela caracterização da escola dualista, separando a formação de dirigentes e da
38
formação de dirigidos. Frigotto (2012) defende que os fundamentos dessa educação integral,
estão na base de construção de outro projeto societário. Foram, segundo ele, as contribuições
dos autores Marx, Engels, Gramsci e Lukács que sustentam os fundamentos desse projeto:
A possiblidade do desenvolvimento humano omnilateral e da educação omnilateral
inscreve na disputa de um outro projeto societário, que liberte o trabalho,
conhecimento, cultura, tecnologia e as relações humanas em seu conjunto da
sociedade capitalista. Um sistema que submete o conjunto das relações de produção
e relações sociais, educação, saúde, cultura, lazer, amor, afeto, e até mesmo, grande
parte das crenças religiosas à lógica mercantil (FRIGOTTO, 2012, p. 267).
Para Frigotto (2012), o horizonte do projeto, no qual a educação tem papel
fundamental, é o reencontro dos seres humanos com sua humanidade cindida e perdida:
[...] Em um combate sem tréguas aos valores mercantis da competição, do
individualismo, do consumismo, da violência e da exploração sob todas as suas
formas. Para os camponeses, cabe reforçar a ideia da propriedade social e coletiva da
terra, da ciência e tecnologia como valores de uso na compreensão de que uma
individualização rica somente se efetivará quando cada ser humano tenha uma
mesma base material objetiva e subjetiva para seu desenvolvimento [...]
(FRIGOTTO, 2012, p. 268).
O que fundamenta as concepções que deram origem à EdoC foi essa concepção de
humanidade, de educação e de sociedade, explicitados anteriormente.
Os povos do campo, organizados em diversos movimentos, compreendem o trabalho
como ligado às necessidades humanas e a vida e sofrem outras formas de expropriação,
mesmo que não na condição de assalariados; ao mesmo tempo, se colocam como sujeitos
políticos, e disputam as concepções de mundo, contra os processos que limitam sua
humanização ou promove sua desumanização e exclusão.
Por isso, reconhecem a necessidade de trilhar os caminhos da emancipação política na
reivindicação de direitos, no âmbito do Estado, a partir da emancipação política, ao mesmo
tempo que realizam lutas anticapitalistas, defendendo uma concepção de formação humana
coerente com sua concepção de humanidade e de sociedade que desejam construir.
Os fundamentos da EdoC e a Licenciatura em Educação do Campo, assumem a
concepção de formação humana acima apresentada como fundamento para a constituição de
Políticas Públicas de Educação do Campo, em contraposição às concepções que têm gerado
uma reforma da educação superior no Brasil, produzindo finalidades para a Educação que
implicam na disseminação nos valores do individualismo, da competição e da meritocracia e
concepções pragmáticas e neotecnicistas na formação docente.
Em seu processo de institucionalização, a Licenciatura em Educação do Campo foi
submetida às políticas de avaliação da Graduação, e sofre influência também da Política de
avaliação da Pós-Graduação, as quais contribuem para a construção de uma “nova
39
sociabilidade para o trabalho docente” (SGUISSARDI E SILVA JUNIOR, 2018). Tais
políticas implementaram uma concepção de educação contrária ao que aqui apresentamos
como o referencial teórico metodológico da pesquisa que guiou e fundamentou a constituição
desta tese; isso nos permitiu produzir a análise de Licenciatura em Educação do Campo a
partir do lócus de formação da Unifesspa, investigando como elas produziram interferência no
projeto formativo, por isso, apresentamos tal disputa no tópico a seguir.
1.2. A formação docente e as universidades públicas como locus de projetos em disputa
Este tópico tem como objetivo apresentar a disputa de concepções de educação e de
formação docente que a Licenciatura em Educação do Campo precisou enfrentar em seu
processo de institucionalização. Centramo-nos, aqui, na análise de implicações das reformas
na educação superior e das políticas de avaliação da graduação e da pós-graduação para as
concepções de educação crítica, assim como seus impactos no trabalho docente.
O tema da formação docente ganhou maior visibilidade no mundo capitalista com as
transformações de ordem econômica, cultural, social e, mais especificamente, com as
transformações no mundo do trabalho e as novas exigências com a internacionalização do
capital. Ganham ênfase as políticas neoliberais, com as reformas educacionais e o discurso
das “novas habilidades e competências”, na formação de mão de obra flexível adaptável às
novas condições de produção do mercado globalizado (OLIVEIRA, 2003).
Tem ganhado força e centralidade o projeto de formação docente pautado pelas
teorias do professor reflexivo e da formação centrada na “prática pedagógica” individual. Esta
concepção visa se adequar às reformas curriculares e as políticas de avaliação externas, que
buscam hegemonizar uma visão da Educação como sinônimo de “habilidades e
competências” necessárias ao trabalho na sociedade capitalista, excluindo do projeto
formativo para docentes uma leitura mais ampla do projeto de sociedade que estão imersos
(FREITAS, 2014; CURADO SILVA, 2011).
Inúmeras foram as consequências dessas reformas para os profissionais do ensino.
Uma grande quantidade de pesquisas passou a denunciar a precarização das condições de
trabalho; a intensificação do regime de trabalho docente; a flexibilização, a descentralização e
os sistemas de avaliação externos, com objetivos de mercantilizar a educação superior
(MANCEBO, 2007). Estudos nacionais e internacionais passaram a debater formação e
profissionalização docente, pelo viés teórico da teoria crítica (OLIVEIRA, D, 2003).
40
Catani e Oliveira, J (2002) e Shiroma et al (2003) apontam que Educação Superior
tem sido impactada por diversas reformas, na tentativa de alteração da função social da
Universidade, desde a década de 1990. Para eles, as mudanças foram estruturais, com ênfase
no próprio conceito de Universidade.
Shiroma et al (2003), analisou o percurso histórico do conceito de Universidade,
desde a implantação das universidades no Brasil, na década de 1930; os autores mostram, a
partir de documentos de orientações dos organismos internacionais nos anos 1990, que o
conceito de Universidade foi considerado amplo e seguiu orientações pela substituição por
“ensino superior” como sinônimo de educação terciária, nomenclatura cunhada pela OCDE.
(SHIROMA et al, 2003, p. 142). Foram criadas as bases legais para reestruturação do campo
da Educação Superior, em relação aos seus fundamentos e princípios, visando principalmente
atingir e restringir à autonomia universitária. Catani e Oliveira (2002) afirmam que a
implementação de uma nova configuração do ensino superior, centrou-se nos aspectos da
expansão, avaliação, credenciamento e recredenciamento, que objetivaram produzir um
sistema baseado na flexibilidade, competitividade, diferenciação e avaliação a partir da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LBD) nº 9394/96. (BRASIL, 1996).
As reformas baseadas na racionalidade instrumental têm como fundamento a
subordinação das instituições de ensino superior às regras do mercado, pela competição na
busca de financiamentos para suas atividades, vinculadas à diminuição de sua autonomia para
obtenção e gestão de recursos e pela diversificação institucionalizada de diferentes
instituições de ensino superior. O ensino superior passou a ser pensado e organizado a partir
de quatro eixos: o Estado, o mercado, a academia e a forma institucional privada. Nesse
sentido, o Estado passou a direcionar sua ação para a coordenação e o controle no campo de
ensino no jogo do poder (SHIROMA et al, 2003).
As intervenções centralizadas do Governo Federal produziram a alteração nos
documentos oficiais que legislam sobre a formação de professores, influenciando alterações
nas finalidades educativas dos cursos de Licenciatura ofertados nas instituições públicas e
privadas e no estabelecimento do Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb) para
produzir alterações na Educação Básica e no Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior (Sinaes) e as políticas de avaliações instituídas pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Ensino Superior (Capes) na Pós-Graduação, de forma
que essas reformas, produzidas sob a justificativa para melhorar a qualidade da educação
pública, produziram interferências em todos os níveis de ensino ofertados no país.
41
Essas reformas visavam disseminar os valores do individualismo e da competição a
partir do aumento da produtividade, apresentando como responsáveis pela baixa qualidade do
ensino, o trabalho docente e sua formação. O produtivismo passou a ser cada vez mais
incentivado em todos os níveis de ensino. Na Educação superior, as reformas visavam
descaracterizar as funções docentes e de pesquisadores e construir uma competição entre os
docentes e entre as instituições de ensino, tornando-os responsáveis pela implementação
dessas políticas. Assim, docentes e instituições assumiriam a lógica empresarial. As
finalidades do trabalho docente passaram a ser orientadas pela métrica das pontuações
estabelecidas pelo número de publicações, sendo o curriculum Lattes individual a chave para
acessar os poucos recursos públicos disponibilizados para financiamento de pesquisas.
(SHIROMA et al, 2003).
Garcia (2009) afirma que a Educação Superior foi atacada pelas tentativas de
privatização por dentro do espaço público e pelo volume de dinheiro público que passou a
financiar as instituições privadas de ensino, desviando de estruturação a longo prazo das
universidades federais. Para ela, a política de construção de excelência na Pós-Graduação,
implementada a partir do sistema de avaliação organizado pela Capes forjou e fortaleceu a
alteração na função social da universidade pública brasileira porque, além da competição
interna gerada, na busca de reconhecimento e recursos públicos e pela função reguladora do
estado, o direcionamento para produção da pesquisa para atender aos interesses privados, no
incentivo a busca por financiamento externo, bem como o controle das temáticas que
merecem financiamento a partir da regulação do mercado.
Essa autora apresenta que houve uma significativa alteração na função social da
universidade, alterando a política de ensino-pesquisa-extensão para a política de ensino-
pesquisa-serviços, através da função reguladora do Estado.
Segundo Garcia (2009) a definição das políticas nacionais comprometeu as condições
do ensino e da pesquisa, inclusive com o ataque à carreira e as condições de trabalho em todos
os níveis, com o projeto de terceirização sendo aprovado no Congresso Nacional desde os
anos de 1990. Para ela, a EaD, através do uso das Tecnologias Informacionais (TIC) foi
apontada como solução para resolver os problemas de acesso à educação, principalmente no
campo da formação docente. A pedagogia das habilidades e competências se tornou a
orientadora da alteração da função de professor, relegando este ao papel de tutor, animador ou
facilitador da aprendizagem e negando a importância da ação docente na Educação Superior.
O mesmo redesenho se coloca também em projetos para a Educação Básica. (GARCIA, 2009)
42
Mancebo (2015) aponta que a tendência de expansão do ensino superior no Brasil, no
período de 1995-2014, se deu a partir da lógica neoliberal, pela privatização e mercantilização
do ensino, numa relação promíscua entre o público e o privado. A oferta do ensino superior a
partir do governo Lula, expandiu para 75% das matrículas em instituições privadas, e 25% em
instituições públicas, até 2015. Houve expansão do Ensino Superior, na lógica apresentada,
mas ao contrário das políticas de avaliação, a expansão priorizou a baixa qualidade do ensino
ofertado e a mercantilização do conhecimento, pois a Educação Superior passou a ter como
meta atender às demandas do mercado.
Nas universidades públicas, a expansão se deu principalmente pelo Projeto
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que expandiu em 70%, de
2007 a 2013, as vagas na Educação Superior, porém sem assegurar, nessa expansão, o tripé
ensino, pesquisa e extensão (MANCEBO, 2015). Mancebo, Vale e Martins (2015) apontam
também o crescimento da oferta do ensino superior a partir do empresariamento da educação,
principalmente pela EaD e pelo financiamento estudantil no Programa Universidade Para
Todos (PROUNI) e por fim, pelo Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) que passa a
garantir, com o fundos públicos, as instituições privadas.
Há uma distinção entre as instituições do ensino superior privadas no Brasil, segundo
Mancebo, Vale e Martins (2015): há as instituições confessionais que oferecem um ensino de
melhor qualidade e que não tiveram sua expansão baseada pela precarização da oferta, e as
privadas mercantis, que tem se baseado na EaD. Estas, por sua vez, tiveram maior expansão
no Brasil e foram beneficiadas pelos fundos públicos, pelas isenções fiscais e previdenciárias.
A ampliação do Ensino Superior no Brasil também se deu pela reestruturação do
ensino profissional e tecnológico, através da expansão da Rede de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica, que passou a atuar também da EJA à Pós-Graduação e, em 2013, era
responsável por 11% das vagas ofertadas de graduação.
A ampliação sem oferta das condições financeiras adequadas se constituiu em um forte
direcionamento para que as universidades públicas diversificassem as fontes de
financiamento, passando a cobrar por certos serviços e a vender, outros a partir da Lei da
Inovação Tecnológica, nº 10.643, de 2004 (MANCEBO, 2015).
O projeto neoliberal apostou no modelo gerencialista de redefinição do livre mercado
por meio do Estado, redefinindo as fronteiras entre o público e o privado, tomando a gestão
empresarial como modelo para a qualidade, descentralização e avaliação dos serviços
públicos pelos consumidores/cidadãos (FREITAS, 2018). Novos modos de subjetivação são
produzidos a partir das reformas da educação superior: as novas formas de gestão têm
43
implicações diretas no exercício da docência, consequências nefastas nas condições de
trabalho e na profissionalização docente no Brasil.
Segundo Curado Silva (2011), no período pós LDB a formação docente tornou-se o
foco de amplo debate por diferentes segmentos na sociedade, sendo propostas inúmeras
reformas para adequar a fase de desenvolvimento em que o capitalismo se encontra,
resumidas pela defesa de que é preciso adequar o modelo de formação e construir outro perfil
de professor. O trabalho docente passou a sofrer um maior controle e racionalização pelo
Estado. As mudanças ou reformas têm sido orientadas pela construção hegemônica de
projetos de formação de professores cuja base é a epistemologia da “racionalidade prática”,
por ela denominada como “Epistemologia da Prática”.
Os cursos de formação foram orientados a produzir revisões nos projetos pedagógicos,
nas quais as alterações visam uma diminuição no papel da teoria, apresentada nos
fundamentos que sustentam a concepção pedagógica; estudos que produzem uma
compreensão crítica e uma articulação e relação com os problemas que sustentam o trabalho
pedagógico tendem a ser reduzidos, resultando numa ampliação da carga horária da prática
pedagógica e do estágio, pela valorização do saber prático. Essas medidas foram colocadas
em vigor a partir da Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) de 2002 e
intensificada no CNE CP nº 02 em 2015.
Segundo Curado Silva (2011) essa epistemologia constitui o pressuposto de uma
concepção de educação que busca encontrar as respostas para os problemas que ocorrem no
interior da escola, restrito do cotidiano do fazer pedagógico na prática pedagógica. Por isso,
os conceitos de “professor reflexivo” e “competências e habilidades” ganharam centralidade
principalmente para responsabilizar os docentes pelos problemas da educação, justificando
para isso a “melhoria da qualidade do ensino” tendo como referência os índices e
instrumentos utilizados para classificar e produzir ranking das escolas.
Houve uma extensa produção teórica no campo da Educação, a partir dessa visão
positivista da ciência, que está articulada com as políticas de gerenciamento e avaliação da
escola pública produzidas nas últimas décadas. A formação docente está no campo das
disputas de projetos e contradições do momento atual. A epistemologia da prática se constitui
como fundamento teórico por apontar as teorias das competências e habilidades; como o
fortalecimento da racionalidade técnica e de um praticismo como solução para os problemas
de aprendizagem a “prática pedagógica” isolada na sala de aula (CURADO SILVA, 2011).
O cenário descrito foi de avanço das políticas neoliberais, que têm hegemonizado o
campo da formação docente, provocado a precarização das condições de trabalho docente e a
44
proletarização desse trabalho, com a perda da autonomia para construir a práxis pedagógica.
Os processos de alienação e desumanização trazem inúmeras implicações para o cotidiano
escolar. Os problemas das desigualdades sociais têm impacto direto na aprendizagem dos
estudantes e há um intenso processo de produção de “descrédito do professor”. A cobrança
pela melhoria da qualidade da educação ofertada é estrita ao campo dos indicadores
construídos em políticas de avaliação externas a escola, que desconsideram e mascaram os
inúmeros fatores que são responsáveis pela aprendizagem, apresentando o fracasso escolar
como se fosse meramente cognitivo e se situasse nas limitações dos estudantes.
Rios (2011) historiciza que, no Brasil, desde a década de 1980 se estabeleceu o debate
dentro do movimento docente sobre a qualidade da educação. Os termos do debate foram
apresentados por Guiomar Namo de Mello (1982), que apresentava duas dimensões da
competência, entendida como competência técnica e/ou compromisso político e Saviani
(1983) que produziu duras críticas a forma como essas dimensões foram apresentadas
separadas, como se fossem dicotômicas e excludentes entre si.
No Brasil, o movimento docente já discutia uma concepção de qualidade social. Rios
(2011) cita vários autores que fizeram críticas a uma concepção de qualidade avaliada no
âmbito do mercado e denunciava a tentativa discursiva de contrapor a luta pela
democratização da escola pelo discurso da qualidade da escola pública. Para esses autores, a
qualidade social da escola pública, não poderia estar na dicotomia entre quantidade versus
qualidade, mas ancorado nas bandeiras da universalização da escola pública e garantia de
permanência de todos na construção de uma formação crítica (RIOS, 2010, p. 75).
O termo qualidade passou a ser substituído pelo conceito de competência, sendo tal
noção introduzida no Brasil pela administração de empresas, apreendido do programa
“Qualidade Total”, a partir do estudo das novas formas de gerenciamento das empresas
japonesas. O gerenciamento dos processos educativos foi apresentado como solução para os
problemas da educação brasileira, como forma de aumentar os resultados produzidos e
fomentar a competitividade a partir da racionalidade econômica e mercadológica (RIOS,
2011). A autora analisa o conceito de competência, assumido nos documentos oficiais do
MEC, encontrando em Perrenoud uma lista de dez competências do professor para exercer a
docência. O “conceito de competência é apresentado principalmente por Perrenoud (1997)
como um conjunto de destrezas e habilidades a serem mobilizadas a partir de vários recursos
cognitivos, para atuar na incerteza que é a sala de aula: o conhecimento científico seria um
deles”. Rios se contrapõe a essa concepção ao tratar da formação docente, “ao propor que a
45
dimensão ética, seria a mediação entre as dimensões técnicas e política e que produziria um
carácter dialético da formação” (RIOS, 2011, p. 87).
Por competência é entendida apenas o sentido estritamente técnico da capacidade do
professor encaminhar e resolver as questões e demandas da prática profissional. Esse conceito
remete apenas para as qualidades inerentes aos interesses do mercado de trabalho, bem como
as propostas de flexibilização exigida pela reestruturação produtiva (RIOS, 2010).
A concepção de qualidade defendida pelo movimento docente no Brasil inclui
diversas dimensões, e a questão técnica é apenas uma delas. As dimensões técnica, política,
ética e estética são as que compõem a compreensão de qualidade defendida pelo movimento
docente, que faz duras críticas àquela visão estreita que vincula o papel social da escola à
formação de destrezas e habilidades apenas para executar trabalhos na sociedade capitalista,
reduzindo as possibilidades de emancipação dos seres humanos.
Nas propostas de formação humana crítica, o trabalho é entendido como prática
social. O trabalho docente constitui, portanto, um dos campos de atuação na sociedade. As
categorias trabalho, relação teoria e prática e pesquisas da/na formação, bem como a função
docente são as que orientam a formulação de projeto que tem na práxis seu fundamento. É
preciso problematizar a escola existente na tentativa de construir a escola projetada, por isso o
debate da qualidade de ensino precisa ser constituído não pela ótica das avaliações
internacionais, mas segundo Oliveira, J:
A segunda compreensão acerca da qualidade da educação decorre de perspectiva
histórica e de luta pela ampliação da educação como direito. As lutas em prol da
democratização da educação vinculam-se a uma perspectiva de mais ampla do
estado de direito, de constituição de um estado social e de uma democracia efetiva e
substantiva, que inclua uma real democratização dos fundos públicos, como
expressão da riqueza produzida pelo conjunto da sociedade, a gratuidade, a
obrigatoriedade, a laicidade, a gestão democrática e a oferta da educação escolar
com qualidade social são elementos históricos dessa vertente (2013, p. 248-249).
O autor reforça que, para se constituir processos educativos de qualidade, terão que
problematizar a realidade e construir concepções de mundo nessa direção.
Para Oliveira, J (2013) é preciso pensar que a Educação está em um processo de
disputa, mas não se devemos desconsiderar as potencialidades emancipatórias da educação
pública, pois é um campo social de disputa hegemônica e um espaço de luta e contradição,
uma vez que reflete a própria constituição da sociedade.
Para Neves (2013), as estratégias da nova pedagogia da hegemonia se atualizaram. A
autora parte do princípio de que o neoliberalismo foi constituído para manter a hegemonia, a
partir da recomposição no bloco de poder, no qual as classes dirigentes desempenham um
46
papel mais significativo na definição e execução das políticas estatais porque buscam se
apropriar dos fundos públicos, mas também no controle sobre a educação pública.
A autora citada defende a tese de que os professores vêm se constituindo, na
atualidade brasileira, em importantes intelectuais orgânicos. A hegemonia na sociedade se fez
pela inclusão dos professores e pela disputa da sua formação. A formação ofertada na
perspectiva do capital produz uma adesão dos professores a participar do jogo social,
contribuindo na produtividade e lhe constituindo um peso político como disseminadores
dessas ideias. Para Neves:
Enquanto a qualidade social defendida pelas forças progressistas da sociedade civil à
época acenava para uma escolarização integral que pudesse conduzir coletivamente
o homem do século XXI a transformações radicais das relações capitalistas, a atual
proposta de qualidade social aponta que a formação de um capital humano,
conforme aos requisitos técnicos e ético-político de aumento de produtividade e de
competividade exigido pela dinâmica capitalista brasileira contemporânea (NEVES,
2013, p. 10).
Para Neves (2013), os professores têm assumido a tarefa de incentivar formações
estreitas a partir da tese do capital humano. Eles possuem níveis distintos de consciência
política, e atualmente, tem desempenhado funções de intelectuais disseminadores de uma
nova pedagogia da hegemonia. Passaram a desempenhar tal papel, como incentivadores e se
colocaram a serviço da teoria do capital humano, remodelada pelos organismos
internacionais, para formar a partir da competitividade e para inserir como mão de obra
qualificada na disputa pelo aumento da produtividade individual, dentro da lógica capitalista.
Entretanto, ela reafirma que os professores podem ser fundamentais para a construção
outro projeto de desenvolvimento, seja pelo contingente expressivo, seja pela posição de
estratégica relevância, para a construção e consolidação de outra lógica de formação do
humano. Atualmente, tem-se o desafio de construir políticas de formação docente que sigam
na contramão da lógica hegemônica imposta pelo neoliberalismo para a educação.
Principalmente, porque o estado passou a exercer uma função de gerenciador, buscando o
controle do trabalho docente pela responsabilização pelos problemas da educação.
Como contraposição e resistência ao projeto assumido como oficial pelo MEC,
buscamos analisar a institucionalização do projeto de formação de educadores construído pelo
movimento político pedagógico da EdoC como proposta que disputa essa hegemonia de
formação docente.
1.3. Caminho teórico-metodológico percorrido na realização da pesquisa
47
Nesse tópico apresentamos os fundamentos epistemológicos que orientaram nosso
trabalho de pesquisa. É composto por dois momentos: no primeiro, apresentamos o debate
sobre o método do materialismo histórico dialético, nossa opção metodológica; no segundo, o
percurso metodológico da pesquisa, focando inicialmente nas técnicas para geração, análise e
interpretação dos dados como o caminho que percorremos para construir essa pesquisa e
depois apresentando o nosso locus de pesquisa.
Para compreender nosso objeto de estudo, explicitamos anteriormente o referencial
marxista, partindo do pressuposto de que não há neutralidade na pesquisa científica, pois a
produção de conhecimento apresenta intencionalidades de intervenção na realidade. Segundo
Masson (2014): ‘a desmistificação ideológica é tarefa importante para pesquisadores críticos
[...]” (MASSON, 2014, p. 203). É importante assumir que somos situados historicamente,
enquanto pesquisadores de determinada classe social e que nossa concepção de sociedade e de
seres humanos está expressa, desde a escolha do tema de pesquisa; bem como direciona nosso
recorte de estudo.
Netto (2011) produz estudos para melhor compreendermos o método na teoria
marxiana. Ele aponta que Marx, ao tomar como objeto de estudo o desenvolvimento histórico
da sociedade capitalista, inicia a partir dos fatos aparentes, buscando compreender a essência
do fenômeno estudado, sua estrutura e sua dinâmica, apreender o movimento do real. Para
compreender esse objeto, construiu as categorias totalidade e contradição (NETTO, 2011).
Essas duas categorias são a chave para compreender o processo de pesquisa que busca
compreender, nas singularidades, as particularidades que constituem a totalidade. Masson
(2007) ao discutir as categorias centrais do Materialismo Histórico Dialético, numa
contribuição à discussão metodológica das pesquisas em Educação, apresenta o conceito de
totalidade, explicitando que não se trata da apreensão total da realidade, “mas a necessidade
de desvelar a realidade, da gênese a seu desenvolvimento, captando-a de acordo com Marx
‘como síntese de múltiplas determinações’” (MASSON, 2014, p. 211).
Marx propôs a dialética como fundamento metodológico para compreensão do objeto das
ciências sociais, construindo uma inversão da dialética hegeliana. Ao estudar o objeto
“sociedade” buscou, a partir da historicidade, compreender o movimento de construção do
real, construindo a perspectiva da dialética materialista (NETTO, 2011). A dialética
materialista aponta a necessidade de compreender as transformações do real em movimento.
Segundo Masson (2007, p. 106), “[...] só existe dialética se existe movimento, e que só há
movimento se existir o processo histórico [...]”. Nosso trabalho orientou-se pela categoria
48
historicidade pois buscou-se reconstituir o movimento histórico da EdoC a partir do curso de
Licenciatura em Educação do Campo.
Ao produzir pesquisa com essa concepção epistemológica, o ponto de partida será sempre
a realidade material que orienta o processo de abstração (concreto pensado) produzindo uma
interpretação do real, posteriormente retornando à realidade para construir sínteses. O
concreto pensado é constituído como síntese de múltiplas determinações, e por isso, a unidade
do diverso. A teoria seria o processo que possibilitaria compreender o movimento histórico
para produzir sínteses provisórias para a ação e transformação do mundo (NETTO, 2011).
Nesta compreensão, a relação sujeito e objeto está imbricada, portanto, não há
externalidade e nem neutralidade do pesquisador. No entanto, a objetividade do conhecimento
teórico é dada pela realidade que é externa ao pesquisador. Como procedimento analítico, a
análise a partir de múltiplas determinações construirá uma reflexão abstrata que permitirá
recompor o real em sua totalidade e produzirá uma síntese das múltiplas determinações que a
constituem (NETTO, 2011).
Os conceitos de universalidade e singularidade estão imbricados. Para o autor, é preciso
conhecer as categorias que constituem as articulações internas e externas do objeto, propondo
uma análise diacrônica e sincrônica, pois a análise dos dados é a superação das percepções
para construir síntese de investigação, ou seja, resultados provisórios (NETTO, 2011).
Como o método para investigar o fenômeno parte do real objetivo, compreender um
objeto de estudo é um esforço de compreender e constituir, partir da “totalidade”, das
múltiplas inter-relações e da dialética. Nessa compreensão, o debate da objetividade e
subjetividade é apontado, considerando que o pesquisador é sujeito e objeto da pesquisa e
estão completamente imbricados.
A dialética proposta por Marx busca entender e representar o movimento, as mudanças e
a transformação do real. Na tentativa de compreender seu objeto de estudo, ele produziu uma
teoria social que fundamenta a compreensão do mundo em processos de transformações.
Masson (2017) aponta que, apesar de não ter teorizado especificamente sobre sua metodologia
de pesquisa, no texto Grundrisse Marx explicita os fundamentos do que ele construiu
enquanto método. Para Masson (2017), o método da investigação em Marx busca
compreender a realidade, partindo do que é aparente para construir conceitos. Os conceitos
construídos são condições para interpretar a realidade na construção de sínteses. Esse seria o
método para interpretação do objeto de investigação. O método de exposição já apresenta
uma leitura organizada dos enunciados, após o processo de sistematização, organização e
categorização dos dados.
49
Masson (2007) produz uma explicação sobre a relação entre singular, particular e
universal na teoria marxiana, que consideramos interessante explicitar para compreender o
nosso objeto de estudo, que constitui em singular, mas imbricados nas relações com o
universal. Para ela,
a particularidade seria a mediação entre o ser singular o e universal. O particular é o
ponto de partida do pensamento para chegar ao universal, bem como para explicitar
o singular. Portanto, para a formação de conceitos que penetrem além do sensível
aparente é necessário estabelecer a conexão dialética entre, o universal, o particular
e o singular [...] Essas categorias permitem compreender as relações nas dimensões
macro e micro a partir do método dialético que busca apreender esse movimento, a
partir de mediações teóricas abstrata para se chegar a essência do real pois se
constrói pela apropriação da realidade objetiva (MASSON, 2007, p. 110-111).
Construir essas mediações leva a produzir uma compreensão que não se limite à
explicação da aparência dos fenômenos, mas que busque construir categorias de análise que
permitam apreender esse movimento do real, buscando através das várias dimensões
recompor a totalidade.
O segundo grupo de conceitos que nosso trabalho mobiliza é o de Estado e Políticas
Públicas. Segundo Pereira (2008), os conceitos de Estado e política pública são polissêmicos.
A escolha do paradigma que orienta o conceito de Estado demonstra uma opção política e
uma forma de leitura das contradições que as políticas sociais possam produzir no sistema
capitalista. Em sua compreensão “a política social é dialeticamente contraditória e expressa o
jogo de forças e a disputa em que estão imbricados os interesses das classes sociais na disputa
entre os polos capital versus trabalho” (PEREIRA, 2008, p.166). Neste sentido, a política
social, além de um conceito acadêmico-teórico, é um conceito prático pois se traduz em um
dispositivo de ação.
A política social refere-se à ação pública, que visa, mediante esforço organizado e
pactuado, atender às necessidades sociais quando a resolução ultrapassa a iniciativa privada;
tal ação requer deliberações coletivas que, por sua vez, devem ser amparadas por leis –
vinculadas ao Estado, conforme Pereira (2008).
Segundo Boschetti (2009) as políticas públicas são dialeticamente contraditórias.
Estudar as políticas sociais é compreendê-las não apenas como legitimadoras da ordem
capitalista, mas nos seus limites e possibilidades. Ao serem avaliadas, devem ser
compreendidas em múltiplos aspectos, pois são contraditórias no seu fundamento. Para ela,
(...) as políticas sociais podem ser funcionais também ao trabalho, quando
conseguem garantir ganhos para os trabalhadores e impor limites aos ganhos do
capital [...] investigação sob o enfoque do método dialético proposto por Marx
consiste, precisamente, em situar e compreender os fenômenos sociais em seu
complexo e contraditório processo de produção e reprodução, determinados por
múltiplas causas e inseridos na perspectiva de totalidade [...]Nesse sentido, todo
50
fenômeno social analisado (e aqui se inserem as políticas sociais) deve ser
compreendido em sua múltipla causalidade, bem como em sua múltipla
funcionalidade (BOSCHETTI, 2009, p. 6- 07).
Outro critério defendido por Boschetti (2009), ao considerar as várias dimensões e
determinações, é verificar se a política pública consegue “expandir direitos e reduzir as
desigualdades sociais ao avaliar o grau de justiça social que a política social tem condições de
produzir” (BOSCHETTI, 2009, p. 09).
Höfling (2001) defende uma concepção crítica de Estado; argumenta que suas ações
devem oferecer mais do que “serviços” sociais – entre eles a educação; as ações públicas,
articuladas com as demandas da sociedade, devem se voltar para a construção de direitos
sociais, dentre eles, a educação pública como direito (2001, p. 40). Em relação à política
educacional, a referida autora defende uma ampliação efetivamente da participação dos
sujeitos destinatários, envolvidos em todas as esferas de decisão, de planejamento e de
execução da política educacional. (HÖFLING, 2001, p. 39).
Para o estudo de políticas educacionais, Masson (2014) faz uma síntese das categorias
para se apreender num estudo materialista histórico-dialético:
Assim, as categorias da concepção materialista histórico-dialética para o
conhecimento do real – à práxis, a totalidade, a mediação, a contradição e a
historicidade – contribuem para a análise das políticas educacionais por possibilitar
a compreensão de que elas emergem da práxis humana, a qual está fundada, na
sociedade capitalista, em relações sociais antagônicas. Desse modo, só poderão se
essencialmente apreendidas no contexto da totalidade social. Por isso a categoria
mediação se faz importante para apreender uma certa política educativa como um
complexo que determina e é determinado por outros complexos sociais (2014, p.
222).
Para construir o percurso investigativo, buscando uma investigação fundamentada
nessas categorias, produzir conhecimentos que contribuam na compreensão da EdoC,
consideramos necessário nos apropriar de uma série de ferramentas que pudessem subsidiar a
interpretação da realidade a partir da análise de uma política pública.
Como técnicas de geração de dados, utilizamos a pesquisa documental, a pesquisa de
campo constituída de observação sistemática in loco e entrevistas semiestruturadas. Essas
diferentes técnicas se fizeram necessárias para apreender aspectos da totalidade das relações
bem como a historicidade do processo formativo imbricado nos diferentes tempos e espaços
formativos da Licenciatura em Educação do Campo, em seus primeiros anos de construção na
Unifesspa.
1.3.1 A Licenciatura em Educação do Campo da Unifesspa
51
A Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) é uma universidade
nova no Brasil, uma das últimas criadas na região norte, com seis anos. Ela emancipou o
Campus Universitário de Marabá. Este campus foi constituído como Campus do Sul e Sudeste
do Pará em 1987, através da política de interiorização da Universidade Federal do Pará
(UFPA), visando formar os professores leigos “do interior”. (SOUZA, 2015). A UFPA criou
o período intervalar (de férias na capital); cada período de estudo era denominado de Etapa3
de estudos. Nesse período, os docentes se deslocavam do Campus de Belém para os diferentes
campi, para atuar em cursos de Licenciatura.
A constituição de um corpo docente próprio do Campus, composto principalmente por
egressos das primeiras turmas formadas, passou a ofertar os cursos de Licenciatura em
Pedagogia, Letras, Ciências Sociais e Matemática, em 1994. Esse quadro docente local, com a
contribuição de docentes do campo das Ciências Agrárias vinculados ao NCADR/UFPA (que
se deslocaram inicialmente no âmbito do Programa Centro Agroambiental do Tocantins
(CAT), criaram os diversos cursos financiados pelo Pronera e que foram a base para a
construção da EdoC no sudeste do Pará (ANJOS, 2009). Esse processo é descrito no segundo
capítulo desse trabalho.
A expansão promovida em seis anos de implantação da Unifesspa pode ser avaliada
pelo quantitativo de docentes e técnicos administrativos. O Campus de Marabá, após 26 anos
de criação, em 2013, possuía o quadro efetivo de 132 docentes e 42 técnicos e ofertava
dezesseis cursos de graduação e quatro especializações. Esse quadro se ampliou com a
constituição da nova universidade, da qual esse campus se tornou o Campus Sede. Em 2019, o
quatro de docentes era de 435 docentes e 310 servidores técnicos administrativos, lotados em
todos os campi. Eram ofertados 42 cursos de graduação, seis programas de mestrados
acadêmicos, quatro Doutorados Interinstitucionais (Dinters), e três cursos de mestrado
profissional, ofertados em parceria com outras universidades no âmbito de convênio com o
MEC4.
A estrutura da universidade foi também ampliada. Marabá, que já contava com duas
unidades, Campus I e o Campus II, se tornou o Campus sede. Foram construídos vários novos
3 Etapa constitui um conceito designado para uma sequência fragmentada da formação e/ou foi forjado no
período com a política de interiorização da UFPA (1987 a 2013) para denominar os períodos de estudos que
ocorriam apenas na universidade nos cursos realizados no período intervalar. A Licenciatura em Educação do Campo organizou-se em diferentes tempos formativos: em Tempo Espaço Universidade e Tempo Espaço
Comunidade, no entanto, na fala dos entrevistados, o termo etapa foi utilizado como sinônimo de Tempo
Universidade, permanecendo como resquício na memória coletiva de outros processos formativos. 4 Conforme dados do “Relatório Unifesspa Em Números 2019,” de novembro de 2019, da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional (SEPLAN) e disponibilizado como dados públicos no site da
instituição.
52
prédios. Foi construído o Campus III, que sediou a Reitoria, assim como estava em
construção a infraestrutura física nos quatro campi adicionados (Xinguara, Rondon do Pará,
São Félix do Xingu e Santana do Araguaia)
A Licenciatura em Educação do Campo foi criada em 2009, tendo sua proposta
pedagógica construída em alternância pedagógica. A alternância de tempos e espaços
formativos foi parte da estratégia pedagógica apreendida a partir das experiências das Escolas
Família Agrícola e Casas Familiares Rurais, que utilizam a Pedagogia da Alternância.
Adotou, em seu percurso formativo, o denominado período intervalar, para desenvolver as
atividades do Tempo Espaço Universidade5, que se constitui de 45 a 50 dias letivos. A carga
horária definida para cada Tempo Espaço Universidade foi de 360 horas; o curso foi
constituído por oito Tempos Espaços Universidade, com duração de quatro anos.
No Tempo Espaço Universidade, os estudantes se deslocam para o campus
universitário, para realizar atividades de socialização dos trabalhos que realizaram nas
comunidades e assentamentos, atividades de ensino, momentos de estudos teóricos e diversas
atividades que compõe o itinerário formativo para sua formação docente. A esse respeito, diz
o PPC aprovado em 2009 na UFPA, e submetido e aprovado na Unifesspa em 2014 que:
“constituem-se em momentos de estudos [aulas], buscando estimular a apropriação e
reelaboração dos conhecimentos, de forma a permitir o aprofundamento das reflexões
questões levantadas pelas pesquisas sócio educacionais.” (UNIFESSPA, 2014, p. 31).
O Espaço Tempo Localidade, também nomeado de Tempo Comunidade, constitui um
terço da carga horária do curso, de 175 horas a cada semestre. É realizado nos meses de março
a junho e de setembro a dezembro. Os estudantes voltam para ondem residem e desenvolvem
atividades de estudo, pesquisa e extensão nas comunidades, vilas e aldeias, sob o
acompanhamento e orientação dos docentes. Além disso, contribuem atuando em diversos
espaços da militância e muitos já atuando como docentes. A carga horária total da formação é
de 4320 horas, considerando às 400 horas de Estágio, 400 horas de Práticas pedagógica e 200
horas de atividades complementares.
As pesquisas socioeducacionais integram os estágios de docência, a partir do quinto
Tempo Comunidade. Segundo Silva, Souza e Ribeiro (2014) apresentando o PPP: “o tempo 5 O calendário letivo da UFPA foi organizado em quatro períodos letivos, a saber: 1º período: janeiro e fevereiro;
2º período: março a junho; 3º período: julho e agosto e 4º período: setembro a dezembro. O período intervalar, para atender os Campi do “interior”, com cursos das áreas de Licenciatura; no projeto de interiorização, os
primeiros cursos foram ofertados em 1987, e nos 25 anos de Campus, eles funcionaram para permitir
principalmente o acesso aos professores que atuavam em sala de aula para obterem uma formação inicial, ou
seja, realizado no período considerado de férias escolares. Os quatro períodos foram mantidos na Unifesspa. Em 2019, apenas a Licenciatura em Educação do Campo desenvolvia o Tempo Universidade no primeiro e terceiro
período letivo, considerando semestres intervalares.
53
localidade é o tempo das práticas de pesquisa social e educacional, configurando-se como
momento de investigação acadêmica sobre o cotidiano pedagógico das escolas rurais das
comunidades em que elas se situam” (UNIFESSPA, 2014, p. 32). Tais pesquisas envolvem
diversas temáticas (SILVA, SOUZA e RIBEIRO, 2014).
A Licenciatura habilita para quatro ênfases que foram denominadas de áreas do
conhecimento: Ciências Humanas e Sociais (CHS), Ciências Agrárias e da Natureza (CAN);
Letras e Linguagem (LL) e Matemática (MAT). O Núcleo Geral corresponde a um total de
1.695 horas (58%) e o Núcleo Específico (as ênfases ou áreas de habilitação) corresponde a
um total de 1.185 horas (42%). Os estudantes fazem a opção por uma área de habilitação,
após seu ingresso na formação. A oferta das quatro áreas de habilitação visava construir uma
proposta de formação interdisciplinar, para enfrentar o problema da falta de professores
habilitados para atuar no ensino fundamental de 6º ao 9º ano no ensino médio na região.
A composição concomitante do quadro docente e discente, bem como a
experimentação do percurso formativo nas turmas de 2009 e 2010, permitiu a avaliação da
matriz curricular e o processo de reconstrução e reformulação curricular do curso (SILVA,
SOUZA e RIBEIRO, 2014), na UFPA, e submeteu ao PPP elaborado e aprovado em 2014, na
Unifesspa. De 2014 a 2019, foram realizadas alterações, principalmente, para se adequar a
legislações educacionais vigentes, sem modificar o percurso formativo e pedagógico.
A nova graduação visava incidir diretamente sobre essa realidade da negação do
direito e a construção de escolas do campo a partir dos princípios da EdoC. Ao mesmo tempo,
seu projeto formativo foi impactado pela política de expansão do Procampo e por implicações
da política ampliada de avaliação da educação superior e de formação de professores, com a
criação da Unifesspa.
Nesta pesquisa, nos preocupamos em historicizar esse processo de institucionalização,
pois ele se configura, contraditoriamente, em meio à expansão de um modelo de educação
superior a partir da hegemonia do neotecnicismo, a partir da pedagogia das “habilidades e
competências” que se faz presente nas orientações do MEC, na política de avaliação da
educação superior e também na sua interpretação na nova institucionalidade constituída na
Unifesspa.
A expansão promovida pelo Procampo com a ampliação da quantidade de estudantes e
salas de aula e a decisão de realizar um processo formativo em várias dimensões da formação
humana exigiu que parte da formação fosse realizada em espaços externos a universidade.
Foram alocados três espaços que possuíam alojamento, salas de aulas e auditórios no período
de 2014 a 2018 em Marabá. Os espaços alocados foram três espaços para funcionamento da
54
Licenciatura em Educação do Campo. Foram eles: a Fundação Cabanagem, um espaço
coordenado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), próximo ao Campus I, no bairro da Nova
Marabá; o espaço da Chácara do Bispo da Diocese de Marabá, ligada á Igreja Católica; e a
sede da Obra Kolping do Brasil, associação católica sem fins lucrativos que desenvolvem
atividades no campo da educação, os dois últimos espaços eram no Bairro Cidade Nova,
distante aproximadamente oito quilômetros da sede da faculdade. Esses espaços foram
utilizados por períodos distintos.
A partir de 2017, com o encerramento dos recursos de apoio e permanência do
Procampo foram reivindicados os espaços de sala de aulas dentro da Universidade. Foi
encerrado o contrato com a Chácara do Bispo e com a Obra Kolping do Brasil, os mais
distantes. A Fundação Cabanagem continuou sendo utilizada por estudantes até 2018, a partir
de um acordo construído entre a faculdade, CPP e Centro Acadêmico da Educação do Campo
(CAEC), representando os estudantes e a coordenação do espaço, com o pagamento de um
valor simbólico pelos estudantes. Ao longo de 2018, no período da pesquisa, a Fundação
Cabanagem ainda era utilizada para atividades, principalmente as Noite culturais, mas
formalmente o convênio com a Fecampo foi encerrado.
A pesquisa de campo foi realizada no período de julho de 2018 a fevereiro de 2019
(uma entrevista foi realizada em março de 2019 porque foi remarcada), constituindo-se no
acompanhamento sistemático de dois Tempos Universidade e um Tempo Comunidade.
Como técnicas de geração de dados, utilizamos observações sistemática in loco das reuniões
da Fecampo e do Núcleo Docente Estruturante (NDE). Todas as atividades coletivas foram
gravadas, tais como os Seminários Sociedade, Estado, Movimentos Sociais e Questão Agrária
na Amazônia e nos Seminários de Alternância, instituído no curso, espaços de debates
coletivos de dois dias durante os Tempos Universidade, nos quais havia a forte participação
de diversos movimentos sociais.
Para a operacionalização da categoria historicidade nos utilizamos da pesquisa
documental e bibliográfica, analisado os boletins que registraram as ações do Fórum Regional
de Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará (Frec). A escolha desses documentos
justifica-se porque o projeto da Licenciatura em Educação do Campo da Unifesspa foi
construído no âmbito desse Fórum, a partir do acúmulo das experiências na EdoC dos
projetos financiados pelo Pronera no Campus de Marabá.
Analisamos o PPP inicial, em sua finalidade educativa, construído por meio da
parceira com universidade e movimentos sociais que reivindicaram a territorialização de um
campesinato no Sudeste do Pará. Também analisamos o livro organizado por Silva, Souza e
55
Ribeiro (2014), por se tratar de uma sistematização publicada pelo corpo docente, como
avaliação dos três primeiros anos do projeto da Licenciatura. O quadro normativo do
Procampo a partir dos editais também foi analisado, pois esses documentos apontam
orientações gerais para a construção da política dos cursos nas universidades; bem como da
expansão do Procampo através do Edital de 2012 que produziu a ampliação e reconfiguração
do curso, implementado no Campus de Marabá, a partir do Reuni.
Realizamos uma categorização inicial dos documentos analisados e das temáticas
recorrentes nas reuniões do Colegiado e do NDE. Estas centravam seu trabalho no processo
de reavaliação, informado por uma Comissão de Avaliação Permanente (CPA), criada na
Unifesspa, e aguardado pelo MEC, mas sem prazo definido, o que gerou uma agenda com
diversas ações de encaminhamento. Nessas reuniões, além da presença dos movimentos
sociais, houve a participação de Lideranças Indígenas, que solicitaram formalmente o ingresso
e a participação na coordenação ampliada no Frec. Tais lideranças debateram a importância
da Licenciatura em Educação do Campo (mesmo reafirmando que tinham no horizonte a
criação da Licenciatura Intercultural Indígena na Unifesspa), apontando contribuições do seu
projeto formativo no trabalho das escolas nas aldeias.
Também revelou-se importante, para a pesquisa, a observação em duas reuniões do
Frec, realizadas em dezembro de 2018, e em abril de 2019, nas quais a temática das reuniões
era a rearticulação desse fórum e a atuação em defesa da Licenciatura em Educação do
Campo e do Pronera, motivados pela ameaça da retirada de orçamento do Pronera e pela não
previsão de recursos específicos de continuidade dessas ações, pelas ameaças reais de
extinção enquanto política, pela perseguição direta aos espaços de participação dos
movimentos sociais, no destino da sociedade brasileira6.
Fizemos a opção de realizar ainda observações em sala de aula, pois utilizaríamos
como recurso a gravação das aulas, mas paralelamente à realização da pesquisa, houve uma
aclamação do Projeto Escola Sem partido7, em redes sociais, para que os estudantes pudessem
6 A confirmação dessas ameaças foi explicitadas na primeira ação do presidente em exercício, com a extinção da
Secadi dentro do MEC por meio do Decreto nº 9.465, de 2 de janeiro de 2019. Essa secretaria assumia uma
infinidade de pautas e já tinha o orçamento reduzido anualmente desde a sua criação. Além da pauta das políticas públicas de EdoC, também assumia a incumbência por políticas públicas das temáticas de gênero, sexualidade,
alfabetização, Educação Especial, Educação Quilombola e Educação Escolar Indígena. Outro espaço que
permitia a participação da sociedade civil nas políticas públicas estabelecidas através dos conselhos deliberativos
em relação a EdoC era a Comissão Política Pedagógica do Pronera, que não teve reunião oficial pelo convocada
em 2019, na qual havia a participação dos movimentos sociais do campo e era responsável pela aprovação,
acompanhamento e avaliação dos projetos de curso para áreas de assentamento no âmbito do INCRA. 7Foi tramitado no Congresso Nacional o Projeto de Lei 867 de 2015, denominado de Programa “Escola Sem Partido”, iniciado em 2004, pelo Procurador do Estado de São Paulo Miguel Nagib. Este programa visava alterar
o 3º artigo da LDB 9394/96 e apresentava como intencionalidade fiscalizar e criminalizar o trabalho docente,
56
gravar e denunciar o trabalho dos professores. As falas públicas registradas nos diversos
espaços observados não tinham a autorização para uso do seu conteúdo no referido trabalho
acadêmico, apesar de ter submetido e recebido a aprovação do projeto em reunião do
colegiado da Fecampo, em julho de 2018, previamente a realização do trabalho de campo e a
Pro-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Propit) da Unifesspa, na
seleção da bolsa do Programa de formação docente (Prodoutoral) da Capes em janeiro de
2018.
Foi prevista a realização de vinte entrevistas semiestruturadas com estudantes,
docentes e membros da Comissão Político Pedagógico (CPP), representantes dos movimentos
sociais, que acompanhavam e contribuíram no trabalho pedagógico. Foram realizadas
dezenove entrevistas (apenas uma entrevista com uma representação de estudantes
quilombolas não pode ser realizada). No trabalho foram utilizadas dezesseis entrevistas.
Fizemos a opção de utilizar apenas o conteúdo das entrevistas semiestruturadas com os
diversos sujeitos que participam do processo formativo: representantes da CPP, estudantes e
docentes que autorizaram a utilização do conteúdo da sua fala que nos possibilitaria ter acesso
à as diferentes concepções da formação. A priorização desse conteúdo se fez porque não era o
objetivo produzir avaliações de cada docente individual. O roteiro das entrevistas foi
construído mediante os objetivos definidos pela pesquisa e dos registros da observação das
reuniões da Fecampo, reuniões do Fórum Regional de Educação do Campo (Frec), falas
públicas em diversos seminários que se referiam à formação na Licenciatura. Os critérios
definidos para a seleção dos entrevistados docentes eram que pudesse compor uma
representatividade da formação e a diversidade que compunha a Fecampo. Os docentes
entrevistados ingressaram nas vagas do edital Procampo, não conseguimos realizar entrevistas
com docentes que ingressaram pelas vagas do Reuni porque estavam em afastamento, com
licença de estudo do doutorado no período da pesquisa.
Em relação aos estudantes, foram selecionados estudantes em sua diversidade sexual,
religiosa, étnica, oriundo de áreas de acampamento, assentamento e comunidades rurais que
representassem a diversidade dos povos do campo e de municípios atendidos, de turmas
concluintes e em fase de conclusão porque teriam vivenciado todo o processo formativo.
Foram realizadas entrevistas com duas representantes da CPP, que atuavam no
permitindo que agentes externos pudessem interferir e classificar o conteúdo trabalhado em sala de aula, bem
como estabelecer censura das temáticas a serem abordada nas escolas, principalmente nas temáticas de políticas,
gênero e sexualidade. O projeto foi arquivado pelo Congresso Nacional em 2018. Entretanto, paralelo a
tramitação do projeto, houve a conclamação nas redes sociais de diversas personalidades públicas para que os estudantes a se tornassem fiscalizadores, gravando as aulas dos docentes e produzindo denúncias contra o
trabalho docente produzindo um controle ideológico e a censura na educação.
57
acompanhamento, entretanto, a primeira entrevistada, por ter apenas dois anos realizando o
acompanhamento orientou para a realização da segunda entrevista, cuja análise foi priorizada.
As informações produzidas pela representante do MST, que coordenou a CPP, foram
utilizadas em todos os capítulos da Tese. Por se tratar de uma história recente, com poucos
registros sistematizados, utilizamos o conteúdo da entrevista para complementar os dados já
publicados. Ela trouxe a memória da luta pela terra, da constituição dos assentamentos do
MST, que consideramos importante registrar, já que se trata de uma história oral que ainda
não foi sistematizada e investigada em trabalhos científicos. Ela atuou na constituição da
primeira CPP, no primeiro Pronera em 1999, em todos os cursos do Pronera, participou
ativamente da constituição do Movimento da EdoC nos diferentes âmbitos: regional, estadual
e federal. Na Licenciatura em Educação do Campo, contribuiu na reconfiguração da CPP, a
partir do edital Procampo.
Os entrevistados que concordaram em contribuir com o trabalho, assinaram o Termo
de Livre Consentimento Esclarecido, no qual estava expresso que as informações obtidas
seriam utilizadas estritamente no âmbito acadêmico. Acordamos que suas identidades seriam
preservadas, garantindo o anonimato, por isso utilizamos nomes fictícios, escolhidos pelos
entrevistados.
As entrevistas foram concluídas na primeira semana de março de 2019, porque um
entrevistado solicitou aguardar a finalização do Tempo Universidade. Cada entrevista foi
marcada, considerando a intensa agenda de trabalho, de docentes e estudantes, durante o
tempo Universidade. Todas as entrevistas com docentes foram realizadas em salas de aula do
Campus I e uma entrevista na sala da Fecampo na Unifesspa. Três entrevistas com estudantes
e com uma representante da CPP foram realizadas na Fundação Cabanagem. O processo de
transcrição foi realizado no período de março a junho de 2019, do total de trinta e quatro
horas e trinta e três minutos que resultou em trezentas e noventa e cinco páginas transcritas.
A intencionalidade em nos cercar de um farto material de pesquisa era de possibilitar
uma análise menos enviesada, gerados pela experiência no trabalho como docente e conseguir
produzir um afastamento que permitisse enquanto pesquisadora, não uma neutralidade, mas
que esse processo de olhar os dados fosse mediatizado pela teoria e permitisse gerar nossos
aprendizados e alterasse o olhar produzido no cotidiano. Isso também gerou muitos
problemas, pois a seleção e o processo de categorização do objeto não foi fácil, gerando
muitas crises e angústias na pesquisadora, sobre quais eram as categorias centrais a serem
analisadas e quais seriam subcategorias que não permitiriam uma análise aprofundada. Esse
processo envolveu escolhas, pois foram construídos vários quadros com possiblidades
58
analíticas. Tivemos que abrir mão de muitos dados para que pudesse houver alguns
aprofundamentos das categorias da empiria selecionadas e concluir a pesquisa no prazo
regimental do programa.
Os estudantes produzem uma interpretação importante sobre os aprendizados
construídos nesses espaços coletivos. Os aspectos destacados, tem relação com o gênero,
religiosidade ou origem étnica, mas não foram as mesmas questões destacadas por todos.
Houve pouca referência a tais questões nas entrevistas pelos docentes, centrando em sua
atuação e nas atividades realizadas, das atividades realizadas nesses espaços, apesar de muitos
participavam e realizarem conjuntamente, algumas delas. Talvez porque durante as
entrevistas, apenas o espaço da Cabanagem estavam ainda sendo utilizados, já tinham
encerrados os recursos.
Foi uma decisão apresentar os dados da pesquisa de campo ao longo dos capítulos da
Tese, porque cada objetivo exigiu um movimento de pesquisa e um movimento analítico,
considerando o princípio do MHD de que o método de exposição se faz num movimento
diferente do movimento de pesquisa. Buscamos produzir uma análise considerando a
perspectiva dos diferentes sujeitos que constituíram e que adentraram a Licenciatura em
Educação do Campo, o movimento histórico que permitiu sua institucionalização e sua
ampliação considerando as categorias historicidade, contradição e dialética para construir as
mediações do nosso objeto de estudo e as categorias da empiria conflito e trabalho docente
buscando construir a formação de educadores e o direito à Educação dos povos do campo.
No próximo capítulo, historicizamos o processo de territorialização de um
campesinato migrante, que reivindicou o direito a educação e a formação de educadores e que
formulou, na parceria com a universidade, a EdoC enquanto movimento, do qual a
Licenciatura em Educação do Campo constituiu um dos frutos.
59
2. EDUCAÇÃO DO CAMPO: PROJETO CONSTRUÍDO COLETIVAMENTE
COMO PARTE DA LUTA DA TERRITORIALIZAÇÃO CAMPONESA NO
SUDESTE DO PARÁ
Neste segundo capítulo temos como objetivo historicizar o direito à educação dos
povos do campo e a formação de professores para atuar nas escolas constituídas como parte
da territorialização camponesa no Sudeste do Pará. Esse processo histórico possibilitou a
parceria entre movimentos sociais e docentes da universidade federal, que foi o terreno das
formulações do Movimento por uma Educação do Campo, no âmbito regional, ao longo dos
últimos vinte e dois anos. A Licenciatura em Educação do Campo, em nosso lócus de estudo
na Unifesspa, é parte dessa construção.
Apoiamo-nos em Hébette (2004), Martins (1984, 1997), Guerra (2013), Pereira
(2015), Emmi (2002) e Emmi e Marin (2008) para estudar os conflitos agrários que
instituíram a luta pela terra e a territorialização de um campesinato migrante no sudeste do
Pará. Em Arroyo (1999), Caldart (2004, 2010), Molina (2012,), Molina e Sá (2011), e Santos
(2012) e nos cadernos da Coleção Por uma Educação do Campo8, nos ancoramos para tratar
da constituição da Educação do Campo e do Pronera enquanto política pública, entendendo-a
enquanto movimento dialético que foi articulando o regional e o nacional na constituição do
Movimento “Por uma Educação do Campo”.
Como categoria de análise, utilizamos a luta de classes como geradora dos conflitos
estruturantes da sociedade, bem como a historicidade e a totalidade como formas de construir
uma análise do objeto de estudo pesquisado. Como empiria, utilizamos os dados da pesquisa
de campo, tais como: entrevista com liderança do MST, que atuou em CPP, desde o primeiro
Pronera e docentes da Faculdade de Educação do Unifesspa. Também constituíram fonte
documental os registros publicados em Silva, Souza e Ribeiro (2014) e em arquivos do Fórum
Regional de Educação do Campo (Frec).
Este capítulo foi organizado em cinco tópicos: a) conflito e luta pela terra como
marcas da territorialização dos povos do campo no Sul e Sudeste do Pará a partir da questão
agrária brasileira na Amazônia; b) constituição de sujeitos coletivos de representação dos
agricultores: Fetagri e MST e suas estratégias de lutas; c) parcerias movimentos sociais e
8 Coletânea de textos organizada pelo Movimento Nacional de Educação do Campo para registro, sistematização
e divulgação dos princípios, pautas da luta da Educação do Campo. Foram publicados sete cadernos, o primeiro volume em 1998, com textos das palestras produzidas na 1ª Conferência Nacional de Educação do Campo e o
Volume 07 em 2008, no encontro dos 10 anos do Pronera.
60
instituições públicas de ensino como estratégia de construção de políticas públicas de
educação e de consolidação do território conquistado pelo campesinato; d) constituição do
Movimento de Educação do Campo no Sudeste do Pará: parceria entre movimentos sociais e
o Campus de Marabá e f) a Licenciatura em Educação do Campo na Unifesspa: uma nova
graduação forjada pela construção coletiva.
2.1. Conflito e a luta pela terra como marcas da territorialização dos povos do campo no
Sul e Sudeste do Pará a partir da questão agrária brasileira na Amazônia
O sudeste do Pará, onde está localizada a Unifesspa, historicamente foi palco de
intensos conflitos fundiários e constitui uma das maiores concentrações de Projetos de
Assentamento do Brasil, por isso é fonte de inúmeras pesquisas nacionais sobre a presença
desse campesinato (LEITE et al, 2004). A territorialização de um campesinato migrante
reexistindo aos processos de expropriação e produzindo estratégias de lutas pela sua
permanência, sempre ameaçada, a partir da não realização de uma Reforma Agrária no país.
A questão agrária (STÉDILE, 2005; NEVES, 2017) se destaca na região; é uma
problemática histórica da realidade brasileira pela forte concentração fundiária e pelos
processos de territorialização e de desterritorialização, intensificados pela política
desenvolvimentista instituída durante a ditadura militar de integração da Amazônia ao restante
do país, a partir da subjugação aos interesses capitalistas nacionais e internacionais de
exploração econômica.
As políticas de colonização, intensificadas na Amazônia a partir da década de 1970,
converteram terras públicas e devolutas9 em grandes propriedades privadas para a exploração
da biodiversidade convertida em riquezas naturais, através de grandes projetos de exploração
madeireira, mineral e agropecuária.
Segundo Alentejano (2014) há quatro temas nucleares da questão agrária brasileira
neste início de século: “a persistência da concentração fundiária; a internacionalização da
agricultura brasileira; a insegurança alimentar decorrente da dinâmica produtiva da
9 Terras devolutas são consideradas as sobras de terras públicas, que não foram apropriadas pelo Estado com
destinação pública e que legalmente, não foi apropriado a um patrimônio privado. O termo jurídico foi
constituído no sistema colonial e instituído em 1850, na Lei de Terras. Na Constituição de 1988, no artigo 20, afirma que elas pertencem a União, a quem compete sua legislação; no artigo 188, sobre a questão fundiária,
define que “a destinação de terras devolutas deve ser compatível com a política agrícola e com o Plano Nacional
de Reforma Agrária”, constituindo exceções apresentadas no artigo 222, no inciso 5, a especificidade da questão
ambiental, pois as que “constituem necessárias como proteção a ecossistemas naturais são indisponíveis para uso
particular”.
61
agropecuária brasileira; a violência da exploração do trabalho e da devastação ambiental”.
(ALENTEJANO, 2014, p. 24).
Essas quatro temáticas estão presentes no sudeste do Pará e são as causas dos
conflitos pelos quais a tornaram conhecida nacional e internacionalmente, no acirramento da
violência sobre povos indígenas, camponeses, ribeirinhos, quilombolas, isto é, os povos do
campo. Apresentaremos como elas se inter-relacionam na questão agrária na Amazônia.
A Amazônia se constituiu em um bioma rico na diversidade de rios, florestas, fauna e
humana. Os povos originários – denominados povos indígenas – que já a habitavam há
milênios, organizaram seus modos de vidas integrados a natureza. Eles viviam coletando,
caçando e fazendo pequenos roçados, extraindo alimentos, remédios e adornos da floresta.
Esses costumes foram aprendidos pelos migrantes, que vão se instalando, ao longo do século,
às margens dos rios, que se tornam a entrada de outros modos de vida.
A imagem da Amazônia como espaço vazio foi constituída no século passado; foi
denominada última fronteira do Brasil a ser explorada, porque havia terra em abundância e
pela negação da humanidade aos povos indígenas, que aqui já residiam há milênios.
(MARTINS, 1997). A terra entendida como liberta foi um forte incentivador da migração
figurado pela imagem apresentada pelo Padre Cícero aos fiéis, do sonho em que vislumbrou
as “bandeiras verdes”, uma terra prometida, para além dos rios “onde corria leite e mel, igual
ao maná no deserto” para os nordestinos que disputavam a terra com latifundiários no sertão
cearense. Essa visão da terra prometida, destinada para a libertação do povo do cativeiro, é
apresentada como imagem simbólica descrita no documentário “Bandeiras verdes”, produzido
por Murilo Santos em 1987, de como, a partir da ocupação do oeste do Maranhão, essa região
do país foi sendo construída no imaginário do que viviam processos de desapossamento,
expropriação e exploração do trabalho (SANTOS, 1987).
Não havia a preocupação dos que residiam há muitas décadas em áreas de terras
devolutas ou às margens dos rios com a obtenção de título da terra em que viviam, pois o
trabalho tinha maior valor que a posse da terra. Eles eram reconhecidos entre si pelo trabalho
na terra e pelo tempo de apossamento; a posse dessas áreas não era questionada a partir da
lógica da propriedade privada porque eram terras públicas, ou seja, não eram tituladas.
A conversão das terras públicas em áreas privadas no sul e sudeste do Pará foi um
processo lento e gradual ao longo de todo o século XX. Um exemplo de apropriação das terras
públicas foi estudado por Marília Emmi (2002) na região de Marabá, ao buscar compreender
o poder a partir da estrutura agrária, analisando a constituição da “Oligarquia do Tocantins”.
Os castanhais foram apropriados a partir da concessão pelo governo estadual dos “títulos de
62
aforamentos” para algumas famílias pela influência enquanto elite política local, o
arrendamento dos castanhais a partir do pagamento do foro, para exploração da castanha do
Pará por um período determinado. A apropriação dos denominados “Castanhais”, áreas de
terras com alta concentração da espécie florestal Castanha-do-Pará (Bertholletia excelsa) foi
constituído ao longo do século XX, sob o território dos povos indígena Gavião.
Essa oligarquia obteve do governo estadual o direito a exploração de grandes áreas de
castanhais, por um período de uma a duas safras. Pela influência e o poder político, foram
criadas leis que permitiram a ampliação do aforamento por até 99 anos, até conseguirem o
título de aforamento perpétuo, no final da década de 1950, com a apropriação do domínio de
fato das áreas de castanhais (EMMI e MARIN, 2008).
Para Emmi e Marin (2008, p. 3) o conceito de oligarquia constituiu “a estrutura de
poder caracterizada por um controle político e econômico, através de uma extensa rede de
relações em que predominam mecanismos de dominação/subordinação”. O poder foi
constituído como resultado da exploração do trabalho humano nas diversas atividades, desde a
coleta, transporte, limpeza e exportação a partir de fábricas instaladas em Belém até a
exportação da Castanha-do-Pará. Além de dar continuidade ao sistema de aviamento10
que já
era utilizado na exploração do caucho11
, a partir do endividamento dos que atuavam como
castanheiros, construindo relações clientelistas e coronelísticas com a população local e da
apropriação do poder político (EMMI, 2002).
Uma das docentes da Fecampo, que vivenciou com a família esse processo de
expropriação relatou como foram expulsos de uma área de terra em que viviam com seu avô,
na condição de agricultores, que tinha sua reprodução social e seus modos de vida a partir da
floresta e dos rios. Ela relatou:
Eu nasci aqui em Itupiranga, bem próximo daqui, na beira do rio (Rio Tocantins),
em uma comunidade que chamava Rainha. Meu Avô tinha uma terra, que ele criou a
família dele lá. Nessa época da colonização da Amazônia (eu esqueci de perguntar
para minha mãe, mas ainda vou perguntar para ela a data de fato! Mas eu acho que é
por volta da década de 1970). Vinte e cinco famílias, dentre elas, a minha família; a
10 Aviamento era um sistema de dependência que vigorou em toda a Amazônia. Segundo Emmi (2002) dentro do
contexto do sistema de aviamento, aviar significa fornecer mercadoria a prazo com o entendimento de que o pagamento será feito em produtos extrativos dentro de um prazo especificado. O aviador fornece a mercadoria e o que recebe é o aviado. Existem dois componentes no sistema de aviamento: de um lado, o sistema comercial, com
transações baseadas principalmente no escambo e crédito, raramente envolvendo dinheiro em moeda; do outro, a rede comercial, baseada neste tipo de relação, com produtores individuais. No caso específico, as famílias oligárquicas, durante a coleta do fruto da castanha-do-Pará constituía um barracão dentro da mata, no qual fornecia produtos básicos
para a subsistência do castanheiro, além de alguns instrumentos de trabalho, como um pagamento antecipado. Esse trabalho era feito dentro da mata, após a colheita era entregue a quantidade recolhida e obtido um saldo, que na maioria das vezes era negativo, num constante endividamento (EMMI, 2002). 11 Caucho - segundo Homma (2014, p. 185) caucho (Castilloa ulei) “é árvore nativa que produz um látex usado para fabricar uma borracha inferior à obtida da seringueira (Hevea brasiliensis)”. Sua exploração comercial foi
realizada até a década de 1950, substituída depois pela Castanha-do-Pará.
63
família de mãe, pai, meu avô, meus tios, todos foram expulsos. Foram radicalmente
expulsos sem direito nenhum do seu lugar de morada, de materialidade da vida, que
era esse lugar. Chegou um pessoal que chamava Ceci Miranda, com o título da terra.
Então, o meu avô acabou (pausa) ele perdeu a terra [....] A gente migra! _Vai ter que
ir embora para Itupiranga! E todo mundo depois tem que trabalhar de meia, que
antes a gente trabalhava, tinha a roça e tinha a Castanha. Meu pai e meu avô foi
mariscador, trabalhou com caça de animais selvagem para tirar a pele, gato
Maracajá, onça e também com o Caucho! Mas o nosso daqui (o caucho) era aquele
que se acabou mesmo, não era daquele que tirava [a árvore], não era a seringa, que
você acha na madeira. Então, minha família é desse tempo, trabalhou com o Caucho,
trabalhou com diamante, garimpo de diamante, com castanha-do-Pará, com roça de
Vazante, né. Depois, a gente perde o chão! Meu avô, todo mundo vai ter que se
reorganizar a vida. E aí, nós ficamos em Itupiranga e meu pai ficou na Castanha
[trabalhando na coleta], meu avô, meus tios ficaram na Castanha, coletando dentro
das áreas públicas ou trabalhando nas áreas públicas, que depois são apropriadas
também. (Miha, docente, entrevistada em 16 de fevereiro de 2019).
Segundo Emmi (2002) o extrativismo em terras devolutas foi sendo substituído pela
exploração e apropriação privada da terra, inclusive algumas áreas que haviam sido
reservadas, como castanhais públicos, explorados a partir de um cadastramento realizado
pelas prefeituras, sob o domínio dessas famílias. A coleta da castanha nas áreas públicas,
denominadas “castanhais do povo”, também constituiu parte da memória narrada pela
docente:
De primeiro, os castanhais de Itupiranga tinha todo um ritual, que a prefeitura fazia.
Tinha o dia da saída. Ninguém podia sair antes porque todo mundo ia para o mesmo
lugar catar castanha. Todo mundo queria ter uma boa safra. Então, tinha um dia que
a prefeitura liberava para todo mundo entrar. Aí era barco motorizado, motor penta e
canoa... o povo ia para o castanhal em dezembro, janeiro, fevereiro até o final de
março. Era a safra forte. Aquele período ali, todo mundo coletava e vendia. É claro
que já tinha todo um sistema estruturado que era herança da... (Eu hoje falando
como Socióloga) que tinha já do sistema extrativista da borracha, que era o
aviamento. [...] E depois esses Castanhais eles foram apropriados. Tinha uma família
grande em Itupiranga, que chamava Chamon, que era dona de castanhal. E tinha os
grandes comerciantes que bancava a ida do castanheiro, do material que ele
precisava e sempre eles estavam devendo, na verdade (Miha, docente, entrevistada
em 16 de fevereiro de 2019).
A apropriação privada da terra foi intensificada drasticamente a partir da década de
1970 pelo projeto desenvolvimentista do governo federal promovido durante a ditadura
militar, que definiu a Amazônia, em especial o sul e sudeste do Pará, pela política de
incentivos fiscais, financiamento público e doação das glebas de terra para instalação de
grandes projetos agropecuários; madeireiros e de exploração mineral e a construção de
estradas, hidrelétricas e toda a infraestrutura necessária para instalação do Grande Projeto
Carajás (HÉBETTE, 2004, PEREIRA, 2015).
Hébette (2004) descreve, na coletânea “30 anos de campesinato na Amazônia”, que na
década de 1970 o governo federal deslocou populações com a “política de ocupação dos
64
espaços vazios” com o discurso de integração dessa região ao restante do País. A
consequência foi uma ofensiva contra os povos indígenas constituída de diversas formas;
desde o deslocamento para outras áreas ou o confinamento em reservas, limitando seus
territórios, seja impactando as reservas já delimitadas na construção da infraestrutura de
exploração, tais como estradas, rodovias, ferrovias, hidrelétricas etc., seja no deslocamento de
diferentes grupos e sujeitos para invadir seus territórios.
Um exemplo clássico dessa política na região foi a construção da BR 230, conhecida
como Rodovia Transamazônica, inaugurada em 1972. A construção dessa rodovia
desterritorializou povos indígenas; dentre eles, os povos Gavião e Parakanã, confinando em
reservas, nas quais seus modos de vida foram fortemente impactados e assentou colonos e
migrantes nordestinos em parte do seu território. Os Povos Suruí Aikewara tiveram seu
território recortado pela construção da BR 153, que interligou o Estado do Tocantins ao
Estado do Pará, como parte do planejamento de perseguição aos guerrilheiros, durante a
Guerrilha do Araguaia. Também ocorreu a construção das várias rodovias estaduais, seja na
construção da PA 150, que interliga a capital do Estado, Belém a região e a PA 70, atual BR
222, que fez a interligação com a Rodovia 010, denominada de Belém – Brasília, que
interligou os Estados do Maranhão e Tocantins, que afetou o território dos Povos Gavião.
Para constituição desses empreendimentos havia a necessidade de mão de obra barata
para implementação da infraestrutura necessária. Uma das estratégias adotadas pelo governo
federal no projeto desenvolvimentista para a Amazônia foi a “colonização dirigida”, que
constituía na distribuição de lotes às margens das rodovias construídas, principalmente
destinados aos nordestinos e colonos migrantes do sul do Brasil, bem como a promessa de
condições para instalação nas áreas destinadas a colonização. (HÉBETTE, 2014; PEREIRA,
2015).
O projeto de colonização dirigida planejado durante a ditadura militar pelo governo
federal, conforme Pereira (2015), foi um fracasso do ponto de vista de assentamento das
famílias. O autor informa, em sua tese, que a constituição de Projeto Integrado de
Colonização (PIC) Marabá tinha como meta “assentar 100.000 famílias em lotes de 100
hectares cada, assentando apenas 5.717 entre Marabá, Altamira e Itaituba”, ao longo da
rodovia Transamazônica. O resultado do loteamento e redistribuição em Marabá foi que
“apenas 1422 famílias foram assentadas, sendo 873 na altura de Itupiranga e 549 em São João
do Araguaia” (PEREIRA, 2015, p. 117) não alterando, a princípio, o poder da oligarquia nas
áreas de castanhais ao entorno de Marabá. Entretanto, do ponto de vista da criação do
imaginário foi um sucesso, pois constituiu um corredor de migração pelo qual brasileiros de
65
outras regiões do país, adentraram a Amazônia. Como podemos visualizar os projetos de
assentamento e o deslocamento dos povos indígenas para as reservas destacadas na figura 01
abaixo:
Figura 01 - Mapa do Sul e Sudeste do Pará
Fonte: Muniz, R (2020).
66
Por fim, a colonização dirigida foi abortada como política, segundo Pereira (2015),
porque já tinha cumprido o papel de construir o imaginário do “vazio demográfico” com a
intensificação do fluxo migratório, ao final do encerramento dessa política. Alguns autores
denominam a “migração espontânea”, principalmente de nordestinos, a partir da promessa
anunciada pelo governo: “terra sem homens, para homens sem terra” da existência de terras
livres no Pará (HÉBETTE, 2004; PEREIRA, 2015).
Ao mesmo tempo em que constituiu os projetos de colonização, o governo fomentou a
instalação dos projetos agropecuários, loteando a região em glebas de terra de 4.356 hectares
e distribuindo para bancos, empresas nacionais e multinacionais e famílias abastardas
iniciarem projetos de instalação de fazendas e incentivando a criação de gado. Também foram
atraídas para região grandes madeireiras, que iniciaram sua atuação pelo sul do Pará,
realizando a extração ilegal da madeira de lei com valor comercial, em especial uma região de
castanhais, mas foram exploradas também espécies florestais tais como Mogno (Swietenia
macrophylla), Angelin (Dinizia excelsa Ducke), Cedro (Cedrella fissilis), entre outras
(PEREIRA, 2015).
Apesar das ações violentas o Estado não conseguiu ingerência absoluta sobre os
migrantes que vieram para a Amazônia oriental para trabalhar na abertura das estradas, na
coleta da castanha e de diamantes ou realizar diversos trabalhos manuais para constituição das
pastagens, em grandes fazendas, pois eles não retornaram às suas regiões de origem. Após
essas experiências de trabalho, às vezes como mão de obra barata, noutras submetidos ao
trabalho escravo contemporâneo, passam a enxergar nessa região possiblidade de “melhorar
de vida” a partir de “ter um pedaço de chão” (VELHO, 2009; EMMI, 1987; PEREIRA, 2015).
Essas políticas não previam que os camponeses se tornassem sujeitos políticos e
reivindicassem também como sujeitos de direitos desses territórios, destacando-se pelas
inúmeras ações de conflitos que protagonizaram, pela luta posseira.
Essa região também foi palco do movimento denominado Guerrilha do Araguaia.
Militantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B) pretendiam construir um movimento de
guerrilha, inspirado na luta que ocorreu em outros países da América Latina e do Caribe, tal
como Cuba e Nicarágua, e constituíram um movimento de contestação ao regime político,
organizado por estudantes que militavam neste partido. Eles vislumbraram as áreas de
transição do cerrado e floresta, na Serra dos Martírios/Andorinhas, as margens do Rio
Araguaia, na divisa do Estado do Pará com o Tocantins, um refúgio para preparação e
organização da denominada “Guerrilha do Araguaia” (PEREIRA, 2015).
67
O PC do B que já tinha atuado em vários conflitos envolvendo os camponeses no país,
disputava com a Igreja Católica a condução dos processos na politização das lutas
(MARTINS, 1984). Exemplo dessa atuação foi a inserção ou a formação política de
lideranças envolvidos em conflitos históricos, tais como as Ligas Camponesas no nordeste, os
Conflitos de Trombas e Formoso no centro-oeste e o Conflito de Porecatu na região sul, que
trouxeram a possiblidade de organizar a luta armada a partir da organização dos camponeses
também na região norte do País, conforme informações do mesmo autor.
O governo militar tratou de forma violenta os militantes, como inimigos do Estado e
organizou uma operação para extermínio dos guerrilheiros e sua luta. Essa ação foi encerrada
de forma brutal, com um massacre extremamente violento, através de tortura, execução e
eliminação com o desaparecimento dos corpos. Para realizar tal ação houve um deslocamento
do exército e a ação do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), sob a liderança do Major
Curió (PEREIRA, 2015).
A ação do Major Curió12
nesse momento o tornou conhecido nacionalmente, pela
utilização de tortura e extrema violência contra os povos do campo, camponeses e indígenas,
durante a perseguição aos militantes do PC do B, na década de 1970. Para tanto, constituiu
bases militares, com a instalação posterior de quatro quartéis do exército, localizados
estrategicamente na Rodovia Transamazônica, na entrada da cidade de Marabá, no Pará. A
Rodovia Transamazônica atravessou os municípios de São João, São Geraldo e São
Domingos do Araguaia pelo lado esquerdo, até Marabá (PEREIRA, 2015).
A região foi incluída como área de segurança nacional, sendo que a questão agrária
passou a ser de incumbência do governo federal centralizando as decisões em relação as
questões fundiárias em Brasília. Martins (1984) conceitua como “militarização da questão
agrária” porque para operacionalizar tal decisão foram criadas estruturas dentro do governo,
com a finalidade de controlar o acesso à terra, conforme seus interesses, nessa área de
conflito, com o crescimento do aparato repressivo contra qualquer forma de organização
política.
Foram criados o Ministério Extraordinário da Política Fundiária e o Grupo de Terras
do Araguaia Tocantins (GETAT) na década de 1980, responsáveis pela redistribuição e
titulação das áreas em litígios. O GETAT, posteriormente, integrou o Instituto Nacional de
12 O Major Curió também foi destacado pelo governo militar em 1981, para comandar a expulsão do
acampamento organizado pelos agricultores em 1978, no trevo da Encruzilhada Natalino, decretaria “área de
segurança nacional” em Ronda Alta no Estado do Rio Grande do Sul, após quinze mil pessoas realizarem uma
marcha reivindicando a Reforma Agrária. Nessa ação, o Major Curió fez um cerco ao acampamento, mas foi expulso juntamente com a força política após dez dias, pela forte pressão popular. Essa acampamento é
considerado o berço do MST no Brasil. (FERNANDES, 1999).
68
Colonização e Reforma Agrária, criado em 1970. A princípio, esse órgão do governo federal
era responsável pela política de colonização e depois de regularização fundiária.
Segundo Emmi e Marin (1998), o deslocamento do poder sobre o território para o
âmbito federal provocou conflitos de legislação, em que as elites locais perderam poder
político pois tinham suas articulações políticas vinculadas aos órgãos fundiários do Estado e
levou um tempo até se adaptarem a essa nova institucionalidade.
Essas alterações provocaram a valorização da terra, em detrimento da queda do preço
da castanha-do-pará e dos produtos extrativistas. A legislação estadual e federal foi alterada
em relação ao conceito de posse pois “considerava benfeitorias as áreas desmatadas pois era
prova da intervenção humana realizada e demonstravam o tempo de apossamento da área”
(HÉBETTE, 2004, Vol II, p. 162).
As famílias oligárquicas, nas décadas de 1980 a 1990, para obter o reconhecimento
legal sobre as terras apossadas, passaram a realizar a derrubada dos castanhais e a substituição
progressiva pela pastagem, transformados as áreas em grandes fazendas. O desmatamento das
áreas, seguidos do processo de corte e queima para implantação de monocultivos de capim, a
princípio para criação extensiva de gado de corte utilizou-se da mão de obra dos posseiros.
Os posseiros passaram a ocupar os castanhais, desde a década de 1970, questionando o
poder patriarcal dessa oligarquia porque eram migrantes e que não reconheciam os domínios
dessas famílias sobre vastos territórios pois não tinham vínculos de subserviência, construídas
nas relações coronelistas e paternalistas.
Por fim, outra ação estatal que teve grande impacto na constituição dos conflitos foi a
exploração industrial das riquezas minerais. O avanço de pesquisas no campo geológico, que
demostraram a existência das maiores jazidas minerais do mundo nessa região, em destaque
para o ferro, ouro, manganês, bauxita, cobre, zinco, nível, dentre outros, foram as bases para
criação do Programa Grande Carajás.
No projeto nacional desenvolvimentista de Getúlio Vargas foi criada em 1942 uma
empresa estatal para a exploração mineral no país: a Companhia Vale do Rio Doce, que
concentrou suas atuações a princípio em Minas Gerais, na região do Rio Doce.
Posteriormente, teve suas ações intensificadas com a constituição de um dos maiores projetos
de exploração mineral do mundo, denominado Programa Grande Carajás. A expansão da
atuação da Companhia Vale do Rio Doce com a construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de
Tucuruí, construção e duplicação da malha viária, rodoferroviária para exportação, através do
Porto de Itaqui, no Maranhão.
69
A divulgação da existência de ouro em Serra Pelada, na década de 1980, intensificou
outro movimento de migração para essa região de todo os estados brasileiros. A repercussão
nacional, pela divulgação entre os garimpeiros, pela facilidade em que o ouro foi encontrado
na superfície, passível de exploração manual. Serra Pelada constituiu o maior garimpo a céu
aberto do mundo, tendo no seu auge a presença de cem mil garimpeiros na atividade de
extração.
O governo federal, durante a Ditadura Civil Militar, buscou meios de controlar essa
exploração, deslocando e constituindo representação do Estado, através de instituições
financeiras como a Caixa Economia Federal, que foi instalada dentro da Serra Pelada, bem
como, deslocando seu aparelho repressor com o exército brasileiro e a polícia federal, por
meio do Serviço de Informação Nacional (SNI) sob o comado do Major Curió – nomeado
pelos serviços prestados de repressão aos militantes do PC do B e pelo conhecimento sobre a
região.
O garimpo de Serra Pelada funcionou pelo período de 1979 a 1992, tendo seu apogeu
em 1983. O processo de fechamento do garimpo manual e sua substituição pela exploração
industrial em larga escala, a partir de 1992. Após seu fechamento, milhares de garimpeiros
permaneceram nas cidades da região pela esperança de reativação do garimpo e de receberem
uma indenização da Caixa Econômica, a partir de cooperativas criadas na época.
A empresa Companhia Vale do Rio Doce S.A tinha a concessão por meio da sua
subsidiária Rio Doce Geologia e Mineração S.A. (Docegeo) da área na qual foi instalado o
garimpo de Serra Pelada, mas sua principal atividade era a exploração do minério de ferro na
Serra dos Carajás. Essa empresa foi privatizada posteriormente, repassada ao capital
internacional pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (1997). Após a privatização, foi
alterado sua razão social e seu nome comercial, passando a denominar Vale S.A., continuando
sua exploração das reservas minerais brasileiras e expandindo sua atuação em outros países.
Na década de 1990, a partir dos processos de reestruturação produtiva e de
terceirização das atividades meios como estratégia de aumento do lucro, diminuindo o custo
com a mão de obra, a maioria dos postos de trabalho da Vale S. A foram terceirizados,
diminuindo o número de funcionários vinculados formalmente à empresa, com os direitos
trabalhistas garantidos.
Multiplicaram-se as empresas terceirizadas que realizam a contratação da mão de obra,
para dar suporte, a principal atividade de exploração mineral, que se manteve como direito
exclusivo da Vale, que atrai migrantes para esses postos de trabalho precarizados. As funções
70
nas empresas terceirizadas atendiam aos que não possuem formação especializada ou que têm
formação técnica ofertada em cursos técnicos profissionalizante.
As cidades de Parauapebas e Canaã dos Carajás, no entorno da mineração apresentam
uma explosão demográfica, o que gerou aumento na demanda por serviços públicos, tais
como saúde e educação, bem como o aumento do custo de vida e produção da miséria com
um novo fluxo migratório em busca de empregos indiretos na mineração.
A mineração na região atende a demandas internacionais com exportação para
diversos países. Nas últimas duas décadas, tem se intensificado o ritmo de exploração, com a
introdução de processos industriais na extração do minério. Na exploração dessas riquezas,
quase nada foi revertido para sanar os problemas sociais gerados com a destruição ambiental,
a ameaça sobre os territórios indígenas e camponeses. Os investimentos da Vale são
insignificantes, frente aos impactos gerados nessa região, e os que são realizados tem intenção
de ganhar isenções fiscais, além das que já são beneficiadas pela Lei Kandir13
.
Esses processos produzem a desterritorialização de povos indígenas, que foram
confinados em reservas, e das populações que viviam do extrativismo e que tinham seu modo
de vida constituído na relação direta com os rios e florestas, dificultando o acesso aos bens
coletivos. Contraditoriamente, também gerou a resistência pois, não vislumbrando outras
formas de vida senão a luta pela sua existência e a “re-existência” e a territorialização de
posseiros; peões, trabalhadores rurais e garimpeiros constituíram o campesinato na região.
(PEREIRA, 2015)
Mesmo nesse cenário de expansão do capital financeiro e monopolista, desfavorável à
vida em suas diferentes formas, há disputa de projetos. Segundo Michelotti (2014), a análise
histórica revela que a luta pela terra e a questão agrária no Brasil se constituíram permeadas
de conflitos, alcançando diferentes intensidades na medida em que há alterações na correlação
de forças na sociedade, com períodos de menos e maiores conquistas do campesinato.
O sudeste do Pará se configura como campo dos conflitos e da resistência na luta pela
terra e pelo território: na década de 1990, ficou conhecido nacionalmente conhecido como
13 A Lei Kandir, lei complementar brasileira nº 87 publicada em 13 de setembro de 1996, entrou em vigor em 01
de novembro de 1996, dispõe sobre o imposto dos estados e do Distrito Federal nas operações relativas à
circulação de mercadorias e serviços (ICMS). Nela está prevista a isenção do pagamento desse imposto sobre as exportações de produtos primários, como itens agrícolas, semielaborados ou serviços, com o objetivo de dar
maior competitividade ao produto brasileiro no mercado internacional. Por conta da desoneração deste tributo de
competência estadual, a lei é polêmica porque não gera receitas de arrecadação devido à isenção do imposto
nesses produtos. Em 2002 foi criada uma lei complementar, conhecida como seguro receita, que garantia que o governo federal precisava ressarcir os cofres estaduais, mas ela foi derrubada pelo tribunal de Contas da União
em 2018, de forma que as atividades de mineração e agronegócio não são taxadas.
71
“barril de pólvora” pelo número de conflitos agrários dessa região, marcados no imaginário
nacional.
Em relação às lutas, houve uma diversificação dos movimentos sociais organizados
(MEDEIROS, 1989), a partir dos impactos das políticas desenvolvimentista, em diferentes
frentes, nos anos 1990. Dentre eles, se destacaram a organização do Movimento dos
Atingidos por Barragem (MAB), criado no sul do Brasil e se organiza na região em torno da
reivindicação dos direitos dos que foram atingidos pela construção de hidrelétricas, em
especial com a construção da UHE de Tucuruí e pelo anúncio da construção de novas
hidrelétricas pelo governo federal.
Outro exemplo foi a constituição do Movimento das Quebradeiras de Coco Babaçu
(MIQCB), constituído pelas mulheres do movimento sindical com o objetivo de dar
visibilidade e reconhecimento ao seu modo de sobrevivência baseado no extrativismo do coco
babaçu, produzido pela palmeira Babaçu (Attalea speciosa) nos Estados do Pará, Maranhão,
Piauí e Tocantins. Elas tiveram seu modo de vida ameaçado pela expansão do agronegócio,
no qual os fazendeiros ampliaram as áreas de fazenda, apossaram das áreas, queimavam o
babaçu para implantação da pastagem, bem como cercava áreas de coletas tradicionais,
cobrando pela coleta dos frutos.
As quebradeiras de Coco encamparam uma luta no Ministério do Meio Ambiente pela
“Lei do Babaçu Livre” (Lei 231/2007), para proibirem a derrubada dessa árvore nativa, pelo
reconhecimento dos babaçuais como patrimônio público e pelo direito de coleta desse fruto e
a defesa de criação de reservas extrativistas e de políticas para beneficiamento através da
expansão do óleo, já realizado manualmente por elas.
Outro movimento que teve a criação nessa região, mas com atuação em todo o
território nacional foi o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), que busca
questionar a forma de exploração mineral, a socialização do passivo ambiental e a destruição
dos modos de vida de quem reside nos territórios, pela busca de exploração das riquezas do
subsolo, bem como a apropriação privada dos lucros oriundo desse tipo de exploração.
Os movimentos indígenas são outra presença forte nos conflitos territoriais, se
organizando em diferentes associações, em cada território, para lutar por compensações dos
danos provocados por esses projetos de extermínio e que buscam reafirmar seu direito a
permanecer existindo a partir dos seus modos de vida. As associações se vincularam a
Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), a Coordenação das Organizações Indígenas
na Amazônia Brasileira (Coiab) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
72
Com menor força nessa região, mas também construindo uma articulação estadual e
nacional, o movimento quilombola tem uma atuação mais forte na região de Tucuruí e Baião,
no nordeste paraense e na região metropolitana de Belém.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT) - que auxilia os camponeses, indígenas e
ribeirinhos e registra os conflitos agrários, dando visibilidade nacionalmente à sua luta – os
conflitos são históricos e se multiplicaram no início do século XXI. No Caderno de Conflitos
lançado anualmente, a CPT registra e divulga os dados sobre os conflitos, nos quais essa
região é destaque nacional, desde a década de 1980, com inúmeras chacinas noticiadas, desde
o massacre da Fazenda Ubá e Princesa em São João do Araguaia no Estado do Pará em 1985,
de Corumbiara em Rondônia em 1995 e Eldorado dos Carajás no Pará, em 1996. Em 2017, a
última das chacinas divulgadas ocorreu em Pau D’Arco, considerada a segunda maior no
campo nos últimos vinte anos. Foram assassinados dez integrantes da Liga dos Camponeses
Pobres, movimento que tinham uma atuação recente na região, no denominado Massacre de
Pau D’Arco14
(CPT, 2018).
As ações de apropriação privada da terra devolutas e a conversão em terras privadas,
as políticas de colonização dirigida que incentivaram a constituição da migração espontânea, a
privatização do garimpo de Serra Pelada e a instalação dos grandes projetos de exploração
madeireira, mineral e agropecuária foram ações do Estado que estimularam a migração para a
Amazônia e resultaram em conflitos entre diferentes interesses de classes sociais:
latifundiários, empresários, empresas multinacionais, povos indígenas, garimpeiros,
camponeses, ribeirinhos, etc., a partir da intensificação e avanço da exploração capitalista sob
Amazônia brasileira, nos últimos cinquenta anos do século XX. Essas transformações na
paisagem natural e social impactaram profundamente essa região do país (HÉBETTE, 2004).
Os povos que vivem na Amazônia foram, ao longo da história, ameaçados em seus
modos de vida, seja pela política de colonização, pelos megaprojetos governamentais e pelos
investimentos do capital internacional na exploração mineral, agropecuária, seja pelas
contínuas obras de infraestrutura que o Estado brasileiro construiu para viabilizar
economicamente essas diversas formas de exploração. A Amazônia constituiu uma das
últimas regiões com maior sociobiodiversidade do planeta Terra e por isso ela é vista como
imprescindível, seja na concepção preservacionista, seja na predatória, como última fronteira
a ser explorada.
14 A CPT lançou em Brasília, em 04 de junho de 2018, o caderno de Conflitos Agrários 2017, com o registro de
71 assassinatos no campo, o maior número desde 2003.
73
Os diferentes sujeitos coletivos anteriormente descritos constroem estratégias de
resistência e de enfrentamento, com aliança entre eles, para se fortalecerem e reivindicarem
perante o Estado, como sujeitos de direito durante a ditadura militar. Em um processo de
resistência aos processos de expropriação da terra e de direitos apresentados anteriormente, os
camponeses se organizaram em diversos movimentos sociais15
do campo. No tópico abaixo,
trataremos de dois movimentos que organizaram a luta pela terra e como se constituíram no
sudeste do Pará.
2.2. Sujeitos coletivos de representação dos agricultores: movimento sindical e
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e suas estratégias de luta
Tratamos nesse tópico das estratégias de resistência dos migrantes posseiros e sem
terra, que constituíram o campesinato, no enfrentamento direto com os interesses do polo do
capital, a partir da luta pela terra. Tal recorte se justifica, a princípio, pela força política que
eles constituíram, impondo um diálogo com o governo federal e pelo protagonismo na
constituição de parcerias com instituições públicas, partidos políticos e entidades de
assessoria dos direitos humanos como estratégia para fortalecimento da territorialização.
Além disso, esses movimentos incidiram sobre os rumos do projeto de país em construção, na
disputa pela constituição de políticas públicas, como sujeitos de direito, dentre elas a
Educação.
Para garantir, em meio aos conflitos, sua territorialização, constituíram representações
em sujeitos coletivos: a luta posseira gerou o movimento sindical rural, com a constituição da
Regional Sudeste Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri) e a luta Sem Terra, a
constituição do MST no Pará. Tiveram maior expressão entre as décadas de 1970 a 2000, na
disputa por projetos de desenvolvimento e da luta de classe no sudeste do Pará.
Com o processo de democratização da sociedade brasileira, esses movimentos
participaram ativamente pelo reconhecimento de sua existência, reivindicando os direitos
previstos com a aprovação da Constituição de 1988, bem como se tornando sujeitos políticos,
ao disputar o projeto de desenvolvimento, que não os incluíam nessa região e nas quais
levantaram bandeiras de lutas16
, fortalecidos pela atuação coletiva; mesmo que em menor
15 Para melhor entender o conceito de movimentos sociais, ver Gohn (2012). 16 Essas bandeiras de lutas se constituem nas pautas de negociação, nas quais são expressas todas as demandas
que reivindicam como sujeitos coletivos de direito.
74
proporção que as políticas hegemônicas para a agricultura, constituíram políticas públicas e
fizeram avançar sua agenda dentro do governo federal.
Segundo Pereira (2015), a constituição da luta posseira é parte importante da luta pela
terra nessa região. Os denominados “posseiros” são os peões, meeiros, garimpeiros,
trabalhadores rurais e agricultores migrantes de diversas regiões do país, principalmente do
nordeste, que ocuparam áreas de antigos castanhais. Eles se destacaram na luta pela terra e
território, pois conseguiram manter a resistência nas áreas de terras que ocuparam, ou ainda
resistiram nas áreas que já residiam e eram reivindicadas pelo Estado para famílias influentes
e empresários nacionais, já tratado no tópico anteriormente. Os posseiros organizaram-se em
um campesinato, na constituição de projetos de assentamento na região (em 2018, em torno
de quinhentos e quatorze17
).
No sudeste do Pará, a luta pela terra foi instituída como luta posseira durante a
ditadura militar, que se integrou ao movimento sindical que, tendo como uma das estratégias,
o confronto direito com o suposto “dono da terra”, através de ocupação das áreas dos antigos
castanhais, pelos posseiros migrantes, principalmente nordestinos porque não reconheciam ou
respeitavam uma autoridade constituída sem uma efetiva presença nas áreas (GUERRA,
2013; EMMI e MARIN, 1998).
As estratégias utilizadas foram diferenciadas de acordo com o período de ocupação e
com o movimento que representava os interesses dos agricultores. Segundo Hébette (2004) na
década de 1980, nas áreas ocupadas pelos posseiros, a estratégia se baseou na violência. Para
Pereira (2015), os posseiros construíram alternativas para manutenção dessas famílias nas
áreas de castanhais ocupadas, ainda sem o apoio institucional do Estado ou contra suas
instituições, organizando-se “com a vinte atrás do toco”,18
contra pistoleiros e grupos
armados, a mando de fazendeiros e dos agentes da segurança pública do Estado.
Eles construíram uma rede de solidariedade, baseada nas relações de parentesco e
compadrio e, posteriormente, construindo relações com entidades de assessoria da Igreja
Católica, de defesa os direitos humanos e políticos de partidos de uma ala da esquerda e com
professores das instituições públicas de ensino da região. A Igreja Católica, a partir da ala
progressista denominada de Teologia da Libertação, constituiu a Comissão Pastoral da Terra e
atuou incisivamente em favor desse campesinato, prestando assessoria e tornando-se uma das 17 Cerca de quinhentos e quatorze assentamentos, constituídos a partir da regularização fundiária realizada pelo governo federal, pela pressão dos movimentos sociais do campo. Os dados são do Sistema de Informação dos
Projetos de Assentamento – SINPRA/ INCRA, 2018. 18 Expressão utilizada pelos posseiros na região, para expressar o período do conflito armado na luta pela terra, nos quais a defesa do território era realizada em equipe organizada em trincheiras, atrás dos tocos de grandes
árvores da floresta, armados com espingarda de calibre 20 (PEREIRA, 2015).
75
principais instituições mediadoras para apoiar e assessorar a organização dos agricultores.
(GUERRA, 2013; PEREIRA, 2015).
Os posseiros que se converteram em agricultores criaram associações e delegacias
sindicais, nas quais se reuniam para debater coletivamente as soluções para os problemas que
os afligiam. Eles foram incentivados pela atuação das diversas pastorais da Igreja Católica,
dentre elas a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a retomada dos Sindicatos de Trabalhadores
Rurais (STR) como instrumento de representação pública.
