Instituições

8
DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS NÚCLEO INSTITUIÇÕES E POLÍTICA EXTERNA DISCIPLINA: INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS PROFESSORA: MATILDE DE SOUZA BERGER, Peter L., BERGER, Brigitte. O que é uma instituição social? In : FORACCHI, M. M., MARTINS, J.S. (Orgs.). Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro : Livros Técnicos e Científicos, 1977. p. 193-9 Já definimos a instituição como um padrão de controle, ou seja, uma programação da conduta individual imposta pela sociedade. Provavelmente tal definição não terá despertado qualquer oposição no - leitor visto que, embora difira da acepção comum do termo, não entra em choque direto com o mesmo. No sentido usual, o termo designa uma organização que abranja pessoas, como por exemplo um hospital, uma prisão ou, no ponto que aqui nos interessa, uma universidade. De outro lado, também é ligado às grandes entidades sociais que o povo enxerga quase como um ente metafísico a pairar sobre a vida do indivíduo, como "o Estado", "a economia", ou "o sistema educacional". Se pedíssemos ao leitor que indicasse uma instituição, ele provavelmente recorreria a um desses exemplos e não estaria errado. Acontece, porém, que a acepção comum do termo parte duma visão unilateral. Em termos mais precisos, estabelece ligação por demais estreita entre o termo e as instituições sociais reconhecidas e reguladas por lei. Talvez isso constitua um exemplo da influência que os advogados exercem em nossa maneira de pensar. Seja como for, no contexto deste trabalho, torna-se importante demonstrar que, sob a perspectiva sociológica, o significado do termo não é exatamente este. É por isso que desejamos ocupar um momento da atenção do leitor para, num capítulo pouco extenso, demonstrar que a linguagem é uma instituição. Diremos mesmo que muito provavelmente a linguagem é a instituição fundamental da sociedade, além de ser a primeira instituição inserida na biografia do indivíduo. É uma instituição fundamental porque qualquer outra instituição, sejam quais forem suas características e finalidades, funda-se nos padrões de controle subjacente da linguagem. Sejam quais forem as outras características do Estado, da economia e do sistema educacional, os mesmos dependem dum arcabouço lingüístico de classificações, conceitos e imperativos dirigidos à conduta individual; em outras palavras, dependem dum universo de significados construídos através da linguagem e que só por meio dela podem permanecer atuantes.

description

vd

Transcript of Instituições

  • DEPARTAMENTO DE RELAES INTERNACIONAIS NCLEO INSTITUIES E POLTICA EXTERNA DISCIPLINA: INSTITUIES INTERNACIONAIS PROFESSORA: MATILDE DE SOUZA

    BERGER, Peter L., BERGER, Brigitte. O que uma instituio social? In : FORACCHI, M. M., MARTINS, J.S. (Orgs.). Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro : Livros Tcnicos e Cientficos, 1977. p. 193-9

    J definimos a instituio como um padro de controle, ou seja, uma

    programao da conduta individual imposta pela sociedade. Provavelmente tal definio

    no ter despertado qualquer oposio no - leitor visto que, embora difira da acepo

    comum do termo, no entra em choque direto com o mesmo. No sentido usual, o termo

    designa uma organizao que abranja pessoas, como por exemplo um hospital, uma priso

    ou, no ponto que aqui nos interessa, uma universidade. De outro lado, tambm ligado s

    grandes entidades sociais que o povo enxerga quase como um ente metafsico a pairar sobre

    a vida do indivduo, como "o Estado", "a economia", ou "o sistema educacional". Se

    pedssemos ao leitor que indicasse uma instituio, ele provavelmente recorreria a um

    desses exemplos e no estaria errado. Acontece, porm, que a acepo comum do termo

    parte duma viso unilateral. Em termos mais precisos, estabelece ligao por demais

    estreita entre o termo e as instituies sociais reconhecidas e reguladas por lei. Talvez isso

    constitua um exemplo da influncia que os advogados exercem em nossa maneira de

    pensar. Seja como for, no contexto deste trabalho, torna-se importante demonstrar que, sob

    a perspectiva sociolgica, o significado do termo no exatamente este. por isso que

    desejamos ocupar um momento da ateno do leitor para, num captulo pouco extenso,

    demonstrar que a linguagem uma instituio.

    Diremos mesmo que muito provavelmente a linguagem a instituio fundamental

    da sociedade, alm de ser a primeira instituio inserida na biografia do indivduo. uma

    instituio fundamental porque qualquer outra instituio, sejam quais forem suas

    caractersticas e finalidades, funda-se nos padres de controle subjacente da linguagem.