A atuação desses sindicatos tinha sido, na ditadura, de cunho assistencialista e
desmobilizador das lutas dos posseiros, realizadas através das ocupações. Esses sindicatos
eram tutelados, constituindo-se de “representantes pelegos”, presidentes indicados pelo
exército brasileiro durante a ditadura militar. As eleições, que até então eram forjadas e
tuteladas, foram reivindicadas que se constituísse na disputa democrática e os posseiros
conseguiram assumir a direção desses sindicatos por novas lideranças, forjadas nessas áreas
de conflito na luta pela terra, e que esses tivessem sua atuação direcionada em defesa de suas
pautas de luta. (GUERRA, 2013).
Segundo Pereira (2015), algumas lideranças foram forjadas nas táticas e nas
estratégias de defesa, durante o período de conflito intenso, na luta para se proteger da
violência a que foram submetidos. Na região se constituíram e se fortaleceram na década de
1970 a 1990, novas lideranças dos agricultores, que se tornaram mediadores e representantes
frente aos órgãos públicos. Foram criadas associações e delegacias sindicais, nas quais se
reuniam para debater coletivamente as soluções para os problemas que os afligiam. A
princípio, muitas mulheres ficaram com os filhos, morando na sede ou em vilas dos
municípios próximos, se responsabilizando pela garantia de sobrevivência na família,
trabalhando como lavadeiras, fazendo bolo ou diversos outros trabalhos manuais para que os
filhos pudessem continuar estudando.
Eram períodos longos de conflitos, algumas áreas só foram regularizadas e
reconhecidas legalmente após dez anos de ocupação19
. Por isso, como estratégia de segurança,
19 O primeiro assentamento regularizado no sudeste do Pará foi o Projeto de Assentamento Arraras, no município de São João do Araguaia, em 1987, fruto da ocupação do Castanhal Araras em 1978. Este constituiu a segunda
área ocupada pelos posseiros, a primeira área ocupada foi a Fazenda Ubá, onde ocorreu o massacre em 1985. Na
década de 1980, a área reivindicada pelos posseiros foi negociada com o Coronel João Anastácio de Queiróz.
Frente a disputa de interesse, o GETAT orientou os posseiros a desocuparem a área de castanhal e ocuparem outra área, destinada a Terra Indígena Mãe Maria, já acordada em 1984 e demarcada em 1986, com o
deslocamento de três povos Gavião: Parkatejê, gavião do oeste, pelo alagamento do seu território na construção
da Hidrelétrica de Tucuruí, pelos Kyikatejê ou Gavião da Montanha e pelos Akrãtikatêjê, provocando um
conflito entre indígenas e posseiros (HÈBETTE, 2004, vol 01). Esse conflito foi mediado pelo Cacique Payaré, liderança dos indígenas, e Almir Ferreira Barros, liderança dos posseiros. Eles fizeram um acordo de
desocupação da área após um período de negociação e compreenderem que não era uma luta entre si, mas era o
76
todos os membros das famílias só se mudavam para a ocupação quando já tinham diminuído
os focos de violência ou a área já era considerada deles. Há muitos casos de mulheres que
participaram da ocupação ou deram suporte, levando mantimentos, informações aos seus
companheiros ou atuando durante a luta, conforme apresentado no artigo de Bezerra e Alves
(2017).
Na luta posseira se encontram os embriões da luta por educação. Um dos problemas
apontado pelos posseiros, durante a luta pela terra, era a inexistência da escola. Eles
constituíram um barracão, onde se reuniam para debater as problemáticas por eles
enfrentadas, a interlocução com os mediadores e entidades de apoio. Por vezes, dividiam o
espaço construído para funcionamento da igreja, e nesses locais passavam a funcionar
enquanto escola uma turma de ensino fundamental, multisseriada, com um número reduzido
de crianças.
O poder público municipal argumentava que a legislação não permitia a construção de
prédios públicos e nem a formalização de escola em área de conflito, apenas depois da
desapropriação. Eles escolhiam quem tivesse o maior nível de escolaridade, para assumir a
função docente. Residindo em áreas de recente ocupação, eles precisaram criar estratégias
para garantir que seus filhos tivessem acesso à educação escolar. (ANJOS, 2009).
Não existiam muitas alternativas de continuidade dos estudos naquele contexto.
Muitas famílias deixavam seus filhos em casas de parentes ou conhecidos na cidade para
garantir alguma continuidade nos níveis de ensino. Outra estratégia utilizada era dividir a
família: as mulheres ficavam nas sedes dos municípios, trabalhando em diversos serviços
manuais, para garantir a permanência dos filhos na escola, enquanto o homem permanecia
trabalhando na terra ou, na ausência dessa possiblidade, mudavam a família para o trabalho,
retirando os filhos das escolas. Em todas as reinvindicações que estão na pauta, apresentada
por Hébette (2004), nas ocupações, havia a solicitação formal por escolas, dentre as outras
demandas de políticas públicas.
A luta posseira constituiu o movimento sindical do campo nessa região, que organizou
a Fetagri Regional Sudeste do Pará em 1996; integrando a Confederação dos Trabalhadores
na Agricultura (Contag). O Estado, através do governo federal, desapropriou as áreas de
castanhais e várias fazendas, realizando a regularização fundiária, que se tornou um
estado que deveriam pressionar para demarcar outra área, os posseiros fizeram a ocupação do GETAT/Incra por ocupação por um período de sete meses. O Assentamento só foi reconhecido em 1987, no mesmo período que a
escola.
77
reconhecimento público e resultado dessa luta (primeiramente, o acesso à terra) na Reforma
Agrária forçada pelo polo do campesinato. (HÉBETTE, 2004; PEREIRA, 2015).
O MST foi outro movimento que se territorializou na região, constituindo suas
primeiras ocupações na região na década de 1990. Criado nacionalmente em 1984, iniciou sua
atuação no Pará, no sul do Estado, pelo município de Conceição do Araguaia, na ocupação da
fazenda Ingá, e em 1992 com a ocupação da Fazenda Rio Branco no município de
Parauapebas, no Estado do Pará. Após o Massacre de Eldorado do Carajás em 1996, se
destacou na luta pela Reforma Agrária, se tornando o movimento com maior visibilidade
nacionalmente (PEREIRA, 2015).
A constituição de movimentos de massa como o MST instituiu outras formas de luta
pela terra no Brasil. Uma delas foi a estratégia de constituição de acampamentos “de baixo da
lona preta” nas margens das terras, que pretendiam reivindicar a desapropriação das áreas a
partir da função social da terra expressa na legislação brasileira, questionando a legitimidade
do latifúndio improdutivo. Além das áreas de terra reivindicadas, a constituição de
acampamentos em espaços públicos tornou-se outra estratégia utilizada para promover o
debate e o embate diretamente com o governo federal, com a ocupação de órgãos públicos,
tais como sede dos órgãos públicos como INCRA, INSS, etc. (PEREIRA, 2015).
Segundo Pereira (2015) a atuação do MST no sudeste do Pará se institui na segunda
tentativa de ocupação, pois na primeira houve uma articulação rápida entre a polícia, poder
público e os supostos donos, e o despejo foi realizado imediatamente, concomitante com a
ocupação da área, levando a prisões de seis lideranças, sob o comando do Major Curió. Como
estratégia de luta, eles se deslocaram para Marabá e estabeleceram um acampamento no
entorno no INCRA, dando visibilidade a sua presença na região.
Segundo Moreno (2010), após o fechamento do garimpo de Serra Pelada, um grande
contingente de garimpeiros ficaram na região, na esperança de conseguir reativar a exploração
manual; muitos se tornaram desempregados ou atuaram realizando trabalhos manuais de
limpeza de lotes urbanos ou em subempregos nas periferias das cidades ao entorno de
Marabá. Posteriormente, a partir do trabalho de base, muitos ingressaram na luta pela terra,
integrando aos movimentos sociais do campo, já que muitos eram agricultores, em seus locais
de origem, um exemplo foi à constituição do Assentamento Palmares.
O MST também construiu sua organicidade, constituída em uma organização dos
acampamentos e posteriormente, do assentamento, tornando um processo formativo, estudado
por Caldart (2004) em sua tese de doutorado. A organicidade constitui a partir da gestão
coletiva do acampamento, organizando as famílias em grupos denominados Núcleos de Base
78
(NB), e a representação de cada NB constituiu a coordenação do acampamento. Também
participam dos setores de trabalho para garantia da coletividade. Essa organicidade constituiu
um processo de formação política para que todos fossem inseridos e vivenciassem o processo
educativo da luta pela terra.
Uma das condições para ingressar no movimento, após o cadastramento das famílias
era a permanência de todos os membros das famílias nas áreas disputadas. Essa estratégia da
permanência das famílias potencializava também a reivindicação das políticas públicas
traduzidas em direitos sociais, dentre elas, a escola. Essa estratégia visava identificar, no
cadastro das famílias, uma estimativa no número de crianças, jovens e adultos e da quantidade
de famílias que compunha a área a ser ocupada, que posteriormente constituirá o
assentamento.
A quantidade de famílias cadastradas se tornou um trunfo para as negociações diretas
com o Estado, que passam a demandar concretas em diversos campos traduzidas em política
pública reivindicadas, expressa a partir do conceito de direito inalienável. A palavra demanda
passou a fazer parte do vocabulário e é utilizada recorrentemente pelos movimentos sociais
em suas falas públicas. A ocupação das áreas rurais realizadas com até mil famílias
cadastradas produzia uma força política, como expressa Pagu:
Bom, eu acho que tem a ver com a força que ganha a luta pela terra na região,
principalmente das áreas conquistadas, a demanda... acho que a demanda é o que... a
força da luta pela terra ela se dá pela quantidade de terras, de áreas que a gente
ocupa, mas também pela demanda apresentada né? Pela quantidade de famílias
organizadas (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
Na década de 1990, o MST, em todas as áreas ocupadas, constituía a demanda por
escola, mas também construía o próprio barracão da escola e decidia entre os acampados
quem iria exercer a função de educador (a). Durante o período de ocupação, a escola era parte
da estrutura precária dos assentamentos, de forma que pudesse ser reconstruída após os
despejos das áreas em litígio. Ela ainda não era considerada parte da estrutura do Estado ou
vista como uma ação do poder público. Ela se constituiu como projeto dos acampados e só
integrou o sistema de ensino com o reconhecimento oficial das prefeituras municipais após
um período de funcionamento. Vejamos o relato abaixo:
No início, no MST específico, a gente fazia. Entrava, ocupava a terra, logo a gente
construía o primeiro barracão. Primeiro era o das famílias, a primeira atividade
coletiva era o barracão da escola, com o trabalho voluntário, com a organização de
atividades pedagógicas. E depois, um processo de luta para conquista das escolas
junto ao poder público municipal ou estadual, dependendo da realidade específica.
[...] Então isso já, mas era um trabalho assim... que a gente tinha, como eu posso
dizer, ele não era tão rápido que se dava. Tu tinha a escolinha, que ia funcionando
naquele barracão com trabalho voluntário, com atividades pedagógicas diversas.
Mas não necessariamente era a escolarização. Em alguns casos, a gente conseguia
79
ter uma demanda, que a gente trabalhava um ou dois anos com escolarização, sem
ser reconhecido pelo poder público. Só que a gente tinha um acompanhamento
pedagógico nessas escolas, como mandava o figurino mesmo, de forma que a gente
tinha todos os registros e seguíamos o processo de luta e a escola funcionando. As
turmas formadas, os professores com trabalho voluntário, mas também, com
formação através de um acompanhamento que a gente fazia permanente. E toda a
documentação desses alunos, registrado como manda a lei. Na forma da lei, como
diz o outro. E o processo de negociação, ele ia se dando, até que, na maioria das
escolas nossas tinha o processo de avaliação e reconhecimento. E depois de muita
luta, a prefeitura ia lá, a Secretaria de Educação e fazia então, o reconhecimento da
escola e uma avaliação para reconhecimento de saberes dos anos anteriores. Então,
eles faziam esse trabalho. (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/
2019).
Os dois movimentos (Fetagri Regional Sudeste, vinculada a Contag e MST) se
tornaram os sujeitos coletivos de representação dos assentamentos constituídos na
interlocução com o Estado e tornaram portadores dessas reivindicações, construindo pautas
desde o reconhecimento das áreas ocupadas até as condições de permanência nas mesmas a
partir da construção da infraestrutura necessária para reconstrução da vida. Entretanto, apenas
tiveram força política para fazer avançar algumas das suas reivindicações a partir do Massacre
de Eldorado de Carajás, em 1996.
Segundo Pereira (2015), constituiu o marco o massacre de Eldorado do Carajás porque
foi a maior chacina contra agricultores a partir da violência policial e o extermínio praticado
pelo Estado produziu o descrédito no Estado brasileiro, cuja resolução dos conflitos agrários
incorporou a imposição da violência contra os camponeses. As imagens foram imortalizadas
pelo fotógrafo Sebastião Salgado no ensaio fotográfico Terra (1997), bem como pela
divulgação massiva das gravações em vídeo de uma TV local, mobilizado a opinião pública
internacional.
Os movimentos sociais do campo denunciaram o Estado brasileiro por omissão e
morosidade na realização da Reforma Agrária e negação dos direitos humanos inalienáveis,
expressos na Constituição de 1988, instituindo essa data como o Dia Internacional da Luta
pela Terra.
Tal massacre impactou a opinião pública internacional que fez abalar fortemente o
governo federal. A pressão internacional obrigou o governo federal, na gestão de Fernando
Henrique Cardoso, a constituir espaços de diálogo com os representantes dos agricultores.
Várias políticas públicas foram gestadas, dentre elas, a regularização das áreas de
acampamento e a criação dos Projetos de Assentamento, e o debate das políticas de crédito,
assistência técnica e principalmente da Educação. O dia 17 de abril se tornou o marco
internacional na luta pela terra.
80
Outra estratégia utilizada foi a realizações de grandes marchas nacionais. As marchas
buscavam dar visibilidade nacional a esses movimentos e foram os espaços para constituir a
interlocução com o Estado, nos quais os representantes agendavam audiências públicas ou
reuniões nos órgãos de deliberação, com a presença de representante direito do governo
federal, para atender as pautas apresentadas dessas ações.
Uma articulação nacional com diversos movimentos, dentre eles: a Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), MST, MAB, Conselho Nacional de
Seringueiros (CNS), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento Nacional dos
Pescadores, etc., para dar visibilidade da necessidade de Reforma Agrária e do impacto dos
grandes projetos sobre os povos do campo organizaram o primeiro Grito da Terra Brasil em
1994. (PEREIRA, 2015). As mulheres, vinculadas aos sindicatos, passaram a organizar a
Marcha das Margaridas em 2000, em memória do assassinato da liderança sindical Margarida
Alves. A mais recente marcha organizada foi em agosto de 2019, reuniu cem mil mulheres em
Brasília.
O MST organizou, em 1997, uma grande marcha, um ano após o Massacre de
Eldorado do Carajás, para denunciar a impunidade e a morosidade em relação à temática da
Reforma Agrária. Segundo Caldart (2012), a Marcha Popular por “Emprego, justiça social e
Reforma Agrária” foi organizada em fileiras, saindo das três regiões do Brasil e recepcionada
em Brasília por cem mil pessoas, percorrendo o total de mil quilômetros ao longo do país.
Essa marcha foi noticiada pela grande mídia, documentada em imagens que circularam nos
principais veículos de comunicação e alcançou o objetivo, como estratégia de enfrentamento,
de dar visibilidade ao debate, instituindo as palavras de ordem “Ocupar, resistir e produzir!”,
que sintetiza os objetivos do movimento.
Pereira (2015) destaca que a marcha visava ganhar visibilidade na grande mídia,
mobilizar o imaginário nacional, envolvendo toda a sociedade civil no debate nacional e
constituir o debate em torno da questão agrária, da luta pela terra e da soberania alimentar,
para conseguir pressionar o poder público ao apresentar uma interlocução direta com o Estado
brasileiro (PEREIRA, 2015).
O MST e a Contag pautaram nacionalmente a questão da Reforma Agrária e as
políticas públicas de estruturação dos projetos de assentamentos rurais, criados pelo governo
federal para regularizar as áreas já previamente ocupadas pelas famílias, inserindo-as no
cadastro nacional, que implica numa relação de beneficiários (RB) no INCRA, a qual
possibilitava acessar outras políticas estruturantes.
81
Esses foram os movimentos com significativa atuação no debate sobre a questão
agrária na região sudeste do Pará (ASSIS, in FERNANDES, MEDEIROS e PAULILO,
2009). Apesar de construírem estratégias diferenciadas e apresentarem divergências nos
objetivos da luta pela terra nacionalmente, construíram alianças para o fortalecimento frente
ao poder público. Essas alianças se deram na unificação das pautas de negociação com o
INCRA na Superintendência Regional (SR 27). Entre 1997 a 1999, organizaram grandes
acampamentos em frente ao INCRA, com a presença de até dez mil agricultores acampados.
As pautas foram constituídas em torno das políticas públicas para os povos do campo,
na construção de políticas específicas, para atender suas demandas, tais como: de políticas
específicas de crédito, assistência técnica, malha viária através da construção de estradas,
energia elétrica, saúde, aposentadoria, dentre elas, a educação, nosso foco de estudo.
As demandas assumidas pela luta nos acampamentos não diferiram muito das
demandas da luta posseira. Os acampamentos foram resultado da regularização fundiária das
duas lutas. Dentre os inúmeros problemas nos assentamentos, nas décadas de 1980 e 1990,
destaca-se a precariedade ou ausência de oferta regular de educação escolar. Conforme
resultado de pesquisa anterior em Anjos (2009), no sudeste do Pará, o ensino fundamental de
primeiro ao quinto ano foi constituído ainda no período de ocupação das áreas. O debate da
necessidade de lutar pela constituição de todos os níveis de ensino, desde a educação infantil
até a Universidade, foi fruto da luta instituída na EdoC.
Caldart (2008), ao contribuir na sistematização do conceito que denominou de EdoC,
sustentado na tríade Campo, Políticas Públicas e Educação, em sua fala no Seminário
Nacional dos dez anos do Pronera, afirmou que:
é preciso construir uma concepção que seja fiel à sua materialidade de origem, além
de pensar as relações, é preciso pensar em uma determinação primeira: foi o campo,
sua dinâmica histórica, que produziu a Educação do Campo. Ou seja, o campo é
mesmo o primeiro termo da tríade. E não uma “ideia” de campo, mas o campo real,
das lutas sociais, da luta pela terra, pelo trabalho, dos sujeitos humanos e sociais
concretos; campo das contradições de classe efetivamente sangrando (CALDART,
2008, p.71).
Destacamos as ações construídas na constituição dos acampamentos porque a Fetagri e
o MST produziram ações que viabilizassem um projeto de desenvolvimento produtivo,
ambiental e social que contribuísse com o projeto de sociedade que desejavam constituir.
Debateram a necessidade de construção de uma assistência técnica específica e do projeto da
soberania alimentar a partir da agroecologia. Foram eles que construíram, como pauta de luta,
um projeto de desenvolvimento para o campo e para o Brasil a partir da Reforma Agrária,
82
entendida não apenas como distribuição de terra, mas acesso a todos os direitos e a um modo
de vida digno com a participação de todos.
A necessidade da escola nas áreas de ocupação, desde os posseiros, foi incorporada
como demanda por educação nas pautas de criação e regularização das áreas ocupadas pelos
dois movimentos, em assentamentos rurais. O direito à escola vai se convertendo também no
direito a formação, por isso a pauta da formação de educadores foi ganhando centralidade,
como parte desse projeto e como ferramenta que possibilitasse a constituição da EdoC. A
educação enquanto escolarização passou a ser uma temática importante, e a estratégia
construída foi a constituir parcerias com a universidade federal, como lócus reconhecido de
produção e socialização do conhecimento científico e também pela sua legitimidade frente ao
Estado, temáticas que tratamos no próximo tópico.
Os movimentos Fetagri e MST foram os principais protagonistas da organização do
campesinato e na constituição da EdoC enquanto movimento de luta pelo direito a Educação,
em seu sentido ampliado, e na “elevação dos níveis de consciências” sobre os processos
políticos vivenciados. e utilizaram como estratégia as parcerias com entidades de apoio e no
campo da educação. Segundo o Dicionário da Educação do Campo (2012) no Brasil, o MST
foi um dos protagonistas na luta da constituição da EdoC, juntamente com a Contag. Outros
movimentos se somam a essa luta na carta de criação do Fórum Nacional da Educação do
Campo (FONEC) em 2010, foram eles: Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA),
Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) e Movimento das Mulheres Camponesas
(MMC) que se organizam internacionalmente na Via Campesina; e a Rede de Educação do
Semi-árido Brasileiro (RESAB).
2.3. Parceria movimentos sociais e instituições púbicas de ensino como estratégias de
fortalecimento dos territórios conquistados pelo campesinato
Neste tópico, apresentamos as parcerias construídas para fortalecimento e
consolidação dos assentamentos rurais, através da formação do território conquistado pelo
campesinato. A primeira experiência de parceria foi construída na década de 1980, constituída
entre o movimento sindical e a UFPA através do Campus de Belém, no campo de assessoria à
organização no campo da formação nas Ciências Sociais e das Ciências Agrárias. Essa
parceria constituiu o embrião da segunda parceria, entre os docentes do Campus do Sul e
Sudeste do Pará em Marabá, com a Fetagri e MST, que deu origem ao Pronera e as
83
experiências formativas em diversos cursos, desde a EJA até o ensino superior e que construiu
a base do Movimento de EdoC.
A primeira experiência de parceira construída na década de 1980 foi institucionalizada
no Pará, através da criação do programa de pesquisa e extensão denominado Programa
Agroambiental do Tocantins (CAT), entre a UFPA, Campus de Belém e os STTR. As ações
desse programa se concentravam nas regiões de Altamira e Marabá, onde foi constituído o
campesinato, fruto das políticas de colonização dirigida e espontânea.
A dinâmica constituída dentro do CAT foi a constituição de representação dos
diferentes sujeitos coletivos envolvidos. Como representação distinta dos agricultores, em
Altamira, primeiramente com o Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica (MPST) e
posteriormente, com a Fundação Viver, Produzir e Preservar. No sudeste do Pará, foi criada a
Fundação Agrária do Tocantins Araguaia (FATA), que congregava os Sindicatos dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais para representar o movimento sindical. Os
pesquisadores da universidade e associados foram organizados em Laboratórios de Pesquisa,
grupos com formação interdisciplinar constituído por agrônomos e sociólogos no Laboratório
Sócio Agronômico da Transamazônica (LAET) e o Laboratório Socioagronômico do
Tocantins (LASAT), vinculados a UFPA20
. Esses dois grupos passaram a atuar coletivamente,
definindo agendas de trabalho e ações a serem desenvolvidas no âmbito do programa.
(HÉBETTE, 2014)
A atuação do CAT tinha, como objetivo principal, atuar no campo organizativo e no
avanço de um projeto de desenvolvimento produtivo a partir do campesinato, que demandava
um trabalho formativo no campo da agronomia, no âmbito da produção, na produção de
itinerários técnicos de cultivos considerando o bioma amazônico, na preocupação com
alternativas produtivas e o uso da biodiversidade nas questões ambientais e agroecológicas.
Também atuavam na formação no campo organizativo e associativo, construindo experiências
20 Esse programa é resultado de projetos de extensão na UFPA é referência parceira entre lideranças do
movimento sindical e pesquisadores, liderados pelos ex-padre e pesquisador Jean Hébette e Raul Navegantes,
experiência que está registrada no livro: “CAT: ano décimo de uma utopia”, publicado em Belém, pela Editora
Edufpa em 2000, e constituiu parte do Núcleo de Altos Estudos Amazônico – NAEA, na Coleção Cruzando Fronteira:30 anos de estudo do campesinato na Amazônia organizada por Hébette (2014). Gerou uma série de
pesquisas de temática interdisciplinar sobre a territorialização camponesa, sobre desenvolvimento regional e na
área das ciências agrárias, sendo o embrião da constituição dos cursos de Licenciatura em Ciências Agrárias e
Agronomia da UFPA, do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares, intitulado anteriormente como Núcleos de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural – NCADR, com programa de Pós-graduação em
Mestrado e Doutorado em Agriculturas Amazônicas.
84
de comercialização coletiva e de criação de cooperativas, associações etc. e no debate da
constituição das associações, das relações de poder, de gênero, geração e renda21
.
O Programa CAT se tornou uma referência de parceria interinstitucional pelas diversas
ações no campo da formação das ciências agrárias, bem como o espaço de formação política
do campesinato no que foi denominado pesquisa-formação-desenvolvimento. Os Laboratórios
de Pesquisa institucionalizaram suas ações constituindo o curso de Licenciatura em Ciências
Agrárias (com duas turmas ofertadas em 1999/2000) ofertadas em Marabá e Altamira. Em
2001, a experiência se institucionalizou como bacharelado, sendo transformada no curso de
Agronomia.
Na experiência do Programa CAT, a centralidade das temáticas de pesquisa no campo
das ciências agrárias e da sociologia rural. O trabalho no referido programa, dialogava
diretamente com a UFPA, em Belém; as atuações paralelas no mesmo território, com o
Campus do Sul e Sudeste do Pará22
em Marabá, pouco dialogava entre si.
O Campus Universitário do Sul e Sudeste do Pará em Marabá foi uma ação de
expansão da UFPA, através de um programa de interiorização em 1987, com o objetivo de
atuar na formação de professores com a expansão do ensino. Parte da estrutura do Campus foi
herdada do Projeto Rondon, que atuou na região na década de 1970. A UFPA passou a ofertar
cursos de Licenciatura para formação de professores que já atuavam como leigos, por parte do
seu quadro de docentes que se deslocavam da capital, Belém, para ministrar os cursos de
graduação no período de férias da graduação, germe da constituição da oferta intervalar.
No período de 1994 a 1997, houve a estruturação de um quadro de docente efetivos,
formado por ex-estudantes das primeiras turmas formadas, que estruturou ações locais, com a
oferta de cursos com funcionamento ao longo do ano e a constituição de projetos de ensino,
pesquisa e extensão como ação integrada da universidade.
A coordenação do Campus Universitário do Sul e Sudeste do Pará em Marabá e seus
docentes passaram a ser demandados pelo MST e a Fetagri a construir ações com o
campesinato, em fase de territorialização. O embrião dessa parceria entre a universidade e os
movimentos sociais se deu a partir da constituição da política de assistência técnica para os
21 Foram construídos vários boletins informativos da FATA, disponíveis na biblioteca da instituição em formato
mimeo e os debates sobre sociologia foram publicados na Revista Agricultura Familiar: Pesquisa – formação –
desenvolvimento, publicado do NCADR/UFPA nos volumes produzidos em 1996,2000 e 2002, disponível em: https://periodicos.ufpa.br/index.php/agriculturafamiliar/index. Acesso em mar.2019. 22 Em 1987 foi criado o Campus Universitário do Sul e Sudeste do Pará porque visava atender também a região
sul do Pará. A denominação Campus Universitário de Marabá foi uma alteração realizada pela coordenação
interina que governou o Campus em 2000. Na Unifesspa passou a ser denominado de Campus de Marabá, Campus Sede ou Campus Marabá. No capítulo do histórico manteremos como foi denominado inicialmente, ao
longo do trabalho, utilizaremos Campus de Marabá.
85
assentamentos rurais, debatida a partir de 1997, mas formulada enquanto política em 1998,
quando a universidade foi demandada a indicar professores para compor a comissão de
constituição do Projeto Lumiar, para debater a constituição de uma política nacional de
Assessoria Técnica, Social e Ambiental (ATER) para as áreas de assentamento.
A equipe desse projeto era composta por técnicos do Incra e membros da sociedade
civil, a partir das indicações dos movimentos sociais do campo na região, com convites
formulados oficialmente pelo Incra e se constituía em um diálogo permanente com seus
representantes, no planejamento, execução e avaliação das ações, constituindo a base dessa
parceria.
Uma docente da Licenciatura em Educação do Campo, que iniciou sua experiência
com o movimento sindical na região em 1990, trabalhando na organização das mulheres na
Caixa Agrícola do Assentamento Araras, em 1990, era professora substituta no Campus do
Sul e Sudeste do Pará em Marabá, em 1998. Ela foi indicada para assumir essa função e
produz sua interpretação dessa nova articulação e parceria para atuar nas áreas de
assentamento. Ela relatou que:
Mas o diferencial que eu estou colocando porque havia um certo, há certa ponte
entre um grupo e outro. Por que quê esses grupos não dialogaram para fortalecer
mais esse aqui, que é a Educação do Campo? Porque a ideia não era formar
educadores talvez. Não estava na dimensão deles, a dimensão da Educação. Nossa
aqui, sim, quando nós pensamos a educação, a educação como elemento
fundamental para esses sujeitos permanecerem, continuarem... aí é interessante que é
uma demanda deles, entendeu? Nós não daríamos conta, estamos com dificuldades
até hoje para dar conta ainda desses sujeitos [...] Nós fomos levados a construir não
só por uma demanda, mas uma ação real, uma política de inserção nesses espaços,
de ocupação desses espaços, entendeu? Como é que eu penso a Educação do
Campo? Aqui, é ao contrário!! Aqui é uma ocupação desse sujeito, que vem aqui e
dizem: Olha, nós queremos! Para isso, vocês tem esse potencial! Vocês podem nos
ajudar nisso! Lembra quando eu estou falando aqui da ATES, aí nos formamos um
grupo e foi à primeira vez, que esse grupo aqui, materializou de fato, uma relação
institucional de parceria, de iguais, de movimento e da Universidade dialogando
junto. (Miha, docente, entrevista realizada em 16 de fevereiro de 2019).
Os movimentos passam a reconhecer, no Campus de Marabá, potencialidade para
contribuir nas áreas de assentamento; a dimensão da formação foi instituída porque eram as
ações de maior força dentro do Campus. Essa parceria foi assumindo a demanda por formação
docente, e a criação de uma nova parceria, apresentada aos professores do Campus de
Marabá, no campo da Educação, que se consolidou a partir da oferta de cursos de formação
para os agricultores que atuavam como professores e assentados nos assentamentos, com a
criação do Pronera.
As parcerias entre intelectuais orgânicos que se constituíram docentes do Campus
Universitário de Marabá, da UFPA, permitiu construir o espaço de escolarização, mas
86
também uma reflexão teórica que será originada desse movimento. Em 1997 foi constituído
formalmente o debate no campo da Educação de Jovens e Adultos (EJA) nos assentamentos.
Naquele período, durante todo o ano, os movimentos construíram e levantaram as demandas
de escolarização nas áreas ocupadas. Apesar da criação do Pronera ser datada de 1998, há
toda uma movimentação na construção das ações desde 1997, antes da assinatura do decreto
de criação por Fernando Henrique Cardoso, presidente da República na época. (ANJOS,
2009).
Santos (2012) analisou, em sua dissertação, a política de Educação do Campo. Ela
sistematizou em fases distintas a sua constituição. Na primeira fase, ela destaca o
protagonismo dos movimentos sociais e sindical do campo, na formulação dessa política no
período de 1997 a 2007 pois os mesmos não aceitaram apenas serem destinatários/público
alvo de políticas públicas e passaram a serem também demandantes propositivos, construindo
uma relação com o Estado, mesmo com tensões sempre presentes; se contrapondo a
concepção de Educação Rural, que apresentava o campo como local de atraso e a
escolarização como alternativa para preparar os sujeitos para sair do campo, construindo o
conceito de EdoC.
Segundo Santos (2012), a constituição do Pronera foi fruto da conjuntura e pressão
política gerada após o massacre de Eldorado do Carajás em 17 de abril de 1996, em que o
governo federal se viu obrigado a dar uma resposta imediata, com a criação do Fórum de
Instituições de Ensino Superior em Apoio à Reforma Agrária e das experiências de educação
já desenvolvidas no MST e organizaram o 1º Encontro Nacional de Educadores e Educadoras
na Reforma Agrária (ENERA) em 1997. Houve a participação dos acampados e assentados do
sudeste do Pará, integrantes do MST. Também houve a participação de representante da
UFPA, a partir da representação do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras -
CRUB (ANJOS, 2009).
Em consonância com o debate nacional constituído pelo Movimento de EdoC, foi
organizada a I Conferência Nacional de Educação do Campo (CNEC), realizada em 1998 em
Luziânia. Essa conferência foi organizada pelo MST, em parceria com a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF),
Organização das Nações Unidades para a Educação e Cultura (UNESCO) e UnB. Um ano
após foi realizado o I Enera, na qual o debate da formação de educadores nas áreas de
Reforma Agrária foi reafirmado como parte da luta pelo direito a educação.
Desse encontro resultou a construção da “Articulação Nacional Por uma Educação do
Campo”, criada para reivindicar e propor, na interlocução com o governo federal, a criação de
87
políticas específicas para a educação nas áreas rurais, constituindo a primeira fase da política
de Educação do Campo. As lutas unitárias entre os movimentos permitiram, na formulação
das políticas, que as experiências político-pedagógicas de formação se tornassem referências
para novas políticas. A Articulação Nacional foi o embrião do “Movimento Por uma
Educação do campo”. A atuação dessa articulação está sistematizada na coletânea “Por uma
Educação do Campo”, vol. 01.
O Pronera foi criado enquanto programa, a princípio, para atender através da EJA para
as áreas de Reforma Agrária. No entanto, a articulação gerada e as parcerias entre
movimentos e universidade públicas possibilitou o debate ampliado do direito à educação e o
espaço de interlocução, com a centralidade da questão agrária e da luta pela terra nos diversos
cursos ofertados. As duas temáticas eram agregadoras, para a constituição da luta pelo direito
a Educação, porque questionavam a função social da terra e a função social da escola no que
posteriormente foi denominado como EdoC:
[...] E entre tudo isso, garantir um vínculo permanente desse processo de formação
com a luta pela terra. Entender que são os sujeitos da luta pela terra, que o Pronera,
que a universidade como construtora, junto com os movimentos sociais na época,
daquele projeto. Tudo isso acontecia por uma necessidade real, era demanda dos
sujeitos, que tinha uma luta específica, que era a luta pela terra. E que agregando
naquele processo de resistência e luta pela terra, o debate da luta pelo direito à
educação. (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
Apesar do debate teórico na educação constituir como instâncias específicas a
educação superior e a educação básica, esta inclusive em um campo de atuação que
legalmente não está no escopo das ações da Educação Superior, portanto do lócus de atuação
das universidades. Ancorados no tripé ensino-pesquisa-extensão, os docentes passaram a atuar
na formação de camponeses, desde o Ensino fundamental, registrando essas ações a partir da
pesquisa e extensão, para garantir uma legitimidade inicialmente.
A constituição da EdoC foi fundada a partir da oferta da EJA e de projetos para
formação no nível do Ensino Fundamental e no magistério para agricultores que exerciam a
função de educadores. Foi pela oferta desses níveis de ensino que se forjaram essas parcerias,
porque era a necessidade inicial de formação demandada e também porque foi o espaço em
que conseguiram interlocutores, já que não havia diálogo com as instâncias responsáveis nos
municípios e Estados. Havia interesses políticos que não reconheciam os agricultores na
condição de acampados e assentados como sujeitos de direito e, muitas vezes, eram tratados
como criminosos, por instituir a luta pela terra e disputar a “sagrada” propriedade privada.
Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9394/96
estabeleceu como formação mínima de professores para atuar na educação básica o nível
88
superior. Os povos do campo passaram a reivindicar o direito à formação inicial no âmbito da
política pública. Assim, o tema da formação de professores para atuar nas áreas rurais ganhou
centralidade nas lutas, pois foi considerada a condição primeira para a constituição de um
sistema público que atendesse aos povos do campo na oferta de toda a educação básica.
(ANJOS, 2009).
A educação, após a década de 1980, com todo o debate constituído em torno da
democratização da escola e como direito inalienável passa a ser disputada porque sua negação
é compreendida como parte da produção da diferenciação e das desigualdades sociais e que
ela também deve ser disputada pois ela é a condição primeira para o acesso a outros direitos.
(ARROYO, 1999).
A formação de educadores adquiriu centralidade porque estava na base da oferta do
direito a educação, não compreendida como política compensatória para os pobres do campo,
mas como estratégia de contraposição à concepção da escola rural, a qual implicava em ter
acesso às primeiras letras para reproduzir as relações capitalistas de produção, qualificar ou
instruir minimamente os agricultores para desenvolver um papel dentro do sistema capitalista,
de produzir para alimentar o mercado interno, enquanto o agronegócio garantiria a balança
comercial brasileira. A centralidade se colocou na formação de educadores que
compreendesse as contradições presentes na sociedade e formasse novas gerações para fazer
avançar o projeto de formação humana.
As brechas que foram abertas pelo Pronera possibilitaram construir processos
formativos de alfabetização e de formação de educadores. Os cursos ofertados pelo Pronera
foram construídos de forma concomitante, a EJA nos assentamentos e a
escolarização/formação. Os agricultores (as) realizavam formações para o trabalho na EJA e
para aumentar seu grau de escolaridade. O relato abaixo apresenta uma síntese nas
experiências da realizadas:
A experiência do Pronera, a gente tem uma larga experiência, várias formas de
vivenciar, mas como os cursos do Pronera, todos eram na alternância pedagógica
também. Então, a gente tinha inicialmente, foi o processo de alfabetização, aqui na
região e que foi o primeiro convênio nosso, da universidade, o MST e a Fetagri.
Então, a gente tinha as turmas de alfabetização. No processo de turmas de
alfabetização, como a maioria dos professores não tinham escolaridade, né. Então, já
foi o combinado que os alfabetizadores, estudavam. A escolarização deles também
se deu dentro do próprio projeto. O projeto era uma combinação de Alfabetização de
Jovens e Adultos e de escolarização dos educadores. Então, teve o primeiro [...]
fizemos o segundo projeto, o fundamental, que era de quinta a oitava série, na época.
Então, a gente já acompanhava. Tinha a coordenação específica do processo de
alfabetização nas áreas, que era no formato do Pronera, os coordenadores locais e
quem compunha a coordenação geral. (Pagu, representante da CPP, entrevistada em
12/02/ 2019).
89
Os cursos financiados pelo Pronera foram construídos todos em alternância
pedagógica, para garantir a presença desses agricultores nos espaços da Universidade,
concomitante com sua atuação nas atividades dos acampamentos e assentamentos. Também
para garantir a presença dos estudantes e professores da universidade, nas áreas dos
assentamentos e nos espaços de interlocução e formação dos movimentos sociais. A
alternância de tempos e espaços formativos foi parte da estratégia pedagógica apreendida a
partir das experiências das Escolas Família Agrícola e Casas Familiares Rurais. Essa nova
forma de organização do trabalho pedagógico que se estruturou e tem preponderância na
Educação do Campo, permitiam que os estudantes pudessem continuar residindo e atuando
nas áreas de assentamento, enquanto construíam sua formação dentro do espaço da
Universidade.
Outro aprendizado foi a formação articulada e realizada em vários tempos e espaços
formativos, que construiu um processo formativo na constituição de uma práxis pedagógica
que visava produzir articulações e diálogo entre as problemáticas da realidade dos estudantes
e os conhecimentos científicos sistematizados, na construção de novos conhecimentos.
Para garantir a participação igualitária dos movimentos na gestão dos cursos foi
constituída uma Comissão Político Pedagógico (CPP), que compunha a coordenação geral.
Em relação às atribuições e funções desempenhas pela CPP no Pronera, no relato abaixo, das
primeiras que foram constituídas nos cursos do Pronera EJA:
Eu inclusive, no fundamental, passei a compor a CPP, por uma necessidade
específica. A gente tinha estudante que não sabia ler e escrever. Eram professores da
alfabetização, parecia uma... é uma contradição. Mas eles só conheciam algumas
letras. Eram algumas letras mesmo, e era mais uma repetição. E que a gente ficou
preocupado, no processo das formações. Mas a gente tinha professor na
alfabetização, que fazia o fundamental aqui; que em tese, já tinham a quarta série,
deveriam saber ler e escrever. Mas quando começou as aulas, com o conteúdo do
Ensino Fundamental, eles não sabiam [...] Um trabalho inicial nosso, além de tudo
isso, a gente trabalhava atuando nos casos de dificuldades mesmo, da construção do
conhecimento, da leitura e da escrita. Então, a gente, por um bom tempo, isso no
fundamental e no magistério também. Depois, a gente já tinha os limites, só
mudavam de complexidade (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/
2019).
A realização dos cursos demandava momentos coletivos de debates e discussões,
desde a constituição inicial. Elas foram construídas em torno da definição das áreas atendidas
e dos princípios e da concepção de educação que daria suporte às ações. Além da constituição
que envolvia a demanda, as concepções de educação, homem e sociedade guiariam a
formação. Outro momento de tensionamento se dava na seleção e escolha dos conteúdos, das
questões teórico-metodológicas que gerariam a forma e o conteúdo de cada projeto de curso.
90
As reuniões das coordenações dos cursos, a princípio, se voltavam para garantir o
planejamento da execução de cada Tempo Escola; depois passaram a ter como foco o debate
permanente da forma e do conteúdo da política pública, que estava sendo formulada, gestada
e avaliada continuamente, pelos demandantes e executores da mesma. Esse processo foi
constituído em meio a muitas tensões, geradas pelas diferentes compreensões de como
deveriam ser organizados os processos formativos.
Havia lógicas distintas de organização do trabalho pedagógico. Cada movimento
possuía uma forma de organicidade, e elas também produziam tensões entre si. Desde o
início, também havia tensionamentos sobre o trabalho educativo na formação dos estudantes.
Eles eram resultados da intenção de contribuir no processo formativo; o relato abaixo é
ilustrativo desse processo:
A coordenação pedagógica era para dar conta de um processo de formação, dessas
dimensões, aí entendendo que essa formação humana, ela é integral, que ela
extrapolava os estudos, o currículo da Universidade, que ela extrapolava toda aquele
planejamento acadêmico que tinha aí, e como é que a gente ia acompanhando esses
estudantes, da organização da vida, da permanência no curso, mas também
ampliando para trabalhar outros elementos da formação humana, que numa relação
às vezes, com a universidade, pela ligeireza dos processos que alguns entendiam é a
supervalorização do currículo, do ensino daquilo que é curricular em detrimento a
outros processos que são fundamentais na formação, e que às vezes não era levado
em consideração, pelo conjunto dos professores. Então, a CPP ela foi constituindo
para dar conta disso. Dar conta de combinar a dimensão do trabalho, a gente
agregava nesse processo de formação humana, que inclusive sempre foi muito tenso,
mais a relação com o trabalho (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/
2019).
No relato acima, a entrevistada apresentou sua compreensão do que diferenciavam as
preocupações dos docentes e dos representantes dos movimentos sociais na composição da
coordenação e no papel desenvolvido pela CPP nos cursos ofertado no Pronera. Para ela, as
preocupações dos docentes se concentravam no currículo e seus conteúdos e a CPP estava
preocupada com as dimensões da formação humana, para além da formação escolar, com a
formação humana como um todo e no questionamento do trabalho como fundamento da
produção da humanidade, mas também está na raiz das desigualdades a separação entre o
trabalho manual e o trabalho intelectual. Queria um debate em torno do trabalho como
fundamento da formação humana e por isso gerador dos processos de humanização e
desumanização em Marx (1974) e Gramsci (1991): a compreensão do que seja o trabalho
como princípio educativo, se ele constitui no trabalho socialmente útil ou se está embutido na
produção humana historicamente produzida e que pode ser acessada a partir da teoria eram
parte das divergências, também como organizar os diferentes tempos educativos,
91
considerando também como formativo os princípios apreendidos a partir da organização dos
acampamentos durante a luta pela terra.
A organização dos cursos em alternância pedagógica dividia o tempo em períodos de
trabalho nos assentamentos e acampamentos e período de estudos na universidade. Outro
limite era a quantidade de tempo, a carga horária prevista para a EJA como cursos supletivos
e das demandas de formação e apropriação de conceitos de base para atuar como professores.
A expectativa era maior do que era possível realizar no tempo regulamentado. A CPP
utilizava, além dos horários noturnos, os finais de semana para atuar na formação:
Então, a CPP, ela fazia isso, esse debate. Então, os alunos, os nossos estudantes, né,
tinham oito horas diárias na Universidade. E entre, nesses intervalos aí de aula
porque nem todos, mas com alguns professores a gente conseguia inclusive
combinar, para que algumas atividades não fossem sobrepostas; a que a gente fazia
se sobrepor. Mas, às vezes, dentro do próprio conteúdo, tu que trabalhava, a gente
interagir numa relação e construir outros processos, fazer esses debates necessários.
Em algumas, a gente tinha mesmo que fazer carreira solo e tirado um tempo que já
não existia, era muito apertado. Nos intervalos das noites, para fazer alguns debates,
os finais de semanas. Então assim, a CPP dava conta disso. A outra, na Turma de
Pedagogia da Terra, assim como na turma do magistério, e do fundamental, aqui em
Marabá. A gente tinha que fazer uma espécie de corrida contra o tempo pelo
processo de negação da educação vivida por esses estudantes. Na época do
Fundamental, os meninos tinham aula da Universidade, tinha que dar conta dos
conteúdos de primeiro seguimento. (Pagu, representante da CPP, entrevistada em
12/02/ 2019).
Todos que ingressaram nos cursos financiados pelo Pronera, além de residir nas áreas
de acampamento e assentamento, já tinham iniciado sua atuação na docência. Alguns já
atuavam, por exemplo, como voluntários nas escolas constituídas nos acampamentos e
assentamentos; os selecionados tinham escolaridade até a quarta série primária, segundo a
nomenclatura do período. Essa escolha era justificada pela sua atuação na condição de
educador (a), conforme o relato abaixo:
As demandas de professores para os cursos, desde 98 (1998). Então, o público
prioritário era quem já atuava na escola. Só que, na época, ainda eram poucas
escolas, não era toda área de acampamento e assentamento da região que tinha
escola. Alguns tinham só a turma de alfabetização, o único espaço de escolarização
escolar que tinha era exatamente a turma de alfabetização, que estava se iniciando
(pelo Projeto Pronera EJA). O fato de não ter escola de fundamental, não ter escola
de médio (ensino), as crianças não estudavam. Então, o primeiro passo de escolha
era quem era professor de alfabetização, dependendo da escolaridade dele (Pagu,
representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
Havia reivindicações de realização de cursos, em turmas separadas por movimento,
considerando a organicidade de cada um, a princípio. No entanto, o coletivo de professores da
universidade, era pequeno para atuar na formação por isso a decisão inicial das turmas
composta por integrante dos dois movimentos. Foram construídas as experiências de curso de
92
EJA alfabetização, escolarização do ensino fundamental e ensino médio magistério, com os
dois movimentos.
Uma centralidade era o trabalho de letramento na alfabetização, bem como buscar
referencias nas histórias de vida dos sujeitos e sua participação na luta pela terra, dos
processos de escolarização que tiveram acesso anterior ao Pronera, dos que assumiram as
salas de aula, questionando as concepções de ensino a partir da repetição e memorização de
conteúdos desvinculados com as questões que geravam dor, o conflito e a luta pela terra.
Essas eram as problemáticas principais que norteariam o trabalho educativo (FREIRE, 2005).
Na construção dos processos educativos foi criado espaço para o debate teórico da
perspectiva de uma educação a ser adotada pelo coletivo. A necessidade de que a função
social da escola era produzir uma formação teórica, na compreensão da educação como ato
político e como parte das lutas sociais que vislumbravam como horizonte, a construção de
outro projeto de sociedade, no campo da pedagogia crítica. A compreensão freiriana de que a
leitura do mundo precedia a leitura da palavra, e ela era necessária no trabalho formativo, por
isso a escolha do trabalho com temas geradores (FREIRE, 1991, 2005), tendo como base a
estrutura agrária brasileira e a concentração da terra a partir da história de colonização. Era
necessário qualificar a compreensão dos processos políticos que os sujeitos vivenciam nas
ocupações.
O processo de ensino aprendizagem tinha como objetivo central construir processos
formativos da educação como um ato político, com a intencionalidade de socializar os
conhecimentos produzidos no campo da alfabetização, mas compreendendo como ferramenta
a leitura e interpretação dos textos para transformação da realidade a partir de uma
“Pedagogia do Oprimido”, referencial teórico adotado da pedagogia freireana. A avaliação ao
final de quase cinco anos de projetos de EJA, nos quais foram realizadas a formação de
educadores e sua escolarização no ensino fundamental e médio magistério foi a conclusão da
necessidade da continuidade da formação no ensino superior, além da exigência legal, era
consenso que era um tempo curto para superação de muitas negações históricas no acesso ao
conhecimento. (ANJOS, 2009).
O letramento dos agricultores que atuaram na EJA, em todos os projetos de
escolarização também se tornou foco do trabalho da CPP, também porque avaliaram que não
teria como constituir um trabalho com resultados esperados de letramento, se os que atuavam
como educadores, não conseguissem avançar nas dificuldades de compreensão da leitura e
escrita. Esse se constituiu num trabalho inicial da CPP, conforme o relato abaixo:
93
Mas um trabalho inicial nosso, além de tudo isso, a gente ainda tinha que trabalhar,
essa CPP trabalhava atuando nos casos de dificuldades mesmo, da construção do
conhecimento, da leitura e da escrita. Então, a gente isso por um bom tempo no
fundamental e no magistério também, os limites só mudavam de complexidade. Na
época da Pedagogia da Terra, a gente teve que fazer o mesmo trabalho. Eu lembro
que a gente fazia muita oficina de leitura e escrita, oficina disso, oficina daquilo e os
cadernos de reflexão serviam para a gente avaliar o processo. [...] Foi um trabalho
muito intenso. (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
A convivência com os agricultores que atuavam como professores do campo, com
todos os limites de compreensão e com o peso da história da educação rural com diversas
campanhas de EJA, como uma concepção de educação apenas como memorização e
repetição, se tornou um desafio, pois a intencionalidade desde o início era construir uma
educação que se vinculasse às lutas, compreendendo politicamente a constituição das
desigualdades sociais e que ela fosse ferramenta para auxiliar na transformação das condições
de opressão.
No Sudeste do Pará, foi organizada a I Conferência Regional de Educação Rural,
realizada em 2001, na Escola Família Agrícola (EFA) da região de Marabá. Essa conferência
foi organizada pelo movimento sindical, entidades de assessoria e docentes do Campus de
Marabá que foram apresentar a experiência do Pronera, através dos cursos de EJA e
escolarização de ensino fundamental. Nessa conferência foram socializadas as experiências
com a Pedagogia da Alternância na região. Há poucos registros sistematizados quanto aos
objetivos e os encaminhamentos dessa primeira conferência regional.
O debate se constituía em torno da necessidade de políticas públicas, mas ainda
denominada de Educação Rural. Estava no embrião o conceito, a ser constituído, de EdoC.
Apesar dos objetivos comuns, o contato entre docentes da universidade e os movimentos
sociais do campo foi permeado de tensão. O relato abaixo se tornou representativo da leitura
da atuação em diversas CPPs, ao longo dos últimos vinte e um anos; a entrevistada se
expressou como vivenciou esse processo:
A CPP tinha um trabalho também muito de mediar a relação com a Universidade.
Aqui também, no fundamental, a gente entrava como mediadora ou criadora de
tensões, eu falo com as meninas, que às vezes, a gente mais criava tensões com a
Universidade, do que mediava alguns conflitos. Mas eram tensões mesmo, que
tinham disso, porque tinha professor, como o convênio era com a universidade, mas
tinha gente com muita dificuldade de entender, que aquele pessoal estava vivendo,
viveu um processo de negação muito profundo, e que não era culpa dele não saber
ler e escrever, que não era culpa deles não ter acesso aquilo, aquilo e aquilo. Então, a
gente tinha que criar alguns conflitos mesmo. Eram muitas tensões para debater
essas questões que apareciam. Então, no Ensino Fundamental apareceram muito do
ponto de vista da construção do conhecimento (Pagu, representante da CPP,
entrevistada em 12/02/ 2019).
94
As tensões eram vivenciadas no processo dialético de alteridade em espaços coletivos
e permitiam compreender que as concepções de educação não são homogêneas e que elas
precisavam ser explicitadas, dialogadas e acordadas, ou seja, foi uma construção gerar os
princípios formativos dos cursos. Isso também era uma marca dos processos em outras
experiências formativas. O relato da Pagu é ilustrativo desse processo, ao narrar parte da
experiência do trabalho pedagógico no curso superior, na Pedagogia da Terra, com a UFPA
em Belém.
[...] Na graduação foi muito mais complicado, os professores achavam que... [...]
Uma professora de Filosofia vem para cima... tipo assim... como que os estudantes
do MST não conhece a Ideologia Alemã? Aí, nós tivemos... a CPP respira fundo,
fomos para uma reunião com a coordenação do colegiado, a diretora, a coordenadora
do programa. Chamamos a professora para dizer assim: _“Professora, ele fez parte
do MST, e esse debate serve até para os debates atuais. Ser professor em um
assentamento do MST, no acampamento do MST, morar lá dentro, não significa que
essa pessoa já passou por um processo de formação política ideológica de conta
desse referencial teórico todo. E daí essa isso, tinham professores que avaliavam os
nossos alunos. Eu dizia: “A senhora está pensando que é o João Pedro (Stédile) que
vai fazer essa prova aqui! Aí, tipo assim, conheciam o João Pedro, conhecia a Roseli
e não sei quem mais, lia o material desse povo e achava que eram eles que estavam
fazendo a prova. Não entendiam que ali é um sujeito, que teve todo esse processo...
que não tinha aquele acesso e estava conhecendo isso agora e que mesmo o MST
não dá conta, em seu dia a dia com toda a sua base social. A gente tem militante que
tem acesso, mesmo sem ir para Universidade, mas muitos também não têm porque
num... nem participa desse maior. Então, tudo isso, a CPP tinha que mediar conflitos
com a Universidade ou criar as tensões necessárias, para a pessoa entender (Pagu,
representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
Eram muitas as necessidades sentidas no campo pedagógico e as estratégias para esse
trabalho exigiam um tratamento específico, pois havia uma negação, para esses agricultores,
do acesso ao conhecimento formal, no campo da leitura e da escrita. Então, o desafio era
compreender essas negações do acesso ao conhecimento formal, bem como em quê esse
trabalho precisava ser diferenciado, sem necessariamente tratá-los como incapazes ou apenas
digno de assistencialismo, mas acreditar na formação humana e na possiblidade de superação,
desde que tenham acesso as condições de aprendizagem.
Mas, na graduação, ele era maior, a gente criava muitas tensões porque todo debate
de construção do curso. E daí fazer, os professores da Universidade compreender,
quando a gente dizia, que tem que respeitar os saberes dos sujeitos, tem que respeitar
essa construção histórica desses sujeitos, o respeito a essas diferenças e tal. Aí, a
gente viveu muito na universidade com os professores, o 8 ou 80. Isso irritava muito
a gente. Quando a gente dizia assim: _“Olha, eles tem muito limites! Tem gente aqui
que tem mais de vinte anos que não pisa na escola. Que terminou o ensino médio e
está com vinte anos sem estudar. [...] era o ensino médio nas mais várias, nos
supletivo da vida. O do Módulo ainda nem, acho que nem tinha... pouca gente no
módulo, gente com idade. Então, quando a gente falava que os professores tinha
que entender essa realidade, aí eles: _Oh, que bonitinho! Então são camponeses aqui
na universidade!. Aí tu chegava lá, um final de disciplina, quando a gente ia pegar o
boletim da disciplina, todo mundo com excelente. Aí a gente chegava lá com esse
95
boletim, colocava na mesa e a problematizar com os professores da Universidade.
Por que que aqui está todo mundo com excelente? Nessa disciplina? Eu digo assim:
_ “Olha, não tem condições de todo mundo ter excelente porque a gente estava
acompanhando, a gente acompanhou alguns lendo o texto, com muita dificuldade da
compreensão do texto e tal. Aí, que era para dizer... eles achavam que que entender a
realidade, os limites que o sujeito tinha, era dizer assim: _“Vamos passar a mão na
cabeça de todo mundo! É todo mundo bonitinho! É um convênio ou parceria. Todo
mundo com excelente”. Aí, às vezes, tinha outros professores que a gente chegava
lá, e todo mundo com regular ou reprovado. Foi insuficiente. O pessoal já queria
uma resposta daquela turma em um nível bem maior. Então, assim, até a gente
conseguir que, fazer esse equilíbrio na Universidade, do pessoal entender o que era.
E como estava recente também os debates da Educação do Campo, da construção de
princípios porque o Pronera foi se dando e depois desse debate que foi se ajustando
para no geral, a Universidade entender (Pagu, representante da CPP, entrevistada em
12/02/ 2019).
As tensões se davam pelo encontro de pessoas que vivenciaram experiências diversas
de formação, bem como pelas divergências quanto à forma de tratamento das questões
pedagógicas. Houve um processo educativo para chegar a consensos no campo pedagógico,
que demandou muitas reuniões e debates.
Então, isso a gente levava, quase um ano ou dois anos. Lá para o meio do curso,
alguns professores, no geral, que eles vão entender. Que ali, aquele sujeito, é do
MST, é da Fetagri, mas às vezes, era um menino da Fetagri, que nunca tinha
ocupado uma terra. Foi para lá, depois com os tios e virou professor porque era o
que tinha o maior nível de estudo, nível de escolaridade que tinha. No MST a gente
também tem desses casos. Outros eram as pessoas que estudavam ali mesmo, e que,
daquela escola, que o maior nível de escolaridade era a quarta série e que aprendeu a
ler com aquele professor. Por isso que depois a gente tinha que fazer o trabalho de
alfabetização aqui. Então, esses foram tempos. Era uma das funções da CPP, a partir
desse histórico (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
Essa articulação possibilitou realizar debates em diferentes níveis, em que se
articulavam o político, teórico e epistemológico na construção de projetos formativos de
diversos cursos, que se vinculava aos processos formativos para constituição da Escola do
Campo. O relato abaixo mostrou que a luta pelo direito a Educação ampliou o número e o
acesso à escola:
E claro, inegável... esse processo que a gente teve de formação de professores
porque assim, as nossas escolas, elas ganham esse patamar de destaque. Elas entram
em um patamar de destaque, pela quantidade de escolas que a gente foi construindo,
dá uma rede de escolas do campo, que a gente tem (Pagu, representante da CPP,
entrevistada em 12/02/ 2019).
O Pronera foi conquistado como a primeira política pública dos povos do campo. Esse
programa se tornou uma referência em política pública, completando vinte e um anos em
2019, com projetos de formação em seus diferentes níveis, da EJA até projetos de
especialização, em todos os estados brasileiros, conforme Fernandes e Tarlau (2017). A
experiência do Pronera na região foi constituída dialeticamente desde as primeiras discussões
96
em Brasília, fruto de uma parceria histórica entre docentes da Universidade Federal do Pará,
no Campus de Marabá e os movimentos sindical e social desde 1997.
Os projetos financiados abrangeram a EJA (alfabetização, anos iniciais e anos finais,
do ensino fundamental), escolarização de educadores que cursaram o ensino fundamental, o
ensino médio (magistério) e parte deles acessaram o ensino superior, nos cursos de Letras e
Pedagogia e em outros cursos ofertados através do Programa nos diversos estados brasileiros,
na ampliação do Pronera para cursos superiores em diversas áreas. No sudeste do Pará, foram
construídos cursos nos colegiados que tinham docentes que atuavam dentro do Frec e pelo
acúmulo de discussões teórico-práticas com a constituição das turmas e cursos específicos
com os movimentos, como de Agronomia (2003-2008), Pedagogia do Campo (2006-2011) e
Letras (2006-2010).
A dificuldade de acesso ao ensino superior em instituições públicas de ensino
constituía uma realidade para os povos do campo. A existência dessa política pode demonstrar
os interesses de classe na elitização desse nível de ensino, pois a falta de acesso era resultado
histórico de processo de negação do conhecimento. Segundo Fernandes e Tarlau, o Pronera
foi uma política que vislumbrou produzir alterações significativas nas condições de
desigualdades educacionais para os povos do campo e de que era necessário construir outras
lutas de democratização e universalização da educação. O resultado da II Pnera demonstrou
que:
O Pronera promoveu desde sua criação de 1998 até 2011, a realização de 320 cursos
nos níveis: Educação de Jovens e Adultos (EJA) fundamental, ensino médio e ensino superior – envolvendo 82 instituições de ensino, 38 organizações
demandantes e 244 parceiros, com a participação de 164.894 educandos [...]
Considerando o acesso ao ensino superior com a criação de 54 cursos no período,
como por exemplo: pedagogia, história, geografia, sociologia, ciências naturais, agronomia, direito e medicina veterinária dentre outros [...] (2017, p. 557-558).
Na tabela 01, apresentamos o quantitativo dos cursos ofertados a partir da organização
interna do Incra, que dividiu sua atuação no território por superintendências. Na
Superintendência Regional (SR) 27, que atende a região sul e sudeste do Pará, a II Pesquisa
Nacional sobre Educação na Reforma Agrária – II Pnera apontou o desenvolvimento dos
referidos cursos apresentados na Tabela 01:
97
Tabela 01 - Cursos ofertados pela Superintendência Regional - SR 27
NOME DO CURSO PARCERIAS PERÍODO
1 Alfabetização de Jovens e Adultos em áreas
de Reforma Agrária.
Incra/UFPA/Fetagri/MST/Fadesp 1999-2000
2 Escolarização de Monitores em áreas de
Reforma Agrária - Modalidade supletiva (5ª a 8ª série)
Incra/UFPA/ Fetagri/MST/Fadesp 2000-2001
3 Alfabetização de Jovens e Adultos em área
de Reforma Agrária (1ª e 2ª série)
Incra/UFPA/Fetagri/MST/Poemar 2002
4 Escolarização de Monitores na modalidade
normal (Magistério)
Incra/UFPA/ Fetagri/MST/Poemar 2001-2004
5 Educação de Jovens e Adultos no Ensino
Fundamental - 3ª a 4ª série
Incra /UFPA/Fetagri/ Fadesp 2005/2006
6 Ensino Médio-Profissionalizante com ênfase
em Agroecologia 1ª turma -
Incra/UFPA/EFA/Fetagri 2003-2006
7 Formação em Ciências Agrárias - Curso de
Agronomia
Incra/UFPA/MST/ Fadesp 2003/2008
8 Programa Residência Agrária -
Especialização 1ª turma
Incra/UFPA/ Fetagri/MST/ATER/
Fadesp
2005/2007
9 Ensino Médio-Profissionalizante com ênfase
em Agroecologia 2ª turma
Incra/UFPA/EFA/Fetagri 2006/2009
10 Formação de Educadores Modalidade
Normal- Magistério - Pólo Tucuruí
Incra/UFPA/CPT/Arcafar/
Fetagri/FVPP/ Fadesp
2005/2008
11 Letras Pronera Incra /UFPA/MST/ Fadesp 2006/2010
12 Pedagogia do Campo Incra/UFPA/Fetagri/ Fadesp 2006/2011 13 Programa Residência Agrária
Especialização – 2ª turma
Incra/CNPq/ Via Campesina 2011-2013
14 Programa Residência Agrária –
Agroecologia, escola e organização coletiva:
formação de profissionais para atuação em
assentamentos da Amazônia.
Projeto aprovado com duas turmas:
Turma 1: Educação do Campo,
Agroecologia, Questão agrária na Amazônia.
Turma 2: Educação do Campo e Currículo
Incra/CNPq/UFPA/Via
Campesina e Frec (MST e
Fetagri)
2013-2015
Fonte: Relatório II PNERA (2015).
O relatório da referida pesquisa apresentava como objetivo geral sistematizar e
registrar os cursos concluídos até 2011 em uma plataforma nacional. Essa plataforma
constituiu o banco de dados nacional e foi denominada posteriormente de Datapronera,
passível de consulta pública. Os cursos em andamento foram inseridos posteriormente. Na
tabela 01, os dois últimos cursos não foram sistematizados no âmbito da referida pesquisa,
porque foram iniciados depois de 2011.
A compreensão dos diferentes sujeitos coletivos envolvidos na constituição dos cursos
do Pronera destacava a necessidade de ter acesso ao conhecimento científico, para constituir
intelectuais orgânicos pois o conhecimento científico é considerado como ferramenta e
suporte para qualificar a atuação dos movimentos, bem como era direito dos povos do campo
98
terem acesso ao conhecimento historicamente produzido. Isso demandava formação em
diferentes áreas do conhecimento, mas também se potencializou como um espaço formativo
importante. Todos os campos do conhecimento eram considerados importantes como
ferramenta que permitisse construir as reflexões do projeto de sociedade a ser construído.
O Pronera no sudeste do Pará constituiu-se em um espaço formativo, que se constituiu
por meio desses cursos, potencializou o debate sobre a Educação do/no Campo em vários
aspectos. Destacamos alguns deles, que consideramos importantes para compreender nosso
objetivo de estudo:
a) A ausência e/ou a precariedade da educação escolar ofertada nas áreas rurais,
principalmente acampamentos e assentamentos e a necessidade de construção de
ações políticas para incidir sobre essa problemática, gerou a luta política pela
Educação do Campo enquanto política pública;
b) Em relação à formação docente, a necessidade de produzir uma formação com um
projeto que compreendesse que as desigualdades sociais, bem como as concepções
de campo e de escolas eram contradições produzidas pelo sistema capitalista que
produz os processos de desumanização; que a apropriação privada da terra, pela
nossa constituição histórica, a partir do latifúndio, geram a problemática da
questão agrária e que a luta contra esse modelo é imprescindível ao acesso ao
conhecimento cientifico para transformação da realidade; que estar a serviço
desses povos, com suas necessidades particulares, exigia a produção de outro
projeto formativo que estivesse na base formação dos que assumiam as salas de
aula. Constituir formações específicas gerou os princípios da pedagogia crítica,
que foram reconstruídos nas experiências de EdoC, as quais fundamentaram uma
concepção de educação gestada com os povos do campo; implicou em construir
uma concepção político-pedagógica em vistas em proposição de alteração da
forma e conteúdo da escola, articulando os processos de luta pela terra, formação
política e processos educativos de formação humana emancipatórios.
c) As temáticas do campo das ciências agrárias, que já constituíam problemáticas
debatidas no âmbito dos movimentos sociais na constituição de um projeto de
campo, em contraposição ao modelo hegemônico capitalista, foram
potencializadas com os cursos Técnicos em Agropecuária e o bacharelado em
Agronomia, gerando debate epistemológicos sobre a concepção de
desenvolvimento, Reforma Agrária, agroecologia, soberania alimentar a partir da
agroecologia.
99
A educação constituiu uma problemática a ser discutida coletivamente. No sudeste do
Pará, essas parcerias possibilitaram a gestação da articulação ampliada, com a inclusão de
outras instituições que atuavam diretamente ou indiretamente com o campesinato; isso gerou
a criação do Fórum Regional de Educação do Campo, vinculado ao debate nacional e estadual
do “Movimento por uma Educação do Campo”, apresentado no tópico abaixo.
2.4. Criação do FREC e a ampliação das parcerias com o poder público municipal
A articulação coletiva nacional entre movimentos sociais e universidades, construída
no Pronera, permitiu a construção de agenda de encontros, reuniões e formações que vinculou
as articulações regionais, estadual e nacional no “Movimento por uma Educação do Campo”.
Nesse tópico apresentamos a construção do Frec, construído pelas parcerias destacadas no
tópico anterior, que descreve a articulação que permitiu a construção e a ampliação da política
de EdoC.
Retomando as fases de construção da política de Educação do Campo, Santos (2012)
apresenta que uma segunda fase foi constituída a partir da realização da I e II Conferências
Nacionais de Educação do Campo (CNEC) em 1998 e 2004. Nas CNEC foi denunciada a
precariedade da oferta da educação básica no campo e reivindicado a garantia da oferta da
educação básica nas escolas do campo. Para tal, era fundamental avançar em políticas de
formação de educadores.
Em 2001, a aprovação em âmbito nacional das “Diretrizes operacionais para a
educação básica nas escolas do campo”, gerou o debate sobre a precariedade da educação
ofertada nas áreas rurais e a necessidade de construção de escolas e de propostas curriculares
para escolas do Campo que considerassem as especificidades, em todo o país.
No sudeste do Pará, foi organizada a II Conferência Regional de Educação do Campo
do Sul e Sudeste do Pará, realizada em maio de 2005, na qual foi criado o Frec23 como o
Fórum de articulação das ações da EdoC no Sul e Sudeste do Pará. Segundo Pagu, esse
trabalho permanente de reuniões para planejar e discutir os processos educativos dos cursos
construirá as bases do Movimento de EdoC, ao se metamorfosear em um fórum permanente
de discussão. Ela afirma que:
23 Participaram da criação do Frec instituições, movimentos e entidades, dentre elas: CPT, Fetagri - regional
sudeste, MST, e técnicos de empresas de Assistência Técnica, docentes do Campus Universitário de Marabá,
professores das Escolas do Campo de cinco municípios: Marabá, Jacundá, Rondon do Pará, Goianésia e
Parauapebas e que atuaram em cursos do Pronera (A criação da Escola Agrotécnica de Marabá, integrada ao IFPA - CRMB, docentes que atuavam nos cursos do Pronera, foram aprovados e passaram a integrar o Fórum),
dentre outros.
100
Pelo trabalho permanente [...] aí a gente se vincula [...] ganha força e o Fórum
também ele ganha força por isso, pelos processos e as ações específicas ali, de
formação de professores, né, de conquistas de escola, do trabalho pedagógico
diferenciado. Então, eu acho que tudo isso foram as ações que elas são acumulativas
para essa conquista (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
O Frec se tornou uma articulação coletiva que constituiu a forma e o conteúdo de
Educação do Campo e colaborou para fazer avançar a política pública a ela relacionada,
através do planejamento, execução e avaliação das ações construídas em agendas coletivas.
Para tanto, houve reuniões periódicas dos Grupos de Trabalho (GTs), plenárias semestrais e
Conferências Regionais de Educação do Campo, planejadas como ação bienal e que tornaram
os espaços políticos para pautar as demandas regionais na articulação com o governo, em seus
diferentes níveis, mas principalmente com o governo federal, nas quais apresentavam uma
temática específica a ser abordada e as estratégias de luta para enfrentamento de uma
problemática específica, a partir dessa análise coletiva.
O cartaz ilustrativo da II Conferência apresentava como denúncia a precariedade de
escola rural em sua infraestrutura, expressa na estrutura das escolas, que permaneciam as
mesmas construídas na época da ocupação ou com reformas realizadas pelos pais, conforme a
Figura 02:
Figura 02 - Cartaz da II Conferência Regional de Educação do Campo
Fonte: Recorte do Boletim 2010, 2ª edição, Arte Evandro Medeiros (2005).
A problemática da negação do direito a educação aos povos do campo foi reafirmada
na necessidade de construção de infraestrutura das escolas e na qualidade da educação
ofertada; escola rural, os professores eram responsabilizados pela baixa qualidade, porque não
possuíam formação. Para fazer avançar a pauta da construção das escolas, foram convidadas
101
as prefeituras da região, através de representações das Secretarias Municipais de Educação
(Semeds), para participar das reuniões e plenárias e da integração do Frec.
Essa ampliação da participação de representação do Estado, na constituição das
conferências e nas plenárias, construiu um canal de comunicação permanente entre
representantes do poder público municipal e os movimentos sociais para tratar da EdoC. No
relato abaixo é apresentada, como intencionalidade desse convite, problematizar a
precariedade da oferta da educação básica, bem como construir uma interlocução permanente:
O avanço do debate da Educação do Campo nacionalmente, mas também aqui no
Estado, do estadual, que a gente faz briga... Dos fóruns regionais, na medida que a
gente conseguiu incorporar no fórum regional as prefeituras. Eu acho que, dali, uma
ou outra entrava, uma com mais confiança, outras com menos confiança, outras mais
por curiosidade. Mas, no geral depois, a gente conseguiu, garantir no meio dessa
institucionalização, desse processo de participação nos fóruns, a gente conseguiu
tirar o nível de rejeição e de negação pelo poder público. Eles (gestores das Semeds)
não gostavam, não é bem a prática deles, mas, eles passaram a aceitar e a não
comprar briga (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
Esses espaços se tornaram formativos porque os movimentos apresentavam as
demandas das áreas de assentamento e áreas em fase de ocupação, bem como pautavam a
regularização das escolas criadas pelos camponeses e a construção de novas escolas no campo
para atendimento dos diversos níveis.
Outra questão apontada no relato acima foi a estratégia de superar o preconceito e a
rejeição contra as ações dos movimentos sociais do campo, apresentados como “invasores de
terra”, e não enquanto sujeitos coletivos de direito e propositores e impulsionadores da
demanda e do projeto formativo de formação humana.
Pode ser percebido um efeito dessas estratégias em relação concurso público realizado
pela prefeitura de Marabá, em 2019. Houve um número elevado de candidatos para atuar nas
áreas de assentamento, no entorno da sede do município. O número de vagas foi separado por
campo e cidade, as escolas do campo foram organizadas em polo, um agrupamento de escolas
de acordo com critérios estabelecidos na Semed, com vagas expressas para cada polo.
Todos os professores eram que faziam parte ali do acampamento porque não tinha
muitos, não é como hoje, que o povo se escreve no concurso de Marabá, e área
prioritária tá lá, todo mundo quer ir ser professor porque são as áreas mais perto, nas
áreas aqui, Helenira, Hugo Chávez (acampamentos), 26 de Março (assentamento).
Não era assim antes, (As pessoas tinham até medo de entrar nas áreas, medo por
desconhecimento, no geral). Então, todos os professores eram da própria área, quem
tinha o maior nível de escolaridade aqui, era que ensinava os outros [...] (Pagu,
representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
No imaginário construído, “o medo de entrar nas áreas do MST” foi diminuído pelo
diálogo institucionalizado por meio do Frec, que produziu visibilidade ao debate do conteúdo
102
da educação a ser ofertada nas áreas. No relato abaixo, vemos como é apresentado esse
processo, a partir de uma liderança do MST:
[...] Na medida em que a gente foi formando professores, esses professores entram
na rede (pública), esses professores vão compondo, em um processo de debate, a
Educação do Campo. Em algumas prefeituras, a gente teve pessoas que iriam
compor as equipes; que passaram a compor essas equipes (em setores de Educação
do Campo). E isso também garante que o debate da luta, na medida em que os
movimentos sociais apresentavam suas demandas. Ela era mais aceita, né! Com
menos tensões ou com algumas observações, entendeu? Então acho que isso pode
ter sido o fato de que tem muita gente. A gente formou muita gente na região. Então,
em praticamente, em todos os municípios, tu vai ter um ou outro professor, que fez
parte, ou da turma do Magistério, ou estudou no Fundamental, ou fez Letras, ou fez
Agronomia, ou fez Pedagogia do Campo ou Pedagogia da Terra (Pagu,
representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
Essa estratégia possibilitou uma relação permanente de diálogo e um reconhecimento
da formação ofertada nos cursos. O resultado dessa ação é apontado pelo reconhecimento,
através da contratação e inserção para atuar nas redes públicas municipais de ensino, dos
professores que concluíam os cursos financiados pelo Pronera e das especializações ofertadas
nessas parcerias.
No sudeste do Pará, a formação dos educadores foi destacada pela necessidade de
avançar na transformação da forma e conteúdo das escolas do campo e potencializar as
modalidades ofertadas no ensino fundamental, já que as escolas funcionavam nos
acampamentos, assentamentos e comunidades rurais, em sua maioria, através da multissérie e
do sistema modular de ensino. A temática: Políticas Públicas, Currículo e Educação do
Campo foi tratada na III Conferência, conforme Figura 03:
103
Figura 03 - Cartaz da III Conferência Regional de Educação do Campo
Fonte: Arquivo Frec, Arte Evandro Medeiros (2007).
No final das décadas de 1990 e 2000, houve avanços na construção de escolas nos
assentamentos, principalmente para atender ao ensino fundamental do 6º ao 9º ano, a partir
dessas lutas sociais encampadas pelos movimentos sociais. Encontramos construções nos
assentamentos organizados pelo MST e nas vilas rurais, nas áreas ocupadas vinculadas a
Fetagri, tal como na Vila Santa Fé, Sororó etc. que constituíram um quantitativo maior de
moradores, através da indução dessa pauta nas lutas e reivindicações apresentadas às Semeds.
Nas áreas do MST, foi constituída uma rede de escolas nos dez assentamentos da
região, os quais conseguiram avançar na oferta de toda a educação básica, desde a educação
infantil até o ensino médio, com ensino regular implementado. Como exemplo, a construção
das escolas Carlos Marighela no Assentamento 26 de Março, Educar para Crescer, no
Assentamento 1º de Março, no município de São João do Araguaia e Escola 17 de abril, no
Assentamento do mesmo nome, constituído a partir do massacre ocorrido no município de
Eldorado do Carajás. Nos dois últimos assentamentos foram construídas escolas de Ensino
Médio, as únicas estabelecidas em áreas de Reforma Agrária na região.
O exemplo da Escola Carlos Marighela no Assentamento 26 de Março, que teve seu
processo de reconhecimento ainda em litígio, da primeira escola reconhecida em áreas de
acampamento foi considerado outro avanço importante. No Assentamento Palmares, no
município de Parauapebas, no Pará, foram construídas três escolas de porte médio e grande,
para os diferentes níveis, desde a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. A
escola Crescendo na Prática, com um total de 1500 estudantes, foi considerada a maior escola
em área de assentamento do Brasil.
104
No entanto, muitos gargalos apresentou a política de construção de escolas do campo,
principalmente para a oferta da educação infantil e para o ensino médio. Podemos
compreendê-los pela disputa de concepção entre a escola rural e a escola do campo e pelo
tamanho das escolas que foram construídas: prevaleceu uma escola de pequeno porte,
geralmente com apenas duas salas de aula, funcionando em regime multisseriado, e o que já
pressupõe o deslocamento dos estudantes, após a conclusão do ensino fundamental menor, o
nível que conseguiu ser democratizado na maioria das áreas de assentamento e comunidades
rurais. Outro problema avaliado como central a ser enfrentado pelos movimentos sociais era a
oferta do ensino médio, último nível da Educação Básica, que se constitui no nível que
possibilita o acesso à educação superior. Nele, estava e continua um dos principais gargalos
encontrados no avanço das políticas de EdoC.
Segundo documentos, em 2007, o Frec foi organizado em grupos de trabalho com
pautas mais específicas como o Ensino Médio e a Formação Continuada, que demandavam
constituir uma interlocução com os sujeitos demandantes e construir ações no campo da
política pública. A primeira subdivisão do Fórum está representada no quadro 01, abaixo:
Quadro 01 – Primeira organização em Grupos de Trabalho do Frec em 2005
Grupo de Trabalhos (GTs) Ações Participantes
GT Escola Agrotécnica Federal de Marabá
Participação na discussão sobre a instalação da EAF de Marabá; Elaboração do Projeto Político Pedagógico da EAF de Marabá.
Copserviços, MST, Fetagri, Fata/EFA, UFPA, Lasat, Emater.
GT Formação Continuada
Organização e desenvolvimento de programa de formação continuada para educadores do campo dos municípios da região sudeste do Pará.
Fetagri, Fata/EFA, UFPA e Lasat.
GT Ensino Médio
Modular / GEEM
Diagnóstico da situação do Sistema de Ensino Médio Modular da Seduc/Pará na região; Discussão sobre o sistema de ensino médio modular da Seduc/Pará na região.
MST, Fetagri, Fata/EFA e UFPA.
Fonte: Extraído do documento estrutura do Frec (2007).
Em relação à demanda do ensino médio, a ausência da oferta desse nível de ensino
contribuiu para que a juventude que residia no campo fosse deslocada para escolas nas sedes
dos municípios. Para garantir a continuidade dos estudos dos filhos, uma alternativa utilizada
pelas famílias constitui na migração dos jovens para morar com parentes nas sedes dos
municípios. (ANJOS, 2009). Muitos jovens encerram sua formação escolar quando concluem
o ensino fundamental, que coincide no campo, quando assumem maiores responsabilidades
em relação ao trabalho no campo e pela ausência de uma escola próxima a sua residência. No
105
Sudeste do Pará isso se constitui em um agravante, por causa das distâncias e condições de
trafegabilidades das estradas, em transporte escolar de péssima qualidade24
. A vida nos
assentamentos e comunidades rurais é constituída em meio a infraestrutura precária de
estradas, transporte e as condições de saneamento básico; as condições estruturais já descritas
e apontadas em Leite et al (2014).
Em 2009, foi realizada a IV Conferência Regional de Educação do Campo em
Xinguara, Pará, cujo cartaz aparece na Figura 04:
Figura 04 - Cartaz da IV Conferencia Regional de Educação do Campo
Fonte: Arquivo Frec, Arte Evandro Medeiros (2009).
A temática “Educação do campo: juventude, profissionalização e projeto de vida”
remete ao debate acerca do projeto da juventude na região, com a ausência do ensino médio e
a constituição do PPP da Escola Agrotécnica Federal de Marabá, que ofertaria esse nível de
ensino.
O ente federado responsável pela oferta desse nível de ensino, segundo a LDB
9394/96, são os Estados. No caso estudado, no Pará, através da Secretaria Estadual de
Educação (Seduc), o ensino médio era ofertado de forma precária, em poucas vilas rurais,
24 Têm ocorrido vários acidentes, tais como o dessa reportagem de 21 de fevereiro de 2018: https://correiodecarajas.com.br/post/estudantes-de-goianesia-do-para-ficam-feridos-em-acidente-com-onibus-
escolar.
106
através do programa Sistema Modular de Ensino (SOME25
). O SOME se constituiu no ensino
a partir de módulos, no quais são ministrados de forma intensiva, implantado no Pará na
década de 1980. Essa foi a política que a Seduc manteve como educação rural para atender às
comunidades rurais como ação emergencial e completou 39 anos de existência em 2019.
Esse modelo foi copiado pelos municípios no Pará para os anos finais do Ensino
Fundamental. A justificativa para manter esse programa era ausência de professores com
formação para atuar nas áreas rurais. Foi criado um setor de Educação do Campo em várias
prefeituras, dentro da estrutura das secretarias municipais de educação, no entanto, não foram
constituídas políticas públicas para atuar nesse nível de ensino, as prefeituras se limitando a
contratar docentes provisoriamente.
Na última década do século XXI, o diálogo tenso entre os movimentos sociais do
campo e a Seduc em relação negação da oferta do ensino médio foi mediado pelo FPEC.
Temática tratada em diversas audiências públicas com a Seduc, organizadas especialmente
com a finalidade de apresentar a demanda de formação e para denunciar a ausência da oferta
do Ensino Médio.
O Boletim do Frec de 2010, em sua 2ª edição, apresenta a informação de que foi
realizada uma plenária ampliada de avaliação e de replanejamento das ações do Frec. As
atividades realizadas pelos três GTs, descritos no quadro 01, foram avaliadas três anos depois.
Conforme o documento citado, o GT do Ensino Médio Modular não obteve avanços porque a
relação com a Seduc e os órgãos do Estado do Pará, responsáveis pela oferta do ensino médio,
não avançava em proposições em relação a política do Ensino modular implantado pelo
através do Some.
A Seduc Pará criou um setor de Educação do Campo, apenas para implementar a
política de formação e escolarização da EJA no Programa Saberes da Terra, em sua segunda
versão, que foi incorporado a outra política ProJovem Campo, passando a ser denominado
Projovem Campo Saberes da Terra. Essa política previa oferta do Ensino Fundamental no
segundo segmento, para jovens de quinze a vinte e nove anos e um curso de especialização
para os professores que atuavam nesse programa. O GT de Formação Continuada realizou o
curso de Especialização com o público dos professores que compunha o ProJovem Campo
Saberes da Terra, desenvolvido com cinco municípios, como parte dessa política federal,
desenvolvida em parceria com a Seduc no Estado.
25 O Projeto foi implementado em 1980, criado como programa especial pela Fundação Educacional do Estado
do Pará em 1980 e assumido pela Seduc Pará em 1982. No entanto só foi normatizado em 2014, com a publicação da Lei 7.806 de 07 e abril de 2014, que regulamenta o SOME.
http://biblioteca.mppa.mp.br/phl82/capas/Lei7.806.pdf>. Acesso em 10.mai.2017.
107
A criação de uma Escola Agrotécnica Federal de Marabá que ofertasse o ensino médio
foi uma demanda reivindicada pela Fetagri e MST. Ela foi criada em 2008, mas ainda em fase
de criação do PPC e da negociação do local de implantação, foi incorporada em 2009 à
estrutura do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), criado na
expansão da rede de ensino tecnológico, e se tornou o Campus Rural de Marabá (CRMB) em
2007, instalado em área cedida pelo MST, no Assentamento 26 de Março, a partir de uma
negociação no âmbito do Frec, em 2009.
Houve um avanço nas ações do primeiro GT da Escola Agrotécnica de Marabá,
enquanto CRMB, com novos cursos de ensino médios técnicos profissionalizantes e a oferta
do ensino médio integrado a partir da alternância pedagógica. Foi instalado o CRMB, com a
nomeação provisória do quadro de docentes, técnicos e gestores, que assumiram a
continuidade do trabalho iniciado, com a construção do seu PPP.
Ao final da plenária de avaliação, conforme o referido documento houve uma
reconfiguração desses GTs, apresentado no Quadro 02 abaixo:
108
Quadro 02 - Grupos de Trabalhos do Frec constituídos em 2010
Grupo de
Trabalhos (GTs) Ações /Objetivos Participantes
GT Educação
Escolar Indígena
O GT de Educação Escolar Indígena (EEI), no âmbito do Frec,
tem como finalidade inicial mobilizar pessoas e instituições
interessadas em debater e construir relações e ações nesta área.
Neste sentido, a primeira iniciativa é mobilizar a constituição do
grupo que poderá vir a ser um espaço de estudo, debate,
articulação, proposição e acompanhamento de ações relacionadas
à Educação Escolar Indígena na região. Assim, poderá ser um
instrumento de sensibilização que ajude a construir diálogos entre
sujeitos da Educação do Campo e da Educação Escolar Indígena.
A ação concreta, no âmbito do IFPA/CRMB, de construção de
um projeto de curso específico dos povos indígenas, deverá
constituir-se, inicialmente, a referência prático-teórica, visando
ampliar o debate e as articulações. O grupo realizará reuniões
convidando outras pessoas e instituições, tais como professores
da UFPA, agentes do Conselho Indigenista Missionário,
antropólogo do Ministério Público Federal, Técnicos do Setor de
Educação da Funai, da Seduc/4ª URE
UFPA/ IFPA/Fundação
Casa da Cultura de
Marabá.
GT de Formação
de Professores e
Educação Básica
O GT tem os seguintes objetivos:
Fomentar e divulgar a produção cientifica sobre
Educação do Campo;
Levantamento, organização e socialização de pesquisas
produzidas sobre formação de professores;
Realizar um diagnóstico sobre a Educação do campo na
região – realidade das escolas do campo e da formação
de educadores no sudeste do Pará;
Fomentar estudos e debates sobre temáticas
relacionadas a educação básica do campo e formação
permanente de professores do campo;
Fomentar o estudo e debate sobre a multissérie e sua
articulação a Educação do Campo na região;
Mobilizar o Sintepp para participar das discussões da
Educação do Campo do Frec e para acompanhamento
da realidade educacional nas escolas do campo;
Colaborar para a efetivação dos preceitos das Diretrizes
Operacionais para Educação Básica nas Escolas do
Campo.
UFPA/EFA, /IFPA,
Educampo UFPA, Semeds
Marabá, Itupiranga,
Jacundá, Nova Ipixuna e
Parauapebas,
ONG Reporte Brasil,
Estudantes da
Especialização
MST e Fetagri
GT de
Agroecologia
GT Agroecologia, constituído no âmbito do Frec discutiu,
durante a plenária do Frec, realizada em 22/04/2010, sobre a
definição de prioridades e sobre o planejamento de ações para o
ano, tendo em vista a preparação para a 5ª Conferência Regional
de Educação do Campo, que se realizará em 2011, em Itupiranga.
Dessa forma, identificar, valorizar e sistematizar conhecimentos
nos quais os princípios agroecológicos podem ser visualizados
são os grandes desafios que se colocam para a construção
conjunta do debate em torno dessas temáticas na região do Sul e
Sudeste paraense.
UFPA, Lasat, IFPA,
Emater e MST
Fonte: Extraído do boletim Frec, 2ª edição, abril/maio de 2010, adaptado pela pesquisadora.
109
O quadro 02 se constituiu em uma sistematização da reconfiguração do Frec em 2010,
com os GTs constituídos. Podemos visualizar que foi criado o GT de Educação Escolar
Indígena e o GT de Agroecologia, os quais visavam produzir ações a partir das políticas
públicas que estavam sendo institucionalizadas no âmbito do governo federal, conforme o
Boletim do Frec, 2ª edição, de 2010.
Foi defendido que a Agroecologia, pauta histórica dos movimentos sociais, e
incorporadas dos cursos de Ensino Médio Técnico Agropecuária realizados na EFA da região
de Marabá, precisava ser incorporada na formação ofertada em cursos de Ensino Médio
Técnico Agropecuária do IFPA CRMB e em cursos de Especialização do Programa
Residência Agrária, a partir da criação do Instituto Latino Americano de Agroecologia (Iala)
Amazônico pela Via Campesina no Assentamento Palmares, no município de Parauapebas,
estado do Pará.
A pauta da Educação Escolar Indígena foi justificada para fazer avançar o debate com
os povos indígenas, porque havia uma dívida histórica com tais povos. Havia atuação da
universidade nessa temática em diversos projetos de pesquisa e extensão, mas que havia
grandes contribuições em relação à educação ofertada nas diversas aldeias. Foi aventada a
possibilidade de construção do um curso Técnico em Agropecuária ofertado com os povos
indígenas da região, o que se constituiu um elemento novo.
Foi constituído o GT de Formação de Professores e Educação Básica para articular a
formação dos educadores do campo, a partir do Decreto do governo federal nº 7.352 de 20 de
novembro de 2010, que instituiu a Política de Educação do Campo, no acompanhamento das
ações no âmbito do Pronacampo e do Procampo, que visavam incidir sobre o debate sobre a
formação docente, através da ampliação de políticas no campo da formação de educadores,
bem como a oferta da educação nas escolas do campo, incorporando a problemática da
ausência da oferta do ensino médio, do GT que foi desativado. As ações constituídas no
âmbito do Frec foram sintetizadas no Boletim de 2011. Apresentamos tais ações abaixo no
quadro 03:
110
Quadro 03 - Sistematização das ações realizadas no âmbito do Frec
Conferências Regionais de Educação do Campo (Marabá, Xinguara e Parauapebas) (2009; 2011);
- Oficinas de Agroecologia: I Oficina das Experiências Pedagógicas em Agroecologia, II Oficina das
Experiências na Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária (ATES) em
Agroecologia e III Oficina das Experiências de agricultores familiares do sul e sudeste em
Agroecologia (2010);
- I Seminário Regional de Agroecologia (Marabá, 2010)
- I Seminário sobre a realidade das escolas do campo no sudeste paraense (Marabá, 2011)
- Semana Camponesa (realizada no mês de Abril para relembrar o Massacre de Eldorado do Carajás
e se comemora o Dia Internacional da Luta Camponesa);
- Construção do PPP do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará –
IFPA/Campus Rural de Marabá (2007-2008);
- Construção do PPP do Curso Técnico em Agropecuária integrado com o Ensino Médio (2008);
- Construção do PPP do Curso de Licenciatura Plena em Educação do Campo (UFPA/Campus
Marabá) (2008).
Fonte: Boletim informativo do FREC, 2011.
O quatro 03 constituiu uma síntese das ações realizadas para a institucionalização das
políticas públicas de EdoC no âmbito do Frec. Uma ação realizada, de grande impacto, foi a
construção dos projetos político pedagógico do IFPA CRMB e do curso de Licenciatura em
Educação do Campo da Unifesspa, bem como os acúmulos do debate da agroecologia e a
implantação dos cursos de Técnico em Agropecuária com ênfase em Agroecologia para
camponeses e o primeiro especifico para os povos indígenas. Os debates sobre Agroecologia,
bem como a sistematização das experiências em andamento na região, com o objetivo de dar
visibilidade ao projeto de soberania alimentar, foram resultado do trabalho do GT de
Agroecologia. Esse trabalho subsidiou o debate da V Conferência Regional de Educação do
Campo, que discutiu a temática: “Agroecologia, Educação do Campo e Ates”. Ela foi
realizada no município de Parauapebas, realizada em 2011, conforme o cartaz apresentado na
Figura 05:
111
Figura 05 - Cartaz da V Conferência Regional de Educação do Campo
Fonte: Autoria Evandro Medeiros, Arquivo Frec (2011).
Foram realizadas cinco conferências regionais de Educação do Campo organizadas
pelo Frec; no quadro 04 abaixo apresentamos os temas debatidos em cada uma delas:
Quadro 04 - Conferências Regionais de Educação do Campo no Sudeste do Pará
Conferências Temática Local Ano
I Conferência Regional de Educação Rural ??????? Marabá 2001
II Conferência Regional de Educação do Campo Escola e Educação do Campo. Marabá 2005
III Conferência Regional de Educação do
Campo
Políticas públicas, currículo e Educação
do Campo.
Marabá 2007
IV Conferência Regional de Educação do
Campo
Educação do Campo: Juventude,
Profissionalização e Projetos de Vida.
Xinguara 2009
V Conferência Regional de Educação do Campo Agroecologia, Educação do Campo e
ATES.
Parauapebas 2011
Fonte: Sistematização realizada pela autora, com base nos boletins do Frec.
Todas as conferências foram organizadas com a participação das prefeituras
municipais, representadas pelos setores de Educação do Campo, em conjunto com os demais
membros da coordenação ampliada do Frec. Delas resultaram cartas nas quais apresentavam
112
os objetivos de cada conferência e as pautas prioritárias de trabalho no qual constituíram o
diálogo com o poder público que foi fundamental na construção da Educação do Campo.
O acúmulo de experiências dos cursos do Pronera e de um debate permanente no
Movimento de Educação do Campo, em âmbito nacional, estadual e regional, culminou na
análise da necessidade de avançar na institucionalização, constituindo política pública
permanente. A constituição do Frec potencializou uma articulação ampliada através da
realização das reuniões, plenárias produziu uma unidade nas ações, bem como possibilitou
avançar na relação entre estado e movimentos sociais do campo. A construção dos grupos de
trabalho permitiu o aprofundamento em diferentes ações e formações no campo das ciências
agrárias a partir da agroecologia e da assistência técnica e no campo da constituição da EdoC
e da oferta da educação básica ao ensino superior.
Os debates sobre o direito a educação, a construção da escola do campo e a formação
de educadores foram pautas prioritárias dentro do Frec, da sua criação em 2005 com a criação
dos projetos políticos pedagógicos do CRMB, dos cursos de Ensino Médio Técnico em
Agropecuária (EMEP) com ênfase em Agroecologia para camponeses e o primeiro do país
específico para povos indígenas e da Licenciatura em Educação do Campo.
Os dois entraves que eram consideradas ações prioritárias na avaliação do Frec eram
também a formação docente e a oferta dos últimos níveis de ensino da educação básica,
principalmente o ensino médio, como condição para a constituição de um sistema de ensino
no campo e como gargalo que impedia a juventude de acessar o ensino superior, eram
também apontadas no cenário nacional. Essas foram as bases que deram origem a criação da
Licenciatura em Educação do Campo, que trataremos no próximo tópico
2.5. Licenciatura em Educação do Campo: nova graduação forjada pela construção
coletiva
A Licenciatura em Educação do Campo foi fruto da construção coletiva para incidir
sobre a constituição de um sistema público de Educação do Campo. Apresentamos as
especificidades de sua construção no sudeste do Pará, como parte das ações do Frec, em
sintonia com a construção realizada nacionalmente.
Santos (2012) apresentou que a criação da Coordenadoria de Educação do Campo foi
em resposta a reivindicação da II CNER, em 2004, dentro da estrutura da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), criada em 2005 como
parte da estrutura do MEC, no primeiro mandato do Governo Lula. Foi constituído um Grupo
113
de Trabalho Permanente de Educação do Campo, com a participação de representações das
universidades federais através da UnB, do MST e da Contag, que tinham como função
construir políticas permanentes para os povos do campo.
Em 2007, segundo Molina e Sá (2011) quatro universidades fizeram parte da
experiência piloto de constituição da Licenciatura em Educação do Campo. Foram elas:
UFMG, UFS, UFBA e UnB. As experiências foram sistematizadas na referida publicação.
Como resultado das ações desse Grupo de Trabalho Permanente, foi construído o
Procampo, formulado pelo acúmulo da EdoC. O programa tinha como objetivo criar a
Licenciatura em Educação do Campo para “promover a formação superior dos professores em
exercício na rede pública das escolas do campo e dos educadores que atuam em experiências
alternativas em Educação do Campo, por meio da estratégia de formação por área do
conhecimento, de modo a expandir a oferta de educação básica de qualidade nas áreas rurais”
(MEC, 2007).
A UFPA, Campus de Marabá, não participou da experiência inicial piloto, apesar do
convite inicial, recebido pelo reconhecimento da sua atuação histórica, desde o Pronera. A
decisão, em primeiro momento, em não constituir a Licenciatura em Educação do Campo na
carta convite do MEC, como parte da experiência piloto foi uma tomada de forma coletiva,
conforme apresentado no relato da representação do MST. Ela afirmou que: “a gente não
aceitou!!!!”, a partir da avaliação realizada em reunião do coletivo do Frec:
Mas já acompanhava o processo aqui desde o início. Desde 2007, quando a
universidade decidiu não abrir turma específica, naquela chamada carta-convite do
MEC. Um ano depois a gente foi refletir melhor as nossas condições, correlação de
força na universidade. Aí, dentro dessa avaliação, a gente não aceitou a carta
convite, por entender que tínhamos ainda poucos elementos, mas a gente precisava
construir um terreno, a gente chamava uma base para aí, no ano seguinte, entrar
como curso, institucionalizado na universidade. Já entrar em um processo mais
regular. Sem... a partir da experiência da carta convite, da deliberação do Seminário
de Educação Básica, que deu conta e apresentou a demanda de um curso de
Licenciatura para essa realidade do ensino da escola no campo, do ensino médio
especificamente, com base em tudo isso, levando em consideração e as nossas
demanda aqui na região [...]. (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/
2019).
No âmbito do Frec, a avaliação regional era a necessidade de avançar porque os cursos
implicavam a apenas uma ou duas turmas ofertadas, mas não havia quadro docente
permanente que possibilitasse a continuidade dos processos formativos após a finalização de
cada curso, em formato de projeto financiado pelo Pronera, e a demanda de trabalho dentro da
universidade, já que assumiam a formação, nos cursos aos quais eram vinculados
institucionalmente.
114
A decisão de construir um curso institucionalizado também tinha motivação nos
limites da gestão financeira dos cursos financiados pelo Pronera, desde os atrasos constantes
nos recursos e a dificuldade em construir novas ações formativas, já que os professores estão
atuando nos cursos regulares da instituição. Essa preocupação foi apresentada por Pagu:
[...] o curso tinha sido criado, para dar conta dessas demandas, já que a gente estava
com fôlego pequeno para turma de Pronera, de dificuldade de recurso e ter turmas
específicas, de abrir novas turmas e dos atrasos dos recursos, um monte de coisinha
que estava acontecendo. E uma das avaliações que a gente teve no Frec, com a
Universidade, é que a turma de Licenciatura era para dar conta desse sujeito,
vinculados ao campo, aos movimentos (Pagu, representante da CPP, entrevistada em
12/02/ 2019).
Havia um acompanhamento do debate nacional, com as universidades que
implantaram o projeto piloto e no debate regional, a partir da uma avaliação da conjuntura de
expansão da universidade para a criação dessa graduação em Marabá. Essa decisão foi tomada
em 2007:
Nós participamos!!! o Movimento Sem Terra a gente participou dessa tomada de
decisão da Universidade na época, que foram com os professores que já tinham
coordenado os cursos do Pronera: Letras, Pedagogia Agronomia. Então, a gente já
tinha esse campo de debate e discussão, quando a UFPA, na época, recebe a carta
convite do MEC para ser aquela experiência piloto, né, no Brasil, das licenciaturas,
vivenciar esse processo. A UFPA, o Campus de Marabá, a equipe daqui, junto com
os movimentos, a gente de fato, achou que precisava dá uma pensada melhor. E, no
ano seguinte, foi exatamente no ano seguinte, aí já abriu o processo para a
licenciatura. A expansão dentro da própria Universidade, como curso regular [...] A
gente acompanhava enquanto o Fórum Regional de Educação, eu fazia parte das
outras CPPs dos cursos do Pronera. A gente também já... ajudou então nesse
processo de acompanhamento inicial da construção da (Pagu, representante da CPP,
entrevistada em 12/02/ 2019).
A criação da Licenciatura em Educação do Campo era uma necessidade como
política pública porque havia uma demanda crescente de formação na região. Na avaliação no
âmbito do Frec, apenas as turmas vinculadas a projetos, submetidos ao Pronera, não eram
mais suficientes para atender a demanda por formação docente, precisava ser incorporada pela
universidade como uma ação permanente.
Em 2008, foi apresentada a demanda de criação dessa nova graduação, entregue
diretamente ao reitor da UFPA, em exercício no período, em um seminário em Marabá, pelos
movimentos sociais. Em resposta, a reitoria acenou com a possiblidade de implantação pelo
Programa REUNI, que já previa a implantação de novos cursos na instituição.
A construção do PPP foi um debate também constituído coletivamente em 2008. No
relato abaixo, uma docente apresenta que acompanhou esse processo pela sua participação no
Frec, anterior a sua aprovação no concurso público:
115
[...] E aí, a partir do Território (projeto vinculado ao Incra), eu tinha acompanhado
muita coisa, muitas discussões, inclusive eu participei do Fórum de Educação do
Campo, das reuniões. Fiz apresentações em alguns eventos do Fórum, da
experiência que eu tinha como os movimentos, né [...] Então, eu tinha sido
convidada inclusive, para participar da construção, né! Eu me lembro de que eu
participei das reuniões do Frec. Ficou uma equipe, eu e Fernando ficamos
responsáveis por uma parte. Eu estava junto com Fernando, tinha a Bia também. Eu
sei que foi dividido em grupo, não contribui muito, me afastei um pouco do processo
de construção do PPC. Mas eu vinha acompanhando, como era que estava sendo
construído. [Eu acho que foi quando tava envolvida no Território, foi no Território,
que era muita coisa para acompanhar os bolsistas, escrever, pegar os dados e as
oficinas que aconteciam, era muita coisa...] Eu acabei me afastando desse processo
de produção do PPC. Mas ele mandava para mim os textos, eu acompanhava, lia ...
Então, eu achava que podia contribuir mais nesse curso. E hoje eu vejo... que eu não
faço a mesma coisa de uma academia. Eu gosto de fazer o que eu faço porque é um
público que tem um potencial enorme de construção de um novo perfil de formação
de professores (Miha, docente, entrevistada em 16 de fevereiro de 2019).
Outra docente que atuava como bolsista no curso de Letras Pronera na época de
construção do PPC. Ela ressalta momentos de debates realizados em Marabá e em Belém,
com o Fórum Paraense de Educação do Campo (Fpec):
A Licenciatura em Educação do Campo daqui, eu acompanhei toda a construção,
enquanto bolsista do Pronera. Eu lembro que as primeiras reuniões era a professora
N., o Z. P., o E. e o M.. Quando estava construindo a proposta, inclusive eu
participei de um encontro, que teve em Belém, que o pessoal do grupo do Salomão
Hage, realizaram. Estavam nessa ideia de construir as Licenciaturas em Educação do
Campo na UFPA, aí eles organizaram um encontro para socializar as experiências de
Licenciatura do Pronera e da Agronomia, né! (Eu acho que era a única que não era
licenciatura). E eu fui para apresentar o curso de Letras, mas o foco não era esses
cursos. Mas como esses cursos estavam colocando, trazendo elemento para pensar
as áreas para essa Licenciatura em Educação do campo [que Abaetetuba estava
construindo, Belém estava construindo e Marabá também]. Então, a Nilsa não pode
ir, eu fui lá apresentar (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
A Licenciatura foi constituída na UFPA, desde o projeto inicial, para uma atuação
interdisciplinar nas escolas do campo a partir de quatro áreas do conhecimento: Ciências
Humanas e Sociais (CHS), Ciências Agrárias e da Natureza (CAN); Letras e Linguagem (LL)
e Matemática (MAT). A decisão pela aprovação das quatro ênfases foi principalmente para
enfrentar a problemática da falta de professores habilitados para atuar no Ensino Fundamental
de 6º ao 9º ano no Ensino Médio na região; construindo a partir da formação na EdoC
possiblidades de melhorar a qualidade da educação ofertada nas escolas do campo (SILVA,
SOUZA E RIBEIRO, 2014). No processo de certificação da primeira turma do curso, as áreas
do conhecimento passaram ser denominadas de “ênfases”, após o MEC abolir o termo
habilitações.
Foi o acúmulo de experiência e do debate realizado nos cursos de Pedagogia, Letras
e Agronomia, financiados pelo Pronera e organizados em Marabá, que subsidiou os debates
116
para construção do projeto formativo. Em específico, em relação à construção das quatro
ênfases ofertadas na formação docente. Em relação à oferta da área da Linguagem, a docente
Inês justifica sua existência, a partir do curso Letras Pronera. Ela afirma:
Então, desde o começo nos debates da construção do curso, eu estava junto.
Inclusive eu sabia, que ia ser um diferencial a área de linguagens nesse curso daqui.
[...] E aqui, a professora N. chamava a atenção, que um dos aspectos, que sempre se
observa nas escolas do campo, é esse acesso à linguagem. Não só pela questão da
informação da comunicação, mas pelas relações de poder que estão postas. E aí, que
é importantíssimo ter um curso que discutir essas questões, que permite aos sujeitos
do campo também se apropriarem disso e eles serem os docentes nessas áreas, né;
porque pensar o ensino de línguas, as práticas de linguagem respectiva de
compreender as relações de poder e da questão, não só de uma perspectiva de
dialeto. Mas também de língua e poder, do que se define como língua, de quem
determina o que é língua. Era necessário os sujeitos do campo, terem acesso...
pensar a sua formação para superar a perspectiva de variação: _Não! È porque essa é
assim e essa é diferente! Mas problematizar, porque o ser diferente me coloca em
um lugar de desigualdade. Aí eu acompanhei isso, desde o começo, tanto que lá no
IF (Instituto Federal de Marabá, através do Campus Rural), a Licenciatura que foi
criada, que eu trabalhei, era só Ciências Naturais, Ciências Humanas e Matemática.
Então, eu já sabia que aqui tinha um diferencial, por causa da própria proposta.
Como ela foi construída! Não foi feito a partir do que se via lá fora. Mas tinha um
grupo pensando aqui, esse grupo tinha pessoas de diversas áreas e problematiza
várias questões (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
Entender as relações de poder em seus diferentes campos, bem como as possiblidades
de enfrentamento a essas lógicas eram a base dos debates para a formação docente numa
perspectiva interdisciplinar, que pudesse impactar sobre a forma e o conteúdo das escolas do
campo.
A demanda por formação docente sempre foi um debate constituído concomitante com
o debate do projeto de campo e de sociedade motivados pelo debate da Reforma Agrária e
pelo modelo desenvolvimentista constituído em confronto com os povos do campo. No
sudeste do Pará, os conhecimentos sistematizados no âmbito das ciências sociais produzidos a
nível nacional sobre a região avaliavam como necessário que os agricultores compreendessem
a formação regional e como as disputas no campo epistemológico, constituíam o arcabouço
para a constituição das Ciências Humanas e Sociais.
Segundo Souza e Michelotti (2004) o campo das Ciências Agrárias foi potencializado
na parceira histórica entre a universidade e movimentos sindical rural através do CAT, que
resultou na criação dos cursos de Ensino Médio Técnico Agropecuário (EMEP) (2003-
2006/2006-2008) na Escola Família Agrícola (EFA) da região de Marabá, a e Agronomia e
especializações no âmbito do Programa Residência Agrária e a constituição do Iala, específico
com o MST.
117
Os debates sobre a matriz produtiva e tecnológica hegemônica, as bases do
capitalismo no campo, baseada em monocultivos em larga escala para transformação em
commoditties, apenas de produtos com valor comercial para exportação, produzidos pelo
consumo intensivo de insumos e tecnologia importada, que exigia altos investimentos
financeiros, no Brasil estruturado através de financiamentos públicos. Esse modelo em franca
expansão transformou a agricultura em negócio, padronizando, eliminando a diversidade
através da monocultura e do cultivo, mas deveria ser contraposto por outro projeto de campo.
Segundo Souza e Michelotti (2004) o trabalho nesse campo de formação das ciências
agrária precisava avançar no referencial de uma matriz camponesa, tendo como princípios a
agroecologia e a soberania alimentar potencializando as condições biofísicas do bioma
amazônico.
Os autores apontam que esses debates só foram possíveis porque houve na região um
avanço na regularização fundiária e certa estabilidade das famílias nas áreas rurais, que
possibilitou uma maior complexificação dos sistemas produtivos, a circulação de alimentos
nas feiras livres e nos mercados regionais com a criação de cooperativas, bem como fruto do
acesso, mesmo que precário às políticas públicas tais como crédito, assistência técnica etc.
Desde a instalação dos agricultores nas áreas ocupadas, muitos assentamentos foram
regularizados em áreas desmatadas, já com o sistema de pastagem implantado e com pouca
área de floresta nativa. O debate em contraposição à hegemonia do projeto de exploração sob
o lema “vocação do desenvolvimento sob a pata do boi” e o debate a partir de cultivos
permanentes gerou a necessidade de sistematização e produção de técnicas de cultivo e
criação utilizados por esses agricultores e, principalmente, a construção do debate no campo
da agroecologia e da soberania alimentar.
Esses foram os debates de fundo para construção do trabalho com a área de ciências
agrárias como parte da formação no Curso de Licenciatura em Educação do Campo. Para
Santos e Michelotti (2004):
No caso do curso de graduação em Licenciatura em Educação do Campo
desenvolvido pela Unifesspa/Campus Marabá, as ciências agrárias, juntamente com
as ciências naturais, compõe uma das quatro áreas de conhecimento do curso.
Assumindo-se um duplo objetivo ao se incorporar na LPEC essa área do
conhecimento de Ciências Agrárias e da Natureza: viabilizar a temática das ciências
agrárias na formação de professores para escola do campo e, ao fazer isso, imprimir-
lhe uma perspectiva de manejo agroecológico dos recursos da natureza (2004, p.
160).
Outro campo do conhecimento que foi constituído enquanto curso no Campus
Universitário de Marabá era o curso de Matemática. Havia uma contribuição de docentes
118
desse curso, esporadicamente, em cursos de formação financiados pelo Pronera. No entanto,
enquanto área de conhecimento, não havia um acúmulo teórico com maior densidade do
coletivo que participava do Frec. A defesa da inclusão no projeto como parte da constituição
da Licenciatura em Educação do Campo foi justificada pelo direito dos agricultores aos
conhecimentos sistematizados nesse campo, considerando a atuação dos egressos na formação
dos jovens, e na constituição do sistema de ensino de toda a educação básica.
Para compreender o processo de institucionalização da Licenciatura em Educação do
Campo pelos e com os povos do campo é necessária compreendê-la a partir da luta pelo
direito a Educação e as estratégias construídas pelos movimentos social e sindical do campo
que demandaram formação para as áreas de acampamento e assentamento. Essa luta instituiu
as parcerias entre movimentos sociais do campo e docentes da universidade pública federal na
formulação da política pública de Educação do Campo, gerada a partir de uma construção
coletiva, que a vinculava a um projeto de campo e de sociedade.
A constituição do Frec, em 2005, para discutir as demandas e fortalecer os processos
de luta pela constituição de um sistema de ensino da Educação do Campo, constituindo um
espaço organizado com a participação ativa da Fetagri e do MST e de docentes da UFPA,
através do Campus de Marabá para constituir os cursos no âmbito da formação docente e das
ciências agrárias, avaliar e ressignificar a política pública, instituiu a Educação do Campo,
considerando o projeto de desenvolvimento e os princípios formativos constituídos no
acúmulo de experiências pedagógicas no Pronera.
A articulação em âmbito nacional a partir da constituição de um quadro normativo26
para dar suporte jurídico, desde a publicação das Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica das Escolas do Campo em 2002, publicação de vários decretos até o Decreto nº 7. 352
de 04 de novembro de 2010, que institui a Política Nacional de Educação do Campo e o
Pronera.
Santos (2012) afirma que houve uma participação efetiva na gestação, no conteúdo e
forma da política que definiu a criação de um novo curso nas universidades, mas que os
movimentos sociais não conseguiram realizar o controle social democrático da política,
através do acompanhamento sistemático. No sudeste do Pará, o acompanhamento sistemático
e o controle democrático permaneceram na parceria construída, sendo recriada a partir da
construção de um projeto coletivo de formação como proponente da Licenciatura em
Educação do Campo no âmbito do Frec.
26 Os marcos normativos foram publicados pelo MEC, disponível no ,
http://pronacampo.mec.gov.br/images/pdf/bib_educ_campo.pdf. Acesso em 10 nov. 2016.
119
3. PROCAMPO: A POLITICA DE EXPANSÃO E AS REPERCUSSÕES NA
LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO EM MARABÁ
Este capítulo tem como objetivo apresentar as repercussões do Procampo na expansão
da Licenciatura em Educação do Campo na Unifesspa como parte do processo de
institucionalização enquanto política pública, buscando responder a pergunta: em que
reconfigurou no projeto formativo da Licenciatura em Educação do Campo? Utilizamos para
construção desse capítulo os registros do debate realizado no Campus de Marabá, encontrado
em documentos no PPC, arquivos da Fecampo, apoiado nas entrevistas realizadas com a
representação do MST; que coordenaram a CPP, estudantes e docentes da Fecampo.
Analisamos as principais repercussões do acesso ao edital Procampo na Licenciatura
em Educação do Campo da Unifesspa, buscando apreender as conexões dialéticas entre
particular e o singular da experiência pesquisada, com a construção nacional, forjada a partir
do Procampo, às quais apresentamos a partir dos seguintes tópicos: a) Reconstrução da CPP
com a participação dos movimentos sociais no processo formativo; b) Acesso para
camponeses, quilombolas e indígenas - ampliação e diversificação dos povos do campo na
Educação Superior pública; e por fim, c) A ampliação do quadro docente e a diversidade de
formação.
3.1. Reconstrução da Comissão Político Pedagógico (CPP) com a participação dos
movimentos sociais no processo formativo.
O Procampo possibilitou o debate gerado de recriação de uma CPP com a
participação dos movimentos sociais para contribuir na formação dos estudantes. A CPP já
era uma experiência vivenciada nos cursos financiados pelo Pronera e não havia sido prevista
no PPP da Licenciatura em Educação do Campo, em sua constituição inicial. Apresentamos
como o debate do acesso ao edital e o trabalho com a formação humana foi instituído
novamente por demanda do MST.
O Procampo foi construído com o objetivo de melhoria das condições e da qualidade
das escolas do campo potencializada pela formação dos educadores; bem como construir
propostas para melhoria da educação ofertada nas escolas do campo. Cada Licenciatura em
Educação do Campo teria o compromisso de ofertar no período de três anos o quantitativo de
120
cento e vinte vagas para o ingresso por ano, na formação de nível superior. O edital previa a
oferta do total de 15.120 vagas, conforme dados sistematizados na tabela 02 abaixo:
Tabela 02 - Cursos atendidos pelo Edital Procampo 2012.
CURSOS QUANTIDADE DE
ESTUDANTES POR ANO
TEMPO DE DURAÇÃO
DO EDITAL
TOTAL
4227 120 3 anos 15.120
Fonte: Secadi/MEC.
O edital Procampo Secadi/MEC em 05/09/2012 propunha a ampliação e a
institucionalização de quarenta novos cursos, a partir do apoio à implantação em instituições
federais de ensino. Conforme o edital, o Procampo previa:
1.1 - O Programa visa apoiar a implantação de 40 cursos regulares de Licenciaturas
em Educação do Campo, que integrem ensino, pesquisa e extensão e promovam a
valorização da Educação do Campo, com no mínimo 120 vagas para cursos novos e
60 vagas para ampliação de cursos existentes, na modalidade presencial a serem
ofertadas em três anos. Os Projetos deverão contemplar alternativas de
organização escolar e pedagógica, por área de conhecimento, contribuindo para
a expansão da oferta da educação básica nas comunidades rurais e para a
superação das desvantagens educacionais históricas sofridas pelas populações
do campo, tendo como prioridade a garantia da formação inicial de professores
em exercício nas escolas do campo que não possuem o Ensino Superior.
1.2 - O presente Edital visa estabelecer critérios e procedimentos para fomento de
cursos regulares de Licenciatura em Educação do Campo, destinados à formação de
professores para a docência nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio
nas escolas localizadas em áreas rurais, mediante assistência financeira às
Instituições Federais de Educação Superior – IFES.
[...]
IFES. 3.2 - Cada IFES poderá concorrer com 01 (um) Projeto Político Pedagógico -
PPP de Licenciatura em Educação do Campo, por campus, com no mínimo 120
vagas, para cursos novos e 60 vagas para ampliação de cursos existentes a serem
ofertadas em três anos (BRASIL, 2012, p. 02).
Houve mobilização das universidades e institutos federais, desde as que tinham uma
atuação com os movimentos sociais historicamente, até universidades que nunca tinham
atuado na formação de educadores do campo para o acesso a esse edital, pelo aporte de
recursos e pelas vagas efetivas ofertadas para docentes e técnicos.
27 Embora o edital apresentasse a seleção de 40 cursos, foram aprovados 44 no resultado final, publicado em diário oficial, disponível em
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=13299-potaria-72-21-
dezembro-2012-pronacampo-pdf&category_slug=junho-2013-pdf&Itemid=30192> Acesso em 20 out.2016.
Molina e Hage (2015) apresentam que, desses, apenas 42 cursos estavam em andamento. E até a finalização da pesquisa, nenhum curso foi fechado, entretanto um curso na Universidade Federal de Grandes Dourado no Mato
grosso do Sul, teve sua oferta transformado em EAD.
121
No Pará, a partir da parceria histórica estabelecida com os movimentos sociais do
campo, na UFPA houve o interesse em acessar o edital para a ampliação da Licenciatura em
Educação do Campo em três novos campi: Altamira, Abaetetuba e Cametá. No Campus de
Marabá, já com quatro anos de implantação, o acesso poderia potencializar a formação. O
debate sobre o acesso a esse edital foi constituído no âmbito da instituição e em cada campus.
No Campus de Marabá, não era consenso entre os docentes, a decisão em concorrer
ao referido edital. Buscamos sistematizar os vários argumentos elencados e os diferentes
posicionamentos nos documentos analisados. A principal crítica realizada pelos docentes ao
Edital era em relação ao quantitativo de vagas anuais a serem ofertadas. Importante ressaltar
que estava previsto no edital que os cursos em andamento poderiam ofertar apenas sessenta
vagas, mas essa informação não aparece nos pontos de pauta nas reuniões, ou o coletivo não
teve essa compreensão ao realizar a leitura do documento.
Havia a principal preocupação com o risco de precarização da formação, ofertada em
alternância pedagógica, nos diferentes tempos educativos. A permanência, ao longo dos três
anos, de trezentos e sessenta estudantes, intensificaria o trabalho docente no Tempo
Universidade. Poderia inviabilizar a realização do acompanhamento dos estudantes durante as
atividades do Tempo Comunidade e nos trabalhos de conclusão de curso (TCC).
Foi previsto também um aporte em recursos para subsidiar as ações nos três primeiros
anos de implantação no valor de RS 4.000.00 aluno\ano, e que posteriormente, a Licenciatura
passaria a ser contabilizada nos recursos recebidos através da matriz Andifes, na contabilidade
do custo/estudante/ano em cada universidade. Outro fator considerado limitante era esses
recursos para apoio à permanência dos estudantes que eram apenas para os três primeiros
anos, ou seja, insuficientes para concluir o tempo de estudo de uma turma, e ainda haveria
turmas em andamento, que não acessariam tais recursos.
No entanto, o principal atrativo para as instituições públicas de ensino foi a oferta de
vagas efetivas de docentes e técnicos administrativos a partir de concursos públicos, para
induzir uma política de institucionalização. O edital explicitava:
10.1 - Cada IFES que tiver um PPP selecionado terá autorização para contratar:
10.1.1 - Até 15 professores para cada curso de Licenciatura em Educação do Campo, no âmbito das Universidades;
10.1.3 - Até 3 técnicos administrativos para cada curso de Licenciatura em Educação
do Campo, no âmbito das Universidades (BRASIL, 2012, p. 01-02).
Os argumentos favoráveis levaram em consideração os novos códigos de vagas dos
docentes e técnicos administrativos que poderiam: a) Constituir um quadro de técnicos como
apoio no trabalho administrativo e burocrático, inexistente no Campus, pelo quadro reduzido
122
de técnicos (na Licenciatura em Educação do Campo o trabalho era realizado provisoriamente
por bolsistas de diferentes projetos, sobrecarregando a coordenação do curso em exercício); b)
Ampliação do quadro docente iria fortalecer e consolidar o projeto formativo da Licenciatura
em Educação do Campo, já em andamento, com o ingresso de docentes das diferentes áreas
do conhecimento; c) Ampliar o lócus de produção de conhecimento que tivesse como objeto a
formação docente na Educação do Campo; d) Fortalecer as ênfases ofertadas no curso pela
ampliação de vagas para atender essa demanda; e) Realizar formação continuada para os
professores que já atuavam nas escolas do campo, na oferta de cursos de especialização ou
pós-graduação, a partir das experiências acumuladas na oferta de turma em parceria com o
Frec, a partir da UFPA e do Programa Residência Agrária.
Na avaliação do MST, a Licenciatura da Educação do Campo em Marabá precisava
retomar o trabalho com a formação humana a partir da vivência coletiva, por isso defenderam
a adesão ao edital Procampo:
Então, como eu já disse antes, inicialmente quando começou, a gente como Fórum e
movimento sociais, a gente participava do debate da Licenciatura. Mas depois, foi
ficando uma coisa muito da Universidade em si. A universidade e nós, com alguns
estudantes, que tinham vinculo direto com as nossas áreas. A dificuldade de manter
esses estudantes, cada um organizavam como podiam e iam ficando por aqui.
Naquele momento, como o percurso formativo também, ele passou por esse debate,
essa construção coletiva, de como seria. Talvez, por excesso de confiança no que ia
ser porque tinha um núcleo de professores que debatiam e a gente fazia parte desses
debates via Fórum, em outros processos de formação, não tinha uma necessidade de
uma CPP específica. Algumas ações a gente ia participando junto, ajudava a
construir ou não e as primeiras turmas também tinham uma militância muito bem
experimentada, logo nos primeiros que entraram, então iam dando conta de fazer
esse debate da organização, por dentro do curso (Pagu, representante da CPP,
entrevistada em 12/02/ 2019).
Na avaliação realizada pelo MST, verificava-se dificuldade de permanência dos
estudantes oriundo das áreas de acampamento, principalmente da juventude, em turmas
anteriores e da importância do financiamento de apoio à permanência.
Houve intensas discussões, mas especificamente, em uma reunião no colegiado, em
setembro de 2012, foi definida a adesão ao edital e a expansão da Licenciatura em Educação
do Campo pelo Procampo. O MST esteve presente, e se posicionou pelo acesso ao edital
baseado nos seguintes argumentos:
Quando surgiu a oportunidade, e saiu o edital, esse da Secadi, do MEC, para abrir as
turmas com financiamento, daí a gente voltou a reunir. Mesmo a gente já tendo uma
turma institucionalizada na Unifesspa, a gente falou assim: _Então, vamos acessar o
edital! (já é um curso existente.) Vamos acessar o edital porque ele vai oportunizar a
gente a viver aquilo que a gente sempre acha que é necessário. Tínhamos avaliado
como um limite que o curso de Licenciatura daqui estava apresentando, do pessoal
que tinha desistido porque não tinha como se manter aqui em Marabá, das turmas de
2009, 2011 e tal.. Sobre a dificuldade de se manter na Licenciatura, porque o
123
pessoal não tinha condições para se manter. Então, a gente acessou, nessa
provocação. Fomos provocar a universidade para acessar esse edital (Pagu,
representante da CPP, entrevista realizada em 12/02/2019).
O questionamento sobre qual a melhor forma de acompanhamento fez reabrir o
debate da necessidade de ampliar e potencializar os tempos educativos na formação dos
estudantes, que incluía o debate sobre acompanhamento dos estudantes durante o Tempo
Universidade, nos quatro meses do ano, em Marabá. Esses debates não eram consenso pela
especificidade da formação no ensino superior e as demandas do trabalho intelectual dos
docentes; bem como os limites da formação do coletivo, não permitiam que realizasse o
acompanhamento intensivo dos estudantes. As tensões geradas nesse processo são
apresentadas no relato abaixo:
Daí, depois de muito debate na Universidade porque foi pesado, porque tinha muita
gente que não queria mesmo. Que achava que os meninos já estudavam, que a
universidade dava conta sim, que tudo que eles precisavam já estava dentro do
programa do curso, do projeto político pedagógico do curso, os tempos educativos,
tudo: vivência, viagem, não precisava mais nada. Arte e cultura, já estava tudo lá
dentro, que não carecia. Nós batemos na tecla: _Tá bom, então, se separar. Mas nós,
os meninos do Movimento Sem Terra e das demais organizações, (Na época tinha
uns CPT tava junto na reunião, da Fetraf e da Fetagri). Os que estão vinculados aos
movimentos, a gente vai juntar. Vamos juntar e vamos morar junto. Depois, com
muita confusão, quando eu falo de muita confusão é debate tá? (Sim). Ficavam as
teses para lá e para cá. Que isso ia dá muito trabalho, que não sei o quê. Aí, passou,
de que nenhum estudante receberia recurso individualmente, que iria ser locado um
espaço e garantir hospedagem e alimentação nesse espaço. A gente iria compor uma
equipe pedagógica, uma coordenação, no formato do que a gente tinha antes, nas
turmas no Pronera, para acompanhar esses estudantes. Não só como se fosse uma
pensão e que aqui não fosse só um lugar de comer e de dormir porque não era só um
lugar de alimentar e dormida. Mas que fosse um lugar também de vivência e de
projeção, na perspectiva de educação, que a gente acredita. Potencializar ainda mais
os trabalhos, o estudo, mas também ir tentando despertar nesses educandos essas
dimensões, às vezes adormecidas. Não, são dimensões negadas mesmo pelo
cotidiano e pela dinâmica do capital. Então a gente decidiu fazer isso, todo mundo
disse: _Ah, dá muito trabalho! Vocês não dão conta! E a gente; _Ah, nós damos
conta sim. (risos). Dá trabalho, mas a gente dá conta. E fomos inventando, e claro
que tinha vez que a gente dizia: _Meu Deus, porque nós não deixamos cada um
viver como quiser! Cada um pegar seu dinheiro e viver como quisesse (Pagu,
representante da CPP, entrevista realizada em 12/02/2019).
A decisão de constituição de espaços formativos de vivência coletiva, reinseriu a
participação dos movimentos sociais do campo na formação dos estudantes. O MST assumiu
publicamente o compromisso de contribuir nessa tarefa:
Daí, na época o pessoal disse: _Aí, vocês têm que ajudar! Se for para fazer um
negócio desse, a gente tem que gerir coletivamente! Como é que nós vamos gerir
financeiramente e pedagogicamente cento e vinte estudantes? Sendo que a gente vai
dá aula? Daí, deu a doida na nossa cabeça, eu disse: _Tá bom, então, vamos... a
universidade abre e nós vamos ajudar! Vamos construir uma equipe pedagógica e
passamos a pensar como é que seria isso? E que foi muito tenso, naquele início ali,
tinha professor que era contra [...] Daí, depois de muito debate na Universidade
124
porque foi pesado, porque tinha muita gente que não queria mesmo (Pagu,
representante da CPP, entrevista realizada em 12/02/2019).
A coordenação dos espaços coletivos, nos quais os estudantes residiriam durante o
Tempo Universidade e a constituição da organicidade das turmas ficou com a CPP,
retomando a experiência de trabalho coletivo e parceira realizadas no Pronera. Segundo EMI,
não foi apenas o MST que assumiu a tarefa, foi constituído a partir de um grupo heterogêneo
de vários movimentos:
a CPP foi composta... a gente compôs de movimento estudantil e movimentos
sociais diversos. A CPP não é especificamente só gente do MST. Então, a gente tem
CPP que é composta por militante do MST, militante do Levante Popular, militantes
do movimento Debate&Ação, né! Tem outros aliados, igual o grupo das Madalena,
de teatro. Então, a gente foi compondo a CPP, com uma diversidade de sujeitos, que
não são vinculados especificamente a um único movimento (Pagu, representante da
CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
Após essas reuniões, o consenso entre os participantes foram: a) a divisão do número
de estudantes em três turmas de quarenta estudantes, como forma de atenuar os problemas e
construir um trabalho educativo, garantindo a qualidade na formação, em relação à realização
do Tempo Universidade; b) O projeto submetido teria duração de quatro anos, em
contraposição a política de aligeiramento da formação fomentada pelo MEC, que previa a
oferta em três anos, conforme o quatro nº 01 e c) O trabalho docente seria redistribuído com
os ingressos dos docentes.
Essas decisões acordadas no âmbito do colegiado foram inseridas no PPP e
apresentadas como estratégia de consolidação da Licenciatura em Educação do Campo em
Marabá, conforme o trecho abaixo:
Em contrapartida, nos próximos 3 anos, as IFE’S com projeto aprovado no edital se
comprometeram em ofertar turmas e 120/educandos/anos nos anos de 2013, 2014 e
2015 e nós do curso de Licenciatura em Educação do Campo/Campus Universitário
de Marabá tivemos o projeto aprovado em 6º lugar, dentre 44 IFE’s selecionadas
demonstrando o acúmulo, reconhecimento e colocando o desafio de consolidar o
curso (UFPA, PPP, 2012, p. 04).
O trabalho como princípio educativo que não estava previsto, a princípio, na
Licenciatura em Educação do campo estudada e a atuação da CPP visava também o trabalho
com a dimensão da arte e da cultura, no processo formativo dos estudantes na defesa de uma
formação humana em diferentes dimensões. Conforme aponta o relato abaixo:
Então, a CPP ela foi constituindo para dar conta disso. Dar conta de combinar a
dimensão do trabalho, a gente agregava nesse processo de formação humana, que
inclusive sempre foi muito tenso, mais a relação do trabalho. Do trabalho necessário,
mas também compreender a partir do trabalho necessário, essa construção maior, de
funcionamento da sociedade através do trabalho e que às vezes, não se percebe. A
questão cultural, os elementos da arte e da cultura também, que muitas vezes
passava despercebido. Às vezes, mesmo quando ele entrava no currículo da
125
academia, entrava como parte desse currículo, para dar conta de um conteúdo
específico, mas não entendendo a arte e a cultura como matriz formadora necessária,
para essas várias dimensões. A organização política, né, como fundamental também
nessa organização dos trabalhadores e como que estudar isso para compreender,
inclusive, os limites que tinham a própria universidade. Entender o porquê do
preconceito, dentro da Universidade, então era entender esse funcionamento e que
eles faziam parte de uma organização política, que debatiam determinados assuntos,
que se colocava em um patamar de disputa na sociedade e logo eles como estudante,
sujeito desse processo (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
Podemos concluir que uma das repercussões do Procampo foi a recriação na
Licenciatura em Educação do Campo da Unifesspa da Comissão Político Pedagógico, a qual
tinha como função contribuir no processo formativo e instituir outros tempos formativos,
propondo ações a partir da formação humana integral.
Houve uma ressignificação nos espaços de atuação da CPP. Nos cursos financiados
pelo Pronera, ela constituía parte da coordenação geral do curso. Na Licenciatura em
Educação do Campo em Marabá, a quantidade de estudantes que ingressou nos três anos de
vigência do edital Procampo foram inseridos em três espaços físicos alocados para alojamento
e desenvolvimento das ações educativas, distantes da estrutura da Universidade, pois não
havia infraestrutura física que comportasse alojamentos e as atividades de sala de aula. A CPP
coordenou o trabalho nesses espaços educativos.
Pela quantidade de trabalho gerado, houve uma fragmentação desse trabalho, com
um menor acompanhamento das ações no âmbito da formação como um todo. Muitas ações
não conseguiram ser integradas, foram desenvolvidas como paralelas. Os aprendizados desses
espaços foram retomados pelos estudantes e encontramos poucos registros nas falas dos
docentes. Esse debate será retomado nos capítulos 04 e 05.
3.2. Acesso para camponeses, quilombolas e indígenas - ampliação e diversificação dos
povos do campo na Educação Superior pública.
[...] Olha, Maura. Eu lembro que no tempo que eu fiz o processo seletivo era pela
Fadesp se não me engano (O processo seletivo era realizado pelo Centro de
Processos Seletivo – CEPs/UFPA). Então assim, a prova era muito técnica, muito
semelhante a uma avaliação do ENEM. Foi muito concorrido, assim para a nossa
categoria de camponês né, que a gente não tem lá, essas regalias de estudo. Para a
gente que é camponês, e era um processo seletivo basicamente aberto, foi muito
concorrido por ser uma prova técnica. Se os critérios de camponeses, na verdade,
eles vieram a surgir, nas entrevistas, nos vínculos que a gente tinha como o campo.
Mas a seletiva, a prova, ela era muito técnica; inclusive, eu tive muita dificuldade de
interpretar, nessa parte. Mas foi um processo muito interessante também porque a
gente se desafia a superar os nossos limites (Osmar, estudante, entrevistado em
07/02/2019).
126
O trecho acima é um recorte da entrevista com um estudante que revela uma síntese do
significado do ingresso nas instituições públicas de ensino pelos povos do campo. Esse direito
que foi acessado a partir da luta dos movimentos sociais do campo contra os processos de
exclusão que “para a nossa categoria de camponês né, que a gente não tem lá essas regalias de
estudos”. O conceito de estudo como “regalias” ou “privilégio” na história da educação
brasileira é resultado de inúmeros processos de negação dos povos do campo ao acesso à
educação formal, dentre eles, o acesso à escola pública, a leitura e a escrita e os livros, a
necessidade de conciliar trabalho e estudo e por fim, os processos de expansão das novas
tecnologias da informação, com a ampliação do uso do computador e da internet, tudo isso se
fez com limitações e constituiu um funil pelo qual é realizada a exclusão.
A UFPA fez a primeira seleção do Procampo com o edital do Processo Seletivo
Especial em 2013. Essa seleção foi amplamente divulgada em todo o Estado do Pará, com a
ampliação das vagas nos quatro Campi. A Licenciatura em Educação do Campo em Marabá já
estava com quatro turmas em andamento, nas quais tinha como público jovens oriundos das
áreas de acampamentos, assentamentos e comunidades rurais e professores das escolas do
campo no sudeste do Pará, passou a ser disputada por candidatos de todo o Estado do Pará,
Maranhão e Tocantins, que fazem divisa com a região de estudo.
Analisamos a expansão permitida pelo Procampo na memória dos estudantes na
reinterpretação do que significou adentrar na Educação Superior através da Licenciatura em
Educação do Campo, considerando a exclusão histórica que os povos do campo foram
submetidos ao acesso ao ensino superior e à universidade pública (MOLINA E HAGE, 2019).
A constituição dos processos seletivos especiais de ingresso fez aumentar a demanda pela
formação em Marabá, que pode ser analisada por múltiplos fatores e diferentes
intencionalidades.
Uma das justificativas encontradas foi a forma como era organizada a formação em
alternância pedagógica na proposta no Campus de Marabá. A intepretação ao edital de
ingresso foi compreendida inicialmente como “curso de férias” porque apresentavam o
período como intervalar e intensivo; nomenclatura constituída no calendário oficial,
constituído em quatro períodos letivos, que não permite compreender a abrangência do
conceito de “alternância pedagógica”.
A constituição dos diferentes tempos formativos, (previstos para serem realizados nos
quatro meses, divididos em dois Tempos Universidade com atividades, em turnos intensivos,
e dois Tempos Comunidades, de quatro meses cada) era vislumbrado como possível de
conciliação do trabalho docente nas escolas do campo com a realização da formação
127
constituiu em um atrativo para os professores, que já atuavam nas escolas do campo, pelas
dificuldades apresentadas em acessar o direito a formação em uma universidade pública.
Podemos encontrar essas compreensões nos dois recortes abaixo:
Sou professor nessa comunidade (Vila Belo Monte). Antes de eu entrar no curso, eu
fiz um magistério, um magistério técnico, fiz na comunidade mesmo, lá tinha o nível
médio modular, do Estado. Como eu já tinha terminado o ensino médio; estava sem
fazer nada lá. Aí, uma instituição particular lá, foi ofertar esse magistério pago.
Fiquei por um tempo lá e aí teve um concurso, que abriu vaga para o magistério. Aí,
eu passei no concurso, comecei a trabalhar, mas sem nenhuma formação de nível
superior. Então, a partir do momento que eu passei e comecei a trabalhar, fiquei
procurando formações. Eu estava atirando para todo lado, vendo a universidade
particular, a pública não tinha como? porque a maioria só é regular e por eu está
trabalhando, já casado, não tinha como sair. Até que alguém me falou desse curso,
que tinha um curso que estudava no período de férias e era voltado para a formação
de pessoas justamente que já estavam atuando no campo, que já estava atuando ou
que atuava em algum movimento e eu acabei me inscrevendo. (M: Quem foi que te
falou do curso? Na verdade, foi a diretora da escola porque ela já tinha uma outra
colega que tinha ouvido falar desse curso. Aí, a diretora, ela vendo a minha
ansiedade de procurar uma formação, ela falou: “_Tem um curso aberto, um curso
para professor. Eu falei: _Pois me inscreva!” E me inscreveram lá, e eu nem sabia
como era a dinâmica desse curso, sabia que era para formar professores. E eu estava
sendo, trabalhando como professor, então, vai dar tudo certo. E da forma, da política
do curso, eu não sabia, como é que era, essa questão por área. (M: O edital, tu tinha
lido? Não li o edital. A única parte que eu tive acesso que teria que trazer uns
documentos, precisavam de comprovação de vínculo com o campo, com os
movimentos sociais, isso aí eu organizei. Mas lê o edital, tu acredita que eu não li,
não tive acesso. Só quando eu cheguei aqui, que eu fui entender mais um pouco,
como é que estava acontecendo isso (Tiago, estudante, entrevistado em 06/02/2019).
No relato apresentado, a formação docente é encarada como responsabilidade do
docente que está trabalhando seja para garantia do trabalho se adequando a legislação, seja
pela necessidade de melhorar o trabalho realizado, seja progredindo na carreira e melhorando
seus salários. Por isso, a busca por instituições particulares para ingressar em um curso
superior e realizar a formação em exercício, pela inexistência da oferta pelo serviço público
desde o ensino médio, o Magistério, que habilitava para a docência.
A formação de professores se tornou uma mercadoria (FREITAS, 2011) e o
pagamento passou a ser normalizado, sem questionamento algum. Os professores foram
pressionados a pagar pela formação, mesmo que seu salário de docente fosse baixo,
considerando o piso salarial e que seus vencimentos pagos a partir da sua titulação de nível
médio, pós-LDB. A oferta que se expandiu foi em universidades particulares de diferentes
denominações, muitas nem reconhecidas pelo MEC, apenas com fins mercadológicos, e
foram esses espaços que majoritariamente realizaram uma formação precarizada para os
professores do campo.
A compreensão da luta pelo direito não era estabelecida para quem atuava na
Educação Rural, nem para os professores, muito menos para os estudantes. As distâncias entre
128
as escolas e a moradia dos professores e a sede dos municípios produz dificuldades dos
professores do campo participarem ativamente dos processos de luta instituídos através do
sindicato dos professores nos municípios, bem como as pautas de luta pelas melhorias das
condições de trabalho, nem sempre agregavam as pautas dos professores do campo por
formação, consideradas pauta menor ou específica, porque a condição de ingresso na carreira
docente se constituiu na graduação, desde a LDB de 9394/96 (BRASIL, 1996) e há pautas
gerais das condições de trabalho, carreira e salários, que unificavam todos os docentes.
A qualidade das formações realizadas de forma aligeirada também não foi
problematizada pelos entrevistados porque era a única possiblidade de acesso que
vislumbravam ser possível. No caso, ser adulto, já tinha constituído família e a
responsabilidade de sustentá-la a partir do seu trabalho.
A Licenciatura em Educação do Campo em Marabá possibilitou a inserção desses
docentes que precisavam realizar a formação, mas como condição precisavam conciliar
estudo e trabalho. Não temos a estatística exata do número dos professores que adentraram no
curso que já estavam cursando outra graduação em universidades particulares, mas é um
relato de uma ampla gama de estudantes, como no relato abaixo:
[...] quando eu terminei o ensino fundamental maior, não tinha ensino médio
público no campo. Eu não queria ir para a cidade e meu pai também não queria
porque poderia dispersar e virar um pila [ladrão] ou alguma coisa assim. Era o que
ele falava, né! Aí, ele propôs de pagar o ensino médio: o magistério. O ensino médio
pago era uma vez por mês. Para quem tinha cursado o ensino médio, para ter apenas
a habilitação no magistério, fazia em um ano e seis meses. Para quem não tinha o
ensino médio, fazia em dois anos. Aí, ia todo fim de mês, uma vez por mês que a
gente ia para Jacundá fazer, ficava o final de semana. A gente estudava de sábado ao
meio dia até às seis da tarde e no domingo, estudava o dia todo, de oito às doze e de
duas às seis da tarde. Depois, veio o ensino médio público para a Vila Pajé no
SOME, e eu fiz também o público.
Pergunta: Tu fez novamente?
Entrevistado: Fiz, eu achei que não tinha contemplado o que eu tinha feito pago, e
realmente não contemplou, era só um documento só que eles dá. [...] E aí, comecei a
trabalhar pelo Mais Educação. Eu acho que acharam, que eu fiz um bom trabalho
porque quando eu estava no Mais Educação, veio o convite para eu trabalhar em
uma sala de aula mesmo, no ano de 2014. Com um ano que eu tinha encerrado o
Magistério, eu comecei a pagar uma graduação em Matemática. [...] Lá, eu tinha que
ir toda semana para Jacundá e além disso, era Educação à Distância. E quando
chegou na disciplina lá de Funções, eu não estava conseguindo compreender porque
o vídeo passava rápido e eu não tinha um professor para tirar as dúvidas porque era a
distância mesmo, não tinha nenhum monitor, nenhuma coisa assim do tipo era só o
vídeo. Esse curso eu soube pela M. E. (Egressa de turmas da Especialização de
Currículo e atual diretora da escola). Ela falou que era um curso muito interessante
para professores e pessoal que moravam no campo e não pretendiam sair de suas
comunidades e que seria bom porque a gente que tava no campo, vamos dizer assim:
não tinha outras oportunidades de entrar na Universidade pública. Então, seria um
meio de ter um curso superior e como eu já estava em sala de aula, seria bom que eu
129
fizesse. [...] o motivo que fez eu vim para a pública, um dos motivos era o financeiro
porque aqui eu não teria tanto gasto. E aí, eu decidir que seria melhor eu deixar a
particular e tentar em uma pública. E como eu conseguir ser aprovado aqui. Aí eu
fechei lá e vim para cá [...] (Paulo, estudante, entrevistado em 07/02/2019).
O relato desse estudante apresenta o esforço que sua família fez para garantir sua
formação e permanecer morando no campo. Para conseguir tal proeza, foi encaminhado para
os cursos ofertados através da EaD, desde o magistério. Apenas seu ingresso na escola do
campo, exercendo a função de professor de matemática, vislumbrou a possiblidade de acessar
a Licenciatura em Educação do Campo.
As condições descritas sobre como foi sua tentativa de realizar sua formação em um
curso superior através da EaD, ao reafirmar a precariedade ao dizer que o curso “que era a
distância mesmo”. Uma formação com pouca mediação humana, sem possibilidade de debater
sobre os conteúdos ou sanar dúvidas, condições mínimas para realização da formação
docente. O esforço individual é apresentado como requisito para fazer uma formação em
Matemática, pois justificava sua formação anterior para conseguir aprender os conteúdos da
disciplina “Funções”, mediada apenas pela tecnologia, constituída do “trabalho morto”
formatado em forma de vídeo aula.
No entanto, não foi esse o principal motivo destacado para o ingresso na Licenciatura
em Educação do Campo, sua principal motivação foi ingressar em uma universidade pública,
sem pagamento em forma de mensalidade. Outra possibilidade de interpretação estava
implícito no conceito de “universidade pública”, que remete à qualidade inerente da formação
ofertada.
A informação sobre o Processo Seletivo Especial (PSE) foi recebida por diferentes
fontes, muitos entrevistados apresentam que não fizeram a leitura do edital de seleção e que
não conheciam a proposta da Licenciatura em Educação do Campo. A inscrição foi realizada
por outra pessoa, seja familiar, diretor da escola, movimento sindical e MST, apenas uma
estudante afirma que fez sua inscrição porque trabalhava na secretaria do movimento e tinha
realizado a inscrição de outras pessoas. Por isso houve uma “tradução” realizada por quem fez
a inscrição, no qual, duas informações chamavam a atenção: era uma “formação para
professor do campo” e a outra era em uma “universidade federal”.
No relato abaixo, um familiar é apresentado como o responsável por fazer a inscrição,
a informação principal que sabiam decodificar era que um curso para formar professor do
campo. Principalmente, de quem já estavam atuando em sala de aula, sem formação em nível
superior e era em uma universidade pública. Vejamos no recorte abaixo:
130
[...] O curso eu fiquei sabendo através do meu irmão. Inclusive, ele que me
inscreveu [...] Ele é professor, ele faz parte de alguns grupos de formação da região
Sudeste do Pará, ficou sabendo desse edital que estava aberto pelas redes sociais.
Ah, ele disse que era formação para professor né. Tipo assim, na visão de quem fica
limitado só a esses processos de edital, a gente não vê muito a luta da militância; de
como se construir o curso. Aí como eu já tinha alguma experiência de sala de aula,
aí eu me interessei por fazer o curso de formação para professores. [...] pela ausência
de professor e também eu vim de família de professores, houve uma oportunidade e
eu consegui uma carga horária de 100 horas também, em sala de aula. Aí a minha
primeira experiência foi essa, sem nenhuma qualificação [...] Depois, eu vi a
necessidade de uma formação né. Aí surgiu a oportunidade (Osmar, estudante,
entrevistado em 07/02/2019).
A Educação do Campo é apresentada como “uma oportunidade”. A necessidade de
formação é justificada pela experiência de atuar como docente em uma escola do campo.
Apresenta que foi “convidado a dar aulas” e que sua escolha teve dois critérios: “ausência de
professores” e ter “vindo de uma família de professores”. Esse entrevistado apresenta que
quem fez apenas a leitura do edital não tinha elementos para interpretar o processo de
construção da Educação do Campo, que eles iriam diferenciar ao adentrarem o curso.
O edital Procampo foi divulgado massivamente pelos movimentos sociais, que
disponibilizaram, em suas secretarias, apoio na realização das inscrições de jovens residentes
nas áreas de acampamento e assentamento pela dificuldade do acesso à internet e computador,
seja conhecimento que possibilitasse realizar a inscrição através do site eletrônico. Esse
público dos acampamentos, assentamentos e comunidades rurais, demandantes desde sua
constituição, também apresentaram dificuldades na compreensão da Licenciatura.
A possiblidade de ingressar na educação superior passou a ser vislumbrada pela sua
família, que residiam em um assentamento, vinculada ao movimento sindical, apenas nesse
processo. O recorte abaixo é representante dessa situação:
Antes do ingresso do curso, eu morava em um assentamento em Jacundá. Estudava
lá, e logo depois, quando eu atuei como professora [...] Quando eu entrei no curso
mesmo, eu estava morando em Jacundá, por causa que a escola lá na Comunidade
Castanheira, fechou. A gente estudava no SOME na época, eu estava na sétima série
e é por causa da política de nucleação escolar, a escola fechou e meu pai acabou
optando por levar a gente para cidade, por comprar uma casa lá e levar os filhos,
para estudar lá. Porque primeiro fechou o SOME, lá na escola, tinha uma irmã
minha, que ainda tinha série para ela, mas ele optou que fossemos todos para lá
porque seria mais fácil, ficar todo mundo lá [...] Olha, o curso caiu de paraquedas na
minha vida. O edital foi o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, lá de Jacundá, que
entrou em contato com o meu pai. Na época, meu pai já tinha voltado para roça de
novo, como ele levou a gente para a cidade e a gente acabou indo para outro rumo,
eu me casei, e aí ele preferiu voltar para a roça. O Sindicato de lá, entrou em contato
com o meu pai e falou do curso. A minha mãe falou comigo, eu já dava aula e aí,
eles mesmos que fizeram a minha inscrição, para prova e depois, para entrevista.
(M: Mas tu já sabia do curso, o disseram que era o curso?) Nada. Eu não sabia nada.
Não me explicaram nada. Eu vim porque era um curso de nível superior, que
naquela época [cinco anos antes], a gente queria fazer um curso de nível superior
131
né, na Universidade Federal. E também, era um sonho meu e também da família
toda, da gente passar na universidade. E aí, falou que era um curso de Educação do
Campo. Mas, eu não entendi o que quê era. Aí, depois, quando a gente veio para o
primeiro seminário, que eu fui entender, assim, o básico (Helena, estudante,
entrevistada em 03/02/2019).
A migração do campo para as sedes dos munícipios para permitir a continuidade dos
estudos para os filhos é apresentada pela entrevistada a partir da problemática do fechamento
das escolas do campo, principalmente a oferta dos últimos anos da Educação Básica quando
ela diz “Fechou o SOME”. A família ter saído do assentamento para permitir a continuidade
dos estudos dos filhos é narrada pela entrevista como uma condição que seria temporária, mas
que acabou definindo os rumos da família.
Ter acesso ao ensino superior em uma universidade pública não era vislumbrado como
possível, por isso a expressão “O curso caiu assim, de paraquedas na minha vida” apesar de
ser um sonho de toda a família. A entrevistada também não vislumbrava o conteúdo da
Educação do Campo, apesar do seu pai ser membro do STTR.
O público jovem, que acessou a Licenciatura em Educação do Campo no edital do
Procampo, havia concluído o Ensino Médio, em sua maioria, nas sedes dos municípios.
Muitos jovens, oriundos dos acampamentos, assentamentos e comunidades rurais, não
conseguem acessar mais a escola porque no Ensino Médio é concomitante com o período da
juventude, um período de assumir maiores responsabilidade pelo seu sustento a partir do
trabalho agrícola e são afastados do acesso ao conhecimento científico.
Uma das estudantes contribuiu na tarefa de realização das inscrições, na seleção da
turma 2014, tendo contato com todas as informações referente a ampliação de vagas do
Procampo e ao projeto formativo da Educação do Campo. Por isso, se interessou em
ingressar, mesmo tendo outras possiblidades de formação, de cursos em outros Estados, pelo
apoio do MST. Abaixo o relato:
Foi engraçado porque assim, eu trabalhava na secretaria do MST (voluntário).
Então, desde o primeiro que teve, desses editais das turmas de cento e vinte, a gente
estava organizando. Então, a gente organizava as preparações do pessoal. Eu
ajudava o pessoal do Setor de Educação a organizar material, enfim e ajuda na
inscrição do povo também. A primeira turma de 2014, eu ainda fazia o Ensino
Médio. Aí teve a primeira turma, beleza. Quando teve a segunda turma, eu já estava
terminando o Ensino médio, né. Aí todo mundo falou: _Ah, Dina, porque tu não se
inscreve? Eu ainda fiquei assim, porque tinham as outras indicações também, para
outros cursos, só que era fora do Estado. Eu fiquei meio receosa assim, eu me
inscrevi e eu nem contei para ninguém, mas eu tinha escrito (risos). Aí, depois que
eu me inscrever lá, já estava perto do final da inscrição, aí que eu fui correr atrás das
coisas, né (documentação). Mas, eu sempre pensando em fazer um curso, que
pudesse contribuir com o movimento. E contribuir, dependendo do curso, que
pudesse dar um retorno para o movimento também. E essa área da Educação, minha
mãe sempre atuou nessa área, então eu achei interessante.
132
Pergunta: Tu já sabia qual era a proposta do curso? O que tu conhecia do curso, já
que você ajudava na organização de seleção das pessoas do MST
Entrevistada: Assim, me falaram que era formação de professores para atuar escolas
do campo. Quando eu acompanhei a preparação da turma de 2014, a turma do
movimento que eu ajudei no processo seletivo. Aí foi falado algumas coisas, do que
era o curso. Mas sempre desse perfil que era de qualificar inclusive os professores
do campo, quem inclusive, já davam aula lá, para poder melhorar a qualidade de
ensino. [...] E também que era uma formação por áreas específicas. Essa parte que
era uma formação por área especificas eu não tinha entendido muito bem. Mas
quando a gente entra no curso, a gente não sabe muito bem. Mas, a proposta que eu
sempre via, era que tinha um diálogo muito forte com o Movimento, pelo menos
aqui. E os movimentos também de Educação do Campo (Dina, estudante,
entrevistada em 06/02/2019).
Ela apresentou ter conhecimento sobre o edital, o público alvo e a constituição do
curso, bem como destaca o “diálogo muito forte com a universidade e o movimento na
Educação do Campo” e seu interesse em contribuir na educação, ingressando no curso aos
dezesseis anos de idade. Essa idade apresentou um avanço dos povos do campo,
considerando a idade de ingresso na Educação Superior, nas turmas atendidas pelo Pronera,
conforme a Figura 06 abaixo:
Figura 06 – Faixa etária dos estudantes que acessaram os níveis de ensino no Pronera.
Fonte: Relatório II Pnera (2015).
A média de idade era de vinte e sete anos para ingresso na graduação, dos que
acessaram pelos cursos do Pronera, conforme resultados da II Pnera o que demonstra uma
ampliação no direito à educação, com a redução dessa faixa etária a partir da Educação do
Campo e da expansão do acesso a Educação Superior.
39,1
41,3
29,3
25,1
32,1
22,4
20,2
22,2
27,4
32,3
29,1
EJAALFABETIZAÇÃO
EJAANOSINICIAIS
EJAANOSFINAIS
EJANÍVELMÉDIO(MAGISTERIO/FORMAL)
EJANÍVELMÉDIO
NÍVELMÉDIO/TÉCNICO(CONCOMITANTE)
NÍVELMÉDIO/TÉCNICO(INTEGRADO)
NÍVELMÉDIOPROFISSIONAL(PÓS-MÉDIO)
GRADUAÇÃO
ESPECIALIZAÇÃO
RESIDÊNCIAAGRÁRIA
133
E por fim, é preciso levar em conta que a informação do apoio à permanência não foi
expressa nos documentos do Processo Seletivo Especial. Essa informação foi divulgada
posteriormente, entre os estudantes, após o ingresso da primeira turma com financiamento de
apoio a permanência. Apenas uma entrevistada apresenta que obteve essa informação no
assentamento. Segundo ela:
Quando ingressei na faculdade, morava em um assentamento do Movimento Sem
Terra em Mosqueiro, perto de Belém, nele morei por durante dezessete anos. Há
dois anos, eu tive que mudar de localidade. Eu fui morar na Ilha do Marajó, onde eu
moro hoje por causa de uma separação conturbada, meus filhos e meu ex-marido,
permaneceram no assentamento. Nesse assentamento, a gente tinha nossa terra, eu
sempre quis muito estudar né. [...] Na verdade eu soube desse curso, não tinha
conhecimento que tinha o curso de Educação do Campo, quando eu soube foi uma
noite, no outro dia já é o último dia da inscrição. Eu soube por uma senhora que
morava lá, que ela fez Pedagogia da terra e era militante do movimento, como eu
sempre tive muita vontade de fazer uma faculdade, mas não tinha condição
financeira, só fui fazer a inscrição porque ela me disse que seria dois anos, que eu ia
estudar sem precisar pagar nada, para me manter aqui porque eu vim de uma cidade
longe. Aqui em Marabá, a primeira vez que vim, foi quando eu vim fazer a prova
(EE7, estudante, entrevistada em 25/02/2019).
A entrevistada justifica que só fez sua inscrição após obter essa informação porque
apesar do sonho de estudar, não vislumbravam as condições reais para permanência na
Universidade. Ela residia há seiscentos e noventa e cinco quilômetros de distância de Marabá
e cento e oitenta e sete quilômetros de Abaetetuba, outro campus onde também seria ofertado
o curso. Mas o acesso a essa informação, bem como a divulgação realizada pelo movimento, a
fez interessar por estudar em Marabá.
Outros movimentos também passaram a divulgar o processo seletivo especial entre
seus membros, e ingressaram estudantes vinculados ao MAB, Movimento das Quebradeiras
de Coco Babaçu (MIQCB), Movimento pela Soberania na Mineração (MAM), entre outros.
A Licenciatura em Educação do Campo em Marabá também passou a entrar no
horizonte dos povos indígenas que vivem no sudeste do Pará. O acesso desses povos à
universidade na graduação era um desafio resultado da sua histórica luta, para ingressar a
partir de políticas afirmativas, que se constituiu a partir da institucionalização do Processo
Seletivo Especial para Indígenas e Quilombola em 2010, com cota reservada em todos os
cursos, aumentando o ingresso dos indígenas na UFPA. Mas também foi potencializada, na
constituição dos Processos Seletivos Especiais defendidos pela Licenciatura em Educação do
Campo e pelo curso de Etnodesenvolvimento, em Altamira, que constituíram em 2009, o
debate de constituição desses processos.
Na Licenciatura em Educação do Campo em Marabá, acessou o curso, em 2011, uma
estudante casada com um indígena, residente na Aldeia Parkatejê, no município de Bom Jesus
134
do Tocantins. Em 2012, dez indígenas se inscreveram, mas não foram aprovados,
principalmente na redação pela dificuldade com a língua portuguesa, sua segunda língua;
tendo sua associação, questionado formalmente o colegiado do curso, quando a exigência da
prova de redação em língua portuguesa, para ingresso.
Com a ampliação de vaga do Procampo, em 2014, ingressou o primeiro estudante
indígena da etnia Kaiapó, residia na aldeia Gorotire, dentro do Parque do Xingu, dentro da
abrangência de dois municípios: Ourilândia e Cumaru do Norte. Em entrevista, ele relata
como ficou sabendo do processo seletivo especial:
Foi uma técnica da Funai. Ela é amiga do meu pai (Cacique da Aldeia). Ela
perguntou para o meu pai: _Tu tem um filho que está terminando o terceiro ano do
Ensino Médio? Ele falou: _Sim, tem o meu filho. Aí eu já tava quase terminando o
Ensino Médio. Aí, como abriu o curso, aí a FUNAI lá me chamou: _Olha, abriu um
edital assim para Educação do Campo. Aí tinha que perguntar: _ Qual seria a
possiblidade lá dentro? Qual é o que eu posso fazer lá dentro do curso? Qual a
importante? Ela falou: _Não, o curso é voltado para a realidade do Campo, mas
mesmo assim, faz parte também da Educação Indígena. É melhor para tu fazer![...]
Aí ela me ligou. Tu está interessado em fazer o curso de Licenciatura em Educação
do Campo? porque é bom para você. Eu falei: Tem que fazer porque é bom.
Pergunta: Mas o que você sabia assim do curso?
Resposta: Ela falou assim para mim. É um vestibular! Eu falei: Cara, vai ser bom
demais, um vestibular. Eu vou tentar fazer porque o meu sonho era entrar numa
faculdade. Eu fiz a inscrição. Aí vim para cá fazer. [...] Aí em 2012 fui e fiz a prova
e não consegui passar na prova. Em 2013 passei, para o entrar em 2014. Agora eu tô
aqui, terminando o curso (Mebengokre, estudante indígena, entrevistado em
06/02/2019).
Outro elemento importante destacado foi a questão linguística; sendo a língua
portuguesa sua segunda língua, isso também constitui uma barreira de acesso. A técnica da
Funai constituiu um canal de informação para os indígenas. Ser um “vestibular” foi o que
motivou seu ingresso, a princípio, no curso. No entanto, seu acesso ao ensino superior foi
constituído anteriormente. Teve acesso a educação básica, fora da aldeia, mas por ser criado
para ser uma liderança, e fazer a mediação entre o mundo dos “kupén” (não indígena) e os
indígenas, na busca pelos direitos do seu povo, e seu tio, como professor bilíngue da aldeia,
contribuiu na sua formação, lhe ensinando as duas línguas: português e a Mebêngokre, sua
língua mãe.
Mebengokre analisa que seu ingresso abriu caminho para que outros jovens indígenas
enxergassem na Educação do Campo, como espaço também dos povos indígenas:
No primeiro período, não tinha conhecido ninguém. Aqui por perto, tinha só os
Gavião, né. Aí eu fui entrando em contato com eles também. Me aproximando com
eles. E hoje eu faço muitos colegas também com os parente Xikrin, Gavião,
Parakanã, Aikewára. Que inclusive, eles estão no curso também, Aikewára,
Parakanã, Suruí, então essa é uma visão que eu estou fazendo para o parente
135
indígena. Tanto que eu falei dos nomes aí, hoje eles estão aí fazendo o curso
também. Eu acho que é uma contribuição assim, de eu mesmo vim aqui. Depois,
eles me vendo fazendo o curso, eles começaram a gostar de fazer: _“Nossa, você
está fazendo, porque eu não fazer?” Acho que essa é a intenção dele. _ “Então, ele
é o primeiro, único! Eu quero fazer também! Então, hoje tem aproximadamente uns
seis, sete indígena, não do meu povo, outras etnias fazendo (Mebengokre, estudante
indígena, entrevistado em 06/02/2019).
Posteriormente, aumentou o número de inscritos de jovens indígenas, oriundo dos
diversos povos, na Licenciatura em Educação do Campo. Em 2019, durante a pesquisa, dez
estudantes indígenas estavam cursando, depois do Procampo, além de muitas mulheres,
casadas com indígenas e que residem nas aldeias. O ingresso de estudantes quilombolas,
residentes em áreas próximos a capital, Belém, em número reduzido, mas que pelas
dificuldades financeiras e distâncias, apenas uma estudante permaneceu no curso.
O Procampo provocou uma diversificação da origem dos estudantes, o ingresso de
indígenas e quilombolas, camponeses, jovens das áreas de acampamento e assentamento,
vinculado ao movimento sindical e ao MST, ao MAB, ao MIQCB, outros movimentos que
passaram a enxergar na Licenciatura como espaço formativo importante a ser disputado.
Houve o ingresso de um número significativo de professores que já estavam em exercício nas
escolas do campo, adultos, com família constituída e filhos pequenos, que precisavam
conciliar a formação com o trabalho.
A demanda pelo curso em Marabá, por estudantes residentes em áreas distantes até
500 quilômetros da sede, e dos Estados do Maranhão e Tocantins. A Figura 07 representa, em
um mapa com a espacialização da origem dos estudantes:
136
Figura 07: Distribuição geográfica dos estudantes da Fecampo/Unifesspa
Fonte: Rodrigo Muniz (2020).
Podemos concluir que a ampliação qualitativa e quantitativa da Licenciatura em
Educação do Campo no Campus de Marabá foi resultado do acesso ao Procampo. Essa análise
também pode ser demonstrada comparando os dados quantitativos das turmas ofertadas,
conforme a Tabela 03:
Tabela 3. Quantidade de estudantes ingresso no curso de 2009 a 2017
ANO DE INGRESSO Nº DE VAGAS
OFERTADAS
Nº DE INGRESSANTES
2009 30 30
2010 40 40
2011 40 39
2013 50 49
2014 120 109
2015 120 120
2016 120 120
2017 56 56
2018 60 60
2019 66 66
Total 702 689
Fonte: Pesquisa de campo, Secretaria da Fecampo/Unifesspa (2019).
137
Nos três primeiros anos de funcionamento de 2009 a 2011 foram ofertadas 40 vagas
anuais. Em 2012, houve um aumento, ofertando 50 vagas. As 120 vagas anuais do edital
Procampo foram ofertadas durante três anos, no período de 2014 a 2016. A partir de 2017, o
curso definiu a oferta de 60 vagas anuais, no entanto, com a política instituída de reserva de
cotas para Indígena e Quilombola, percentual expresso nas ações afirmativas adotadas pela
Unifesspa, perfazendo o total de 66 vagas, com o ingresso de duas turmas anuais.
Realizamos o registro fotográfico da recepção dos estudantes na abertura do Tempo
Universidade, em janeiro de 2016. Essa ampliação pode ser verificada nas Imagens 01, 02 e
03 e 04 abaixo:
Imagem 01 - Café Camponês para recepção dos estudantes.
Fonte: Maura Pereira dos Anjos, registro pessoal (2016).
138
Imagem 02 - Aglomeração de estudantes no auditório
Fonte: Maura Pereira dos Anjos, registro pessoal (2016).
Imagem 03: Auditório – Recepção aos estudantes
Fonte: Maura Pereira dos Anjos, registro pessoal (2016).
139
Imagem 04 - Mística de Abertura
Fonte: Maura Pereira dos Anjos, registro pessoal (2016).
Concluímos que outra repercussão do edital Procampo no processo de
institucionalização da Licenciatura em Educação do Campo foi a divulgação massiva que
alterou significativamente o reconhecimento da universidade pública como “locus” de
formação de professores do campo, contribuindo na desnaturalização da formação como
mercadoria para os docentes em exercício nas escolas do campo e como espaço de direito para
esses povos.
A presença de todos os estudantes na Universidade, pelo quantitativo, bem como a
participação intensão dos movimentos sociais também produziu visibilidade a Educação do
Campo dentro do Campus de Marabá. A avaliação e os significados no processo formativo,
bem como o movimento dialético de inclusão e exclusão desses educadores constituiu a
análise dos capítulos cinco e seis desse trabalho.
3.3. Expansão no quadro docente e diversidade de formação dos professores
Analisamos nesse tópico, a expansão promovida do quadro docente, a partir da análise
dos docentes entrevistados na pesquisa. O quadro de docentes efetivos foi constituído em dois
momentos. No primeiro momento, no período de 2009 a 2011 com as dez vagas instituídas
pelo REUNI e de 2014 a 2017 com as vagas do Procampo. Os primeiros semestres foram
realizados com a contribuição de docentes das Faculdades de Agronomia, Pedagogia e Letras
e outros docentes parceiros do Frec como colaboradores que propuseram a sua criação, pois a
140
primeira turma iniciou-se em julho de 2009. Os docentes entrevistados todos ingressaram a
partir do edital Procampo.
Os docentes entrevistados realizaram os concursos públicos das vagas ofertadas no
Procampo. Na Licenciatura, eles foram realizados para potencializar as quatro áreas do
conhecimento ofertadas na Licenciatura em Educação do Campo e por isso se tornou mais
diversificada também a formação exigida aos docentes. Discutiram, nas entrevistas, o acesso
às informações sobre os concursos e suas motivações para a inserção na Licenciatura. Para a
análise desse tópico foram categorizadas, a partir da migração realizadas em busca de estudo e
trabalho, a realização da formação em nível de graduação e Pós-graduação, bem como as
experiências de trabalho e aproximação ou não com a Educação do Campo, bem como as
motivações para ingressar na Licenciatura em Educação do Campo.
Construímos uma análise apoiada no estudo realizado por Sguissardi e Silva Junior
(2008) sobre o trabalho docente no ensino superior a partir de um analise da intensificação do
trabalho docente e de uma “nova sociabilidade produtiva” induzida pelas políticas da
avaliação da pós-graduação no país se configurando em um produtivismo acadêmico centrado
na individualidade do pesquisador e na concorrência entre as agências formativas.
Um grupo de docente entrevistados apresenta desde sua formação a luta pelo direito a
educação, principalmente se vinculando ao projeto por sua história como camponeses, pelas
dificuldades enfrentadas para ter acesso à formação ou através de sua vinculação ao Campus
de Marabá, seja pela graduação ou pela atuação na construção da Educação do Campo, a
partir dos cursos do Pronera.
Uma das entrevistadas apresenta sua formação inicial em Pedagogia, como curso
intervalar, realizado pelo Campus de Marabá, na cidade de Xinguara. Foi à única que
conseguiu acesso a Universidade Pública, dentre os irmãos. Ela relata que:
Então, eu terminei a graduação porque na verdade, eu fiz a graduação em Xinguara,
também, intervalar. Foi a primeira turma de Pedagogia lá. Então, eu só conseguir
finalizar meu curso porque toda Etapa que eu ia, tinha um rancho que meu pai
preparava um rancho (compra). E nesse rancho, às vezes era um saco, aquele saco de
fibra, às vezes ele mandava dois sacos de rancho, para eu ficar os dois meses lá.
Então, tudo que era de alimento não perecível, eu levava. E levava um trocadinho,
para comprar legume, carne, essas coisas. Mas foi justamente o trabalho na
agricultura, que fez com que eu tivesse condições de ter acesso ao estudo. Então, dos
dez filhos, eu fui a única filha, que cursou universidade pública, né! Tem outra que
cursou uma universidade particular. Então fora eu, caraca, isso é grave!! Dos dez
filhos, nenhum outro curso universidade pública. Mas assim, eu sou a quinta filha,
então eu acabei tendo certa proteção, né. Então, isso acabou conspirando também
(Dandara, docente, entrevistada em 08/02/2019).
141
Sua origem em uma família migrante, que constituiu sua sobrevivência no vínculo
entre o garimpo e o trabalho na agricultura, faz apresentar sua trajetória de acesso à Educação
básica:
Sou filha de agricultores. Então a minha trajetória está muito relacionada, é muito
semelhante com a trajetória de muita gente, que veio para cá em busca de terra, né,
que foi trabalhar na agricultura e a agricultura era a principal forma de sustento. Os
meus pais trabalharam um tempo na área de garimpo, mas sempre articulando a
questão da agricultura com garimpo. Então, uma família de agricultores, éramos dez
filhos, uma família muito grande. Aí chega um dado momento que a minha mãe se
impôs, no sentido de dizer assim: Olha, está todo mundo crescendo, os meninos
estão crescendo, não tem acesso a escola, a gente precisa pensar outra forma de se
organizar. Esse posicionamento da minha mãe foi com quem fez que a gente saísse
da área rural, na verdade, saísse não, né. Fosse para a área urbana. Então, um dos
bairros, lá em Curionópolis, nos bairros que estavam começando, que era o bairro da
Paz. E aí, o meu pai comprou uma casinha lá e a gente ficava então, sempre nessa
história de um lote e na cidade. Aí a família fracionada, né. Então, o pai ficava no
lote, trabalhando e a gente ficava na rua, estudando. Então, no final de semana era
todo mundo no lote. Férias era todo mundo para o lote! Então, durante muito tempo
foi assim. Na verdade, todo meu ensino fundamental, foi nesse lá e cá. O Ensino
Médio também foi nesse lá e cá. E na graduação também (Dandara, docente,
entrevistada em 08/02/2019).
Após justificar os vínculos com o campo, apresenta sua experiência profissional, a partir
do contato com os sujeitos coletivos que atuavam na assessoria e como movimento de
Mulheres. Ela destaca as várias experiências formativas anteriores, a convivência com os
sujeitos coletivos que foi lhe apresentada à temática do campo como luta política e as bases da
Educação do Campo:
Então, assim, antes da Licenciatura em Educação do Campo, eu estava no IFPA
Campus Rural, também como professora de Educação do Campo. Na época, era
isso, a vaga lá no IFPA, era professora de Educação do Campo. Tem uns elementos
assim anteriores, que eu acho interessante registrar porque assim quando eu tava em
Xinguara (fazendo a graduação em Pedagogia). Eu passei a ter contato com CPT. Eu
passei aí para algumas formações da CPT, a conviver com Freire Henri (Henri des
Roziers), e com outros agentes da CPT. No último ano da Pedagogia, eu casei e fui
morar em Conceição do Araguaia. Em Conceição do Araguaia, aí eu tive contato
com o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e com Sindicato de Conceição
do Araguaia. Na região do sul do Pará é a referência, é o sindicato, né. Então, se tem
uma história muito interessante de resistência, uma história bem combativa. Então, a
minha inserção no Movimento de Mulheres, acabou trazendo forte para mim, essa
temática do Campo. Até então... Eu avalio hoje que eu acabei internalizando essa
versão ao campo porque assim mesmo filha de agricultor, sendo sustentada por esse
trabalho, eu negava. Eu não falava que meu pai era agricultor, eu falar outra coisa,
entendeu! Então, o contato com os sujeitos coletivos, sujeitos coletivos mesmo né!
Porque o movimento de mulheres, o sindicato, a CPT, foi o contato com esses
sujeitos coletivos, que fez com que percebesse que eu também vivia uma grande
contradição, né! De negação desse campo, da minha história, da minha identidade
(Dandara, docente, entrevistada em 08/02/2019).
142
Foi essa atuação que permitiu o contato com o projeto formativo na Licenciatura em
Educação do Campo, atuando no Campus Rural de Marabá e depois realizando o concurso
público para a Unifesspa em 2015.
E a partir daí, que a temática campo, passa a ser uma temática relevante para mim.
Foi o que me inspirou a ir para o mestrado em Belém, foi o que me inspirou, depois,
o que me inspirou também, a vir para o Campus Rural Marabá também. [...] Eu
fiquei dois anos, na Assistência Técnica e Extensão Rural. Eu fiquei em São Félix
do Xingu. Eu fiquei dois anos. Aí depois eu saio de lá, para ganhar o meu primeiro
filho, né. Aí, eu tinha feito um concurso para o IFPA Campus Rural. Porque assim,
qualquer pessoa que olhasse a proposta do Campus Rural Marabá, né, ia dizer assim:
Cara, isso aí é maravilhoso!!! Uma proposta pedagógica única, negócio fora do
Normal, então assim, quando eu li a proposta pedagógica do Campus Rural Marabá,
eu me encantei. E eu realmente, fiquei durante um bom tempo, lá em São Félix do
Xingu, com o nome do Campus Rural, fixado na parede, como horizonte que eu
queria estar, né!!! O lugar que eu queria estar!!! Lá, também eu trabalhava, trabalhei
um pouco na Licenciatura em Educação do Campo de lá e fiquei boa parte do tempo
na coordenação da especialização do Saberes da Terra né [...] Foi 2015, no primeiro
semestre de 2015. Acho que em maio ou junho por aí em fiz o concurso e vim para a
Unifesspa (Dandara, docente, entrevistada em 08/02/2019).
Outra entrevistada, que nasceu na região, destaca em sua trajetória a memória das
safras da Castanha-do-Pará, que alterava o cotidiano das cidades pois os homens passavam
vários meses no trabalho de coleta desse fruto nas matas, de onde extraia a maior renda das
famílias:
Nasci em Itupiranga. Nesses meses que os homens iam para o castanhal, ficava uma
cidade de mulheres e crianças. Praticamente né, mudava, ficava uma cidade só
mulheres e crianças. Os homem estão todos para o meio da mata. Foi nessa dinâmica
que nós crescemos, né. Então, nesse período, chegou em Itupiranga, um grupo de
padres, que já era desse Teologia da Libertação, né. E eu cresci também ali, no meio
deles. Cresci ouvindo celebrações que falavam das coisas da região. [...] Então,
tinha aquele pé na comunidade, das tradições... minha comunidade era [..] (Miha,
docente, entrevistada em 16 de fevereiro de 2019).
Sua memória como infância destacava a convivência com os padres e feiras, que
vieram para a Amazônia, a partir da Teologia da Libertação, realizando o trabalho nas
Comunidades Eclesiais de Base (CEB) na atuação da Igreja Católica em sua vertente da
Teologia da Libertação. A temática da ausência do direito a educação também foi destacada.
A descrição da ausência de um sistema de ensino municipal, nos anos de 1970, apresentando
um relato em quais condições acessou a escola. Ela relatou:
Eu fui expulsa da minha cidade [...] quando fala expulsa pela negação dos processos.
Eu fiz sexta série duas vezes e não valeu para Seduc. (Eu estudava junto com a
minha mãe porque a minha mãe estudou até a 4ª série e parou porque não tinha mais
para onde estudar!). Tinha um grupo de mulheres, um grande grupo de pessoas, que
tinha estudado até a quarta série e que tinha acabado (não havia os níveis de ensino).
E aí, vamos montar a turma, vamos montar a turma de sexta série. Eu estudei com o
Secretário de Educação, com os meus professores, isso eu, menininha. Eu terminei a
quinta série, fomos fazer a sexta. Todo mundo junto estudando. Manda para Seduc,
a turma teve tudo, tudo que a Seduc pedia: _Língua estrangeira (Francês, o meu
143
francês, eu fui para França, era esse Francês da escola, da sexta série. Eu fiz dois
anos porque eu fiz duas sexta série [...] Era uma Freira que chamava Irmã Silvia,
[...]. Ela que ensinou nós, na cidadezinha lá), Técnicas Agrícolas, teve OSPB, teve
artes, que não chamava artes, era educação artística. Todas as disciplinas que
precisava para sexta série, teve!!!. Aí todo mundo passou e tal. Fizeram todos os
boletins e a Seduc não aceitou. Então, não deu certo. Acertaram lá (em Belém) a
forma da Seduc analisar o nosso processo e disseram: _ “Vamos fazer tudo de novo!
Nós fizemos tudo de novo, do mesmo jeito!”. Os mesmos professores, as mesmas
disciplinas! Mas para mim foi bom, eu aprendi o Francês, quer dizer, aprendi um
pouco. Aí, foi de novo para a Seduc aí a Seduc não aceitou de novo. A mamãe me
tirou. _ “Não, eu vou ficar no mesmo, não tenho como sair, mas tu vai para Marabá!
Tu vai para continuar a estudar!” E eles voltaram a estudar, até que a Seduc depois,
regularizou o ensino (Miha, docente, entrevistada em 16 de fevereiro de 2019).
Nas sedes dos municípios do sudeste do Pará, na década de 1970, não havia um sistema
público de educação constituído, apenas a primeira a quarta série do ensino fundamental.
Outro agravante era que os municípios que constituísse turmas de ensino fundamental, a
escolarização de 5ª a 8ª série, na nomenclatura da época, tinha seu processo pedagógico
desenvolvido, era conferido e certificado, com base nas exigências burocráticas para
certificação pela Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) em Belém, capital do Pará.
Os critérios estabelecidos para certificação e a lista de disciplinas para o ensino
fundamental, incluía as obrigatórias instituídas pela ditadura militar: Organização Social e
Política Brasileira – OSPB e Educação Moral e Cívica, Técnicas agrícolas, Educação artística.
Ela relata os entraves para realização desse processo, distante mais de seiscentos quilômetros
da instituição que realizaria o ensino. Constitui um retrato do descaso do governo no Pará
como a educação das populações do campo e cidade porque não era entendido como um
direito, mas constituía em um privilégio.
Percebemos na fala da entrevistada o destaque para o acesso a língua estrangeira, o
Francês. As freiras, que vieram atuar na formação das CEBs, não se limitavam ao trabalho
pastoral, elas também contribuíram como professoras, na formação dos jovens das cidades
circunvizinhas porque eram tinham conhecimentos considerados aptos para lecionar.
Ela destaca a migração em diversos momentos, para acessar sua escolarização, pela
ausência de escola de ensino fundamental. Ela destacou as condições em que conseguiu
estudar:
E aí, eu vim para Marabá porque não tinha o que fazer, não tinha onde estudar! Não
tinha perspectiva! Me mandou primeiro para Marabá, para terminar primeiro o
fundamental, para depois vê o que iria fazer, né! Aí, eu vim para Marabá para morar
com os outros, né, na casa dos outros. Primeiro não era parente, depois eu morei
com meu padrinho, depois minha tia, expulsa pela Hidrelétrica de Tucuruí porque
ela morava em Jacundá velho e foi expulsa e veio morar em Marabá. Mas só que
minha tia tinha dezoito filhos. Nós éramos vinte e cinco pessoas para comer um
quilo de carne. Minha família e a família da minha tia passava muita dificuldade.
[...] Então, foi difícil, não foi fácil. Aí eu fiz o ensino médio, entrei no ensino médio
144
aqui. (em Marabá) [...] Depois, apareceu uma oportunidade de eu ir para Belém, o
meu primo já estava lá. Olha as contradições da vida, meu primo tinha passado para
sargento da Aeronáutica. _Ave, Maria, era uma autoridade na minha cidade! Então,
como ele tinha uma condiçãozinha melhor, os primos irmãos todos foram morar
com ele em Belém. E eu fui, fiz o último ano do Ensino médio em Belém. Depois,
eu entrei na universidade. Fui morar com outra tia, era muito mais pobre porque ela
foi funcionária... era professora leiga do Estado. E ela, ela ganhava um salário de
miséria! Ela tinha oito filhos. [...] Mas valeu a pena, eu quase desisto do curso
porque a dificuldade que eu vivia era grande [...] Mas eu não me arrependo. Eu
gostei demais do meu curso! O movimento estudantil para mim foi maravilhoso. Me
inserir no movimento estudantil, eu participava do “Pula Roleta”, das Marchas dos
Estudantes até São Brás! A sociologia para mim foi muito legal. Foi muito
importante na minha vida! Mas é uma coisa que eu venho lá da Teologia da
Libertação. Aí eu digo, eu me encontrei no curso de Ciências Sociais! Meu avô
queria que eu fizesse direito, aí eu fiz o primeiro vestibular para Direito, mas eu não
passei. Depois eu fiz para Ciências Sociais e daí passei. Eu sou Socióloga. Me
chamo Socióloga. Eu fiz o curso de Ciências Sociais, lá em Belém, me formei em
1988. Eu fiz os dois: bacharel e licenciatura! E em 1989, eu fiz a Licenciatura. Meu
bacharel eu fiz em 1998, fiz mais um ano de pedagógica, aí fiz a Licenciatura. E em
1990, eu vim para Marabá, quando terminei. Eu trabalhar na Emater, em Belém aí
eu tive que esconder o contrato porque a minha formação e a minha postura crítica
incomodava.[...] Então eu acabei saindo, eu pedi licença para trabalhar aqui na
região, quando eu me formei. Eu vim trabalhar no Cepasp – que é o Centro de
Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular. E eu vim trabalhar no primeiro
assentamento dessa região que foi o Araras (Miha, docente, entrevistada em 16 de
fevereiro de 2019).
Estudar se deu com o “incentivo da mãe” e “com a ajuda de muitas pessoas da família”,
em meios a muitas migrações, em várias cidades do Estado. Fez o ensino fundamental na sede
do município em Itupiranga. Continuou o ensino fundamental e iniciou o ensino médio em
Marabá. Concluiu o ensino médio em Belém, onde também fez sua graduação em Sociologia
na UFPA. A solução encontrada pela sua família foi realizar as diversas migrações,
mobilizadas pela negação do direito a educação.
A possiblidade para continuar sua formação no mestrado foi apresentada como
resultado do seu trabalho em entidades de assessoria ao movimento sindical. Foi indicada para
cursar o mestrado na França, a partir de um projeto interinstitucional:
O mestrado é interessante. Como eu trabalhava no Cepasp, conheci todos esses
grupos, participava das discussões do CAT. A partir dessa relação, teve um projeto
grandão, que era Internacional e interinstitucional que era para discutir o avanço da
pecuária na Amazônia Continental. E eles estavam procurando pessoas que tivessem
esse debate, na região. Eles já tinham pessoas da área da Agronomia, das Ciências
Biológicas, Antropólogos e tal, de outras áreas Eles queriam alguém daqui da
região, das Ciências Sociais que tivesse essa inserção nesse grande movimento local.
Eu tinha trabalhando muito na época do CAT, aí me indicaram para fazer parte desse
grupo. Era um grupo que ia fazer essa pesquisa, mas que dentro da pesquisa, tinha
um processo de qualificação, de formação, que a gente ia poder fazer a pós-
graduação. O CIRAD, uma instituição francesa e eu fui fazer essa pesquisa: no Peru,
na Argentina, no Brasil, aqui nessa região e no nordeste paraense e no Equador. Nos
fomos percebendo essa dinâmica da expansão da pecuária. E depois, eu fui para
França [...] Eu me lembrando da minha sexta série, dos dois anos de francês, não, eu
145
vou para a França. Claro que meus dois anos de Frances não foram suficientes, mas
me deram uma base muito boa. E aí foi bom demais. Eu vim para o Brasil para
fazer a pesquisa, eu fiz a minha pesquisa em Uruará, eu tinha feito a pesquisa do
projeto em Uruará e eu tinha acumulado bastante dados sobre a participação das
mulheres na pecuária e de como a pecuária foi importante daquela região ali, para os
pequenos agricultores. Eu visitei as comunidades de lá, nos lotes, eu conversei e
dialoguei. Então meu trabalho de mestrado foi nessa linha (Miha, docente,
entrevistada em 16 de fevereiro de 2019).
Seu trabalho permitiu sua inserção nas atividades desenvolvidas no Programa CAT, já
descrito no capítulo dois, e a relação com uma rede de pesquisadores internacional, que
atuavam na Amazônia, permitindo as condições de fazer o mestrado na França como bolsista
de uma instituição, como parte de uma equipe de pesquisa interinstitucional.
Outros docentes apontam também sua origem migrante. A migração para Marabá, para
estudar a graduação com a criação dos cursos de Licenciatura ofertados no período regular em
Marabá. No qual teve contato com a formação ofertado no curso Pronera Letras. O estudo na
graduação e sua atuação na condição de bolsista, foi apresentado como os espaços formativos
que permitiram vivenciar o ensino, pesquisa e a extensão com assentados na Educação do
Campo. Depois, direcionar sua atuação para a formação:
Eu sou de Goianésia do Pará. Eu sou natural de Imperatriz, como quase sessenta por
cento da população da região de Marabá, né. Mas eu vim aos seis anos de idade e
cresci em Goianésia. Aí vim para cá, para fazer universidade, a graduação e fiquei.
Durante a minha graduação. Minha experiência de trabalho de trabalho remunerado,
primeiro eu tive iniciação científica, então, a minha primeira experiência como
bolsista de pesquisa foi no Núcleo de Estudo Linguísticos e Literários
(NUCLEART), no curso de Letras, onde eu fazia pesquisa no campo da
Etnolinguística e cultura popular e produção discursivas, que foi orientado pelo
professor C. F.. Ali o foco era pensar a formação discursiva, aspectos culturais a
partir de uma festa religiosa. [...] Aí, depois, em 2006 foi implantado o curso de
Letras Pronera. Aí eu fui bolsista também, era bolsista administrativa e também de
pesquisa. A professora N. orientava muito nesse sentido, aí então eu fui bolsista do
curso de Letras Pronera trabalhando sobre práticas de letramentos, história de
letramento dos estudantes do curso. Primeiro, eu tinha um projeto do curso de
Letras, que a coordenadora realizava que era: História de Letramentos. A gente
utilizava a metodologia de estudo de caso, de entrevistas individuais e depois, cada
uma das bolsistas, nós éramos três, tinham suas pesquisas individuais. Eu caminhei
para história de letramento de mulheres de um Acampamento do MST. Aí, depois eu
continuei trabalhando no curso até o final, até o penúltimo ano, enquanto eu estava
na Universidade acabou a bolsa de iniciação científica. Eu defendi o TCC e
continuei trabalhando como técnica, desse mesmo curso. Aí, eu tive a minha
primeira experiência como professora no ensino superior, que eu ministrei algumas
disciplinas no curso de Letras Pronera, que era como se fosse horista, você era
contratada para dá uma disciplina [...] (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
A experiência no trabalho docente da educação básica foi curta e intensa, a
entrevistada apresentou que atuou em vários níveis de ensino, no período de dois anos. Atuou
como professora substituta no curso de Letras no Campus de Marabá, ao mesmo tempo,
trabalhou na formação de professores, no Programa Gestar instituído pelo MEC.
146
Mas antes de ingressar na Universidade, eu fui professora de educação básica. Eu
trabalhei com Educação Infantil, 1º ao 5º ano e trabalhei de 6º ao 9º e trabalhei com
EJA. Muito rápido, foram dois anos que eu trabalhei com todos os níveis, antes de
entrar aqui em 2013. Aí, logo que eu sair daqui, sair da função de técnica do
Pronera, eu voltei para minha cidade, que eu já tinha feito concurso público para lá,
e fui trabalhar novamente de 6º ao 9º e com formação de professores. Era naquele
programa GESTAR, não sei se você tomou conhecimento, que era um programa
para formação de professores de 1º ao 5º ano, nas áreas de matemática e linguagens,
era esse o foco. Aí, no mesmo ano, abriu o concurso para professor substituto no
curso de Letras aqui. Então em 2008 e 2009, eu fiquei trabalhando com formação de
professor de Educação Básica e trabalhando aqui como professora substituta no
curso de Letras. Aí já ministrei disciplina para turma toda, né. Então, tinha quatro
disciplinas por semestre. Eu fiquei até, em 2008 e 2009. Aí, em meados de 2009, foi
criado o Campus Rural de Marabá, ia ser a Escola Agrotécnica de Marabá, mas aí.
foi criado o IF, e aí teve o primeiro concurso para professor substituto. Eu fiz e
passei também, só que como eu estava terminando o contrato aqui. Então não fiquei
lá, como substituta, foi o segundo lugar que assumiu. Mas eu fui convidada a ajudar
a construir o curso de Técnico em Agroecologia dos Povos Indígenas, e aí fiquei
ministrando disciplinas na Licenciatura em Educação do Campo, que o IFPA
também começou mais como projeto, que era Pronacampo, não era ainda
institucionalizado também não. Aí então, eu fiquei um semestre, fazendo visita às
aldeias, construindo diagnóstico e elaboração do projeto. Era uma equipe de cinco
ou seis pessoas, que era coordenada pela professora I. Aí elaboramos o projeto desse
curso (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
O motivo de ter feito o concurso para atuar na Licenciatura em Educação do Campo,
também veio da sua atuação no IFPA CRMB, na constituição do curso de Ensino Médio
Técnico em Agropecuária com ênfase em Agroecologia, na primeira experiência com povos
indígenas e na Licenciatura em Educação do Campo naquela instituição:
Aí, no mesmo período, fiz a Seleção para a Especialização em Educação do Campo
que a UFPA, Campus Marabá ia ofertar, mas também estava fazendo a seleção para
o mestrado na Unicamp. Então, eu fiquei basicamente seis meses trabalhando no
Campus Rural, eu ministrei duas disciplinas na Licenciatura em Educação do
Campo de lá. E aí, fui para o mestrado em 2010, fiquei em Campinas, fazendo as
disciplinas. Quando foi em 2010 abriu o concurso para efetivo do IF aí eu passei. Aí,
2011, eu fiquei em finalizar duas disciplinas, preparar o texto para qualificação e
assumir no Campus Rural. Então, no início de 2011, eu já era efetiva do Campus
Rural de Marabá. E lá eu atuei principalmente na coordenação desse curso Técnico
em Agroecologia para os Povos Indígenas, era nove povos da região atendidos e
disciplina de Língua Portuguesa no curso Técnico em Agropecuária. Mas acabava
fincando mais no Agroecologia porque estava na coordenação, e ainda nas
disciplinas que ministrava. E também disciplinas na Licenciatura. Aí, fiquei lá 2011
a 2013. No fim de 2013, abriu o concurso para professor na Licenciatura em
Educação do Campo, quando foi em fevereiro teve o concurso daqui. Aí em maio de
2014, eu assumi na Unifesspa, na Licenciatura em Educação do Campo (Inês,
docente, entrevistada em 18/02/2019).
Sua formação foi constituída concomitante ao seu trabalho como docente. Enquanto
trabalhou na docência, fez seu mestrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e
o doutorado em Linguística na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) trabalhando.
Ingressou na Fecampo em 2014, e obteve uma licença de estudo parcial para escrita da Tese.
147
Encontramos semelhanças nos processos formativos de estudo e trabalho no relato da
docente indígena da etnia Kaingang. Ela fez a seleção para docentes em 2010, foi aprovada
em segundo lugar, não adentrou pelo limite de vagas do Reuni, ingressando posteriormente
como professora substituta:
Meu nome é Fátima, não tenho o nome indígena, né, mas sou da etnia Kaingang no
Estado de Santa Catarina. Tenho o magistério, né, fiz o curso de Magistério e
ingressei depois, já lecionando em escola indígena. O concurso público, ele foi feito,
antes de vir para cá, eu já tinha participado da elaboração, do primeiro concurso
público específico lá, para indígena, pela Secretaria Estadual de Educação (De Santa
Catarina). [...] Fiz dois anos de faculdade de Matemática, depois ingressei na
graduação em Pedagogia, por uma demanda da própria aldeia onde eu morava. É
Kaingang de Chapecó, em um município pequeno chamado Ipuaçú de Santa
Catarina. Minha experiência na graduação é a experiência da formação trabalhando
em escolas o dia todo com quarenta horas e estudando à noite, se deslocando
também para a universidade. Eu fiz uma universidade particular, uma bolsa parcial
da FUNAI. Na época, terminei em 2002 minha graduação, depois fiz uma
especialização. Sempre com expectativas de retorno para as Comunidades (Fátima,
docente, entrevistada em 12/02/2019).
Apresenta a formação no curso de Pedagogia como uma demanda da aldeia, mas seu
acesso ao ensino superior foi realizado em universidade particular. A justificativa era que
universidades públicas eram elitistas, que não permitiam que povos indígenas tivessem
acesso. É contemporânea na luta pelas políticas afirmativas, mas não foi contemplada na
graduação. Segundo ela:
Por que eu fiz uma particular? Porque eu sempre digo, nós não trilhamos o caminho
das ações afirmativas. Eu e as pessoas da minha geração, educadores indígenas da
minha geração, a gente trilhou no caminho da luta pelas ações afirmativas, mas a
gente não ser beneficiário na graduação. Eu fui beneficiada depois, na pós-
graduação. Então, não tinha campus nem da Universidade Federal de Santa Catarina,
nem da UDESC. Na época, eu acho que da Universidade Estadual, mas era muito
difícil para a gente poder acessar, a gente não dava conta de acessar os processos
seletivos. A universidade era muito elitista ainda. Então não havia possibilidade. Eu,
por morar em um município pequeno, o mais próximo era Xanxerê, e Xanxerê era o
município polo e tinha uma universidade particular, em uma qualidade razoável, que
tinha um convênio com a FUNAI, na época. Eu cursei com uma isenção de 50% da
Universidade e 50% da FUNAI. Uma bolsa parcial da FUNAI. E depois eu fiz uma
especialização em Currículo e Metodologia de Ensino foi pela mesma instituição
(Fátima, docente, entrevistada em 12/02/2019).
Sua migração para o Pará, após ter casado com um indígena do povo Gavião Parkatejê
para contribuir em políticas de gestão do território indígena. O trabalho como assessora
pedagógica, com a organização das escolas indígenas possibilitou conhecer a Educação do
Campo:
Eu trabalhei na Educação Escolar Kyikatejê porque eu trabalhava como assessora
pedagógica. Eu vim para cá já como parte esse projeto de autonomia, né, dos
Kyikatejê. Os Kyikatejê tem convênio com a Vale do Rio Doce, mas eles não
tinham... eles tinham uma ONG que era a Extensão Amazônia, que era quem
coordenada todo processo de gerenciamento do recursos, mas não só do
148
gerenciamento do recurso, mas todo o processo de luta por educação. Enfim, quem
comandava tudo era os não indígenas e quando o meu esposo, que é cunhado do
Zeca Gavião (Cacique da Aldeia) veio para cá, para uma visita; ele contou um
pouco, da nossa experiência de militância, de autonomia que a gente já construiu, já
tinha construído no Sul, com a criação de associações indígenas. A gente criou a
associação indígena Kairu. A gente assumiu o convênio de educação e saúde. Então,
a gente já tinha eleito o vice-prefeito no município e esse protagonismo chamou
atenção da Comunidade Gavião. E aí, o Zeca fez o convite para que a gente viesse
para cá, para contribuir nesse processo de criar uma associação indígena e de as
pessoas da comunidade seremos os sujeitos e buscarem as políticas de Educação, de
Saúde, enfim, eu vim nesse contexto (Fátima, docente, entrevistada em 12/02/2019).
A entrevistada destaca a necessidade sentida pelo povo Gavião Parkatejê em assumir
os convênios com a Empresa Vale, como mitigação dos impactos da passagem do trilho sobre
a Terra Indígena Mãe Maria que eram administrados por não-indígenas. Assumir essa
coordenação era uma estratégia na luta por autonomia dos povos indígenas, que incluía
construir processos educativos nas escolas das aldeias e constituir a Educação Escolar
Indígena.