    Sejam quais forem as outras caractersticas do Estado, da economia e do sistema

    educacional, os mesmos dependem dum arcabouo lingstico de classificaes, conceitos e

    imperativos dirigidos conduta individual; em outras palavras, dependem dum universo de

    significados construdos atravs da linguagem e que s por meio dela podem permanecer

    atuantes.

  • Por outro lado, a linguagem a primeira instituio com que se defronta o

    indivduo. Esta afirmativa pode parecer surpreendente. Se perguntssemos ao leitor qual a

    primeira instituio com que a criana entra em contacto, ser provavelmente a famlia que

    lhe vir mente. E de certa forma no deixa de ter razo. Para a grande maioria das

    crianas a socializao primria tem lugar no mbito duma famlia especfica, que por sua

    vez representa uma faceta peculiar da instituio mais ampla do parentesco na sociedade a

    que pertence. No h dvida de que a famlia uma instituio muito importante.(...)

    Acontece, porm, que a criana no toma conhecimento desse fato. Ela de fato experimenta

    seus pais, irmos, irms e outros parentes que possam estar por perto naquela fase da vida.

    S mais tarde percebe que esses indivduos em particular, e os atos que praticam,

    constituem uma das facetas duma realidade social muito mais ampla, designada como "a

    famlia". de supor que essa percepo ocorra no momento em que a criana comea a

    comparar-se com outras crianas - o que dificilmente acontece na fase inicial da vida. J a

    linguagem muito cedo envolve a criana nos seus aspectos macrossociais. No estgio

    inicial da existncia, a linguagem aponta as realidades mais extensas, que se situam alm do

    microcosmo das experincias imediatas do indivduo. por meio da linguagem que a

    criana comea a tomar conhecimento dum vasto mundo situado "l fora", um mundo que

    lhe transmitido pelos adultos que a cercam mas vai muito alm deles.

    A linguagem: a objetivao da realidade

    Antes de mais nada o microcosmo da criana, evidentemente, que encontra sua

    estruturao atravs da linguagem. Esta realiza a objetivao da realidade, o fluxo

    incessante de experincias consolida-se, adquire estabilidade numa srie de objetos

    distintos e identificveis. Isso acontece com os objetos materiais. O mundo transforma-se

    num todo orgnico formado por rvores, mesas, telefones. Mas a organizao no se

    restringe atribuio de nomes, tambm abrange as relaes significativas que se

    estabelecem entre os objetos. A mesa pode ser levada para baixo da rvore se quisermos

    subir nesta; e pelo telefone podemos chamar o mdico se algum adoece. A linguagem

    ainda estrutura o ambiente humano da criana por meio da objetividade e por estabelecer

    relaes significativas. Por intermdio dela a realidade passa a ser ocupada por seres

    distintos, que vo desde a mame (que geralmente uma espcie de deusa reinante, cujo

    trono est erigido no centro dum universo em expanso) at o menininho malvado que tem

    acessos de clera no quarto contguo. E atravs da linguagem que se deixa claro que

    mame sabe tudo e que menininhos malvados sero castigados; alis, s atravs da

    linguagem tais proposies podero continuar plausveis; mesmo que a experincia fornea

    pouca ou nenhuma prova em abono das mesmas.

  • H outro detalhe importante. por meio da linguagem que os papis

    desempenhados pelos diversos seres se estabilizam na experincia da criana. J aludimos

    aos papis sociais quando falamos no aprendizado da criana para assumir o papel do outro

    - que constitui um passo decisivo no processo de socializao. A criana aprende a

    reconhecer os papis como padres repetitivos na conduta de outras pessoas -- trata-se da

    experincia que j resumimos na frase "l vai ele de novo" (1). Essa percepo transforma-

    se numa feio permanente da mentalidade infantil e, portanto, da sua interao com outras

    pessoas, realizada por meio da linguagem. a linguagem que especifica, numa forma capaz

    de ser repetida, exatamente o que a outra pessoa vai fazer de novo - "L vai ele de novo

    com esse jeito de papai castigador", "l vai ele de novo com essa cara de quem espera

    visita", e assim por diante. Na verdade, s por meio de fixaes lingsticas como estas

    (atravs das quais a ao alheia adquire um significado definido que ser atribudo a cada

    ao do mesmo tipo) que a criana pode aprender a assumir o papel do outro. Em outras

    palavras, a linguagem estabelece a ligao entre o "l vai ele de novo" e o "cuidado, que l

    vou eu".