Ela apresenta que percebeu possiblidades de diálogo entre a Educação do Campo e a
Educação Escolar Indígena, pela construção de uma concepção de educação que respeite suas
especificidades. Além disso, se reconheceu nos estudantes, porque a condição para ter acesso
à educação foi conciliar trabalho e estudo, desde a educação básica:
[...] Eu acho que nesse sentido, eu tentei um primeiro ingresso em 2010 na Educação
do Campo justamente porque eu sempre tive essa, essa ideia de que a Educação do
Campo, ela dialoga muito com as demandas das Comunidades Indígenas. Então,
nesse sentido eu me identifiquei muito com Educação do Campo por isso, porque eu
me vejo muito no curso. Com treze anos, eu tive que sair da casa da minha mãe, né,
uma comunidade rural, que na época, a área onde a gente morava não era marcada,
foi demarcada só um pedaço e a gente ficou no pedaço que ainda não era demarcada.
Eu estudei em uma comunidade rural, no Estado de Santa Catarina, que era uma
aldeia, mas que não era demarcada como aldeia, que era uma área entrusada. Ter que
sair muito nova, morar fora, trabalhar de empregada doméstica, com aquela coisa
de..._Ah, eu vou te fazer um favor! Eu vou te dá uma ajuda. Então, eu vive essa
experiência, de ter que buscar formação, ser filha mais velha. Buscar minha
formação superior ou mesmo tempo que eu tive que sair do meu lugar porque não
tinha... não tinha Ensino Médio onde eu morava. E foi um período muito difícil da
minha vida, eu trabalhava pela comida, né? Eu trabalhava das seis da manhã às 18
horas da tarde, limpava a piscina, fazia tudo, todo o trabalho doméstico. E à noite, eu
estudava. Então, isso foi todo o meu Ensino Médio, trabalhando e trabalhando muito
na roça também para poder... depois que eu sair, passei um ano nessa casa, enfim,
tive essa experiência, mas sempre trabalhando muito na roça porque minha mãe
ficou viúva muito cedo. Eu sempre tive, essa minha trajetória escolar ela sempre foi
trabalho e estudo. Muito trabalho e estudo (Fátima, docente, entrevistada em
12/02/2019).
Outro motivo destacado foi o contato com os egressos da Licenciatura em Educação
do Campo, no período em que atuou na 4ª Unidade Regional de Ensino, órgão descentralizado
da Seduc Pará na diretoria de Educação Escolar Indígena. Ela relatou:
149
Então, trabalhei dois anos na 4ª Unidade Regional de Ensino (parte integrante da
Secretaria Estadual de Educação do Pará), iniciei em 2008. Então, o discurso
institucional ele te desanima muito. Ele mata. Ele é burocrático, ele é terrível, mas,
das coisas que a gente conseguiu fazer, que eu achei muito interessante, foi a gente
montar banca e as próprias comunidades definir o perfil dos profissionais que ela
queria que trabalhasse com elas, até porque não tem professores indígenas,
professores indígenas formados que dêem conta do trabalho nas aldeias. (M: Você
fazia a seleção dos professores para atuar na aldeia...) Isso, foi meu primeiro contato
com o Curso de Educação do Campo da Unifesspa porque a gente fazia banca de
seleção nas próprias comunidades, organizavam para que as comunidades, né! Isso
muito antes inclusive, deu entrar aqui no curso, agora no início de 2018. Então, foi o
primeiro contato que eu tive com a Educação do Campo foi ouvindo os professores,
né, nessas entrevistas. Sempre que as lideranças indígenas nessas bancas ficaram
muito impressionados com a familiaridade com o discurso da diversidade, que vinha
desses estudantes, alguns cursando, outros que já eram egressos da Educação do
Campo. E, no final, a gente sempre em conjunto, optava por contratar, por trabalhar
com pessoas que eram egressos da Educação do Campo ou que frequentavam o
curso (Fátima, docente, entrevistada em 12/02/2019).
Os povos indígenas lutam por constituir uma “qualidade social” na educação nas
aldeias, no entanto não tem professores indígenas formados em quantidade para assumir essa
tarefa de incidir sobre a forma e o conteúdo das escolas. A sua indicação para atuar na Seduc,
eles conseguiram garantir, na relação com o Estado, que a Seduc contratasse os professores.
O trabalho de compor bancas de seleção para professores não-indígenas com os
critérios definidos e a participação direta das lideranças indígenas na decisão de quem iria
atuar nas aldeias, constituiu um dos espaços que permitiu conhecer a Educação do Campo.
Esse contato alimentou o seu interesse e dos povos indígenas em ingressar na Licenciatura em
Educação do Campo.
Seu acesso a pós-graduação se deu pelo primeiro programa de ações afirmativas criado
na UFPA no curso de Direito, sua dissertação foi sobre a luta pela Educação Escolar Indígena.
Foi bolsista da Fundação Ford:
[...]Eu cheguei (no Pará) em 2004 e fui conhecer a professora J. B. que já tinha um
programa de acesso no mestrado e doutorado em direito da Universidade Federal,
isso já em 2005, mas não tinham candidatos. Então, eu ingressei no mestrado, muito
por conta de ter ações afirmativas em Direito, mas discutindo a Educação Escolar
Indígena. Depois, fiz o doutorado em Antropologia. [...] Então, eu digo que hoje está
com o curso de doutorado, para minha família, para minha comunidade, é algo
muito significativo, né. (M: Tem mais alguém que tem a doutorado...). Tem meu
irmão, que já defendeu agora esse ano. Mas, na família da minha mãe, nós somos os
únicos, e na família do meu pai também. Não é algo assim!!!! Mesmo entre os
povos indígenas, no sul já tem pessoas ingressando no mestrado, né. Mas no
doutorado, ainda somos poucos. Até porque as políticas afirmativas, ela demorar um
pouco mais aqui (No Pará), foi em 2010, né, quando teve o primeiro edital na
graduação, depois da Educação do Campo (Fátima, docente, entrevistada em
12/02/2019).
150
A trajetória de migração e a necessidade de conciliação entre o estudo e trabalho
também constituiu a trajetória dos docentes da Fecampo, que passaram a vislumbrar no direito
a educação dos povos do campo, um trabalho a ser construído.
Podemos concluir que um conjunto de docentes fez uma escolha em atuar na
Licenciatura em Educação do Campo porque teve sua trajetória marcada pela negação do
direito a escola e destacam as lutas constituídas pelas suas famílias, na qual a migração está
destacada; bem como a conciliação do trabalho e estudo, como condição de acessar a escola.
Nesse sentido, conheciam a Educação do Campo, muitos com atuação anterior em cursos
ofertados pelo Pronera, no CRMB nas atividades dos movimentos sociais e em atividades
organizadas pelo Frec, seja na atuação da Educação Escolar Indígena e compreendiam como
um locus de trabalho importante para fazer avançar o direito a educação.
As vagas do Procampo também propiciaram adentrar outro grupo de docentes, que
tiveram suas trajetórias marcadas pela política de expansão da pós-graduação da última
década no Brasil. A expansão da pós-graduação como política pública, bem como as lutas
travadas pelos docentes pelo direito a educação permitiram a uma geração, através da
constituição do apoio à formação através de bolsas de estudo/pesquisa realizar sua formação
no período curto de dez anos: da graduação até o doutorado.
Esse tempo intensivo de estudo, possibilitou que chegassem ao que denominaram de
“fase de concurso”. Essa expressão repetida durante as entrevistas parece tornar natural e
linear um processo raro na história educacional brasileira: o direito das pessoas, oriundas de
classes populares a acessar cargos de docência no ensino superior. Houve um processo de
migração na busca por trabalho, permitido pela aprovação em concurso público nas vagas
instituídas pelo Procampo.
Os entrevistados informam que cursaram o mestrado e o doutorado com bolsa ou parte
já atuando na docência, com bolsas. Alguns conseguiram o direito a formação, um tempo
liberado para estudar. Foram aprovados na seleção do doutorado, alguns antes de adentrar na
Licenciatura em Educação do Campo, com pouco tempo de atuação na docência, muitos
constituindo sua primeira experiência de trabalho como docentes na educação superior e
desconheciam a Educação do Campo.
Para esses entrevistados, o principal destaque se concentra na influência desse
processo formativo, desse processo formativo que os transformou em pesquisadores:
destacam nas entrevistas seus campos de pesquisa ou de conhecimento, que estavam
investigando no doutorado como campo profissional. Um dos entrevistados descreveu em
poucas palavras sua trajetória escolar:
151
Sou Marcos. Minha formação, eu sou graduado em Matemática, Licenciatura em
Matemática. Também tenho graduação em Arquitetura e Urbanismo pela UFPA. Me
graduei, mais ou menos ali, por 2006. Tenho mestrado e doutorado em Educação em
Ciências e Matemática pelo IEMCI da UFPA [...] Meu mestrado foi na parte da
avaliação, aí eu li muita coisa, meu referencial teórico foi a teoria de campos
conceituais que é baseado no Gérard Vergnaud, que foi um discípulo de Jean Piaget,
que é baseado mais na psicologia. E já na parte do doutorado foi mais voltado para a
parte da Filosofia. Eu trabalhei com a epistemologia geral e eu trabalhei com
filosofia no meu doutorado e conversava também, que eu sempre gostei de estudar,
gostei dos filósofos e tal, eu gosto mesmo. Como eu trabalhei a partir da linguagem,
eu li muito linguísticos, por exemplo, não que eu tenho conhecimento profundo
deles, longe de mim. Eu tenho algum conhecimento também da parte da linguagem
porque eu trabalhei isso no meu doutorado. No meu doutorado eu trabalhei sobre
Álgebra, sobre como as ideias do filósofo Wittgenstein podem contribuir para o
ensino de Álgebra (Marcos, docente, entrevistado em 22/02/2019).
Ele destacou que fez concurso público para atuar pela Seduc, na grande Belém, após
concluir a graduação. Mas, conseguiu liberação para cursar o mestrado com bolsa, e
posteriormente o doutorado:
Eu sou professor desde 2008. Eu me formei em 2006, no final de 2006, praticamente
em 2007. Fiz o concurso da Seduc, ali, de 2006, eu ainda estava até no curso, mas só
fui chamado em 2008, praticamente um ano e meio depois. Aí eu comecei a
trabalhar em 2008 e fiquei lá até 2015 [...] Na Seduc, eu trabalhei nas escolas lá em
Icoaraci, que é até o bairro que eu morava lá em Belém. Mas também trabalhei na
Cabanagem, que é um bairro lá de Belém. Somente esses bairros assim. Trabalhei só
entre quinta e oitava série [...] só com Matemática e EJA. Mas sempre da quinta a
oitava série, no EJA, no caso, terceira e quarta etapa. Nunca trabalhei de primeira a
quarta série. De primeiro ao quinto ano e nunca trabalhei no Ensino Médio. Nunca
trabalhei nessas séries. Só de quinta a oitava. Sempre aquela coisa, tinha a lotação e
a possibilidade que tem.[...] Entre 2008 e 2015, que foi durante o meu mestrado, de
dois anos, eu tive uma licença, durante o mestrado. E depois, eu tive uma licença de
um ano, durante o doutorado. E foi nesse período que eu entrei aqui. Eu estava de
licença da Seduc, quando eu entrei aqui. [...] Até 2012, eu termino o meu mestrado.
A Seduc me liberou. Na época, era a Ana Júlia que estava no governo, foi mais fácil
a liberação (Marcos, docente, entrevistado em 22/02/2019).
O concurso para o curso de Licenciatura em Educação do Campo foi motivado pela
quantidade de concursos aberto no período e porque percebeu que esse era um movimento dos
outros estudantes que adentravam o doutorado.
Em 2013, eu entro no doutorado, só que durante o mestrado, eu participei de um
grupo de pesquisa em Linguagem Matemática, era um grupo de pesquisa focado
mais na Filosofia da Matemática [...] Então eu entrei em 2013 no doutorado. Eu
consigo a licença, no inicio de 2015. E aí, quando é na metade do ano, tem o
concurso aqui, praticamente, em junho e julho de 2015. Aí, eu venho fazer o
concurso aqui [...] Então, na época lá, eu vi que alguns amigos já tinham feito, já
tinham conseguido entrar na universidade com o mestrado! Então, eu comecei a
vislumbrar isso, só que eu pensei que seria só depois que terminasse o doutorado. Eu
via concurso abrindo para Educação Matemática, Educação Matemática em si. E
quando abria, foi como aconteceu com uns amigos meus, abriu em Breves, abriu em
Arraias no Tocantins. E assim, a princípio, eu não tinha interesse. Eu acho até que se
fosse hoje, eu sempre fui meio... tem uma palavra que usa... caseiro... eu era muito
resistente a mudança. Mas depois, eu parei para pensar: _Eu encontrei amigos aqui
152
na UFPA. Vou trabalhar aqui na UFPA e ficar aqui na UFPA, não vai acontecer
isso. E se acontecer, vai ter um monte de gente que está formada aí, que vai querer.
Então, quando abriu para Marabá, eu vi lá no edital para Educação Matemática. Ali,
a partir daquele momento ali, como eu estava no doutorado, eu já comecei a ficar
ligado [...] Com abertura de concurso, essas coisas. Então, na minha cabeça, eu
estava trabalhando, tinha meu concurso. Não tinha muito ideia de como funcionava
esses processos. Eu nem sabia como é que era os concursos na universidade, para tu
ter uma ideia assim. Tanto é que na época, eu fui pesquisar como é que era a prova,
eu não sabia, nunca tinha feito prova para entrar em concurso em uma universidade.
Aí, eu fui pesquisar, perguntar para várias pessoas como é que era. Aí, eu fui estudar
aqueles temas que estavam lá, e comecei a estudar (Marcos, docente, entrevistado
em 22/02/2019).
Fez um concurso que o destaque era a Educação Matemática. Imaginava que seria
professor da Universidade e que iria atuar em vários cursos, que necessitasse da sua formação.
Desconhecia que a vaga de docente era para atuar na Educação do Campo:
E aí, eu fui aprovado junto com o professor S. [...] A primeira vez que eu tinha feito
um concurso na vida. Eu acho que abriu primeiro para doutor, aí não teve inscrição.
Depois, abriu para mestre, né. E na época, eu já estava fazendo o doutorado. Como
eu estava de licença, tive oportunidade de ter tempo para estudar. [...] Eu vinha fazer
as provas e voltava para Belém, ficava nessa coisa, né. Aí saiu a aprovação, mas
tinha uma questão, quando eu vi Educação Matemática, sinceramente falando, sendo
bem sincero, a princípio, eu não se referia a Educação do Campo. Eu sei que talvez
isso vai ser um problema (risos) Eu não sabia! Eu pensava que era, que era da
Matemática, ou na verdade, eu não sei bem como funcionava, na verdade. Ah, é um
curso que está te chamando. Eu pensava que era uma vaga, que abria na
Universidade, e eu poderia cumprir a carga horária em vários cursos que precisasse
em Educação Matemática (Marcos, docente, entrevistado em 22/02/2019).
Durante sua formação, não conhecia os debates que estavam sendo institucionalizados.
Afirma que não sabia das implicações da vaga para atuar na Educação do Campo:
Só que quando eu fui ver, lá pelas... eu estou falando isso porque eu me inscrevi,
sem ter noção disso. Mas depois que eu fui vê os temas é que eu fui procurar e tal.
Aí, eu fui pesquisar sobre o quê que era Educação do Campo! Eu já tinha ouvido
falar, nos cursos de Etnomatemática que eu tinha feito lá. A etnomatemática
mostrava algumas coisas disso. Sei lá, cara... as EFAs, algumas pessoas
apresentavam trabalhos. Então, eu tinha noções, mas como o meu trabalho no
mestrado e no doutorado, não tinha a ver com a Etnomatemática, não tinha muita...
porque quando é uma coisa que tu estuda, tu acaba não tendo aquela noção muito
clara, digamos assim. Então, eu tinha noções assim, que eram um pouco difusas, um
pouco vagas (Marcos, docente, entrevistado em 22/02/2019).
A ampliação das vagas de concurso atraiu estudantes que tinham a qualificação
exigida na formação por área do conhecimento e não tinham uma trajetória em Educação do
Campo ou indígena e que estavam iniciando a carreira no ensino superior.
Outra entrevistada apresentou sua trajetória de formação a partir da graduação no
curso de intervalar em Barcarena pela UFPA, uma cidade da capital metropolitana da grande
Belém. Desejava como projeto, continuar sua formação no campo da historiografia literária,
153
dentro do campo da Literatura, área da qual teve sua iniciação científica e que continuou
pesquisando no mestrado e doutorado.
Bom dia! Eu sou Olga. Eu sou formada em Letras. Eu entrei em 1999 e sair em
2003. Depois, eu fui trabalhar no ensino fundamental, da minha cidade chamada
Barcarena. [...] Essa vida acadêmica, ela não aconteceu, até por conta da própria
dinâmica do curso que eu fiz intervalar em Abaetetuba e tudo mais. Então, era
aquele momento de você para Universidade nas férias e depois você retorna para
casa e você vai fazer suas atividades. Diante dessa dinâmica, eu não tive muitas a
vivência, na universidade. Até porque, eu morava em outra cidade, fazia
universidade em outra. Em 2005 eu fiz uma especialização em Belém voltada para
textualidade, para o ensino da perspectiva da Língua Portuguesa, mas não era muito
o eu queria. Até porque, meu TCC foi na área da literatura. Terminei a
especialização e vi que realmente o meu espaço de contribuição, não é que não era
um espaço, que eu não poderia contribuir no ensino fundamental. Mas eu acho que o
meu próprio discurso, minha própria maneira de lidar com situações em sala de aula.
Eu já não consegui mais lidar com os meus alunos de ensino fundamental. E eu fui
tentar o mestrado. Em 2007 eu fui ser voluntário no projeto de uma professora, da
minha orientadora na graduação, e aí esse projeto trabalhava com fontes primárias,
com uns jornais paraenses. mais especificamente historiografia literária, diante
desses jornais que circulavam no século XIX. Daí, surgiu o projeto de dissertação,
no projeto de mestrado. Foi a partir de ser voluntário nesse projeto. Em 2009 eu fiz o
mestrado. Essa questão de cronologia é... mas eu acho interessante também. Aí em
2009, eu fiz o mestrado, terminei 2011, eu tive bolsa no mestrado. Eu tive todo esse
período de bolsa (Olga, docente, entrevistada em 18/02/ 2019).
Destaca uma atuação rápida como docente no ensino fundamental e médio como de
Língua Portuguesa e de Literatura. Mas tinha como projeto fazer pesquisa e trabalhar no
ensino superior. Teve uma breve atuação em uma universidade particular em Belém,
conforme relatou:
Aí que eu entro para dar aula no nível superior, né, porque até então eu só dava aula
no Fundamental e Médio. Então eu andei aula para o ensino superior, quando surgiu
essa oportunidade, fiz um processo seletivo nessa mesma ESMAC porque a
ESMAC, por mais que seja uma Faculdade particular. mas ela foi surgida, ela foi
construída com professores da UEPA. A maioria do corpo docente eram professores
da UEPA. Então, isso permitiu uma dinâmica diferente, diferenciada, da própria
caracterização da faculdade paga. Teve um processo seletivo, eu passei por um
processo seletivo e fiquei eu e o outro professor para ministrar disciplinas nessa área
da literatura. E a partir daí, eu começo a ter contato com nível superior para dar aula.
Dei aula de Literatura Infanto Juvenil... aí vem a literatura dividida, Literatura
Brasileira, Literatura Portuguesa e aí eu partir, comei a dar aula na minha seara de
discussão. Daí, eu vi que lógico... particular, você tem... por mais que você tem toda
essa caracterização de uma certa abertura de diálogo, de conversa, mas tinha por
outro lado as pressões (Olga, docente, entrevistada em 18/02/ 2019).
Enfatiza que a Licenciatura em Educação do Campo só entrou em perspectiva, após seu
marido ser aprovado em concurso público e se mudar para Marabá. Veio à Marabá, para se
preparar para a seleção do doutorado, quando abriu o concurso para docente na Fecampo:
E aí, entra... atravessa, a minha história também atravessa um pouco com a história
do X, que é o meu marido. Ele veio para cá, em 2009, ele veio fazer o concurso
aqui, em Marabá, para Geografia, ele passa e vem para cá para Marabá. Até então,
eu não conhecia Marabá. [...] Eu queria fazer o doutorado. Tentei a primeira vez,
154
não consegui por conta de uma carga de trabalho muito intensa, né. Diante de
trabalhar tarde e noite [...] Daí eu falei: _Não, não quero! Estou... o tempo está
passando e eu preciso fazer o doutorado. Aí, foi aí que eu saí da Universidade, em
agosto de 2013. Enfim, eu venho para cá, em agosto de 2013, para estudar para o
doutorado, para seleção da UERJ, na Estadual do Rio de Janeiro. Eu trabalhei aqui
como voluntária em Letras, nesse cenário, precisava de professores. Faço a fazer
seleção do doutorado e passo. Então, a minha relação com a região aqui, com o
Marabá, ela se constrói a partir desse momento. E ao mesmo tempo, veio o concurso
da Educação do Campo, como eu narrei já, a minha trajetória dentro da
Universidade, da perspectiva da Literatura é voltada para a histografia literária.
Então todo o meu debate é dessa construção da Literatura enquanto um diálogo com
a História. E o os temas da Educação do Campo saia um pouco desse meu lugar e
isso meu causou uma certa angústia, um pânico, um desespero e dúvida na hora...
não pelo Curso porque até então, eu sendo franca, como sempre fui, eu não conhecia
a Educação do Campo. Então não era por não conhecer ou conhecer Educação do
Campo, mas era um pouco mais por essa minha perspectiva de entender a Literatura,
de estudar Literatura e contribuir com a Literatura, nesse olhar historiográfico [...]
(Olga, docente, entrevistada em 18/02/ 2019).
Podemos compreender que a docente até então, desconhecia a Educação do Campo. O
concurso foi uma oportunidade de trabalho já que havia atuado como professora voluntária no
curso de Letras na mesma instituição. Seu objetivo principal era fazer o doutorado na
perspectiva da historiografia literária e percebeu uma dificuldade em conciliar os dois projetos
porque não percebia como poderia contribuir a partir desse olhar da literatura, isso lhe causou
uma tensão, mas definiu pela realização do curso e assumiu posteriormente o trabalho; no
qual posteriormente foi liberada para concluir seu doutoramento.
Outro docente entrevistado afirma que sua primeira experiência de trabalho na
Educação Superior foi na Educação do Campo, pois cursou o mestrado e o doutorado na
condição de bolsista:
Bom, sou Pedro, sou nascido no Rio de Janeiro e criado no Rio de Janeiro. Eu fiz até
o mestrado no Rio, depois eu fui para São Paulo para fazer o doutorado. E de lá para
Marabá, para a Unifesspa. Eu sou Engenheiro Agrônomo, com mestrado em
Produção Vegetal e doutorado em Ciências, mas com ênfase na área de solos e
geoprocessamento, em sensoriamento remoto. [...] Bom, a graduação e o mestrado
na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), no Rio de Janeiro. E o
doutorado, foi na Universidade de São Paulo (USP), no Campus de Piracicaba na
ESALQ (Escola Superior de Agricultura “Luís de Queiróz”) [...] (Pedro, docente,
entrevistado em 07/03/2019).
Sua família tinha origem camponesa. Trabalhava com os pais desde a infância, em
uma agricultura urbana em terrenos da cidade, concomitante a realização da graduação em
agronomia em um curso integral, que acessou por meio de bolsa de estudo. Além da bolsa,
destacou que desenvolveu várias atividades sem vínculo formal de emprego, paralelo aos
estudos, como forma de se manter na universidade. Ele apontou que:
Meus pais, como são da roça, tinha esse costume de cultivar os terrenos próximos de
onde a gente residia. Então, acabava que eu assumia essa função de estar cuidando
155
da horta, dos animais... a gente criava animais. [...] Aí, durante a graduação, eu
sempre tive algum trabalho nesse sentido. Minha mãe trabalhava de doméstica numa
casa, em uma chácara. Aí, eu trabalhava do lado de fora da casa. Fazendo
manutenção das coisas, cuidando dos animais. Era um bico mais regular. E nessa
Chácara, eu fiquei até quando eu tinha uns vinte e quatro anos, ainda no mestrado,
eu fazia coisas nessa chácara. Eu comecei com dez anos de idade. Foram muitos
anos trabalhando nessa chácara [...] Eu sempre tive bolsa na Universidade, desde
quando eu estava no 2º ano do Ensino Médio, eu concorri uma bolsa de jovens
talentos, que tinha lá no Rio, que era um projeto do governo estadual. Era uma
aproximação do adolescente a universidade. Eu concorri por essa bolsa e passei. Na
época era oitenta reais a bolsa. Então, eu comecei a fazer estágio na Universidade
Estadual do Norte Fluminense. Mas era um negócio bem estranho porque eu me
aproximei da Universidade, mas ao mesmo tempo não, eu me aproximei do trabalho
lá. Mas, eu não sabia o que significava a universidade! Eu não sabia o que as
pessoas faziam lá! E nem como fazia para entrar. [...] Então, desde o segundo ano,
eu tive bolsa lá. Então, quando terminou o terceiro ano. Eu fiquei no segundo ano,
inclusive tive um experimento mesmo desses, bem agronômico, de maracujá e tudo,
produzia. Aí, acabou o ensino médio, acabou a bolsa. Bom, quando eu terminei o
Ensino Médio, eu fui trabalhar de ajudante de pedreiro, eu fiquei um tempo, acho
que um ano mais ou menos, trabalhando de ajudante de pedreiro, também nada de
carteira assinada, era como autônomo. Tinha um pedreiro que eu trabalhava muito
com ele. Na verdade, tinha vários pedreiros. Quando eu entrei para a graduação
(Agronomia), como a minha graduação era de tempo integral, tinha aula de manhã e
tarde, não dava para trabalhar; mas também não dava para ficar sem dinheiro. Eu
tinha bolsa, mas eu sempre arrumava trabalho nos finais de semana, em um viveiro
de mudas (Pedro, docente, entrevistado em 07/03/2019).
Sua aproximação com a universidade foi por meio de bolsa de trabalho ainda no
ensino médio, a partir de projeto específico do Estado do Rio de Janeiro. No entanto, essa
primeira aproximação do cotidiano da universidade, foi através do trabalho, não tinha
conhecimento sobre o que era realizado dentro da universidade, na qual ingressou
posteriormente na Agronomia. Ele descreve como vivenciou a denominada “fase de
concurso”, ao final do doutorado, passou a pesquisar vagas abertas em concursos públicos, em
universidades federais, principalmente na região norte do Brasil. Afirmou que seu desejo era
sair do sudeste e migrar para o norte, próximo as áreas de floresta e rios, não tinha muito
conhecimento da região e nem tinha uma pretensão especifica de atuação.
[...] Então, eu estava na fase de fazer concurso. Então, eu estava buscando concurso
em qualquer lugar. Na verdade, em qualquer lugar não, eu tinha um direcionamento,
eu queria fazer concurso para a região norte do pais. Eu buscava qualquer edital de
concurso que tivesse por aqui. Tanto que eu cheguei a fazer um em Paragominas. Eu
fiz um em Macapá e cheguei a fazer em Roraima e na UFOPA em Santarém. [...] Aí,
entra também uma outra experiência de trabalho, entre aspas, porque assim, em
Piracicaba. [...] Eu ainda tinha essa perspectiva de norte e nordeste como uma coisa
única. E quando eu fui para o doutorado, lá na ESALQ, a pós-graduação é de
pessoas de fora. E muito fortemente lá, é o pessoal do Norte e do Nordeste. Então,
eu conheci muitas pessoas da região norte e também do nordeste. Inclusive, namorei
com uma moça, que era de Belém. Aí assim, nessa experiência de ter contato com o
pessoal da região norte, eu comecei a desenvolver trabalho, com uma pesquisadora
aqui, da Embrapa Amazônia Oriental, me inserir em alguns projetos internacionais,
até publicamos algumas coisas juntas. E conseguir alguns contatos de trabalho,
156
como eu trabalho com geoprocessamento, com classificação de imagem. Então, eu
conseguir alguns trabalhos em ONGs, para fazer classificação de imagem, aqui na
região. [...] Aí, quando eu comecei a me ligar com várias coisas daqui da região e
conheci a região norte, aí eu comecei a diferenciar o nordeste do norte. Aí, eu
decidir: _Não, eu quero ir para o Norte. Muito por conta da floresta e do rio porque
eu conheci Macapá, Santarém e achei assim, muito bonito, muito bacana essa coisa
da mata e do rio, então, eu queria cidades como essa. Santarém seria uma cidade
muito boa. Marabá nem tanto porque não tem nem mais a mata aqui (Pedro,
docente, entrevistado em 07/03/2019).
Conseguiu distinguir o norte do nordeste, enquanto regiões do país, ao realizar vários
concursos e não ser aprovado. A vaga para atuar na Licenciatura em Educação do Campo em
Marabá foi visualizada em um site de concurso na internet. Destaca que ao analisar o edital,
seu foco era apenas na exigência da sua formação na agronomia e na pós-graduação,
preenchendo esses requisitos, definiu submeter ao concurso público. Assim relatou:
Mas, enfim, foram esses elementos que me fizeram a vir para cá. Olha. Sendo bem
sincero, eu acho que eu não li nem o edital todo. Eu vi que tinha a vaga para a minha
área. Vi que era aqui na região. Li os elementos básicos do edital. Tinha
desconhecimento do que era o curso de Licenciatura em Educação do Campo.
Então, eu até me pergunto, eu tento procurar esse edital para vê se tinha lá no edital,
que era o curso de Licenciatura em Educação do Campo. Mas, eu lembro que em
algum momento, ter visto alguma coisa com Educação do Campo como Agronomia
ligada para o campo. Algum curso ligado ao campo nesse sentido. Mas quando eu
olhei os temas do concurso, eu fiquei pensando: _Ah, deve ser alguma coisa na área
de Agronomia e tal (Pedro, docente, entrevistado em 07/03/2019).
Diz que ao ler “Licenciatura em Educação do Campo” concluiu que era um curso de
agronomia. A migração para o Pará e o trabalho na educação superior foi seu primeiro
emprego formal. A partir de sua aprovação, tem se dedicado a estudar e compreender a
Educação do Campo para contribuir a partir do seu campo de formação.
Considerando os dados ao acesso ao ensino superior e principalmente a Pós-graduação
no país, dos docentes entrevistados e do seu ingresso na Licenciatura em Educação do
Campo, há uma diferenciação entre as dificuldades de acesso a graduação, nos que viveram
nessa região do Pará, que foram atendidos a partir da politica de interiorização da UFPA.
Podemos considerar que os docentes têm também as marcas da classe trabalhadora,
quando tiveram que conciliar trabalho e estudo; e outras marcas das desigualdades
principalmente de gênero, etnia etc; principalmente se tornando uma exceção, enquanto
camponeses e uma indígena que tiveram seu ingresso no ensino superior e a pós-graduação,
possibilitado conseguir acessar os concursos públicos e o trabalho como docentes.
A formação dos docentes só foi possível porque houve uma expansão de políticas
públicas constituídas nos últimos vinte anos, pela luta instituída pela Educação do Campo e
157
também pelo movimento recente de expansão da pós-graduação no País, a qual historicamente
se distribuiu de forma desigual, tendo um número reduzido de programas na região norte.
As políticas de apoio a permanência e da garantia de liberação para o estudo através
de bolsas do CNPq e da CAPES, tornou o mestrado e o doutorado menos elitizado. Foram tais
políticas que possibilitaram aos docentes, vivenciar a denominada a “fase de concurso”.
Ainda assim, suas narrativas trazem as marcas da classe social de origem dos docentes, pois
precisaram migrar “para o interior” para acessar os cargos de docente na universidade.
No Brasil, este constituiu outro funil no campo do acesso a formação constituiu o
número reduzido de programas de pós-graduação que se expandiu de forma desigual. Isso
resulta que os problemas regionais ou a compreensão da diversidade de “Brasis”, que foram
forjados, a partir da nossa formação social, nem sempre são tomados como foco de estudos,
invisibilizando as diferenças e as desigualdades existentes nesse país.
O acesso à pós-graduação stricto sensu, principalmente para os que residem na
Amazônia, há limitadas opções e, por vezes, há necessidade de migração para estudo para as
outras regiões do país; da mesma forma que provoca uma migração inversa, na busca por
emprego e concurso públicos, pelo reduzido quadro de qualificação no nível de doutorado,
utilizados nos concursos públicos atuais nas universidades públicas.
A expansão das vagas do Procampo possibilitou constituir o quadro docente
necessário à formação interdisciplinar, as vagas foram distribuídas para constituídas as quatro
áreas do conhecimento ofertadas na graduação: Ciências Humanas e Sociais, Ciências
Agrárias e da Natureza, Letras e Linguagem e Matemática.
O quadro de docente foi constituído por experiências diferenciadas de formação: a)
ingressaram docentes que conheciam a proposta formativa, por envolvimentos anteriores na
Educação do Campo, e desejaram ingressar na Licenciatura para trabalhar com a
especificidade dos povos do campo; b) Docentes que se aproximaram do debate da Educação
do Campo, durante a graduação ou que atuavam com os povos indígenas, e desejaram
trabalhar atuar nesse campo e por fim) Docentes que migraram por trabalho, em fase de
concurso público, que desconheciam a EdoC, constituindo suas primeiras experiências de
docência na Educação superior, constituiu como referência sua formação nas áreas do
conhecimento.
As repercussões do Procampo na Licenciatura em Educação do Campo pesquisada
possibilitaram a constituição do quadro de estudantes, docente e movimentos sociais, a partir
de sua historicidade, compuseram o coletivo que tem construído a Licenciatura em Educação
do Campo. Cada grupo possuía intencionalidades distintas e concepções diferenciadas de
158
educação no seu ingresso no processo educativo, no ingresso nos processos seletivos e nos
concursos públicos. Houve uma diversidade de compreensões do que era a Licenciatura em
Educação do Campo em projeto formativo, pelo conhecimento diferenciado que tinham sobre
Educação do Campo e pelos espaços formativos que vivenciaram anteriormente e forjaram
suas concepções de educação.
A definição em concorrer ao edital de expansão do Procampo foi realizada no âmbito
da parceria constituída com os movimentos sociais, principalmente o MST. Essa decisão
constituiu em brechas/rupturas no acesso ao ensino superior em instituições públicas de
ensino para uma diversidade de povos do campo, que historicamente tem lutado pelo direito a
educação, mas que tem suas trajetórias marcadas pela negação desse direito. Eles passaram a
reconhecer na Licenciatura em Educação do Campo um lócus dentro das universidades e no
campo brasileiro como o espaço da formação de educadores do campo, na educação superior
pública.
A presença dos movimentos sociais do campo como parte constitutiva da Educação do
Campo foi retomada. A defesa de uma concepção de sociedade que tenha como fundamento o
trabalho e a vida humana, por isso, a reafirmação dos princípios do trabalho como princípio
educativo e da auto-organização dos estudantes para contribuir nas lutas sociais nas quais
estão inseridos e por constituir em dimensões da formação consideradas importantes na EdoC.
O processo de institucionalização da Licenciatura em Educação do Campo foi
potencializado pelo acesso ao edital do Procampo porque permitiu a ampliação das vagas
efetivas para constituir uma política permanente de ingresso em todo País, em instituições
públicas de ensino, com a oferta de vagas anuais.
Os estudantes, que ingressaram, oriundo dos povos do campo que concluíram o Ensino
Médio, foram através de estratégias criadas pelas famílias, para as dificuldades encontradas na
precariedade de oferta desse nível de ensino, seja acessando instituições privadas que ofertam
cursos de ensino médio em EaD, seja migrando para as sedes dos municípios para realizar sua
escolarização.
Os professores porque já atuavam nas escolas rurais e não tinham seu acesso garantido
à formação. Esse direito foi compreendido pelos entrevistados, como um problema individual,
e que a única opção que tinham e solução para o problema era sua inserção no Ensino
Superior, através da EaD em instituições privadas, no qual a formação constitui uma
mercadoria a ser acessada e pela qual precisam arcar com os custos, apesar dos seus baixos
salários. As dificuldades apresentadas para acessarem a graduação, no qual estariam
habilitados oficialmente para atuar em sala de aula.
159
A concepção forjada na Educação do Campo tem defendido que os conhecimentos
científicos precisam contribuir na formação de “intelectuais orgânicos” comprometidos com a
defesa dos povos do campo; construindo uma formação que tenha como pilar a reintegração
da uma humanidade cindida na separação entre o trabalho manual e trabalho intelectual na
sociedade e uma formação integral a partir da arte e a cultura como dimensões negadas,
alargado a concepção de educação.
A expansão permitida pelo Procampo que não pode ser analisada, a princípio, como
consolidação do projeto formativo porque para muitos foi o primeiro contato com a Educação
do Campo, com estranhamentos de diferentes grupos e da construção permanente do sentido
da Educação do Campo.
Na Licenciatura em Educação do Campo, houve o encontro da negação dos direitos ao
acesso ao conhecimento científico e de políticas públicas de educação construídas com
sentidos e projetos distintos por isso produzem tensões sobre o projeto de formação. Uma das
tensões foi o encontro da Educação do Campo com as formações das diferentes áreas do
conhecimento, que apesar de previsto que seria um choque na Licenciatura em Educação do
Campo pela história disciplinar e fragmentada da construção do conhecimento.
As diferentes concepções de educação forjadas em campos epistemológicos diversos,
a partir da formação na graduação e pós-graduação se encontraram e torna um exercício
formativo o trabalho coletivo mediatizado pela aproximação da realidade dos povos do
campo, através dos estudantes e do contato com os movimentos sociais do campo.
Essas tensões foram potencializadas e ampliadas, pois concomitante com a expansão
realizado pelo Procampo em 2013, foi constituída uma nova universidade na Amazônia, a
Unifesspa, fruto da luta do movimento docente, nos sindicatos e dos movimentos sociais em
geral. Permeados por uma nova institucionalidade, a Educação do Campo que tinham seu
reconhecimento e legitimidade construída enquanto Campus de Marabá, novamente passa a
ser questionada no movimento histórico de avanço de uma concepção de universidade
paulada por avaliações externas.
Essa diversidade se configurou posteriormente, e tornou um processo formativo
desafiador para os estudantes na vivência da proposta interdisciplinar de formação, e para os
docentes no trabalho com diferentes povos do campo e no encontro da mediação realizada
pelos movimentos sociais do campo. O encontro dessas diferenças estabeleceu campos de
tensão, mediatizados por uma nova realidade institucional: a criação da Unifesspa e da
Fecampo. Analisamos como um movimento dialético que produz as alterações e contradições
nos capítulos quatro e cinco deste trabalho.
160
CONTRADIÇÕES NO PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA
UNIFESSPA
A Licenciatura em Educação do Campo sofreu alterações a partir da política macro do
governo federal, estimulada pelos movimentos sociais do campo para constituir uma política
pública de Educação do Campo. Na Unifesspa, a concepção de formação passou a ser
tensionada pois a expansão permitida pelo Procampo, concomitante com a criação da
Unifesspa, na qual ganharam centralidade as políticas de avaliação do MEC para o ensino
superior e novas configurações em relação ao trabalho docente. O projeto formativo da
Licenciatura em Educação do Campo na nova institucionalidade sofreu questionamentos
externos e internos a Fecampo, pela nova configuração do quadro docente.
Este capítulo tem como objetivo analisar a disputa em torno da concepção de
formação docente, a partir da perspectiva crítica e dos princípios da Educação do Campo em
contraposição a formação neotecnicista presentes nas políticas de avaliação que induz o
trabalho docente no ensino superior, buscando responder ao questionamento: que princípios
foram tensionados, inspirados pela política de avaliação instituída pelo MEC e na formação
do quadro docente provocada pela expansão e o que se reconfigurou na nova
institucionalidade?
Dialogamos com os autores Shiroma et al (2003); Garcia (2009) Sguissardi e Júnior
Junior (2018) e Freitas (2012; 2018), sobre a imposição das reformas do ensino superior,
induzidas por políticas neoliberais, conduzida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
(INEP) e pelo MEC na graduação e pela Capes na pós-graduação, que tem como pilares os
fundamentos um projeto de humanidade e de sociedade individualista, meritocrática e
produtivista e de formação com vistas a competição internacional e não a produz
interpretações e formulações sobre problemáticas que interferem na constituição da sociedade
e da humanidade. Para construção dessa análise, utilizamos como fonte de dados às
observações sistemáticas das reuniões do colegiado e do NDE, a análise documental do PPP,
as entrevistas com docentes e CPP da Licenciatura em Educação do Campo.
O capitulo foi estruturado em quatro subtópicos, nos quais apresentamos as principais
tensões que disputam o projeto de formação humana na Educação do Campo, expressas nos
títulos a seguir: a) a criação da Unifesspa e a constituição da Fecampo b) a avaliação do MEC:
o medo e a responsabilização como estratégia de adequação e alinhamento ao projeto
neotecnicista; c) movimento pela Reformulação do PPP: a disputa entre o trabalho
161
disciplinado individual e a formação coletiva e d) A construção da nova universidade:
“comissões como espaços de decisão” e a intensificação do trabalho docente. No processo de
institucionalização da educação do campo, tais tensões expressam a disputa da concepção de
formação docente; examinar seus impactos na execução do projeto da Licenciatura em
Educação do Campo, na comparação com a proposta original, tem a intenção de evidenciar as
contradições próprias da luta por um projeto coletivo num contexto de educação cuja tônica
tem sido o neotecnicismo.
4.1. A criação da Unifesspa e a constituição da Faculdade de Educação do Campo
A Unifesspa estava se construindo como universidade pública, e tal construção
resultava de uma luta regional que congregava movimentos organizados e docentes, com
anseios em construir a autonomia administrativa e financeira da UFPA. O fortalecimento da
concepção de universidade pública, laica, gratuita e de gestão pública e que oportunizasse o
crescimento e o avanço da pesquisa na região, com a construção de cursos de pós-graduação
lato e stricto senso e pelo desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão como pilares de
uma universidade pública socialmente referenciada, pela demanda regional nas diferentes
áreas do conhecimento.
O Campus de Marabá tinha uma forte tradição de atuação política e de relação com os
movimentos sociais, em diferentes cursos, tendo no trabalho com a questão agrária da região,
articulado a um projeto de desenvolvimento, uma defesa histórica. Havia o interesse em
disputar a concepção de universidade que se forjava na Amazônia.
Os debates mobilizados em torno do seu PDI provisório e o processo de deflagração
da Estatuinte, com a construção do seu Estatuto, no qual estaria expressa a concepção de
Universidade a ser instituída, levaram a criação dos Institutos. A universidade foi organizada
através de Institutos, como proposta provisória, e reafirmada durante a Estatuinte.
A Unifesspa foi organizada em sete institutos compostos por faculdades que se
agruparam por afinidade temática e política. Uma das primeiras alterações foi a constituição
da primeira Faculdade de Educação do Campo (Fecampo) do Brasil, que juntamente com as
Faculdades de Pedagogia, Ciências Sociais, Geografia, História compuseram o ICH.
A Fecampo se tornou a maior faculdade em número de docentes. Os concursos
públicos com as vagas do Procampo foram realizados no período de 2013 a 2016. Os quinze
docentes e os três técnicos começaram sua atuação na nova institucionalidade, a partir de
2014, compondo um total de 25 docentes.
162
O corpo docente do Campus de Marabá era formado em sua maioria por professores
com a titulação em nível de mestrado. Houve uma pressão para que os mesmos pudessem se
qualificar, para aumentar o número de doutores como política de fomento à melhoria dos
índices de avaliação da universidade. Concomitante a criação da Unifesspa foi organizada
uma política de qualificação, com a liberação para licença de estudo. A exigência de
doutorado passou a ser o título inicial nos concursos, para exercer a docência no ensino
superior.
O perfil dos novos docentes concursados de doutores recém-formados ou cursando. A
Unifesspa, para muitos, constitui a primeira experiência na docência. Parte dos docentes da
Fecampo, no desejo de contribuir da construção dessa instituição de ensino, assumiram a Pró-
Reitora de Extensão e posteriormente, a vice-reitoria, a única docente que tinha concluído o
doutorado.
Foi estimulada a produção de plano de afastamentos para qualificação em todas as
faculdades da Unifesspa. Na Fecampo, iniciou-se um movimento de afastamento para
doutoramento de quatro docentes, dos que constituiriam o quadro inicial do curso. Dos quinze
docentes aprovados em concursos público que ingressaram pelo Procampo, sete estavam
cursando o doutorado, o que resultou em novas negociações para garantir a realização da
formação e liberação parcial para conclusão do doutorado.
De forma que, durante a pesquisa de campo, apenas dezessete docentes estavam em
exercício, uma liberada integramente para as atividades de gestão. Alguns haviam retornado
recentemente do doutoramento. E quatro docentes possuíam formação em nível de mestrado,
com previsão de liberação a partir de 2020.
Ao mesmo tempo, novas turmas ingressaram, após o edital Procampo, com um
aumento na quantidade de orientandos de Trabalho de Conclusão de Curso, bem como da
carga horária de trabalho dos docentes. Foram contratados apenas dois docentes na condição
de professor (a) substitutos (as), sem reposição das outras vagas de docentes em
aperfeiçoamento.
4.2. A avaliação da Educação do Campo pelo MEC: medo e responsabilização como
estratégias de adequação e alinhamento ao projeto neotecnicista
As reformas baseadas na racionalidade instrumental têm como fundamento a
subordinação das instituições de ensino superior às regras do mercado, pela competição e
pelas alterações das suas finalidades educativas como lócus de produção e socialização de
163
conhecimento. A partir de estratégias como corte do financiamento para suas atividades,
subordinam as ações das universidades a políticas de ranqueamento da educação. A educação
é entendida como serviço para ser posto à venda no mercado, alterando a gestão pública que
direciona através de resoluções centralizado no MEC; ocorre uma diversificação das
instituições de ensino superior e uma diminuição de sua autonomia pedagógica e financeira.
(SHIROMA et al, 2003).
O ensino superior passa a ser pensado e organizado a partir de quatro eixos: o Estado,
o mercado, a academia e a forma institucional privada. Nesse sentido, o Estado passa a
direcionar sua ação para a coordenação e o controle no campo de ensino no jogo do poder
(SHIROMA et al, 2003).
Para Freitas (2018), no Brasil, há uma rede difusa de alianças para promover a
legitimação da concepção neoliberal de sociedade e de educação. A intencionalidade é
legitimar a compreensão da educação enquanto mercadoria ou serviço prestado. Então “o
objetivo final é a retirada da educação no âmbito do direito social e sua inserção como um
serviço no interior do livre mercado, coerente com sua concepção de sociedade e de Estado”
(p. 41); essa perspectiva atinge frontalmente os fundamentos da concepção de educação
construída no movimento da Educação do Campo.
A expressão “reforma empresarial da educação” tem sido utilizada por esse autor, para
melhor conceituar as propostas atuais de reforma da educação, em seus diferentes níveis.
Segundo Freitas (2018) as mudanças produzidas introduzem, dentro do sistema público de
ensino, os objetivos e processos das organizações empresariais. Para ele, as intencionalidades
do modelo empresarial visam definir autoria, financiamento e intencionalidades da educação e
para isso precisam destruir uma concepção de educação pública, através da adoção de uma
nova estratégia de gestão, que passou a ser operada pelos interesses privatistas.
O autor apresenta as diferenças radicais entre os conceitos de público e privado, pois
foram desenvolvidas novas formas de privatizações dos espaços públicos, forjadas no interior
da administração pública. Para ele, “público é um bem comum gerido democraticamente, é
uma “instituição social; privado é uma propriedade de alguém, uma “organização”
administrada privadamente, tanto do ponto de vista do locus do poder, quando dos métodos
[...] a concepção de sociedade neoliberal coloca a organização empresarial no centro das
políticas públicas (FREITAS, 2018, p. 50). Em sua implementação, se apropria dos conceitos
de participação e de democracia, pois atribui aos gestores, docentes e técnicos, como
responsáveis, a implementação de uma concepção privatista de educação.
164
O vetor de privatização da educação pública é um processo progressivo que vai
ganhando legitimidade no âmbito da sociedade. São exemplos a padronização, através de
bases curriculares nacionais, os exames a partir de testes censitários e a responsabilização
verticalizada. A lógica é que, definindo o que deve ser ensinado, a escola saberá o que ensinar
ou não, e a responsabilidade premiará quem ensinou e punirá quem não ensinou. A isso a
reforma chama de “alinhamento” (FREITAS, 2018).
Para a educação básica brasileira, foram propostas as reformas curriculares e a
avaliação externa através da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), os exames e
responsabilização pelos resultados; a restrição ao financiamento público como dispositivos da
reforma que induz a melhoria da qualidade, a partir da uma intensificação do trabalho
docente, como os únicos responsáveis pela qualidade do ensino ofertado, com o ataque a
carreira docente, bem como aos direitos conquistados. Esses mecanismos foram implantados
de cima para baixo e ancorados em leis, que na prática levam as redes públicas a uma série de
possiblidades de privatizações por dentro do sistema público [...] (FREITAS, 2018, p.79-80).
Na educação superior, as reformas têm produzido impactos na carreira docente, ao
atacar a dedicação exclusiva e congelar salários, empurra muitos docentes para trabalho
complementar no setor privado. Ao reduzir verbas públicas de pesquisa, leva o pesquisador a
buscar financiamento em empresas, ongs, organizações internacionais. E, principalmente, cria
carreiras diferentes e que competem entre si: professores terceirizados tenderão a detestar os
concursados porque suas condições de trabalho são bem piores. E eles não têm obrigações
para com o coletivo como o todo da universidade.
Os impactos em relação ao trabalho docente podem ser vislumbrados em diferentes
níveis, um deles é a desvalorização do ensino, e em consequência, dos docentes que atuam
apenas na graduação; que também tem suas finalidades educativas reorientadas pelos
organismos internacionais, principalmente a partir da orientação da OCDE, que desejam que o
ensino superior seja transformado em uma educação terciária, nos limites do mercado.
(SHIROMA et al, 2003).
A engenharia da privatização da Educação Superior possui alguns mecanismos para
produzir e alimentar a competição entre os cursos e entre as instituições de ensino através de
metas inatingíveis porque diminuem o financiamento público para melhorar a eficiência da
gestão e o culto a nota mais alta. As intervenções centralizadas do Governo Federal, a partir
do final dos anos 1990 do século passado, contribuíram para forjar uma concepção de
165
educação baseada no trabalho individual e no mérito, traduzido pelo ranqueamento que gera o
aumento da competitividade nas universidades (GARCIA, 2009).
As avaliações externas têm essa função de construir uma competição e redirecionar a
ação pedagógica a partir de interesses privados e esse processo é delegado aos docentes e
técnicos das instituições (FREITAS, 2018).
Houve um redirecionamento da ação político pedagógica nas universidades. O MEC
através de suas secretarias, passou a conduzir os processos pedagógicos no ensino superior a
partir de orientações “técnicas” as instituições de ensino, além da criação de órgãos
deliberativos a partir de portaria e resoluções, atribuindo ao Inep o papel de avaliador do
ensino de graduação e a agências financiadoras da pesquisa, o CNPq, através de editais, como
direcionador das temáticas de pesquisas a serem financiadas, tendo foco a pesquisa aplicada e
políticas focais, sendo a Capes a agencia reguladora da pós-graduação no Brasil.
Para os autores Sguissardi e Silva Junior (2018), o trabalho docente foi profundamente
impactado pelas políticas de avaliação em diversos níveis. Em relação à docência no ensino
superior, ela pode ser analisada em diferentes dimensões, induzidas pela política de avaliação
da pós-graduação pela Capes que produziu uma “sociabilidade”.
A agência acima citada estimulou a competição e a intensificação da produção em
curto espaço de tempo, bem como a divulgação dessa produção científica em um mercado
editorial, a partir de um ranqueamento produzido na classificação dos programas e revistas, a
partir da nota estabelecida, que produz e alimenta a hierarquização da produção no país, ao
produzir o ranqueamento e o acesso aos recursos públicos pelos programas atrelados ao estrito
sentido dos critérios que se baseiam na produtividade.
A intencionalidade da melhoria da qualidade da formação dos pesquisadores, bem
como o estímulo à participação na produção científica em nível internacional foi destacado
como propósito central. Entretanto, segundo Sguissardi e Silva Junior (2018), outro problema
da lógica produtivista que foi estimulada por essa lógica de compreensão estrita da avaliação
foi à indução ao trabalho individual para docente e pesquisadores porque as citações nas
plataformas de pesquisadores passaram a serem utilizadas como referencia de produtividade e
como critério de avaliação na concorrência para acesso aos recursos públicos na política de
edital. Dessa forma, o avanço do conhecimento científico está atrelado ao mérito e
reconhecimento individual.
Na Unifesspa, houve um silenciamento na política de formação docente, a princípio,
com poucas ações da Pró-Reitora de Graduação, pela necessidade de estruturação do quadro
de atuação. Após a constituição do quadro de técnicos, integrantes dos novos concursos; sua
166
atuação tem centrado em responder as demandas apresentadas pelo MEC, em relação aos
cursos, centrado na reformulação, adequação e aprovação dos Projetos Políticos Pedagógicos
e das políticas derivadas tais como as novas orientações para estágio e prática pedagógica etc.
Foi constituído um novo quadro de docentes e técnicos, cujo trabalho se constituiu na
primeira experiência no serviço público federal; alguns com experiência anterior em
empresas. Há um empenho desse quadro de técnicos recém-ingressos, em tornar a Unifesspa
uma universidade de referência.
Esse desejo foi expresso na missão da instituição “a Unifesspa tem como visão ser
referência nacional e internacional como universidade multicampi, integrada à sociedade, e
centro de excelência na produção acadêmica, científica, tecnológica e cultural.”28 A
necessidade de se tornar um centro de excelência, tem sido expressa na centralidade dos
resultados da avaliação dos cursos, foco das notícias diariamente apresentadas na página
eletrônica institucional.
A intervenção a partir de avaliações externas comandadas pelo MEC foi
regulamentada a partir da Lei Federal nº 10.861/04, que criou o Sinaes e institui a criação das
Comissões Próprias de Avaliação (CPA) nas universidades. Na Unifesspa, essa comissão foi
criada em 2014, com representação de docentes e técnicos. A função dessa comissão está
explicita na apresentação disponível na página institucional29:
A CPA fundamenta-se na necessidade de promover a melhoria da qualidade da
educação superior por meio do processo de Avaliação Institucional como
instrumento norteador das ações e transformações necessárias ao pleno
desenvolvimento da Instituição, conforme preceitua a Lei 10.861, de 14 de abril de
2004, que instituiu o Sinaes (UNIFESSPA, 2019).
As atribuições da CPA são coordenar os processos internos de avaliação, acompanhar
e orientar as coordenações dos cursos para a avaliação institucional a ser realizada pelo MEC
assim definida: “atribuição a coordenação dos processos internos de avaliação da instituição,
de sistematização e de prestação das informações solicitadas pelo Inep/MEC” (UNIFESSPA,
2019). Na nova institucionalidade, a avaliação externa passou de um processo pontual para
ser uma pauta permanente, afetando o funcionamento da Fecampo:
Foi a partir do ano passado na verdade que as reuniões da Fecampo e principalmente
a partir da CPA. Cria-se uma estrutura na universidade que nos lembra a todo
momento, que nós seremos avaliados. Então, nós precisamos cumprir uma série de
quesitos sobre a avaliação. É importante que a gente seja lembrado, mas acaba que a
gente acaba focando muito tempo da nossa discussão sobre elementos da avaliação,
quando a gente poderia dedicar a outras coisas. Então, aí, em 2017, o curso
28 A missão está na página da Unifesspa. Notícia publicada em 2014, disponível em
<https://www.unifesspa.edu.br/inst/historico/45-institucional/73-missao-e-visao> . Acesso em jun.2016. 29 Página da CPA, disponível em https://cpa.unifesspa.edu.br/component/content/article.html?id=230, acessado
em 30 de setembro de 2019.
167
completou os quatro anos da última avaliação, aí a CPA começa a bater na nossa
porta e começa a falar sobre avaliação. Fez algumas reuniões, foi na Faculdade, foi
no Instituto (Dandara, docente, entrevistada em 08/02/2019).
A CPA passou a demandar e orientar o trabalho dos colegiados, a partir de reuniões,
nas quais apresentam um checklist do que deverá ser encaminhado, direcionado a partir da
interpretação do formulário do MEC. A coordenação do curso foi informada do processo
avaliativo e a CPA passa a coordenar reuniões regulares com as duas instâncias do curso:
NDE e com a coordenação do colegiado, conforme a informação trecho abaixo:
A reitoria cria, cada instituição pela estrutura do MEC, tem que ter essa comissão.
Enfim, aí nos últimos anos, a Unifesspa acabou intensificando o trabalho dessa
Comissão Própria de Avaliação (CPA), de modo que eles destinaram um servidor
para acompanhar cada curso que vai ser avaliado pelo MEC. Então, 2017 foi um
tormento para os cursos que iria passar pela avaliação pelo MEC. A própria
comissão, a CPA, passou a demandar reuniões regulares, com a direção e com
núcleo docente estruturante, trazendo as responsabilidades da direção e do Núcleo
Docente, trazendo as questões prioritárias, que a gente teria que organizar. Foi uma
atividade bem desgastante porque acabou reorientando todo o trabalho da direção, se
antes a gente tinha um plano de gestão com as nossas prioridades, a avaliação do
MEC, ela acaba reorientando. Foram feitas várias reuniões para entender o que é o
instrumento de avaliação do MEC! E várias atividades, para inclusive, adequar, no
sentido de atualizar o PPC para estar de acordo com essas exigências (Dandara,
docente, entrevistada em 08/02/2019).
O MEC, através da Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CONAES)
instituiu o Núcleo Docente Estruturante do Curso (NDE) para os cursos de graduação, a partir
da resolução de nº 01 de 17 de junho de 2010. Esse núcleo seria o lócus para avaliar o projeto
politico pedagógico do curso, realizar o acompanhamento, discutir e propor alterações,
orientado pelas finalidades educativas dos processos pedagógicos; seria constituído por
docentes que fossem lideranças intelectuais do curso.
Na Licenciatura em Educação do Campo em estudo, o NDE foi instituído em 2013,
através da portaria ainda como parte integrante do Campus de Marabá/UFPA. A princípio,
todos os professores do colegiado compunham o núcleo, havia apenas nove docentes e foi
acordado que todos precisavam participar diretamente da constituição dos debates do projeto
formativo. Não houve separação entre a coordenação do colegiado e a coordenação do NDE,
cargo exercido por docentes que tinham a titulação de mestrado.
Na Unifesspa, a orientação que disciplina a constituição do NDE foi a separação entre
a coordenação do colegiado e a coordenação desse núcleo. O critério para ocupar esse núcleo
passou a ser o título de doutor; bem como o número de docentes foi limitado, conforme
orientação, constituindo de doze representantes dos docentes. A justificativa para essa
fragmentação foi aprofundamento dos debates, nas reuniões, que teriam caráter pedagógico,
reservando a reunião do colegiado para o caráter das pautas administrativas. Essa
168
fragmentação provocou que um número de docentes passou a não participar diretamente dos
debates pedagógicos, produzindo hierarquias de informações sobre o andamento da
Licenciatura em Educação do Campo.
A Licenciatura em Educação do Campo passou pela primeira avaliação do MEC em
2013 e havia recebido a menção/nota 4,0. Essa informação foi considerada relevante porque
adentrou ao texto do PPP:
Informamos que o curso de Licenciatura em Educação do Campo/campus
universitário de Marabá encontra-se em processo de reconhecimento e certificação
pelo MEC/INEP/DAES, sob processo nº 201013329 e Código de Avaliação nº
88618 e receberemos a visita presencial da Comissão avaliadora do
MEC/INEP/DAES no período de 17 a 20 de março de 2013 (UNIFESSPA, 2014, p.
19).
A partir desse reconhecimento externo, o referido documento apontava também a
preocupação em constituir o reconhecimento social, entre os diversos sujeitos coletivos que
demandaram sua constituição e para a sociedade em geral. O PPP apresentava outros espaços
de reconhecimento social do curso, como podemos analisar no trecho abaixo:
Diante disso, o curso vem centrando esforços em duas frentes de articulação e
mobilização, uma caracterizada pelo ‘reconhecimento institucional’ interno à
universidade, onde o curso já encontra-se aprovado por resoluções específicas da
própria universidade e estamos buscando aperfeiçoá-lo com a proposição desse novo
Projeto Político Pedagógico e uma outra frente de trabalho que estamos tratando
como o ‘reconhecimento social do curso’, tanto por parte das organizações e
movimentos sociais organizados do campo presentes em nossa região, como
também na divulgação e realização de eventos, seminários e reuniões de trabalho
com as Prefeituras, Secretarias Estadual e Municipais de Educação e o próprio MEC
no processo de avaliação e reconhecimento do curso com o objetivo dos educadores
formados pelo curso terem a possibilidade plena, por exemplo, de poder prestar
concurso público e serem admitidos nas estruturas educacionais do próprio Estado
(UNIFESSPA, 2014, p. 23).
Havia uma preocupação quanto ao reconhecimento institucional da Licenciatura em
Educação do Campo, em diferentes âmbitos, desde a formação por área de conhecimento
através dos concursos públicos nas secretarias municipais e estaduais, bem como o
reconhecimento dos movimentos sociais que constituíram e demandaram a formação.
Durante a pesquisa de campo desta tese, a temática da avaliação externa era norteadora
para os debates estabelecidos no âmbito da Fecampo, pois as pautas das reuniões do colegiado
eram apresentadas, a partir da frase: “como vocês, sabem, estamos aguardando a visita do
MEC". As implicações internas no coletivo podem ser traduzidas por uma tensão permanente
e a busca por garantir a manutenção ou elevação da qualidade, considerando apenas a nota
atribuída no processo avaliativo externo.
169
O tempo institucional do curso passou a ser direcionado para preparação dessa visita.
Havia uma previsão para 2017, que foi estendida para os anos de 2018 e 2019. Os debates no
colegiado, durante a pesquisa de campo, em 2018, visavam atender todas as adequações aos
critérios de avaliação e a espera dos avaliadores. Até o final da escrita dessa pesquisa, não
ocorreu a finalização do processo porque não foi marcada a referida data.
O relato abaixo apresenta como essa tensão impactou no andamento das ações. Ela foi
apresentada na metáfora de uma “sombra” que vai ofuscando e ocupando o tempo pedagógico
dos espaços de gestão do curso:
E a gente fica aí, naquele negócio, igual o pessoal que vai ser despejado. O que a
gente faz para avançar? Não, mas tem a avaliação do MEC, impede que a gente
avance em qualquer coisa, com a sombra da avaliação do MEC. O que a gente mais
queria, era que a avaliação tivesse vindo logo, para a gente poder avançar em outras
coisas, mas fica essa sombra da avaliação do MEC o tempo todo (Pedro, docente,
entrevistado em 07/03/2019).
A expressão “igual o pessoal que vai ser despejado” é uma metáfora importante pois
apresenta a potencialidade de paralização de outras demandas e o redirecionamento do
planejamento tornando-se uma ação reguladora do cotidiano.
Os critérios são considerados apenas “técnicos” para adequação às exigências
institucionais a partir das regulamentações oficiais. Após essas reuniões, os encaminhamentos
são instituídos nas reuniões do colegiado, como temática norteadora das ações, que conduzirá
os outros trabalhos. Essas exigências direcionam a ação docente, incidindo a princípio no
documento que constitui o PPP dos cursos. Nessa forma, o projeto formativo da instituição é
redirecionado e submetido para atender aos critérios e a lógica da avaliação externa.
A primeira análise técnica realizada apresentou uma lista de sugestões, adequações e
reorientação do PPP. Foi sugerida uma reformulação do PPP, principalmente com a criação de
resoluções específicas de Estágio, TCC e atividades complementares. Uma primeira
orientação, segundo os docentes entrevistados, foi a retirada do termo “político” do projeto,
de forma que passou a denominar Projeto Pedagógico do Curso (PPC). Caso a orientação não
fosse seguida, ao encaminhar o documento para avaliação dos setores responsáveis pela
graduação, os técnicos fariam a substituição da nomenclatura. Nas entrevistas realizadas, os
docentes não utilizam mais a expressão PPP, o que demonstra o poder de normatização de
uma regra estabelecida.
Outra sugestão quanto à revisão do documento norteador da formação foi sobre as
referências bibliográficas utilizadas nas ementas dos componentes curriculares. Um dos
170
critérios de avaliação (item 3.6 e 3.7 no formulário30
do MEC) pontuava as bibliografias
básicas e complementares utilizadas nas disciplinas da graduação. A orientação recebida foi
que as referências básicas utilizadas no PPC fossem limitadas a três indicações de livros ou
artigos e as bibliografias complementares, a cinco indicações. O critério definido para os que
permaneceram era a existência de exemplares na biblioteca. Outra opção seria indicar
publicações em formato digital, mas precisavam ser disponibilizados os links, para consulta
posterior pelos estudantes, em todos os componentes curriculares do projeto. No trecho
abaixo, a entrevistada apresenta uma descrição desse momento:
Uma coisa que foi feita e que me trouxe muito sofrimento, foi a questão da revisão
da bibliografia porque foi criada, foi reforçada uma Comissão Própria de Avaliação
(CPA) porque aí para fins de avaliação do MEC, tem que observar se a Faculdade
dispõe né, da bibliografia que ela indica no PPC do curso e se dispõe na biblioteca.
E foi um dos itens que nós levamos muita paulada nessas primeiras conversas com a
CPA. Inclusive eles destacaram técnicos do CTIC (Centro de Tecnologia da
Informação e Comunicação) para fazer essa conferência, e quando eles devolveram
a lista para a gente, foi um choque porque boa parte das referências citadas no PPC
não constava na biblioteca. E isso acabou vindo essa pressão, retirasse essas
referencias, deixando só aquelas que estavam no acervo da biblioteca. Isso foi muito
ruim fazer isso porque a sensação é de mutilação mesmo, a sensação de que você
está fazendo uma coisa que você não acredita, então foi um pouco isso. [...] Eles
fazem reuniões com as direções e com o NDE. Para, usando a expressão muito ruim,
para fazer esse alinhamento (Dandara, docente, entrevistada em 08/02/2019).
Os critérios utilizados para realizar críticas ao PPP do curso foram construídos
baseados apenas pelo viés neotecnicista. O Centro de Informação da Universidade foi
mobilizado para construir uma planilha com os livros existentes na biblioteca e os que
constavam nas referências do PPP. Percebemos uma ausência de problematização, bem como
a ausência de outras soluções tais como a universidade adquirir novos acervos bibliográficos,
(apesar dos limites orçamentários, já que a instituição estava constituindo as bibliotecas nos
Campi, ainda em expansão). A especificidade da Educação do Campo, cujo projeto formativo
mobiliza várias temáticas importantes, diferenciando-a das outras licenciaturas, também não
foi levada em conta. A orientação geral foi pela supressão no projeto das referencias
utilizadas, considerando como central o acervo já existente, ou seja, o princípio não foi
garantir a formação dos estudantes e como isso a qualidade do curso, mas que a regra
estabelecida deveria ser cumprida. As alterações de cunho teórico no curso, limitando aos
acervos existentes implica na restrição da formação expressa no projeto: é uma interferência
direta nas questões pedagógicas. A longo prazo, restringe e limite uma compreensão do
trabalho docente, porque ele constituiu uma referência para novos docentes, no trabalho
30 Formulário do MEC para avaliação dos cursos de bacharelados e licenciatura disponível para consulta em
http://inep.gov.br/instrumentos. Acesso em jun.2019.
171
posterior de planejamento em sala de aula. O termo “alinhamento” é apropriado porque é a
condução de um processo neotecnicista que visa alinhar aos objetivos do trabalho docente a
interesses externos, vinculados a uma concepção neoliberal de educação, sendo a mutilação
parte de enquadramento do projeto formativo (FREITAS, 2018).
Apesar do “sentimento ruim” e o “sofrimento” na realização de tal tarefa narrados pela
entrevistada, o técnico se sobrepõe como regra estabelecida. A contradição que se apresenta
com relação à problematização e crítica da realidade, central na proposta da formação docente
na Licenciatura em Educação do Campo tem como princípio, nos parece uma questão
importante para pensar esse momento da institucionalização, pois não houve questionamento
sobre o significado dessa imposição sobre a formação dos estudantes e, consequentemente,
sobre o trabalho docente.
A centralidade no cumprimento da regra ou a aceitação da interpretação dada pelos
técnicos que atuam na Pro-Reitoria de Ensino de Graduação (Proeg), a cada critério
estabelecido pelo MEC, produz direcionamento no trabalho docente e pedagógico. Em relação
a interpretação desse critério, diz um dos entrevistados:
Então, em um primeiro momento eu vi apenas como um critério. Foi a gente fez a
primeira formatação do PPC e enviou. Aí volta, enviou para a Proeg, em um setor
que cuida do PPC. Aí retorna desse setor, volta com a orientação, que precisa ficar
apenas três referências básicas e cinco complementares porque está na avaliação do
MEC. Aí, pessoalmente você até pediu para eu procurar, eu não encontrei o
documento onde fala isso. Simplesmente, busquei acatar, junto com a Dandara. Não
problematizamos esse elemento. Até porque aí é ignorância minha, mesmo. Não
vejo isso como algo que afetaria a minha prática docente. Para mim, era só um
elemento, era uma regra que tem que cumprir, beleza. Porque vai pontuar, tem uma
série de coisas ali, que a gente seria penalizado se não cumprisse. Mas não afetaria a
prática docente. Até porque uma coisa que eu aprendi aqui, você tem o PPC escrito e
o PPC que é efetivamente. O currículo prescrito e o currículo praticado. Então
assim, o currículo que você pode praticar na prática docente, não precisa exatamente
está como o que está ali escrito (Pedro, docente, entrevistado em 07/03/2019).
Esse processo tende a produzir alterações importantes na autonomia universitária e na
capacidade de formulação teórica atribuída aos docentes. Os critérios de análise passam a ser
a pontuação estabelecida para cada item, atingida geralmente pelo temor da penalização. A
criticidade e capacidade de questionamento daquilo que está instituído é abandonada: as
regras são entendidas como imutáveis e os envolvidos não veem possibilidade senão aceitação
e cumprimento delas, se quiserem ser premiados com o conceito máximo.
Também consideramos que, além da pressão exercida, influenciaram certos fatores
internos ao coletivo da Fecampo, como a pouca experiência de trabalho dos docentes no
ensino superior (que podem não se sentir autorizados a questionar sobre os técnicos da Proeg,
considerados superiores numa hierarquia). No entanto, mantemos os questionamentos de que
172
qualquer imposição dessa ordem, implica num cerceamento pois induz à compreensão de que
quantidade é qualidade (por isso a limitação do número de livros utilizados aos títulos
existentes na biblioteca, implica reduzir a formação à disponibilidade do acervo existente num
dado momento histórico).
Outra interpretação importante apresentada no relato acima era acerca da liberdade de
cátedra que os docentes possuem no ensino superior. Tal liberdade lhes garante direcionar o
trabalho nos componentes curriculares, considerando a concepção de currículo defendido por
Sacristán (2000) que estabelece distinção entre currículo prescrito e o currículo praticado.
Desse ponto de vista, não haveria perdas na formação porque as referências utilizadas nas
ementas das disciplinas expressas no PPC seriam apenas norteadoras. Entretanto, essa
liberdade de cátedra também foi ferida, porque induz ao questionamento do referencial teórico
utilizado, bem como um abandono dos autores clássicos e dos fundamentos da teoria. Nas
políticas de avaliação da Capes houve uma indução à supervalorização da produção teórica
recente, dos últimos cinco anos, considerando que o conhecimento científico depois desse
período fica obsoleto pelas produções das pesquisas recentes, o que também é considerado de
maior valor nas avaliações individuais dos docentes. No entanto, a produção recente tem
sofrido a pressão pela produção em curto espaço temporal, aumentando consideravelmente a
quantidade de artigos produzidos, mas diminuindo a qualidade das pesquisas realizadas.
Segundo o relato abaixo, essa temática retornou inúmeras vezes nas reuniões em que
se analisou certa inoperância dos docentes acerca de tal redução de referências:
Nas reuniões do colegiado, não é porque tantas coisas foram feitas por causa da
avaliação do MEC é porque as coisas que foram propostas, elas não foram feitas.
Por exemplo, a própria reformulação do PPC, reformulação entre aspas porque as
coisas de retirar as referências. A ideia era que os professores, olhassem as suas
disciplinas, e repensassem ali, quais as referências que realmente está utilizando,
quais poderiam ficar, quais poderiam retirar. E isso, a gente propõe na reunião do
colegiado, demanda, e o pessoal não fazer, aí volta e fica nessa insistência, de
reunião após reunião. Então, a recorrência não é nem por conta de elementos novos
porque os elementos que foram colocados, solicitados, não foram feitos (Pedro,
docente, entrevistado em 07/03/2019).
Segundo esse relato, há uma compreensão de inoperância dos docentes para a
realização da tarefa, mas não tal inoperância não é interpretada como resistência, apenas um
não envolvimento nas questões administrativas da faculdade. Tornou-se uma temática
recorrente porque os docentes não realizaram o trabalho; como consequência, os cortes
exigidos nas referidas bibliografias foram realizados pela gestão da faculdade. O debate sobre
as finalidades do processo pedagógico e da importância da teoria que fundamenta a prática
pedagógica deixou de acontecer, bem como as discussões sobre as consequências a longo
173
prazo para o curso, entendendo-se aquilo apenas como uma “ação pendente que precisava ser
encaminhada” (Pedro, docente, entrevistado em 07/03/2019).
A compreensão da direção da Fecampo era, a princípio, que as alterações propostas
pelos técnicos que analisaram o projeto, não produziriam alteração na prática docente, pois
acreditavam que a autonomia dos docentes no processo pedagógico estava preservada,
traduzida no planejamento e na realização de suas atividades de ensino. No entanto, essa
política tem ampliado o controle sobre o trabalho docente quando os planos de aula dos
docentes são instrumentos utilizados na avaliação, buscando conferir a execução do que está
proposto no PPP.
A problematização dessa ação foi realizada posteriormente por um dos entrevistados,
após participar da construção do PPC de outro curso:
Aí que eu fui perceber o quanto é importante que você tenha no PPC as coisas,
porque para mim, embora, tirar as referências lá não se passou de uma regra a ser
cumprida e que não iria alterar de forma alguma, minha prática docente. O fato de
não estar lá, você invisibiliza muita coisa. Estar no PPC é uma garantia, de quem
quiser cobrar do aluno, da comunidade, que aquilo seja feito. Estar no PPC é um
norteador da contratação de professores com o perfil. [...] Hoje eu percebo, embora
que para mim, na prática docente, não vai alterar lá, não muda nada na minha prática
docente. Mas no contexto mais geral, faz diferença. Porque você vai retirando dos
espaços os elementos que você considera importante. A referência é apenas uma
delas, você torna minimalista, sintetizando tudo, se restringe ao que tem na
biblioteca. Então, tem que ser o que está na biblioteca. Os livros que são referências,
que permite uma análise, às vezes são mais antigos. São clássicos. Você não
consegue comprar mais. A biblioteca não tem, ou seja, entra em um processo de
esquecimento de muitos, muitas bibliografias que deveriam estar contempladas lá.
Então, hoje eu já tenho uma leitura um pouco mais crítica sobre isso. Mas, um pouco
a partir dessa experiência de Xinguara, dessa história do PPC de Xinguara (Pedro,
docente, entrevistado em 07/03/2019).
Segundo a coordenação do curso em exercício, esse momento de revisão do Projeto
Pedagógico também foi aproveitado para reivindicar a infraestrutura necessária para
funcionamento, conforme o tamanho e as demandas específicas da faculdade. Essa questão
constituía um gargalo, porque a expansão constituída no Procampo implicou apenas no
ingresso de docentes e técnicos, mas não foi prevista infraestrutura física necessária, o que
gerou limitações posteriores, principalmente com relação à quantidade de salas de aula. Esse
debate foi remetido ao Instituto de Ciências Humanas (ICH), responsável na estrutura da
Unifesspa pela gestão dos seus espaços.
O PPP do curso foi aprovado com a indicação da existência de dois laboratórios: o
Laboratório de Cartografia e o Laboratório de Memória Audiovisual do Campesinato e da
Questão Agrária. Assim, foi reivindicada a constituição de estrutura física para eles, segundo
Pedro:
174
Bom, tem aquela planilha lá do MEC, aquele roteiro que a gente deve se adequar.
Aí, eles criaram um mecanismo próprio da universidade para tentar fazer com que os
cursos consigam a nota máxima. [...] Então, eles criam lá uma metodologia própria
deles. E dizem: Olha, vocês têm que fazer isso, isso e isso aqui assim. Aí a SINFRA
já está organizada para atender isso, isso e isso. Até certo ponto, a gente tentou
aproveitar isso porque houve uma destinação de uma verba alocada que era para os
cursos em avaliação, acho que tinha algo em torno de quinhentos mil reais. Aí, a
gente pegou e disse: precisamos do laboratório. Começamos a pedir coisas para o
laboratório. Então, entramos nas licitações aí, e solicitamos um monte de
equipamento para o laboratório de memória, computador, um notebook, um GPS,
scanner, drone, câmeras, equipamento de edição de vídeo, ou seja, se tudo chegar, a
gente vai ter uma baita de um laboratório, mobiliado para adequar tudo isso. Mas foi
muito nessa perspectiva da avaliação do MEC, e até agora não veio (Pedro, docente,
entrevistada em 08/02/2019).
Os resultados das avaliações institucionais passam a guiar a vida universitária. As
condições de funcionamento dos cursos como a infraestrutura física, o acervo bibliográfico e
outros limites, são interpretados como responsabilidade do curso e não parte da política
implementada dentro do MEC, ao priorizar o financiamento das universidades privadas,
submetendo as públicas aos inúmeros contingenciamentos que produzem a falta de
investimento em capital na sua estruturação. A Lei nº55/2016 instituiu a aprovação de novo
regime fiscal e congelou os gastos com saúde e educação, estabelecendo que poderão ser
corrigidos apenas a inflação do período a partir do ano de 2018. Essa lei, que reformou a
Constituição brasileira, constituiu um forte ataque ao cumprimento do direito à educação,
limitando a expansão, dificultando a manutenção e impedindo o acesso das novas gerações à
universidade pública e colocando a educação como uma mercadoria, a ser disponibilizada no
mercado neoliberal.
Trata-se de novos ataques que as universidades públicas vêm sofrendo, com a intenção
de deslegitimá-las como locus de produção de conhecimento. Essa lei constitui uma ameaça
ao direito a educação pública do país em diferentes níveis porque produz uma estagnação do
orçamento durante vinte exercícios financeiros e uma diminuição progressiva das condições
de oferta, que até os dias atuais, não abrangeu os povos do campo na educação básica.
As reformas e as políticas nacionais de avaliação afetaram diretamente os docentes,
os quais passaram a serem responsabilizados pelos resultados dos índices alcançados pela
educação por critérios de avaliações externos; outra questão importante é que a avaliação
proposta não tem funcionado para retroalimentar o processo educativo, sendo utilizada para
ranqueamento, para hierarquização dos cursos, para servir de barganha na disputa do acesso a
recursos públicos, bem como para alimentar a educação como um produto que pode ser
apresentado no mercado de commodities.
175
Há, nas falas dos entrevistados, a compreensão de que as reformas do ensino, seja na
educação básica, seja na educação superior fazem parte de um projeto neoliberal de
privatização do público e do retorno ao neotecnicismo na educação. Uma docente, que fez
uma avaliação de todo o processo, afirma:
Assim, no todo esse é o projeto de privatização da Educação, né. Para mim, em geral
a BNCC tira todo o aspecto da formação de gente, né, de autonomia, de criticidade,
um aspecto político. É assim, vamos precarizar porque aí você só põe uma mão-de-
obra que sabe ler e escrever e ligar as máquinas. Voltar para os anos 60/70 como
Ensino Médio, a mesma coisa. E da Universidade pública, a política de
sucateamento, como foi toda a política anticorrupção nacional para desqualificar e
dizer aí: Tá vendo! Não presta! É prejuízo. Vende logo esse negócio, põe uma OS,
terceiriza, para mim a lógica é essa. E que conta muito com os meios de
comunicação, por isso eu chamo muita atenção para o nosso curso: formar
professores que possam ler a realidade que tenha condições que com uma criança de
dois anos, questionar. Coisas que eu vejo com algumas crianças que tem acesso à
educação com professores que passaram por uma outra formação. De oito anos, a
criança assistir televisão e dizer: _Mamãe, será que é isso mesmo! Porque que só
mostrou isso e não mostrou aquilo. Esse tipo de questionamento. Eu falo para os
meninos, que eles precisam ser professores de línguas, que posso levar os estudantes
para se questionar sobre isso. Mas, enfim, então todas essas políticas para mim é um
processo de precarização da educação pública, de a Educação Básica até a superior,
porque a ideia é privatizar mesmo, tornar mais fortemente a educação com um
negócio. né E voltar também naquele momento, de que o professor, ele não é mais
responsável por pensar o processo formativo, ele é um capataz do material que o
governo disponibiliza, no caso de ainda haver escola pública, eu não sei. Só tem que
cumprir ali, aquele protocolo, e transmitir... a ideia da transmissão, esses conteúdos
e querer impor isso na universidade também, porque essas reformas, essas
mudanças que eles querem fazer no ensino superior, acaba com Licenciatura, só
formação técnica, esses cursos que se vê uma aplicação, fora curso de Saúde, curso
de Engenharia, e colocar a Licenciatura como uma coisa menor. Eu acho que tem a
ver com isso, é um projeto muito maior. A gente fica gastando tempo discutindo
BNCC, mas é o projeto de sociedade. É o país que eles querem, que é o país com
reserva de mão-de-obra, e reserva que não questione, porque você também acaba
com o sindicato, as formas de organização, ainda que estejam fragilizadas. Mas para
mim, é isso. Não é pensar só o Ensino Médio, só a Universidade, é esse projeto de
Educação (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
As finalidades de direcionar a Educação para os interesses do mercado são apontadas
pela docente como uma síntese das reformas que têm sido realizadas na educação no Brasil.
Este tem sido o ponto de vista que Freitas (2018, p. 82) defende em relação às políticas de
avaliação. Para ele, tais políticas configuram como a responsabilização pelos resultados, bem
como a elevação da nota estabelecida como referência de qualidade, leva à ocultação do
debate sobre as finalidades educativas, favorecendo a captura da ação pedagógica pelo status
quo. A concepção de avaliação, como um movimento permanente de reconstrução, a partir
das finalidades educativas da formação como parte da “engenharia do alinhamento”, está
sustentada nos pilares de base ensino/avaliação/responsabilização.
176
Esse formato de avaliação institucional se afasta da concepção crítica de avaliação, a
qual tem como pressupostos os objetivos definidos a priori; importa definir se eles foram
alcançados conforme as finalidades do processo educativo. Eliminando as finalidades, a
concepção de avaliação passa a ser apenas técnica, de verificação, analisando se cumpriu ou
não cumpriu determinada exigência. Segundo Freitas, tais processos constituem uma
violência às manifestações culturais diferenciadas, apresentando um mesmo padrão oficial,
marginalizando e deslegitimando os povos do campo (FREITAS, 2018, p. 81).
Compreendemos que não há força política para uma contraposição ou questionamento
que não seja no âmbito de um grande movimento nacional de resistência. Funcionando nos
processos microssociais, as forças hegemônicas neoliberais vão corroendo o processo crítico
de formação na universidade, induzindo ao alinhamento e a adequação, normatizando uma
avaliação desvinculada da necessidade de retroalimentar a prática pedagógica.
Esse processo, associado à gestão empresarial da educação, pode conduzir uma
despolitização da ação pedagógica como produção de visão de humanidade e de sociedade.
Apesar dos debates no campo crítico da produção de conhecimento sobre os sentidos e
significado da avaliação institucional, seu fazer se subordina aos interesses neoliberais,
contribuindo também dentro da lógica de expansão capitalista de transformar educação em
mercadoria (FREITAS, 2018).
O esforço da Educação do Campo para se institucionalizar, como curso de graduação e
como faculdade, produziu a subordinação a relações de poder, estando implícita a aceitação
de “entrar nas regras do jogo”, pois não foi presenciado, no período pesquisado, debate crítico
sobre a concepção de formação defendida na Educação do Campo. A concepção neotecnicista
tem reformulado as finalidades educativas da educação superior, convertendo qualidade da
educação em nota; isso contribuiu para o avanço da competição, da meritocracia e do trabalho
individual na universidade. A autonomia universitária de pensamento e de cátedra se torna
uma falácia quando o Estado assume o papel de gerenciador e avaliador, a partir de interesses
externos, para permitir sua transformação um serviço nos limites do mercado.
O funcionamento da burocracia institucional tem se ancorado nos termos “processos”,
“parecer” e “requerimentos”; termos derivados do campo jurídico que passaram a serem
utilizados cotidianamente para designar o trabalho administrativo na universidade. As
demandas devem ser formalizadas através de “processos” e protocoladas, encaminhados no
prazo regimental e na forma de requerimentos; e as ações internas em forma de processos, nos
quais os docentes serão pareceristas. Essa lógica da gestão empresarial do tempo a partir da
administração de empresas tem sido retroalimentada cotidianamente, eliminando ou
177
impactando consideravelmente no tempo da produção do conhecimento e da alimentação da
produção de novas ideias.
Podemos concluir que a constituição da avaliação externa produziu alterações no
curso. Produziu a fragmentação dos espaços político pedagógicos onde se debate as
finalidades dos processos educativos no curso; modificou os sentidos com que a avaliação
externa incide sobre o direcionamento das ações, não para realimentar o processo pedagógico,
mas principalmente para ampliação da hegemonia da economia da educação. Constituiu um
espaço de mercado, no qual a avaliação em formato de nota passou a ser o objetivo central do
planejamento, disputando o conteúdo pedagógico de resistência a essa concepção, bem como
pelo poder da responsabilização e culpabilização dos docentes (FREITAS, 2018).
Houve uma fragmentação dos espaços de discussão político-pedagógica, a partir da
divisão das três dimensões que compõem o processo educativo: dimensões política,
pedagógica e administrativa. Não são os mesmos sujeitos políticos que participavam desses
espaços; durante o período do edital Procampo, os espaços coletivos se destinavam à atuação
dos Movimentos Sociais, o espaço dos intelectuais era representado pelo NDE e a reunião do
Colegiado passou a servir para encaminhamento da administração e burocracia institucional
com representação estudantil, servidores técnicos e todo o corpo docente.
A fragmentação dos dois espaços de gestão (Colegiado e NDE) resultou na perda do
espaço de reflexão no Colegiado, tornando-se uma instância de encaminhamentos,
respeitando o espaço administrativo reservado e remetendo o debate pedagógico para o NDE.
Esses debates foram subsumidos ao longo dos oito meses do Tempo Comunidade, conforme
observações dos docentes entrevistados.
Ao longo da pesquisa, observou-se certo esvaziamento das reuniões do NDE. O
espaço de avaliação da formação proposta e de constituição de replanejamento do andamento
das atividades do sentido construído no projeto formativo inicial no colegiado do curso. As
ações foram redirecionadas para a constituição de comissões para construção das resoluções, a
partir de orientação dos critérios necessários para avaliação do MEC. Um indício desse
esvaziamento foi o baixo quorum que passaram a ter essas reuniões; sendo o quorum uma
exigência para aprovação da pauta, esta precisou ser retomada ao longo de todo o ano.
Pela distância entre as comunidades e a universidade e por sua atuação nas
comunidades, houve uma maior dificuldade de representação dos estudantes nas reuniões do
colegiado ao longo dos oito meses. A presença massiva dos estudantes e das questões trazidas
por eles, quanto a realização dos trabalhos do Tempo Comunidade, o estágio e as dificuldades
apontadas na relação com as escolas recolocaram o debate da centralidade da formação
178
durante os quatro meses do Tempo Universidade; no entanto, este se constituiu como um
período intenso de estudo, com prejuízos na aprendizagem dos estudantes, caso se
ausentassem dos espaços e atividades curriculares previstas no currículo.
Podemos concluir que as ações da Faculdade foram reorientadas, a partir de pressão
interna dentro da universidade, que passou a tratar a avaliação externa como pauta
permanente e de uma intensa ação de acompanhamento e direcionamento dos processos
pedagógicos para o viés neotecnicista de “adequação” e “alinhamento” no funcionamento da
Fecampo, sem previsão oficial da visita da comissão avaliadora. Esse vazio funcionou como
forma de pressão, porque fez a faculdade incorporar, ao longo do tempo de espera, os
comportamentos esperados pela burocracia universitária e governamental. Como dizia o
entrevistado Pedro: funcionou como uma expectativa de despejo em um acampamento.
Evidenciou-se uma forte pressão externa à Fecampo, mobilizada pela
responsabilização na condução dos processos avaliativos, os quais passaram a direcionar a
atuação dos docentes da Fecampo. Esse quadro com pouca experiência na docência na
Educação superior, com formações diversas em nível de pós-graduação, tinha pouco
conhecimento da produção do conteúdo produzido pelo campo da Educação e da Educação do
Campo. Outro elemento importante a ser destacado foi o afastamento para doutorado de um
grupo significativo de docentes da Fecampo; tais docentes, mais antigos, poderiam contribuir
no âmbito do debate da formação. Esse conjunto de situações produziu um enfraquecimento
nas ações de resistência ao neotecnicismo presente na avaliação pelo MEC.
4.3. Movimento pela reformulação do Projeto Político Pedagógico – a disputa entre o
trabalho disciplinar individualizado e o projeto coletivo de formação
Outra repercussão da avaliação externa do MEC, que ganhou uma maior visibilidade
entre os docentes foi a sugestão da Proeg de reformulação de todo o PPP. O desejo de
reformulação da proposta formativa da Licenciatura em Educação do Campo foi alimentado
como uma oportunidade de fazer reformulações. Como produziria as regulamentações de
ações como estágio, TCC e atividades complementares, a oportunidade foi vislumbrada como
um momento de estudo e de constituir novos debates, a partir das provocações e insatisfações
já existentes do quadro docente.
Esse debate não resultou em alterações no documento oficial, mas alimentou novos
sentidos para a formação, a partir de concepções de educação alimentadas por finalidades
179
educativas apresentadas pelo neotecnicismo e pelo produtivismo, implementado pela Capes e
a “sociabilidade produtiva” conceito trabalhado por Sguissardi e Silva Júnior (2018) para o
sentimento de satisfação pessoal na constituição da carreira.
Vários docentes afirmaram, durante as entrevistas, que ao adentrar no curso
desconheciam a existência do Projeto Pedagógico do Curso. Um docente relatou que, pela sua
formação em bacharelado, nunca problematizou a existência de um documento norteador para
as ações de uma graduação.
Então, eu comecei a entender o que era a discussão da Educação do Campo, antes de
ler o PPC, porque a minha formação é bacharel. Eu não sabia nem o que era um
PPC, sendo bem sincero. Eu não sabia que um curso, mesmo de Agronomia, tem um
PPC. Eu não tinha ideia do que significava um PPC de um curso. Então, eu nem me
atentei, nem em olhar. Aí, a G. me deu em um pen drive o PPC do curso. Mas eu
também não olhei de imediato, né. Eu comecei a entender ele depois, fui seguindo
os planejamentos da faculdade. E olhava que lá, estava as ementas e as ementas
estava imersa em algumas coisas (Pedro, docente, entrevistado em 07/03/2019).
O entrevistado afirmava desconhecer a necessidade de um projeto para um curso de
graduação e só descobriu sua existência quando adentrou na Licenciatura em Educação do
Campo, quatro anos antes. Os docentes, enquanto estudantes, na sua vida acadêmica, tiveram
contato com o termo “Ementa”, como a lista de conteúdos a ser ministrada por um professor.
Por isso a disciplina passou a ser orientadora do trabalho formativo. Vejamos o relato abaixo:
E: Os princípios formativos? Como assim, Maura? Me explica um pouco. É, não sei
se eu conheço porque assim. Eu entendo dos eixos, não é isso. Não posso responder
porque talvez eu não conheça com palavras, mas conheça com processo talvez. [...]
Aí eu falo, eu volto a minha área, de onde eu tou conversando, dialogando, aqui na
Educação do Campo que é a Literatura. Eu acho que não sei se estou confundindo
currículo com o PPC, mas enfim. As próprias ementas aqui que compreendo que foi
um esforço coletivo que naquele momento precisava construir um PPC, precisava
construir um projeto político pedagógico e que abarcasse todas as áreas e naquele
momento não tinha, tinha poucos profissionais para poder contribuir. Aí eu estou
falando especificamente da área da linguagem, especificamente, da área da
Literatura (Olga, docente, entrevistada em 18/02/ 2019).
A entrevistada desconhecia até então a existência de um projeto formativo na
Licenciatura em Educação do Campo, mas muitos docentes também desconheciam a
existência da Educação do Campo e de seus princípios. Alguns justificaram tal
desconhecimento pelo ingresso no doutorado, por não terem tempo para aprofundamento. A
entrevistada reforçou, em sua compreensão, que conhecia currículo pelas “ementas” e
conseguiria propor alterações na Licenciatura apenas no seu campo de formação e na área do
conhecimento em que atuava, pois não compreende a formação em Educação do Campo
como uma totalidade.
Vejamos o relato de outra docente:
180
Na verdade, eu procurei esse documento para fazer o concurso. Mas só que eu não
sabia, eu não sabia que o nome que se dava para esse documento é o mesmo que a
gente vê nas escolas. Eu pensava que teria algum nome, eu procurava assim:
_Ementas da Educação do Campo – Unifesspa porque quando a gente ia vê lá no
curso lá, a gente sempre via assim, ementa, era a palavra que aparecia, quando eu fiz
matemática. Então, para mim, era alguma coisa assim. Eu quero saber o que é que se
estuda. Eu não tinha, eu não tinha conhecimento mesmo. Era o fato, o fato era esse,
que a palavra era a mesma. Se eu tivesse escrito Projeto Político Pedagógico do
curso de Educação do Campo da Unifesspa teria aparecido o documento. Mas assim,
não apareceu. Aí, eu fui aprovado no concurso, quando eu entro aqui, eu tomo posse
em agosto [...] Entrei aqui, não sabia nem onde é que era, alguém me disse: _Olha, a
Educação do Campo fica ali!! (risos). Aí, eu subi aquelas escadas e fui lá, a
professora G. estava lá, me recepcionou. Aí, vim aqui tomar posse. Acho que foi
nesse mesmo dia. Eu acho que eu fui no ICH, primeiro. Se não me engano, é isso.
Eu nem lembro se eu fui no ICH, eu lembro que fui na Fecampo, tinha umas alunas.
E eu perguntei juntamente isso: Como é que eu faço... (como eu poderia
compreender... eu nunca tive muito um polimento assim, de falar, de conversar
algumas coisas assim, de tomar cuidado com que eu... então, eu não sei nem se a
impressão foi boa, que eu causei) porque eu falei assim: _Olha, não tenho muita
condição de muita coisa! (Risos). Ela falou: _Não, mas tudo bem, não sei o quê! Ela
foi toda atenciosa, a professora G. e me disse que eu tinha que procurar pelo PPC do
curso, que provavelmente eu iria achar, que eu ia entrar no site, uma coisa assim.
Até que eu cheguei e tive acesso, depois dessa conversa (Marcos, docente,
entrevistado em 22/02/2019).
Ao tratar de currículo, o entrevistado também aponta que conhecia apenas o termo
ementa. Podemos compreender que em sua experiência como estudante de graduação e na
pós-graduação, não teve acesso a formação pedagógica. A formação nos cursos de
bacharelado e em muitas licenciaturas considera esse conhecimento de menor importância,
não como um conhecimento científico necessário a que exerce o trabalho docente. Essa
compreensão também foi estendida à Educação do Campo, traduzida como mais uma área da
academia.
O ingresso dos docentes a partir da sua área de formação (Letras, Matemática,
Agronomia) fez com que eles buscassem contribuir desse ângulo na qualidade da proposta,
deslocar a centralidade da formação para a área do conhecimento que foi proposta da
Licenciatura em Educação do Campo e que gerou sua vaga de concurso, a partir desse campo
de estudo ou do seu foco de estudo anterior. Perceberam que poderiam contribuir a partir do
seu campo, pois localizaram limites e fragilidades da proposta elaborada inicialmente, no que
se referia à configuração dos conhecimentos específicos das áreas de conhecimento propostas
na formação. Então, as propostas de alteração da proposta formativa retomaram as
experiências dos docentes de seu tempo de estudantes ao propor conhecimento,
principalmente nas áreas específicas. Essa foi uma das questões problematizadas nas
entrevistas. As proposições apresentadas pelos docentes durante as observações foram
retomadas nas entrevistas, os quais foram apresentados como apenas acréscimos de
181
disciplinas e conhecimentos considerados importantes, desconsiderando que a formação está
proposta na perspectiva interdisciplinar. O relato abaixo apresenta um debate com os docentes
apenas da área de conhecimento:
Até hoje, a gente tem conversas dentro da área, sobre as mudanças do PPC, com
relação ao andamento das disciplinas, a organização, a ordem delas, e até a retirada
de algumas e a inclusão de outras, que nós consideramos necessárias. Nós
percebemos até problemas, por exemplo, são quatro disciplinas por etapa, eu falo da
parte específica, tem quatro, quatro, quarto e quando chegou na última etapa são
três. São sempre quatro de sessenta, mas quando chega na última etapa, são três de
oitenta (horas). Como se não tivesse tido: Ah, não tem mais bora botar três, porque
não tem nenhuma justificativa de porque aquelas três são maiores. Não tem assim...
e sendo que uma dessas três, no PPC, estava repetida com uma, que estava na
segunda etapa, repetida totalmente assim. Está totalmente repetida, a gente já
conseguiu fazer uma mudança local, pontual. É matemática financeira que está
repetida, e no lugar de matemática financeira, a gente colocou estatística. Mas por
exemplo, não tem estudo de trigonometria, que é um estudo que tem muita relação,
que a gente pode fazer muito relação com a realidade. E tipo, não tem, não tem no
programa. Então, a gente pensa que é preciso incluir essa disciplina (Marcos,
docente, entrevistado em 22/02/2019).
A formação específica permite compreender que há limites na organização do
conhecimento proposto nas áreas do conhecimento, como no exemplo acima, quais conteúdos
de matemática foram priorizados e quais deveriam ser reformulados. Foi priorizado o debate
em coletivos menores, às vezes tendo como referência as áreas do conhecimento e outros, as
afinidades. No entanto, havia uma dificuldade da construção de debates com todo o coletivo
dos docentes.
A própria perspectiva de pensar outras linguagens ainda, que fechada ali Literatura
e..., Literatura e...,Linguagem e.. Pelo menos, indicia que, a linguagem não é só
verbal. Então a gente tem, elementos que ajudam a avançar, mas muito pouco. Me
parece que quem é da área da Linguagem, quem tem essa formação em um curso de
Letras clássico, que é o que tem até hoje na UFPA, aqui na Unifesspa tem tido um
movimento assim, mas muito rarefeito ainda, né. É muito difícil pensar fora disso.
Pensar a Linguagem para além do verbal, é muito mais difícil. Mas acho que a gente
ensaia na área de Linguagem aqui. Mas por exemplo, é uma coisa que a gente não
avançou, somos cinco professores e não avançamos exatamente por causa dessas
questões de história de formação profissional e a pessoa não conseguir pensar
porque a pessoa fica meio sem chão. E aí, o que eu faço? Se não é dentro desse
quadrado aqui. É mais fácil repetir a minha formação (Inês, docente, entrevistada em
18/02/2019).
A Licenciatura em Educação do Campo foi construída com o objetivo de alterar a
forma e o conteúdo na educação superior, funcionando como exemplo didático-pedagógico
para as escolas do campo. Houve dificuldade, pela formação específica de cada professor, de
dialogar com o todo da proposta formativa. Isso esbarra ainda no limite do tempo de uma
graduação, pois não há como reformular um projeto de curso apenas acrescentando novas
182
disciplinas, é preciso produzir o consenso sobre o que deve ser retirado e as razões disso na
lógica formativa proposta, o que exigiria um trabalho coletivo de debate e aprofundamento.
Por outro lado, os docentes que já tinham vivenciado outros processos formativos o
longo da história da Educação do Campo, tendiam a vislumbrar a proposta formativa na
Unifesspa como perfeita, se deslocando para outro extremo:
Sinceramente, a primeira impressão é, pode até ser uma visão muito ingênua, né.
Mas quando a gente olha, aí eu olho para a minha própria vivência, de outras
formações e tal. Eu achei fabuloso, que assim, uma coisa que a gente tinha no
intervalar, é que, a gente vinha para as etapas, tinha aquele rol de disciplinas, mas
eram isoladas, uma não dialogava com a outra. Então, era assim, como se você
abrisse uma porta vai lá e se insere naquele mundo e depois tu sai e fecha a porta e
pronto. Então, era muito claro essa questão da fragmentação e outro era que aquilo
que a gente trabalhava na, durante as etapas, o que você fazia depois, não tinha
nenhuma vinculação. Não tinha essa liga e a proposta do curso propõe a valorização
que você vive na comunidade, do que você realiza dos espaços, dos outros
aprendizados, que são construídos, né, foi para mim foi o que mais me encantou.
Essa tentativa de articular e valorização diferentes espaços e práticas educativas.
Isso força com que você busque essa articulação entre as vivências, né, no tempo
universidade e no tempo comunidade. Então, isso me impressionou bastante.
Outra coisa que me chamou muita atenção foi o fato de enxergar na proposta
pedagógica, como atividade curricular obrigatória, a metodologia científica, que é o
encaminhamento tempo comunidade e a realização da pesquisa socioeducacional e o
seminário de socialização. Então, ter isso na proposta pedagógica como atividade
curricular obrigatória para mim me chamou muita atenção porque no tempo que eu
estava na Casa Familiar Rural. Isso era um imbróglio. Nós não sabíamos como
resolver isso, porque uma coisa era o que a gente realizava, durante os tempos
comunidade lá. Mas outra coisa era o registro no sistema. A maneira como era
registrada no sistema era totalmente diferente, era um sistema convencional como
qualquer outro (registro apenas das disciplinas). E essas elas não apareciam, em
hipótese nenhuma. Mesmo no Campus Rural Marabá, na proposta do ensino médio,
não tinha um lugar no currículo, para a questão de encaminhamento do Tempo
Comunidade, para a pesquisa Socioeducacional e para a socialização. Fica uma
atividade que é realizada, mas, tu não enxerga ela, quando vai para o sistema, é
aquela coisa grosseira. Elas não são registradas no sistema. Inclusive, era um
problema era com relação à carga horária dos professores. Então chegou um dado
momento, que alguns professores diziam assim: Olha, eu não vou fazer isso porque
isso não vai contabilizar no meu PIT (Plano Individual de Trabalho), eu não tenho
obrigação de fazer! Então, não eram atividades reconhecidas, na matriz curricular,
isso me chamou muita atenção (Dandara, docente, entrevistada em 08/02/2019).
As experiências de trabalho na Casa Familiar Rural (CFR) e no Campus Rural
(CRMB) do IFPA permitiram comparações que são traduzidas, pela entrevistada, no termo
“fabuloso”, porque encontrou respostas para a fragmentação das disciplinas propostas e
vislumbrou uma solução para um problema encontrado em outras experiências. A integração
através da pesquisa enquanto princípio educativo, pela metodologia científica e das pesquisas
socioeducacionais como atividades possibilitavam a construção da práxis pedagógica, que
produzia a integração do Tempo Universidade e do Tempo Comunidade na formação.
183
A Unifesspa, como uma nova universidade em expansão, constituiu-se em um espaço
institucional importante para a construção da carreira docente para muitos jovens
pesquisadores. Percebemos na Educação do Campo um quadro jovem que ingressou, com
diferentes tradições de luta e militância, bem como de trajetórias acadêmicas em diferentes
áreas do conhecimento. Entendemos a busca pelo reconhecimento enquanto docentes e
pesquisadores do seu campo de atuação e das temáticas que estudaram, dessa forma, a
Fecampo se constituiu para eles em apenas um dos espaços de atuação, já são considerados
docentes da universidade; não se limitam ao trabalho na graduação, produzindo trabalhos de
pesquisa e extensão em outros campos.
Na configuração da Unifesspa, os docentes são vinculados a uma unidade, o ICH, de
formar que reconhece como locus de trabalho o instituto e não a faculdade ou curso. Assim, a
identidade de docente da Unifesspa ou do ICH produz um maior status do que da Fecampo.
O Instituto passa a questionar esse trabalho, orientando pelo privilégio do trabalho individual.
Foram relatadas também cobranças de avanços na pesquisa de seu campo disciplinar
de formação. A lógica disciplinar encontrou eco na formação que lhes possibilitou o título de
doutor ou mestre. Segundo Sguissardi e Reis Junior (2018), o produtivismo acadêmico passou
a incidir sobre a carreira docente pelo estímulo ao trabalho individual ou a lógica da
organização dos grupos de pesquisa, que gira em torno de um pesquisador principal. A
competição também passou a ser estimulada, pois os editais são disputados baseados no
Currículo Lattes. A construção da carreira docente está pautada a partir do produtivismo
acadêmico, balizado em publicação em revistas “qualisadas”. O trabalho individual é
fomentado e a competição, como a base de organização da educação capitalista, adentra
fortemente no espaço universitário.
As concepções de trabalho docente na Educação Superior e os critérios de avaliação
que desconsideram ou criminalizam as lutas sociais, forjam um modelo para as universidades
que impõem que a formação docente deve ser baseada na meritocracia, na competição e no
reconhecimento individual. Esses valores entram em choque com o trabalho coletivo na
Educação do Campo, que demanda muito tempo de encontro para preparação e planejamento.
Também existe o acompanhamento dos estudantes e a realização do Tempo Comunidade,
atividades que também demandam muito tempo. Para alguns docentes, esse tempo deveria ser
utilizado na produção e publicação de artigos ou em atividades de pesquisa e extensão.
Percebemos uma dificuldade em conciliar essas várias agendas e as exigências dos diferentes
campos.
184
A construção de uma carreira na Unifesspa foi destacada também por outra docente
entrevistada. Ser alguém reconhecido no seu campo de formação, construir uma carreira e
investir na ampliação da sua área de estudo é o projeto de alguns docentes.
Maura, essa conversa ela... foi bom esse exercício. Acho que como eu falei, estou
em processo em entrar em determinados espaços, para poder ir construir e
desconstruir porque eu estou chegando agora no doutorado. O que eu estou falando
aqui, é muito do que eu venho falando ao longo desses anos, trabalhando e
conversando, mais ainda falta muita coisa por conta de que agora eu vou poder me
dedicar, para poder dizer. Para poder ter um foco aqui dentro da Universidade, e ter
uma identidade aqui dentro dessa Universidade: Quem é a professora Olga dentro da
Universidade? Ela é professora da Educação do Campo, mas ela é o quê aqui? Seria
um pouco esse momento, é um momento de construção (Olga, docente, entrevistada
em 18/02/ 2019).
Outra questão apontada pelos docentes entrevistados foi a satisfação que dá o
exercício da docência, bem como o progresso dos estudantes dentro do seu campo de atuação,
destacando-se o ingresso de estudantes no Mestrado, levando seu trabalho a ter um
reconhecimento ou um mérito:
Pelas experiências que a gente apresenta para eles. Eu falo a gente porque como
área, a gente tenta conversar muito, para a gente não destoar, para a gente manter
uma direção parecida na formação. Mas assim, a gente ficou muito orgulhoso,
quando a gente viu os dois alunos ir para o mestrado da turma 2013, né. Eram oito
da turma da 2013. A gente já vai para a sexta agora, quarta feira, vai defender o
TCC. Da turma de 2014 eram, eram quantos? Eram nove, já tem três que
defenderam o TCC. Então, eu até falo para eles, eles têm muito potencial, a própria
história deles, já é em si, diferente. Já poderia ser um campo de pesquisa. Eles têm
um lugar de pesquisa. Eles estão pesquisando o tempo todo. A gente tenta colocar
isso para eles. Eu, por exemplo, eu acho que eles estão recebendo uma formação que
eu considerado adequada. Pelo menos, eu tento passar para eles tudo aquilo que é
importante, tanto no sentido do conteúdo, tanto no sentido de perceber o quê que
precisa fazer, né. E aí, entra a questão da teoria crítica, a questão lá de analisar a
realidade e usar a matemática para isso (Olga, docente, entrevistada em 18/02/
2019).
A construção de uma carreira docente como pesquisador (a) individual, baseada no
mérito é a base da “sociabilidade produtiva”. Essa lógica entra em conflito com o trabalho
coletivo proposto na EdoC. É importante ressaltar que há resistência nos docentes que
conseguiram internalizar a concepção de Educação do Campo, bem como há docentes que se
submetem a mesma porque desejam contribuir na pós-graduação, para permitir que os
estudantes de origem camponesa também possam acessar esse nível de estudo, mas que não
coadunam com essa concepção.
Compreender essa lógica produtivista também passou a ser incentivada aos estudantes.
Ao apresentá-los que precisam avançar no trabalho intelectual para atuação em sala de aula,
mas também a possiblidade da continuidade dos estudos na pós-graduação.
185
A permanência na Fecampo também é narrada como um espaço de trabalho
importante porque se vislumbrou que ali se pode construir uma carreira, conforme o relato
abaixo:
A princípio, para ser bem sincero, acho que no primeiro ano, a minha ideia era de
que um dia vai aparecer um curso em Belém, e eu vou voltar para Belém. Mas o que
aconteceu, na verdade, abriu o concurso depois para Educação Matemática em
Belém, do curso de Matemática lá em Belém, que era o meu projeto inicial, mas eu
não quis fazer. Eu não quis fazer porque eu conversando com algumas pessoas, eu vi
que era um, tinha muita gente lá. Eu já tinha começado a gostar daqui de Marabá,
era uma experiência diferente de cidade que eu tinha. [...] E quando eu vi as turmas
aqui e a potencialidade de pesquisa que esse campo oferece. Parece assim, no inicio,
parecia um lugar a ser desbravado, sabe? Então eu vi como potencialidade aqui a
pesquisa, de fazer um trabalho... sabe... de iniciar alguma coisa, deu não ser só mais
um na história. Mas sim alguém que poderia iniciar um trabalho. E aí, foi isso que
eu comecei a me animar. Cada vez mais comecei a me interessar, e de fato
identificar mais com o curso. E até pela própria questão política, que eu sempre
tinha, né, que eu sempre tive com relação a questão da esquerda, de apoiar esses
movimentos. É claro que eu não apoiava assim [...] (Marcos, docente, entrevistado
em 22/02/2019).
Houve contribuições importantes para o aperfeiçoamento do projeto da Licenciatura
em Educação do Campo, porque havia possiblidades de construir alterações que pudessem
provocar avanços no projeto formativo. Mas não houve quem defendesse publicamente uma
completa reformulação, principalmente pela compreensão de que a contribuição principal de
cada um seria no campo dos conteúdos específicos. Mas, ao apresentar tais mudanças por
área, isso não foi feito em um diálogo articulado com a proposta formativa. Outros docentes
têm feito esse exercício, conforme o relato abaixo:
Então, essa é uma briga que eu ainda tenho, não sei se eu, sozinho, em sala de aula
consigo fazer! Mas hoje eu vejo que, olhando para o PPC do curso, algumas coisas a
gente poderia mudar, para tentar balancear um pouco porque eu acho que os nossos
alunos, eles saem uns sujeitos extremamente crítico, com capacidade de análise, mas
que poderia ser melhor no quesito conteúdo. Aprofundar um pouco mais no
conteúdo. especificamente da CAN porque eu acho que cabe no PPC. Isso é uma
crítica que eu já me faço e pretendo corrigir, avançando um pouco mais nos
conteúdos da área, principalmente da química, que são disciplinas que eu assumo.
Então, acho que para nós, da CAN, a gente tem que, nós mesmos avançar, no
próprio conteúdo, para eu conseguir, talvez, superar essa deficiência com os alunos,
Dá análise critica, mas também dá os elementos chaves da própria química para os
alunos (Pedro, docente, entrevistado em 07/03/2019).
Há uma avaliação de que a formação produz um conteúdo crítico, mas que precisa
avançar no conteúdo das disciplinas de química, já que os estudantes já foram alijados desse
conhecimento e precisavam superar no âmbito da ênfase das Ciências Agrárias e da Natureza
(CAN).
Em relação ao tempo destinado para as áreas do conhecimento no curso, esse tem sido
um debate porque há reivindicações que as áreas sejam trabalhadas em mais Tempo
186
Universidade; os professores compreendem que a formação deve privilegiar os conteúdos
específicos porque os estudantes ingressam na universidade com muitas dificuldades, pelo
acesso precário, na educação básica, aos conhecimentos científicos. No entanto parece que
não há uma compreensão das especificidades de uma licenciatura e um bacharelado, o que
resulta numa dificuldade também na conciliação entre a formação pedagógica e a formação
específica das diversas áreas do conhecimento.
Os concursos para docente na Fecampo foram realizados, como já dissemos, a partir
de temáticas das áreas do conhecimento. Para serem reconhecidos em seus projetos
(originários dessas áreas), os docentes desejam construir um espaço de pesquisa baseado
neles, e vão propondo reformulações no PPP que possam fazer tais projetos incidirem sobre
sua atuação no curso.
E juntou a isso, com os estudantes que tem esse anseio, de dá conta para algumas
coisas e quando a nossa formação, ela é tem muitos limites. Vai dando o limite, o
espaço que a gente atua, a gente tem... vai se fechando, ou seja, o curso era para
abrir e dá possibilidades. Mas depois teve uns que foram se fechando na área de
conhecimento. Ele quer resolver um problema específico ali, da sua área de
conhecimento (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/2019).
Em relação aos docentes que trabalham a partir da perspectiva dos estudos culturais,
uma primeira consideração apresentada é a inclusão de novas temáticas consideradas
importantes para a formação. Durante observação na disciplina “África Invenções e
Reinvenções” na turma da 2014, como última disciplina do curso, o docente fez referência a
reformulação do PPP e apontava a necessidade do trabalho com o racismo estrutural,
argumentando que produziu as desigualdades de acesso a terra e ao trabalho, bem como forjou
uma sociedade estratificada com uma interiorização e criminalização das populações negras e
indígenas no país.
Outra temática sugerida foi que se transformasse em disciplina foi a Educação Escolar
Indígena, sua estrutura e funcionamento, bem como suas especificidades; também a Educação
Quilombola foi apresentada como necessária ser incluída na formação, porque egressos da
educação do campo estariam ocupando o trabalho docente nas aldeias:
Acho que a própria especificidade da Educação Escolar Indígena, talvez mais na
perspectiva mesmo da estrutura, do funcionamento, da organização, né. Por
exemplo, se ter uma disciplina específica, por exemplo, para tratar, não só uma, mas
também outras, para tratar da Educação Quilombola, da Educação Indígena. Só que
tem também uma construção de uma legislação e uma forma de organização que se
diferencia das escolas do Campo [...] o curso poderia trazer outros elementos, para
preparar melhor esses estudantes para as escolas indígenas também. Por essa
discussão da questão da diversidade, eles dominam, de uma forma geral, justamente
porque o curso possibilita isso. Refletir a partir da sua cultura local, a partir das suas
187
próprias lutas políticas e de suas histórias. Mas quando chega na questão das
especificidades, por exemplo, _O que quê você conhece sobre a legislação da
Educação Escolar Indígena? Por exemplo, aí, eles não tinham muitos elementos para
se apresentar. Então, talvez pensar um pouco em inserir essa, talvez alguns
professores tragam, nos textos que eles discutem, eu acho que isso acontece muito
mais, a partir dos planos que os professor elaboram, pela presença de professores
que fazem essa discussão, mas não tá muito desenhado, eu não percebo isso muito
no Projeto Político Pedagógico do Curso. Acho que ele traz bastante a questão
agrária, né? O trabalho, a identidade, traz muito a questão da cultura local, das
identidades do campo. Mas talvez, se desse uma ênfase maior na especificidade,
poderia agregar um valor maior a essa formação. Considerando que também, é o
ingresso dos indígenas, ele é recente né! Eu acho que a própria presença indígena,
ela provoca isso e isso é muito interessante porque você tem a possibilidade de
trabalhar com todas as diversidades. Eu acho que os professores fazem isso e fazem
muito bem, a partir dos seus lugares de fala, né, com as comunidades com as quais
eles trabalham. Mas isso talvez poderia ter uma outra uma, outra forma de se
expressar lá no Projeto Político Pedagógico, de uma forma mais enfática (Fátima,
docente, entrevistada em 12/02/2019).
Outra necessidade de conhecimento, que não está diretamente ligada a Educação do
Campo, é apontada no campo da informática, principalmente pelo pouco acesso às novas
tecnologias pelos estudantes e por se constituir como outro campo de analfabetismo e de
produção da exclusão. Foram realizadas oficinas e disponibilizado o acesso aos laboratórios
da Unifesspa, experiências que vem sendo realizadas, mas a entrevistada apresentou a defesa
de que fosse incluída a Informática como uma disciplina obrigatória:
Tem um outro elemento no curso que é questão da Informática. A maioria dos
nossos estudantes têm um limite muito grande, na questão da Informática. Então,
para muitos deles, a vinda para o curso, significa, não é que seja o primeiro contato,
mas existe isso também, para muitos é o primeiro contato. Essa coisa de ligar o
computador, de ter que fazer sua matrícula. Então, essa questão da informática, eu
penso que ela teria que permear todas as turmas. Na proposta hoje, nós vamos ter
Introdução à Informática (disciplina) na área da Matemática. Nas outras áreas, não
tem. Seria uma coisa que eu alteraria, essa questão do acesso mesmo, saber ligar o
computador, fazer minimamente os trabalho, teria que ser uma tarefa mais bem, a
gente teria que dedicar um pouco mais de tempo nisso porque não é só a Unifesspa,
nós estamos caminhando por um processo de institucionalização em que qualquer
coisa que estudante vai fazer, dentro da universidade, demanda dele, que ele entre no
determinado sistema e solicite e faça as coisas. Mas se ele não tem o domínio
mínimo, de como faz isso? A própria Universidade cria mecanismos de exclusão
dele porque ele não vai conseguir! Não vai conseguir fazer coisas óbvias como a
matrícula dele! A gente tem casos de estudantes que chegam ao final do curso e que
ele não sabe fazer matrícula dele. E isso é recorrente, pessoas que não conseguem
efetivar a matrícula. Essa questão da informática, e minimamente saber entrar nos
sistemas, isso o princípio básico porque alguns estudantes têm sido excluídos e têm
sido penalizados por não ter domínio disso. E eu não consigo imaginar, uma
formação de professores, sem que estimule esse contato com tecnologias porque não
tem como. Hoje em dia não tem como. Isso inclusive impacta depois, na própria
construção do Trabalho de Conclusão de Curso. Eu colocaria Introdução à
Informática, para todas as turmas (Dandara, docente, entrevistada em 08/02/2019).
188
A proposição de que o central na formação seriam os conteúdos das áreas ficou mais
clara a cada nova disciplina proposta pelos entrevistados no debate sobre reformulação.
Nessas elaborações, a Educação do Campo era representada como o contexto no qual se dava
o debate de conhecimentos específicos como a Educação Matemática, a Literatura, etc. Isso é
apresentado de forma mais explicita no relato abaixo:
Então, a gente chegou e a primeira coisa, primeiramente teve aquele impacto de
achar que era pouco, mas depois de perceber que era necessário. Talvez a discussão
de aumentar uma etapa ou não, do específico. Mas aí, eu não sei como poderia ser,
mas são discussões que a gente pode fazer. Mas assim, eu, a princípio, com relação
ao PPC, eu tive esse estranhamento com relação a quantidade, achei pouco, né.
Pouco tempo, mas depois eu entendi a necessidade. [...] Não, eu sou...., eu entendo
que de acordo com as necessidades, a gente tem que agir, né. Se me perguntasse
assim, se eu concordo? Para ser se ter uma formação em matemática, a gente
precisava de mais tempo mesmo. Por isso, que eu até falo com o G., que seria bom a
gente propor uma especialização, de repente para complementar... trazer outros
conteúdos. Mas também tem a questão de que eles precisam de fato ter uma
formação geral sobre Educação do Campo para entender onde é que eles vão, onde é
que eles estão e onde é que eles vão incluir aquele conhecimento deles. Talvez aí,
aumentar uma etapa mais, eu não sei, há uma discussão que pode ser feito. Mas
existe a necessidade de formação Assim, eu estou lendo mais pela questão da
necessidade mesmo, porque quando a gente ler pelo lado romântico ou ideal, a gente
fica imaginando muito coisa e sempre vai parecer que tem coisa que está faltando,
que tem coisa errada [...] Então, eu acho que é necessário sim, não sei se a gente
concorda (risos) (Marcos, docente, entrevistado em 22/02/2019).
Dessa forma, a tensão se dá na disputa da quantidade de tempo que deveria ser
reservada para as ênfases, para problematizar a formação socioeconômica da Amazônia e os
conflitos produzidos no front que são traduzidas nas questões agrárias, ambiental, indígena,
que é o conteúdo da Educação do Campo e os debates pedagógico em torno da docência no
campo. Esses embates se expressam no modo como o entrevistado conclui o raciocínio: “eu
acho que é necessário sim, mas não sei se a gente concorda”.
O aumento da carga horária dessas disciplinas levaria o curso a se parecer com uma
Licenciatura em Matemática; o acréscimo dessas disciplinas implicaria na diminuição do
tempo de cada uma. A proposição de aumentar o Tempo Universidade em relação às áreas
específicas significaria iniciar os debates da formação a partir dos conteúdos, o que
comprometeria completamente a formação interdisciplinar proposta na Licenciatura em
Educação do Campo.
[...] De fato, eles [os estudantes] têm um problema de base, de algumas coisas. Mas
eu consigo ver uma diferença muito grande. Eles já estavam muito tempo sem
estudar, eles entraram e ainda passam um tempo, principalmente da matemática,
ainda passam de um ano, de um ano e meio até entrar. E quando eles entram, já
estão há muito tempo sem vê a matemática. Então, é lógico que eles não lembram
realmente. Então, tem alguns que se envolvem de uma maneira muito boa assim. Eu
estou falando com relação ao conteúdo em si, né, ao conteúdo ali, da matemática,
mas a compreensão do que significa o curso e do que a matemática pode fazer
189
dentro do curso, eu acho que conseguem sair do curso com essa percepção muito
clara do que é que eles têm que fazer. Eu falando assim parece que estou falando de
soldado (risos). Mas estou falando da formação, da visão que eles precisam ter, né
(Marcos, docente, entrevistado em 22/02/2019).
Afinal, a reformulação do PPC se limitou, principalmente, às exigências legais porque
não houve, no coletivo, tempo suficiente de aprofundamento. Foi avaliado que a realização de
alterações profundas na proposta formativa exigiria maior tempo de trabalho coletivo,
inclusive a presença dos docentes que estavam em afastamento. Assim, apenas foi
reformulado o conteúdo de algumas disciplinas na área específica da Matemática.
Encontramos também posicionamentos de docentes que defendem que em sua
estrutura, a proposta formativa não deveria ser alterada, porque ela refletiria as problemáticas
de construir a especificidade da Educação do Campo:
Então, eu hoje me sinto muito incomodado, quando alguém fala mal do PCC do
curso de Educação do Campo é porque não conhece a realidade local. Hoje eu tenho
orgulho de dizer que minimamente eu conheço esses lugares aqui e todas as
problemáticas, que eu vi, elas de alguma forma, foram pensadas nesse PPC. Assim,
se a pessoa critica esse PPC, é porque não conhece essa realidade daqui. Para mim, o
PPC, aquele lá, ele estruturalmente não tem que mudar. A lógica dele é aquela. A
menos que mude a lógica dessa realidade aqui, o que me parece que não vai mudar
tão cedo. Então, a menos que isso não aconteça, essa lógica do PPC é aquela. O que
eu acho que tem que mudar, e que em até determinado momento, a gente até tentou,
mas optou por não realizar modificações, por ter desconhecimento da construção de
PPC, digamos assim, os sujeitos que realmente construíram não estavam aqui, então,
como que a gente vai alterar, sem esses sujeitos estarem aqui, para esse sujeito dizer
qual foi a lógica de certas coisas, que estão ali. Então, o que eu acho que hoje, que
precisaria mudar, é um pouco mais dos elementos da área, que agora nós temos os
sujeitos de cada área (Pedro, docente, entrevistado em 07/03/2019).
Percebemos um receio de parte do corpo docente acerca do aumento da carga horária
das disciplinas de aprofundamento nas áreas do conhecimento, da proposição de alterações
nos três primeiros Tempos Universidades e do modo como seriam realizadas alterações nas
pesquisas sócio educacionais no Tempo Comunidade. O conteúdo, em termos de atividades,
desses Tempos Universidade, será aprofundado no quinto capítulo desse trabalho.
O receio de fazer alterações profundas na estrutura da proposta formativa se justifica
pela tensão gerada na presença dos movimentos sociais na formação. Uma professora que
vivenciou no IFPA o processo de institucionalização reconhece que na Unifesspa a presença
marcante dos movimentos no cotidiano da Fecampo:
Aqui na Unifesspa, eu acho que como não teve a ilusão do início do Campus Rural
do IFPA. Sabia que era dentro de uma instituição muito fechada, né, que tem formas
muito mais sutil de limitar a participação externa. Me parece que os movimentos
marcam presença maior e tem participado dialogicamente da construção dessa
proposta aqui. Pelo menos, de quando eu vim do Rural para cá, eu observei isso.
Aqui, eu via o movimento presente, tinha um diálogo e não só diálogo, não só de
190
demandas, mas de construir junto [...] Mas eu sinto que a participação dos
movimentos, incide no tempo Universidade. No processo formativo como um todo
não (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
Apesar do acompanhamento da representação da CPP, muita coisa não foi alterada no
documento, mas nas práticas cotidianas da Faculdade, especialmente essa pouca inserção no
processo formativo como um todo e a atuação principalmente no tempo universidade. Para a
entrevistada, faltou um investimento necessário na formação dos docentes, no momento em
que adentraram a Fecampo, sobre a proposta formativa da Educação do Campo, como
podemos ver no relato abaixo:
Que eu acho que quando teve a entrada dos quinze professores. Eu acho que a gente
faltou, de ir mais como força, para trabalhar essa questão do que era o projeto
político pedagógico do curso mesmo! Sabe? De estudar, de fazer acontecer e nesse
momento [...] Porque elas fizeram um concurso, fizeram porque queriam trabalhar...
queria ser um professor da..., a maioria não fez porque _Ah, eu quero trabalhar com
a experiência de Educação do Campo! Eu vou fazer porque é onde tem concurso
aberto agora. E minhas possibilidades dá para essa. Então eu quero aprofundar meu
trabalho com a área tal e é minha oportunidade é nessa Universidade ou é com esse
curso porque agora que eu me formei ou estou terminando e saiu vaga foi para cá.
Então, a gente tinha que aproveitar. Deveríamos ter aproveitado desse período, para
um processo mais intenso mesmo de compreensão do que a proposta pedagógica do
curso porque essa proposta do que em tese está lá, ela era vivenciada com a equipe
que construir o projeto pedagógico (Pagu, representante da CPP, entrevistada em
12/02/ 2019).
Há dificuldade na compreensão do papel dos movimentos sociais na formação. Um
relato apresenta uma constatação de que não foram planejados momentos institucionais de
apresentação desses sujeitos coletivos após a implementação do Procampo, bem como as
ações conjuntas que são desenvolvidas no campo da formação, considerando que para muitos
docentes e técnicos, era a primeira experiência de trabalho com os sujeitos coletivos e não
tinham nada que ancorasse tal experiência na formação específica que vivenciaram na sua
formação acadêmica. O relato abaixo expressa isso:
Alguns colegas, no começo diziam: Até gostaria de participar disso, disso, daquilo. Mas ninguém convida a gente! Ninguém apresenta a gente! A gente não é colocado
em contato e não tem como eu ir sozinho lá. Enquanto os outros colegas militantes
estavam sobrecarregados e tal. E acaba que é uma coisa que eu sempre falo também,
a Universidade é o lugar das vaidades, têm isso da militância, mas também tem aquele que quer ser a referência para aquele movimento. Então, ele não vai abrir
para ninguém... (risos) tem tudo isso! Eu acho que não é uma coisa! Não é. [...] As
pessoas que vinham falar sobre esse ponto: _Ah, por que ninguém convida a gente!
_Meu irmão, deixe de milindre! Se tu quer ir, tu vai! Tu vê os informes da Faculdade! _Ah, mas não é assim! Tinham que ter um movimento de... Tinha quê,
mas não tem! Você vai ficar aí só olhando? Então, eu sou muito: _Quer participar?
quer fazer? Então umbora. Vai lá e pergunta: _E aí? Quando acontece essas
reuniões? Eu gostaria de conhecer! Queria ir descobrindo, né! Algumas coisas são publicizadas, outra nem tanto. Eu falo muito da história do melindre, que para mim é
uma justificativa para alguns não assumirem certas coisas: _Ah, porque nunca me
convidaram para isso. Então há esses aspectos, acho que não foi uma coisa
unilateral, de: _Ah, o movimento não se abriu! Ou _Ah, quem estava aqui não
191
apresentou! Houve isso, mas houve também aqueles que não se dispuseram e _Ah, não me chamaram, que bom! Por enquanto, _Ai! Ufa! que bom que eu não preciso
fazer isso! Acho que tem isso também. Tem isso, né (risos) (Inês, docente,
entrevistada em 18/02/2019).
Outra questão apresentada foi a complexidade do momento em que ocorreu a
expansão quantitativa e qualitativa da Fecampo: para a entrevistada porque faltou uma
aproximação tanto do lado dos movimentos sociais quanto do lado dos docentes recém-
concursados. Segundo a mesma docente:
Não se envolvem, alguns porque não querem e alguns porque nunca foram
convidados, porque também tem uma relação. A relação com os movimentos
sociais, não é eu quero, eu vou porque são movimentos sociais! São pessoas que
precisam confiar. Eu sempre falo, é como as comunidades indígenas, não vai chegar
lá, batendo palma na porta e dizer: _Olha, eu vim trabalhar com vocês e eles vão te
acolher fazendo festa, não né, porque pode vir os que querem contribuir e pode vir
aqueles que querem entrar para prejudicar o que está andando. Então é uma relação
de confiança! E eu penso que na relação com os movimentos sociais é algo parecido.
Eles precisam contar com a pessoa. E aí, eu acabei de chegar, eles não sabem se
podem contar comigo ou não. Precisaria de um movimento de quem está lá, dizer:
_Olha, esse é o fulano, ele trabalha com isso, apresentar! [...] Como há um
movimento na Faculdade, de algumas pessoas, mas com outras não. Então, eu penso
que os colegas sentem, de fato, quem veio de fora, que não é da região que é um
processo muito seletivo, do tipo: leva fulano para reunião, para feijoada, para num
sei o quê. Mas sicrano e sicrano não, por que? Como Faculdade não se construiu a
relação com os movimentos, construiu essa relação com o movimento com pessoas
que chegaram. Isso eu falo muito claramente, eu falo para você e falo na reunião da
Faculdade (risos) (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
A análise final reflete esse momento de transição, em que o curso de Licenciatura em
Educação do Campo se transforma em Faculdade, durante a constituição da Unifesspa. Foi
um momento tumultuado pela quantidade de trabalho gerado, e pelos tempos diferentes de
entrada dos docentes no coletivo. Cada professor foi chegando em um tempo específico; ao
mesmo tempo, muitos não se faziam presentes no cotidiano da faculdade porque estavam
também em fase de doutoramento. A ausência de momentos de socialização dificultou, do
ponto de vista dos entrevistados, a inserção nas muitas ações conjuntas que eram socializadas
nos informes das reuniões da Fecampo e isso gerou sentimentos de “exclusão” desses
espaços.
Quem tinha que fazer esse contato, não fez isso como Faculdade. Mas eu acho que
foi assim, a questão da Faculdade. E eu acho que tem a ver com isso, em como essas
pessoas constrói essa relação com o movimento e como enxergaram? De que forma
enxergaram os que foram chegando. Mas assim, que como Faculdade, não houve
uma proposta institucional de mostrar para os movimentos sociais pensando em
relações institucionais; pensando os movimentos como organizações e não como
pessoas dos movimentos; e pensando a Fecampo, faltou isso. Talvez pelo próprio
acúmulo de coisas porque 2014 e 2015 vamos combinar? Era muita coisa para dá
conta ao mesmo tempo. E gente chegando, e gente saindo e cento e vinte menino.
Então foi muito ruim. Muita gente que chegou, como eu e mais três colegas, chegou
no doutorado, então não chegou direito. Chegou para o Tempo Universidade, mas
não chegou para o Tempo Comunidade. E alguns que estavam aqui: _Opa,
192
chegaram, vou sair para o doutorado! Então, não houve tempo. Eu acho que faz
parte do processo, né (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
A inexistência de um tempo institucional para apresentação dos novos docentes e da
proposta da faculdade, essa falta de espaços de vivência coletiva, enfraqueceram essa
construção. É narrada uma diminuição da presença política do movimento, com limitação da
participação externa. Mesmo nos momentos em que estavam presentes, os espaços de
participação se apresentam como dialógicos, mas não as instâncias de decisão. No trecho
abaixo, percebemos a avaliação que uma representante da CPP fez sobre esse processo:
Quem chegou depois, teve também agregou como projeto pedagógico da sua própria
vida, na sua profissão e entendia aquilo como uma concepção de educação, que eles
concordam. Os outros entraram e não concordam com projeto pedagógico que tá aí.
Então, se a pessoa não concorda com o projeto pedagógico que está aí, ou por
desconhecimento ou porque conhece e discorda mesmo. É difícil essa pessoa fazer
com que isso aconteça! Eu acho que foi o que aconteceu. Muitos discordam,
conheceram o projeto, discordam, não fizeram parte da construção [...] Outros, não
fizeram parte da construção, concordam com ele, e foram buscar as formas de
compreender para ver como é que desenvolve se ele. Eu acho que também teve os
que fizeram um esforço de compreende como funcionam porque teve os momentos
de formação, teve um momento assim, vamos reunir todo mundo, vamos estudar.
Vamos especificamente, dizer que esse povo aqui, o que é Educação do Campo, a
história da construção. A gente fazia. Mas tem algumas vezes. Mas tem gente que eu
acho, mesmo depois de conhecendo, discorda desse formato. Porque acha que tem
que ter mais tempo para o específico da disciplina (Pagu, representante da CPP,
entrevistada em 12/02/ 2019).
Foi constituído um “Dia do Caec” para os estudantes se encontrarem e organizarem
suas pautas e o “Seminário de Alternância” como espaços de encontro dos estudantes,
docentes, técnicos e movimentos sociais durante o Tempo Universidade. Esses espaços foram
construídos a partir do edital Procampo, ainda não foram inseridos formalmente no PPP. Foi a
forma encontrada para constituir um tempo coletivo, para discutir e encaminhar
conjuntamente o curso. O enfraquecimento do coletivo pela falta de espaços oficiais para
encontro fortaleceu as ações individualizadas ou de coletivos menores.
No PPP estava expressa claramente a perspectiva de qualidade social defendida na
Educação do Campo e estavam previstos os instrumentos e processos de avaliação coletiva
para retroalimentar o processo pedagógico da formação. Segundo expresso no documento no
item oito, que trata da avaliação:
Assume-se ainda a avaliação como instrumento que contribui para a materialização
da gestão democrática do processo pedagógico, possibilitando aos participantes do
curso o diálogo sobre o processo formativo e o encaminhamento e dinamização de
propostas que revitalizem continuamente a formação oferecida, garantindo, quando
necessário, sua adequação as demandas que emergentes durante o período de curso e
a superação das dificuldades que possam comprometer o êxito do mesmo. Assim,
primando pela afirmação de princípios éticos e de indissociabilidade teórico-prática
pensamos no processo avaliativo como mais um momento de aprendizagens. Desta
193
maneira, a avaliação é compreendida no curso como um processo diagnóstico,
investigativo, formativo, sistemático, contínuo, participativo, que deve possibilitar
aos sujeitos participantes o redimensionamento das ações desenvolvidas, apontando
a necessidade de avançar ou retomar determinados objetivos propostos,
aprendizagens significativas, constituindo-se num exercício permanente de diálogo
sobre o processo (UNIFESSPA, 2014, p. 58).
Esse processo avaliativo para retroalimentar as ações da formação deveria se constituir
pela participação dos estudantes, docentes, movimentos e coordenação, bem como pela
mobilização da administração superior nas pautas que impactassem o curso. Já havia uma
série de instrumentos avaliativos dos discentes, docentes e do próprio PPP como parte de um
processo permanente de construção. Em relação à avaliação, estão expressos os espaços
legitimados e instrumentos a serem utilizados na Licenciatura em Educação do Campo, tais
como:
instrumentos de avaliação: - Plenárias de Avaliação, em que os discentes e docentes
do curso possam manifestar a avaliação sobre o processo educativo - considerando
os resultados da avaliação discente e da avaliação docente – e encaminhar propostas
para o planejamento integrado e reorientação do percurso formativo quando
necessário; - Reuniões do NDE – Núcleo Docente Estruturante do curso, em que os
educadores coletivamente possam avaliar o processo, considerando a avaliação geral
e organizando as propostas para o processo de planejamento integrado e reorientação
do percurso formativo, quando necessário; - Sistematização e Produção de
Relatórios Pedagógicos pelo NDE, garantindo periodicamente o registro das
atividades e análise e reflexão sobre o processo desenvolvido a cada período
(UNIFESSPA, 2014, p. 58).
A mobilização desses espaços e instrumentos de avaliação, dentre eles, a construção
de atividades em momentos coletivos, como finalização do Tempo Universidade tem sido
uma prática na Fecampo; por vezes, a avaliação do processo pedagógico foi organizada pela
CPP, mediatizada pelos movimentos sociais. Houve muitas tensões no processo avaliativo
conduzido pela CPP, no período anterior à pesquisa de campo, de forma que, mesmo que não
tenhamos acompanhamos essas tensões, seus indícios aparecem nas entrevistas. Segundo uma
docente, nesse espaço da Comissão houve o questionamento da legitimidade da participação
externa nesse processo, considerando que ele teria como foco o trabalho docente e as relações
de ensino-aprendizagem:
E a CPP ela coloca, ela provoca muitas tensões, ela tira o chão, porque as pessoas
não estão acostumadas. Eu me lembro que algum tempo atrás, foi uma professora que me disse assim. _Égua, mas agora! Esse povo não, esse negócio de... para que
esses movimentos sociais acompanhando? Para quê, dizer até... Olha, eu falei para
essa professora. _Nós não estamos acostumados a isso! Nós estamos acostumados
como academia, dizer o que nós temos que ensinar [...] Há uma pedagogia que suprime a realidade concreta como elemento pedagógico. Eu dizia. _Qual o
problema de alguém dizer que há um debate aqui! É importante de trabalhar com tal
debate. Que os nossos alunos são do campo, que eles precisam saber desse debate
aqui, que não está contemplado lá, do que a academia diz que é para ensinar. Aliás, nós não sabemos tudo (Miha, docente, entrevistada em 16 de fevereiro de 2019).
194
Aliás, havia uma série de versões do projeto pedagógico do curso em circulação,
dificultando acompanhar quais alterações foram realizadas, pelas inúmeras vezes que ele
retornava para a faculdade, para adequações a novas resoluções. Essas adequações foram
alterando o formato, que perdeu seu caráter pedagógico de expressão de uma concepção de
educação para um formato técnico, padronizado, constituído a partir de uma listagem de
resoluções. O texto foi assumindo uma concepção de educação na qual os processos
pedagógicos são mediatizados apenas pela aula; esta, por sua vez, parece organizada pela
relação entre professor, estudante e conteúdo, estabelecendo-se uma hierarquia na relação
entre professor e estudante. O termo “aluno”, próprio dessa visão, ganhou força nas falas dos
entrevistados:
As últimas tensões em relação à avaliação, vixe! Porque para quê que serve a
avaliação? O que é a avaliação? E como se dá essa avaliação? A avaliação ela
incomoda, ela incomoda porque nós temos uma concepção de avaliação. E avaliação
é o que nós fazemos com os nossos alunos, definir alguns critérios, dá aula toda,
discutir os textos e depois dizer: _Vamos ver se vocês aprenderam? Escreve aí...
Essa é a avaliação que nós estamos acostumados. É uma avaliação que alguns
entender, por exemplo, eu quero ver na escrita se você avançou, se você consegue
fazer uma reflexão e tal, mas outra que pensa que é: Ah, tu não estava aqui! Não se
interessou! Não fez isso! Uma avaliação meio que punitiva e não uma avaliação que
te aponte caminhos para melhorar a tua prática (Miha, docente, entrevistada em 16
de fevereiro de 2019).
Ao mesmo tempo em que a fala apresenta um questionamento sobre o processo de
avaliação externo produzido pelo MEC, também evidencia as dificuldades de produzir um
processo de ensino aprendizagem dialogado com os sujeitos coletivos, porque são assumidas
concepções de educação que opõem os docentes aos estudantes.
Foram estabelecidos outros momentos, pela Fecampo, para construir processos
avaliativos com a participação dos estudantes, técnicos e docentes. A tensão narrada pela
entrevistada se ancora no protagonizar experiências avaliativas com a presença desses sujeitos
coletivos (os movimentos sociais), que questionaram o trabalho docente, o que poderiam
colocar em xeque a autoridade docente:
Quer coisa mais contraditória. Eu acho que a tensão é nesse sentido. O que o
movimento quer? Por que eu não posso ouvir o movimento? Por que me tira do
chão, me esfacela minha segurança, minha certeza, quando um movimento social
diz: _Olha, é importante que a gente discuta tal coisa porque isso reflete na vida das
pessoas, porque isso se dá nas realidades nesses territórios, no território indígena,
camponeses. Primeiramente, nós não sabemos tudo. Eu acho que é bonito você
dizer. _Nós não sabemos tudo! A gente também aprende no exercício da prática. No
exercício cotidiano da docência, a gente aprende. E eu acho que isso mexe também
com tanto com o brio de quem é doutor. Não sei se os doutores estão acostumados
com isso, mas eu acho que é legal (Miha, docente, entrevistada em 16 de fevereiro
de 2019).
195
O questionamento do trabalho pedagógico desenvolvido no curso, antes debatidas
com os movimentos, se tornou uma ação restrita ao campo docente. A força política da
Educação do Campo passou a ser entendida como oposta à valorização da estrutura
administrativa e da hierarquia estabelecida na relação centrada em professor-estudantes-
conteúdo.
Tem alguns professores que conseguiram, a partir dessa tensão, acho que se vincular
a esse itinerário de formação, e tem outros, que eu acho que não foi resolvido as
tensões. Agora eu acho que assim, pelo fato de nessa ampliação talvez, muitos deles
não tendo esse conhecimento, essa importância, fragilizou algumas atividades
nossas. Inclusive na universidade, que eu acho que em determinados momentos, foi
perdendo a força da nossa participação nela. Eu estou dizendo porque é essa
composição tensionando. Mas na universidade, mesmo que a gente participe de
alguns processos lá dentro, quando chegou esses quinzes professores novos, nesse
último concurso aí, que era dentro desse programa. Teve alguns momentos de
formação, mais o lugar de tensão for perdendo força. Acho que saiu muita gente
(para o doutorado) e muitas questões ficaram sem tensionar, entendeu? A falta de
força política para tensionar. E nós aqui, só pela CPP do curso, não dava conta de
tensionar. [...]. (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
Esse tensionamento gerado nos processos coletivos, nos quais as práticas pedagógicas
se tornaram o foco dos debates e a finalidade do processo pedagógico poderia ser retomado,
como movimento de resistência dos docentes ocorrem em espaços esvaziados, pois a maioria
não participou. Houve um esvaziamento dos espaços coletivos, com a ausência de muitos dos
envolvidos no processo educativo, afastados pelas tensões sobre as concepções de educação.
Houve, como consequência, um fortalecimento do trabalho pedagógico como cumprimento de
uma série de exigências externas para atender à avaliação externa.
Como já foi dito, o processo de reformulação do PPP concentrou-se na construção de
três resoluções importantes para o projeto formativo: a Resolução de Estágio, Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC) e de Atividades Complementares. Esses documentos foram
produzidos com a participação dos estudantes, através dos Seminários de Alternância. Tais
Seminários ainda não tinham sido inseridos no projeto pedagógico, tinha sido uma atividade
criada a partir das demandas do Procampo: propunha-se a reserva de dois dias, durante os
Tempos Universidades, para debater e avaliar temas importantes na formação.
Tendo já sido mobilizados de forma ampla, na construção do PPP, nessa segunda
versão, os debates foram conduzidos por representação, em comissões, tanto na Fecampo e na
Unifesspa. O critério utilizado para seleção dos membros das comissões era ter representação
das diferentes áreas do conhecimento, para melhor representatividade da Educação do Campo
(mais uma vez, a subdivisão em áreas ganhou mais ênfase do que os princípios formativos):
Para produzir as resoluções nós criamos um grupo de trabalho, de preferência com
professores, um de cada área, e eles propunham uma minuta. Essa minuta era
196
circulada entre os professores, para fazerem discussão e considerações sobre, para
ser discutido de novo no NDE, para fechar uma proposta. Aí, apresentar para os
alunos, ser discutido, reelaborado e fechar a minuta. Assim, essa era a lógica. Só que
assim, esse processo era muito lento por conta da dificuldade da gente avançar
enquanto coletivo, nessa construção coletiva, né. Então, enviava no e-mail e
ninguém mandava as considerações. Aí, quando chegava no momento para fechar a
minuta, todo mundo tinha um monte de considerações. Aí, voltava para o email para
os professores fazerem considerações, ninguém fazia considerações. Aí, ficava nesse
processo. Então, no momento que era para fechar... Ah, tá, além do fato da gente ter
que ficar retomando coisas, que já foram batidas, pontos que já eram consenso, já
tinham sido acordados e tal. Aí, tem sujeitos que não acompanharam o processo,
mas depois querem retomar essas coisas. É um processo muito truncado no nosso
colegiado, que impedem que as coisas avançam. E ao mesmo tempo, tem da
Dandara essa coisa dá, muito democrática. Eu já falei com ela, que as vezes, ela é
democrática demais, que acho que se fosse por mim, eu já teria encerrado os
processos e já tinha avançado com isso. Mas a Dandara sempre fazia questão que as
coisas: _ “Não, tem que passar por esse processo, tem os alunos e volta. Vai e volta.
Acaba que o negócio fica mais lento. Então, mais [...] (Pedro, docente, entrevistado
em 07/03/2019).
A construção desse processo democrático envolvia construir uma proposta que fosse
debatida no âmbito do NDE com os docentes; com os estudantes, nos Seminários de
Alternância e novamente encaminhado para o NDE, incorporar as proposições apresentadas,
para a aprovação final no colegiado. Por ser um processo longo, a intenção era que fosse
pedagógico, de reaproximação com os fundamentos do projeto formativo, para serem
apreendidos ou rediscutidos.
[...] Retomo aquela questão que eu tinha falado, ainda não há um completo
entendimento da própria lógica do curso. Isso reflete até na forma como propõe a
própria resolução. A comissão que constitui as minutas, eles construíram porque
quando eu olhei também, no primeiro momento, eu nem vi nenhum problema. Mas
acaba que eu não sou muito parâmetro para análise porque nesse tipo de coisa, eu
não prezo por essa coisa cristalizada, está lá no documento, precisa cumprir. Eu não
vejo problema. Eu penso dessa forma, mas o coletivo pode ser muito ligado ao que
está escrito ali. Então, é uma falha minha da análise. Por isso, eu olhei lá, eu não vi
problema algum, isso aí a gente ajusta, mas eu sei o que eu vou avaliar em um TCC.
Enfim, mas é uma resolução, é o que está escrito, é o que vai ficar. É o que as
pessoas vão seguir. Mas, assim, quem constrói essa primeira minuta, dá o tom. Por
isso é importante essa preocupação de que as coisas sejam circuladas, debatidas,
para que você consiga perceber esses elementos e problematizá-los (Pedro, docente,
entrevistado em 07/03/2019).
Novamente, a construção não foi apresentada como uma demanda interna que precise
ser mais bem compreendida pelo coletivo e a necessidade de participação no processo de
construção de documentos importantes para orientar as ações da formação, mas foi
organizado sob a perspectiva de cumprir todos os passos necessários à aprovação do curso na
avaliação externa:
Então, essas coisas aí das resoluções de estágio, atividades complementares e TCC.
É exigência do MEC. Mas a gente já vai fazer um ano, que toda reunião, se coloca a
mesma coisa, pela dificuldade de conseguir avançar. Tem que ter uma participação
197
do coletivo, tem que ter uma participação dos alunos. Então, as coisas ficam
recorrentes, pela dificuldade que é latente nossa, de realmente se reunir para
produzir alguma coisa coletivamente para a Faculdade. As coisas estão sempre
sendo proteladas (Pedro, docente, entrevistado em 07/03/2019).
Esse processo pedagógico com os diferentes envolvidos foi orientado, mas a minuta
das resoluções (que serviam de base para as discussões) foi construída sob a exigência do
MEC e inspiração de faculdades amparadas em outros princípios. Não havia, no momento de
tal elaboração, uma compreensão aprofundada sobre os princípios formativos definidos no
projeto inicial do curso, bem como sobre os objetivos de tais princípios.
Uma concepção de educação contrária a tais princípios aparece no trecho abaixo, a
partir de uma reclamação de uma estudante pela desvalorização das atividades manuais de
limpeza do espaço, no espaço coletivo:
A gente tinha uma organização coletiva na Cabanagem, todo mundo sabe disso, os
professores são cientes disso, se disserem que não sabem é porque é negligente
mesmo, com os avisos que recebem, mas o professor chegou a dizer assim: Ah,
trabalho intelectual e trabalho doméstico não combinam! Tendo ciência do que a
gente faz. Numa orientação de dizer, tipo assim. Ah, não, menino deixa isso aí por
fazer e vai cuidar nos teus estudos mesmo. E é justo uma coisa que a gente tem que
tentar romper e para dizer que a realidade nossa é outra. A gente tem que combinar
sim, né! O trabalho doméstico e o trabalho intelectual porque é nossa realidade de
vida. A gente tem que comer, a gente tem que ter um... a gente está dentro de uma
casa, a gente tem que enfim, fazer as coisas do cotidiano da nossa vida (Dina,
estudante, entrevistada em 06/02/2019).
Os estudantes participaram ativamente da construção coletiva do curso durante o
Tempo Universidade. No entanto, esse é um período intensivo, com diversas atividades,
havendo a tendência a separar trabalho intelectual (entendido como acesso aos conteúdos) de
trabalho braçal (no caso, a manutenção dos espaços coletivos, bem como da necessidade de
reprodução da vida como alimentação e lavar roupas porque compôs sua formação de
trabalhadores e também porque não tinham condições de terceirizar essas funções). Outra
questão apontada trata do trabalho com os povos do campo e as negações sofridas por eles em
relação ao conhecimento formal. Muitas hierarquias vão sendo reforçadas, mesmo em salas de
aula:
Então, são professores que não conhecem a realidade de onde vem os estudantes e
falam que se ele fica nervoso para apresentar um seminário, ele não deveria estar na
universidade. Que ele nem ali deveria estar! Depois foi justificar, dizer que não foi
ele. Ele disse: “O que tu está fazendo aqui? Tu nem devia estar aqui. Foi
praticamente isso que disse! Aí são coisas que eu acho que às vezes, minam os
processos que vem sendo construídos e a gente, pelo menos [...] quando aconteceu
com a minha turma, essa questão de professora falar que _ “A estudante não deveria
estar na Universidade!” (Dina, estudante, entrevistada em 06/02/2019).
198
O relato de que as dificuldades de aprendizado (próprias de alunos que tiveram negado
o acesso à educação de qualidade no nível básico) levam a questionar o direito do estudante
de estar na universidade provoca novamente a crítica aos processos avaliativos, mas também,
na visão da entrevistada, a um silenciamento que pode estar sendo construído:
A gente faz a avaliação! Outra coisa que a gente sempre teve o exercício, desde que
entrou no curso, de fazer a avaliação das disciplinas, como é que foi? Se autoavaliar
também, como foi a nossa postura como estudante? Como professor? E tentar levar
isso para um coletivo maior porque a partir da crítica e autocrítica, para ver se a
gente consegue avançar. Mas em alguns casos, é colocado um certo medo na gente,
que às vezes até silencia. Então, são esse caso não foi muito para frente e hoje em
dia a menina já conseguiu superar. Mas, no dia, ela simplesmente foi embora da
universidade, sumiu e ninguém sabia onde ela estava! Ela ficou abalada com isso. E
a gente não teve muito apoio para poder tomar uma atitude sobre isso não e tinha
muito professor ciente. Mas não teve muito apoio para levar isso para uma instância
maior. Até foi levado o caso assim, mas não sei se tem a responsabilidade do Núcleo
Docente de não querer ouvir, né. Não querer tomar responsabilidade para si, dos
professores sobre seus atos. Então, nunca teve algo concreto (Dina, estudante,
entrevistada em 06/02/2019).
Na constituição da Fecampo, em meio à expansão produzida pela Unifesspa e pelo
Procampo, é possível que as expectativas de estudantes idealizados tenham relação com a
política de qualificação de docentes, considerada essencial a longo prazo, para melhoria da
formação e das potencialidades do trabalho. Tal política resultou, em curto prazo, em
dificuldades na constituição do planejamento coletivo e na realização de encontros que
envolvessem todo o quadro docente, já que parte desse quadro inicial foi induzido a se
qualificar em nível de doutoramento e parte dos que adentraram a faculdade através de
concurso também estavam cursando ou em vias de aprovação para cursar o doutorado.
Percebemos a importância da constituição de uma institucionalidade, em uma
faculdade que ainda não construiu uma tradição na articulação entre ensino, pesquisa e
extensão e possui muito potencial na sua expansão. Entretanto, a busca por um
reconhecimento social imediato junto ao MEC para atrair novos recursos públicos, bem como
a intenção de se apresentar como universidade de excelência, tem produzido um deslocamento
da política de avaliação da educação superior institucionalizado pelo SINAES, na melhoria
dos índices da graduação e da construção de pós-graduação, sem considerar o tempo
necessário para produção de conhecimento.
Isso tem induzido a um neotecnicismo estimulado pela constituição da CPA, mas que
também encontra respaldo na formação dos novos docentes, que recentemente saíram do
doutorado, impactados pela “nova sociabilidade” produtiva baseada nas publicações e na
competição estimulada pelo currículo Lattes. Essa visão de academia não condiz com a
199
concepção de universidade que inicialmente se desejava construir no Campus de Marabá, cuja
formulação teve a contribuição da Educação do Campo em sua experiência inicial.
O direcionamento das ações da Fecampo nos últimos anos, para preparação de uma
futura avaliação, centralizou-se na produção de regulamentos e a reformulação do PPC,
orientada por uma interpretação neotecnicista de enquadramento e alinhamento dessa política;
podem ter ficado em segundo plano as finalidades educativas que fundamentaram seu projeto
educativo. A política de avaliação do MEC induziu, nesse caso, à fragmentação dos espaços
educativos, produzindo a separação de instâncias de debate e decisão (com a constituição do
NDE, o Colegiado do Curso e os espaços coletivos sob a coordenação da CPP, com a
presença dos movimentos sociais).
Os movimentos sociais que contribuíram na formação, com as parcerias constituídas
historicamente (reconfiguradas da CPP pelo Procampo) concentraram sua atuação na gestão e
organização da vida nos espaços coletivos. Isso implicou em assumir a coordenação dos
processos educativos constituídos em espaços externos a universidade, mantidos no período
do Procampo; era enorme a quantidade de trabalho demandado nas atividades de organização
da vida discente e em atividades para as quais eram convidados no Tempo Universidade,
dialogando e construindo parcerias com docentes para contribuir em atividades conjuntas e
participando pontualmente em reuniões da Fecampo, dado o caráter que foi constituindo. A
fragmentação proposta na avaliação do MEC produziu novas hierarquias, o que também
dificultou sua entrada dos movimentos em espaços decisórios. Mas sua presença se
materializou cada vez mais nos estudantes, que tem reivindicado protagonismo dentro da
Fecampo.
A Licenciatura em Educação do Campo, em sua proposta de formação da docência por
área do conhecimento, possibilitou que adentrassem muitos docentes, um quadro jovem que
está no início de constituição da carreira docente, com desejo de contribuir na formação; por
ser sua primeira experiência na Educação do Campo e não compreenderem os princípios da
formação, buscaram contribuir na reformulação do curso com sugestões no aumento de carga
horária do seu campo de trabalho ou da área em que atuam, não conseguindo ainda fazer
proposição para o todo da formação.
Acreditamos que os docentes tendem a repetir as experiências vivenciadas enquanto
estudantes na graduação; já que ainda não tem um reconhecimento enquanto pesquisadores no
campo do seu doutoramento e na experiência da docência gostariam de repetir ou avançar nas
questões de pesquisa da própria formação considerada adequada na Licenciatura em Educação
do Campo. Observamos, portanto, uma dificuldade em produzir o deslocamento do seu
200
campo de formação e construir um diálogo com a experiência da Educação do Campo. Isso
exige um tempo maior de atuação na Licenciatura.
O ingresso de grande parte dos docentes do Procampo, no processo de
institucionalização da Fecampo, como primeira atuação na docência em nível superior
também carrega a marca do início de construção da carreira docente e ter seu trabalho
reconhecido passa a ser um dos objetivos. Sendo um ingresso recente, sua atuação como
docente tem se tornado um processo formativo no cotidiano do trabalho e tem produzido
alterações em suas concepções, mas ainda há pouco tempo para apresentar resultados e
produção de novas sínteses. Esse tema será retomado no próximo capítulo da tese. No
próximo tópico, apresentamos uma análise de como tem intensificado o trabalho docente na
constituição dessa nova universidade, com a ampliação de demandas técnica-burocráticas, a
construção dos regulamentos e as mudanças nos espaços de decisão e a princípio, como tal
intensificação concorre com a realização das atividades previstas em alternância pedagógica
na execução do PPP.
4.4. A construção da nova universidade: “as comissões como espaços de decisão” e a
intensificação do trabalho docente
A constituição de uma nova institucionalidade na Universidade nascente esteve, claro,
imbricada com os processos macro, submetendo-se à função reguladora assumida pelo Estado
brasileiro. A necessidade de construção democrática foi reivindicada pela Fecampo, como a
participação em espaços deliberativos (tais como a Estatuinte), bem como os próprios
institutos, como espaço de disputa saudável dentro da ordem democrática.
Os espaços de debate e construção das propostas, em todos esses âmbitos, passaram
pela constituição de comissões de trabalho, que subsidiariam as decisões tomadas no âmbito
dos colegiados das faculdades, e dos institutos, e posteriormente nos conselhos superiores.
Cada deliberação precisaria ser embasada em estudos preliminares, o que resultou em um
aumento na quantidade de trabalho de docentes e técnicos. Os membros da Fecampo
participaram em diversas comissões, tomando como referência o trabalho no âmbito do ICH,
como atribuições do trabalho docente. Uma docente destaca esse trabalho, a partir da
categorização a partir de uma subdivisão em comissões permanentes e comissões provisórias:
Tem as diferentes comissões que são instaladas no âmbito do ICH. São várias
comissões de trabalho. Tem comissões permanentes e comissões provisórias. Aí,
assim, uma comissão para discutir esse assunto, só que, quando vai vê, é um assunto
que demanda muito mais tempo do que você achava que demandaria. Então, em
201
especial, das comissões, sejam permanentes ou sejam provisórias, elas acabam
demandando um tempo grande. Então, a gente se vê mergulhar em conjunto de
reuniões que são intermináveis. Dá impressão também, de que existem algumas
comissões que são feitas para não funcionar. Mas que elas demandam muito tempo,
entendeu? Isso vai frustrando, porque você deixa de fazer aquilo que vai ser cobrado
de ti, que teria que fazer, para participar dessas comissões. Não é que elas não sejam
importantes, mas às vezes, eu sinto que falta uma certa otimização de energia. Não
sei (Dandara, docente, entrevistada em 08/02/2019).
A compreensão da importância dessas comissões é heterogênea. A participação nas
inúmeras comissões, para alguns, produz uma limitação na reflexão teórica, diminuindo o
tempo para estudo e planejamento das atividades pedagógicas, assim como a dedicação a
orientação dos estudantes em relação a produção do TCC ou acompanhamento das atividades
do Tempo Comunidade e o tempo dedicado aos projetos de ensino, pesquisa e extensão dos
docentes. Esse trabalho realizado não é contabilizado na carga horária de trabalho, para além
das duas horas de reuniões mensais previstas. A entrevistada Dandara relata que alterou sua
concepção de trabalho docente no ensino superior, depois do seu ingresso na Fecampo:
Tinha uma expectativa com relação a carreira do magistério superior. Lembra aquela
angústia que eu falava, da atuação no Ensino Médio, do professor que não tem
tempo para nada, que não tem tempo para pesquisa, não tem tempo para estudar. Ele
conseguiria de modo efetivo, garantir as 20 horas de ensino e as 20 horas de
pesquisa. Enfim, essa coisa de se qualificar, de estudar, de garantir e de ter
segurança, sabe. Então, eu tinha uma certa ilusão, no sentido de achar que ser
professor universitário, garantiria isso, porque o professor universitário é dedicação
exclusiva. Ele vai trabalhar só na universidade. E ele tem, 20 horas, né. Um tempo
razoável para o ensino e um tempo razoável para a pesquisa. É isso que acaba
diferenciando ele dos outros professores. Só que o que eu sinto hoje é uma tendência
cada vez maior de sobrecarga mesmo. Eu não sei se é essa dinâmica do Instituto tem
contribuído também para isso porque hoje, nós não somos mais vinculados só a uma
faculdade, nós somos vinculados a um instituto. Às vezes, tu nem encontra teu nome
dentro daquela faculdade, teu nome vai estar dentro daquele Instituto. O Instituto ele
vai congregar várias faculdades. Então, você transita dentro do Instituto porque
você, num primeiro momento parece muito interessante, pela possibilidade
articulação de trânsito. Mas, eu avalio que traz um risco também de sobrecarga
porque há uma tendência aí, que quando vê, você está fazendo várias coisas ao
mesmo tempo. (M: Quais coisas que são tarefas da docência, com a criação do
Instituto). Assim, além da atuação, né, nas disciplinas, dos diferentes cursos. Nós
somos bem demandados assim, a gente tem demanda nos vários cursos dentro do
Instituto, como também fora, dos outros institutos. Nós também temos demanda. E
hora, vem aquele sentimento ruim, no sentido de achar: Poxa, então o pedagogo é
isso? A atuação da disciplina, além da atuação das disciplinas, tem a questão dos
projetos (de pesquisa e extensão) (Dandara, docente, entrevistada em 08/02/2019).
A constituição dos Institutos, como instância deliberativa e a diminuição do poder das
faculdades nas decisões colegiadas, ampliou para dois espaços de atuação política, que exige
uma demanda de tempo de trabalho. A participação nesses espaços deliberativos e nas
atividades das diversas comissões é importante porque elas definiam, através da criação de
legislações próprias, a regulamentação do trabalho docente.
202
Outra preocupação destacada pela entrevistada foi o apagamento, na nova
institucionalidade, das especificidades que os povos do campo que demandaram a alternância
pedagógica no ensino superior, pois isso constitui uma exceção na oferta dos cursos dentro da
universidade. A existência dos quatro semestres letivos, que foram herdados na UFPA,
também é fonte de questionamento: que há um movimento de constituir um calendário com
apenas dois semestres letivos, com o desejo latente de extinção dos períodos intervalares,
entendendo que não são mais necessários “cursos de férias”. Assim, há demandas do trabalho
docente nas universidades e há outras específicas, de ser docente da Fecampo. Esse
questionamento foi levantado pela docente Inês. Segundo ela:
A gente tem que ter clareza, de que o nosso trabalho como docente em uma
instituição universitária, não é só ministrar aula. E dentro da Fecampo, não é só
ministrar aula e orientar o Tempo Comunidade e realizar as atividades curriculares,
dentre elas, as atividades do Tempo Comunidade. Assumir a construção dessa
universidade porque participar de conselho, de comissão disso, parecer daquilo,
COMFOR, Comissão de Estágio, não é só mais uma burocracia. É por onde as
coisas estão sendo construídas. E a cara que vai tendo o Instituto e Universidade
porque dependendo de quem tá lá, a gente vai só criando burocracias, burocracias e
burocracias e a proposta da nossa Faculdade, do nosso curso acaba que nem aparece,
porque outras faculdades têm outra lógica. O nosso próprio instituto tem outra
lógica. Assumir a Coordenação de Faculdade, assumir participação em comissões,
conselhos, propor mais projetos mesmo (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
O Programa Nacional de Formação de Professores (PARFOR), por exemplo, exigiu a
criação de um Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial e Continuada de profissionais
no Magistério da Educação Básica (COMFOR) com a participação de representantes de todos
os cursos de Licenciatura. Esse Comitê, apesar de uma atuação irregular na Unifesspa, tem
sido o espaço para discutir a política de formação docente nos cursos de licenciatura e revisão
do Projeto Político Institucional. O Reitor assumiu a coordenação do Comitê em 2017
conforme noticiado pela Unifesspa nos quais a sua temática principal foi a melhoria do IDEB
das escolas básicas e da nota dos cursos na Educação Superior.31
Outra comissão permanente dentro da Fecampo refere-se ao encaminhamento do
Processo Seletivo Especial (PSE) de ingresso dos estudantes na Licenciatura em Educação do
Campo. A criação da Licenciatura em Educação do Campo foi constituída no mesmo período
que o governo federal implantou o Sistema de Seleção Unificado (SISU). A Unifesspa não
previu, em sua estrutura, nenhum órgão para realização de processos seletivos, tal como
existente em outras universidades. isso se atribui à compreensão, na época, que ao aderir ao
ENEM, esse tipo de gasto seria desnecessário, adotando-se uma concepção homogeneizante
31Noticia publicada em 04 de outubro de 2017. Disponível em <https://unifesspa.edu.br/index.php/noticias/1898-
comite-gestor-discute-estrategias-para-fortalecimento-das-licenciaturas-na-unifesspa>. Acesso em mar, 2018.
203
da seleção para as universidades brasileiras. A seleção através de processo específico, adotada
pela Fecampo, estava na contramão e no enfrentamento dessa concepção. Dentro de um setor
da Proeg, que atende outras demandas, foi incluída a demanda da realização do PSE.
O ingresso dos povos do campo, já era regulamentado na UFPA, no processo de
processo de institucionalização na Unifesspa, ocorreu no período de cortes e
contingenciamento dos recursos públicos para as universidades. O PSE foi mantido;
entretanto para realizar tal tarefa anualmente, mostrou-se fundamental o envolvimento dos
docentes da Fecampo, considerados na instituição os principais interessados. No período de
2014 a 2016, houve recursos para contratação do Centro de Processos Seletivos (CEPS) da
UFPA, para realização dos seletivos do edital Procampo. Em 2017, após o final desses
recursos, os docentes da faculdade assumiram o trabalho da realização do PSE, pelo
reconhecimento da extrema relevância dessa ação na composição do perfil dos estudantes que
ingressam na faculdade. Vejamos o relato abaixo:
O processo seletivo ele tem sido uma das prioridades, dentro do curso porque sem o
processo seletivo especial, o curso não se sustenta. A gente já tem clareza disso, que
sem o Processo Seletivo Especial, não consegue garantir a entrada dos sujeitos que
são o foco do curso. Por outro lado, apesar de que a Universidade, ela não se coloca
contra a realização do Processo Seletivo Especial, inclusive em alguns momentos,
ela diz: Não, tem que realizar os processos seletivos especiais! Eles são
fundamentais! Em qualquer mesa que a gente vá, tem essa fala, no sentido de apoio
aos processos seletivos especiais. Mas uma dificuldade, que a gente tem vivido hoje
é muito instável. A equipe que realiza os Processos Seletivos Especiais na Unifesspa
é muito reduzida, né. Então, na Proeg era uma pessoa, e desde o ano passado, hoje
têm duas pessoas lá, que coordena esse processo de seleção especial. Então, depois
que o recurso do edital Procampo acabou, não tem como mais pagar o CEPS da
UFPA, não tinha mais como pagar o esse processo. Então, a própria faculdade
assume a realização de Processo Seletivo Especial, com seus professores (Pedro,
docente, entrevistado em 07/03/2019).
As comissões foram organizadas em duas fases previstas no edital. A primeira fase
constituiu uma prova de conhecimentos gerais; na segunda fase eram realizadas entrevistas
com bancas compostas pelos docentes. Por tanto, foram constituída uma comissão
organizadora, composta por docentes da Fecampo e técnicos da Proeg, para acompanhar a
execução de todo o processo seletivo e outras comissões, tais como: elaboração das provas,
correção das provas e comissão de entrevistas. As atividades realizadas por essas comissões
ocuparam quase seis meses de trabalho. Uma análise sobre esse trabalho foi apresentada no
relato abaixo:
Então, são os professores da faculdade que passaram a fazer parte da Comissão
Organizadora, fazem parte da Comissão de Elaboração das Provas, que fazem parte
da Comissão de Correção, que fazem parte das Comissões de Entrevista. O que é
ruim nisso, e é a constatação dos próprios colegas, que isso dá muito trabalho, dá
muito trabalho porque todos os processos seletivos especiais a gente tem feito até
204
agora. Felizmente, isso é bom, muitas pessoas têm participado das seleções. Os
processos seletivos variam entre oitocentas a um mil pessoas disputando as vagas, e
às vezes, até extrapola, né. É sempre um quantitativo muito grande que demandam o
ingresso na Licenciatura em Educação do Campo. Para fazer a primeira fase é mais
tranquila! Mas, a segunda fase de entrevistas, quando se tem um número grande de
candidatos, aí fica bem cansativo porque são vários dias, várias duplas, fazendo.
Então, no ano passado nós tivemos a experiência, de ficar o dia inteiro, e às vezes
ficar até 8h00 às 9 horas da noite, realizando entrevistas. Isso foi mostrando, que
precisa se repensar, tanto a equipe, como precisa se repensar a maneira com os
processos seletivos são feitos dentro da Unifesspa. Então, por exemplo, o recurso
previsto ele não é suficiente para passar um pró-labore para os professores que
fazem parte dessa atividade, ele é insuficiente. Por outro lado, acaba que nós
fizemos tudo, entendeu! Fica bem pesado (Dandara, docente, entrevistada em
08/02/2019).
A diversidade parece que se constitui como uma temática que os docentes da Fecampo
têm sido chamados a assumir, pela importância no projeto de formação humana e de
democratização do ensino superior público e gratuito. Os docentes reconheceram que esses
processos precisam serem acompanhados porque sua importância não é consenso na
universidade, assim como não é consenso a importância nela da presença desses povos do
campo.
Posteriormente, os docentes da Fecampo também foram demandados a participar da
realização do PSE Indígena e quilombola da Unifesspa. Os docentes passaram a trabalhar com
as duas temáticas e elas foram se integrando a partir da expansão da Licenciatura em
Educação do Campo, a partir do tema da diversidade.
A docente indígena já tinha acompanhado pelas associações indígenas na UFPA em
2010, a criação dos PSE específicos para os povos indígenas e quilombolas. Desde 2014,
antes do seu ingresso na Fecampo, vinha realizando o acompanhamento na Unifesspa. Ela
afirmou:
Agora, acompanhei o Processo Seletivo Especial (PSE Indígena). Eu acompanhei
mais na UFPA, aqui tem uns quatro ou cinco anos. O processo Seletivo que eu já
faço o Especial Indígena e Quilombola, desde antes do meu ingresso aqui. E agora,
na comissão de Educação do campo, já participei do processo seletivo do ano
passado. Foi uma experiência bacana porque para mim, não teve dificuldade nas
bancas, porque eu já faço isso com indígenas e quilombolas. Então, a gente está
falando de identidades dos povos do campo. A gente está falando de pertencimento
diferenciado, de liderança que atuam nesses movimentos, então eu achei que foi uma
experiência bem interessante. A possiblidade de ouvir também, as pessoas que vem
pleitear a vaga, a partir dos seus movimentos, das suas inserções locais, das suas
lutas políticas, acho que isso é legal. Então, me deu uma outra possibilidade de
diálogo também, de poder pensar esses pontos de diálogo entre Educação Escolar
Indígena e os Quilombolas, a presença quilombola. Em que medida também, essa
inserção dos indígenas, na Educação do Campo, vai provocar também o próprio
repensar de, talvez de algumas metodologias. A tendência é ampliar essa discussão
das diversidades, né. Acho que isso foi legal (Fátima, docente, entrevistada em
12/02/2019).
205
Ao fazer um balanço da atuação dessa comissão, foram destacados pontos
considerados positivos, tais como: a garantia da gratuidade, o reconhecimento da legitimidade
do ingresso pelo edital especial, a possibilidade de incidir sobre o conteúdo das provas,
trazendo as temáticas importantes desde o processo seletivo. Isso se destaca no relato abaixo:
Quando a gente elabora o PSE, tenta sempre fazer esse processo muito democrático,
debatendo e chamando os sujeitos para construir. Com o retorno da Inês do
doutorado, ela se inseriu também e a Fátima, como indígena. Então, o elemento
indígena acaba surgindo com mais força nesses momentos de debate. A gente não vê
problema em fazer uma prova que contemple mais essa diversidade, que a prova da
2018 tinha texto na língua indígena, trazia muito esse elemento da temática
indígena, entendendo que os indígenas são Educação do Campo. São perfis que a
gente tem que abarcar. Acaba que faz com que mais indígenas tente entrar na
Universidade. Aí a gente também opta pela entrada no PSE Indígena e Quilombola,
para conseguir mais vagas para a Educação do Campo. Então, aí a gente já tem a
entrada de mais dois indígenas e mais dois quilombolas. Eu nem sei se essas vagas
foram todas preenchidas. Mas a ideia era conseguir mais vagas e mais alunos
indígenas e quilombolas, entendendo que o curso era majoritariamente camponês,
assentado da Reforma Agrária, enfim, mas existiam outros sujeitos para a gente
atender. Então, as provas acabam se tornando mais abertas, nesse sentido (Pedro,
docente, entrevistado em 07/03/2019).
Havia muitas preocupações dos docentes em relação a manutenção dos PSEs. Foram
apontados os limites da forma como eles estavam sendo realizados na Unifesspa:
Eu acho que a gente conseguiu consolidar algumas coisas importantes. Hoje, por
exemplo, já não se questiona mais, a importância de se ter um edital. Apesar de que
algumas coisas sempre voltam, inclusive a questão da institucionalização. A gente
não tem um CEPS (Centro de Processos Seletivos da UFPA), por exemplo. né! A
gente não tem um Centro de Processos Seletivos. Então, fica muito restrito a
pessoas, né. Pessoas sem estrutura. É uma institucionalização capenga porque a
gente consegue garantir. Mas e o um recurso? Tem a haver com recurso que você
precisa elaborar provas; você precisa contratar os fiscais, quem vai fiscalizar as
provas e corrigir a redação, então, tem toda uma logística para fazer. E também por
não ter um centro de processos seletivos, sobrecarrega duas pessoas, que é quem faz
os processos seletivos na Unifesspa. E a gente acaba que assumindo junto com eles
também porque é essa vontade política de que os processos aconteçam. Eu
acompanhei todas as etapas do PSE Indígena e Quilombola, eu acompanhei todas,
na medida do possível, algumas reuniões foram realizadas depois do período das
aulas, depois das 18h para a gente poder acompanhar e fazer acontecer o edital, e
fazer acontecer o processo (Pedro, docente, entrevistado em 07/03/2019).
O processo de institucionalização fez, portanto, recair mais trabalho sobre os docentes;
envolvendo um corpo pequeno de técnicos, para coordenar esse processo. Os entrevistados
acabam analisando que foi uma institucionalização “capenga”, porque o ônus tem sido
assumido principalmente por docentes da Fecampo e poucos técnicos. Coube a eles assumir
as pautas da diversidade, no âmbito de toda a universidade, sem a criação das condições
institucionais, tais como a pouca disponibilização de recursos públicos específicos para que
sejam realizadas. Outra preocupação destacada foi acerca da “responsabilização” desse
206
coletivo e a análise de que constituiu em um risco sua eliminação, quando não foi criado
“raízes” por dentro da estrutura da Universidade.
Foi destacado um sentimento de ambiguidade nos docentes quanto à responsabilização
sobre a Fecampo, por ter intensificado o trabalho docente e a pelas condições estruturais
deficitárias, o que gerou questionamentos quanto à importância institucional do acesso da
diversidade à universidade pública. Ao mesmo tempo, percebemos o reconhecimento e da
defesa da importância política dos PSEs para garantir não como uma “política focalizada”,
mas como direito legítimo do acesso ao ensino superior aos povos do campo, compreendido
pelo conceito de diversidade.
A atuação do corpo docente da Fecampo como intelectuais orgânicos foi deslocada do
âmbito da faculdade para o âmbito da construção de toda a universidade. A dificuldade de
constituir um equilíbrio entre essas ações fez com que o peso sobrecaísse sobre as ações
gerais da Universidade, numa perspectiva de projeto a longo prazo. No entanto, a formação na
Licenciatura em Educação do Campo pode ser constituída sem o investimento de tempo e
energia nas atividades propostas? Podemos vislumbrar esse questionamento no relato abaixo:
[...] Aí, nessa perspectiva, eu vejo que os nossos professores acabam sendo
extremamente demandados e isso prejudica o coletivo da Faculdade, prejudica a
própria faculdade porque você vê os nossos professores todos eles envolvidos em
um monte de atividade da faculdade, da universidade e para fora da universidade.
Tudo em ações mais progressistas, digamos assim. E acaba deixando de lado, eu não
sei se... eu acho que por falta de opção, coisas da Faculdade, porque você não pode
também se sair de algumas coisas. Eu comecei uma banca de concurso, no último
dia da etapa, que coincidiu com o seminário de alternância pedagógica. Sei que é
importante está lá, mas por outro lado, posso estar em uma banca de concurso para
contratar um professor, que vai ser colega nosso aqui, que vai passar o resto da vida
trabalhando com a gente, que pode ajudar ou não construir essa universidade que a
gente quer. Aí, eu pensei; _Pô, e agora? Bom, acho que vou continuar na banca de
concurso, penalizo a minha atuação nessa atividade. Isso é só um exemplo porque
isso aí está acontecendo um monte de coisas nesse processo. [...] Então, a CAN, ela
é reflexo desse processo. Você tem os professores que se inseriram em diversas
atividades por militância, por acreditar em um projeto universitário, mas fragilizou a
área. A área da CAN é extremamente fragilizada. Mas politicamente muito forte.
Mas você tem outras áreas que são, como área são muito fortes, muito bem
organizada, com professores que dialogam entre si, que são agilidade e celeridade
nas coisas, mas politicamente muito fraco (Pedro, docente, entrevistado em
07/03/2019).
O trabalho se ampliou para ações no âmbito de toda a universidade, desde bancas de
concursos, constituição do PPP de novos cursos, ampliação potencializada pela formação
diversificada do quadro docente. As demandas da Unifesspa e os espaços de atuação
ampliaram em progressão geométrica, como podemos visualizar no relato de outra docente,
que assumiu uma coordenação dentro do Núcleo de Ações Afirmativas, Diversidade e
Equidade (NUADE), criado em 2018. Ela faz uma listagem das suas atividades como docente:
207
[...] Porque eu sempre fui uma militante, uma “amiga da escola” (risos). Mas eu
entrei em 2014 fazendo o doutorado e eu nunca trabalhei menos de 100 horas. Eram
oito disciplinas. Eu entrei em julho de 2015, a gente estava em greve, eu trabalhei
oito disciplinas no primeiro de 2016. Eu nunca trabalhei duas disciplinas, como eu
trabalhei agora, nesse Tempo Universidade de janeiro e fevereiro de 2019, eu nunca
trabalhei, eu fiquei até emocionada (risos). Nunca, nunca trabalhei. Então, eu sempre
tive sobrecarregada. Mesmo no doutorado, eu me afastei para o doutorado, e
continuei com as orientações de TCC. Eu não entreguei nenhum orientando de TCC.
Mas isso é uma questão minha. Mas eu sei que é ser escravo da Universidade, que
eu não deveria estar assim porque eu fiquei sem tempo para a minha vida pessoal.
Por isso que eu disse, quando eu comecei a falar do PAEC e PAIND, eu disse: Eu
não pensei direito!! (risos) porque... Olha, eu estou com seis bolsistas só de projeto
de ensino. Uma bolsista de projeto de extensão e uma bolsista que é voluntária no
outro projeto de extensão. São oito estudantes né? TCC eu estou com seis, então são
doze estudantes. Não, são quatorze estudantes. Você precisa de tempo para reunir
com todos eles. Isso é precarizar o meu trabalho por que qual tempo que eu tenho
para reunir com eles? E estou assumindo a Coordenação para a Diversidade Étnico-
racial no NUADE, a Coordenadoria de Estudantes Indígenas e Quilombolas. Aí, tem
várias atividades administrativas também, são 20 horas. Então, o meu PIT o
semestre passado, que eu disse: Computa todas as disciplinas, tem que lançar! O
pessoal da coordenação da Faculdade disse assim: Vai ficar estranho porque está 86
horas! Eu disse: Sim, é minha vida! Eu tenho todos os documentos que mostram que
eu estou trabalhando essas 86 horas. Tenho os BCFs, tenho as listas de frequência
dos alunos. Tenho os relatórios das atividades! Tenho o registro das idas nas
comunidades, tenho as fotos, tenho tudo (Inês, docente, entrevista realizada em 18
de fevereiro de 2019).
O trabalho docente no ensino superior pressupõe a participação, também, nas
atividades administrativas. Isso é estabelecido como requisito, desde quando assumem a vaga
no concurso público. A quantidade de tais demandas vem se refletindo no trabalho
desenvolvido na Fecampo, porque o trabalho na graduação vai sendo considerado de menor
valor, em detrimento dessas outras ações. A docente relatou que não deseja continuar com
essa carga horária de trabalho:
Mas assim, é uma demanda da faculdade. Não quer dizer que todos devam fazer
isso! Eu decidi fazer até hoje, mas no próximo semestre eu não faço mais. Agora se
a gente não fizer, vai ficar uma lacuna. Porque, de fato, a gente tem muitas
demandas, muitas. Agora não sei se o quadro que a gente tem não é suficiente ou se
está mal distribuído, essa é a questão. Não quer dizer que as demandas da faculdade
sejam demais para o número de professores que nós temos. Acho que a gente precisa
fazer um planejamento conjunto, e olhar isso todo mundo. E vê se de fato, todos
estão sobrecarregados ou se a distribuição não está muito organizada (Inês, docente,
entrevista realizada em 18 de fevereiro de 2019).
A lacuna a que a entrevistada se refere à intenção de diminuir a quantidade de
disciplinas as atividades de ensino na Licenciatura em Educação do Campo. Assumir
compromissos dentro da Universidade, para além da Faculdade, tem sido uma escolha de
muitos docentes, para conseguir seu reconhecimento institucional. No entanto, a formação
proposta na licenciatura não se realiza sem um planejamento do trabalho coletivo, por isso ela
208
aponta a necessidade de verificar a distribuição entre todos os docentes que atuam na
Fecampo.
Ocorre ainda o envolvimento em diversos projetos de ensino, pesquisa e extensão em
ações para atender aos estudantes “da diversidade” para garantir sua permanência no ensino
superior. Algumas demandas não são apresentadas como parte do trabalho docente, mas são
colocadas no âmbito da militância porque há o reconhecimento da necessidade de atuar nos
espaços administrativos e na graduação, não desvinculados de um projeto da construção da
Universidade ou de um projeto da Educação do Campo. Para alguns docentes entrevistados,
poucos tem assumido e isso gera uma sobrecarga para os que assumem:
E por aí passa a minha atuação dentro da Universidade. Quando a gente não tiver
com todo o corpo docente de volta, acho que algumas pessoas vão se sobrecarregar
porque algumas vão assumir para si. E outras pensam: _Bom, já estou com o meu
Pit completado 40 horas!!! Mas, aquele lugar ali, se não tiver ninguém na nossa
faculdade, essas discussões vão simplesmente passar por cima da diversidade. Não
se vai nem tocar na especificidade da comunicação, que é preciso construir um
sujeito do campo ou a especificidade do processo de escolarização ou especificidade
cultural. Então, alguém de nós precisa estar lá. E penso que quem fazer esse
exercício, não é 50% da nossa faculdade. Então alguns, diz; Bom, paciência! Se
escolheu vai! (risos) se não quer, não vai mais! (Inês, docente, entrevista realizada
em 18 de fevereiro de 2019).
A dificuldade de construir ações conjuntas pelas diversas agendas individuais, bem
como o tempo necessário para as ações conjuntas de planejamento das atividades do Tempo
Universidade pode transformar a alternância pedagógica em uma formalidade, em inserções
pontuais, sem a dedicação às atividades previstas, bem como o acompanhamento dos
estudantes e das comunidades. Realizar as ações de ensino, pesquisa e extensão, além do
trabalho administrativo com a inclusão de novas demandas, produzidas no âmbito da
universidade, espaços criados e demandados aos docentes da Fecampo, pode fragilizar o
trabalho docente com o ensino no âmbito da graduação pois numa escala hierárquica de
valores, pode ser considerado o de menor importância ou que produz o menor capital cultural
entre os docentes. Tal questão já tinha sido apontada por Sguissardi e Reis Junior (2018) em
grandes universidades, com a existência da pós-graduação.
Para alguns entrevistados, o problema é vislumbrando não apenas na quantidade de
comissões criadas, mas no rendimento efetivo do trabalho nessas comissões:
[...] Então, além da Direção da Faculdade, eu participo hoje do Comfor e participo
também do Comitê permanente de Estágio. Então, esse comitê para discutir a
formação de professores, dentro da Universidade, então tem representação de todas
as licenciaturas. Aí depois, ele ganha mais esse caráter de obrigatoriedade, enfim,
antes eles estavam vinculados a dinâmica do próprio Parfor, né. O outro que
participo é o Comitê Permanente de Estágio. O comitê ele tem uma vigência, cada
composição uma vigência de dois anos. E a principal tarefa desse comitê é de
acompanhamento, de acompanhar a política de estágio da Unifesspa e organizar essa
209
questão de avaliação, acompanhamento, avaliação no sentido de subsidiar
proposições, né, de como organizar a política do estágio na Unifesspa. E o que eu
tenho observado é a mesma coisa. Há uma descontinuidade na realização das
atividades e essas, a participação desses comitês, nenhum resguarda alocação de
carga horária, né. Então, são atividades que tu participas e não tem alocação de carga
horária. Nem o Comfor e nem o Comitê Permanente de Estágio. Do ICH, eu
participei, não como membro efetivo, mas acompanhei um pouco a Comissão de
Revisão das Resoluções de ICH [...] Mas, enfim, então, teve essa questão das
revisões das resoluções do ICH e isso demandou um tempo porque é ler a resolução
e vai para os encontros, não consegue terminar, vai para outra reunião. E é uma
resolução atrás da outra. Tem uma dificuldade muito grande dos professores irem
para essas comissões, aí acaba sobrecarregando alguns docentes. Aí, mesma teve
comissão que foi revisão da resolução de concurso público para professor. Mas é
isso, então fora comissões, para resolver questões mais pontuais, problemas. Aqui da
Faculdade, por exemplo, para revisão do PPC (Dandara, docente, entrevistada em
08/02/2019).
Os questionamentos apontam a quantidade de reuniões geradas, bem como o volume de
trabalho assumido, para que essas comissões possam constituir um resultado. Também
chamam a atenção para a sobreposição de reuniões que impactavam diretamente a qualidade,
porque faziam diminuir a quantidade de tempo para realização das atividades de ensino,
pesquisa e extensão nos dois tempos educativos.
Um exemplo encontrado durante a pesquisa de campo foi o trabalho demandado da
Comissão de Espaço Físico do ICH. Essa comissão foi criada em 2013, com reuniões
periódicas durante os últimos seis anos, sendo recomposta a cada dois anos. Esse tempo
debatendo acabou produzindo tensões entre os docentes indicados para representar as diversas
faculdades. A Comissão não finalizou o trabalho porque não conseguiu resolver a contradição
entre o limite na estrutura física da universidade e o aumento da demanda gerado pela criação
de novos cursos. Entre seus membros, havia docentes que concluíram o doutorado e estavam
retomando suas atividades da docência na Fecampo. Uma entrevistada apontou uma
preocupação com a quantidade de trabalhos burocráticos, ao retornar ao trabalho:
Para mim, isso ainda está muito recente. Mas acho que algo que para mim é um
pouco complicado é essa coisa burocrática. Eu acho que a gente tem muitas coisas
para fazer nesse sentido de preencher formulário. Preencher o sistema. Então, acho
que isso... eu sei que é normal, sei que isso tem que fazer parte de uma instituição.
Mas isso, às vezes, captura tanto nosso tempo, que a gente não consegue fazer uma
atividade mais atuante, em outros aspectos. Mas estou chegando agora... a partir de
agora, que eu posso responder com alguns elementos a mais, né, com relação a
própria instituição. Mas o que eu vejo, pode até ser contraditório, é esse momento de
intervalo que eu fiz, que eu sair para terminar o meu doutorado. Mas o que eu vejo
ao meu retorno é são esses elementos burocráticos que nos aprisionam tanto, que às
vezes, a gente não consegue realizar determinadas ações e fazer determinados
debates que são urgentes, pautas que são urgentes [...]. (Olga, docente, entrevistada
em 18/02/2019).
210
A metáfora da “captura do tempo” e do “aprisionamento” em um tempo administrativo e
burocrático tem gerado angústia dos docentes, pois percebem que não podem abrir mão de
participar dos processos administrativos, já que eles condicionam seu trabalho, nem se negar a
realizar as burocracias criadas nova organização da Unifesspa. No entanto, tais processos
também podem impossibilitar realizar o aprofundamento da reflexão e da sua atuação em
relação a formação dos estudantes.
Eu acho que uma pauta que precisa conversar e não sei como a gente vai que pode
criar estratégias, isso ainda está me angustiando, é de como a gente vai construir
uma força para ir um contra discurso para esse novo cenário que está se
configurando. Recentemente, teve a uma entrevista, uma reportagem na Record dos
Sem Terrinha, que veio ali configurar um cenário completamente distorcido do que
realmente sem Terrinha. Então, são essas pautas que estão sendo tão urgentes, que às
vezes, a gente na sala de aula está falando só com os nossos alunos e que a gente não
consegue construir ações, que nos leve pelo menos, a debater. Eu não sei se debater,
falar, questionar, construir esse momento resolve, mas eu acho que é um caminho
que a gente pode construir, para poder pensar em ações. São essas coisas que às
vezes a universidade... e eu acho que particularmente a Unifesspa, é uma crítica que
eu faço a Unifesspa. É que esse cenário, eu sei que as pautas estão nos atropelando,
as coisas estão nos atropelando. Mas nem parece, que aqui a Unifesspa. Eu digo a
Unifesspa, não é a estrutura, mais os professores, servidores, alunos que fazem parte
dessa Universidade, está com uma visão ou então não sei. Então, essas pautas são
tão urgentes e me parece que está ficando à quem! Você tá resolvendo problemas,
você está resolvendo burocráticos e não pensa que nós estamos inseridos no Brasil
está extremamente problemático, para não dizer outra, outros adjetivos. Então, é um
pouco uma crítica que eu faço, e faço também uma autoavaliação de dizer: Como é
que eu vou pensar? Como é que eu vou construir ações para a gente pensar esse
momento? Não só pensar, mas agir nesse momento que estamos vivenciando no
Brasil (Olga, docente, entrevistada em 18/02/2019).
Há uma compreensão de que o aumento do trabalho na universidade reduz o tempo de
reflexão, assim como a participação nos debates que concerniam ao cerne dos ataques ao
ensino superior pelo avanço do conservadorismo e do fascismo, os quais propõem solucionar
os problemas da universidade pela eliminação da diversidade. Fragiliza-se o enfrentamento da
própria ameaça a existência da universidade pública, com as políticas de privatização
neoliberal que têm sido implementadas e os cortes dos recursos públicos. A construção de
processos de resistência, bem como a necessidade de defender a Educação do Campo e a
universidade pública eram pautas urgentes que não estavam sendo discutidas por esse
“aprisionamento do tempo”. A potencialidade da universidade de produzir o pensamento
crítico se viu limitada quando os espaços formais de encontro dos docentes se resumiram a
reuniões do colegiado com suas pautas administrativas. Há uma concorrência no tempo
destinado ao trabalho burocrático que antes era destinado para realização dos projetos de
ensino, pesquisa e extensão.
211
A constituição da Unifesspa e o novo quadro docente ter ingressado pelo Procampo já
dentro de uma nova institucionalidade tem provocado contradições principalmente em relação
às finalidades educativas Essa nova institucionalidade reconfigurou os espaços de organização
pedagógica e espaços de poder, com a constituição da Fecampo, ao mesmo tempo que
vinculou a atuação docente ao Instituto, como unidade. A busca pelo reconhecimento da
Unifesspa como universidade de excelência tem orientado a atuação do quadro recente, para
atender a lógica neotecnicista, direcionando as finalidades educativas para as políticas de
avaliação externas, buscando adequar e produzir o alinhamento ao projeto neotecnicista de
educação.
A fragmentação na Fecampo dos espaços de decisão, constituindo o NDE para o
tratamento das questões pedagógicas e o Colegiado da Faculdade de Educação do campo para
o encaminhamento das questões técnico administrativas, o aumento da burocracia, a
interferência na autonomia da faculdade pela ênfase na avaliação externa, desvinculada das
finalidades educativas contribui para essa concepção de sobreposição das atividades
administrativas as atividades pedagógicas e formativas.
As compreensões diferenciadas dos docentes foram confrontadas, nas provocações
para reformulação do PPP; isso também encontrou eco em provocações internas dos docentes,
que desejam contribuir na formação, buscando apresentar essas contribuições a partir do seu
campo de formação. Essa nova configuração materializou-se numa disputa entre a
reafirmação do trabalho individual do campo disciplinar e o trabalho coletivo e a
interdisciplinaridade que orientam os princípios da Educação do Campo.
A construção da Unifesspa demandou a necessidade de representação em diversas
comissões como locus de decisão que definem os rumos do trabalho docente na universidade.
Esse trabalho foi visto de forma ambígua pelos docentes. Por um lado, exercer as funções
burocráticas e administrativas foi considerado importante porque fazia parte do exercício da
democracia; por outro, o tempo dedicado ao trabalho burocrático/administrativo passou a ser
questionado porque os processos de burocratização tem intensificado o trabalho docente,
fragilizando as demandas de formação e as atividades do ensino, a pesquisa e a extensão, o
tripé que sustenta uma concepção de universidade comprometida com os problemas sociais e
com a transformação da sociedade.
Além de assumirem a realização dos PSE da Licenciatura em Educação do Campo,
numa condição provisória, passou a ser demandado aos docentes dessa Faculdade, toda a
política de atendimento a diversidade, com a construção dos PSE indígenas e Quilombola e a
Coordenação do Nuade.
212
A constituição da Unifesspa ampliou a quantidade e os espaços de trabalho do quadro
de docentes. No entanto, a intensificação do trabalho não foi sentida igualmente por todos os
docentes, porque muitos não assumiram o trabalho em comissões, o trabalho administrativo
ou a atuação em cargos para contribuir com a universidade. Alguns docentes não se
aproximaram do trabalho administrativo e tem se dedicado a construção de carreira de
pesquisadores, precisam se dedicar ao trabalho intelectual para alimentar seu currículo. Outros
desejaram contribuir com a construção da Unifesspa, pois ampliaram os espaços de atuação,
como em programas de mestrados; com novos cargos criados para atender a diversidade e
com acesso a editais para o trabalho com o ensino, pesquisa e extensão. Essa ampliação
concorre principalmente com as atividades previstas na alternância pedagógica no PPP da
Licenciatura em educação do Campo.
A totalidade de relações entre o projeto local de formação da Licenciatura em
Educação do Campo, o projeto mais amplo, construído no âmbito da Educação do Campo
com a constituição de políticas pela Secadi se enfrentou com as contradições nas políticas de
avaliação constituídas dentro do mesmo MEC. Assim, afetado pelo processo de controle e
enquadramento do trabalho docente, produzido pelos processos burocráticos de avaliação o
quadro docente da Fecampo enfrenta tensões e está se reconfigurando. Nesse capítulo
buscamos apresentar como o processo de institucionalização (tanto da nova Universidade
quanto da Fecampo) provocou contradições na formação, porque implica em ações que
disputam a finalidade educativa, principalmente pela reafirmação do trabalho individual e as
disciplinas e a concorrência do tempo de trabalho com a burocracia.