    A linguagem: a interpretao e justificao da realidade

    O microcosmo da criana estruturado em termos de papis. Muitos desses papis,

    porm, estendem-se ao campo mais amplo do macrocosmo ou para usarmos a imagem

    inversa, constituem incurses do macrocosmo na situao imediata da criana. Os papis

    representam instituies.(2) No momento em que o pai assume aquele jeito de castigador,

    podemos presumir que essa ao ser acompanhada de boa dose de verbosidade. Enquanto

    castiga, o pai fala. Fala sobre o qu? Parte de sua fala pode constituir apenas um meio de

    dar vazo sua contrariedade ou raiva. Mas, na maioria das vezes, grande parte da conversa

    constitui um comentrio ininterrupto sobre o ato incorreto e o castigo to merecido. As

    palavras interpretam e justificam o castigo. E inevitvel que isso seja feito: duma maneira

    que ultrapassa as relaes imediatas do prprio pai. O castigo enquadrado num amplo

    contexto tico-moral; em casos extremos, at mesmo a divindade pode ser invocada como

    autoridade penal. Deixando de lado a dimenso teolgica do fenmeno (sobre a qual

    infelizmente a Sociologia nada tem a dizer), cabe ressaltar que as explanaes sobre a

    moral e a tica ligam o pequeno drama que se desenrola naquele microcosmo a todo um

    sistema de instituies macroscpicas. Naquele momento, o pai que aplica o castigo o

    representante desse sistema (mais precisamente do sistema da moral e das boas maneiras

    como tais); quando a criana voltar a situar-se no mesmo, ou seja, no momento em que

    repetir o desempenho de um papel identificvel, esse papel representar as instituies do

    sistema moral.

  • Dessa forma, a criana, ao defrontar-se com a linguagem, v nela uma realidade de

    abrangncia universal. Quase todas as experincias que sente em termos reais estruturam-se

    sobre a base dessa realidade subjacente - so filtradas atravs dela, organizadas por ela,

    entram em expanso por meio dela ou, ao contrrio, por ela so relegadas ao esquecimento

    - pois uma coisa sobre a qual no podemos falar deixa uma impresso muito tnue na

    memria. Isso acontece com toda e qualquer experincia, mas principalmente com as

    experincias ligadas ao prximo e ao mundo social.

    Caractersticas fundamentais de uma instituio: a exterioridade

    Quais so algumas: das principais caractersticas de uma instituio? Tentaremos

    elucid-las por meio do caso da linguagem.(3) Neste ponto queremos formular uma

    sugesto. Sempre que o leitor se defrontar com alguma afirmativa sobre instituies, sobre

    o que so e como funcionam, sobre como mudam, poder seguir a norma prtica de indagar

    em primeiro lugar qual impresso que se colhe dessa afirmativa se a mesma for aplicada

    linguagem. Evidentemente existem instituies totalmente diversas da linguagem pense-

    se, por exemplo, no Estado. Todavia, se uma afirmativa formulada em termos bastante

    amplos, mesmo depois de adaptada convenientemente a outro caso institucional, for

    totalmente absurda quando aplicada linguagem, teremos boas razes para supor que h

    algo de muito errado com a mesma.

    As instituies so experimentadas como algo dotado de realidade exterior; em

    outras palavras, a instituio alguma coisa situada fora do indivduo, alguma coisa que de

    certa maneira (duma maneira bastante rdua, diramos) difere da realidade formada pelos

    pensamentos, sentimentos e fantasias do indivduo. Por esta caracterstica, uma instituio

    assemelha-se a outras entidades da realidade exterior, guarda certa semelhana at mesmo

    com objetos tais como rvores, mesas e telefones, que esto l fora, quer o indivduo

    queira, quer no. O indivduo no seria capaz de eliminar uma rvore com um movimento

    da mo e nem uma instituio. A linguagem experimentada desta maneira. Na verdade,

    sempre que o indivduo fala, est como que "pondo para fora" alguma coisa que estava

    "dentro" dele - e o que pe para fora no so apenas os sons de que feita a linguagem,

    mas os pensamentos que a linguagem deve transmitir. Acontece que este "por pra fora"

    (para exprimirmos o fenmeno de maneira mais elegante, poderamos usar o termo

    "exteriorizao") realiza-se em termos que no resultam da idiossincrasia criadora de quem

    fala. Suponhamos que ele esteja falando ingls. A lngua inglesa no foi criada nas

    profundezas de sua conscincia individual. Existia l fora muito antes do momento em que

    o indivduo a usou. Ele a experimenta como alguma coisa que existe fora dele, e a mesma

  • coisa acontece com a pessoa qual se dirige, ambos experimentam a lngua inglesa como a

    realidade exterior no momento em que comearam a aprend-la.