Os docentes, que foram formados em diversos campos do conhecimento e se
encontraram na Licenciatura em Educação do Campo, vislumbraram a Unifesspa como o
espaço de construção da carreira docente. Mostraram o desejo de contribuir por isso propondo
reconfigurações no projeto, com base na sua formação na graduação e pós-graduação, no
entanto o trabalho com os povos do campo e os movimentos sociais têm se tornado educativo
e também tem influenciado na sua formação. A constituição interdisciplinar de formações na
Fecampo também possibilitou impactar a Universidade como um todo.
Os movimentos sociais, que foram demandantes e parceiros na construção da
licenciatura, continuaram contribuindo na formação, principalmente o MST em todo o projeto
formativo, e diversos movimentos sociais em realizado uma aproximação com a Fecampo.
Reservamos para o quinto capítulo da Tese, a seguir, a análise da vivência formativa
nos espaços coletivos possibilitados pelo Procampo e nas atividades de alternância
pedagógica, dando ênfase às elaborações dos estudantes que, vinculados aos povos do campo
213
e assumindo o projeto formativo, viveram intensamente esse projeto, tendo toda condição de
contribuir na análise de toda a proposta formativa que ajudaram a construir.
214
4. PROJETO DE FORMAÇÃO HUMANA E QUALIDADE SOCIAL DA
LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO
[...] Pensar a formação de professores que dê conta de entender a região, de entender
as inter-relações dos problemas que são enfrentados na região com a realidade mais
ampla nacional e internacional. Até porque a gente está numa região que é um
furacão. Então, acontece muita coisa aqui. Essa região, ela se interliga, ela interliga
muitos interesses nacionais e internacionais, enfim, que disputa com os modos de
vida dos povos que aqui vivem. Pensar a formação de professores nessa região teria
pela proposta pedagógica, teria esse desafio de fazer com que os professores
compreendessem esse lugar e essas inter-relações, esse conjunto de interesses que
estão presentes aqui na região. Lógico, né, a presença de diferentes projetos de
desenvolvimento, que são pensados para essa região e como é que os povos do
campo reagem, resistem, se organizam aqui.[...] (Dandara, docente, entrevistada em
02/02/2019)
Este quinto capítulo tem como objetivo responder à questão de pesquisa (o que
permaneceu da proposta inicial no projeto formativo da Licenciatura em Educação do
Campo?), apresentando sua reconfiguração com novas questões que emergiram (considerando
seu crescimento quantitativo e qualitativo enquanto Faculdade de Educação, induzida pelo
Procampo e pela construção de uma nova institucionalidade) e as possibilidades que
emergiram na Unifesspa.
Analisamos os fundamentos que permaneceram e as reconfigurações que ocorreram no
processo. Esse movimento analítico buscou responder ao questionamento inicial: O projeto de
desenvolvimento, a partir da luta pela terra e por território no Sudeste do Pará, formulado a
partir do protagonismo dos movimentos sociais e sindical do campo, continua no horizonte da
formação ofertada no curso? Quais as consequências da disputa de projetos na
institucionalização da Licenciatura em Educação do Campo na Unifesspa?
Caldart (2019) enfatizou que as raízes históricas que constituíram a Educação do
Campo foram as lutas e os sujeitos coletivos, mas precisamos compreender o movimento
dialético de reconfiguração da Licenciatura em Educação do Campo na Unifesspa,
acompanhando o que permaneceu no horizonte da formação e quais novas questões são
possibilitadas pelo movimento dialético da realidade e por essas novas mediações.
Para Caldart (2019), “se abandonarmos as raízes da EdoC ela morre como EdoC,
porque muda a essência do que ela é; mas especialmente na metáfora viva da raiz, é preciso
compreender que as raízes não permanecem estáticas, elas se expandem, se fortalecem, se
recriam” (2019, p. 03). Para essa autora, é de suma importante entender a Educação do
Campo “sem cristalizá-la no estado em que ela nasceu” (2019, p. 03) porque as raízes que
215
engrossaram foram resultado do seu processo de expansão com a constituição da Licenciatura
em Educação do Campo.
Este capítulo foi organizado em cinco tópicos, assim intitulados: a) as lutas sociais
constituem temática interdisciplinar no projeto formativo; b) o processo formativo
permanente dos docentes do curso no conflito entre o disciplinar e o interdisciplinar; c ) novas
temáticas geradas pelos processos de produção de desigualdades; d) as dimensões da
formação humana na Licenciatura em Educação do Campo: análise produzida pelos
estudantes e e) A práxis formativa produzida no encontro entre lutas sociais e preparação para
a docência no campo: sínteses.
5.1 As lutas sociais constituem temática interdisciplinar no projeto formativo
O projeto formativo da Licenciatura em Educação do Campo foi desenhado a partir de
uma concepção ampliada de educação, tendo como fundamento a defesa de um projeto
emancipatório de sociedade. Os princípios que fundamentam a Educação do Campo foram
ancorados na concepção crítica de Educação, inspirados na historicidade compreendida por
Marx que “os homens constroem sua história”, dentro de determinadas condições sociais e
que uma sociedade capitalista, segundo Marx (1974), a desigualdade é produzida
cotidianamente.
Tal projeto adotou os fundamentos da formação integral ancorada em Gramsci (1987,
1991), na defesa da reforma moral da sociedade e na formação de intelectuais orgânicos; na
compreensão de que todos os seres humanos são intelectuais, mas é necessário o trabalho
formativo para construção de um tipo de intelectual orgânico, para contribuir na formulação e
fazer avançar um projeto de sociedade que tenha como horizonte a superação da produção das
desigualdades, na construção de uma nova humanidade.
Também, herdadas das teorias pedagógicas críticas que se constituíram na história da
educação brasileira, foram importantes para o projeto: a capacidade de produção de leitura da
realidade como condição de nossa ação no mundo; a ideia de que o direito a educação, como
todos os direitos, foi frutos de muitas lutas, por isso apenas as lutas sociais garantem acessar
os direitos; a ideia defendida por Freire (2005), que a educação não transforma a sociedade,
mas ela tem um papel na contribuição para essa transformação pois, sem ela, as possibilidades
de mudanças são restringidas.
Os princípios que organizam o projeto da Licenciatura em Educação do Campo foram
herdados dessa construção coletiva. Eles estão assim apresentados no PPP:
216
Os princípios pedagógicos que norteiam o curso, dentre eles: a) formação
contextualizada b) a realidade e as experiências das comunidades do campo como
objeto de estudo e fonte de conhecimentos; c) o trabalho e a pesquisa como
princípios educativos; d) a práxis construídas na indissociabilidade teoria-prática; e)
o planejamento e ação formativa integrada entre as áreas de conhecimento
[interdisciplinaridade]; e f) e a produção acadêmica com vistas a transformação da
realidade (UNIFESSPA, 2014, p. 23).
Na Licenciatura em Educação do Campo pesquisada, o PPP foi organizado através de
eixos temáticos. Os cinco eixos temáticos são articuladores no processo formativo, os quais
destacamos: Eixo 1: "Sociedade, Estado, Movimentos Sociais e Questão Agrária" Eixo 2: "
Educação do Campo" Eixo 3: "Saberes, Culturas e Identidades" Eixo 4: "Sistemas Familiares
de Produção" Eixo 5 "Campo, Territorialidade e Sustentabilidade" (UNIFESSPA, 2014).
Os Eixo 1: "Sociedade, Estado, Movimentos Sociais e Questão Agrária" constituem
em atividades interdisciplinares, em sua maioria, organizados em diferentes tempos
educativos, constituído de: seminário, oficinas, viagem de campo, exposição fotográfica, e da
disciplina de epistemologia, dentre outros.
Essas atividades diversificadas visavam produzir alteração na forma e no conteúdo do
currículo, produzindo uma formação que compreendesse currículo como uma seleção de
conhecimentos na qual questionava uma sequência de conteúdos tomados a priori. Os
questionamentos do tipo:” porque se estuda? o quê se estuda? como se estuda nas escolas?
quem tem o poder de definir o que é conhecimento? e o que se transforma em conteúdo
escolar?” desnaturalizam as seleções, percebendo que são baseadas em uma concepção de
conhecimento e de sociedade. (FREIRE, 2005). Ao mesmo tempo, as atividades visavam
introduzir temas geradores que aprofundassem a compreensão da sociedade desigual, para
construir aproximações com os processos de lutas já existentes nos territórios onde residem e
na luta pela construção das escolas do campo.
A Licenciatura em Educação do Campo buscou, em seu projeto, construir essa
concepção de formação alterando a forma e o conteúdo do processo formativo de educadores.
Por isso, fez-se necessária uma práxis pedagógica que possibilitasse produzir a religação entre
os conhecimentos científico e as problemáticas que se apresentam na sociedade.
As categorias realidade (em Freire, 2005) e atualidade (em Pistrak, 2011) foram
defendidas como aquilo que possibilita a construção dessa práxis pedagógica, constituindo um
elo de ligação entre as problemáticas que constituem a vida dos estudantes e o campo
brasileiro e os conhecimentos científicos, na construção de um diálogo entre diferentes
conhecimentos e a construção de novos conhecimentos, que não foram ainda transformados
217
em conteúdos pela escola a partir da interdisciplinaridade e da pesquisa como princípio
educativo, alternando tempos e espaços formativos.
A defesa da construção de uma nova graduação para formar educadores, a qual deveria
ter como pressuposto a interdisciplinaridade, baseou-se no entendimento de que, dentro das
disciplinas já instituídas não caberia esse movimento, já que nos conhecimentos científicos já
sistematizados já foi realizada a abstração, dispensando o olhar sobre a realidade dos sujeitos.
Entretanto, não havia a defesa de sua eliminação ou desconsiderar sua importância, para
aprofundamento dos conhecimentos teóricos específicos, que seriam realizados
posteriormente (CALDART, 2010).
Caldart (2010) apresentou a defesa de que o projeto da Licenciatura em Educação do
Campo buscasse a interdisciplinaridade para melhor compreender as problemáticas que
envolve os povos do campo, já que no avanço da ciência e seu processo de especialização,
produziu-se um afastamento e a fragmentação do conhecimento entre os diferentes campos de
produção, e essa fragmentação foi reafirmada do modo como ela foi organizada, como
conhecimento escolar (CALDART, 2010).
Essa categoria realidade constitui o fundamento do projeto formativo, porque permite
trazer para o centro do processo formativo as lutas sociais. Na Unifesspa, até o momento da
pesquisa, elas foram mantidas e reafirmadas nos três primeiros Tempos Universidade e
Tempos Comunidade, compreendido como unidades que se integram e forjam um itinerário
da formação, constituindo os fundamentos para essas compreensões que precisam ser
construídas e reafirmadas na alternância pedagógica entre as atividades desenvolvidas nos
dois tempos formativos.
Foi elaborada uma representação gráfica, como anexo do PPP, desse momento inicial
da formação, apresentada no quadro 05 abaixo:
218
Quadro 05 – Representação dos três primeiros tempos formativos
Fonte: PPP, Unifesspa, 2014.
219
Essa representação apresentada no quadro 05 não explicitou que o Seminário:
“Sociedade, Estado, Movimentos Sociais e Questão Agrária” se constitui como o norteador da
formação pois a atividade que produz estranhamentos com as concepções de educação e
produz uma primeira apresentação da Educação do Campo, por se constituir de atividades
coletivas, não disciplinares, nas quais emergem as problemáticas dos conflitos e dos projetos
de desenvolvimento em disputas no sudeste do Pará.
O principal objetivo do seminário é uma apresentação dos conflitos em suas diferentes
formas, tendo como objeto a finalidade do uso do território da Amazônia e construindo uma
concepção de campo como território em disputa. Debate-se ali a diversidade dos povos do
campo que constituem a Amazônia e se utilizam do território como espaço de reprodução da
vida em suas diferentes formas, em contraposição aos grandes projetos do agronegócio,
mineral e hidronegócio, que foram instituídos dentro do projeto de desenvolvimento adotado
pelo Brasil, ancorados na subserviência aos interesses de uma elite nacional e internacional,
que exploram sua biodiversidade transformando em riquezas para produzir lucros e produzem
a expropriação dos que nela vivem. Tais problemáticas precisam ser compreendidas e
relacionadas com o estágio do capitalismo em nível global.
Enfocam-se, no Seminário, também as lutas de resistência e emancipação que forjaram
os diversos movimentos sociais com a diversidade de identidades políticas constituídas, como
as denominações (camponeses, indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco, atingido por
barragens, etc.) positivadas no enfrentamento ao capital, apresentadas no capítulo dois deste
trabalho.
No PPP, o seminário foi constituído em três momentos distintos, mas como uma
unidade, conforme a ementa:
2. Sociedade, Estado, Movimentos Sociais e Questão Agrária (180h): Seminário
Parte 1 (90h): Hegemonia, Contra-Hegemonia e Emancipação na Fronteira: A
contradição e o conflito como elemento estruturante e organizador da sociedade
capitalista; Hegemonia, Contra-Hegemonia e Emancipação; Fronteira: encontro e
desencontro de temporalidades e territorialidades; Saberes e territórios em disputa
no sudeste paraense.
Seminário Parte 2 (45h-Prática): Dinâmicas Territoriais na Fronteira
Pesquisa de campo como experiência pedagógica e científica: observação
sistemática, entrevistas semiestruturadas e registro fotográfico; Preparação da
viagem de campo; Dinâmica do conflito entre diferentes territorialidades e a
dinâmica de formação da fronteira no sudeste paraense; Formação do valor na região
a partir da análise das dinâmicas produtivas locais-regionais; Formas de
organização, mobilização e territorialização da luta pela terra na região; Dinâmicas
organizativas e os processos didático-pedagógicos de estruturação da Educação do
Campo em comunidades camponesas.
220
Seminário Parte 3 (45h): Diferentes Interpretações da Realidade Regional
Produção do texto acadêmico; Elaboração de relatório da viagem de campo;
Diferentes linguagens e interpretações: montagem de exposição fotográfica e
registro áudio-visual.
A leitura da ementa mostra a construção da uma nova práxis pedagógica, na relação
indissociável entre teoria e prática. A leitura de textos acadêmicos tema função de confrontá-
los com a realidade, para produzir uma leitura das contradições da sociedade capitalista, a
partir da correlação de forças entre as diferentes frações de classe. Assim, a atividade
fundamenta a formação de educadores do campo como intelectuais orgânicos, que
compreendam as lutas sociais como fundamentais, na construção de uma nova hegemonia ou
como resistência aos processos de expropriação da vida.
Esse percurso foi experimentado desde o Pronera, em muitas turmas da Educação do
Campo, conforme aponta o relato abaixo:
O itinerário formativo criado foi um aprendizado muito com os movimentos sociais,
que a gente foi incorporando, as turmas do Pronera fazia e foi introduzido nas
turmas de Licenciatura daqui. De você enxergar a realidade, desde o início do curso,
antes no Tempo Comunidade. Ter no itinerário pedagógico, que compreende a
pesquisa e o ensino. A pesquisa desde o início [...] Nesse processo de formação, de
você ver a realidade se transformando. Antes, você vê uma realidade ali, você vê que
ela se transforma. Mas você também conhece uma realidade que é vivida no
conjunto da região, dos camponeses, dos trabalhadores, dos projetos em disputa.
Todas essas metodologias que a gente foi usando, dentro do itinerário formativo, eu
acho que isso ajudou na formação. É uma formação com uma qualidade
inquestionável mesmo, porque estuda, estuda, estuda, mas também do contato
direto, da relação direta e do vínculo. Isso tem deixado um diferencial, que deixa
marcas nos próprios municípios [...] A pesquisa, desde o início do curso, você ter
pesquisa em todos os Tempos Comunidades e formas de trabalhos que dê conta
disso, eu acho que vai diferenciando uma prática, dá visibilidade e quem vivencia
isso, tu termina mudando a tua metodologia em sala de aula, no trabalho com os
outros. Todo mundo termina incorporando, vai incorporando essas mais variadas
vivências, na metodologia de trabalho, no seu método no seu jeito de fazer as coisas
(Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
Como uma construção coletiva entre docentes da universidade e movimento sociais,
esse itinerário formativo foi parte do projeto inicial, apresentado no capítulo dois desse
trabalho, como uma metodologia para interrogar os conhecimentos.
A formação de educadores parte do pressuposto que os conhecimentos não devem ser
compreendidos como algo pronto e acabado (FREIRE, 2005), mas como construção humana.
Para constituir esse itinerário, primeiro se realiza uma preparação teórico-metodológica, com
estudos de referenciais teóricos sobre a fronteira e a formação sociohistórica do sudeste do
Pará e sobre Educação do Campo e uma formação específica sobre pesquisa. Introduz-se
ainda o debate da metodologia científica de produção de dados quantitativos e qualitativos, a
partir dos instrumentos da produção de registro fotográfico, entrevistas e outros.
221
Também é promovida a problematização dos processos formativos que os educandos
vivenciaram na escola rural, na família e na igreja como exercício de questionamento dos
conhecimentos produzidos nesses processos (conhecimento que naturalizou o mundo que os
cerca) e a construção de uma vinculação e identidade ao projeto formativo, assim como a
construção de um engajamento com um projeto de construção de campo e de sociedade,
através da oficina de História de vida. Nesta atividade, os estudantes constroem um memorial
de formação enquanto texto escrito, também como um texto autoral, utilizado também para
um diagnóstico inicial da escrita dos estudantes, para planejamento do trabalho formativo
realizado posteriormente.
Essas foram as atividades mais destacadas pelos entrevistados, as quais, segundo eles,
mais contribuíram no processo educativo. O estranhamento inicial foi destacado por
estudantes e docentes que não tinham vivenciado experiências com a Educação do Campo,
porque a proposta da formação confrontava com sua concepção de escola e ensino, presa
exclusivamente às ações em sala de aula. Para muitos, foi o primeiro contato com a com a arte
produzida na mística de abertura organizada pela CPP sob a coordenação do MST e com os
movimentos sociais.
A Imagem 05 apresenta um registro fotográfico da recepção da turma 2018, no
auditório do Campus I:
Imagem 05 Seminário de abertura da turma 2018
Fonte: Secretaria Fecampo, pesquisa de campo (2018)
222
A preparação do seminário, a temática e a organização e toda a preparação do
seminário tem sido realizado com a participação dos movimentos sociais e da CPP e um
grupo de docentes da Fecampo.
Na Imagem 06, o Seminário de Abertura da turma 2017, aparece um entrelaçamento
de processos educativos vivenciados pelos estudantes em diversos momentos, permitindo que
convivam com estudantes de diferentes turmas.
Imagem 06: Seminário de Abertura turma 2017.
Fonte: Secretaria Fecampo, Pesquisa de Campo (2018).
Podemos visualizar na Imagem 06, que havia estudantes com uma camiseta que
confeccionaram, com a frase: “Educação não é mercadoria!”, da campanha lançada pelo
FONEC em 2016, da qual eles participaram em Brasília, e que acompanharam as plenárias
ampliadas e dos debates realizados nacionalmente reafirmam a luta pelo direito a Educação e
pela Educação do Campo: vê-se também a ornamentação com o registro de uma exposição
fotográfica, realizada por turmas anteriores.
Essas atividades produziram questionamentos nos diversos sujeitos, porque alteram o
formato que eles esperam da educação. A hierarquia entre os diferentes sujeitos que compõem
o coletivo também foi questionada porque havia momentos de escuta e de fala de todos os
diferentes sujeitos envolvidos. Um entrevistado relatou sua memória desse momento:
[...] Eu falei do primeiro seminário, do primeiro dia de aula que a gente teve, aí, a
gente estava aqui no Campus I, (auditório) lotado de alunos, cento e vinte alunos. De
repente, um rapaz começa a gritar, com um facão na mão, era a mística. Eu não
entendia! Nunca nem tinha ouvido falar em mística! Eu fiquei um pouco assustado
223
porque eu estava dentro do auditório e aquele rapaz gritando e outro falando aculá,
no meio da multidão. Depois que eu fui entender que era a mística, que eles estavam
falando, aí eu percebi que era diferente. As discussões, que eu cheguei aqui no
curso, eu já achei que a gente iria para uma sala específica, já ia estudar aí na área,
as discussões eram sobre o campo, era sobre os conflitos agrários, era sobre a
dinâmica aqui desse território. E isso para mim foi novo, eu não esperava isso. De
início, eu fiquei até um pouco meio que frustrado, quando a gente iniciou as
primeiras disciplinas, na oficina de história de vida. Aí eu fiquei assim? Mas eu vim
para aprender alguma coisa para levar para os meninos. Eu vou ter que estar
lembrando da minha história, eu fiquei até um pouco desanimado. Só que isso foi se
avançando, e eu fui percebendo a política do curso, que era diferenciado, que não era
só formar um professor para atuar em uma sala de aula, mas que era para formar um
professor que compreendesse o contexto que ele estava, as dinâmicas que acontecem
naquele contexto e com isso eu acabei gostando do curso, graças a Deus, eu tô
concluindo, muito satisfeito pelo que eu consegui (Tiago, estudante, entrevistado em
06/02/2019).
A expressão “mas eu vim para aprender alguma coisa para levar para os meninos”
demonstra essa decepção inicial, já que atuava como professor em uma escola do campo. Sua
compreensão foi modificada posteriormente, quando diz que: “eu fui percebendo a política do
curso, que era diferenciado, que era para formar um professor que compreendesse o contexto
onde ele estava” marcando como diferenciador da formação.
No entanto, na memória dos entrevistados, o seminário não é compreendido como um
todo, mas fragmentado nas atividades propostas a cada semana. A viagem de campo foi
destacada como síntese dos aprendizados desse momento inicial. O relato abaixo foi
representativo dessa compreensão:
Eu acho que assim, do PPC do curso, no processo formativo, eu acho que foi a ‘mão
na roda’ a viagem de campo, entendeu? E a forma como ela acontece; são práticas
que... O seminário, aquela primeira semana que é, do Seminário: Estado,
movimentos sociais e questão agrária... esse nome aí. Esse seminário ele também já
é um momento de se adentrar nessa realidade, de conhecimento dos sujeitos. Acho
que conhece bastante os sujeitos e as forças que estão em movimento na região. As
forças do Capital e as forças alternativas aos trabalhadores, mas fica no campo
teórico, do diz que... estão dizendo... não sabe se aquilo... o que tu conta sobre uma
aldeia indígena, como vivem os indígenas, o que está sendo ameaçado. Então, ainda
fica no campo da dúvida porque parece que a gente vem... eles tem um
conhecimento estereotipado! Tem a mídia que coloca para eles que é uma realidade.
Mas, quando a gente coloca que há outra realidade, eles ainda vão ficar no campo da
dúvida. Tem uns que ficam muito no campo da dúvida. Será que é verdade? Será
que não é? Eu falo para o pessoal: “_Gente, a gente a viagem é um mês inteiro de
preparação, de mergulho na realidade porque tu têm um momento de preparação,
que é estudo. Estudar mesmo o texto, levantar coisas, material, filmes. Então tu já
tem ali... Aí, tu tem a viagem, e quando tu volta, tu tem quase... uma semana de
novo, para preparar os relatórios, a exposição fotográfica e tal. Nesse formato, em
que fez, eu acho uma fortaleza, nesse processo de leitura da realidade e os elementos
que possibilitam você compreender. Depois, dá várias chaves de leituras, para você
seguir e construir os demais momentos do curso. [...] O que é importante enxergar e
por quê? Esse olhar é exatamente a partir da viagem de campo... ela vai dando
visibilidade. Dando voz aos sujeitos. Então essa importância de dá visibilidade aos
processos coletivos; há processos individuais que existem na região, mas a maioria
224
deles são ações coletivas do Capital ou as contra hegemônicas que estão se
colocando no caminho. Eu acho que ele dá um bom panorama dentro do processo de
formação. Quando chegam da viagem de Campo, eles consegue compreender aquilo
que foi dito no seminário, nos vários formatos que ele tem. (Pagu, representante da
CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
O primeiro Tempo Universidade foi todo organizado para que essas atividades
pudessem marcar o momento inicial da formação, no qual os educandos produzem
questionamentos para serem trabalhados ao longo do curso. O relato abaixo mostra que os
itinerários construídos permitem esse choque com a visão harmônica e positivista sobre o
mundo:
[...] Tem gente que chega aqui e fala para nós, quando voltam, mesmo morando no
campo, trabalhando com a realidade camponesa, como é a maior parte do público
das licenciaturas. Os meninos quando vão para viagem de campo, eles dizem assim:
_ “O que é que isso? Nunca tinha imaginado, de olhar para a terra que eu moro, para
o assentamento em que eu moro, nessa perspectiva. Nunca tinha visto isto! Passo
aqui, nessa Transamazônica todo dia. Nunca tinha me atentado para essa realidade,
para essa situação!” [...] O itinerário da viagem de campo, ele traz os conflitos e as
contradições. É fundamental a forma como ele é feito, que a gente teve essa
experimentação no Residência Agrária. Nesse processo de formação e de conhecer
várias realidades, de conhecer os projetos da classe trabalhadora e os projetos dos
inimigos. E da vivência mais permanente junto dessas lutas. Na viagem de campo é
o grande despertar mesmo. Já de ter um olhar, né para realidade deles e dos outros.
Entender que existe outros sujeitos, então eu acho que alguns se reconhece sujeito
do campo, a partir da viagem de campo. Mas, alguns, passam já nesse despertar,
pelo menos já saber que existe outra realidade, que precisa ser considerada, porque
só na viagem de campo, não muda. Mas já é um início. Tem uns que chegam já
bastante. “_Não, eu não acredito que é assim!” Já bem... “Nunca imaginei que fosse
dessa forma!”. Então, a gente ouve muito essas frases. “É impressionante!” “_Nunca
imaginei que existiam pessoas que moravam naquela situação nos acampamentos!”.
“_Nunca imaginei que a Serra Pelada fosse aquilo!” nunca imaginei que a Vale fazia
aquilo! Ah, nunca imaginei que a fazenda X tem esse tipo de tecnologia, aqui
pertinho da gente!” e que se coloca nesse caminho. E nunca pensei que os
acampamentos do MST, fosse tão organizado desse jeito. Eu só conhecia o MST
pela televisão! Só conhecia os indígenas pelo que a televisão mostra! Eu nunca
imaginei que fosse chegar em uma aldeia e ter aquilo! Eles passam a quebrar aqueles
estereótipos. É um momento de estranhamento com tudo e passam e chegam
bastante impactados. A maioria dos estudantes, o retorno deles da viagem de campo
é de muito impacto. Impactado mesmo, com o que viam. Eu acho que é o que ajuda
eles a fazer o primeiro trabalho de Tempo comunidade, que é fundamental também,
que é o diagnóstico da sua comunidade. Esse é um outro trabalho que também
impacta a vida dos estudantes. É a construção do diagnóstico da comunidade. E que
eles vão aprimorando esse olhar, exatamente a partir da Viagem de Campo (Pagu,
representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
A centralidade da formação foi representada pela viagem de campo, como se ela
constituísse uma chave que permitisse a leitura da realidade, porque desestabiliza os
conhecimentos naturalizados do mundo que os cerca, bem como apresenta as contradições
presentes e o movimento de transformação da realidade, tendo seu olhar direcionado para os
projetos que disputam a legitimidade e o território.
225
Esse estranhamento também aponta para os estereótipos de diversas naturezas, sejam
com os outros povos, seja com o modo de vida, seja com a sua visão de progresso e
desenvolvimento, porque os conflitos com as visões de mundo são apontados como tendo sido
definidas através das diferentes mídias, sendo que o entrevistado percebe o papel que estas
têm ocupado na produção ideológica do mundo.
Buscando apenas exemplificar os conhecimentos produzidos durante as viagens de
campo, apresentamos abaixo a problematização sobre o modelo de desenvolvimento que
privilegia a construção das hidrelétricas na Amazônia; as implicações e os beneficiários
dessas obras de infraestrutura. As imagens 07 e 08 foram registros fotográficos realizados por
estudantes, na viagem de campo da turma 2014, que fez o trajeto Marabá – Tucuruí –
Altamira. Nesse trajeto formativo foi prevista a Visita a Usina Hidrelétrica (UHE) de Tucuruí,
a Terra Indígena Mãe Maria, assentamentos e acampamentos que não são beneficiados pela
energia elétrica, mas que tiveram seu território inundado pela construção do lago ou recortado
por grandes projetos, a rodovia Transamazônica na altura de Marabá até o município de
Altamira por fim, a visita a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. A proposta
incluía debater os conceitos de progresso e desenvolvimento e o papel representado sobre a
Amazônia em políticas governamentais do governo brasileiro:
Imagem 07 - Registro da frase na placas de inauguração da UHE de Tucuruí (1ª fase).
Fonte: Arquivo Fecampo/Unifesspa, pesquisa de campo (2018).
226
Imagem 08 - Registro da frase na placa de inauguração da UHE de Tucuruí (2ª fase).
Fonte: Arquivo Fecampo/Unifesspa, pesquisa de campo (2018).
A construção da UHE de Tucuruí foi iniciada durante a ditadura militar foram
apresentados no segundo capítulo. Ela produziu vários impactos, desde o deslocamento de
contingente de trabalhadores homens para construção da obra, o aumento no custo de vida, a
criação de um grande lago com a inundação de grande área de mata, vilas e comunidades,
impactando a vida, em suas diferentes formas, nessa região.
Duas frases foram registradas das placas da inauguração da primeira etapa da
construção da hidrelétrica, no período de 1975-1992 (na qual foram construídos doze
geradores). A frase apresentada na Imagem 07, expressa o seguinte: “Vamos somar esforços e
proporcionar aos nossos irmãos do Norte, sua participação no progresso e no
desenvolvimento do Brasil” e na Imagem 08, na inauguração da segunda etapa de expansão
da Hidrelétrica (no período de 1998-2006, com a construção de mais doze geradores) a
segunda placa apresentou a frase: “Não basta amar o Brasil. É preciso construir o Brasil do
Futuro”. Visando comprar a ideologia do “progresso” e do “Brasil do Futuro”, os educandos
puderam analisar como os povos da Amazônia foram tratados nesse modelo de
desenvolvimento.
Os estudantes visitaram, dentro da hidrelétrica, a área em que estavam os vinte e
quatro geradores em funcionamento e registraram a informação, repassada pelos técnicos da
Eletronorte que os receberam, que apenas dois geradores produziam energia suficiente para o
227
abastecimento de todo o Estado do Pará. Os outros vinte e dois geradores, na época, eram
utilizados para abastecimento das empresas que atuam na extração mineral, tal como a Vale,
que também utilizava o total de dois geradores, mesmo consumo de todo o estado do Pará. O
excedente de energia produzido em vinte geradores era, segundo informação dos técnicos,
enviado para o mercado internacional de energia, disponibilizado em lotes para venda na
bolsa de valores, em um mercado de energia da América Latina.
Imagem 09: Geradores da UHE de Tucuruí
Fonte: Arquivo Fecampo, Viagem de campo (2014).
Imagem 10: Visita ao Acampamento João Canuto
228
Fonte: Arquivo Fecampo, Viagem de campo (2014).
As imagens 09 e 10 expressam as contradições entre a produção de energia enquanto
bem público e os processos de privatização dos bens essenciais. Após a privatização da
Companhia Centrais Elétrica do Pará (Celpa), em 1998, houve aumentos anuais na conta da
energia elétrica dos que residem nesse estado. A partir das imagens acima e dos dados
produzidos na viagem de campo foi possível debater a subordinação do conceito de progresso
a um modelo de desenvolvimento que promove a apropriação dos recursos naturais, pois
desde a ditatura militar nos anos de 1970, há projetos de construção de quarenta e duas
hidrelétricas nos rios Araguaia e Tocantins, apenas nessa região da Amazônia.
A Imagem 09 apresenta os geradores da UHE de Tucuruí e a Imagem 10 o registro do
Acampamento João Canuto, simbolizado pela bandeira do Brasil. Esse acampamento foi
organizado pela CPT, a partir de uma área pública de floresta, uma terra devoluta considerada
uma sobra de uma gleba de terra, no município de Tucuruí. Um egresso da Licenciatura em
Educação do Campo, da área das ciências agrárias com a atuação na CPT, apresentou a
organização da produção e a construção da feira da cidade, na qual a produção de frutas e
hortaliças do acampamento. A distância que separa os acampados da Hidrelétrica era de vinte
e dois quilômetros, de frente para o lago. No entanto, a contradição vislumbrada pelos
estudantes era a falta de energia elétrica no acampamento, situação na qual viviam também
vários estudantes.
A temática escolhida para o seminário de abertura com a turma 2018, foi “Ditadura
Militar no Brasil: memória e seus reflexos no sudeste do Pará”. A figura 08 apresentou o
cartaz que produziu a divulgação, bem como a programação com o tema das mesas. A
imagem ilustrativa da visita dos estudantes ao Acampamento Hugo Chaves, que sofreu ordem
de despejo em 2017.
229
Figura 08: Cartaz do Seminário de Abertura da turma 2018- Fecampo/Unifesspa
Fonte: Pesquisa de Campo, Fecampo/Unifesspa, 2008.
Acompanhamos, como atividade de pesquisa, as atividades de socialização da viagem
de campo, da turma 2018. Foram realizados dois roteiros com os estudantes: a rota da
Guerrilha do Araguaia e a Rota da Mineração. As duas turmas fizeram roteiros distintos.
A primeira turma fez o roteiro dos grandes projetos de mineração e da luta pela terra,
no sentido Marabá – Eldorado do Carajás – Parauapebas e a Serra dos Carajás, com destaque
às visitas ao Assentamento 26 de Março e o IFPA - Campus Rural de Marabá, a Curva do S,
onde ocorreu o Massacre de Eldorado do Carajás; ao garimpo de Serra Pelada e as instalações
da Vale, na maior mina de ferro a céu aberto do mundo.
A segunda turma percorreu o roteiro Marabá – São João, São Domingos e São Geraldo
do Araguaia até a Serra dos Martírios, conhecida também como Serras das Andorinhas,
roteiro que permitiu problematizar a Guerrilha do Araguaia, a ditadura militar, adentrando nas
aldeias do Povo Suruí Aikewara e a luta posseira pelos castanhais, ouvindo, nas vilas, os
230
agricultores que foram torturados relatarem suas memórias da Guerrilha do Araguaia e as
violências sofridas e o trabalho de colaboração forçada ao exército brasileiro ao extermínio
dos guerrilheiros. Também conhece a história da luta posseira e seus processos de resistência
e organização da vida nas comunidades. Por fim, visitou a Serra dos Martírios, fazendo uma
caminhada até a Casa de Pedra, local considerado sagrado para os camponeses que
sobreviveram a Guerrilha e onde realizam uma romaria, denominada de “Festejo do Divino’,
em agradecimento pelo fim do sofrimento físico causado durante a perseguição aos
guerrilheiros.
A Figura 09 trata-se de uma representação espacial em formato de mapa construído
pelos estudantes, após as viagens de campo da turma 2018. O destaque para toda a área
inundada para a criação do lago da UHE de Tucuruí e os diferentes usos do território. Ele foi
construído para orientar os visitantes sobre os espaços visitados ao realizar o debate sobre as
atividades que visitaram em cada roteiro.
Figura 09 - Mapa produzido pelos estudantes na sistematização das viagens de campo
Fonte: Pesquisa de Campo, Fecampo/Unifesspa (2018).
O PPP previa, para a socialização dos conhecimentos produzidos (que funciona como
uma finalização do seminário), a organização de uma exposição fotográfica na universidade.
No entanto, além da exposição, os docentes e estudantes organizaram uma mostra com
diversas atividades, tais como produção de mapa e de linha do tempo para marcar
231
temporalmente os principais elementos históricos da viagem de campo. Nas Imagens 11 e 12,
visualizamos dois momentos da exposição de socialização dos conhecimentos produzidos
momentos da atividade de socialização:
Imagem 11: Abertura da exposição no Tapiri do Campus I
Fonte: Pesquisa de Campo, Unifesspa (2018).
Imagem 12 – Presença dos estudantes do ensino médio das escolas públicas de Marabá
Fonte: Pesquisa de Campo, Unifesspa (2018).
As atividades foram realizadas no final do Tempo Universidade, em agosto de 2018;
foram convidados e participaram os estudantes e professores do Ensino Médio das escolas de
Marabá especificamente das disciplinas Geografia e História. Essa atividade produziu
232
interação entre os estudantes da Licenciatura em Educação do campo e os estudantes das
escolas públicas, conforme a Imagem 12 acima, a qual retrata a socialização dos
conhecimentos produzidos sobre os impactos da ditadura militar e a Guerrilha do Araguaia a
partir da visão dos camponeses e indígenas:
Imagens 13: Interação com estudantes de turmas veteranas na socialização de poemas
Fonte: Pesquisa de Campo, Unifesspa (2018).
Essa atividade também provocou a interação entre os cursos de graduação da
Unifesspa e entre turmas da Licenciatura em Educação do Campo: uma turma coordenou uma
atividade cultural, socializando os poemas, produzidos na disciplina Literatura e Poema, da
área da Letras e Linguagem, conforme apresentado na Imagem 13.
Esse movimento inicial expresso nos seminários produziu formação para debate ao
longo de todo o curso. Essas atividades interdisciplinares que compõem os seminários
produzem leitura inicial unitária como núcleo comum da formação, para depois adentrar na
formação por área do conhecimento. Uma docente apresenta o destaque que a viagem de
campo:
[...] Talvez até se que conseguisse fazer um pouco mais das viagens de Campo, que
é uma das atividades que mais rica na memória dos estudantes, dentre as atividades
significativas é a atividade que eles mais menciona. A gente só tem conseguido fazer
na prática e olhe lá, pontualmente duas. Então, pelo limite financeiro e pela questão
das turmas, na medida que vai aumentando a quantidade das turmas, acaba sendo
inviável fazer mais. Mas eu não jamais tiraria as das viagens de Campo (Dandara,
docente, entrevistada em 08/02/2019).
233
Prevê-se dificuldades em manter as atividades, caso haja mais cortes de orçamento na
Universidade. Ela tem sido priorizada também porque a geração de estudantes jovens, que
ingressou na formação e residem no sudeste do Pará, nasceu no Estado. Em sua maioria, são
filhos de migrantes. Mesmo os indígenas e professores, que adentraram a formação, não
circulam pelo território. As grandes distâncias grandes, as estradas precárias, bem como a
condição socioeconômica das famílias, em sua maioria. Essa atividade constitui, para alguns,
a primeira viagem. O conhecimento que tem da região assume uma naturalização do campo
como homogêneo, bem como a leitura da paisagem, orientado por uma visão da mídia
televisiva.
Segundo Castro (2012), a Amazônia brasileira, constituiu parte da Pan-Amazônica na
América Latina, considerada região central ao projeto de exploração e escoamento de riquezas
naturais para beneficiamento nos países industrializados na divisão internacional do
capitalismo a nível planetário; nas quais o papel dos estados nação dependentes é construir a
logística de transporte, energia e comunicação; infraestrutura necessária dos megaprojetos
com a construção de eixos nacionais de integração entre país da América Latina e a Ásia, bem
como através da desregulamentação da legislação ambiental e mineraria, para garantir os
megaprojetos de exploração.
Houve um avanço da fronteira agrícola constituída dentro do projeto de exploração
capitalista para a Amazônia. Esses processos provocaram, do ponto de vista ambiental, a
destruição da cobertura vegetal originária do bioma Amazônia. As áreas que ainda não foram
destruídas estão dentro das poucas áreas que foram delimitadas como reservar protegidas,
bem como as áreas indígenas, e pequenas reservas nas áreas de assentamento e fazendas, que
não atender a legislação ambiental brasileira32 por isso constituiu como objeto de disputa.
Novos projetos de exploração foram instituídos pelo capital nacional e internacional e
foi demandada nova infraestrutura a ser construída pelo governo brasileiro, bem como o
afrouxamento das legislações existentes. Constitui objeto de interesse a exploração nas áreas
que não foram destruídas, principalmente novos impactos sobre os territórios indígenas, sobre
as áreas de colonização e sobre os rios da Amazônia, provocando alterações nas dinâmicas,
bem como novos conflitos pelo denominado mineralnegócio e hidronegócio.
32 O Código Florestal brasileiro, aprovado como Lei 12.651/12 em 2012, previa no Artigo 3º que é necessário
uma reserva legal. No seu 12ª, no insisto I, apresentando que a área destinada á reserva legal na Amazônia,
considerada área de floresta, deverá ser o percentual de 80%. Em relação aos assentamentos, essa reserva pode
ser incluída as áreas de sítio, bem como os plantios permanentes. A criação dos assentamentos rurais a partir de regularização das áreas ocupadas foi áreas que a mata virgem era quase inexistente, com pastagens implantadas
em processos de ocupação anteriores, tratados no segundo capítulo da Tese.
234
Nos governos Lula e Dilma, a implementação do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) I e II, tinha como objetivo estruturar eixos de integração nacional,
corredores para facilitar o avanço da exploração de produtos primários tais como pecuária,
madeira, minério, grãos e energia, (o minério, a soja e o gado eram os três principais os que
sustentavam a balança comercial brasileira nesse período). (CASTRO, 2012)
Os investimentos do PAC III, no Pará, foram direcionados para construção de obras,
tais como: asfaltamento da Rodovia Transamazônica no trecho entre Marabá e Altamira para
viabilizar o deslocamento e possibilitar a infraestrutura na construção da Usina Hidrelétrica de
Belo Monte, e duplicação na cidade de Marabá, construção de porto em Vila do Conde em
Barcarena, município metropolitano da grande Belém e a viabilização da Hidrovia Araguaia
Tocantins no Rio Tocantins, para garantir escoamento de minérios, grãos e gado de corte
através da navegação fluvial. (CASTRO, 2012).
Para realizar a hidrovia citada, havia previsão da derrocada do Pedral do Lourenção33
no Rio Tocantins (entre os municípios de Itupiranga a Marabá). A construção dessa hidrovia
tem objetivo de baratear o custo da exportação e a expansão do agronegócio com a alternativa
do transporte fluvial, a construção e ampliação dos portos para ampliar a exportação do gado,
da soja e do minério de ferro.
A imagem 15 abaixo constituiu em um registro produzido pelos estudantes, durante a
viagem de campo da turma 2014.
33 O Pedral do Lourenção constitui em uma área de pedras no meio do Rio Tocantins, com quarenta e três
quilômetros de extensão. Está localizado entre a Ilha do Bogéa, Marabá e a vila Santa Terezinha do Tauari em
Itupiranga. Nos períodos de setembro a novembro é o período de seca, considerado o verão amazônico, as pedras
impedem a navegação de comboios de carga. A viabilização da Hidrovia Araguaia Tocantins depende do derrocamento, palavra utilizara pelo governo para expressar a destruição com dinamites para produzir uma
escavação subaquática e aumentar a profundidade do rio, tornando-o navegável durante todo o ano.
235
Imagem 14 - Caminhando sobre o Pedral do Lourenção
Fonte: Pesquisa de Campo, Arquivo Fecampo (2018).
A construção da Hidrovia Araguaia – Tocantins impactará o modo de vida dos
assentados e ribeirinhos, que vivem as margens desse rio e utilizam-no para reprodução da sua
vida, no seu trabalho, a partir da pesca ou transporte de mercadorias, para seu lazer, nas praias
de rio; constituiu foco de pesquisa de docentes e estudantes do curso.
A imagem nº 14 tem sido utilizada também, por nós, como metáfora da Educação do
Campo, porque representa um caminho pedregoso e difícil já trilhado construído uma
concepção de educação sobre um terreno que parece firme na caminhada da construção do
Movimento da Educação do Campo, mas o campo brasileiro sempre foi ameaçado de
implosão, junto com o projeto de campo e de sociedade que defendemos.
Em 2018, uma docente retornou com os estudantes na Vila Tauari, no munícipio de
Itupiranga, local que dá acesso ao Pedral do Lourenção. Ela apresenta uma reflexão sobre a
aula ministrada:
[...] Quando nós fomos para o Tauari, com os alunos na quarta feira. Fomos para o
Tauari, e foi uma aula diferente, umas coisas que os alunos, a gente ia conversando...
pensando nessas coisas... quando se fala nos grandes projetos, no capital, o que é
isso? O que você percebe que existe a materialidade desse discurso? Como você
percebe? Então os alunos vão vendo: _Oh, aqui o Rio vai derrocar o pedral! Vai
impactar essa comunidade, o que eles vão fazer? Por que que não se pensa na vida
humana? Por que que não pensa na permanência das pessoas como elas, do jeito que
elas são, na forma de vida delas? Então, você traz a sociologia de uma maneira
diferente. Você lê o materialismo histórico dialético, nós lemos. O materialismo, o
positivismo, a sociologia compreensiva do Weber, lemos ou discutimos muito
rapidamente o Bourdieu na questão do poder simbólico. Mas, essa... para mim, a
pesquisa como princípio educativo é elementar na formação desses sujeito. Por que
236
ele se forma analisando uma relação que ele está dentro dela, tentando estranhar
aquilo que ele vive. Eu vivo isso, que é comum, que é muito difícil eu estranhar, um
exercício difícil na pesquisa de fazer, mas ele produz a partir da realidade dele, eu
acho que é bacana (Miha, docente, entrevistada em 16 de fevereiro de 2019).
A Licenciatura em Educação do Campo busca, em seu projeto formativo, tornar
conteúdo de estudo as lutas sociais, os conflitos e os projetos de desterritorialização e
socializar as ações de resistência na história brasileira. Há uma defesa que essas
problemáticas, que impactam diretamente a vida dos povos do campo, se tornem conteúdo no
currículo das escolas do campo. Por isso precisam ter centralidade na formação dos
educadores que atuam e que irão atuam nas escolas do campo. O conhecimento compreendido
como direito humano, mas apresentando as diversas experiências de constituição da
humanidade, garantindo a universalidade do direito a educação e a especificidade de sua
experiência enquanto humano. Um estudante faz uma avaliação do impacto em sua formação,
apresentado abaixo:
O curso foi muito forte o impacto. A convivência da coletividade principalmente,
nós somos sujeitos muito diferente. E conhecer principalmente a nossa região. Eu
particularmente, antes do curso, eu não tinha nem esse conhecimento geográfico da
nossa região e nem esse conhecimento de realidade da região sudeste do Pará, de
conflitos de terra, da luta das Quebradeiras de Coco, principalmente dos ribeirinhos,
dos Quilombolas, dos indígenas né. Assim, essa realidade é uma realidade que para
mim estava muito oculta ainda. Isso era coisa de um processo isso tinha acontecido
há muito tempo atrás no descobrimento (do Brasil). E aí, quando a gente adentra no
curso, que isso é trazido como lutas atuais é um choque muito grande, muito forte
para nós. É algo que dificilmente a gente conseguiria descobrir, através de uma
pesquisa individual. Foi necessário ter esse contato com o curso, e pudesse ter
acesso a essa realidade. Essa vivência... Inclusive a primeira pesquisa
socioantropológica, né, a gente desconhece até a localidade que a gente mora. Por
que a gente não tem o hábito de pesquisa, na verdade mesmo né?. O que têm de
história nesses lugares não são contados. A nossa região tem uma construção muito
diversa, passou por fases muito significante, né, garimpos, exploração de madeira.
Essas frases foram construindo a história de cada localidade, a Guerrilha do
Araguaia. Essas são construções históricas que precisam de um estudo dirigido para
entender de fato como foi. Nos livros didáticos elas não aparecem. Essas histórias
não existem. Não costuma aparecer. E a pessoa, por si própria, se despertar a
pesquisar isso é muito difícil que aconteça. Então, o contato com o curso, não só
para mim, mas é o que a gente tem dialogado com os outros estudantes também.
Esse contato com o curso foi crucial para a gente entender também de como se
construiu a nossa realidade. (Osmar, estudante, entrevistado em 07/02/2019).
Esses conhecimentos quando adentraram aos livros didáticos (já que nem todos foram
considerados conteúdos) foram apresentados de forma fragmentada em determinadas
disciplinas, em determinado ano letivo, sem uma articulação com a vida, apenas para
obtenção de conceito em forma de nota. Observamos a forma estereotipada com que os povos
indígenas são apresentados no currículo oficial que até a presente data, e tem sua própria
existência negada, juntamente com sua humanidade, quando o estudante diz: “era uma
237
realidade que para mim estava muito oculta” e “Isso era coisa de um processo isso tinha
acontecido há muito tempo atrás no descobrimento (do Brasil)”, e que foi um choque perceber
sua existência.
Outro estudante apresentou o estranhamento em relação a leitura dos conflitos agrários
na região da Transamazônica leste, próximo ao rio Xingu. Ele residia em uma comunidade
rural, no município de Novo Repartimento, próximo ao município de Anapú e do Projeto de
Desenvolvimento Sustentável (PDS), local em a religiosa Dorothy Stang foi assassinada em
2005. Ele apresenta como fazia a leitura dos conflitos:
Não tinha feito uma viagem de campo, outro fator gozado também porque eu queria
ir para outro lugar porque geralmente a gente foi quase para a minha região. A gente
foi para Tucuruí, que fica bem próximo de Repartimento, Pacajá, pra frente Anapú,
só que foi um momento especial porque eu achava que conhecia, eu achava que
entendia aquelas dinâmicas. Tinha tanta coisa que tinha ali, tantas problemáticas que
eu não compreendia, a questão dos conflitos, por exemplo, uma das coisas que me
marcou foi em Anapú, que a gente foi, e era bem o dia que a Doroty tinha morrido e
tinha um evento lá. Era tão próximo da gente e a gente só viu aquilo pela televisão, a
versão da televisão. A gente teve acesso a um debate lá, sobre os conflitos naquela
região e isso parece tão distante e até desconhecido para a gente. E a partir do
momento que eu entrei no curso, que a gente foi levado a ter esse olhar, para essas
situações. Então, a viagem de Campo, agregou muito, apesar de ser uma região que
eu julgava conhecer, né. Ela levou a gente ver outras questões: os conflitos; as
intrigas ali entre fazendeiros e colonos. A versão que eu tinha dela, era só pela que
passava na televisão, era de alguém que causava intriga, que queria tirar a terra dos
outros e dá para outros. E na verdade, ela era alguém que estava tentando mediar
uma situação, estava tentando ser voz para os menos favorecidos ali, que estavam
sendo oprimidos pelos grandes latifundiários (Tiago, estudante, entrevistado em
06/02/2019).
O conceito de “intriga” apenas como uma briga ou inimizade entre pessoas nos dá a
dimensão do trabalho formativo de leitura da realidade, construída a partir da formação, pois
os que residem no campo, tem acesso a formação apresentada pela mídia, principalmente
pelas programações da TV aberta. Percebemos o poder das diferentes mídias na produção da
criminalização dos que contribuem na defesa dos camponeses e apresentam os fazendeiros,
que chegaram posterior aos agricultores nessa região, como os agentes que trazem o
desenvolvimento e o progresso, com o agronegócio.
Essa atividade possibilitou o confronto com o discurso produzido pelas diferentes
mídias em relação ao progresso e desenvolvimento, levando o estudante a confrontar e
produzir outra leitura da região em que vive com sua família, enquanto agricultor e professor
de uma escola do campo.
Na visita, participaram da atividade em memória aos dez anos do assassinato e contra a
impunidade, organizada pela Comissão Pastoral da Terra, em 2015 e foram apresentados ao
PDS, novo modelo de assentamento constituído pelo Incra, incentivado e defendido pela
238
missionária para assentamento na Amazônia, baseado no uso dos produtos da floresta e
conservação das florestas. Também conheceram o trabalho missionário de criação de várias
escolas nas áreas e a formação voltada aos agricultores, para que tivesse conhecimento do
Estatuto da Terra e a estrutura do Estado, para assumirem o protagonismo na reivindicação e
defesa dos seus direitos de posse, trabalho realizado desde sua chegada na Amazônia, em
1982.
Essas atividades constituem um diferencial na formação porque permitem ao estudante
construir uma criticidade numa práxis, que permitem que ele reconstrua e questione seus
conhecimentos. Também levam a produzir questionamentos sobre a formação anterior e sua
visão de escola restrita apenas aos conteúdos dos livros didáticos, permitindo problematizar a
ideologia, o saber e o poder estabelecido na sociedade cindida em classes sociais que
disputam o sentido do mundo; bem como os processos de resistência e enfretamento ao
capital no sudeste do Pará, a partir da territorialização e desterritorialização dos povos do
campo.
Uma docente afirmou que nunca participou do seminário inicial do curso, que
constituiu as atividades interdisciplinares. No relato abaixo, ela apresenta uma justificativa de
que estava cursando o doutorado, e sua liberação não permitia acompanhar as atividades
coletivas de planejamento, realizadas no tempo comunidade, assumindo apenas as disciplinas
da sua área de formação:
Não. Nunca fui na Viagem de Campo. Assim, como eu conseguir participar foi
trazer os alunos para. vai ter uma exposição sobre da viagem de campo que os
alunos foram, então vai ter essa exposição. Então, a forma que eu consigo participar
foi levando os meus alunos nesses momentos específicos. Assim, até então, por
conta do doutorado. Eu acho que eu estava fora para o doutorado. Eu nunca
consegui conciliar esses momentos: Vou participar da História de Vida? Vou
participar da viagem de campo? Não conseguir. Por conta dessa minha... mas acho
que é uma lacuna, que eu preciso ainda construir nesse curso é participar desse
momentos mais. Eu ainda não conseguir participar. Eu acho que aí se constrói um
processo interdisciplinar. Desses momentos coletivos, é importante a gente
participar. Então aí, eu levo, paro, eu faço questão de parar as minhas atividades em
sala para participar desses momentos coletivos, que eu acho que são importantes
sim, para construção com os nossos alunos (Olga, docente, entrevistada em 18/02/
2019).
A vinculação do trabalho, enquanto docente, aos conhecimentos de sua área de
formação são imprescindíveis para a formação dos estudantes. No entanto, segundo a
entrevistada, não impossibilita a participação do conjunto os docentes, nessas primeiras etapas
da formação. A participação de todos os docentes nessas atividades é reivindicada por outra
docente, como uma possibilidade em fazer avançar uma concepção de formação
interdisciplinar, conforme apresentado no relato abaixo:
239
Por isso, uma coisa que eu bato muito na tecla, que a gente precisa sair desse
negócio de área da minha formação, porque os três primeiros semestres dos
estudantes, são semestres que não são por área. Eu não trabalho Metodologia I,
porque não é minha formação. . Mas, isso ainda é muito forte: _Eu não pego, porque
isso não é minha área!. Eu sou Agrônomo! Eu sou Sociólogo! Eu sou Literato!.
Assim, muito ainda a formação disciplinar. Várias vezes eu desci do salto e disse:
Não, eu também não sou formada em História de Vida. Mas é uma proposta do
curso. Isso está no currículo. É o primeiro momento. Todos os professores que estão
aqui estão aptos a trabalhar. Basta ficar três meses estudando, planejamento, sentar
com o colega e pensar uma metodologia adequada. Não é dizer que sou formada
para isso... Eu penso que a gente, para conseguir avançar também, para sair dessa
perspectiva disciplinar e se fechar nas áreas, o exercício de todo mundo passar pelo
primeiro e segundo tempo Universidade é importantíssimo porque desconstrói muita
coisa (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
O relato acima indicia que há resistência em participar dessas atividades e que elas
poderiam provocar ou contribuir em fazer avançar uma compreensão de educação alargada,
por isso a entrevistada defende que todo o corpo docente participe e assuma como de sua
responsabilidade o planejamento e a realização em conjunto do seminário. Esse exercício
possibilitaria avançar uma concepção de interdisciplinaridade ou compreender o sentido que
elas possuem no projeto formativo da Educação do Campo.
Os três Tempos Universidade constituíram também objeto da disputa do tempo, sobre
o que não havia consenso na Fecampo, pois sua eliminação propiciaria um aumento da carga
horária das disciplinas das ênfases na formação por área do conhecimento e pela dificuldade
inicial de compreensão do significado que representam para a proposta formativa.
A formação na Licenciatura em Educação do Campo foi construída e articulada com a
presença dos movimentos sociais do campo e da cidade como sujeitos coletivos que
participam das lutas pela construção de outra hegemonia na sociedade e em defesa da vida. O
relato abaixo aponta essa indissociabilidade:
Olha, o que diferencia ainda essa perspectiva exógena, é não ficar pensando que a
formação se realizar só aqui. Então, o próprio PPC, ele dá um caminho, um
percurso, que sem a relação com as comunidades, ela não se realiza. A formação dos
professores aqui, sem o diálogo com as comunidades camponesas e agora, mas
recentemente, com as comunidades indígenas, não se realiza da própria proposta do
curso. Você precisa estar no diálogo com as comunidades, com os movimentos
organizados, com os grupos organizados. Pensar a viagem de campo sem uma
relação com movimentos e com as comunidades, não se realiza porque só com
dinheiro, mesmo com dinheiro para pagar hotel para todo mundo, a gente não faria
uma viagem de campo como a gente faz porque não teria condições das vivências,
das experiências, que só se faz porque tem oportunidade, tem esse canal com as
lideranças, com as comunidades, com os movimentos. Sem isso não faria [...] E no
caso das atividades curriculares, os seminários né, que são atividades curriculares
que não se fecham na perspectiva de disciplina e tem vários seminários ao longo do
curso (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
240
Este eixo constituiu uma provocação inicial na formação (a viagem de campo constitui
parte integrante do seminário), pois apresenta o potencial de produzir nova interpretação da
realidade em que vivem os estudantes e compreender as identidades políticas constituídas em
luta que reafirmam como povos do campo.
Esse seminário tem sido avaliado, discutido, problematizado e reconstruído a partir
dos novos elementos conjunturais, experimentado em várias turmas, reafirmando a
importância do trabalho coletivo e da parceria constituída entre universidade e movimentos
sociais do campo. As atividades iniciais constituem um exercício de práxis pedagógica, que
permitem problematizar as contradições da sociedade e a força do capital na região. Elas têm
produzido a desnaturalização do olhar dos estudantes e docentes, para uma reflexão sobre sua
posição de classe, etnia e os processos de negação dos direitos na fronteira da Amazônia a
partir da disputa em torno do conceito de campo, de quais projetos disputam o território e de
quais valores sustentam cada projeto de sociedade.
A formação tem a intenção de confrontar a visão hegemônica, apresentada por
diferentes mídias dentro da representação dos interesses dos grupos hegemônicos na
sociedade porque detém o poder de disseminação da sua ideologia. Uma docente entrevista
afirma que esse é um dos objetivos da formação:
Então, essa formação de professores, ela também tem esse objetivo, de fazer com
que esses sujeitos em formação, consigam compreender as resistências que há na
região e consigam valorizar essas organizações sociais, que tem aqui, então, tem
momentos do curso, que ele inclusive, se valoriza bastante a presença dos
movimentos sociais. Indiscutivelmente, a primeira etapa é uma das que mais
valoriza, por conta da viagem de campo, do seminário de abertura de acolhida, que
no geral já tem uma presença dos movimentos sociais, que vão se apresentar, que
vão contar a sua história. Vão dizer porque que existem. Isso vai desmistificando
também, essa visão preconceituosa, que tem se alimentado, né, especialmente
através da mídia com relação aos movimentos sociais do campo, aos sujeitos
coletivos. Então, assim, essa formação, ela acaba proporcionando isso. Então, teve
momentos em que essa presença dos movimentos sociais ela já foi mais forte
momentos. Mas parece que essa presença fica menos forte, né. Então, assim, é muito
dinâmico. É muito dinâmico essa relação com os movimentos sociais, a gente tem
observado que outros sujeitos tem se feito presente. Então, assim, tu mesmo tem
observado, a presença de comunidades indígenas, né, reivindicado o curso (Dandara,
docente, entrevistado em 07/03/2019).
Na pesquisa, foi perceptível que houve uma diminuição da participação da Fetagri na
formação. Ao mesmo tempo, uma ampliação da colaboração e articulação com diversos
movimentos sociais e sindical tais como: MST, CPT, MAB, MAM, MPA, MIQCB,
SINTEPP. As organizações indígenas também passaram a contribuir na construção dessas
atividades, recebendo os estudantes e docentes nas aldeias e participando ativamente das
mesas de debate sobre os conflitos que têm vivenciado na defesa dos seus territórios, no
241
espaço universitário, que passaram a vislumbrar na Fecampo, um espaço de formação e de
resistência, dentro da Unifesspa.
O cenário em que a Licenciatura em Educação do Campo foi constituída se alterou,
porque houve uma intensificação das ameaças ao modo de vida e resistência dos povos do
campo e dos movimentos sociais com o aprofundando o projeto de desterritorialização das
áreas conquistadas. O cenário das políticas públicas também é de retração dos direitos e de
ameaça à educação pública em seus diferentes níveis, principalmente, as universidades
federais, com os cortes de recursos, bem como a educação como um bem público.
A Educação do Campo disputa com a concepção hegemônica de formação, que
restringe a formação aos aspectos metodológicos da prática educativa. O desenvolvimento de
competências e habilidades estritas aos conhecimentos enquanto conteúdos alimentam uma
concepção de ser humano como vendedor de si mesmo em uma sociedade cada vez com
menos emprego e mais trabalho. O foco na competência técnica ou no pragmatismo centra a
formação apenas na metodologia do como fazer, alimentada pela centralidade dos conteúdos
isolados e fragmentados que não permitem compreender o mundo como construção humana e
nem avançar numa concepção de ciência e produção de conhecimento como direito humano.
Avaliamos que permaneceu na formação a dimensão político pedagógica das lutas
sociais e na visão de humanidade e de sociedade como produto da ação humana e por isso
passível de transformação, compreendendo também os processos de produção das
desigualdades, a partir do questionamento da função social da escola e a função social do
território, que vincula a uma defesa de um projeto de campo e de sociedade emancipatório. A
compreensão de formação humana, que subsidia a proposta formativa, questionou as
compreensões naturalizadas de mundo. A convivência com os estudantes e movimentos
sociais se fez pedagógica, provocando suas compreensões, pela aproximação com os
processos de desumanização provocados pelo capital. Não são apenas as abstrações
entendidas como interesses de pesquisas para fazer avançar a produção de conhecimento, mas
a materialidade do uso da ciência e do conhecimento científico a serviço da vida. Os
seminários foram os espaços que mantiveram a participação dos movimentos sociais do
campo na academia, através de mesas organizadas para tratar dos conflitos territoriais,
ambientais e agrários; bem como os processos de resistência a partir do modo de vida
indígena, da agroecologia, do debate da soberania alimentar.
As três primeiras etapas do curso, configurada nas diversas atividades articuladas pela
a pesquisa como princípio educativo que orienta as atividades de ensino, pesquisa e extensão
242
fomentadas no Tempo Comunidade permitem a construção da interdisciplinaridade, bem
como fomentam a construção de intelectuais orgânicos em defesa do território, do modo de
vida e da luta por direitos, dentre eles, a luta pelo direito a educação, constituindo o núcleo
comum da formação.
Os estudantes, docentes e CPP entrevistados apontam que as atividades que compõem
esse momento inicial, com destaque para a viagem de campo, dentro da organização do
Seminário, se tornaram um principal marco na formação. Os que a vivenciaram destacam
como ela contribuiu para ressignificar sua participação nos processos sociais e também
influenciou nas escolhas dos estudantes na definição dos seus temas de pesquisa, nos estágios
e no trabalho pois os que ainda não eram educadores, assumem a sala de aula ao longo do
curso, durante a formação e contribuiu para produz uma identidade como Educação do
Campo.
5.2. Processo formativo permanente dos docentes do curso no conflito entre o disciplinar
e o interdisciplinar
O trabalho na licenciatura constitui um conflito também na formação dos docentes,
porque apresenta uma organização do trabalho pedagógico, completamente diferente do que
conheciam como formato de um curso na Educação Superior, questionando os espaços
formativos, incluindo os movimentos sociais na formação e por vezes, produzindo
questionamentos na relação hierárquica entre estudantes e docentes.
Outro diferencial no projeto formativo da Licenciatura em Educação do Campo foi o
trabalho coletivo, que se impôs em diferentes momentos, além de ter provocado o encontro, já
previsto por Caldart (2010) que seria tenso, entre a Educação do Campo e a Licenciatura. Mas
principalmente, por reunir um grupo com formação em todos os campos do conhecimento,
que na universidade, é formado em espaços separados que pouco dialogam.
Isso produziu um desequilibro nas concepções, e considerando o pouco tempo de
convivência desse coletivo, ainda não foram constituídas sínteses coletivas, porque também
não conseguiu produzir espaços de encontro com todo o coletivo docente, pelas questões já
apontadas no quarto capitulo. Esses encontros produzem tensionamentos, nas concepções de
ciência que foram formados, mas tem produzido aprendizagem significativas e constituído um
novo espaço formativo, a partir do trabalho docente.
243
Um docente aponta seu esforço de compreender o curso, primeiro fazendo uma leitura
do PPC, bem como produzir um projeto de pesquisa para registro na Fecampo, dos
questionamentos que foram suscitados no seu ingresso. Ele rememora:
Mas assim, eu fui ler o PPC, aí eu tive a ideia de fazer um projeto de pesquisa
(estava no doutorado, para garantir a liberação de vinte horas de estudo)
considerando as interrogações que o próprio concurso me colocou. Aquelas dúvidas
de como eu vou relacionar aqueles conteúdos da matemática com a Educação do
Campo? Essa foi a grande justificativa que eu utilizei, para poder fazer o projeto. Aí,
quando foi janeiro e fevereiro, começa aqui, as aulas de fato, nas etapas. E aí, e aí,
eu já estava... eu vim para a etapa, eu já estava muito ciente do que significava o
curso. Eu acho que estava ciente, assim, teoricamente. Eu já conseguia vislumbrar
como é que o curso funcionava, aquelas três etapas. Quando eu entrei, na primeira
reunião que estava tendo, eu não tinha condições de saber o que significava isso. As
três primeiras etapas comuns, as outras, eu não tinha muita noção do que aquilo
significava. E eu tinha muito essa questão comigo mesmo, de aprender as coisas.
Então, eu fui ler o PPC, assim, todo mesmo. Entender o que é que estava querendo
dizer, fui vendo ementa por ementa, como ele estava dividido e na minha cabeça
depois, até aqueles gráficos que tem no final ali, aqueles organogramas, ajudou
bastante e eu desenhava o que significa o curso (Marcos, docente, entrevistado em
22/02/2019).
Essa primeira leitura do projeto lhe deu uma dimensão da formação na qual havia
adentrado. Sua reflexão aponta o que tem alterado, além desse impacto inicial, que foi se
encontrar com os movimentos sociais, através da mística, é a relação com os estudantes. Estes
são apresentados como sua principal motivação nos aprendizados decorrentes da convivência
na formação:
Não, o primeiro contato foi nas místicas mesmo. No início da etapa, que foi onde eu
vi, que era algo diferente, né. Foi ali que eu vi que era algo diferente. E depois, eu
trabalhei em uma turma de Epistemologia, ou seja, era uma turma geral, que eu
lembro que foi eu e o professor S., trabalhamos. E ali, a gente viu que era algo
diferente, né. E conversando com as pessoas. Eu também sempre tive esse interesse
em ouvir as pessoas. Então, as vezes, os meninos falavam assim... [...] eu gostava de
sentar e perguntar de onde o aluno e tal. Sempre tive esse negócio de conhecer os
estudantes. E aí, eu comecei a perceber, até eu perguntava inicialmente se ele
pertencia a algum movimento. Era uma pergunta que eu sempre fazia. Mas depois
eu deixei de fazer porque eu vi que não era uma coisa assim... eram algumas pessoas
que tinham o vinculo. Até depois a gente vai aprendendo as coisas, é incrível, né! a
gente vai entendendo as coisas e a gente vê depois, que os próprios alunos, as vezes,
não tem noção, do que que significa o curso. A gente pensa que está todo mundo
chegando aqui, está todo mundo entendendo e não é assim. Tem até um aluno meu,
que é da Igreja, da Assembleia de Deus, ele dizia que no início, ele achava uma
coisa assim, muito diferente. Ele é de um projeto de assentamento, mas está lá numa
igreja lá, ele vai para a igreja dele e tal e ele participa das reuniões. Só que depois é
que parece que o negócio vai abrindo a mente da pessoa, sabe. É incrível isso!
Comigo também foi o mesmo processo, eu fui aprendendo com eles também
(Marcos, docente, entrevistado em 22/02/2019).
Esse estranhamento foi parte do processo de aproximação, com os movimentos, com a
mística e com outra concepção de educação. O contato com os estudantes é apontado como o
244
que tem lhe propiciado um processo formativo, considerando a frase utilizada por ele “só que
depois, parece que o negócio vai abrindo a mente da pessoa”. Os estudantes são apontados
como também capazes de ensinar pois está aprendendo com eles “está sendo alterado por
eles” na convivência. O docente também apresenta sua percepção do trabalho pedagógico, ao
ministrar as disciplinas de forma intensiva:
Mas outra coisa que eu também achei diferente porque a carga horária em si, depois
eu percebi que seria a mesma, de certa forma é a mesma, sessenta horas é a mesma,
em qualquer lugar. Se contar sete dias, de oito horas, mais as quatro horas do
sábado, dá as sessenta horas. Eu lembro que a gente tinha disciplina de sessenta
horas, eram quinze semanas de quatro horas, então de certa forma é a mesma
quantidade. A questão é que os estudantes, eles têm aulas em uma segunda e só vão
ter aulas na outra segunda. Então, eles têm um tempo de estudar. Só que aqui, eles
não têm. Mas por outro lado, eu achei interessante, por exemplo: quando eu fui
ensinar cálculo, estudar cálculo com eles. Eu vi que era uma coisa interessante
porque quando eu estudei cálculo, era uma coisa que eu estudava e na outra aula eu
já não lembrava do que tinha estudado. Aqui é uma coisa que vai direto, é intensivo.
É claro que eu sempre digo para eles. A gente precisa continuar estudando porque é
uma coisa que a gente acaba esquecendo. Então é uma coisa que, tem um lado que
não é interessante. Mas tem um lado que é muito bom, que é essa questão de tu
manter o conteúdo. Então, foi uma coisa que no início, eu achava que iria ser um
problema muito grande, até os alunos falaram que isso seria um problema, mas que
acredito que pela própria lógica de muitos, de ter que trabalhar, essa coisa, tem que
ser desse jeito mesmo (Marcos, docente, entrevistado em 22/02/2019).
Esse relato já demonstra uma preocupação com a aprendizagem, mas não apenas ao
conteúdo, relacionando com a vida dos estudantes e as condições para acessar a formação.
Toda a lógica construída da formação está relacionada para permitir a continuidade do vínculo
entre a comunidade, família, trabalho e formação.
Na Fecampo, nas comissões, bem como os trabalhos nos seminários, há uma
orientação para que os docentes de diferentes áreas do conhecimento sejam mobilizados para
realização dessas atividades. As socializações dos estágios, e dos trabalhos das pesquisas
socioeducacionais produzidos pelos estudantes, têm sido construídos com docentes das quatro
áreas do conhecimento, desde o encaminhamento até a socialização. Para alguns, esse é um
espaço de construção coletiva, que permitiu o encontro das tensões, e por isso produz críticas
e uma reflexão sobre a formação dos estudantes:
Eu acho que é assim, o que parece, por exemplo, a gente foi fazer um trabalho de
apresentação, de socialização, com todas as áreas da 2015, com todas as áreas lá na
Cabanagem. Era eu, da Matemática, a P., das Humanas, o R., das Agrárias, e o L. da
Letras. Aí, era interessante porque muita gente vinha... era um trabalho de
intervenção no Ensino Fundamental, nas comunidades, era o segundo estágio deles.
Aí, muita gente dizia, ah, tem que ser interdisciplinar, já está na base lá, no PPC diz
que teria que ser interdisciplinar e tal. E muita gente vinha trazendo. Então,
geralmente, eu achava aquela interdisciplinaridade muito superficial. Tipo assim, a
pessoa ia trabalhar das Agrárias, trabalhar com meio ambiente. Aí, qualquer trabalho
de leitura, já dizia que era interdisciplinar, mesmo que não tivesse trabalhando de
245
fato uma disciplina de letras aí, a única coisa que tinha ali, era só uma leitura. Eu
falei isso lá, nas apresentações. E geralmente as outras áreas, conseguiam relacionar
entre elas: Letras, Humanas, Agrárias, né, mas a matemática sempre ficava de fora.
E aí, foi até interessante, quando a gente falou isso lá, que existe uma reclamação,
digamos entre aspas, uma reclamação porque eles relacionam tudo e parece que a
matemática tem que saber lidar com as outras, mas parece que vocês não precisam
compreender a matemática. [...] Então, era sempre algo assim, muito superficial, é
claro que não dá para dizer que a pessoa vai aprofundar em tudo, não vai aprofundar
em tudo. [...] De repente, a discussão, até a construção do interesse, já que a
disciplina em si, parte do conteúdo ou algo que vai entrar algo mais específico do
conteúdo e não entrou. E aí, quando a gente ia mostrar, o pessoal da matemática ia
mostrar alguma coisa, a gente sempre dava... “Oh, se tu for trabalhar alguma coisa,
de forma interdisciplinar, a gente quer que tu mobilize conteúdos das outras
disciplinas também para que a gente visualize alguma coisa”. [...] Aí, eles tentavam
fazer algo mais, algo que tu pudesse... mas é claro que vem as dificuldades do
próprio aluno, de falta mesmo de conhecimento mesmo, de leitura. Mas então, ali eu
percebi, eu já tinha participado de outras socializações, de modo geral assim, acho
que essa compreensão que falta um pouco assim (Pedro, docente, entrevistado em
07/03/2019).
O docente aponta que percebeu que falta essa compreensão na formação dos
estudantes e na formação do coletivo. Mas o espaço de problematização enquanto coletivo
não é apresentado para buscar sanar essas dificuldades. Ele diz que tem construindo essas
reflexões, em um coletivo menor, com os docentes da área em que atua. Ele relata:
Isso é uma coisa que a gente discute muito lá na área. A gente já conversou com
algumas pessoas sobre isso. E sinceramente, eu acho isso meio difuso. Uma coisa
bem... para a maioria das pessoas. Porque às vezes, as pessoas entendem que a
interdisciplinaridade, ela vai ser simplesmente... eu vou dá um exemplo: tu vai fazer
alguma coisa, alguma atividade lá, definir alguma comissão, lá na Educação do
Campo, tem alguma coisa, e uma pessoa diz: _“Ah, tem que ter uma pessoa de cada
área porque tem que ser interdisciplinar”. Eu não acho que seja por isso, que tem
que ser interdisciplinar. Ah, é porque é interdisciplinar. Eu não vejo problema nisso.
Fizeram uma comissão e estava a G., o R. e o A., era para fazer alguma coisa. Aí,
alguém reclamou porque não tinha as outras áreas. (risos) Eu digo assim, que
alguém reclamou. “_Ah, mas nosso curso é interdisciplinar, as pessoas são da
mesma área” (Marcos, docente, entrevistado em 22/02/2019).
Por isso, o entrevistado acredita que o conceito de interdisciplinaridade tem sido
incompreendido. Ele acredita que o trabalho coletivo, no qual há o destaque de docentes de
diferentes áreas do conhecimento, não produz avanço na concepção de interdisciplinaridade.
Produz representatividade, mas não avança na concepção de interdisciplinaridade. Então, ele
apresenta sua compreensão de interdisciplinaridade:
[...] É, porque parece que isso se prescindisse de outras coisas porque parece que
eles não teriam capacidade, de como eu acho que eu teria capacidade de discutir
outras coisas, de outras áreas. A interdisciplinaridade, não é porque tem elementos
de diferentes áreas no mesmo lugar. A mesma pessoa que está ali, ela pode fazer a
discussão interdisciplinar, é isso que eu estou querendo dizer, não necessariamente a
gente precisaria ter uma... Tem um evento, todo tempo é reafirmado que teria que ter
uma fala de cada pessoa da área. É claro que por representatividade, tem que ter,
seria bom e tal, ninguém está negando isso. Mas por representatividade, não porque
246
tu precisa... Eu não vejo assim, eu vejo que uma só pessoa, ela pode tratar, ou seja, a
interdisciplinaridade para mim é uma coisa que não, que às vezes, ela é
compreendida de modo, sei lá, muito superficial, muito sistemática, como se fosse
quantitativa, sabe? Como se tivesse que dizer que tem um de cada para dizer que é
interdisciplinar. Um aluno meu, fazendo uma pesquisa, trabalhando matemática, só
ele, sem precisar de está junto com outros, ele pode fazer uma pesquisa
interdisciplinar. Se ele souber trazer outros elementos, né? Pelo menos, eu vejo
assim. Eu só estou acho que isso vai parecer que eu estou criticando isso, mas acho
que a interdisciplinaridade ela tem que ser, ela precisa ser compreendida de uma
maneira mais aberta. Não sei se a palavra é essa. De uma maneira mais... do que
simplesmente juntar um de cada área (Marcos, docente, entrevistado em
22/02/2019).
Para ele, a interdisciplinaridade é produzida a partir da abstração, considerando o
acesso a diferentes conhecimentos científicos do estudante e a mobilização desses diferentes
conhecimentos para compreender um objeto, por isso pode ser realizado individualmente, a
partir das leituras diversas que um docente pode acumular de conhecimento, de forma
individual. No entanto, não percebeu a estratégia de construção do trabalho coletivo como
possibilidade de produz os questionamentos sobre as formações produzidas.
Caldart (2010) afirma que um dos motivos para a criação da Licenciatura em
Educação do Campo era ter a área de conhecimento como estratégia pedagógica para a
construção de práticas interdisciplinares tanto no âmbito universitário como sua fomentação
nas escolas do campo.
Anjos e Michelotti (2015, p. 211-212) apresentam os embates no campo
epistemológico em torno do conceito de interdisciplinaridade e reforçam que, “longe de ser
um modismo, a perspectiva interdisciplinar se impõe pelas próprias concepções de pesquisa e
configuração do objeto a ser pesquisado”. A análise, realizada pelos autores, do Programa de
Pós-graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia, evidencia que a
perspectiva da interdisciplinaridade no tratamento da temática das dinâmicas territoriais
subverte as definições tradicionais de interdisciplinaridade:
Pode-se dizer que as questões colocadas pelas dinâmicas territoriais, em nossa
perspectiva, têm essa característica comum: exigem não apenas a mobilização de
conhecimentos produzidos nos diversos campos disciplinares, mas também sua
imbricação com saberes não reconhecidos no mundo acadêmico, e isso vai se
fazendo de modo experimental, aos tateios. Exigem, ainda, o esforço de
esgarçamento das fronteiras disciplinares, mas para dialogar com esses saberes e
com seus modos de chegar a verdades, que diferem entre si e diferem do modo
disciplinar (ANJOS; MICHELOTTI, 2015, p. 212).
Nessa reelaboração da compreensão de interdisciplinaridade, há o reconhecimento de
que a contribuição dos campos disciplinares não se esgota neles mesmos, pois estes são
mobilizados para a compreensão de temáticas num movimento que, além de reconhecer a
247
existência e necessidade de diálogo com outros conhecimentos (historicamente não
reconhecidos), engendram novas questões que acabam por extrapolar os campos disciplinares.
Nosso entrevistado afirma que sua compreensão foi formulada dentro do estudo das
linguagens no campo da matemática, a partir do que estudou no doutorado:
Existe uma questão, até um discurso do que seria de fato a interdisciplinaridade,
muitos tentam falar transdisciplinaridade, multidisciplinaridade, o pessoal discute
muito. Acho que até eu mesmo precisaria fazer uma leitura maior, para entender
também [...] Eu tenho algum conhecimento também da parte da linguagem porque
eu trabalhei isso no meu doutorado. No meu doutorado eu trabalhei sobre Álgebra,
sobre como as ideias do filósofo Wittgenstein podem contribuir para o ensino de
Álgebra, algo mais ou menos assim. Então, por exemplo, eu tenho compreensões
também, das ideias políticas, de questões das ciências humanas. Eu acho que a
questão da interdisciplinaridade é uma coisa que... se a gente vê a
interdisciplinaridade, como a soma de forças, que um sabe uma coisa, outro sabe
outra, outro sabe outra e se junta para poder formar, simplesmente assim. Eu acho
que a gente ainda está vendo uma coisa esfacelada ainda, que ainda está segmentada,
ainda está ali, cada um no seu quadrado e digamos que cada um é só falar do que
entende. Então, todos nós temos que buscar e isso que eu tento fazer com meus
alunos, o entendimento de que eles precisam saber ler para poder saber interpretar
um problema, tem que trabalhar com interpretação da realidade, com interpretação
de problema, a parte da interpretação da realidade a partir de uma etnografia, das
discussões etnográficas. Isso vai levar a compreensões de leituras mais gerais, né.
Eu vejo desse jeito. Por isso eu não sei se eu saberia dizer se o curso está fazendo
isso porque eu teria que ver o que cada professor (Marcos, docente, entrevistado em
22/02/2019).
Em relação ao coletivo, o desconhecimento do trabalho dos outros docentes dá
indícios sobre que o espaço coletivo de debate, com todo o coletivo, não tem sido o locus de
apresentação das divergências; limitando ao âmbito de coletivos menores, e por isso não
produz avanço nas concepções.
A concepção de interdisciplinaridade, quando ancorada em Frigotto (2008), apresenta
a compreensão de que o homem, ao se produzir como sujeito social, vivencia todas as
dimensões que os diferentes fenômenos conseguem articular nas diversas relações sociais.
Portanto, as ciências devem se aproximar dessas dimensões no processo de produção de
conhecimento, buscando torná-lo mais inteligível e compreensivo a todos. A
interdisciplinaridade é compreendida para além do método de investigação e também é
necessária para o trabalho pedagógico, porque se funda na relação entre as problemáticas que
orientam as ações dos sujeitos do campo. Para esse autor,
[...] a questão da interdisciplinaridade se impõe como necessidade e como problema
fundamentalmente no plano material histórico-cultural e no plano epistemológico. A
necessidade da interdisciplinaridade no processo de produção do conhecimento
funda-se no caráter dialético da realidade social que é, ao mesmo tempo, una e
diversa e na natureza intersubjetiva de sua apreensão, caráter uno e diverso da
realidade social no impõe distinguir os limites reais dos sujeitos que investigam, dos
limites do objeto investigado (FRIGOTTO, 2008, p. 43-44).
248
A busca por construir trabalhos interdisciplinares na Educação do Campo não é a
tentativa de negar a necessidade de produção científica na especificidade dos campos
disciplinares. Todavia, pressupõe que o objeto sobre o qual a Educação se debruça, precisa ser
compreendido do ponto de vista interdisciplinar, pela complexidade que se apresenta o
fenômeno educativo.
Outro docente apresenta o choque apresentado pelo estranhamento, também no
trabalho com a disciplina de Epistemologia. No momento de planejamento, se deparou com a
necessidade de selecionar textos para a formação dos estudantes, isso chocou com sua
experiência de estudante de agronomia em uma grande universidade no sudeste do País.
Abaixo, ele relata seu estranhamento:
Na minha formação, alguns professores davam aulas no quadro. Outros trabalhavam
com slides. Alguns professores, eles mesmo eram os autores do livro, na UENF
tinha muito disso porque a UENF era uma universidade formada basicamente por
professores aposentados de Viçosa, para ser uma universidade top de linha. Ela
realmente cresceu muito rápido, teve uma expansão assim, pela idade dela. Então,
você tinha muitos professores de nome muito conhecidos, já eram autores. Então,
eles usavam a própria bibliografia. Então, era basicamente isso. Ele dava o
conteúdo, seja em slides, seja no quadro. E eu ia para a biblioteca, pegar os livros
para estudar. Então, chegar aqui e ver essa coisa do professor selecionar um texto,
seleção do texto. Dá aula com base em um texto, para mim, foi o primeiro choque.
Então, epistemologia, a minha primeira disciplina, eu tive uma disciplina, a minha
vida inteira, a minha vida inteira, desde o ensino básico ao doutorado, de Filosofia.
(M: Só uma!!) Uma só. A minha vida inteira. E foi uma daquelas do primeiro
semestre da graduação. Eu lembro até hoje, que o professor faltava mais do que
tudo, e a gente só estudou um texto do Descarte, aquele: Penso, logo existo! A única
coisa que eu lembro dessa disciplina, é que Penso, logo existo. Então, assim, eu
pego uma disciplina de epistemologia. Então, o tempo que me demandava de
entender o que que era para conseguir dá as aulas. Eu tive que estudar muito. Por
exemplo: os textos, que para mim foi muito novo, você ensinar a partir de texto. Eu
nunca tive isso na vida também. Ou o professor tinha a apostila da disciplina dele
pronta ou então o professor dava as referências, e eu ia para a biblioteca estudar
(Pedro, docente, entrevistado em 07/03/2019).
Essa disciplina, ele ministrou com outro docente, na orientação para um trabalho
coletivo. Ao definir sua “parte” na disciplina, destaca que selecionou o trabalho com a
estatística, preparando apresentações com o conteúdo da estatística, que pudesse subsidiar aos
estudantes, como a base para produção de análise de dados na produção do conhecimento. E
se deparou com a escolha do texto base de Bachelard, realizado pelo outro docente:
Depois, o conteúdo dos textos. Não tinha disciplina na minha área, eu pegava outras,
e era uma linguagem, a forma de escreve muito diferente, a forma que eu estava
acostumado. Por exemplo, nessa disciplina de epistemologia, eu tentei falar um
pouco da estatística, porque é um dos principais elementos na produção de
conhecimento na área de ciências naturais, das ciências agrárias. Aí, eu contei um
pouco dessa história, com base na perspectiva estatística, que para mim: eu sempre
fui muito bom em estatística, principalmente quando eu tinha saído do doutorado,
estava afiado! Mas aí, tinha a parte do A., que aí ele propôs um texto do Bachelard,
249
que eu nunca tinha ouvido falar. _Cara, eu fui ler aquele texto! Eu lia, lia, lia, eu
não conseguia entender. Pelo simples fato, de que eu nunca fui acostumado a ler um
parágrafo muito grande. Então assim, nas áreas, na Agronomia e nas áreas das
Agrárias, os parágrafos são sempre muito curtos, as frases são sempre muito
sintéticas. Então, eu começava a ler um parágrafo e perdia a ideia, até chegar ao fim
do parágrafo, por não ter acostumado. O desenvolvimento da ideia do autor é
diferente. Então, esse foi um primeiro elemento para eu conseguir entender o texto.
E outra era a forma de escrever. Então, eu tive muita dificuldade, com essa coisa do
texto. De realmente conseguir entender. Bom, para o que eu vinha acostumado da
Agronomia, aquela coisa do experimento, da conclusão, você escreve uma frase
extremamente direta. Isso, meu orientador do doutorado ficava batendo sempre
nisso: Olha, você tem que ser mais sucinto! Mais direto. Então, um parágrafo tinha
cinco linhas, com cinco frases, extremamente direto, aquelas coisas extremamente
sintética e tal. A escrita sempre se baseava em uma figura, um gráfico ou uma
tabela. Então, você sempre descrevia sobre alguma coisa porque a figura ou gráfico,
era sua análise. Você parte de alguma coisa e você analisa, e depois você descreve.
E lê um texto, onde você não tem absolutamente nada de tabela, nada de gráfico,
nada de figura; onde todos os elementos para mim, eram muito abstratos. Eu tinha
muita dificuldade de entender isso, para além dessa coisa dos parágrafos muitos
grandes, frases extremamente longas. Ainda tenho hoje, para falar a verdade, mas
conseguir reduzir um pouco essa dificuldade, dentro da área (Pedro, docente,
entrevistado em 07/03/2019).
O docente produz uma comparação entre a formação recebida no curso de Agronomia,
responsável por construir uma visão homogênea da ciência (que deveria ser apresentada
apenas nessa linguagem matemática) e as leituras do campo da filosofia. Esse confronto
produziu questionamentos na sua capacidade de leitura, considerado denso para sua formação,
como a necessidade de compreender como outras áreas produzem conhecimento. A
experiência na docência da Licenciatura em Educação do Campo cria condições para o
contato com outros docentes e com os estudantes. O docente abaixo faz uma intepretação do
processo que vivenciou. Ele diz:
Mas aí, quando você vem, da minha formação; para mim, tentar me territorializar
nesse campo aqui, novo para mim, muda tudo! Inclusive, perceber que uma
observação é um dado. Teve um TCC que eu assistir aqui, logo assim que eu
cheguei. Era de uma menina, lá do nordeste paraense, que ela falava o tempo todo de
análise de dados, análise de dados, analisei os dados e eu não vi um dado. Eu não vi
absolutamente nenhum dado. Depois da defesa do TCC, eu falei assim: _A., não sei
se foi ignorância minha, mas ela falou tanto de análise de dados, mas eu não vi um
dado nessa apresentação dela, que ela fez? Ele: _“Como assim, você não viu um
dado, você viu que a menina fez aqueles percursos de barco, da casa dela até a
escola um monte de vezes, observando os sujeitos, anotando coisas, as fala dos
entrevistados”. Eu falei: “Isso é o dado?” Desconhecer totalmente por que para mim
dado era aquilo que você media. É um dado numérico, aí você tem vários tipos, e o
dado descritivo, alto, baixo, grande, pequeno. (M: As dimensões que a matemática
apresenta). Exato. Então assim, ou seja, foi uma mudança total da forma de produzir
conhecimento, que eu encontrei aqui. E ao mesmo tempo, eu queria fazer com que
os meus conhecimentos que eu aprendi, dialogasse com isso, e para mim, não está
sendo um processo muito fácil (Pedro, docente, entrevistado em 07/03/2019)
250
Ocorre um estranhamento e um choque com outras áreas do conhecimento, que na
universidade podem coexistir como realidades paralelas, que não permitem esse encontro para
debates aprofundados. A expressão “não está sendo um processo muito fácil” evidencia um
esforço de estudo e reflexão para compreender as outras áreas, bem como para contribuir com
os conhecimentos da sua formação acadêmica, já que tinha intenção de continuar na
Licenciatura em Educação do Campo, e não tinha interesse em fazer outro concurso. Ele faz
então, sua reflexão sobre o que compreendeu de como cada área do conhecimento produz
conhecimento:
Mas aí, eu entendi que na verdade, as duas áreas humanas e exatas, você tem um
processo de sintetização e organização das variáveis da mesma forma. Assim, na
forma de pensar, na forma de analisar isso, você chega a complexidade iguais. Só
representa de forma diferente. Então, começa o olhar para a área de humanas,
realmente como uma outra forma de produzir conhecimento e que não tem essa
hierarquia de saber. Só começa a fazer uma crítica à formação da área de exatas, das
áreas, principalmente das Agrárias porque reduz tanto que tira a capacidade quase
que total dos sujeitos, de conseguir fazer uma análise mais ampla das coisas, dos
elementos, por conta dessa coisa da redução. Então, essa é uma crítica que eu tenho
hoje, olhando o curso de agronomia. Todo agrônomo adora a agronomia porque
acha que é a melhor graduação que existe, você sabe tudo. Você estuda química,
física, biologia, você sabe absolutamente, estuda absolutamente tudo. Então assim,
você tem muito conteúdo, conteúdo mesmo, mas você sabe muito pouco o que fazer
com ele. Então, no fim das contas, acho que é essa a visão. Então, você conversa
com um agrônomo strito sensu e ele pensa que todas as dificuldades seriam sanadas
com mais uma disciplina, tá! E uma disciplina técnica. Na visão do agrônomo, todos
os problemas sociais e ambientais, podem ser corrigidos com mais alguma coisa
técnica. _ “Ah, não, eu estou colocando um monocultivo, estou tirando pessoas. Mas
aí, eu dou mais emprego”. ‘_Não, eu posso fazer uma outra lavoura ou algum outro
sistema de cultivo que vai dar emprego a essas pessoas”. “Não, eu estou poluindo,
mas aí eu faço, eu crio outras técnicas! Ou seja, é sempre a técnica que irá resolver.
É sempre a técnica pela técnica. Então, eu sempre vou conseguir resolver os
problemas com outro elemento técnico. Então, essa foi uma outra, um outro choque
porque eu até certo momento da minha graduação, eu não sabia a diferença entre
bacharel e licenciado (Pedro, docente, entrevistado em 07/03/2019).
Além da formação disciplinar no curso de agronomia e o foco na técnica destacada,
nos parece que o desconhecimento do campo do ensino é um grande problema. Essa não
diferenciação do bacharelado para a licenciatura apontada no final do relato acima, parece que
é outra necessidade formativa na Educação do Campo. E por fim, o entrevistado reflete que
esse tem sido seu esforço: tornar-se um docente, já que sua formação foi toda orientada para
ser pesquisador:
Soube que o licenciado seria para dar aula. E vi que as pessoas que são licenciadas
têm um conjunto de disciplinas para isso. Mas eu não pretendia, de toda forma, ser
professor não era a ... Embora, sempre achei que eu tive uma vocação para professor
pelo fato de me envolver, na verdade, principalmente quando eu entrei para a
monitoria, aí eu dei aulas particulares. Mas era sempre na mesma lógica, que eu
tinha na graduação, tinha que saber o conteúdo, tinha que saber mostrar no quadro o
251
conteúdo. Então, assim, eu não sabia exatamente a diferença entre licenciado e
bacharel. De repente, eu percebo que há uma diferença e que você precisa saber
elementos da pedagogia, da própria Educação. Mas que eu desconhecia totalmente,
né. Quando eu vim para a Educação do Campo, dar aula para formar professores,
sem ter nunca lido Paulo Freire, sendo que o curso todo é baseado no Freire. Você
vai orientar a disciplina de metodologia, está lá o livro Pedagogia do Oprimido,
Pedagogia da Autonomia do Paulo Freire. Aí, foi um outro aspecto da minha
formação que eu tive que tentar aprofundar um pouco mais. Mas entender o quê que
é esses elementos da Educação, que para mim não foi um processo tão difícil, por eu
estar em contato com pedagogas, no caso, você, a C. E professores, não pedagogos,
mas, por exemplo, o A., e o pessoal da Educação Popular. Aí a M. R. (do MST),
enfim, está no meio de sujeitos que dominam a prática da Educação, tem o
conhecimento e fui aprendendo meio que por osmose, digamos assim. Mas como eu
também nunca tive essa, nunca fui de colocar barreiras para o conhecimento, sempre
absorvi muito bem, assim, tentar aprender. Então, eu não senti tanta dificuldade ou
resistência em dizer: Pô, mas fazer desse jeito! O povo não aprende o conteúdo!
Enfim [...] (Pedro, docente, entrevistado em 07/03/2019).
O caminho apontado para se tornar um docente, segundo nosso entrevistado, está no
planejamento e na convivência com outros docentes, como um processo educativo. Outro
esforço apontado por ele é a realização de leituras no campo da educação. As principais
referências citadas (livros de Paulo Freire), fazem parte da convivência com um coletivo
docente, porque os temas geradores e as temáticas que ganham centralidade na formação são
de inspiração freiriana. Por isso, compreender esse autor é apresentado como parte do seu
processo formativo. As expressões “vocação” em relação à docência, “absorver” e “aprender
por osmose” em relação ao conhecimento, denunciam o quanto a formação que obteve na
agronomia ainda orienta sua visão de mundo.
Em relação a dialogar com as experiências formativas dos estudantes, o docente
argumenta que o diálogo, enquanto mediador para produção do conhecimento, a partir da
valorização dos conhecimentos que os estudantes já trazem de sua realidade, é outra
dificuldade a ser enfrentada:
O que destaca para mim, mas também é uma coisa que eu sempre tive muita
facilidade foi de ouvir as pessoas, então ouvir as pessoas sempre foi muito fácil
porque eu nunca fui de falar muito, mas sempre de ouvir muito mais. E esse é um
princípio do curso da Educação do Campo, ou seja, valorizar os saberes dos sujeitos.
Só que para você valorizar, você precisa ouvir eles, você tem que saber o que eles
sabem para tentar traçar um diálogo, entre o seu conhecimento acadêmico, com os
saberes desses sujeitos. Então, esse para mim, foi um elemento, mais fácil, de
valorizar os saberes dos sujeitos, por eu dar oportunidade de ouvir eles e tentar
dialogar. O diálogo que é um processo mais difícil, para mim, digamos assim.
Até por conta... beleza, eu posso ouvi-los, entender. Mas conseguir dialogar o
meu conhecimento com o deles, aí é outra história. Para mim, tem duas
dificuldades nesse processo, uma é de tentar fazer esse diálogo, uma é: Não ser da
região! E não conhecer a região, alguns elementos base dessa região. Então, não
permitia eu fazer esse diálogo. E o outro é, eu não ministrar disciplina da minha
área. Então, toda vez que eu iria preparar uma disciplina, assim, eu tinha que
reaprender o conteúdo. E depois passar para eles. Então, se fosse alguma coisa, do
252
sensoriamento remoto, da cartografia, eu acho que eu teria uma facilidade maior
porque não teria demandado tanto tempo meu para reaprender o conteúdo. Mas eu
demandava mais tempo para tentar fazer o diálogo. Então, beleza, disso aqui, o que
eu posso dialogar com os sujeitos? (Pedro, docente, entrevistado em 07/03/2019).
E por fim, analisa o que compreendeu da formação por área de conhecimento, outra
característica importante do PPC da Educação do Campo. Sua compreensão atual é da
necessidade de realizar essa formação, embora compreenda que há limitações no campo dos
conhecimentos científicos de cada área.
[...] Em um primeiro momento, eu desconhecia, essa coisa da formação por área. Eu
fui entender o para quê que ela servia, a partir do momento que eu conheci a própria
realidade daqui. Saber que existe um PPC, que pensa em uma realidade. E a
realidade daqui era que você precisa de professores, que consigam transitar entre as
áreas, por conta da falta de professores formados nessas áreas. Então, eu pensei
assim: “_Bom, independente se essa é a melhor formação! É essa que precisa aqui!”
Isso foi a primeira coisa que eu tive clareza. Não sei se essa é a melhor formação,
mas é essa que precisa. Então, a relação com o conteúdo é uma coisa que eu até
hoje, fico... eu tenho claro para mim, hoje eu tenho claro para mim que o conteúdo
não é o essencial. Hoje, eu tenho claro isso comigo. Existem elementos do
conteúdo que são essenciais, que você tem que passar para o aluno. Mas, não
que eu tenha que passar todos os conteúdos porque enfim, eu fiz agronomia,
sair da agronomia e não sabia todos os conteúdos e era um curso extremamente
conteudista. Então, eu tenho plena clareza, que o aluno que sair daqui, ele vai
ter que correr atrás, talvez um pouco mais que os outros porque ele tem menos
conteúdo do que os outros cursos . Eles têm uma formação por área. Mas não é
essencial e hoje eu tenho para mim, que conseguir analisar, interpretar, ser crítico e
saber onde buscar esse conhecimento é mais importante realmente do que o
conteúdo em si. Acho que, por exemplo, avançar com eles, em algumas
disciplinas aqui, Exatamente. Porque você tem que ter uma base para entender.
Então, às vezes, eu fico naquela: _Pô, mas eu não consegui dar os elementos base da
química para que eles possam depois aprender a química, que eles precisam na
comunidade, na sala de aula, para eles avançarem sozinho. Então, essa é uma briga
que eu ainda tenho, eu não estou conseguindo fazer isso, não sei se eu, sozinho, em
sala de aula consigo fazer! Mas hoje eu vejo que, olhando para o PPC do curso,
algumas coisas a gente poderia mudar, para tentar balancear um pouco mais (Pedro,
docente, entrevistado em 07/03/2019).
Havia uma preocupação dos docentes com os conteúdos da sua área para que seja
considerada uma formação de qualidade. O conteúdo continua tendo uma importância para
constituir a base de formação, mas é importante compreender que há uma intencionalidade
pedagógica na Educação do Campo ao propor a formação por área de conhecimento, que foi
necessária a construção de uma nova graduação em que a centralidade está na docência
interdisciplinar, e não na área do conhecimento, com a clareza que o objetivo é formar
intelectuais orgânicos que compreendam as disputas que existem na sociedade e se
posicionem para formar outros estudantes e que assumam a construção da escola do campo,
inexistente até então.
253
Esse contato permite que os docentes reelaborem suas compreensões e que possam
propor e contribuir, se inserindo na formação como sujeito:
Eu chego nas comunidades e comecei a ouvir as pessoas falando em como era a
Educação lá, e como eles gostaria que fosse, né. Aí, que eu comecei a entender na
verdade, não a Educação do campo, mas a Educação no Campo, nesse primeiro
momento. Nesse primeiro momento, eu entendia que era a Educação no campo. A
Educação a ser fornecida lá, na minha comunidade, tendo em vista essas situações.
Como eu sempre ficava ouvindo, aí é que eu fui entender o debate da Educação do
Campo foi aqui, com os professores, porque como eu estava sempre aqui na sala dos
professores. Na época, você ainda estava, estava E., M., a C., G., o A. enfim. (alguns
desses docentes se afastaram para realizar o doutorado) Aí, eu fui entendendo,
adentrando no debate, buscando alguma leitura e outra que fui entender o que é essa
coisa da Educação do Campo. E também, para mim, um momento de entender, de
incorporar um pouco mais isso, foi o seminário da turma 2016 porque foi a primeira
turma que eu realmente assim, peguei desde o início. Então, fiz o seminário, a parte
um, dois, três e quatro. Fiz a viagem de campo. Aí, quando eu participei do
seminário, da construção do seminário. Aí que eu fui entender as outras dimensões
da Educação do Campo realmente. Então, eu conseguir fechar pelo menos esse ciclo
de estágio docência com os alunos. A gente sempre fazia a orientação, todas as áreas
juntas. Então, era eu, a P., o G. e o L.. Então, a gente sentava e fazia a metodologia e
a socialização juntos, para tentar conectar essa coisa da área. Mas, para mim, nesse
processo de, recorrentemente, eu ter que encaminhar e receber o trabalho. Eu
comecei a enxergar conexões, dentre um trabalho e outro e passar a realmente
entender, qualquer era a lógica dos trabalhos de Tempo Comunidade. Aí, conseguir
enxergar o PPC do curso, nessa lógica do Tempo Comunidade. E comecei a
perceber também, perceber e não executar, que são processos diferentes. Comecei a
perceber, o quanto deveria a priori, conectar com os conteúdos a serem trabalhados
durante a etapa. O conhecimento produzido pelos alunos deveriam ser
ressignificado, ao longo das disciplinas da etapa. [...] Eu, por exemplo _é uma
opinião bem pessoal minha _ a gente conhece relativamente bem essa região e até
certo ponto, a gente tem uma afinidade muito grande a lógica do curso, pelo menos,
penso eu. Então, o problema não é o conteúdo, mas inserir o conteúdo sem que isso
sobreponha a lógica que já foi pensada e que está ali colocada no PPC (Pedro,
docente, entrevistado em 07/03/2019).
O relato acima apresenta, na descrição de um docente, como ele enxerga esse processo
educativo quando conseguiu entender o que diferencia a Educação no Campo, ainda como
proposta da Educação Rural e a Educação do Campo como concepção que deseja incidir
sobre uma construção da escola do campo. Foram os espaços coletivos que permitiram uma
reelaboração individual, que permitiram que ele compreendesse a Educação do Campo e seu
lugar como docente, que podem contribuir com seus conhecimentos, em toda a formação.
Esse tem sido um processo formativo, para os docentes, porque precisam sair do seu
campo de formação e dialogar com outros campos. Eles, ao realizar o trabalho e o esforço
para compreender, discordar e reconstruir passam também a ser afetados, bem como alguns
que tiveram sua formação no bacharelado que lhe apresentaram apenas a pesquisa como foco
da atuação na pós-graduação, desconsiderando a importância do ensino, bem como as
especificidades de formação necessárias para se tornar um professor (a).
254
As diferentes concepções do que seja a interdisciplinaridade e a formação por área do
conhecimento estavam sendo confrontadas, reafirmadas ou dissolvidas. Durante a pesquisa de
campo, um momento que possibilitou um forte diálogo sobre as compreensões da produção de
conhecimento científico foram as bancas dos trabalhos de conclusão de curso dos estudantes,
a formação de bancas interdisciplinares e permitiram construir outro canal de diálogo entre os
conhecimentos de docentes das diferentes áreas de formação.
Em relação a temáticas das áreas da Matemática e da Linguagem, foram organizados
seminários, que são parte dos projetos de pesquisa e extensão de docentes das respectivas
áreas, para fazer avançar a compreensão que consideram importantes, enquanto acadêmicos:
E a gente tem construído também outros momentos, que não estão previsto no PPC,
mas que são momentos formativos importantes. (M: Você destacaria algum?). O
pessoal da Matemática... tem os dois anos que eles têm realizado, seminários de
diálogo sobre os trabalhos de conclusão do curso, sobre o projeto do curso, isso não
é algo que esteja previsto. Mas é algo que tem ajudado muito, os meninos da área, a
se perceberem na vida acadêmica porque isso também é um desafio que eu observo
no curso (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
Na Educação do Campo, os elementos que se constituem enquanto políticos buscam
apreender o humano na sua relação com o mundo que o vive, que é em disputa e se engajar
em um momento em defesa da Educação do Campo, se tornando educadores nesse processo.
A proposta da formação propõe construir conhecimentos no qual os processos de
abstração têm a realidade como ponto de partida e de chegada. O acompanhamento nas
comunidades, mesmo que realizado de forma pontual, pela ampliação na quantidade de
estudantes atendidos e pelo aumento da demanda de trabalho na universidade, permitiram
destruir alguns estereótipos nos docentes. A descentralização do espaço da universidade e se
deslocar, ao longo de todos os semestres para as comunidades nas quais os estudantes vivem
constituiu outro espaço formativo. O Tempo Comunidade tem, portanto, potencializado e
alterado a formação dos docentes que se predispõem a realizá-lo.
Para os docentes que participaram da formação apenas através das disciplinas das
áreas do conhecimento, a realização do acompanhamento das atividades nas comunidades
implicou num choque inicial que permitiu questionar seus conhecimentos sobre o campo. Um
docente apresenta o seu deslocamento para o campo, em atividades do acompanhamento e
apresenta sua visão de campo e de indígena como algo idealizado no idílico de local de
sossego e descanso ou apenas pela sua paisagem que pode ser utilizada como lazer:
Com relação ao Tempo Comunidade, o primeiro lugar que eu fui foi em Mosqueiro
[...] Apesar de eu ser lá de Belém, já tinha ido para Mosqueiro. Eu ia para a praia e
voltava para minha casa e acabou a história. Eu não sabia nem que existia
assentamento, para ser bem sincero. Eu fui naquele Mártires de Abril (assentamento)
255
e o outro, que fica de outro lado, o Quatorze de Março. Lá, eu conheci a A., que é
uma aluna daqui, acho que ela é da Humanas, né? (Sim!) Então eu fui lá, e eu entrei
pela primeira vez na vida em um assentamento. Pela primeira vez eu entrei em um
assentamento. Mas eu já fui muito no interior do Pará (esse interior constituiu a
zona Bragantina, próximo a Belém, e não o sudeste do Pará). Eu gosto muito
daquele clima do interior. Daquela coisa... daquele clima do interior que eu acho
muito legal, que eu gosto muito. Eu sempre gostei muito daquele silêncio, sabe
aquela coisa, caiu uma chuva lá uma hora, era umas cinco horas, aquela chuva
caindo nas telhas, aquela rua que não passa ninguém. Mesmo quando não estava
chovendo, não passava ninguém, tinha uma casa do lado e não saia ninguém. Aquela
coisa, sabe, aquele silêncio) [...] Eu conheci o pai da A., eu não sei se você conhece
ele! Ele é tipo o líder lá! Ele é um senhor... eu sentei lá com ele. [...] Eu aprendi
muita coisa com... eu não lembro mais o nome dele (liderança do acampamento, pai
da estudante). Eu me lembro que a gente, eles estavam fazendo lá um trabalho, que
era um trabalho coletivo, por isso que durante a manhã, eu não tinha visto ele lá. Eu
só fui conversar com ele a tarde. Eu sentei com ele lá, e fui perguntando. Eu fui
perguntando e ele foi me contando as histórias, foi me contando as histórias,
contando. Ele já tinha...aí dizendo, muita coisa que ele falou: _Olha, o negócio aqui
é luta! Eu ensinei para a minha filha aí. E a gente vê como é que a A. é (risos).
Aprendeu tudinho (a A. é uma liderança dentro da Unifesspa). Na escola de
Mosqueiro, que é uma escola que já fica longe do assentamento deles, que lá não
tinha escola. Parece que tinha só de primeira a quarta série, de quinta a oitava, tinha
que sair. Aí, era por meio de ônibus escolar. Aí teve uma vez, ela falou que
prenderam um carro do INCRA, que entrou lá, só sei que eles prenderam um pessoal
que era para exigir que tivesse o ônibus para buscar as crianças. Não, eu já sabia que
era assim. De certa forma, eu já sabia. Aí, eu ouvia as histórias, eu ouvia falar, dos
indígenas fazer: prendendo as pessoas e tal. Meu irmão sempre foi próximo desse
movimento, próximo do movimento indígena também. Mas assim, porque apesar
deu nunca tinha entrado num assentamento, mas já tinha um contato teórico com a
questão do MST. Eu tinha algumas leituras sobre isso, sobre esse movimento. Só
que eu nunca fui militante de nada . O pessoal gosta de brincar: Eu só fui militante
de sofá (risos) [...] Eu achei que não foi muito diferente do que eu imaginava não.
Acho que foi uma coisa, não foi algo que me impactou, como por exemplo quando
eu fui na aldeia Sororó, que foi uma coisa que me impactou porque eu imaginava a
aldeia de um jeito. Eu tinha um estereótipo (risos). Aí lá não (assentamento), foi
uma coisa normal. Depois, fazendo uma análise, de quando eu já estou lá, que
parece que eles estão um pouco isolados ali, né. Para eles saírem, precisam ir um
ônibus lá que pega os alunos. Parece assim, que eles estão jogados ali: “Tomam isso
daí, e se virem!” (Marcos, docente, entrevistado em 22/02/2019).
As experiências formativas diversas entre os docentes foram apresentadas no capítulo
três deste trabalho. Para alguns, foi na Licenciatura que tiveram a primeira aproximação com
o campo dos conflitos, porque vieram de outras regiões do Pará. Por isso, o processo de
desnaturalização das imagens do campo, seja construídas como lugar bucólico, ou apenas
como lugar de turismo para passar as férias pois o turismo tem sido uma atividade que
constrói uma apresentação das belezas naturais da Amazônia, sem os povos que a habitam.
Além do livro didático que existe nas escolas, as diversas mídias também têm cumprido esse
papel na idealização do campo sem conflito, apenas como locais harmônicos para passar
férias ou uma visão alardeada pela mídia: pelo progresso.
256
As duas últimas frases destacam a ausência de escola de ensino fundamental e a
necessidade de deslocamento dos estudantes, numa comunidade ao lado de Belém, capital do
estado, gerou a reflexão de que foi normal a visita no assentamento, não houve o
estranhamento como na aldeia indígena: “Aí lá não (assentamento), foi uma coisa normal”.
Depois, fazendo uma análise, de quando eu já estou lá, que parece que eles estão um pouco
isolados ali, né. Para eles saírem, precisam ir um ônibus lá que pega os alunos. Parece assim,
que eles estão jogados ali: “Tomam isso daí, e se virem!”, não reconhece que a presença dos
agricultores dentro desse assentamento, organizado pelo MST, como afirmou a liderança “é
resultado de luta’.
Essas imagens foram cristalizadas em processos formativos anteriores e se
constituíram por uma invisibilização das lutas sociais e da própria presença desses povos no
território na atualidade, como parte do processo de dominação e expropriação. Destacamos o
choque com a entrada em uma aldeia indígena na sociedade moderna, sem a imagem caricata
dos livros didáticos. Os estranhamentos foram necessários porque sem eles, não era possível
compreender a importância social do que foi construído na Educação do Campo.
O processo destacado apresenta-se formativo porque há um deslocamento, no
acompanhamento do Tempo Comunidade: ao invés do direcionamento para o seu olhar
formativo enquanto professor, que está orientando a formação dos estudantes, os docentes
passam a refletir como eles estão se tornando professores e aprendendo nesse processo. Ouvir
as lideranças nos assentamentos contarem as histórias de luta para constituição daquelas áreas
como espaço de vida, bem como compreender a diversidade de organização das aldeias
indígenas, a partir das condições de expropriação do território, bem como do contato com o
não-indígena, e como o nosso olhar é estereotipado quanto ao outro, são aprendizados
destacados.
Outro elemento importante destacado no relato é a compreensão dos estudantes não
como sujeitos individuais, mas como parte de um coletivo, e da sua escola e sua organização
política nas comunidades, que lutam pelo reconhecimento da função social da terra e da
função social da escola, como lutas irmãs, na garantia dos mínimos direitos.
O Tempo Comunidade implicava sair do eixo da universidade e se deslocar para o
eixo da realidade em que os estudantes vivem. Os estudantes, ao produzirem avaliações sobre
o trabalho docente apresentaram a reivindicação de que os docentes visitassem as
comunidades nas quais vivem, justificando pela construção que está previsto no PPP da
Licenciatura para melhor compreenderem o público com quem estavam atuando. Sobre isso,
diz uma entrevistada:
257
Mas eu tenho uma crítica mesmo para fazer em relação ao que tem se tornado o
curso porque eu acho que ele está perdendo isso. Ele está se perdendo. Ele tem um
projeto político pedagógico que quando tu vai ver lá, eu estava lendo esses dias e
muita coisa me inquietava porque desde da orientação do Tempo Comunidade. A
gente não queria mais fazer orientação aqui na universidade, né porque justamente
os professores que ficavam aqui, para fazer essa orientação do tempo comunidade,
eram aqueles que não conheciam as comunidades. E que ficava muito cômodo, né. Então, isso a gente provocou muito. E há um distanciamento de querer colocar, são
os conhecimentos científicos, acadêmicos, enfim, que os próprios professores trazem
nas suas graduações, os mestrados e nos seus doutorados. E acham que tudo isso a
gente tem que aprender e acho que tudo isso, vai condizer com a nossa realidade.
Isso vai ser realmente bom. Não. não é desse jeito. Porque tem muita coisa que
aprende lá, que não vem para o nosso contexto daqui. Aqui é um curso de formação
de professores, têm que ter consciência disso. Está fazendo a formação de
professores para o ensino básico, no ensino fundamental e no ensino médio (Miha,
docente, entrevistada em 16 de fevereiro de 2019).
No início, a gente teve umas experiências desagradáveis com alguns professores.
Mas, do meio para o fim, a gente foi se ajustando. Acrescentou muito a ida deles lá,
então eu avalio como positivo, como algo novo. Eu não vi isso em nenhum outro
curso. E essa facilidade que a gente tem de acesso aos professores, tanto quanto eles
irem na comunidade, quanto a gente poder falar com os professores, nesse curso
rompeu com isso. Eu não sei se isso acontece em outros cursos. A gente percebe
essa proximidade, tanto pelo fato dele ir lá na comunidade, quanto o acesso aos
professores em si, aqui na universidade. Eu vejo isso como um ponto positivo
porque o professor é amigo do aluno aqui, a gente percebe isso, essa proximidade
(Tiago, estudante, entrevistado em 06/02/2019).
Os estudantes se tornam os principais defensores da Educação do campo e da sua
proposta de alternância pedagógica, cobrando responsabilidade dos docentes, no
acompanhamento sistemático das atividades e não apenas como tarefas encaminhadas para
eles realizarem. Dos relatos acima, podemos perceber que não são todos os docentes que têm
realizado esse trabalho, mas os que se dispuseram relatam as alterações ao longo da formação.
Também os estudantes afirmaram que houve alterações na prática pedagógica dos docentes
que têm participado do Tempo Comunidade.
A necessidade de compreender a alternância como espaço formativo esbarrou nas
dificuldades em realizar as atividades da forma como foram idealizadas. Foram planejadas
diversas atividades para serem realizadas durante esse tempo formativo; o acompanhamento
sistemático nas atividades da pesquisa socioeducacional e dos estágios eram apenas uma
delas. Esse tempo e espaço seriam utilizados para desenvolver as atividades de pesquisa e
extensão e fazer avançar o diálogo com o poder público municipal e estadual, para construção
de um sistema de ensino que atendesse aos povos do campo.
A expansão exigiu reprogramar diversas porque a Faculdade, em 2019, atendia
estudantes de duzentas comunidades. Por isso, foram criados polos de acompanhamento. Uma
258
docente fez essa avaliação porque considera limitado que o Tempo Comunidade seja apenas o
acompanhamento das atividades de pesquisa e estudo dos estudantes. Ela disse:
Uma questão porque virou um acompanhamento de atividades, é isso, a gente não
consegue materializar a alternância. Também tem o aspecto estrutural, financeiro, de
quadro de professores, de quantidade, mas também financeiro porque eu fui fazer
uma orientação na região de Novo Repartimento. Eu e a professora Fátima. A gente
ficou quase uma semana para lá. E, não fizemos que a gente queria porque eu me
propus para ir para lá, para estreitar o diálogo com Secretaria de Educação, que a
gente já tem dialogado, já vai fazer dois anos, na construção da proposta de
formação de professores Awaeté e não indígenas que atuam nas aldeias Awaeté e
também para pensar a política de Educação do campo, considerando que lá é
complexo, né. Eles têm comunidades ribeirinhas, ali, na beira do lago (formado pela
Hidrelétrica de Tucuruí), os extrativistas. Os Avaetés, que são dez aldeias, e várias
comunidades rurais assim, que estão há mais de setenta quilometro da cidade.
Algumas vivem essa questão das cheias, é bem complicado e a secretaria não tem
uma política assim. É o calendário de janeiro a dezembro e pronto. Ainda que seja
intrafegável as estradas e que os meninos não possam sair. Colocar essa questão da
política do transporte escolar, sendo que em uma mesma vicinal teriam doze
estudantes e seria muito mais educativo que um professor fosse para lá, em vez de
tirar os doze estudantes todo dia, para sair de lá, e percorrer trinta a trinta e cinco
quilômetros no atoleiro. Então, tem esse tipo de coisa. A ideia era essa, então,
estreitar o diálogo (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
A entrevistada afirmou que planejou desenvolver no acompanhamento do Tempo
Comunidade, ao sair da Universidade, tinha uma lista de tarefas que pretendia realizar. Além
do acompanhamento do trabalho dos estudantes, iriam também realizar oficina específica no
campo da leitura e escrita, após o diagnóstico das dificuldades apresentadas pelos estudantes,
durante a formação no Tempo Universidade. Outra tarefa lista era a mediação com a SEMED
em relação de demandas de formação e do calendário escolar. Então, ela conclui que:
_Mas, minha irmã! foi uma semana e a gente mal conseguiu dar conta! Para atender
de doze a quinze estudantes. Isso porque a gente foi em várias comunidades, desde
Anapú até o Gelado lá. Marcamos só dois pontos. Não, em Cajazeiras - Itupiranga
também,. Foi uma semana e não foi possível ter esse momento, que eu te digo assim,
por exemplo, questões acadêmicas, né, a gente recebe estudantes com quantas
dificuldades de leitura e escrita, as dificuldades básicas que eu entendo que é
nossa responsabilidade ajudá-los a resolver isso porque como é que ele vai ser
um bom professor, permitindo essas crianças leiam e escrevam bem! Que
entendam o que elas leiam, que possam questionar o que chega até elas, por
meio da televisão, essas manipulações. Se ele também não faz isso, se ele não
sabe. Aqui, a gente tem Tempos Universidade, os tempos curriculares muito
apertados, são muitas atividades. Estão, na minha cabeça, o Tempo
Comunidade, a gente teria um momento de orientar atividade e um momento
de realizar oficinas com eles. Tipo: peguei um texto escrito, está com várias
dificuldades de compreensão, de produção de sentido, eu sento ali, mais uma manhã
com eles e vou para o quadro: _Vamos refazer esse texto! Vamos fazer esse cálculo.
Igual a gente fez com as meninas estavam trabalhando com dados estatísticos. Na
minha cabeça, eu ia não só orientar o trabalho. Mas também trabalhar esses
aspectos, que eu não teria trinta e cinco aluno (como numa sala de aula). Eu teria
dez, teria doze, então eu poderia fazer oficinas de texto, de interpretação, levar um
texto e discutir com eles. É um processo formativo. E ter um momento com a
comunidade, mas mana! Não aconteceu nada disso! A gente já estava sem voz,
259
depois de quatro dias, lendo um monte de coisas, conversando com esses
meninos e esgotadas. Quando a gente voltou, eu estava esgotada. Eu tinha
expectativas, né. Eu acho assim, eu penso que ninguém sai incólume de
qualquer experiência. Muda, alguma coisa muda! Ou reforça, né, mas muda
alguma coisa (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
A constituição de outros tempos educativos, que não tem conteúdo como centralidade,
permite definir qual a necessidade de conhecimentos para enriquecer a formação humana que
eles possam ser ferramentas para o trabalho educativo em sala de aula. Mas as expectativas
não foram contempladas porque a docente se deparou também com a realidade em que vivem
os estudantes e isso faz refletir sobre a necessidade de formação vinculada às condições em
que os estudantes vivem. As condições de estrada, a falta de acesso à energia elétrica e à
internet em muitas comunidades e outros processos de produção da desumanização foram
destacados no relato abaixo:
Por exemplo, a região de Novo Repartimento, eu não tinha muito contato, eu já
sabia o que era trabalhar em longas distâncias porque eu já fui para aldeias com
estradas intrafegáveis. Mas, para mim, que já conheço, foi muito forte. Eu disse:
_Gente, quais as condições para pensar a educação aqui? E as narrativas do lugar
também, que é muito forte. As narrativas sobre o lugar, lá, no PA Gelado, eu fiquei
pensando: _Meu Deus do Céu! Como o povo vive nessas condições? Eles diziam:
_Ah, professora, quando a gente começou aqui. A história de linchamento, de
esquartejamento, muita violência, muita violência! E aí faz você pensar as
condições de vida das pessoas, nos seus projetos de vida, quem foi para lá, o que
buscava? E pensar a educação naquele lugar mesmo! Qual o papel da escola alí,
e os nossos estudantes que são educadores ali, que vivem naquele contexto. Sem
contar todas as condições de chegar lá, de sair de lá, porque o que significa
adoecer lá? O que significa adoecer? Pensar inclusive, em fazer Universidade,
estando lá, morando lá, tudo isso. Então, eu penso que qualquer um dos nossos
colegas, com certeza, mudou muita coisa, né. Os mais experientes, os menos
experientes. Ao irem nas comunidades, mesmo aqui no 26 de Março, Primeiro de
Março que é na beira da pista, você tem um imaginário sobre o que é um
assentamento, um acampamento, uma colônia, uma vicinal. Você ir lá e vivenciar,
ter contato com as pessoas, é outro mundo. Todos que vão tendo contato. Mesmo
antes de ir para as comunidades, com os próprios estudantes aqui, com os relatos
deles (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
O contato com as problemáticas vivenciadas pelos estudantes produz reflexões e altera
o trabalho docente, porque possibilita construir uma imagem dos estudantes reais da
Fecampo. Visualizar as condições de vida, as distâncias que precisam enfrentar para chegar na
universidade, os altos gastos com deslocamento, a falta de acesso à internet e a energia que
podem ser naturalizadas como algo comum e presente na vida de todos, como parte do
progresso e desenvolvimento dessa sociedade. Além da negação do direito ao um mundo
letrado, inclusive aos que atuam na escola.
Ao se deparar com a negação desses serviços básicos, outra docente fez essa reflexão
sobre as idealizações e o estudante real que a Fecampo tem atendido:
260
Imagina! A gente teve lá na Gleba Jacaré (município de nova Ipixuna, cem
quilometro de Marabá, 60 quilômetros de chão, considerados bons para o padrão do
norte), a gente demorou horas para chegar. Quer dizer: uma entrada ruim! E aí, você
começa também a pensar, a olhar de uma forma diferenciada para esse sujeito. Se eu
não tivesse ido, eu não entenderia a dificuldade que a dona V., que a L., que a B.,
que os outros (Novo Repartimento), do quanto é difícil para elas chegarem até aqui e
ficar esse tempo (em Marabá e na Universidade). (M: Qual a distância?) Muito
longe!!!! Mais de duzentos quilômetros de estrada de chão, que a gente foi para lá de
Novo Repartimento. Então, os percursos, as dificuldades de acesso a internet, por
exemplo. Às vezes você cobra um trabalho de um aluno, como se, comparando com
a realidade de que você vive aqui em Marabá, e na aldeia dele, não tem energia! Na
aldeia dele, não tem internet. Na comunidade dele, não tem internet. Para ele fazer,
ele tem que se deslocar para outra cidade, outras comunidades para entregar [...] Até
para mandar uma mensagem. Então, eu tenho uma orientanda minha, que eu mando
mensagem, ela me responde vinte dias depois porque quando ela conseguiu chegar
no lugar que tem internet para acessar, né. Então são essas especificidades que
fazem o curso ser diferenciado. É por isso que o processo é diferenciado. E por isso,
ele tem essa preocupação! Não é contemplar, mas em respeitar essas
especificidades, que sempre foram negativas. Sempre contaram como algo
negativo. Pelo fato dele não ter internet, impossibilita o acesso até a inscrição,
né. O fato de não poder fazer um trabalho e entregar no prazo. Não que seja
facilitar, mas compreender que isso não deve ser tratado como um problema,
um limite dele. É um limite estrutural, que é da própria sociedade e que sempre
serviu como empecilho para ele ingressasse. Então, se o próprio curso, cria
barreiras que não respeite essa diferença, né! Por que o que seria o ideal para um
professor que não tem essa formação e essa sensibilidade? Para ele, o ideal seria
que todos os alunos tivessem: _Ah, não, vou tratar a todos como iguais! Eu vou
dar um trabalho, todos vão ter acesso à internet, todos vão ter as mesmas
condições e pronto. Na cabeça de muitos professores, isso seria o aluno ideal
(Fátima, docente, entrevistada em 12/02/2019).
O contato com a realidade do campo, através desse acompanhamento do Tempo
Universidade, ao longo de toda a formação, permitiu aproximações da realidade de negação
dos direitos básicos. Esse deslocamento, esse estar no lugar do outro também produziu
questionamentos da prática educativa, porque evidencia as desigualdades. As desigualdades
diversas são produções dessa sociedade capitalista e os povos do campo, historicamente
tiveram pouco acesso à terra, condição básica para organização da sua vida e do trabalho e às
políticas públicas de básicas de infraestrutura que possibilitem a circulação e a inserção
desigual nessa sociedade.
Os professores destacaram que o trabalho na Licenciatura em Educação do Campo tem
impactado na sua formação, porque precisaram ministrar disciplina em conjunto com outro
docente, porque precisaram dialogar com outra concepção de educação e a conviver com um
grupo de formação multidisciplinar. A formação dos diferentes tempos e espaços educativos,
os quais permitiram o contato com os estudantes, os sujeitos coletivos e as diversas formas de
organização da vida no campo, seja em aldeias, comunidades rurais, assentamento e
acampamentos produziram estranhamentos, choques e por isso um processo educativo que
261
alimentou a defesa da formação interdisciplinar por área do conhecimento centrada na
docência nas escolas do campo.
A formação dos docentes está em processo em construção; o período de cinco anos de
trabalho docente no ensino superior, com todos os estranhamentos, se torna um tempo curto,
porque também precisam construir uma carreira, deslocando da centralidade do que eram seus
processos formativos na graduação e na pós-graduação ou pelo menos produzindo
questionamentos e exigindo muito estudo e planejamento para desenvolver sua atuação na
Educação do Campo.
Ao mesmo tempo, não podem fugir de ser atravessados pela concepção neotecnicista
de educação, da forma que tem sido implementadas as avaliações do MEC na Unifesspa,
tratada no capítulo quatro; isso produz entraves porque fortalece processos contrários ao
modo de avaliação defendido pela Educação do Campo. O modo neotecnicista, centrado na
avaliação no sentido estrito técnico de verificação, alimenta uma concepção de trabalho
individual, retomam a centralidade do conteúdo disciplinar, reafirma a competição. Na
verdade, tal concepção compete e disputa o tempo necessário para realizar um trabalho
formativo na graduação e a concepção de trabalho coletivo.
Outro fator que interferiu foi o afastamento entre os docentes, o qual produziu um
desencontro de todo o coletivo de docentes porque até a finalização da pesquisa, esse quadro
não havia se reunido no conjunto. Os estudantes destacaram que perceberam alterações nas
práticas pedagógica dos docentes (daqueles que entraram na faculdade sem o conhecimento
da Educação do Campo), pela participação nos diferentes tempos e espaços formativos
planejados na formação, principalmente a partir do deslocamento para o acompanhamento do
Tempo comunidade e da convivência em sala de aula com os estudantes, que tem
possibilitado diálogos tendo a formação como objeto de debate. A convivência e os encontros
entre esses diferentes sujeitos acontecem em momentos direcionados pela formação, mas
também, de escolhas por afinidades ou confiança. Construir um trabalho coletivo exige um
tempo de convivência em um processo de amadurecimento das divergências e convergências
para produção de novas sínteses. A intensificação do trabalho docente na Unifesspa, bem
como o atendimento de todas as demandas que são requisitadas pela Fecampo criou o risco de
não permitir que esses encontros ocorram e que a eliminação de alguns espaços formativos,
bem como alterações no PPP, descaracterizem as atividades propostas inicialmente para o
curso, o que pode ser uma grande perda.
262
5.3. Novas temáticas geradas pelos processos de produção de desigualdades
A constituição do quadro interdisciplinar na Fecampo também potencializou as ações
de pesquisa-extensão na Unifesspa. Além do trabalho nas disciplinas, o quadro docente tem
desenvolvidos inúmeras ações em projetos de pesquisa e extensão. A formação dos docentes e
seus conhecimentos nas diferentes áreas foram disponibilizados em defesa dos povos do
campo, em sua diversidade e com as escolas do campo através das ações de estágio,
acompanhamento do Pibid Diversidade e de pesquisas sobre as áreas do conhecimento.
Está em andamento a constituição de um Núcleo dos Conflitos Agrários, a princípio
denominado Observatório dos Conflitos Agrários, um grupo interdisciplinar, com a
participação dos movimentos sociais, da CPT, de docentes que atuam na Licenciatura em
Educação do Campo e de outros cursos da Unifesspa, tais quais: Ciências Sociais, Geografia
etc. Segundo os docentes envolvidos, a criação desse núcleo tinha como objetivo produzir
estudos sobre o uso do território e documentar as principais tipos de uso da terra e sua
situação jurídica, bem como a identificação das áreas públicas e os principais atores que a
disputam, a partir do seu histórico de uso da terra, utilizando para isso o Laboratório de
Cartografia da Fecampo.
A produção de conhecimento que se alia a um projeto de campo e de sociedade e que
compreende o papel da universidade pública e da formação para transformação da realidade,
significa defender a Amazônia para a vida dos povos do campo. Há ações imediatas, como
suporte à resistência aos processos de expropriação, seja em projetos de pesquisa-extensão
com os ribeirinhos dos rios Tocantins e Araguaia, as associações dos pescadores ao longo do
trajeto da Hidrovia Araguaia-Tocantins com participação nas audiências públicas realizadas,
com produção de instrumentos para registro das informações sobre o consumo e a
comercialização do pescado e das principais espécies que reproduzem nessas bacias e o
trabalho com de conservação das espécies através da Educação ambiental.
As temáticas do racismo estrutural têm sido trabalhadas por um grupo de docente,
extrapolando a Fecampo: tem direcionado seu trabalho para toda a Unifesspa, nas ações do
NUADE e na atuação no PDTSA, atualmente coordenado por um docente da Fecampo. Em
relação à especificidade dos quilombolas, houve uma diminuição da quantidade de estudantes,
de origem das comunidades próximo a Belém e a região de Tucuruí, de forma que ela está
presente nos seminários e debates gerais, mas não foi expandida enquanto temática de
pesquisa entre os docentes.
263
Outra temática que tem se destacado foi a questão indígena. A Universidade possui
uma dívida histórica com os diversos povos da região e o ingresso de estudantes de várias
etnias problematizou sua territorialização milenar e seu alijamento político dos processos
decisões, passam pelos processos de formação. As questões indígenas ganham maior
centralidade a partir da Licenciatura em Educação do Campo:
Eu acho que foi uma coisa boa, na verdade, essa entrada desses novos sujeitos, mais
alunos indígenas e quilombola. E que nesse espaço, a gente debate as problemáticas,
não como um problema do indígena, do quilombola ou do camponês, os elementos
que a gente traz no debate, são elementos que afetam todos eles. Obviamente que
dependendo de quem está dando essa aula, vai chamar mais atenção para a questão
indígena, ou vai chamar mais atenção a questão do camponês. Mas de uma forma
geral, todos eles estão, nesses debates ali, contemplados. Isso eu pude perceber com
a turma 2018. Eu estava com a Inês. na disciplina, a gente não fez a viagem de
campo juntos, cada um fez com uma turma, nós fizemos a socialização juntas.
Então, por exemplo, ela foi para o lado de Parauapebas, ver a questão da mineração
e na aldeia indígena, ver os impactos sobre a aldeia indígena, da questão indígena.
Mas o legal é que não foram só os indígenas, os camponeses foram também ouvir,
que os indígenas são impactados, o problema que eles têm com a mineração,
também é um problema dos indígenas. E ao mesmo tempo, os indígenas viram que
os camponeses também estão em situações semelhantes, são impactados. Então,
você permite que eles dialoguem, para perceber que eles não são problemas um do
outro. Eles estão do mesmo lado, e existe um problema maior (Pedro, docente,
entrevistado em 07/03/2019).
Os povos indígenas que, mais uma vez, na história de colonização, têm seu modo de
vida ameaçado, passam a enxergar na pauta da educação uma aliada em suas lutas diversas. A
territorialização no sudeste do Pará hoje está pautada pelas organizações indígenas que têm se
organizado contra os processos de expropriação do seu território através da mineração, das
hidrelétricas previstas para os rios Tocantins e Araguaia e da hidrovia em processo de
construção. Essas temáticas são de interesses de todos os povos.
No retorno da viagem de campo, o docente analisou a importância do diálogo entre
camponeses e indígenas, que já foram considerados inimigos entre si (em conflitos
produzidos pelo Estado, ao assentar posseiros, em áreas já demarcadas como reserva
indígena). Destaca como o modo de vida indígena, que mantém a floresta em pé, já foi
considerado na região, como indício da “preguiça dos indígenas que não querem trabalhar”.
Esses confrontos, apesar de resolvidos na área em litígio, constitui uma memória que
alimentam o imaginário social.
A docente indígena destaca que percebe, na sua atuação como docente, um interesse
dos estudantes que residem nas áreas de acampamento e assentamento em compreender o
modo de vida dos indígenas, porque apesar de viverem na mesma região, havia poucos
espaços de convivência entre eles. Ela relata:
264
Eu percebo que há um interesse, por exemplo, dos estudantes, nas disciplinas que eu
leciono, que eu trabalho tem sempre uma curiosidade, tem sempre um querer saber
mais da dinâmica das aldeias. Então, eu sempre faço também essas trocas, né, essa
dialogicidade durante as aulas. Então, acho que eu aprendo, né, com o movimento,
com as pessoas que vem do Movimento Sem Terra, do MAB, tem sido também um
aprendizado nesse sentido porque a gente acaba um pouco que se isolando. Eu
sempre faço essa crítica ao movimento indígena, eu percebo nos discursos das
lideranças indígenas, um certo atrito; uma certa aversão quando fala em
Movimento Sem Terra, quando se fala em MST. Eu percebo uma grande
dificuldade de diálogo, talvez pelas experiências anteriores, principalmente a
Mãe Maria (Terra Indígena), que tem a experiência de ocupação, de conflitos.
Me parece que há um certo distanciamento. Quando eu vou para sala de aula,
quando eu converso com as pessoas, quando eu vou para orientação do Tempo
Comunidade, quando eu converso com os egressos (já quando eu fazia esse processo
seletivo, quando conversava com as pessoas que cursaram) eu via muitas coisas que
são pontos em comum, ou seja, a terra, a luta por essa identidade, para que essa
identidade seja valorizada na escola, apesar de serem modalidades diferentes:
Educação do Campo, Educação Quilombola e Educação Escolar Indígena se
constitui modalidades diferentes no MEC. Mas são realidades que tem pontos de
diálogo muito importante. Mas que já alguma razão, ela é histórica, né, talvez não
foi possível estreitar esses laços. Em alguns momentos a gente dialoga com o
movimento negro, em alguns momentos o movimento indígena dialoga com MAB.
Por exemplo, quando é afetado por alguma barragem. Mas eu não vejo, eu não sei se
você consegue perceber dessa forma, eu vejo ainda uma dificuldade em fazer esse
diálogo com os outros movimentos sociais. Não é só com o MST, por ter essas
especificidades, eu acho que o movimento se fecha um pouco, e isso tem mudado.
Nesse contexto atual, essas alianças e as possibilidades de dialogar com outros
movimentos, ela vai se ampliar. Ela tem... por exemplo, ela começou quando
acontece o Acampamento Terra Livre ou quando a FEPIPA agora, (que é a
Federação dos Povos Indígenas no Pará) compreende que é importante sentar,
por exemplo, com do movimento quilombolas para reivindicarem o Processo
Seletivo Específico para indígenas e quilombolas. Então, eu acho que esse diálogo,
ele tende a se aproximar. Mas eu percebo que ele ainda é muito tensionado, e eu
percebo, eu acho que é resultado do julgamento (Fátima, docente, entrevistada em
12/02/2019).
As pautas em comum entre esses movimentos constituem parte da história recente; a
entrevistada demarca que uma pauta comum a educação, a partir da luta por processos
diferenciados de ingressos na educação superior. Historicamente, na luta por terra e território
há divergências na Amazônia, e nas lutas pelas políticas públicas precisam reafirmar sua
identidade étnica e política, pois era a partir da especificidade que conseguiam acessar as
poucas políticas do estado, já que, na política generalista, os excluíam. Também as estratégias
diferenciadas de luta e a disputa pela terra e por território, pode ter configurado, em certo
momento, os povos do campo como inimigos.
No sul e sudeste do Pará, a aproximação desses povos foi produzida dentro da EdoC,
com o ingresso dos indígenas e dos docentes, que participaram dos cursos de Ensino Médio
técnico Agropecuária com os povos indígenas no IFPA, através do CRMB, fruto das ações do
GT de Educação Escolar Indígena do Frec, potencializados pelo Procampo.
265
uma ampliação do Procampo e do próprio conhecimento da Política de Educação do
campo, trouxe esses desafios. Mas por outro lado, trouxe muitos benefícios, porque
com essa ampliação... historicamente, a gente sabe que os povos indígenas, os povos
quilombolas eles não se identificam como sujeito do campo. Eles, né, buscar a sua
especificidade. Mas com a ampliação da Licenciatura, ou menos aqui, e os seus
princípios, da proposta formativa isso também ampliou o escopo de sujeitos que se
ver dentro desse tipo de formação. Então, entre povos indígenas e comunidades
quilombolas, as pessoas desconstruir o imaginário de que Educação do Campo é só
para quem mora em assentamento, acampamento ou numa colônia de trabalhadores
rurais. Eles se veem aí por que como o projeto têm todas essas atividades, de viagem
de campo, externas, com essa quantidade de estudantes. Vários estudantes moram
perto de comunidades indígenas, quilombolas, por exemplo, eles se viram. Então, a
gente começou a ter novos estudantes. Então, eu faço a leitura que parece até
negativa. Mas não é, são os desafios (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
Na Fecampo, a temática indígena foi incorporada à formação. A docente indígena que
está na Fecampo fez uma leitura da sua compreensão:
Eu passei a fazer uma leitura diferenciada, confesso pra ti, a partir do Projeto
Político Pedagógico daqui do curso. Para mim eram coisas muito distintas, eu
construí dessa forma, a partir da minha parte da minha formação: Educação
Quilombola, Educação Escolar Indígena e Educação do Campo. Sempre Educação
do Campo, referindo muito a movimentos do campo, aos movimentos sociais do
campo e o Movimento Sem Terra. E eu acho que é por isso, desse meu contato com
o próprio projeto político pedagógico e que a gente ver possibilidades. Também a
própria linguística traz questões da temática indígena. por exemplo, eu não vejo
muito ainda presente essa temática no Projeto Político Pedagógico. Me parece que
há algumas lacunas ainda com relação às questões indígenas. Mas até porque o
ingresso dos indígenas é que vai provocar essas reflexões, né. E hoje, você tem um
quadro de professores que pesquisam, que dialogam também, com essas
comunidades, vai propiciar outras reflexões e outras inserções que talvez eles
mesmo olhem para esse projeto e digam: Não, mas podem ter isso também! A gente
pode acrescentar isso! (Fátima, docente, entrevistada em 12/02/2019).
A presença dos estudantes indígenas na Fecampo e das organizações indígenas, que
participaram da construção dos seminários iniciais e nas visitas organizadas nas aldeias, tem
potencializado a aproximação da Educação do Campo. A temática indígena foi apresentada
aos estudantes da turma 2019, já antes de ingressarem no curso, através do conteúdo da prova
do PSE, construída pelos docentes. A Figura 10 apresentou a temática indígena:
266
Figura 10 - Seleção de textos com a temática indígena
Fonte: Pesquisa de Campo, Fecampo/Unifesspa (2019).
Outro exemplo foi, em dezembro de 2017, em reunião de rearticulação das ações do
Frec, houve uma reivindicação, por lideranças indígenas para ingressar formalmente da
coordenação ampliada do Frec. Nessa reunião ficou encaminhado a construção da VI
Conferência Regional de Educação do Campo, em 2018, (que não foi realizada, mas uma
plenária ampliada em comemoração aos dez anos da Licenciatura em Educação do Campo na
Unifesspa).
Dentre as diversas reuniões de preparação, uma foi realizada na aldeia do povo
Akrãtikatêjê, em abril de 2018, a convite da Cacique Kátia Silene. Nessa reunião foi realizada
a divulgação do PSE da Licenciatura em Educação do Campo para ingresso em 2018. A
liderança Cacique Kátia defendeu que o formato como a Licenciatura em Educação do Campo
dialoga com a intencionalidade do seu povo de construir a proposta das escolas nas aldeias e o
267
formato em alternância pedagógica permite que os estudantes indígenas mantenham o
vínculo, bem como realizem trabalho nas aldeias, desde o início do curso, por isso incentivou
os vários jovens a fazer a seleção.
O ingresso de docentes da área da Linguagem, que trabalhavam com a linguística, em
seu campo de pesquisa, tem constituído o debate sobre a formação docente e a
interculturalidade:
Então, as minhas pesquisas são do campo do currículo intercultural e educação
bilíngue. Aí, eu estou com dois projetos de extensão, um projeto de extensão com a
Comunidade Akrãtikatêjê, que já era uma demanda, desde que eu estava na tese. [...]
para pensar o currículo bilíngue! Intercultural e bilíngue. E aí, depois da terceira
oficina, a Cacique que demandou o nosso, nossa assessoria, chamou todas as outras
aldeias da TI (Terra Indígena) para participar da discussão [...] são dezesseis lá
agora, aí, seis estão construindo os Projetos Político Pedagógicos.[...] Então, um
projeto que era com uma comunidade, virou projeto com a TI Mãe Maria. Agora a
gente está repensando, né. Tem outros professores, tem um professor do IESB
[Instituto de Saúde e Biológicas] nesse projeto. Tem uma professora da Faculdade
de História e tem duas professoras da Fecampo também. Então, é uma equipe com
cinco professores. E com os Guaranis, terminou a pesquisa, a gente fez o PPP, mas
eles queriam pensar um currículo próprio. E no PPP a gente não conseguiu dar
conta. A pensou outros elementos, a filosofia da escola, a gente pensou a questão do
itinerário, né. Outros elementos como princípios. (Inês, docente, entrevistada em
18/02/2019).
Essas ações dos docentes construíram uma relação com os diversos povos indígenas,
sendo que tal inclusão traz uma temática específica que até então não tinha adentrado a
Educação do Campo, que é o bilinguismo. Os docentes da Fecampo aprovaram uma
especialização com indígenas do Povo Awaeté e professores que atuam na Terra Indígena
Parakanã.
Esse povo foi deslocado do seu território original para a construção da Rodovia
Transamazônica, e tiveram parte de seu território inundado pela hidrelétrica de Tucuruí.
Atualmente, tem reivindicado formação de professores porque historicamente foram alijados
da Educação formal. Outra docente também traz uma versão sobre o processo de construção
da demanda por formação, que foi definida formalmente como uma especialização a ser
ofertada, relatando como foi a construção dessa demanda específica:
Daí surge a especialização, o curso de extensão, mas está em construção ainda. Eu
tenho ido lá, assim, uma vez a cada dois meses, para ajudar a pensar. Por exemplo, a
gente prestou assessoria no processo de construção de edital, para o processo de
seleção de professores, para considerar alguns princípios, considerando a questão do
aspecto monolíngue na comunidade, que todos só falam Awaeté, poucos homens são
tradutores. Então, algumas coisas para ajudar na transição. Enquanto não começa na
formação das equipes. São setenta professores lá (Inês, docente, entrevistada em
18/02/2019).
268
Segunda a entrevistada, foi demanda do Povo Parakanã aprender a língua portuguesa e
ser incluído no processo de escolarização formal. Por isso, solicitaram formação de
professores para atuar com seu povo, pois só falavam a língua materna. Eles não falam a
língua portuguesa porque foi construído um Programa, com o mesmo nome do povo, para
tutelar o uso dos recursos destinados pela Eletronorte para mitigar os impactos dos dois
empreendimentos. Nesse programa, a compreensão que foi criada pela coordenação realizada
por não–indígenas, era de manter o isolamento desse povo porque acreditavam que eles
perderiam a cultura. O contato com outros povos e com não-indígena fez do português uma
necessidade, cuja solução reivindicam a partir da escola. Outra docente explicou:
A especialização Parakanã, são os professores do curso que estão fazendo a
discussão. O projeto da especialização Parakanã foi uma demanda apresentada pelos
Parakanã, na Conferência Local da Educação Escolar Indígena em Novo
Repartimento. Eu acompanhei as conferências de Educação Escolar Indígena em
Itupiranga., eu não tive como ir nessa. A demanda deles era pela formação dos
professores Parakanã, os professores Parakanã ainda estão no Ensino Fundamental,
ou seja, eles agora que ingressam no Ensino Médio. Então, foi pensado um curso
que possibilitasse uma formação com os professores não indígena, que trabalham lá,
porque eles têm uma demanda pelo português, eles querem aprender o
português, como um projeto político, para dialogar com a sociedade. Eles se
autodenominam Awaeté. Então, a língua, a primeira língua deles é a língua
Parakanã. E o que eles querem? Eles querem a escola para aprender o português.
Eles passaram mais de trinta anos, coordenados por projeto, que era o Projeto
Parakanã, que limitou a escola ao ensino da língua. Eles disseram: Não, a
língua a gente já sabe ler, a gente já sabe escrever, as crianças já falam. A gente
quer aprender o português para vender a castanha, enfim... (Fátima, docente,
entrevistado em 07/03/2019).
Essas demandas foram formalizadas porque houve uma contribuição dos docentes da
Fecampo, na organização das primeiras Conferências da Educação Escolar Indígena, a partir
das quais foi feita a divulgação da Licenciatura em Educação do Campo, de forma que
professores que atuam nas escolas da aldeia, também ingressaram como estudantes na
graduação, em 2018. A demanda por acesso à educação foi encaminhada a Fecampo:
Como é que surge a demanda pelo curso? Na conferência local da Educação Escolar
Indígena lá, a Semed é provocada porque ela assumiu recentemente a educação, tem
uns três ou quatro anos que os Parakanã vão, até a Semed e diz que: _A gente quer
que o munícipio oferte educação e não mais o projeto Parakanã! O projeto
contratavam professores, ele não certificava. [...] Era uma mitigação dos impactos,
entre as ações, o Projeto Parakanã detinha o repasse do recurso, o recurso era
repassado em ações, em saúde, em educação. O projeto Parakanã era quem
coordenava toda a educação deles, no sentido que essa velha tutela entende, que
deve ser que é proteger, dizer: _Vamos evitar o máximo o possível a contaminação!
Essa contaminação, às vezes ela é entendida pelos não indígenas e por quem
coordenava o projeto na época, como manter eles sem contato ou manter eles com o
mínimo de contato possível, com os espaços não indígena. Não entendia que isso era
uma demanda deles: Aprender a língua, não significa deixar de ser índio, deixar de
ser Parakanã! Aprender a língua portuguesa significa ter uma ferramenta a mais para
dialogar com a sociedade não indígena. E eles entenderam que durante mais de trinta
269
anos, que eles ficaram um pouco que aquém né, desse movimento da Educação
Escolar Indígena. Ao passo que os Gavião, já tem escolas de ensino médio, eles
ainda estão cursando o Fundamental e o médio, que é ofertado o modular. Muito
deles ainda estão, a maioria está fazendo a primeira etapa do fundamental. Os
professores Parakanã da língua, não têm ainda nem o ensino médio. Então, o curso
foi pensado para atender uma demanda dos Parakanã, por isso que ele é de extensão.
Ele vai certificar os Parakanã, os professores Awaeté Parakanã como extensão. Ele
vai certificar os professores não indígenas, que atuam nas comunidades indígenas,
que tem uma demanda deles como especialização. Eles querem os professores
indígenas participem para prender a língua. Eles querem a matemática do branco,
querem aprender do não indígena, branco não é adequado também. Mas eles querem
que esses professores sejam formados, para trabalhar com eles (Fátima, docente,
entrevistada em 12/02/2019).
Segundo essa entrevistada, essa é uma ação construída também por dentro do Frec, a
partir do GT de Educação Escolar Indígena.
O curso foi pensado muito nessa perceptiva, como curso de extensão. Enfim, a ideia
é que o curso já começasse a funcionar agora, a partir do segundo semestre desse
ano, né. A gente já construiu um projeto dele, já tá todo desenhado. Tem um grupo
de professores da Educação do Campo que é quem faz, eu tenho participado,
acompanhado isso. Tenho acompanhado as discussões do Fórum, né! do Fórum
Regional Educação do Campo e a gente tem trazido também a temática indígena.
Para inserir essa discussão no Fórum (Fátima, docente, entrevistada em 12/02/2019).
Durante a pesquisa de campo para produção da tese, as principais temáticas
apresentadas se relacionavam à resistência à desterritorialização dos povos. Em relação aos
movimentos camponeses, a conjuntura foi de retração, pois o debate passou a ser o
fechamento das escolas do campo e desterritorialização dessas áreas conquistadas, através da
temática do despejo. A reafirmação da vida humana como importante em detrimento do lucro
de grandes corporações internacionais, bem como os conhecimentos produzidos na
universidade pública a ser colocados em defesa dos povos do campo e dos seus modos de vida
tem sido o objetivo da Educação do Campo enquanto uma construção coletiva.
Os diversos povos indígenas se aproximaram da formação na Fecampo, demandando
seu ingresso enquanto estudantes, docente e suas lideranças tem demandado formação para as
aldeias, desde a reformulação curricular dos PPPs das escolas até o curso de especialização
com o Povo Awaeté em Novo Repartimento que está em andamento. As ações que se
iniciaram no GT de Educação Escolar Indígena no Frec, ampliaram a aprovação de novos
docentes na Fecampo, que estudam a temática indígena pela interculturalidade, bilinguismo e
pela linguística na descrição de línguas. Essas novas temáticas de estudo e formação
ampliaram o escopo de trabalho docente, produzindo ensino-pesquisa e extensão com esses
povos.
270
5.4. As dimensões da formação humana na Licenciatura em Educação do Campo:
análise produzida pelos estudantes
Os estudantes na Licenciatura em Educação do Campo vivenciaram diversas
dimensões do processo formativo. Eles apresentam uma interpretação do processo formativo
diferenciada dos docentes, porque apontam dimensões dos aprendizados da convivência
coletiva, da sua inserção na universidade e dos aprendizados na formação por área do
conhecimento. Essas diferentes dimensões são interlaçadas na alternância pedagógica porque
realizam a formação no Tempo Universidade, nos diversos espaços e não se afastaram dos
diversos espaços de atuação, do cotidiano da sala de aula, das famílias, das problemáticas
vivenciadas nas comunidades. Por isso, como excepcionalidade, desmembramos essa análise
em três subtópicos: a) Aprendizagens dos espaços coletivos no trabalho organizado pela CCP;
b) reelaboração dos valores e papéis sociais na vida coletiva propiciado pelo Tempo
Universidade diferenciado e c) a formação por área na Licenciatura em Educação do Campo e
as demandas sociais das comunidades.
5.4.1. Aprendizagens dos espaços coletivos no trabalho organizado pela CPP
A dimensão ético-política se materializa na formação a partir do trabalho com a arte,
cultura e política; e a dimensão do trabalho como princípio educativo, como dimensões que
foram trabalhadas no processo formativo. Essas dimensões foram trabalhadas nos espaços de
convivência coletiva, coordenado pela CPP. As funções da CPP já foram descritas no terceiro
capítulo; delas destacamos o planejamento, acompanhamento e avaliação da organicidade e
da auto-organização dos estudantes como parte da compreensão de que a formação humana
compreende diversas dimensões, que nem sempre podem ser aprofundadas, no trabalho em
sala de aula, nas disciplinas. Apresentamos as aprendizagens destacadas pelos estudantes, no
processo formativo por estudantes, utilizando-se também de explicações sobre as atividades
desenvolvidas nos espaços coletivos por representantes da CPP, para melhor compreendê-las.
A organicidade e o trabalho como princípio educativo foram apreendidas na
Pedagogia do Movimento (CALDART, 2004), inspirados nos conceitos desenvolvidos por
Marx (1974) e Gramsci (2005) sobre a necessidade de construção de outros valores como
fundamentos para uma nova sociabilidade humana. Tais princípios foram utilizados e
reconstruídos em vários cursos da Educação do Campo porque partem do pressuposto de que,
271
como humanos, somos formados a partir das mediações do meio social em que vivemos.
Portanto, passíveis de transformações e construção de uma nova humanidade, pautada em
valores éticos e de respeito aos outros; se constituíram também em uma oportunidade de
problematização dos papéis sociais que foram sendo constituídos historicamente desiguais, na
separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, nas desigualdades de gênero e de
etnia.
Os estudantes que vivenciaram esse processo formativo foram turmas que ingressaram
nos anos de 2014 a 2016, período em que foram alocados três espaços de convivência
coletiva: Fundação Cabanagem, Obra Kolping e Chácara do Bispo, conforme descrito no
primeiro capítulo. Durante os três primeiros anos, as aulas também ocorreram nesses espaços,
pela inexistência de espaço físico no Campus de Marabá para todo o quantitativo das turmas.
A rotina pedagógica constituída para organização das atividades e dos tempos
formativos foi denominada “organicidade” desses espaços. A CPP apresentou como era
organizada, no relato abaixo:
O primeiro momento, que a gente chama é a plenária de organicidade. O primeiro
impacto deles na casa. Chega, se aloja e aí tem uma plenária de organicidade. Na
plenária de organicidade, a gente divide a turma por núcleos. A gente tem todo um
momento de dinâmica e depois a gente divide os núcleos. Eles são divididos em
grupos, depende da quantidade que mora são dez núcleos, doze núcleos. Depois, nos
núcleos, eles vão saber quais são as tarefas deles. Então, eles têm as tarefas dos
trabalhos práticos da casa, mas eles têm tarefas de estudos. A gente também
constitui aí algumas equipes, pessoas que para além dessa vivência nos NB, no
Núcleo de Base. Eles vão pensar questões que são necessárias, para ajudar no
processo, tem a equipe de Saúde e Bem Estar, a questão da alimentação, precisa
acompanhar e avaliar [...] Aí uma equipe que cuida da secretaria, desses materiais,
para quem quiser fazer os trabalhos, usar a impressora e o computador para
imprimir. A secretaria e memória do curso. Aí a equipe de Cultura e Mística, que
cuidava da beleza do espaço, para o espaço está ornamentado, embelezado, mas que
atividades a gente passa a vivenciar. E uma equipe de infra, dos estudantes que
ajudava a gente, olhava o que era preciso de necessidade [...] E uma equipe de
ciranda infantil, porque menino é o que não falta nos Camponeses, é muito. Então
tinha uma equipe de ciranda, que ajudava a pensar e fazer planejamento com esses
educadores, organizar os espaços. Então, é assim o funcionamento das equipes, né!
A gente tem a coordenação pedagógica e a coordenação da turma, cada núcleo
indicava duas pessoas e compõe essa coordenação. Então, vivenciava tudo isso. E a
gente tem um planejamento. Um planejamento com algumas atividades, que elas
acontecem semanalmente. Mesmo com o trabalho, o pessoal tem muito trabalho na
universidade (Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
Na organicidade dos espaços, estavam previstos os momentos coletivos de avaliação
dos principais problemas vivenciados. Esses momentos eram semanais, mas caso fosse
necessário, havia diversas reuniões para construir soluções coletivas. Essas reuniões foram
destacadas por um estudante, como uma novidade:
272
Isso teve as reuniões lá, as questões de organizar o espaço, de dividir as tarefas. Isso
aí, não existia! Principalmente, fazer reunião para resolver as questões, pelo menos
era difícil de fazer reuniões porque cada um vai para um lado. Eu já levo isso como
aprendizado, esses momentos, de estar organizando, estar discutindo, estar dividindo
tarefas era bem legal (Tiago, estudante, entrevistado em 06/02/2019).
A coordenação da CPP programou, no acompanhamento, o planejamento para
realização de um processo formativo, com o objetivo de problematizar as concepções forjadas
nos espaços privados das famílias e também na sociedade. Em relação a essa vivência, uma
estudante diz:
A nossa convivência coletiva também na Cabanagem, mas não era dentro mesmo da
proposta do Tempo Universidade. Mas foi muito propício para gente como a
universidade entrou junto com a gente, para ter o acompanhamento. Isso eu acho
que foi fundamental porque é para tu sair dos muros da universidade e tu tem outro
espaço, que tu vai te formar também. Era um espaço que a gente discutia junto com
a coordenação do curso, que até o ato de tu lavar uma louça, era um ato pedagógico.
Os seminários que a gente realizava lá, as noites culturais, tudo fazia parte de um
processo pedagógico que foi fundamental na formação do ser humano, enquanto
pessoa e não só enquanto professor. O professor não pode se distanciar, dizer que
dentro da sala, eu sou outra pessoa, porque eu acho que é até antiético dizer que é
uma coisa dentro da sala de aula e outra coisa fora da sala de aula. Então, tinha
muito conflito de ideias. Tinha muita gente de fora (que não participava dos
movimentos sociais), que tinha o estranhamento com essas práticas, muita gente
resistente a vida em coletivo. A gente percebe o tanto que é frágil esse negócio,
quando fala em coletivo porque as pessoas elas são muito individuais. Essa coisa do
coletivo foi um baque para todo mundo porque a gente pensa assim: Ah, porque é de
uma área do MST, você tem essa questão do coletivo! Mas tinha gente nossa
mesmo, que não (risos) (Dina, estudante, entrevistada em 06/02/2019).
Nas entrevistas com os estudantes do sexo masculino, um elemento destacado foi o
choque em saber que precisavam realizar atividades de limpeza do espaço e lavar a louça das
refeições. Um estudante apresenta esse estranhamento no relato abaixo:
Na primeira etapa, quando a gente chegou, era um grupo de pessoas e ficaram todo
mundo no coletivo. A gente foi para a Obra Kolping. Lá, as atividades foram
divididas. Ficavam grupos de pessoas para realizar as atividades do cotidiano
mesmo, lavar as vasilhas, só não era fazer o almoço porque tinha pessoas
contratadas para isso. Mas no geral, toda a limpeza, a limpeza de todos os
espaços, eram organizados pelos estudantes. Não era realizada pelos estudantes,
tinha a coordenação que organizou desse jeito e a gente fazia as atividades. A
partir daí, já começou a mudar um pouco a concepção das pessoas, também a minha.
Na minha casa, eu até os dezessete anos, eu ajudava a mãe. Assim, quando ela
brigava comigo, eu ia lá e limpava a casa, lavava as vasilhas. Depois, nem isso eu
fazia mais, nem a roupa minha eu lavava. Quando a gente chega em um espaço, que
homem e mulher tem que fazer as mesmas atividades, do mesmo jeito que eu
faço, a mulher tem que fazer. Do mesmo jeito que a mulher fazer, eu também
tenho que fazer. Isso já começa a quebrar o que a gente tem de preconceito,
com relação a algumas atividades que foram definidas não sei por quem, mas é
atividade de mulher que tem que fazer isso. Eu não tive muita dificuldade com
relação a isso porque quando a mãe colocava para fazer, ela dava uns tapas mesmo,
aí, tinha que fazer (risos). Mas teve outros colegas que não gostaram disso. Dizia:
_Eu que tenho que levar panela agora! Não tem quem faça? Isso foi uma das coisas
273
que houve um grande estranhamento. No meu caso, também houve um
estranhamento por minha parte. Mas eles não colocavam no coletivo! (plenárias de
avaliação) Geralmente, as reclamações vinham era nos grupinhos. Aqueles
grupinhos mais rebeldes, eles falavam: _Ficar fazendo atividade que não é nossa! E
tinha aqueles que também não reclamavam, mas também não ia fazer! Esse foi uma
das mudanças que me ajudou (Helena, estudante, entrevistada em 03/02/2019).
Fazer “tarefa de mulher” e “fazer atividade que não é nossa” foram dois destaques
significativo no relato porque transferiu para outros estudantes esse estranhamento. As tarefas
domésticas não eram consideradas tarefas masculinas, na demarcação do que considerada ser
os papéis de homem e da mulher. Um exemplo dado remete a ajuda enquanto criança porque
a partir dos dezessete anos, nem a mãe lhe cobrou que contribuísse na limpeza da casa porque
constituiu uma idade que marca a passagem para a fase adulta. A naturalização da divisão do
trabalho por gênero e a obrigação imposta de que os homens precisavam realizar essas tarefas
provocou conflitos porque representava para os homens uma diminuição da sua
masculinidade.
Na convivência coletiva, foram construídas possibilidades de intervenção em
concepções naturalizadas em relação ao papel de homem e da mulher na sociedade. Essas
atividades foram mobilizadas pela divisão de tarefas domésticas, por se tornar umas das
atividades mais questionadas na divisão sexual do trabalho. A resistência foi apresentada, por
uma entrevistada, como uma coisa pequena que se tornava desgastante. Conforme o relato
abaixo:
Todo dia tinha esse negócio. Aí, todo dia alguém vinha. Algum problema como:
_Ah, tem gente que não quer fazer atividade de limpeza. Porque dizia: _Ah, eu não
lavo a louça na minha casa, eu não vou lavar aqui. Eu não lavo o banheiro na minha
casa, não vou lavar aqui. Eu não lavo minha roupa na minha casa. Aí são coisinhas
assim, que a gente pensa que é tão pequena, mas que a gente vê que essa
compreensão do espaço que você está, do coletivo, que ali não era hotel, que era um
espaço dos estudantes também e que a gente tinha que ter o cuidado também. Isso de
certa forma foi desgastante (Dina, estudante, entrevistada em 06/02/2019).
As questões de gênero suscitaram os debates sobre o direito a estudar e o tempo de
descanso porque quando essas tarefas ficam apenas como de responsabilidade feminina, como
elas tem dificuldades de desempenhar os papéis nos espaços públicos, como a realização das
atividades de estudos, remetendo ao debate sobre papéis sociais estabelecidos na nossa
sociedade. Essas problematizações foram geradoras de debate coletivo, suscitado pela recusa
dos estudantes ou pelo questionamento de que não realizavam essas tarefas, no âmbito
doméstico das suas famílias. Outro estudante relatou que esse foi um aprendizado e um
desafio na vivência coletiva:
Os primeiros momentos foram difíceis e também foi um desafio, tava ali
praticamente mais cem alunos junto. Aí, esse espaço foi um aprendizado, mas o
274
desafio meio complicado porque a gente vem de um contexto é a mulher que faz as
coisas de casa né! Eu cheguei ali: _Nada disso! Todo mundo! Vamos lá fazer!
Vamos. Para aí, cheguei lá, aí a gente teve que se adequar! As tarefas domésticas foi
uma questão assim, não só para você, mas para os outros homens que estavam na
casa. Eu penso assim porque geralmente não queriam fazer, deixava, quando eu tava
vendo estava ali, o prato, ali, tinha muitas discussões sobre isso: Tão deixando!
Você tem que fazer né, tem que lavar o seu! Então teve no início de muitas
discussões sobre isso para ajustar. Tem pessoas que não se adequaram aquela
logística ali, isso serviu para mim repensar muitas coisas (Tiago, estudante,
entrevistado em 06/02/2019).
Ele disse “porque a gente vem de um contexto que é a mulher que faz as coisas da
casa, né”. Isso não foi desconstruído, a princípio, mas havia a necessidade de se adequar
aquelas regras. Esse estudante relata que essa reflexão passou a observar, no retorno do
Tempo comunidade, como era a divisão do trabalho, em relação as tarefas domésticas sobre
algo que era naturalizado. Ele relatou:
Um dia desses, em uma visita lá no interior, numa casa de uma conhecida minha,
tinha uma turma na casa. Ela trabalhando, todo mundo conversando, ela
trabalhando, limpando, fazendo o almoço. Na verdade, fez o almoço. Depois do
almoço, só ficou ela naquela pia, aquele monte de coisa lá para lavar, todas as
vasilhas depois do almoço, todo mundo sentou e ela foi lavar. A partir desse
momento, eu pensei: Coitada né! Fica com todo o trabalho, fica tudo nas costas dela.
Aí, eu fui lavar, ele falou para eu não lavar (o marido). Então são situações que a
gente naturaliza, e percebe essas questões a partir de que a gente isso já tá olhando
essas questões. E aí você, eu já era casado. Esses dias eu estava falando como esse
curso te estragou (se referindo a esposa que estava presente na entrevista; o casal
veio estudar junto), mas é brincando. Às vezes, eu vou lá ajudar. Isso foi a parte do
curso, tanto para mim, quanto para ela, que teve alterações. Então, você é como ser
humano, tem alterações. Isso não é fácil, esse olhar só veio porque passou a ser uma
questão debatida porque não era uma coisa que você consegue ver as desigualdades
de gênero (Tiago, estudante, entrevistado em 06/02/2019).
A presença de diversos casais na formação possibilitou que os debates realizados,
apresentassem questionamentos na esfera doméstica e privada dessas famílias, pois os
aprendizados dos papeis sociais, no campesinato brasileiro que tem uma formação marcada
pelo patriarcado, construído nas relações de poder do coronelismo. O papel masculino
assumia o poder estabelecido, exercido na casa e no espaço público, enquanto à mulher
restava a submissão e assumir o trabalho no espaço privado da casa. Isto não significou que
houve uma mudança nas atitudes, pois o entrevistado ainda utilizou a palavra “ajuda”. Mas
sua companheira, estudante do curso, passou a cobrar sua responsabilidade na divisão das
tarefas domésticas em casa.
Os espaços coletivos visavam desconstruir essa naturalização para construir outras
relações entre homens e mulheres. Objetivavam a visibilização das desigualdades de gênero,
em nossa sociedade, do modo como elas foram produzidas e como geram a distribuição
desigual do poder porque o trabalho na esfera doméstica não possui o mesmo valor social do
275
trabalho na esfera pública. Também mostrar como foi construída uma invisibilidade dessas
atividades como trabalho, sendo os trabalhos domésticos apresentados como se fosse uma
sobrecarga para as mulheres, dificultando conciliar os estudos e o trabalho fora de casa.
O primeiro estudante indígena destacou que, ao adentrar na formação, gostou de
conviver com outros povos do campo e se tornou um aprendizado para ele a divisão e
realização das tarefas domésticas. Demarcando que também, em sua aldeia, foi estabelecida
essa divisão sexual do trabalho, e apresentam quais são as tarefas femininas e masculinas em
sua cultura. Ele apresentou que, depois da formação, tem problematizado essa divisão na
aldeia:
A conversa que eu faço com eles (seu povo indígena), é para que eles possam ajudar
dentro da casa, né! Tipo assim, não deixar a mulher sozinha fazer o seu trabalho.
Isso eu vejo muito lá nas aldeias. Para mim, também é cultura nossa lá! Então eu não
posso forçar muito essa, esse aprendizado que levar. Mas eu falo para eles. Hoje é
alguns que na aldeia faz, para ajudar. Lá, só é as mulheres que faz, tipo assim, o
serviço de casa. É só as mulheres que faz tudo para homem! Eu acho muito
diferente. Eu consigo muito agora. Eu ajudo. Até hoje, eu converso com a minha
família. Lá (na Cabanagem) é assim. A gente tem que ajudar. A gente não pode
deixar só elas fazer as coisas, que a gente tem que ajudar também porque ajudando
ela fica com menos trabalho e ela vai ter mais descanso para elas, né. Eu converso
com eles sobre isso. Quando eu morava na aldeia, eu morava com minha tia, né (A
mãe do Bep faleceu quando ele ainda era criança). Ela fazia tudo na aldeia, eu não
fazia nada. Então, a realidade do povo Mebengokre é diferente, só as mulheres que
faz para os homem. É diferente como faz, muito diferente. Eles falam isso. Eu falo:
_Não, porque nós têm que ajudar porque um ajudando o outro, a gente ganha mais
porque só uma pessoa fazer uma coisa. Eles vão para roça, caçar, pescar e às vezes,
quando vai ajudar ela, carregar lenha. Quando tiver tempo, eles vão... essas são as
tarefas deles: caçar, pescar, fazer roça. Já tem muitos que trabalha assalariado. Tem
que trabalha no FUNAI, na saúde indígena, na secretaria de estado de saúde
indígena. Tem mulheres trabalhando indígena, professoras, monitoras (Mebengokre,
estudante indígena, entrevistado em 06/02/2019).
O destaque desse aprendizado permite compreender que nem todos os elementos da
cultura precisam ser preservados, principalmente porque as mulheres indígenas também
passaram a atuar na esfera pública, em trabalhos assalariados, dentro e fora das aldeias. O
entrevistado ressalta que tem conversado com outros indígenas homens, em sua aldeia ao
utilizar o argumento de que sobraria tempo para todo mundo, se as tarefas fossem divididas.
Depois passou a contribuir no seu casamento, já que na aldeia, os parentes não costuma
realizar tarefas caseiras. Essa se tornou uma temática de debate na formação, publicizada e
sistematizada em reuniões e seminários.
O discente indígena aponta também como destaque que a convivência com indígenas,
ribeirinhos e camponeses se deu nesse espaço e se orgulha de ser o primeiro indígena a
participar da organicidade e da formação:
276
Ribeirinho, camponês, quilombola... aí eu gostei dessa força, dessa união. Estava
precisando a Universidade unir algum indígena, então foi muito bom. Essa
universidade faz a diversidade do povo[...] O que mais me chamou a atenção, nesses
quatro anos para cá, foi a vivência entre nós na Cabanagem. Cada sujeito que tá
morando ali: camponês, quilombola e os demais. Isso me chamou mais atenção
porque eles têm uma força enorme de todo mundo está junto. Então, eu fui
aprendendo a lidar com as atividades dentro da Cabanagem. Foi um ensinamento
que eu posso levar para a aldeia, uma organização, que nós estamos fazendo aqui no
curso. Lá na aldeia é totalmente diferente porque a gente também tem união lá, para
fazer algumas coisas, tipo assim: trabalho, roça, ir pescar e aqui também eu vejo
esse lado de vocês também, porque eu acho que são a mesma cultura, vocês fazem lá
dentro da tua comunidade’. Eu falo isso para eles, da organização (Mebengokre,
estudante indígena, entrevistado em 06/02/2019).
Outro aprendizado que os entrevistados destacam, desses momentos coletivos, foi a
vivência com a arte e a cultura nas atividades das místicas e noites culturais. As atividades
buscavam além de desenvolver um senso estético, questionar os gostos construídos a partir da
cultura de massa, a que tinha acesso através das diferentes mídias e no seu cotidiano, nas
comunidades. As místicas foram atividades mais destacadas, pelo conteúdo político e pelas
diversas linguagens artísticas utilizadas na criação, a partir de uma temática orientadora,
escolhida pelo grupo. Era uma das atividades desconhecida dos estudantes, que não tinham
contato anterior com a Educação do Campo e com o MST.
A preparação dessas atividades foi descrita pelo membro da CPP:
Não fizemos oficinas de místicas especificamente, a gente fazia oficinas das mais
variadas linguagens e depois utilizava para compor as místicas. Sempre fomos
trabalhando (M: Da área da Literatura?), de teatro, dança. Então a gente vai
utilizando as linguagens e trabalhando com eles. No inicio, tinha muita rejeição a
mística porque o pessoal que não era do Movimento, só o nome já afastava. Aí, viu
uma apresentação de Mística e ficava louco. Quando perguntava: quem fica na
equipe de mística? Tinha gente que chorava. O NB dizia: Tu vai para a equipe de
mística e ele não queriam ir: _Eu não sei fazer mística! Eu não sei o que é isso! E
depois, essas pessoas que choravam, para não ir para equipe de mística, agora, no
finalzinho, já se indicavam: _Eu vou para a mística! _Eu quero ir para a mística e
cultura! Então, é isso: o desconhecimento. Vinha muita gente... a gente viveu muito
isso, das pessoas... tudo que era cultura e mística, parecia ser uma coisa. Então,
vamos criar uma equipe, vai ter uma festa, e tem a equipe da mística, da cultura e da
mística, para pensar o Sarau, e tem que ter alguém para preparar os comes e bebes e
outra para limpar o espaço. Todo mundo se inscrevia logo na equipe para limpar o
espaço e fazer o trabalho prático, preparar a comida, limpar lá, lavar... o pessoal
achava que era uma tarefa bem mais fácil e que eles eram incapazes de fazer. Aí,
quando a gente percebeu que tinha muita essa tendência, a gente foi mudando.
Sempre a gente buscava fazer isso, para mesmo tu sem querer, tu vivenciar um
momento de pensar uma mística e fazer, para tu perceber que aquilo ali, não era
impossível de ser feito por vocês (Pagu, representante da CPP, entrevistada em
12/02/ 2019).
O contato com a mística já tinha sido discutido por vários estudantes e docentes,
enfatizando que possibilitou uma mudança nas concepções de arte e cultura, e como elas
foram sensibilizadoras da concepção forjada na Educação do Campo. A arte é compreendida,
277
nessa concepção, como capaz de construir uma humanidade menos fragmentada, capaz de
produzir alterações nas concepções de mundo e as imagens construídas do outros. Ela foi
constituída na organicidade nos espaços coletivos, sendo apresentada em atividades coletivas,
realizadas na universidade.
[...] eu tive contato com a mística, desde quando eu entrei na Universidade. Eu até
me espantei, no primeiro dia, que entrou um batendo no tambor com uma fação na
mão. Eu disse: _Oh, Jesus, o que vai acontecer agora? Foram mudanças, não vamos
dizer radicais, mas mudou a minha concepção de algumas coisas (Paulo, estudante,
entrevistado em 07/02/2019).
A gente percebeu que tinha muita gente jovem na nossa turma! Muita gente já como
professor também. Então, no começo assim, causava estranhamento para todo
mundo. Eu lembro que teve um menino da nossa turma, que a primeira vez que ele
viu a mística, no seminário inicial, a gente entrar com umas enxadas, com uns facão
ele disse: _Meu Deus, que quê eu tô fazendo aqui? Eu vou me embora. (risos). Mas
ao longo do tempo, vai mudando. A viagem de campo também, quando iniciou, foi
uma coisa que todo mundo: _Ah, Meu deus, eu não conhecia isso ainda e tudo mais!
(Dina, estudante, entrevistada em 06/02/2019).
O estudante indígena destaca que tinha dificuldade em se socializar e tinha ainda
dificuldade com a pronúncia do português, com o sotaque da sua língua materna. A mística
lhe chamou muita atenção, e por meio dela, permitiu sua integração e socialização na
convivência e se tornou o espaço de apresentar a cultura do seu povo Kaiapó:
[...] A mística me chamou mais a atenção. Eu não tinha nem conhecido o que é a
mística. Hoje, eu conheci a mística, inclusive eu participo de algumas místicas, foi
uma coisa nova para mim. Por isso, que eu falei que é preciso escolher: _Isso aqui
vai me ensinar e isso daqui não vai me ensinar. Então, é uma escolha. Isso foi o que
me chamou a atenção, tanto que meus colegas e professores me ajudaram bastante
porque o primeiro e único índio que tava na primeira turma. A primeira pessoa
indígena, isso chamou a atenção. Eu participo da mística, onde eu posso falar
alguma coisa sobre o meu povo, onde eu posso transmitir o que eu tenho do meu
povo. Eu participo mais da mística (Mebengokre, estudante indígena, entrevistado
em 06/02/2019).
Em relação à vivência da cultura e da arte, outras atividades destacadas foram as
noites culturais. Elas eram os espaços de comemoração e de festa previstos na programação
dos espaços coletivos, para garantir momentos de lazer para os estudantes, durante os meses
intensivos de estudos, conforme apresenta o relato abaixo:
Então, a gente, nos sábados, domingos e feriados sempre ficavam alunos na casa.
Então, a gente sempre garantia atividade para os estudantes que ficavam. Para ter
essas vivências. Dentro do próprio planejamento, entrava os finais de semana livres,
mas tinha feriado que ficavam a maioria porque o pessoal não tinha condição de
viajar, pela distância; às vezes, no período de chuva fica muito mais difícil do
pessoal ir em casa porque gasta o dobro de tempo e a falta de grana também. Tinha
gente que chegava no início da Etapa, e no período, quando tinha o carnaval, que
pegava uns três, quatro dias porque pegava um final de semana, a segunda, terça e a
quarta até meio dia, sempre ficava a casa cheia, porque o pessoal não tinha
condições de ir para casa. Ai, a gente em não iria deixar cinco dias, sem nenhuma
278
programação. É carnaval, então a gente organizava uma oficina de construção de
máscara, de fantasia, customização de roupas. A gente preparava algo nesse sentido
e sempre tinha alguém disponível para ajudar, a gente a fazer alguma coisa na arte,
cultura e pelo trabalho com o corpo (Pagu, representante da CPP, entrevistada em
12/02/ 2019).
O período de dois meses de estudos, em feriados e final de semana eram planejadas
para garantir ocupação e formação através da construção de espaços de lazer. A coordenação
da CPP relatou os problemas que teve também com relação aos estudantes, porque desejavam
vivenciar a cultura de massa que eles tinham acesso nas suas comunidades, nos momentos de
lazer, principalmente em relação aos gostos musicais. Ela afirmou que:
Porque a gente estava com um problema sério sobre música nas nossas noites
culturais! Os Meninos queriam dançar. Eles queriam esses funk, esse sertanejos, eu
não sei nem dizer que nome dessas músicas. Essas culturas de massa mesmo. “Do
vai descendo na boquinha da garrafa”. A cultura de massa que eles queriam, essas
popularzona. Porque diziam que: _ “Só forró! Que forró era bom, mas que...! Que o
reggae era bom! Que as músicas de dançar com o Marcelo, com o Jorginho, com o
Glauber era bom! (artistas/cantores regionais) Mas eles queriam também outro tipo”.
Então, música dá um trabalho no curso! Cada um gosta de um tipo de música! E no
geral, é o pior possível! O pior possível! Então tinha dias que eles diziam: _Ah, mas
noite cultural, só tem essas músicas! A gente quer extravasar. Parece que tem essa
necessidade do extravasar. Então a música tem que ser, como ele chama, a gente
quer balançar a raba. A gente quer sensualizar. Aí a gente fazia todo um debate da
música e tal. Então, numa dessas cultural, a turma 2014, ela ficou na Chácara. Eles
queriam uma cultural para dançar a raba! Para perder energia! Para dançar. Aí, um
dia, essa turma bastante zangada! Foi tenso porque queria uma cultural que eles
extravasasse, perdesse todas as energias dançando, sem muitas regras, ou seja,
cultura de massa (risos) sem nenhum conteúdo político! Eles queriam isso! Só que
eles não tinham coragem de dizer (Pagu, representante da CPP, entrevistada em
12/02/ 2019).
O processo conflitoso relatado porque havia seleções de músicas com conteúdo que
confrontava com as músicas que eram trazia através de cantores regionais, privilegiando os
ritmos músicas forró, MPB e outros. Esses momentos foram planejados e organizados para
ser um espaço de questionamento da cultura de massa que os estudantes tinham acesso,
principalmente as músicas que tinha acesso em seu cotidiano. Um estudante apresentou esse
estranhamento:
Os eventos que eram organizados no espaço: seminários, noites culturais. Eu não
sabia o que era uma noite cultural, né? Lá para nós, para roça lá, quando tinha uma
festa, era uma festa lá, era forró e pronto. E quando chegou no espaço e falaram que
é uma noite cultural. Eu falei: O que é essa noite cultural? É uma festa só que tem os
limites, né. Também tinha a parte de construção de alguns materiais que a gente
construía os cadernos de poesia, a mística, seleção de músicas (Paulo, estudante,
entrevistado em 07/02/2019).
Construir o planejamento das atividades, debater os temas, escolher as músicas, os
materiais a serem utilizados, bem como a decoração do espaço, tudo era planejado como
279
tornar um ambiente educativo. Uma estudante explicou o que compreendeu do conceito de
noite cultural:
A noite cultural aqui, ela é pensada. Ela é pensada, programada e tem uma temática.
Não é tipo, colocar uma música lá que nem eu conhecia, colocava uma música e
todo mundo dançava. Aqui não, têm uma programação de pensar o tema da noite, de
pensar as músicas, de pensar quem vai vim cantar. As poesias, que poesias lê? De ter
uma temática na noite, não é só uma festa, tem todo um tema para as pessoas
entenderem, traz uma mensagem, as noites culturais (Helena, estudante, entrevistada
em 03/02/2019).
A organicidade propunha a participação dos estudantes na construção de todas as
atividades, nos espaços onde viviam. Então, esse planejamento foi destacado por vários
estudantes e todos os aspectos que envolviam:
As músicas, o tema, tudo. Os estudantes participam de tudo. A comissão é feita com
estudantes. Na realidade, eles coordenam a maior parte do processo. E a gente vai
junto, indicando caminhos. Aí a gente foi construí literatura específica, uma coisa
que a gente avançou no curso também, com eles, nesse campo, que é o conjunto de
atividades mais os caderninhos de poesia, de música, que é construída toda etapa. A
gente tem o livrinho de literatura, das etapas, que o pessoal vem utilizando. As
poesias, utilizada em cada etapa, em noite culturais, aí a gente monta o caderninho.
Era sempre, todo final de etapa os meninos levavam um caderninho com tudo
porque ficavam pedindo. Às vezes, eles ligavam: _ “Ei, e aquela poesia que foi lida
naquele dia, a gente vai fazer uma atividade aqui na escola, e a gente queria! Quem é
que tem?”. Depois, a gente tomou uma definição de que tudo que era usado durante
a etapa, a lembrança de encerramento da etapa era um caderninho com todas as
poesias, que eles utilizavam durante a etapa (Pagu, representante da CPP,
entrevistada em 12/02/ 2019).
A CPP apresenta o conflito no planejamento da programação cultural em 2014, gerou
uma festa denominada “Cabaré Literário”. Segunda uma representante da CPP, ela estava em
sua sexta edição em 2019. Sobre essa festa, ela apresenta como o conflito foi solucionado:
A turma 2014, a gente reuniu com a equipe de Cultura, foi inclusive na Chácara do
Bispo. Eu socializei com eles, uma experiência que a gente tinha tido na turma de
Letras uma vez a gente fez uma noite literária, e a gente fez um quadro erótico.[...]
Daí, eu propus: _ “Se vocês querem mesmo fazer um negócio para extravasar todas
as energias que tem dentro de vocês porque a gente não faz um Cabaré Literário.
Também gerou outro rebu (confusão) na turma. “_Cabaré, eu não sou puta! Eu não
sou! Não sei o quê, não sei o quê! _Cabaré Literário, pode ser! Mas o que é isso?
Aí, a gente fez todo um debate sobre o Cabaré Literário, como um espaço para
extravasar, nesse campo de sexualidade, de dançar e sensualizar, sem vulgarizar. Aí,
passamos para uma construção. Então, a gente pode ter poesia! Passamos a fazer
todo um projeto de pesquisa, assistimos filmes, ler alguns materiais, pesquisar então.
O cabaré literário, ele foi construído, a invenção dele na Licenciatura, a primeira
versão foi lá com a turma de 2014 porque a gente teve esse debate da música. Aí
passamos a estudar o Cabaré, no processo de desenvolvimento regional. A gente fez
todo um trabalho, inclusive aqui, dessa região, da Serra Pelada. Serra Pelada dos
Cabarés! Como foi constituído os Cabarés ali do Trinta (Cidade de Curionópolis
hoje), que era um grande cabaré, que era um lugar onde ficava as famílias, as
mulheres. E os homens desciam para... Então tinha muitas famílias. E que casas de
família, eram os lugares que recebiam os homens e giravam o dinheiro. A gente
280
passou esse estudo. Trabalhamos também esse debate do cabaré, na forma como
todo mundo conhece, como lugar de prostituição. Aí depois dissemos, vamos
trabalhar o cabaré como lugar de festa! Como o lugar da negação da mulher, da
mulher como objeto em um espaço para homens. O Cabaré é um espaço para
homens! E porque que sempre foi assim? Um espaço para homens e que geralmente
esses homens eram homens da grande política, que iam, que conversavam que
fumava, que dançava, que bebiam, e que não necessariamente, só ficavam com
mulheres!. Depois, a gente foi estudar os cabarés e os processos revolucionários.
Então, a gente foi ampliando. Nesse cabaré também reuniu os estudantes,
professores e movimentos sociais porque foi um espaço também, onde a gente fez
todo um trabalho de afetividade e sexualidade. Tipo assim, os cabarés sempre foi o
lugar da vivência da sexualidade, onde lá tudo era permitido. E fora dele, tudo era
proibido do ponto de vista da sexualidade. Aí a gente passa a trazer disso, a partir da
literatura, das vivências do que a gente conhecer, mas um lugar onde a gente
trabalha bastante sensualidade. Essas relações com o corpo, aí a vivência com corpo,
com a dança, com os movimentos que os meninos queriam fazer nas outras músicas.
Mas agora eles já fazem vinculadas a essas vivencias [...] (Pagu, representante da
CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
Essas noites culturais foram destacadas pelos estudantes, pelo seu carácter educativo e,
também, de comemoração da vida e dos aprendizados no encerramento de períodos intensos
de estudo. A festa Cabaré Literário tem constituído uma atividade que conseguiu agregar
docentes, no planejamento de algumas atividades literárias, e os estudantes que desejam para
se divertir, mas que também deveria ser educativa, como todos os trabalhos propostos pela
CPP.
Outro conflito vivenciado foi um choque nos valores religiosos, as diferenças de
crenças expostas em relação às músicas, os dogmas em relação ao corpo, a sexualidade numa
convivência intensa, na qual sobrava pouco tempo para a individualidade. Elas eclodiram
também após a organização do Cabaré Literário. Nas avaliações realizadas pelos estudantes
evangélicos. Segundo a CPP:
Então, os evangélicos ajudavam na preparação do cabaré! Eles só não participavam.
Mas ajudava a preparar tudo, as lembrancinhas, o convite, os comes e bebes,
ornamentava o espaço, tudo. Na hora da festa, eles se retiravam do espaço. Isso
inicialmente, o primeiro e o segundo. Depois, tem uns que ficam, ficam no quarto,
só não participava. Aqui tinha um grupo considerável de evangélicos, eles iam todos
os domingos à Igreja. Eram um grupo grande e a gente que participavam de outros
processos. Tu tinha o C. que participava, a Irmã E., o Irmão M. (Pagu, representante
da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019). Daí, eles começaram a propor em
contraponto, uma vez eles propuseram fazer o Dia de Louvor. Aí a gente incluiu na
programação do curso e tinha nas etapas. Então, em toda etapa tinha as noites
culturais, a Noite Literária, Sarau, os nomes são diversos que a gente utiliza e tinha
também o Dia de Louvor. O Dia de Louvor não era uma atividade construída só
pelos evangélicos e para os evangélicos. Assim como o conjunto das noites
culturais, era uma a atividade que acontecia na casa, para todo mundo que tivesse na
casa, que também os meninos organizava a ornamentação, preparavam os
caderninhos de poesia, de cânticos, aí era com os Salmos, né! O pessoal já ia para
uma parte de pesquisa. A gente conversava com eles, vocês conhecem a Casa,
conhecem o povo. O pastor que vinha, era muito legal, ele fazia uma pregação
mesmo, os meninos faziam místicas no louvor, na abertura do louvor, claro que os
281
meninos evangélicos ajudavam a construir, em toda essa linha, faziam místicas,
faziam tudo. Aí, quando era atividade aqui, eles pregavam em conjunto. Havia o
planejamento conjunto das atividades, de forma que todos os estudantes precisavam
participar também dessas atividades: Aí, o pastor fazia uma fala super legal no
sentido dos estudos, da valorização do estudo, ele planejava para essa público,
porque ele vinha para fazer a etapa e era para animar, então era louvor mesmo. Era
louvar porque estão aqui! Porque estão tendo a oportunidade de estudar, aí também
tinha tudo... com o mesmo cuidado, o zelo, que é preparado as outras atividades, as
noites culturais, o sarau e o cabaré, os estudantes preparavam com esse mesmo zelo
e preocupação nos mínimos detalhes. Depois do Louvor, tinha um jantar para todo
mundo. Geralmente, eles convidavam o pessoal da Igreja que eles congregavam
aqui, na Folha 21 ou 27, eu não sei. Tinham o grupo de jovens, vinha a bandinha da
igreja. A gente oferecia jantar para todo mundo. Era uma atividade super legal,
dentro do curso, de integração e contemplavam (Pagu, representante da CPP,
entrevistada em 12/02/ 2019).
Nos debates coletivos, os estudantes evangélicos propuseram no planejamento,
organizar um Dia do Louvor, para que pudesse também expressar sua religiosidade no espaço
coletivo construído também como contraponto ao cabaré literário. Garantir a expressão dos
valores da diversidade, que deveriam ser considerados importantes na vida coletiva, sem a
eliminação da diferença, não foi realizado pacificamente. A organicidade permitia tratar os
conflitos e construir soluções para as dificuldades da vivência coletiva, fortalecida e orientada
pela rotina de trabalho construída nos núcleos de base. Os estudantes que viveram o processo
formativo precisavam construir soluções coletivas. Os conflitos eram apresentados também
em forma de brigas:
Inicialmente apareceu aquela briga. _“Ah, vocês fazem festas, mas não sei o quê! E
nós? Vocês usam o espaço com as festas de vocês! Então ficava aquele negócio, até
a gente entender que são as opções que as pessoas vão fazendo. Se tu não quer
beber, mas tudo precisa agredir quem tá bebendo! Assim como, porque eu não vou a
Igreja, eu não preciso agredir quem vai! Vamos debater e vamos discutir. Esse
debate foi pesado para chegar nesse formato do louvor, não foi tão tranquilo como
eu estou falando. Foi debate, foi reunião, inicialmente tinha uns que diziam: _Não
tem sentido de ser, de fazer um negócio desse! Agora, a gente vai fazer um dia para
cada religião? Aí o pessoal dizia assim: _E vamos fazer o dia do terreiro? Eu dizia
assim: _Se tiver quem queira, nós vamos organizar! Se tiver uma demanda, mas nós
não vamos botar só o dia do terreiro, se não tem ninguém aqui! Tu frequenta? Tu
está assumindo que frequenta? Se não é uma cultura praticante desse povo que está
aqui. Então, a partir das demandas vão aparecendo, pelos limites da convivência
coletiva, a gente foi criando algumas atividades. Eles sugeriram, a gente criava e deu
supercerto, isso ajudou, ajudava a gente a ultrapassar e chegar no final da etapa
(Pagu, representante da CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
O debate das festas apontou para a diversidade religiosa, e trouxe subentendido
também a temática do racismo com relação às crenças das religiões de matriz africana; essa
questão apareceu como indício pelo questionamento dos estudantes se elas também seriam
contempladas na diversidade de cultos na Cabanagem. Durante a pesquisa, houve foi
realizado um seminário, organizado pela CPP e docentes, realizado em fevereiro de 2019, na
282
Cabanagem, como atividade integrante da disciplina “África: invenções e reinvenções”.
Foram convidados, a partir disso, um palestrante externo, que passou um período trabalhando
em brigadas no continente africano e professores da escola básica do estado, para debater a
questão étnico-racial no currículo das escolas e os estudantes da turma 2015.
Um estudante apresenta na frase abaixo sua percepção da formação nesse espaço de
vivência coletiva:
Obviamente, que com o quantitativo de muitas pessoas a gente tem muita
dificuldade de se organizar. Mas as atividades elas são coletivas, tipo as questões de
higiene, de limpeza são tudo coletivas. As formações culturais também são muito
interessantes aqui dentro desse espaço. Eu gosto muito de tratar, de que o espaço
da Cabanagem é um espaço que forma a gente 24 horas. Não só no período que
a gente está na Universidade, mas nos períodos que a gente está fazendo as
atividades, né, nos trabalhos coletivos também. Nos trabalhos que os
professores passam, a gente aqui tem a oportunidade de madrugar, e
dificilmente você vai passar uma noite sozinho, sempre tem alguém para está com
você, para fazer trabalho. Eu considero isso também como um espaço de formação.
Mas algumas pessoas não conseguem se adaptar nesse espaço, o que é normal
também (Osmar, estudante, entrevistado em 07/02/2019).
Podemos compreender na frase sintetizada em que “o espaço da Cabanagem é um
espaço que forma a gente 24 horas” que tal espaço possibilitou o enriquecimento cultural e o
acesso a bens culturais que negados na nossa sociedade, o contato com as diversas linguagens
enriqueceu e ampliou as dimensões da formação. A convivência dos estudantes com a
diversidade étnica e cultural dos povos do campo foi mediatizado pelo contato com as
atividades educativas promovidas pela CPP, construído na dinâmica entre a universidade e
dos espaços coletivos:
Olha, assim. Porque aqui, a gente tem uma dinâmica diferente. A dinâmica de
Cabanagem e a dinâmica de universidade. No primeiro momento, eu achei muito
estranho, porque era uma dinâmica assim, que eu nunca tinha vivenciado.
Principalmente, pela dinâmica que eles trazem para a gente, né, do Movimento, do
Movimento Social o MST. Eu demorei um pouco a me adaptar, pela questão da
dinâmica mesmo. Eu achava muito estranho. Eu pensava: _Meu Deus, o que quê eu
tô fazendo aqui! No primeiro momento, né! Acho, que com o tempo, construindo as
relações e achei muito interessante depois. Eu comecei a conhecer a mística,
conhecer a música e tudo que eles ofertava para a gente, né. Aí, eu comecei a gostar,
a gostar mesmo e a participar também das atividades. Mas, o primeiro momento, eu
achei: _Meu Deus, o que que é isso? Porque era, tipo assim, a Cabanagem, a gente
vivia, era quase cem pessoas na época. Então, vivenciar em coletivo, eu nunca tinha
vivenciado no coletivo tão grande, dentro do espaço. Aí, desde as reuniões de NB,
até a mística. Todo dia tinha que fazer mística, as festas, as noites culturais. Eu acho
que tudo isso foi atividades que foram me conquistando (Helena, estudante,
entrevistada em 03/02/2019).
Além disso, foi nesses espaços que emergiram os vários preconceitos construídos
socialmente; ali se deu a desconstrução de muitos estereótipos e a construção de uma
283
experiência democrática, buscando construir a igualdade de participação nos processos de
decisão, na convivência com valores democráticos e de respeito às diferenças.
Os estudantes relatam os preconceitos que precisaram enfrentar e os vários
estereótipos que trouxeram de sua formação cultural. A convivência coletiva permitiu que
alguns preconceitos fossem desfeitos na convivência com a diferença. Um dos primeiros
preconceitos foi em relação ao próprio MST, pois desconheciam sua organicidade:
Em ambas tem organização (nas comunidades organizadas pelo movimento
sindical). Só que eu acho que no movimento social, até pelo fato do ataque em cima
de todos e uma forma de resistência porque quando está todo mundo unido, fica
mais forte. A organização no movimento social, pelo menos no que eu conheço é
mais do que na comunidade. Lá, vamos dizer assim, quando é algo relacionando a
uma causa, vamos dizer, a Educação, quando é algo relacionado a isso, aí todo
mundo consegue se juntar, mas digamos, quando é algo particular de um
companheiro, vai lá um pouco de pessoa ajuda, mas tem aquela outra parte que não
consegue contribuir. E no movimento social, eu vejo que quando um companheiro
está com dificuldade ou está necessitando de alguma coisa, parece que a
organicidade para com aquele companheiro é maior. Eu acho isso! (Paulo, estudante,
entrevistado em 07/02/2019).