    Caractersticas fundamentais de uma instituio: a objetividade

    As instituies so experimentadas como possuidoras de objetividade. Esta frase

    apenas repete, de forma um tanto diferente, a proposio anterior. Alguma coisa

    objetivamente real quando todos (ou quase todos) admitem que de fato a mesma existe, e

    que existe duma maneira determinada. Este ltimo aspecto muito importante. Existe um

    ingls correto e um ingls incorreto e isso permanece assim, objetivamente assim, mesmo

    se o indivduo pensasse que as regras que disciplinam a matria so o cmulo da tolice, e

    que ele mesmo poderia encontrar uma forma muito melhor e mais racional de organizar a

    linguagem. evidente que, via de regra, o indivduo no se preocupa com esse fato, aceita

    a linguagem da mesma forma que aceita outros fatos objetivos por ele experimentados. A

    objetividade da linguagem inicial do indivduo assume uma intensidade extraordinria. Jean

    Piaget, o psiclogo infantil e suo, relata que, em certa oportunidade, perguntaram a uma

    criancinha se o sol poderia ser chamado por outro nome que no fosse "sol". "No",

    respondeu a criana. Perguntaram-lhe como sabia disso. Por um instante a questo deixou-a

    intrigada. Finalmente apontou para o sol e disse - "Ora, basta olhar para ele".

    Caractersticas fundamentais de uma instituio: a coercitividade

    As instituies so dotadas de fora coercitiva. Em certa medida, esta qualidade esta

    implcita nas duas que j enumeramos: o poder essencial que a instituio exerce sobre o

    indivduo consiste justamente no fato de que a mesma tem existncia objetiva e no pode

    ser afastada por ele. No entanto, se acontecer que este no note o fato, esquea o mesmo -

    ou, o que pior - queira modificar o estado de coisas existentes, nesta oportunidade que

    muito provavelmente a fora coercitiva da instituio se apresenta de forma bastante rude.

    Numa famlia esclarecida da classe mdia, e numa idade em que todos concordam que tais

    deslizes so de, esperar, a criana geralmente submetida a uma persuaso suave enquanto

    ofende os padres do ingls correto. Essa persuaso suave poder continuar a ser aplicada

    numa escola progressista, mas raramente o ser pelos colegas que a criana encontra na

    mesma. Estas provavelmente reagiro a qualquer infrao ao seu cdigo de ingls correto

    (que evidentemente no o mesmo do professor), por meio duma zombaria brutal e

    possivelmente de represlias fsicas. Se o adulto insiste nessa atitude de desafio ficar

    sujeito a represlias partidas de todos os lados. O jovem de classe operria poder perder a

    namorada se no quiser falar "bonito", e por esse mesmo motivo poder perder a promoo.

    O dicionrio Webster e o manual Modern English Usage, de Fowler, montam guarda em

  • cada degrau da escada de ascenso social. Mas ai do jovem da classe mdia que continue a

    falar bonito no exrcito! E ai tambm do professor de meia idade que pretenda captar as

    simpatias dos jovens, falando a linguagem deles; evidentemente, estar sempre ao menos

    dois anos atrs das convenes destes, sujeitas sempre a mudanas rpidas, e seu choque

    com o poder coercitivo da linguagem atinge as feies patticas duma tragdia de Sfocles.

    Reconhecer o poder das instituies no o mesmo que afirmar que elas no podem

    mudar. Na verdade, elas mudam constantemente precisam mudar pois no passam de

    resultados necessariamente difusos da ao de inmeros indivduos que "atiram

    significados para o mundo. Se de um dia para o outro todos os habitantes dos Estados

    Unidos deixassem de falar Ingls, a lngua inglesa deixaria de existir abruptamente como

    uma realidade institucional do pas. Em outras palavras, a existncia objetiva da linguagem

    depende da fala ininterrupta de muitos indivduos que, ao se comunicarem, exprimem suas

    intenes, significaes e motivos de ordem subJetiva.(4) claro que essa objetividade, ao

    contrrio da objetividade dos fatos da natureza, nunca pode assumir carter esttico. Muda

    constantemente, mantm-se num fluxo dinmico, e s vezes sofre convulses violentas.