A imagem construída, pelas diferentes mídias, de criminalização dos movimentos
sociais foi retomada por outro estudante, para analisar como isso alterou sua percepção. Ele
afirmou que:
Agora, com os movimentos sociais, mudou bastante a minha concepção. Eu até já
discutir lá na Vila Limão, com outras pessoas, por causa dos movimentos sociais, da
criminalização que eles faziam dos movimentos sociais. Era a visão que eu tinha
também, antes de entrar na Educação do Campo. Então, passava lá na televisão, lá
no jornal: _Ah, Sem Terra invadiram a fazenda de fulano de tal! Eu pensava: _Ah,
esse bando de ladrão, tudo vagabundo que quer entrar na terra dos outros. Essa era
uma concepção que eu tinha, antes de entrar na Educação do Campo. Isso mudou
radicalmente, depois que eu comecei a ver, a conviver com pessoas que é do
movimento, que o que falam e o que falavam, não é o que realmente eles são. Essa é
uma concepção que mudou muito. Muito mesmo. (Paulo, estudante, entrevistado em
07/02/2019).
A convivência com as atividades de arte, cultura e estudos permitem a interação, a
participação em grupos, possibilitam ouvir as versões do papel dos movimentos sociais. Na
sua fala, apresenta como sua concepção anterior era resultado de preconceitos forjados pelas
diversas mídias e o papel que elas desempenham na formação social.
Os estudantes apontam vários preconceitos com relação a uma visão política
conservadora e o debate da invasão da propriedade privada, sem questionamento sobre a
estrutura fundiária e a apropriação dos bens coletivos. Esses debates também permitiram
compreender as lutas em que foram forjados os movimentos. Os preconceitos diminuem
284
porque a convivência lhes permite comparar, refletir ou mesmo analisar diretamente com os
sujeitos que foram criminalizados:
Professora, assim. Eu entrei no curso, eu era uma pessoa assim, eu tinha certos
preconceitos. E aí, o curso, eu acho que por causa do Procampo, o programa
ofereceu esse espaço que eu acho que me informou politicamente. Eu tenho umas
ideias diferentes, vejo às coisas com outro ponto de vista. Então, eu acho que mudou
minha vida mesmo, em relação aos movimentos (Helena, estudante, entrevistada em
03/02/2019).
Outro preconceito apresentado foi em relação aos povos indígenas, que carregavam o
estereótipo produzido pela imagem da história de colonização brasileira, apresentada em
livros didáticos pela escola e pelas diferentes mídias. A formação constituiu um espaço de
convivência que permitiu perceber a mesma humanidade no indígena, porque mesmo nessa
região do país, historicamente houve uma separação entre os camponeses e indígenas, e
historicamente, como estratégia de defesa ou pelos conflitos na disputa do território, havia
poucos espaços de encontro ou circulação no território entre povos indígenas os não
indígenas:
Vamos dizer que eu quebrei vários preconceitos que eu tinha. Eu consigo dialogar
com outros povos sem ter aquele preconceito. Eu vou em uma comunidade indígena,
eu não tenho mais aquela concepção que eu tinha, antes de eu entrar, na Educação
do Campo, com relação aos indígenas. Com os indígenas, assim, mudou só na
concepção, daquele preconceito mesmo. De nunca ter tido contato com indígena,
mas só mudou mesmo aquela coisa de preconceito (Paulo, estudante, entrevistado
em 07/02/2019).
Uma das grandes dificuldades, que não teve grandes avanços, mas permitiu o
questionamento foi a temática da homofobia e da homossexualidade, a partir da formação de
vários casais homossexuais. A convivência não era pacífica; alguns estudantes apresentavam
a intencionalidade de isolá-los e não permitir o convívio no coletivo. Segundo a CPP:
Conseguimos resolver a questões dos LGBTs nos quartos. Porque tinha muitos
casos. E muitos casais que se assumiram dentro do curso. Então, a gente foi
trabalhando porque antes isso veio como bomba. De gente chegar e dizer: _Ou eu ou
eu eles no quarto! E nós dissemos: _ “Não, no quarto vai ficar você e vai ficar ele
porque nós não temos mais quarto! Teve uma proposta da gente arrumar quartos
específicos para os casais LGBT, para eles não ficarem no quarto coletivo. Aí a
gente perguntava, eles estão tendo relações na frente de vocês? Por que de fato não
dá, o espaço coletivo é constrangedor e tal. Eles diziam: _Não! E o quê que é? Eles
tem relação? _Não! Mas ficam lá, moram juntos e a gente sabe que eles são
namorados!” As vezes, era só isso! Se incomodavam só o fato de saber que aquelas
duas pessoas são namorados. Aí, nesse sentido, tivemos que fazer vários trabalhos,
das mais diversas. E assim, tivemos seminários que a gente foi criando, a partir
dessas situações. De problema de convivência, problema de falta de entendimento
em algumas coisas. Então, o planejamento das atividades na Casa, da CPP, na etapa;
tinham a ver, com essa problematização do que ocorriam (Pagu, representante da
CPP, entrevistada em 12/02/ 2019).
285
Em relação a sexualidade, esse tabu foi apresentado porque precisavam conviver nos
alojamentos. O trabalho realizado produz reflexão; mesmo que não sejam eliminados os
preconceitos, eles foram confrontados. Um estudante admite seu preconceito, durante a
entrevista, e apresentou que esse era um dos problemas que o incomodaram na convivência
coletiva, ter contato com as pessoas e suas opções sexuais. Ele apresenta no relato abaixo:
Eu vou conversar com uma pessoa LGBT, eu não tenho mais aquele, aquele
preconceito do tanto que eu tinha. Eu não vou dizer que eu não tenho preconceito
porque isso é mentira também. Mas, isso foi uma parte que mudou bastante. Isso foi
um destaque positivo, essa mudança de comportamento com relação aos outros seres
humanos, com relação a sexualidade (Paulo, estudante, entrevistado em
07/02/2019).
A contradição se evidencia ao dizer que apenas diminuiu o tamanho do preconceito,
quando ele diz que “não tem mais aquele, aquele preconceito do tanto que eu tinha”. Conviver
com a opção sexual dos outros foi uma dificuldade apontada, que não foi dissolvida, mas que
consegue apresentá-la, racionalmente, como um limite em sua formação.
Uma professora relembra que havia preconceito entre os estudantes que não
participavam do movimento social e que não se reconheciam enquanto camponeses. Nessas
atividades formativas e na sala de aula, esses preconceitos foram se desfazendo na
convivência diária:
Outro elemento que ajuda a formar, aí assim, não tem como não mencionar, a
própria formação aqui na universidade, né, porque, assim uma vez que eles vêm para
cá, claro, é uma rotina muito intensa de estudo. Uma rotina diferente do que eles têm
no cotidiano. O contato com textos, né, o estudo desse material, eu acredito que isso
também ajuda a formar. Mas eu estaria sendo ingênua, se eu falasse que é só isso
que ajuda a formar porque assim, durante a formação, eles passam a conviver com
pessoas que são diferentes, e para mim, esse é um elemento importante da formação.
Então, enxergar que existem outros sujeitos morando no campo, hora com
problemas que são semelhantes, que podem parecer diferentes, que eles não tinham
se dado conta. Além disso, o contato com os movimentos sociais no curso. O
curioso é que depois, esses mesmos estudantes, passaram a participar de algumas
atividades, inclusive das místicas, coisa que não participavam. Eles não tinham essa
inserção! Isso aparece muito na fala dos estudantes, em especial, da Vila Santa Fé,
que eles não vêm de trajetória, no sentido de acompanhar, de conhecer esses
movimentos sociais: MST, Fetagri. Olha que Fetagri atua bastante lá. Mas assim, os
estudantes que chegaram aqui, eles passam a ver essas organizações sociais com
outros olhos. Então, para mim, o contato dos estudantes com os movimentos sociais
do campo também educa, no sentido de perceber a importância desses movimentos!
O porquê da luta desses movimentos. E aquela expressão: Ah, não é tão, tão feio
como pintavam, né! O diabo não é tão feio como pintam!!! porque a ideia que eles
tinham dos movimentos sociais era uma ideia sempre muito negativa e quando eles
começam a ter contato com as lideranças dos movimentos sociais, eles percebem
que não é isso. Passam, inclusive, a admirar! Então, me chamou muita atenção essa
questão, com destaque as meninas lá da Vila Santa Fé que depois elas começaram a
ser inserir na convivência da Fundação Cabanagem e a contribuir nas místicas,
então, tem muita coisa que educa (Dandara, docente, entrevistada em 08/02/2019).
286
Segundo Dandara, a organização de um seminário para fazer a avaliação do Procampo,
com o fim dos recursos do programa, foi mobilizada pelos estudantes. Esse seminário teve por
objetivo provocar o debate de estratégias de continuidade e permanência na universidade e,
para isso, eles mobilizaram os movimentos sociais. Após o fim do recurso do Procampo, em
2017, os debates passaram a discutir o seu reconhecimento e institucionalização dentro da
Unifesspa.
Como síntese, podemos dizer que a reconfiguração da CPP e a constituição dos
espaços coletivos permitiram o trabalho com diversas temáticas e dimensões, construindo
diversas aprendizagens, geradas a partir das atividades desenvolvidas nos espaços coletivos.
Primeiro, destacamos o trabalho como princípio educativo, que provocou o debate a partir do
trabalho socialmente útil que era realização das tarefas domésticas, além dos questionamentos
quanto aos papéis feminino e masculino, e das relações desiguais de gênero derivadas que
limitavam suas compreensões de mundo. O debate sobre a divisão sexual e social do trabalho
se deu a partir da tentativa de experimentar uma rearticulação do trabalho intelectual e do
trabalho manual, questionando a separação na sociedade capitalista e produção das
desigualdades de gênero, salariais e as hierarquias e papeis sociais desiguais, e a produção das
desigualdades de classe, raça, gênero e etnia.
Segundo, enfatizamos as atividades de vivência da arte, cultura e política na formação,
destacadas na reflexão sobre o conteúdo da música a que tinham acesso, das noites culturais e
das festas que alteraram sua concepção de arte e lazer, bem como a necessidade de
reconstrução, pelas místicas, dos elementos da sua cultura e das lutas sociais como formação
política e de uma nova humanidade no acesso a outra estética, produzida em diversas
linguagens utilizadas como formas de sensibilização e de reflexão do instituído, que a cultura
de massa impossibilita. Elaborou-se a percepção de que somos construídos a partir do acesso
à cultura, por isso, tornar o cotidiano educativo produziu importantes contribuições no
processo formativo.
Em terceiro lugar, percebemos que a formação permitiu desconstruir vários
estereótipos das imagens cristalizadas na sua formação familiar, escolar em nas diversas
mídias. Estereótipos em relação a mulher, ao indígena, ao homossexual, e da imagem do
campo e dos movimentos sociais como perturbadores da ordem social, que constituíram seus
preconceitos. Aos confrontá-los como trabalho de formação, passaram a enxergar a
humanidade nos outros e reconstruir sua humanidade, na convivência com as diferenças.
Esses espaços permitiram também a realização de várias atividades coletivas, tais como;
287
seminários, oficinas, noite cultural, dentre outras, que promoviam a integração com estudante
de outras turmas anteriores ao edital e com docentes da Fecampo.
A formação organizada em diferentes espaços, último destaque de nossa análise,
permitiu a aproximação com os sujeitos coletivos que representam os camponeses e
indígenas. A organicidade fomentou nos estudantes a necessidade de se auto organizar para
assumir a lideranças dos processos educativos, uma aprendizagem importante para assumir o
protagonismo em várias atividades nas comunidades rurais, nas escolas do campo e dentro da
universidade. A formação que apresentou os conteúdos para se tornarem dirigidos e dirigentes
na sociedade foram dimensões da reforma moral e intelectual proposta por Gramsci (1987)
que visa construir o protagonismo das classes populares na sociedade. Essa formação
possibilitou que se organizasse na vida universitária, temática de que trataremos no próximo
subtópico.
5.4.2. A organização estudantil e as lutas pela permanência na formação
Nesse subtópico, apresentamos como a organicidade contribuiu para reelaboração dos
lugares de atuação na organização estudantil, para reivindicarem direitos e dialogar com as
novas estruturas criadas na Unifesspa. Essa nova inserção, bem como a finalização das verbas
de apoio e permanência, exigiu lutas para garantir a permanência na formação e o
reconhecimento de sua existência enquanto povos do campo com suas demandas e
especificidades.
A Fecampo passou a ter o maior quantitativo de número de estudantes da universidade
com o Procampo. Não havia espaços para reunir todas as turmas no espaço acadêmico.
Apenas em 2017, todos os estudantes passaram a estudar no espaço da universidade, após três
anos estudando e convivendo nos espaços coletivos já citados. Segundo uma docente, estudar
dentro do Campus de Marabá era um desejo apresentado pelos estudantes:
Quando eles estavam na Cabanagem, eles diziam assim: _Mas, e a Universidade?
Não foi para isso que eu vim para o curso, eu quero ir para Universidade! Isso para
mim foi muito interessante, porque num primeiro momento, mesmo com as
condições desfavoráveis, o fato deles estarem aqui dentro: “_Ave Maria!!! Ele se
sentiu: _Agora sim, sou estudante da Universidade! Entendeu? Então, essa coisa, de
ocupar o lugar, o espaço físico isso diz muito. Parecia menino assim!!! Aí, nós
fomos sofrer com a falta de espaço, aqui na Unifesspa, tanto falta de espaço do
Auditório, como a dinâmica das turmas, tinham atividades coletivas, fosse de
socialização dos trabalhos, mas você só tinha um auditório, como é que vai caber?
Então, teve momento assim, que a gente precisou utilizar os três auditórios, da
unidade I, II e III. Repensando também algumas atividades para se adequar a
capacidade de espaços que a gente tinha aqui. E outra coisa, as atividades coletivas
288
eram muito mais fácil, pensar as programações culturais nesses espaços porque os
estudantes já estavam lá. E quando vem para cá, aí fica mais difícil, demanda uma
reorganização. Por outro lado, os estudantes eles queriam muito vir para cá para o
espaço da Universidade (Dandara, docente, entrevistada em 08/02/2019).
O desejo apresentado era de conhecer a dinâmica da universidade, vivenciar a
formação dentro da Unifesspa. No entanto, as turmas foram distribuídas em locais distante
entre si, em sala de aulas em várias unidades, o que dificultava o encontro desse coletivo. No
espaço universitário, na convivência com outros estudantes, os estudantes do curso, mesmo os
que não se reconheciam enquanto camponeses ou vinculados aos povos do campo, foram
confrontados com o tratamento pejorativo e situações de preconceito dentro da Universidade,
em alguns momentos, conforme o exemplo abaixo:
O contato com os estudantes das turmas dos cursos regulares porque o contato com
os estudantes das turmas regulares foi tenso. Teve um período inclusive, que isso
apareceu muito nas avaliações, com uma coisa tensa porque eles perceberam. Eu
acho que alguns nunca tinham sentido tão forte a relação de preconceito! Eles
sentiram isso, por exemplo, quando tiveram que usar o ônibus, daqui (Campus I)
para ir para o Campus III. Elas (as turmas) ficaram divididas, umas aqui e outras lá
no III. E aí, eles diziam: Professora, a maneira como eles nos olham! Isso foi lá na
plenária, eles colocaram na avaliação. Nós sentimos uma relação de preconceito
porque as falas eram: _Ah, assim esse ônibus está superlotado, porque esse povo
vem aqui com a gente. Então, eles sentiram na pele, essa questão do preconceito, por
ser do campo, por ser das turmas de Educação do Campo. Isso chocou porque eles
perceberem que nos veem como diferente, mas não é uma diferença que nos
valoriza, que nos evidencia. É uma diferença que tenta nos inferiorizar. Isso, quando
eles trouxeram para os debates na plenária, isso inclusive ajudou, deles perceberem a
importância de se autoafirmarem como povos do campo, de valorizar de onde vem,
como uma estratégia de resistência mesmo, né. Que nesse contato com outro
sentiram a relação de preconceito, fez com que ele percebesse que ele é, ele faz parte
desse coletivo que é, que sofre com os problemas do Campo. Então, assim, tem
muitos elementos que educam. E aí, eu penso que é no conflito mesmo, dessas
relações tensas, que acaba tendo esse aprendizado. Tanto é que depois disso, veio
esse movimento de fazer as camisetas. Então, está aqui no espaço físico da
Universidade é muito significativo para ele. Tudo bem, que depois é o lugar que eles
vão sentir mais de perto as relações de preconceito e tal. Mas, gente do céu, aí sim,
ele se sentiram na universidade (Dandara, docente, entrevistada em 08/02/2019).
Os ônibus que realizava o transporte entre os campi da Unifesspa em Marabá foram
um dos locais em que os estudantes perceberam o preconceito, porque eram limitadas as
vagas; esse novo quantitativo lotou os ônibus. Eles passaram a disputar esse direito. Estar na
universidade os fez reafirmar a unidade no coletivo dos estudantes e reconhecer os vínculos
com a Educação do Campo, que os diferenciavam.
A convivência dentro do espaço universitário, produziu limitações em construir o
diálogo com os outros estudantes porque apenas os estudantes da Educação do Campo
estudavam nos dois semestres reservados para o período intervalar, no período da pesquisa. O
encontro com os outros estudantes aconteciam apenas nos finais do Tempo Universidade, pois
289
em parte do período, os outros cursos estavam em férias, provocando disputas no uso das sala
de aulas, ônibus e outros espaços coletivos. Outro limite apresentado foi a dificuldade dos
estudantes da Fecampo participarem dos outros espaços formativos, em vivenciar todas as
potencialidades que esse espaço proporcionava.
Esse adiamento para ocuparem o espaço universitário provocou um refluxo inicial das
ações organizadas, e um maior isolamento, no trabalho pedagógico realizado apenas nas
aulas. Havia também um desconhecimento e do funcionamento e da estrutura administrativa
que em fase de construção na Unifesspa. No entanto, essa nova conjuntura de ausência de
apoio a permanência, exigiu lutas pelo direito ao espaço universitário. Segundo outra docente:
[...] Essa experiência, essa relação com a universidade, é algo que ficou muito
adiado. Muitas vezes, nós, professores não nos colocamos no lugar de facilitadores,
eu diria, de tipo apresentar isso aqui. Problematizar com eles alguma questão do
funcionamento e mostrar que eles podem construir também. Isso me parece que é
mais adiado, me parece que tivesse vive essa tensão. É preciso politizar as nossas
realidades! É preciso questionar! É preciso atuar e aqui dentro, os nossos estudantes,
são muito, eles ficam meio assim: _Será que eu posso, será que eu não posso! Eu
posso agir aqui! Eu posso fazer ali! E, aos poucos, eles vão se construindo mais
protagonistas, no interior da Faculdade. Mas no âmbito da universidade, ainda é
muito pouco. Apesar de Universidade toda saber a importância deles e da
organização deles, e do poder que eles têm como grupo estudantil tem aqui dentro.
Porque todo e qualquer momento tenso aqui, o contato feito é com os Estudantes da
Educação do campo. Momentos de decisões assim, tipo votos, ou participação em
Assembleia, posicionamento político. Tem uma abordagem com a Faculdade e com
os estudantes, depois que criou o CAEC mais ainda (Inês, docente, entrevistada em
18/02/2019).
De acordo com uma docente, tais estudantes se destacam pela organização e pela
formação política, mas esse adiamento desse encontro com o espaço universitário produziu
pouco questionamento e acesso as novas estruturas criadas com a expansão do Campus de
Marabá para a Unifesspa:
A Universidade sabe que eles têm potencial e não é só porque eles são número
grande aqui dentro. É por causa dessa relação com o lá fora. E a imagem da
Universidade lá fora né. Mas os nossos estudantes, os nossos alunos, os nossos
acadêmicos (risos) ainda não conseguem tomar parte disso. Nós, porque a gente
também, por um lado se preocupa muito e _Ai, eles precisa né! A gente precisa
trazer esses elementos da realidade para problematizar aqui dentro e tal!! E os
meninos de fato se assustam, com o lugar onde ele vive, com pouco que eles
prestam atenção ou questionam certas coisas. Mas ficam muito tempo engessados
aqui, com medo de protagonizarem alguma coisa. Acho que é um desafio para a
gente pensar esses aspectos formativos! (Inês, docente, entrevistada em 18/02/2019).
Os estudantes necessitavam organizar suas pautas de luta e construir uma
representação que participasse dos espaços deliberativos dentro da Fecampo, compreendendo
o funcionamento da Universidade, para que pudesse debater a sua permanência, sua principal
290
preocupação, a princípio. No entanto, essa auto-organização demandava encontro. Uma
estudante relatou:
No começo, a questão de auto-organização, desde a Cabanagem, a auto-organização
dos estudantes dentro da Universidade, era uma coisa. Até hoje temos muitas
fragilidades porque no início as pessoas não conseguem se enxergar dentro disso.
Mas aos poucos foram mudando, aquelas pessoas que no início reclamava bastante,
depois já compreende, começaram a compreender. E são processos pedagógicos que
não se dá do dia para a noite, mas com a insistência permanentes. A questão da
convivência dos espaços coletivos de vivência, tipo a Cabanagem, ela ganhou outro
gás (Dina, estudante, entrevistada em 06/02/2019).
Um grupo de estudantes reivindicou a permanência da vida em coletivo, com a
manutenção do espaço da Cabanagem. Essa reivindicação os levou a reunir na Fecampo que
mobilizar as entidades de apoio e negociar um valor acessível para que os estudantes
pudessem custear sua estadia, como condição da permanência na Licenciatura em Educação
do Campo.
Assim, uma das pautas foi a de permanência na universidade, que foi a de
alojamento. Outra foi como dá uma dinâmica para a gente participar das outras
coisas porque os estudantes de Educação do campo não se sentiam parte da
universidade. Como a gente poderia fazer atividades que integrasse os estudantes
também. Tem a questão da representatividade também, dentro da Faculdade,
também era outro ponto que pegava muito, para levar a questionamento dos
estudantes para a faculdade, para refletir junto com os professores, sobre a atuação
dos professores (Dina, estudante, entrevistada em 06/02/2019).
A construção do Centro Acadêmico da Educação do Campo (CAEC) foi uma
necessidade, apontada pelos estudantes, de compreender uma nova lógica institucional, se
auto organizarem e debaterem coletivamente e constituir representação que pudessem
sistematizar e apresentar as especificidades de suas demandas e negociar diretamente com as
instâncias de gestão, a reivindicação dos seus direitos. O CAEC teve, portanto, a função de
agregar os estudantes em torno das questões do acesso dos direitos e de ter voz de decisão
dentro da Fecampo. Assim, a organização que já existia no espaço coletivo, precisava ser
construída também no espaço da Universidade:
Em relação a auto-organização dentro da universidade a gente passou durante a
etapa toda, tentando organizar e conseguimos criar o nosso centro acadêmico, como
um instrumento de representação dentro da Universidade mesmo, considerando a
forma que é ofertado o curso, no intervalar. Com essa questão da gente morar as
comunidades, muita gente tem pouco acesso a internet, a telefone, essas coisas. E
como a gente ia fazer para divulgar as coisas da Universidade, que às vezes
demorava muito os estudantes saberes, e não se sentiam parte da Universidade. Mas
assim, no começo foi bastante difícil, a gente tentava no tempo da Universidade.
Quando a gente estava aqui, a gente tentava fazer atividades, tipo com o diretório,
com outras organizações, outros grupos da Universidade para ter aquela integração.
Mas, as vezes é um pouco difícil. Mas a questão do seminário da Cabanagem, que a
gente ficou; alguma assembleia dos estudantes, a gente vê que praticamente oitenta
por cento dos estudantes estão presentes. Então, sempre são plenárias lotadas, que é
291
o que a gente não vê nos outros cursos. E sempre umas plenárias muito polêmicas,
inclusive, porque todo mundo quer falar, mas tem aqueles grupos, as turmas, que
elegem uma pessoa para representar para poder fazer a fala e expõe mesmo o que
esta lhe incomodando, né! (Dina, estudante, entrevistada em 06/02/2019).
Na Licenciatura, após a escolha da área do conhecimento pelos estudantes, havia a
subdivisão em turmas menores. Isso era um empecilho para reuní-los posteriormente. Por
isso, os estudantes reivindicaram um dia, dentro do período no Tempo Universidade, para
realização do seminário dos estudantes, com o objetivo de discutir as temáticas que estavam
lhes impactando:
Olha, uma pauta que foi luta do Centro Acadêmico que é marcante como uma
conquista também é o Dia dos Estudantes. A gente destaca um dia em toda etapa
para que os estudantes se auto organizem e a demanda dos estudantes seja discutida.
Nós chamamos de seminário estudantil, né. Foi uma agenda, uma proposta que parte
do Centro Acadêmico A maior problemática mesmo essa separação das ênfases
porque depois que os alunos se separavam para as ênfases, são poucas às vezes que
sentam e discutem as parcialidades do curso. A gente parte dessa dificuldade mesmo
de sentar todo mundo junto e reunir, discutir o quê que a gente almeja de fato. E aí,
a gente luta por esse espaço, dentro da Universidade também. É uma marcação de
que os estudantes da Educação do Campo estão dentro da Universidade também é
um processo de marcar território também. Nesse sentido, consideramos esse
seminário como movimento de marcar o território da Educação do Campo e também
constitui a auto-organização dos estudantes (Osmar, estudante, entrevistado em
07/02/2019).
Além dos debates sobre as dificuldades de realização de estágio durante o Tempo
comunidade, um debate que ganhou centralidade foi o acesso aos auxílios da Política de
Apoio a Permanência dos estudantes, gestada pela Pro-Reitoria da Extensão e Assuntos
Estudantis (PROEX) da Unifesspa. Um estudante analisa que essa se torna uma grande
preocupação porque os estudantes que ainda não trabalhavam, a principal preocupação passou
a ser a manutenção na universidade:
Uma das dificuldades, que eu acho que não é só minha porque eu trabalho, como eu
já havia comentado ainda pouco. E outra dificuldade é a permanência, de como se
manter, a questão financeira, né? No meu caso, talvez seja só uma falta de
organização, a verba que eu recebo como professor. Mas tem muita gente, que não
tem um trabalho, vem para cá para estudar e passa dois meses aqui, e as vezes não
consegue um auxílio para se manter aqui. Então, para a maioria dos estudantes essa
é uma questão que implica muito na permanência do estudante aqui porque se ele
não tem como se manter, ele vai embora (Paulo, estudante, entrevistado em
07/02/2019).
Em 2018, a universidade já passava por contingenciamento dos recursos, e
principalmente com a redução do volume de recursos que pagavam os auxílios da Política
Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Na Unifesspa, havia a necessidade de dividir o
valor recebido para os dois públicos estudantis, dos cursos regulares e dos cursos intervalares.
Por isso, os estudantes da Educação do Campo lutaram para constituir editais específicos no
292
período que os eles estavam presentes na universidade. Quando estavam no tempo
comunidade, não tinham acesso as informações no prazo e a internet de qualidade, por isso a
necessidade de construir uma apresentação dessa demanda:
O Centro Acadêmico sempre teve dialogando com a Proex, sobre a assistência
estudantil e sobre os auxílios. A maioria dos estudantes depende desses editais, dos
auxílios, não só para garantir a moradia. Então, tipo esse corte de auxílio de quais
são as maiores dificuldades, né. Dentro da reunião (com a Proex), foi passado todos
os processos burocráticos, em que essa nova conjuntura propõe a universidade
(corte dos recursos para essa política). Os critérios são muito mais minuciosos a
partir de agora porque os editais eles precisam ser cumpridas, abrangido a risco e
avaliados também. Inclusive a parte dos indeferidos nos editais foi muito grande,
segundo a Proex, pelo envio dos documentos. Muita gente pecou no envio dos
documentos por isso que foi indeferido. E aí, ele convoca uma reunião a fins de
esclarecimentos mesmo, de que a gente precisa se adaptar também essas partes
burocráticas (Osmar, estudante, entrevistado em 07/02/2019).
Uma situação específica, que ocorreu em 2018, durante a pesquisa, foi um problema
em relação ao indeferimento dos auxílios dos estudantes, pois a maioria não conseguiu
acessar esses recursos. Os estudantes passaram a mobilizar reuniões com a coordenação da
faculdade e com os setores responsáveis na instituição para identificar o problema. Os
estudantes apontavam que houve falha no sistema, mas que os técnicos contra argumentavam
que os estudantes não encaminharam a documentação necessária. Um estudante diz que:
Na verdade, eles disseram (PROEX), que na maioria dos casos, não pode ter
conseguido a documentação, mas foi eles terem enviado a documentação e não ter
chegado o documento lá. Então, eu não sei se foi um problema de sistema ou se foi
pela falta de conhecimento mesmo deles. D’eu enviar um documento aqui e pensei
que tinha enviado e não enviou. Mas teve algum problema aí porque setenta por
cento dos que foram indeferidos diz: _Não, mas eu enviei essa documentação toda!
Então, teve uma falha aí. Não sei se foi falha desse sistema ou se foi do estudante.
Mas eu acho que foi uma falha do sistema porque não é possível todo mundo dizer:
_Não, mas eu enviei esse documento aqui! Mas o cara lá, que vai receber o
documento, diz: _Não, o teu documento não está aqui! E não sei. Porque não tem
condição da gente ficar com essas 152 bolsas sem ser distribuídas para os alunos. E
até porque também, isso ia dar acarretar em um corte, talvez, de recurso, de
disponibilização de bolsa para a Proex porque se eu coloco lá no sistema. Eu sei
disso porque eu participei de conselho de escola, se eu não uso aquele dinheiro
aquele ano, quando vim no ano que vem, aquele dinheiro que sobrou lá, vai vir
descontado na parcela que que iria entrar. Então, eu acho que também pode
acontecer na Universidade. Então, eles tinham que dá um jeito de liberar essas
bolsas. Isso é o que eu penso, né! Eu acho que também não tentou ver outra
possibilidade para o momento, não tem como abrir novamente o edital? De abrir
talvez um recurso, para entregar pessoalmente (Paulo, estudante, entrevistado em
07/02/2019).
Eu vi muitos falando que se não conseguisse o auxílio, ia desistir do curso porque
não ia conseguir se manter aqui. Então, essa é uma problemática. Mas que talvez
tem um pouco de culpa do próprio educando, de não ter conseguido se inscrever.
Assim, eu falo de culpa talvez, na leitura de algumas coisas do edital, mas também
vem aquele sistema que é muita documentação. É muita burocracia para conseguir
se inscrever, levando em consideração que, na maioria das vezes, as pessoas do
293
campo, elas não são aquelas pessoas que usam muita a tecnologia, não tem muito
acesso a internet, não sabe mexer no computador. Tem um pouco dessa
problemática também. Não que isso seja uma justificativa, mas tem isso também
(Tiago, estudante, entrevistado em 06/02/2019).
Nas reuniões na Fecampo, com o setor responsável na Proex, foi construido um debate
sobre as especificidades dos estudantes do campo e a necessidade de compreender melhor o
processo burocrático para solucionar o problema. Outro estudante apresentou como foi
construída uma solução para esse problema:
Lançaram um outro edital. O lançamento de outro edital foi porque a gente tinha 191
bolsas para a gente receber, para quem se inscreveu no intervalar e preencheu apenas
preencher vinte por cento, ficou 152 bolsas sem preencher. Só trinta e alguma coisa,
foram selecionada. Fizemos uma conversa na Fecampo, como representante do
Centro Acadêmico. Eu fui lá conversar com a S. (Técnica responsável), e a partir daí
a gente foi mobilizando algumas reuniões. Mobilizou outras reuniões e até que eles
resolveram lançar outro edital porque eles viram havia a mobilização, também de
professores porque eu tenho certeza que também partiu de alguns professores. Até
depois, ajeitaram né? Agora deu aquele choque, todo mundo se espertou mais
(Paulo, estudante, entrevistado em 07/02/2019).
Além do lançamento de um novo edital para o preenchimento do quantitativo de
bolsas porque não cumpriram os requisitos em relação a documentação, houve uma nova
proposição pelos estudantes, como solução para o problema para a entrega da documentação
através de sistema, já que esse foi um dos problemas detectados pelos técnicos da Proex. Um
representante do CAEC apresentou que:
A proposta que surgiu em uma das reuniões foi que: o sistema só fechasse! Que eles desse um jeito de ajeitar, para que o sistema só fechar, após ter enviado todos os
documentos. Antes, se eu me cadastrasse lá, e colocasse o RG e clicasse enviar,
finalizar a inscrição, finalizava. E agora, o sistema, se eu colocar só o RG e colocar
para finalizar a inscrição, ele não finaliza porque os documentos não foram todos anexados. Então, isso já foi ideia que partiu de algumas reuniões, para eles (Técnico
da Proex) entrarem em contato com o CTIC e colocaram nesse modelo. Então, se eu
enviei lá, na maioria faltou a carteira de trabalho. Eu achei que eu enviei todos os
documentos, mas na hora que eu vou finalizar a inscrição, ele não finaliza porque está faltando a carteira de trabalho. Então, dá para mim rever de novo e enviar
(Paulo, estudante, entrevistado em 07/02/2019).
O final dos recursos do Procampo apontou a necessidade de construir lutas pela
permanência deles, dentro do espaço da Universidade e para garantir sua formação. Eles
apontam que a auto-organização vivenciada nos espaços coletivos fundamentou uma
identidade coletiva de estudantes da Educação do Campo e contribuiu para aprenderem a ser
organizar e dialogar com vários interlocutores para construir soluções para os problemas que
viriam enfrentar, de forma coletiva.
Os estudantes que assumiram a coordenação do CAEC destacam sua participação em
ações de reivindicação de concursos público nos municípios e do reconhecimento do diploma
294
da Licenciatura em Educação do Campo, na especificidade da formação por área do
conhecimento, na região e em Belém, nas audiências realizadas pelo FPEC. Conforme relato
abaixo:
O que a gente tentou trabalhar ultimamente, enquanto o Centro Acadêmico e
enquanto professor de escola do Campo, principalmente na nossa região que é tentar
um diálogo da formação do curso, dentro dos editais de concurso público. Inserir a
Educação do Campo dentro dos editais de concurso público. Ultimamente, a gente
viu essa necessidade também, dos professores formados pelo curso de Educação do
Campo, adentrarem também dentro dos editais dos concursos públicos, né.
Tentamos fazer algumas reuniões na Alepa (Assembleia Legislativa do Estado do
Pará) em Belém, em algumas reuniões com parlamentares também para tentar inserir
os estudantes da educação do campo também, ou a modalidade de Educação do
Campo também dentro dos editais de concurso público. Não só os concursos
municipais. Mas que isso seja, no âmbito nacional, no âmbito estadual. Isso é algo
que precisa ser destacado, a nossa visibilidade dentro dessa área de trabalho
também. A Educação do Campo precisa ter o seu espaço garantido, e que esses
espaços seja garantidos, dentro das suas comunidades. [...] Ah, na atual conjuntura,
com certeza vai sofrer uma resistência. A Educação do Campo tentando dialogar
com a realidade desses sujeitos, que historicamente foram esquecidos mesmo pelo
Estado, obviamente que a Educação do Campo vai sofrer uma resistência e está
sofrendo; Mas é preciso continuar com essas formações! É preciso garantir uma
demanda de professores nessas formações para a Educação do Campo (Osmar,
estudante, entrevistado em 07/02/2019).
O reconhecimento social da Licenciatura em Educação do Campo, pela demanda de
formação e pela especificidade do trabalho nas escolas do campo foi reivindicado, mas
também foi produzida a compreensão que a orientação crítica da formação é motivo da
resistência. Outro motivo é o enfrentamento das dificuldades de acesso ao Ensino Médio,
pelos jovens do campo, bem como essa limitação produz uma redução da demanda de acesso
graduação; além do fechamento das escolas no campo.
Os movimentos sociais se fizeram educativos, na sua organicidade e contribuíram na
formação integral dos estudantes. O trabalho realizado nos espaços coletivos potencializou a
auto-organização e os estudantes creditam à organicidade um papel fundamental em sua
formação de intelectuais orgânicos que fundamenta a formação. Passaram a reafirmar a
identidade de estudantes da Licenciatura em Educação do Campo e como povos do campo e
construir lutas pela sua permanência; reivindicaram a sua inserção dentro do espaço da
universidade, protagonizando sua atuação na Unifesspa em lutas que foram necessárias para
permanência e na Fecampo, questionando o papel do trabalho docente na defesa do projeto
formativo.
295
5.4.3 A formação por área na Licenciatura em Educação do campo e as demandas sociais das
comunidades
Os estudantes apontam uma diversidade de aspectos formativos que compreendem as
potencialidades da proposta formativa da Licenciatura em Educação do Campo, a partir da
docência por área de conhecimento. Apresentamos como síntese, como suas maiores
preocupações, a ausência do direito e a negação da educação aos povos do campo. Os
estudantes apresentam questões diferenciadas nas entrevistas, de acordo com sua inserção no
movimento social, seu pertencimento étnico ou ao movimento social, bem como a atuação
política no CAEC e como professores das escolas do campo, por isso agrupamos os relatos,
considerando essa diversidade.
Os estudantes que já eram professores das escolas do campo destacam a importância
da alternância pedagógica para permitir sua inserção na formação e seus processos de
aprendizado durante a formação e as potencialidades da proposta:
[...] Se fosse regular, não teria como, não teria como permanecer no curso. Então,
por ele ser essa alternância pedagógica, né, principalmente no sentido de ter esses
tempos. Ter esse tempo na Universidade e ter esse tempo na comunidade. Eu penso
que agregou muito porque esse tempo na comunidade não é um período de férias. É
um período que a gente está estudando também, está fazendo leitura, está fazendo
trabalhos. E de início, eu até, ficava, como eu posso dizer, eu ficava comparando
com outros cursos, que tinham os colegas lá que faziam o Parfor, na sede de
Repartimento e eles estudavam também no período de férias. E no tempo que eles
estavam na comunidade, eles não tinham trabalho e nós lá se matando, nós
aguniado. E eu pensava “Oxe, nós estamos sendo formado para professor e porque
que no período aqui eles não fazem nada?” E nós temos que está fazendo pesquisa,
tem que está lendo, tem que está fazendo entrevistas, transcrevendo entrevistas. De
início, eu achei isso injusto, mas isso acrescentou muito porque você fica em
constante diálogo com o conhecimento. É lendo, é tentando lembrar alguma coisa
que a gente estudou aqui, relembrando algumas discussões, que a gente iniciou aqui
na universidade. Então, esse formato do curso agregou muito, tanto para adequar a
nossa realidade desses tempos e também por esse tempo na comunidade a gente não
ficar ao léu, a gente ficar fazendo alguma atividade e isso aí agregou muito (Tiago,
estudante, entrevistado em 06/02/2019).
O estudante considera que as dificuldades de leitura e escrita foram sendo superadas,
porque havia a exigência de trabalhos que envolviam tais habilidades durante o Tempo
Comunidade, apesar de se tornar muito cansativo para eles, que trabalhavam e estudavam ao
mesmo tempo. Isso também potencializou a aprendizagem, porque não permitia se afastar do
processo formativo, produzindo uma intensificação para superar as dificuldades apresentadas
em relação a leitura e a escrita. Para a escolha da temática do TCC, foi proposto pelos
docentes o exercício de retomar os textos produzidos nos Tempos Comunidades. Isso
possibilitou a reflexão abaixo:
296
A questão da escrita mesmo até hoje é uma dificuldade. Olhando alguns trabalhos
anteriores, para a gente fazer uma síntese desse percurso, nessa última disciplina,
olhando alguns trabalhos do início, que eu fiz e dos que estou fazendo agora, a gente
perceber a diferença. Assim, a escrita era muito superficial, né. E a gente olha e vê
que nesse pequeno espaço de tempo, em quatro anos praticamente, o tanto que a
gente cresceu nesse curso. E isso serve até para a gente tirar isso da mente, que as
vezes, outras pessoas tentam desmerecer o curso. Inclusive, até sofri no início lá,
preconceito por estar nesse curso. Uma das experiências que eu tive, olhando alguns
trabalhos anteriores, eu até lembro ainda, no início, me parece que foi até com você,
que passou um texto lá, de três ou cinco páginas, uma coisa assim. E para mim, foi
um texto enorme demais, eu não tinha esse costume de pegar um texto e ler e difícil
de compreender. Hoje, eu vejo, a gente pega um artigo aqui de quinze ou vinte
páginas e rapidinho a gente ler e já vai para outro. Então, é bem interessante. Esse
exercício agora, de pensar o TCC, tem vez que por dia, eu olho quatro ou cinco
artigos, sobre um tema de quinze ou vinte página e é tranquilo. No início, para mim
olhar quinze páginas, era um desafio danado. Eu penso que isso foi esse curso que
proporcionou, principalmente porque esse momento na comunidade, que a gente não
fica ao léu, que não é só nesse período que a gente estuda, a gente também estuda na
comunidade. Então, isso acaba nos trazendo esse hábito de leitura mesma e essa
facilidade de leitura mesmo. Inclusive, a questão do computador, eu não sabia fazer
nada praticamente, formatar um trabalho, isso aí foi uma dificuldade. Só que como a
gente tinha que superar ela, a gente procurava ajuda dos colegas, alguns professores
ajudaram também. Eu estava conversando com um colega agora: Olha o tanto que a
gente cresceu, né! (Tiago, estudante, entrevistado em 06/02/2019).
O acesso à leitura, à escrita, ao uso do computador, assim como a possiblidade de
comparação do seu texto, produzido em diversos períodos da formação, foram aspectos
destacados para avaliar o trabalho formativo. “Olha o tanto que a gente cresceu!”. A avaliação
de que formação possibilitou o acesso ao mundo acadêmico, ao mesmo tempo em que sua
entrada foi marcada preconceitos dentro da escola em que trabalhava, porque lhe
apresentavam uma representação estereotipada a princípio. Ele continua:
Chegando agora no final, a gente vê que não é isso, na verdade esse curso aqui, ele
está além de muitos outros cursos porque ele está além da atuação em sala de aula,
né, ele tem essas implicações de nos capacitar ou promover discussões que a gente
pensa outras situações. Não é apenas um professor para atuar ali em sala de aula,
mas é um professor para pensar a vida, para pensar a escolar, até para questionar que
tipo de escola tem lá, que a gente vê muitos que não questiona o tipo de escola e só
simplesmente reproduz o que chega. Pelo menos, não problematizam o que é
imposto. Então, eu considero que esse curso acrescentou muito (Tiago, estudante,
entrevistado em 06/02/2019).
O acesso a formação também proporcionou ao entrevistado a possibilidade de
comparar a formação recebida; considera que esta apresenta como diferencial a capacidade de
leitura crítica para pensar sua atuação na escola. Mas sua atuação na escola, além da
influência da formação, também foi influenciada pelas condições de trabalho no campo e
pelas reformas propostas pela BNCC. Ele afirmou que certos critérios foram decisivos para
escolha da área do conhecimento:
297
[...] Foi bem difícil, até o momento da decisão. Eu atuava com Sociologia e Filosofia
lá (como professor das disciplinas). Aí, eu fiquei em um dilema entre Ciências
Sociais e Matemática. Até porque eu já estava atuando e eu gosto também de
Ciências Sociais. Só que eu também gosto muito de Matemática, apesar deu não ter
tido a oportunidade antes, lá na comunidade. Aí, algumas coisas pesaram nessa
decisão: a primeira foi essas discussões de que essas disciplinas iriam tirar elas do
currículo escolar, a questão da Sociologia, a Filosofia, a História, isso foi um dos
fatores. O outro, foi que a área da Matemática, a carga horária é uma das maiores
cargas horárias, então dificilmente eu iria encontrar um espaço para eu atuar só em
uma escola do campo. Lá na vilinha (Belo Monte) ainda tem carência de professor
de matemática. Então isso a gente foi pesando e eu gostava das duas, aí eu olhei por
esse ponto de vista, de encontrar mais espaços de trabalho porque como as escolas
são distantes, não teria como eu atuar em duas escolas lá e para encontrar um espaço
de trabalho seria mais viável na área da Matemática (Tiago, estudante, entrevistado
em 06/02/2019).
O estudante indígena afirmou que sentia as mesmas dificuldades em relação ao estudo
acadêmico para permanecer na formação. Uma das principais dificuldades destacada por ele
foi não compreender à linguagem acadêmica expressa nos textos, além da dificuldade em se
expressar em sala de aula, no início. Por isso pensou em desistir várias vezes; as estratégias
que foram criadas para permanecer implicaram na construção de uma rede de apoio para
superar as dificuldades:
Quando eu entrei, quando eu comecei fazendo esse curso, eu senti um pouco de
dificuldade porque como é localidade diferente, cada pessoa tem a sua norma de
falar. A educação, a universidade também tem a sua, seu termo de falar. Os
trabalhos são diferentes, tipo assim: não conhecia resenha, não conhecia fichamento.
Fichamento eu já conhecia porque no Ensino Médio tem fichamento. Também a
forma de falar, acadêmico, esse foi um desenvolvimento também de quatro anos
para cá. Então foi um pouco... muito difícil para mim. A maior dificuldade é o que
eu te falei, foi sobre os termos da universidade: as apostilas, os livros, foram bem
difícil para mim... quando eu comecei... entendeu o que eu tô fazendo, né. Foi esse
dificuldade para mim. Aí quando eu voltei para casa, eu fui pensando: eu tenho que
ler mais e entender mais o que eles estavam falando. Depois, eu fui lá de novo com a
menina da Funai. Eu perguntei algumas perguntas: O que eu preciso fazer na
Universidade? Porque eu não estou conseguindo entender. Aí ela falou? Não, tu tem
que cada vez, tu tem que perguntar a alguém de lá, porque você não pode ficar
sozinho. Tu tem que precisar de uma pessoa para te ajudar. Aí começou: tu tem que
ler mais para tu entender mais. Eu falei: Tá bom! Então eu comecei a ler. Então no
próximo, na segunda etapa do curso, eu fui me desenvolver mais! Aí eu comecei a
entender e comecei a participar também dos trabalhos, da realização do curso. Hoje,
eu faço uma participação, eu já converso, faço a minha argumentação com o
professor. Mas no primeiro tempo, eu não consigo, não consigo falar... eu ficava só
no meu canto... só ouvindo (Mebengokre, estudante indígena, entrevistado em
06/02/2019).
A rede de apoio, contando com a pessoa da Funai que o incentivou a adentrar a
universidade, docentes da Fecampo e os outros estudantes, permitiu que compreendesse que
não eram apenas dificuldades dele, mas era um processo a ser superado. Foi incentivado pelos
298
docentes para aprofundar seus conhecimentos, no campo da sua língua materna, na área de
Letras e Linguagens:
Eu no começo do curso, comecei a estudar epistemologia, eles me deram alguns
estudos. Aí eu escolhi português, a Letras e Linguagem porque eu posso realizar
meus trabalhos bem tranquilo, que eu posso pesquisar também a minha linguagem e
fazer tradução, eu fiquei mais focado porque eu queria permanecer a linguagem, tipo
assim... pesquisar a linguagem... escrever a linguagem. É o Jê. Macro-Jê. (E também
os próprios professores fizeram suas pesquisas, dentro da dentro da comunidade, o
L. Esse foi o que me chamou atenção. _Não, quando eu fazer esse curso, eu quero
fazer igual ele está fazendo. Eu, o próprio índio fazendo a pesquisa... deveria ser
muito bom, para o próprio indígena, para nós e para a universidade também). Aí eu
queria permanecer e fortalecer mais porque estão esquecendo de usar as línguas. Aí,
eu gostei da área. Tinha esse professor da Fecampo mesmo, que me ajudaram. O
professor L. que já é doutor na linguagem Indígena. A Inês, ela sempre... ela me deu
uma força assim. _Olha, tu tem essa linguagem materna, mas tu está aprendendo
outra linguagem, aí fica aí fica difícil. Mas tu tem que permanecer, você não pode
desistir. Aí eu comecei a gosta (Mebengokre, estudante indígena, entrevistado em
06/02/2019).
Ele destaca que não conseguiu realizar um estágio do ensino médio. Novamente,
pensou em desistir da formação, mas foi incentivado a continuar e realizar o estágio em uma
aldeia mais próxima. Ele aponta que:
No momento que eu estava com dificuldade de fazer o meu estágio. Aí eu não fiz o
estágio. Ai eu pensei: _Eu vou ficar reprovado! Aí eu pensei em desistir. Quando
eu cheguei para cá, eles conversaram comigo de novo. _Você não pode fazer isso!
Tem que fazer o trabalho. Aí, eu fiz o trabalho. _Mas como assim, eu vou fazer?
Está difícil para mim entender. Ele falou: _Não, é só tu ler o que nós estamos
mandando para você! Seguir o cronograma e aí tu consegue fazer. Aí eu fui lendo e
conseguir fazer os meus trabalhos do estágio. Bom. Primeiramente, o Tempo
Comunidade foi na aldeia Turedjam, sobre a história, onde começaram, porque eles
fizeram a aldeia, como eles conseguiram fazer a escola indígena, de qual a forma de
luta. Aí, eu fiz na mesma aldeia, nessa aldeia Turedjam, perto de Ourilândia. Aí
para entrar no ensino médio, aí não tem mais o Ensino Médio, esse serviço nas
aldeias, lá para o município de Ourilândia do Norte. Eu tinha que sair de lá. Aí, tinha
Aldeia que tem ensino médio, tinha três aldeias que tem o ensino médio: Gorotire,
Kuben Kran Krên, KoriKakrô e Kranh-Apore. Gorotire fica no município de
Cumaru do Norte, Kuben Kran Krên, KoriKakrô e Kranh-Apore ficam no
município de São Félix do Xingu. Como essas duas aldeias eram longe para mim.
Aí eu fui para a Gorotire porque é bem perto, tipo assim, uns trezentos
quilômetros. Aí eu tinha que sair... fazer mudança de local, ir para lá. Aí eu fui para
a aldeia fazer o meu estágio do ensino médio. Fazer a observação e a intervenção.
Aí eu conseguir fazer lá nessa aldeia (Mebengokre, estudante indígena, entrevistado
em 06/02/2019).
Conciliar o estágio com seu trabalho de articulador dos povos indígenas na Unidade
Regional de ensino em Conceição do Araguaia, distante quinhentos quilômetros de Marabá e
as aldeias também ficaram distante trezentos quilômetros, foi complicado. Outra dificuldade
apresentada, além das atividades pedagógicas, era fazer o estágio no ensino Médio porque
muitas aldeias também não possuem esse nível de ensino. Em relação à distância, ele
299
considera bem perto “os trezentos quilômetros” que separa seu local de trabalho, do lugar para
realização do estágio, pelas distâncias e pela inexistência do ensino médio no campo.
Quando o entrevistado ingressou na formação, já atuava como coordenador indígena,
no município de Ourilândia e exercia também a função de tradutor, para levar as demandas do
seu povo Kaiapó para os órgãos do estado:
(quando ingressou no curso, vc já trabalhava) Sim. Eu já trabalhava na prefeitura,
como coordenador indígena. Trabalhava com sete aldeias de Ourilândia [...] Eu
aprendi o processo de linguagem e a escrita. Eu já sabia antes de entrar no curso
porque se eu não tivesse, aí ficava difícil para mim. Eu aprendi com os meus tipos,
meus tios eram professor de Bilíngue. Ele dava aula de Linguagem, eu estava lá para
mim aprender porque um dia eu posso chegar também, tipo assim, como igual hoje,
eu faço essa transcrição de linguagem indígena Mebengokre e português. Está na
formação está me dando uma visão, está me dando ideias porque como eu falei, para
levar as demandas dos professores da comunidade de formação. Então isso, eu fico
pensando que eu vou me formar e daqui a uns... eu tenho que realizar um projeto
para a comunidade. Eu não vou só pensar em mim, tipo assim, no meu profissional
mesmo, de trabalho. Eu pensar na minha comunidade, qual seria a possibilidade
dele... do que eles quer na minha comunidade. (Vc já trabalhava quando entrou no
curso? está trabalhando) Foi através de escolhas deles, estar trabalhando na
Secretaria do Estado. Agora eu estou mexendo mais com ensino médio e com mais o
nível mais alto, né. Então eu fui fazer essa mudança para Conceição do Araguaia.
As vezes, eles (Os Kaiapós) vão pessoalmente para conversar lá com a gestora. Para
que ela possa ouvir eles. Aí, é por isso que eu estou lá, para transmitir a fala para
que eles possam... eu falo a língua, a linguagem nossa Mebengokre. fico de tradutor
lá na hora, para transmitir [..]. E também estou gostando disso, desse trabalho que
eu estou fazendo. Tipo assim, é uma função de educação. Eu estou gostando de dá
essa... essa reivindicação para o meu povo, entendeu? O que eu tô fazendo, eu estou
ajudando eles, defendendo as causa indígena (Mebengokre, estudante indígena,
entrevistado em 06/02/2019).
As aldeias recebem pesquisadores de todo o mundo. Um docente da Fecampo já tinha
realizado a pesquisa do doutoramento em sua aldeia, por isso se espelhou nessa experiência,
pensando que os indígenas também podem pesquisar e registrar sua língua e sua cultura.
Outro elemento destacado por ele foi a perspectiva coletiva porque, como indígena, a sua
formação foi incentivada para contribuir com seu povo. A indicação para atuar como
articulador indígena nos cursos do Ensino Médio, na 15ª Unidade Regional de Ensino da
Seduc, no município de Conceição do Araguaia potencializado pela formação, mas foi seu
povo que o indicou para desempenhar essa função, pela necessidade de se fazerem
representados e por conseguir traduzir as demandas na língua e também transitar no mundo
não-indígena, nos espaços políticos fora da aldeia.
Outro estudante, professor em escola do campo, aponta o trabalho com a
interdisciplinaridade como uma novidade, porque já atuava no ensino de ciências no
município de Piçarra. Mas a problemática apareceu muito forte, na realização dos estágios,
foi a ausência do ensino médio, problemática que também já tinha vivenciado. Ele diz que:
300
O movimento de formação no curso, como a gente veio trabalhando, nesse processo
de interdisciplinaridade, ele é bem interessante e importante também para o contexto
das comunidades camponesas. Como a gente trabalha com a ausência de escola do
Campo, a ausência principalmente da oferta do Ensino Médio, que é um agravante
muito sério no campo atualmente com o fechamento de escolas. É muito
interessante. Mas essa formação é interessante porque faz um diálogo bem próprio
mesmo com a realidade do Campo. Os professores tentam dialogar com essa
especificidade, que é a realidade do campo, principalmente nas comunidades que são
afetados pelo fechamento de escolas, pela BNCC. Eu realizei até o estágio no ensino
fundamental na Vila, né, porque na comunidade onde eu moro, não tem oferta do
Ensino Médio. Quando a gente parte para ter o Estágio do Ensino Médio, eu tive que
se deslocar até na cidade de Piçarra, que fica em média de quarenta minutos e que
foi outro desafio muito sério para mim porque conciliar trabalho com o estágio, que
geograficamente é uma distância bem considerável foi muito difícil. Os jovens da
minha vila vão fazer o Ensino Médio de Piçarra. E isso não é uma realidade de
agora, no tempo que eu terminei o meu Ensino Médio, eu terminei o ensino médio
nessa logística. Eu me deslocava uma média de cinquenta e quatro quilômetros
todos os dias para cursar o Ensino Médio. Existem estudantes que passam cerca de
onze horas. (M: Nossa!!!) É muito tempo de ida e volta. Inclusive eu fiz, esse último
eixo de pesquisa, foi uma pesquisa sobre o transporte escolar. Eu pesquisei mais o
transporte escolar para destacar mais essa agravante dos estudantes. Os estudantes
que levantam cinco horas da manhã e aí, para pegar um transporte na vila às seis
horas, para chegar na escola as sete e meia ou oito horas, para depois de entrar
dentro da sala de aula, isso dá um desgaste muito grande. Isso não é uma realidade
de um, nem de dois. E nem de agora, é uma realidade de um bom tempo já. E o
Ensino Médio, aparentemente, ele está cada vez mais se distanciando mais
dessas as pessoas (Osmar, estudante, entrevistado em 07/02/2019).
A problemática do estágio no Ensino Médio foi deslocada para a problemática do
transporte escolar, porque ao realizar o estágio, na sede do município, essa apresenta fortes
dificuldades de acesso dos jovens a escola. E a sua reflexão final: “Isso não é uma realidade
de um; nem de dois; e nem de agora. É uma realidade de um bom tempo já. O Ensino Médio,
aparentemente, ele está cada vez mais se distanciando mais dessas pessoas” Ele destaca os
sujeitos do ensino médio porque no estado do Pará se constituiu uma luta há mais de quinze
anos e em 2018, a proposta apresentada pela SEDUC foi a implantação de um Sistema
Interativo de Ensino (SEI), através de vídeo-aulas do programa telecurso, ofertado em EAD.
Em relação à escolha da área do conhecimento nas Ciências Naturais e Agrárias, essa
já tinha sido realizada previamente ao seu ingresso, porque já atuava no ensino fundamental.
Mas a condição de bolsista em um projeto de pesquisa e extensão na Fecampo lhe possibilitou
a escolha de outra área, para realização da pesquisa do TCC porque reside em uma
comunidade ribeirinha:
O Tempo Universidade foi a Agroecologia era algo muito forte trabalhado nas
Ciências Agrárias. A Agroecologia como um processo de luta hegemônica mesmo e
essa construção política do trabalho. E a gente tenta, trazer esse discurso para dentro
da sala de aula, quando a gente está atuando lá, nas ciências também. O que marcou
não foi nem da oferta das disciplinas. Quando eu adentrei no curso, eu também eu
entrei como bolsista do programa Pró-pesca, que faz pesquisas no Rio Araguaia e
também no Rio Tocantins, nas comunidades de Santa Cruz em São Geraldo do
301
Araguaia, Taurizinho, aqui em Itupiranga, tem uma extensão. E a gente passou por
alguns teóricos que discute esse manejo da pesca. Freitas e Rios, ele tem um
discurso muito bacana sobre os petrechos mesmo de pesca. O regulamento de cada
rio de pesca, o período de defesa e essas questões de pesquisa são algo muito
interessante de se apropriar porque é uma região ribeirinha. E se apropriar desse
discurso teórico e a gente tenta, dentro da construção do nosso TCC, a gente tenta
trazer possibilidade de manejo mais adequado, justamente não só para os pescadores
profissionais, mas também para o torneio de pesca esportiva. Atualmente o torneio
de pesca, ele tem duas modalidades que o Jaú e o Tucunaré. E a partir dessas
bibliografias, que a gente já fez, a gente já consegue... e através das pesquisas
também, a gente consegue destacar, que existe um manejo inadequado dessas
espécies. E das entrevistas que a gente tem coletadas também, sobre os pescadores
profissionais, eles destacam que após o torneio, é frequente que alguns peixes
morram, boiam e aparecem morto no rio como consequência do manejo inadequado
(Osmar, estudante, entrevistado em 07/02/2019).
Na formação, a temática da Agroecologia constituiu uma centralidade. No entanto,
isso se dá de forma diferente para os que já atuavam nas escolas, como docentes, e não
trabalhavam com a família em atividades produtivas, e para os que residiam nos lotes e têm
trabalhado com as famílias. Para esses docentes, ela passa a ser um tema de sala de aula, a ser
fomentada com os estudantes.
Os estudantes que já tinham uma inserção no movimento social apresentam também
suas percepções e dificuldades ao adentrar na graduação.
Os professores daqui da Faculdade, que pretende formar professores para o campo,
mas às vezes, eles não compreendem que a própria Educação do campo atualmente,
está totalmente defasada. Ás vezes, havia cobranças que era descabidas. Tipo, os
professores, como eu disse, alguns não conheciam a nossa realidade e às vezes não
se tocavam disso. Aí querem agir como se fosse um curso, desses outros cursos
normais, daqui da Unifesspa, tipo uma Ciências Sociais, que tem uns professores
que os estudantes relatam que são bem difíceis, e às vezes queriam se comportar
com isso. A gente vê a dificuldade que os outros enfrentava, né. Teve gente que teve
o Ensino Médio muito escasso. Tem gente que já tinha alguma graduação nessas
faculdades à distância, mas, mesmo assim, era muito complicado para eles. Aí a
gente sempre tentava, aqueles que tinham mais o contato com leitura, ajudar. E
mediar o diálogo. Olha, essa quantidade de texto, no início, foi bastante
complicado! Porque o hábito da leitura não tem. Então é o hábito da leitura. Para
poder compreender rapidamente também, algum texto, era difícil. O professor passa
um texto com mais de vinte páginas à noite, para debater no outro dia cedo, muita
gente sentia dificuldade e passava a noite toda lendo. Às vezes, até a gente assim.
Tem gente que fala: _Ah, os mais velhos tem um pouco mais de dificuldades! Mas
até os mais novos, às vezes, tinha uma dificuldade de compreensão. Era muito
difícil. Tem gente que não ficava aqui em Marabá, ia para sua casa como o pessoal
de São João e de São Domingos, que não ficava no espaço coletivo, (Eles
reivindicaram o transporte escolar da prefeitura, fazia o percurso de cem quilometro
de todos os dias) então para a gente ajudar, ficava mais complicado. [...] Imaginando
sobre tudo aquilo, que a gente está estudando nas disciplinas. Fichamento é muito
complicada. Tem as regras da ABNT, a gente não tem muita prática com regras
ABNT. Eu vejo que muita gente passou dificuldade (Dina, estudante, entrevistada
em 06/02/2019).
302
Em relação a escolha da área do conhecimento, a entrevistada justifica ter ido para a
Ciências Humanas e sociais porque sua vivência desde criança, em atividades formativas
organizadas pelo MST, seja como Sem-terrinha, seja no acompanhamento da sua mãe aos
encontros e formações, lhe permitiu acessar temáticas, antes mesmo de ingressar na Educação
do Campo, a partir das leituras anterior ao ingresso na Fecampo:
Como eu sempre participei, desde pequena, das atividades de movimentos... para
mim sempre foram temas inquietantes que eu gostava, nas aulas. Eu nunca gostei
muito de ler livros sobre historinhas fictícias, meus filmes preferidos e livros
preferidos, tinham histórias de Holocausto, enfim, essas coisas, eu nunca entendi.
Mas pelo contato que a gente teve, porque desde pequena, a gente é levada para os
espaços do MST, e querendo ou não, a gente vai se construindo naquilo. A gente vai
ouvindo, e não é nem espaço específico, às vezes, os Sem Terrinha. Os Sem
Terrinha também, mas às vezes a gente está nas cirandas, e a gente escuta o pessoal
lá na plenária falando sobre tal tema e isso influencia bastante as crianças. Oh!
Encontro de mulheres, eu sempre ia com a mãe! Eu sempre ia! Eu sempre ficava lá,
participando, observava as plenárias, o pessoal discutindo... então um tema que me
interessou bastante esse negócio da violência contra mulher, eu aprendi muito cedo,
né. As várias formas de violência e tudo mais, o que era o machismo e agora, a gente
vai compreendendo o que é o feminismo. Depois desse tempo, e também como isso
acontecia dentro do movimento, de forma muito impactante. Eu percebo que
praticamente, os que conviveu comigo também, que participavam desses espaços
que estão hoje na Educação do Campo também, parte também dessa visão, é uma
construção que foi ao longo do tempo, dessas vivências do movimento, que ajudam
bastante a gente. Às vezes, a gente pensa que não... que não tem influência. Mas tem
muita influência. Até hoje eu me pergunto, o que foi mesmo que me motivou? Não,
mas assim... quando eu estava no meu ensino médio, eu pensava em fazer o ENEM
para entra em um curso de história ou geografia. E por acaso, a área de Ciências
Humanas tem história e geografia. Então, a sociologia também, era uma coisa bem
interessante e que eu ficava muito incomodada na escola, com a disciplina
Sociologia e Filosofia, principalmente a de Filosofia, que tinha um distanciamento
da Filosofia, e era levado muito para um lado religioso. Isso sempre me incomodou
bastante. Eu diz: _Meu Deus! Eu, como professora, não farei desse jeito! (risos) das
motivações. Eu preferir ir para a humanas. Mas o pessoal sempre fala: _Ah, esse
pessoal dos movimentos sociais sempre vai escolher as humanas! Mas nem sempre,
tem muita gente que escolhe agrárias também, mais por gostar de biologia do que
pelas agrárias, das Ciências da Natureza eles gostam muito. Mas são coisas que a
gente vai [...] (Dina, estudante, entrevistada em 06/02/2019).
Por isso, a entrevistada destaca como teve facilidade de relacionar o conteúdo das
disciplinas e no trabalho pedagógico com seu conhecimento e vivência anterior e durante a
formação, participando do coletivo de Juventude do MST:
que sempre debate a questão agrária, a prática pedagógica, que traz como a gente
também se olhar para si, como um profissional dentro da sala de aula, como a gente
também parte das formas de educação, que a gente está reproduzindo e como é que a
gente rompe com isso? E traz muito a pedagogia de Paulo Freire e outros assim. E
traz os textos também, da Educação do Campo, do Arroyo e da Roseli, e quando a
gente vê o que eles falam e alguns professores trazem para dentro da nossa área de
formação mesmo. A gente dialoga com isso, para poder pensar, pelo menos nas
Ciências Humanas, a gente viu bastante. pelo menos dentro da área das humanas, a
gente faz muito esse link com as disciplinas comuns. Principalmente com a nossa
área, essa disciplina de Formação da Amazônia, o Mundo do Trabalho, e que a gente
303
vai vendo, a gente discute muito o trabalho na perspectiva dos movimentos, não só
os movimentos do campo, mas em geral, e traz as experiências daqui, e são coisas
que a gente tem discutido nos nossos seminários que a gente, não só aqui na
Universidade, nas disciplinas, mas os que a gente faz na Cabanagem também. Tipo,
o seminário sobre Trabalho Escravo também, que a gente teve agora, e trouxe até
uma perspectiva a partir da economia, que o pessoal da matemática conseguiram se
enxergar mais, vendo a parte da economia como é que trabalha isso também, as
questões sociais dentro das outras áreas. E para a gente, não tem jeito, a luta pela
terra e a luta por direitos é assim, porque a luta pelos direitos que nos são negados,
sempre é. A luta pela terra, a luta pela educação, os direitos humanos básicos é
sempre recorrente porque isso sempre recai, porque é uma coisa que a gente está
sempre lutando para ter e para manter. Os professores sempre trazem isso como o
eixo de discussão maior, para poder a gente entrar em outras coisas mais específicas
(Dina, estudante, entrevistada em 06/02/2019).
A estudante entrou na formação com dezesseis anos e tem contribuído nas Jornadas de
Alfabetização de Jovens e Adultos no Maranhão e nas jornadas pedagógicas do MST nas
escolas da região, por isso ainda não tem um campo de trabalho. Ela destaca por fim, a
escolha do seu tema de TCC, pois estava em fase de conclusão:
Eu vou pesquisar sobre a Jornada dos Sem Terrinha no MST Pará. E como ela é uma
experiência pedagógica de formação humana. E como a gente tentou conciliar isso
com os nossos trabalhos do Tempo Comunidade, que tem essa questão da escola. A
escola, muita gente fala que tem que fazer o Tempo Comunidade dentro da escola. E
os Sem Terrinha é uma coisa que entra dentro do projeto da escola, que eu faço os
meus Tempos Comunidade. A gente está tentando dialogar com os elementos da
cultura e do trabalho também, porque são propostas que não é reconhecida. As
escolas que são dentro das áreas do Movimento, às vezes, elas se perdem, a
dinâmica do próprio Movimento. Eu estava vendo que a gente, no Movimento, tem
as nossas próprias dinâmicas, os Sem Terrinhas é uma que está na programação das
escolas. E se a gente não tomar o cuidado, isso se perde. E são espaços formativos
que as crianças têm para elas se compreender, quem elas são? E o contexto em que
elas vivem! Então, eu estava tentando colocar o link de como isso se tornou uma
prática educativa e uma prática cultural da comunidade, que mobiliza todo mundo
lá. As crianças, elas ficam muito ansiosas por isso e mobilizam todo mundo em prol
da jornada delas. E dentro da jornada, elas trazem os seus elementos, os elementos
da luta também, dos direitos das crianças, e os direitos das crianças é ter um lugar
onde morar. É ter uma educação. Então, são elas mesmo falando sobre a vida dela. E
eu acho que casa muito com o curso. E também como demanda do Movimento, a
gente reuniu o coletivo, para ver quais são os temas interessantes, que possam
dialogar com o Movimento e com as escolas e que possam fortalecer essas práticas
(Dina, estudante, entrevistada em 06/02/2019).
As dificuldades de acessar uma graduação não se limitavam ao ingresso. Após o
acesso, a permanência exigiu o enfretamento com as negações históricas de acesso à leitura e
escrita, adicionado às condições econômicas dos estudantes, principalmente para os que
adentraram a universidade com mais idade, porque já tinham uma carga de responsabilidade
pois precisavam se dividir o tempo e o salário entre família, trabalho e estudo.
Os estudantes da Licenciatura em Educação do Campo tiveram experiências
diferenciadas de acesso à educação básica. Muitos vivenciaram a negação do direito a
304
Educação, com as dificuldades produzidas na ausência de políticas públicas que os atinge,
desde as condições de infraestrutura do campo como as condições de tráfego das estradas; as
formas, dificuldade e o custo de transporte para circular entre campo e cidade e as condições
econômicas de acesso ao livro e outras atividades culturais que impedem ou limite o acesso ao
mundo da cultura letrada, conciliando trabalho e estudo, com baixos salários.
Seu ingresso na formação em nível universitário lhes possibilitou o acesso ao mundo
acadêmico, no qual se depararam com os limites da ausência de leitura e escrita em suas
vidas. Além do letramento na língua portuguesa, se depararam com outro mundo que também
os transformava em analfabetos, o mundo virtual. Na formação precisaram aprender a lidar
com o computador, formatar os trabalhos, pagar impressões. Muitos estudantes ainda não têm
condições econômicas de possuir um equipamento. Dois novos e grandes desafios a serem
superados.
Eles formaram redes de apoio e solidariedade entre si, solidariedade com a partilha de
alimentos e cuidado com os filhos e compartilhamento de equipamentos ou digitavam o
trabalho dos colegas, para garantir o acesso à tecnologia e aos sistemas da Unifesspa que lhes
obrigam à inserção no mundo virtual.
Sobre as dificuldades apresentadas quanto ao hábito da leitura e escrita, destacam a
formação de grupos de estudos e o apoio da CPP e dos docentes, como o acompanhamento e
orientações no trabalho com a escrita. Consideram que algumas dificuldades foram superadas
com o tempo na formação; outras, reconhecem que precisam continuar seu percurso
formativo, em outros níveis ou na preparação das aulas na docência.
A vinculação permanente entre o Tempo Comunidade e o Tempo Universidade (nos
quais realizam sua formação numa reflexão constante, porque não se afastam da realidade de
suas comunidades), produz uma reflexão sistemática sobre a importância de defender a
Educação do Campo. Eles compreenderam em suas vidas a importância do objeto da
Licenciatura em Educação do Campo: a coordenação e gestão de espaços comunitários e a
docência por área do conhecimento. Por isso, nas entrevistas, reafirmaram a importância da
formação para o trabalho nas escolas do campo, expressaram a preocupação com o
fechamento delas e com a ausência de escolas de ensino médio e, escolhendo suas
problemáticas de pesquisa no questionamento dos limites do trabalho docente, eles se
tornaram, na Fecampo, os principais defensores do projeto formativo da Licenciatura em
Educação do Campo.
305
5.5 A práxis formativa produzida no encontro entre lutas sociais e preparação para a
docência no campo: sínteses
O projeto analisado apresenta como especificidade a formação docente em alternância
pedagógica, com a articulação de diferentes tempos e espaços educativos. Essa especificidade
visa construir uma práxis formativa pela qual possibilita compreender as múltiplas relações
entre teoria e empiria como necessárias para construção de sínteses, mediatizada por temáticas
que emergem das lutas sociais.
O ingresso na formação em nível superior, bem como seu projeto formativo, tem se
tornando pedagógico para os docentes e estudantes, a partir de diferentes dimensões: por um
lado os estudantes se constituem em militantes da educação do campo e os docentes, tomando
contato com as problemáticas da realidade dos povos do campo e a interdisciplinaridade,
interrogam as concepções de educação.
Na reconfiguração da formação, a questão agrária continua no horizonte da formação,
no entanto há uma nova conjuntura de acirramento do conflito entre capital e trabalho, com a
criminalização e retração dos dois principais movimentos sociais do campo que contribuíram
na formulação da Educação do Campo: Fetagri Regional Sudeste e MST. Tal acirramento tem
provocado a desterritorialização dos povos do campo na Amazônia, em que o projeto de
sociedade baseado na vida e no trabalho, bem como na soberania alimentar e na agroecologia
não saiu do horizonte, mas recrudesceu com o fim das políticas de assistência técnica, da
estrutura governamental precária que tratava da temática referente a Reforma Agrária no país
para lutas mais básicas dos direitos, entre eles a terra e a educação.
O projeto inicial se enriqueceu pela aproximação de diversos povos indígenas, pela
divulgação da Educação do Campo, através de egressos e do Frec, povos que historicamente
tiveram seus territórios ameaçados e passaram a vislumbrar na Fecampo possiblidade de
apoio no avanço da educação em seus territórios. Sua inclusão (na qualidade de estudantes,
mas também docentes e lideranças), bem como o ingresso de docentes que fizeram sua
formação no campo da Linguística, convergem para fazer emergir novas temáticas da
formação e de atuação na Fecampo e na Unifesspa, como ampliação do debate do acesso à
terra para a defesa dos territórios e mais especifico, o da interculturalidade e do bilinguismo.
Permaneceu do projeto de formação o vínculo com a construção de intelectuais
orgânicos das lutas sociais pela Educação do Campo e por outro projeto de sociedade
possível; reafirmando a qualidade social que esse projeto formativo tem produzido.
306
Permaneceu o cuidado com as especificidades, permitidas pela organicidade e o
acompanhamento sistemático da CPP, propiciado pelo Procampo, realizado concomitante
com as diversas atividades previstas no PPP do Tempo Universidade. No vivenciar do Tempo
Comunidade, através das pesquisas socioeducacionais e estágio nas comunidades e também
na atuação em diversos espaços, seja nos movimentos, seja como professores das escolas do
campo, seu lugar de intelectuais orgânicos se constituiu e fortaleceu.
As aprendizagens de valores novos na convivência coletiva, como o questionamento
do lugar de gênero, diferença e diversidade, além da elaboração de si mesmos como
intelectuais orgânicos na organização estudantil na luta por sua permanência e do
reconhecimento como sujeito de direitos a educação no espaço universitário também foi um
produto dessa práxis coletiva. A reivindicação o direito a existência das escolas do campo, seu
locus de atuação em formação e posteriormente, identificando a problemática do fechamento
das escolas do campo e da redução do direito a educação, são temáticas através das quais se
inserem nos movimentos de luta.
Os espaços coletivos de formação tiveram seus contratos encerrados durante a
pesquisa, em 2018. Essas atividades não permaneceram na formação dos estudantes, nas
novas turmas que ingressaram, após a finalização do período do edital Procampo. A CPP
continuou contribuindo em algumas atividades, como o “Café Camponês” na recepção dos
estudantes no início do Tempo Universidade, no seminário inicial e estão sendo construídas as
possiblidades de continuação da parceria.
O trabalho realizado por esse coletivo tem apenas cinco anos de existência, ainda estão
em formação e encontrando as possiblidades de melhorá-la, sem deixar de reafirmar a
Educação do Campo. Parece-nos que havia disposição para a construção de um trabalho mais
consistente, no entanto também um tempo se faz necessário para o trabalho coletivo, pois
apenas esses são espaços formativos que produzem as contribuições e contradições
necessárias a formação dos docentes, estudantes e movimentos sociais. É preciso continuar
promovendo esse encontro, dado que todos afirmam que desejam permanecer e construir
nesse processo.
307
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho se constituiu em uma investigação sobre o processo de
institucionalização da Licenciatura em Educação do Campo na Unifesspa. Trata-se de uma
investigação através do Materialismo Histórico Dialético (MHD: a partir das categorias
historicidade, contradição e dialética visamos compreender tal processo de
institucionalização. Nosso locus de estudo foi a Licenciatura em Educação do Campo da
Unifesspa. Retomamos aqui as perguntas centrais da pesquisa, para apontar os avanços e
limites em suas repostas, a partir dos achados de pesquisa.
Nossa primeira pergunta (quais os elementos constitutivos do processo de
institucionalização da Licenciatura em Educação do campo na Unifesspa?) exigiu uma busca
dos marcos históricos do processo. Em resposta a ela, podemos afirmar que o projeto foi
criado no âmbito do Movimento de EdoC no sudeste do Pará, criada em 2009,
institucionalizada a partir do REUNI para garantir o direito a educação aos povos do campo
na constituição de um sistema público de Educação do Campo nas áreas de assentamento e
acampamentos. Essa licenciatura foi impactada em sua expansão quantitativa e qualitativa
pela política de expansão induzida pelo último edital do Procampo em 2013. Ao mesmo
tempo que foi criada uma nova universidade, a Unifesspa, na qual o Campus de Marabá se
tornou o campus Sede; que provocaram tensionamentos e questionamentos do seu projeto de
formação humana.
Estabelecemos como objetivo específico historicizar o processo de institucionalização
da Educação do Campo como construção coletiva, resultado de parcerias constituídas entre
movimentos sociais e a universidade, para contribuir na territorialização camponesa no Pará,
que apresentamos no terceiro capítulo. Nesse histórico, apresentamos como um campesinato
migrante se territorializou no Sudeste do Pará, a partir do deslocamento para a Amazônia da
questão agrária brasileira, constituída nessa região do país pelo modelo de desenvolvimento
adotado pela ditadura militar e a partir de grandes projetos constituído que subordinava a
presença dos povos do campo como mão-de-obra.
O campesinato se tornou um sujeito político, tendo como expressão a criação do
número de assentamentos, que foram regularizados pelo INCRA e na constituindo dois
sujeitos coletivos de representação, tornando os principais movimentos de atuação de luta pela
Terra. Da luta posseira foi constituído a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na
Agricultura (Fetagri) Regional Sudeste do Pará que se integrou posteriormente a
308
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e o Movimento dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) que se territorializou na década de
1990 no Sudeste do Pará.
Experiências de parcerias forjadas na década de 1980, no âmbito das ciências agrárias,
na constituição do Programa CAT entre a UFPA e o movimento sindical rural, no âmbito das
ciências agrárias. E na década de 1990, no âmbito da educação no Pronera, no âmbito da
constituição da politica pública do Pronera, que instituíram o Movimento da Educação do
Campo, no sudeste do Pará, entendendo enquanto movimento dialético que constituiu ao
mesmo tempo o regional, estadual e o nacional da Educação do Campo.
A demanda de formação do campesinato constituído no sul e sudeste do Pará e a
parceira universidade e movimentos sociais foi decisiva para sua criação, construída partir do
acúmulo das experiências de formação em diversos cursos financiados pelo Pronera,
realizados no sudeste do Pará. O Movimento da Educação do Campo no sudeste do Pará se
institucionalizou no Frec.
O Projeto da Licenciatura em Educação do Campo foi apresentado como acúmulo de
dez anos, constituído no âmbito do Frec, em consonância com as universidades que
instituíram o projeto piloto da Licenciatura em Educação do Campo constituída no âmbito do
Procampo. Visava construir uma formação integral, que contemplasse diversas dimensões da
formação humana como compromisso ético política de construção de novos valores coletivos
e de respeito a humanidade e a diversidade étnica, cultural, visando a constituição de
intelectuais orgânicos que contribuísse na construção da escola do campo.
Seu processo formativo foi ancorado em uma concepção crítica da educação, na qual a
práxis pedagógica seria construída na articulação dos tempos e espaços educativos. A
formação para atuar na gestão de processos educativos e na docência por área de
conhecimento visou a construção da interdisciplinaridade, como mediadora na busca de
construção de conhecimentos que contribuíram na superação da fragmentação dos conteúdos
e para construção de um sistema de ensino e transformação curricular das escolas do campo.
Esta nova graduação teve seu projeto ancorado no que foi construído historicamente
enquanto Educação do Campo, que tem como horizonte o projeto de sociedade fomentada
pelos movimentos sociais do campo e o campo, a partir das suas lutas sociais como
propositores de um projeto de resistência ao projeto hegemônico de desenvolvimento
capitalista, ao mesmo tempo em que propõe outro projeto de formação dos educadores do
campo.
309
Para apresentar as repercussões do Procampo na expansão da Licenciatura em
Educação do Campo na Unifesspa como parte do processo de institucionalização enquanto
política pública, buscamos responder ao questionamento: Quais as repercussões da política de
expansão do Procampo na Licenciatura em Educação do Campo na Unifesspa? Essas
repercussões foram apresentadas no quinto capítulo.
A definição de concorrer ao edital de expansão do Procampo foi realizada no âmbito
da parceria constituída com os movimentos sociais, principalmente o MST. O acesso ao edital
do Procampo porque permitiu a ampliação das vagas efetivas para constituir uma política
permanente de ingresso em todo País, em instituições públicas de ensino, com a oferta de
vagas anuais. Os estudantes, que ingressaram, oriundo dos povos do campo que concluíram o
Ensino Médio, foram através de estratégias criadas pelas famílias, para as dificuldades
encontradas na precariedade de oferta desse nível de ensino, seja acessando instituições
privadas que ofertam cursos de ensino médio em EaD, seja migrando para as sedes dos
municípios para realizar sua escolarização.
Os professores porque já atuavam nas escolas rurais e não tinham seu acesso garantido
à formação. Esse direito foi compreendido pelos entrevistados, como um problema individual,
e que a única opção que tinham e solução para o problema era sua inserção no Ensino
Superior, através da EaD em instituições privadas, no qual a formação constitui uma
mercadoria a ser acessada e pela qual precisam arcar com os custos, apesar dos seus baixos
salários. As dificuldades apresentadas para acessarem a graduação, no qual estariam
habilitados oficialmente para atuar em sala de aula.
Essa decisão constituiu em brechas/rupturas no acesso ao ensino superior em
instituições públicas de ensino para uma diversidade de povos do campo, que historicamente
tem lutado pelo direito a educação, mas que tem suas trajetórias marcadas pela negação desse
direito. Eles passaram a reconhecer na Licenciatura em Educação do Campo um lócus dentro
das universidades e no campo brasileiro como o espaço da formação de educadores do campo,
na educação superior pública.
O acesso ao edital Procampo de 2012 possibilitou a recriação da Comissão Político
Pedagógico e do acompanhamento dos movimentos sociais em 2014. A presença dos
movimentos sociais do campo como parte constitutiva da Educação do Campo foi retomada.
A defesa de uma concepção de sociedade que tenha como fundamento o trabalho e a vida
humana, por isso, a reafirmação dos princípios do trabalho como princípio educativo e da
auto-organização dos estudantes para contribuir nas lutas sociais nas quais estão inseridos e
por constituir em dimensões da formação consideradas importantes na Educação do Campo.
310
Essa expansão também possibilitou constituir o quadro docente necessário à formação
interdisciplinar, as vagas foram distribuídas para constituídas as quatro áreas do conhecimento
ofertadas na graduação: Ciências Humanas e Sociais, Ciências Agrárias e da Natureza, Letras
e Linguagem e Matemática. , na ampliação qualitativa e quantitativa do quadro docentes com
formação em diferentes áreas do conhecimento e diversas experiências de formação e de
aproximações com a EdoC.
O quadro de docente foi constituído por experiências diferenciadas de formação: a)
ingressaram docentes que conheciam a proposta formativa, por envolvimento anteriores na
EdoC, e desejaram ingressar na Licenciatura para trabalhar com a especificidade dos povos do
campo; b) Docentes que se aproximaram do debate da Educação do Campo, durante a
graduação ou que atuavam com os povos indígenas, e desejaram trabalhar atuar nesse campo
e por fim) Docentes que migraram por trabalho, em fase de concurso público, que
desconheciam a EdoC, constituindo suas primeiras experiências de docência na Educação
superior, constituiu como referência sua formação nas áreas do conhecimento.
A expansão quantitativa e qualitativa no Procampo de estudantes, docente e
movimentos sociais, a partir de sua historicidade, compuseram o coletivo que tem construído
a Licenciatura em Educação do Campo. Cada grupo possuía intencionalidades distintas e
concepções diferenciadas de educação no seu ingresso no processo educativo, no ingresso nos
processos seletivos e nos concursos públicos. Houve uma diversidade de compreensões do
que era a Licenciatura em Educação do Campo em projeto formativo, pelo conhecimento
diferenciado que tinham sobre Educação do Campo e pelos espaços formativos que
vivenciaram anteriormente e forjaram suas concepções de educação.
Essa expansão em 2014, não pode ser analisada, a princípio, como consolidação do
projeto formativo porque para muitos foi o primeiro contato com a Educação do Campo, com
estranhamentos de diferentes grupos e da construção permanente do sentido da Educação do
Campo. Na Licenciatura em Educação do Campo, houve o encontro da negação dos direitos
ao acesso ao conhecimento científico e de políticas públicas de educação construídas com
sentidos e projetos distintos por isso produzem tensões sobre o projeto de formação. Uma das
tensões foi o encontro da Educação do Campo com as formações das diferentes áreas do
conhecimento, que apesar de previsto que seria um choque na Licenciatura em Educação do
Campo pela história disciplinar e fragmentada da construção do conhecimento.
As diferentes concepções de educação forjadas em campos epistemológicos diversos,
a partir da formação na graduação e pós-graduação se encontraram e torna um exercício
311
formativo o trabalho coletivo mediatizado pela aproximação da realidade dos povos do
campo, através dos estudantes e do contato com os movimentos sociais do campo.
Essas tensões foram potencializadas e ampliadas, pois concomitante com a expansão
realizado pelo Procampo em 2013, foi constituída uma nova universidade na Amazônia, a
Unifesspa, fruto da luta do movimento docente, nos sindicatos e dos movimentos sociais em
geral. Permeados por uma nova institucionalidade, a EdoC que tinham seu reconhecimento e
legitimidade construída enquanto Campus de Marabá, novamente passa a ser questionada no
movimento histórico de avanço de uma concepção de universidade paulada por avaliações
externas.
O quarto capítulo tinha como objetivo analisar de que forma a concepção de formação
docente e de educação, a partir da perspectiva crítica e dos princípios da Educação do Campo
foram tensionados na Fecampo e na nova institucionalidade constituída na Unifesspa.
Buscando responder aos questionamentos sobre se a Educação do Campo (que construiu uma
concepção de formação docente a partir da formação humana) tem conseguido na Unifesspa
se contrapor ao projeto neotecnicista de formação e quais princípios foram tensionados,
inspirados pela política de avaliação instituída pelo MEC e na formação do quadro docente
provocada pela expansão e o que se reconfigurou na nova institucionalidade.
As contradições no processo de institucionalização da Unifesspa, a influência da
política de avaliação do Ministério da Educação (MEC), interferiu no projeto formativo ao
fragmentar os espaços de decisão, definindo funções específicas para o NDE e o Colegiado da
Faculdade e os espaços coletivos instituídos pelo Procampo, sob a coordenação dos
movimentos sociais, separando as dimensões técnico, política e pedagógica e diminuindo a
participação dos estudantes e movimentos sociais nos espaços de decisão.
A influência apareceu claramente nas orientações de reformulação do PPP,
interferindo nas finalidades educativas do projeto formativo. Essa nova institucionalidade,
com quadros recentes na Educação Superior, tem se orientado pela lógica neotecnicista
direcionando as finalidades educativas para as políticas de avaliação externas, buscando
adequar e produzir o alinhamento ao projeto neotecnicista de educação. Houve também
provocações internas, a partir de tensões sobre a reafirmação do trabalho individual
reafirmado na disciplina que confronta com o projeto produzido que tem como fundamento o
trabalho coletivo e a interdisciplinaridade que orienta os princípios da Educação do Campo.
A constituição da Unifesspa ampliou a quantidade e os espaços de trabalho do quadro
de docentes. No entanto, a intensificação do trabalho não foi sentida igualmente por todos os
docentes, porque muitos não assumiram o trabalho em comissões, o trabalho administrativo
312
ou a atuação em cargos para contribuir com a universidade. Percebemos compreensões
diferenciadas dos docentes, seja pelo tempo da docência no ensino superior, seja a
aproximação da Educação do Campo. A construção de sua carreira como docente ou
pesquisador aparece como contraditória e concorrente às atividades previstas no PPP da
Licenciatura em educação do Campo.
Entendemos como totalidade as implicações do projeto de formação da Licenciatura
em Educação do Campo com o projeto construído no âmbito da EdoC com a constituição de
políticas pela Secadi e as contradições nas políticas de avaliação constituíam dentro do MEC,
no processo de controle e enquadramento do trabalho docentes produzido pelos processos
burocráticos de avaliação e também no movimento de expansão da universidade e do quadro
docentes da Fecampo, que em fase inicial da carreira e orientando também por concepções de
formação da pós-graduação, produziram tensões e está se reconfigurando.
A Unifesspa passou pela fase de construção dos seus regulamentos, estatuto e estrutura
interna, construída ao mesmo tempo em que houve um avanço das reformas neoliberais que
visavam a alteração da função social das universidades. A concepção hegemônica de
formação, que restringe a formação aos aspectos metodológicos da prática educativa. O
desenvolvimento de competências e habilidades estritas aos conhecimentos enquanto
conteúdos alimentam uma concepção de ser humano como vendedor de si mesmo em uma
sociedade cada vez com menos emprego e mais trabalho. O foco na competência técnica ou
no pragmatismo, centrando a formação apenas na metodologia do como fazer, alimentada
pela centralidade dos conteúdos isolados e fragmentados que não permitem compreender o
mundo como construção humana e nem avançar numa concepção de ciência e produção de
conhecimento como direito humano.
Há contradições e resistências imbricadas nas relações entre o macro das politicas, na
nova gestão pública neoliberal, que tem influenciado e buscando constituir outras finalidades
educativas que não seja a formação humana. Elas afetaram e fragmentaram o trabalho
desenvolvido na Fecampo. No entanto, a Fecampo também constituiu potencial de influenciar
a construção da universidade e da defesa da educação enquanto bem público e direito humano
com a constituição de um quadro docente com formação diversificada nas diversas áreas do
conhecimento, em fase inicial de carreira, que desejam contribuir na construção da
universidade, bem como uma carreira profissional na Unifesspa, com novas temáticas de
pesquisa reconfigurando a Fecampo.
É perceptível que se constitui um limite no tempo de duração de uma graduação que
possam contribuir para avançar em todos os processos de negações históricas do acesso à
313
leitura e a escrita e da forma precárias que os estudantes acessaram a educação básica, e
acessarem todos os conteúdos necessários de cada área do conhecimento para produzir o
aprofundamento e a formação por área de conhecimento na qualidade de formação desejada
pelo quadro docente. Deste ponto de vista, um currículo com seleção dos fundamentos
constituiu-se essencial para não se perder os princípios centrais nos detalhes curriculares.
O debate da reformulação do PPP apontou a necessidade de uma reflexão mais
aprofundada que demandaria mais tempo para melhor compreensão da proposta, numa
avaliação produzida pelo quadro docente que estava em exercício que estava há seis anos na
atuação da Fecampo, no entanto, era pouco tempo de aproximação com a proposta pois
desconheciam os princípios, fundamentos e as finalidades educativas do projeto, ao mesmo
tempo, pois muitos realizaram paralelo, sua formação em doutoramento.
Os docentes avaliaram que não era possível reconstruir todo o projeto; no entanto, suas
contribuições visavam acrescentar disciplinas a formação. Não havia proposições que
possibilitassem olhar para o todo da formação. Consideramos que é preciso um maior tempo
na formação do quadro atual, bem como o retorno dos docentes que se afastaram para
qualificação para constituir um debate sobre o todo das finalidades educativas do projeto.
Constituir uma formação desse tipo expressava a necessidade clara de ampliar o
direito a educação, ao mesmo tempo reconstruindo a escola do campo, alterando em sua
forma e conteúdo no projeto da Educação do Campo. Por outro lado, os movimentos
argumentam que esse não constitui centralidade, porque se coloca como urgente a necessidade
de construção da educação básica do campo, por isso os estudantes precisam concluir a
formação em quatro anos para assumirem as escolas do campo, na qual muitos já tinham se
tornado educadores nas escolas, conciliando a formação com o estudo.
E por fim, o quinto capítulo no qual apresentamos, enquanto movimento dialético,
como os aspectos macro de constituição da sociedade continuam no horizonte da formação
enquanto projeto formativo formulados pelos movimentos sociais pois as lutas sociais
constituíram parte da formação inicial do curso como temática interdisciplinar e produz a
identidade de Educação do Campo.
Na pesquisa, foi perceptível que houve uma diminuição da participação da Fetagri na
formação. Ao mesmo tempo, uma ampliação da colaboração e articulação com diversos
movimentos sociais e sindical tais como: MST, CPT, MAB, MAM, MPA, MIQCB, Sintepp.
Os seminários foram os espaços que mantiveram a participação dos movimentos sociais do
campo, no espaço acadêmico, através de mesas organizadas para tratar dos conflitos
314
territoriais, ambientais e agrários; bem como os processos de resistência a partir do modo de
vida indígena, da agroecologia, do debate da soberania alimentar.
Destacamos o papel desempenhado pelas organizações indígenas, que também
passaram a contribuir na construção dessas atividades, recebendo os estudantes e docentes nas
aldeias e participando ativamente das mesas de debate sobre os conflitos que têm vivenciados
na defesa dos seus territórios, se aproximaram diversos povos indígenas. Dentre ele, se
destacam os Parkatejê, Kyikatejê, Akrãtikatêjê, Kaiapó, Suruí Aikewara e Paracanã Awaeté,
que tem enviados jovens para se constituir em estudantes no curso, contribuindo na formação
dos estudantes, no espaço universitário e demandado ações no campo da formação docente e
da reelaboração dos PPP das escolas nas aldeias de foram que passaram a vislumbrar na
Fecampo, um espaço de formação e de resistência, dentro da Unifesspa.
A compreensão de formação humana, que subsidia a proposta formativa, questionou
as compreensões naturalizadas de mundo de docentes e estudantes. A convivência com os
estudantes e movimento sociais se fez pedagógica, provocando suas compreensões, pela
aproximação com os processos de desumanização provocados pelo capital. Não são apenas as
abstrações entendidas como interesses de pesquisas para fazer avançar a produção de
conhecimento, mas a materialidade do uso da ciência e do conhecimento científico a serviço
da vida.
As três primeiras etapas do curso, configuradas nas diversas atividades articuladas pela
pesquisa como princípio educativo (que orienta as atividades de ensino, pesquisa e extensão
fomentadas no Tempo Comunidade) permitiram a construção da interdisciplinaridade, bem
como fomentaram a construção de intelectuais orgânicos em defesa do território, do modo de
vida e da luta por direitos, dentre eles, a luta pelo direito a educação, constituindo o núcleo
comum da formação. Os estudantes, docentes e CPP entrevistados apontam que as atividades
que compõe esse momento inicial, com destaque para a viagem de campo, dentro da
organização do Seminário, se tornaram um marco na formação. Os que a vivenciaram, narram
como ela contribuiu para ressignificar sua participação nos processos sociais e também
influenciou nas escolhas dos estudantes na definição dos seus temas de pesquisa, nos estágios
e no trabalho (já que os estudantes que ainda não eram educadores, assumiram a sala de aula
ao longo do curso, durante a formação) e contribuiu para produz uma identidade como
Educação do Campo.
O cenário em que a Licenciatura em Educação do Campo foi constituída também se
alterou porque houve uma intensificação das ameaças ao modo de vida e resistência dos
povos do campo e dos movimentos sociais, com o aprofundando o projeto de
315
desterritorialização das áreas conquistadas. O cenário das políticas públicas é, neste final de
pesquisa, de retração dos direitos e de ameaça à educação pública em seus diferentes níveis,
principalmente, as universidades federais, com os cortes de recursos, bem como a educação
como um bem público.
Dessa forma, a EdoC sempre estará na contramão da hegemonia, pois permaneceu na
formação a dimensão político pedagógica das lutas sociais e na visão de humanidade e de
sociedade como produto da ação humana e por isso passível de transformação. Compreende
também a análise dos processos de produção das desigualdades, a partir do questionamento da
função social da escola e a função social do território, que vincula a uma defesa de um projeto
de campo e de sociedade emancipatório.
A diversidade se configurou como presença no curso posteriormente, e tornou um
processo formativo desafiador para os docentes e estudantes na vivência da proposta
interdisciplinar de formação, e para os docentes no trabalho com diferentes povos do campo e
no encontro da mediação realizada pelos movimentos sociais do campo.
O trabalho na Licenciatura tem constituindo uma nova formação para os docentes que
apresentam o trabalho coletivo, a convivência com os estudantes e movimentos sociais, bem
como o deslocamento para realização de acompanhamento no Tempo Comunidade como
potencializadores desse processo e novas temáticas emergiram na constituição de projetos de
ensino, pesquisa e extensão.
E por fim, a concepção forjada na Educação do Campo tem defendido que os
conhecimentos científicos precisam contribuir na formação de intelectuais orgânicos
comprometidos com a defesa dos povos do campo; construindo uma formação que tenha
como pilar a reintegração de uma humanidade cindida na separação entre o trabalho manual e
trabalho intelectual na sociedade e uma formação integral a partir da arte e a cultura como
dimensões negadas, alargando a concepção de educação.
A formação humana, proposta central do curso, se evidencia nas aprendizagens da
vivência coletiva dos estudantes nos espaços possibilitados pelo edital Procampo, de seu
processo formativo na Licenciatura, construído em alternância entre os estudos do Tempo
Universidade, dos tensionamentos para permanecerem no espaço da universidade, da
formação por área do conhecimento e sua atuação nas comunidades onde residem, se
tornando tais estudantes os principais defensores do projeto formativo da Licenciatura em
Educação do Campo.
Nesse sentido, defendemos como tese, que o processo de institucionalização da
Licenciatura em Educação do Campo será permanente, nunca estará completo porque na luta
316
por políticas públicas pelo direito a educação numa compreensão emancipatória sempre será
questionado, já que os processos de produção de hegemonia limitam a educação ao seu
sentido restrito de instrução, reduzindo as possibilidades humanas de questionamento e
encobrindo as contradições sociais presentes na sociedade em que vivemos.
317
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