    Mas para o indivduo no fcil provocar mudanas deliberadas. Se depender

    exclusivamente dos seus esforos individuais, as possibilidades de xito num

    empreendimento desse tipo sero mnimas. Imaginemos que o leitor se lance tarefa de

    reformular a gramtica ou de renovar o vocabulrio. possvel que tenha algum xito no

    microcosmo que o rodeia. at provvel que tenha conseguido xito no tempo de criana:

    talvez sua famlia tenha adaptado algumas das criaes mais extravagantes de sua fala de

    beb, incorporando-as linguagem intragrupal da famlia. Como adulto, o indivduo poder

    alcanar pequenas vitrias como estas quando fala esposa ou ao crculo de seus amigos

    mais ntimos.

    Mas, se no for considerado um "grande escritor" ou um estadista, nem realizar

    esforo imenso para congregar as massas em torno de sua bandeira de revoluo lingstica

    (neste ponto poderamos evocar o reavivamento do hebraico Clssico no sionismo moderno

    ou os esforos menos bem sucedidos de fazer a mesma coisa com o galico da Irlanda), o

    impacto alcanado sobre a linguagem de seu macrocosmo ser provavelmente nulo no dia

    em que abandonar este vale de palavras.

    Caractersticas fundamentais de uma instituio: autonomia moral

    As instituies tm uma autoridade moral. No se mantm apenas atravs da

    coercitividade. Invocam um direito legitimidade; em outras palavras, reservam-se o

    direito de no s ferirem o indivduo que as viola mas ainda o de repreend-lo no terreno da

  • moral. claro que o grau de autoridade moral atribudo s instituies varia de caso para

    caso. Geralmente essa variao se exprime atravs da gravidade do castigo infligido ao

    indivduo desrespeitoso. O Estado, no caso extremo, poder mat-lo enquanto a

    comunidade duma rea residencial talvez se limite a tratar friamente sua esposa, quando

    esta freqenta o clube. Num caso como noutro, o castigo acompanhado dum sentimento

    de honradez ofendida. Raramente a autoridade moral da linguagem encontra expresso na

    violncia fsica (muito embora por exemplo existam situaes no Israel moderno onde a

    pessoa que no fala o hebraico pode ficar sujeita a certo desconforto fsico). Geralmente

    exprime-se um estmulo bastante eficiente, representado pela sensao de vergonha e, por

    vezes, de culpa que se apossa do infrator. A criana estrangeira que continuamente comete

    erros de linguagem, o pobre imigrante que carrega o fardo do sotaque, o soldado que no

    consegue superar o hbito arraigado da fala polida, o intelectual de vanguarda cujo falso

    jargo mostra que no est "por dentro", todos eles so indivduos que experimentam um

    sofrimento muito mais intenso que o das represlias externas; quer queiramos, quer no,

    temos que reconhecer neles a dignidade do sofrimento moral.

    Caractersticas fundamentais de uma instituio: a historicidade

    As instituies tm a qualidade da historicidade. No so apenas fatos, mas fatos

    histricos; tm uma histria. Em praticamente todos os casos experimentados pelo

    indivduo, a instituio existia antes que ele nascesse e continuar a existir depois de sua

    morte. As idias corporificadas na instituio foram acumuladas durante um longo perodo

    de tempo, atravs de inmeros indivduos cujos nomes e rostos pertencem

    irremediavelmente ao passado. A pessoa que fala o ingls contemporneo dos Estados

    Unidos, por exemplo, reitera sem o saber as experincias verbalizadas de geraes mortas -

    os conquistadores normandos, os servos saxes, os escribas eclesisticos, os juristas

    elisabetanos, alm dos puritanos, dos homens da fronteira, dos gangsters de Chicago e dos

    msicos do jazz que viveram em pocas mais recentes.

    A linguagem (e, de fato, geralmente o mundo das instituies) pode ser concebida

    como um grande rio que flui atravs do tempo. Aqueles que por um momento viajam em

    suas guas ou vivem s suas margens continuamente atiram objetos nele. Na sua maioria,

    estes vo ao fundo ou se dissolvem imediatamente. Mas alguns deles se consolidam e so

    carregados por um perodo mais curto ou mais longo. Apenas uns poucos percorrem todo o

    trajeto, chegando foz, onde este rio, tal qual todos os outros, se despeja no oceano do

    olvido, que o fim de toda histria emprica.

  • Para Karl Klaus, um escritor austraco, a linguagem a habitao do esprito

    humano. ela que proporciona o contexto vitalcio das experincias dos outros, do prprio

    indivduo, do mundo. Mesmo ao imaginarmos mundos situados alm deste, somos

    obrigados a formular nossos temores e esperanas em palavras. A linguagem a instituio

    social que supera todas as outras. Representa o mais poderoso instrumento de controle da

    sociedade sobre todos ns.