Instrução sobre as orações para se alcançar de Deus a cura

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  • 8/6/2019 Instruo sobre as oraes para se alcanar de Deus a cura

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    INSTRUOSOBRE AS ORAES PARA ALCANAR DE DEUS A CURA

    Introduo

    O anseio de felicidade, profundamente radicado no corao humano, esteve sempreassociado ao desejo de se libertar da doena e de compreender o seu sentido, quando sea experimenta. Trata-se de um fenmeno humano que, interessando de uma maneira oude outra todas as pessoas, encontra na Igreja particular ressonncia. Esta, de facto, v adoena como meio de unio com Cristo e de purificao espiritual e, para os que lidamcom a pessoa doente, como uma ocasio de praticar a caridade. No s isso porm;como os demais sofrimentos humanos, a doena constitui um momento privilegiado deorao, seja para pedir a graa de a receber com esprito de f e de aceitao da vontade

    de Deus, seja tambm para implorar a cura.

    A orao que implora o restabelecimento da sade , pois, uma experincia presente emtodas as pocas da Igreja e naturalmente nos dias de hoje. Mas o que constitui umfenmeno sob certos aspectos novo o multiplicar-se de reunies de orao, por vezesassociadas a celebraes litrgicas, com o fim de alcanar de Deus a cura. Em certoscasos, que no so poucos, apregoa-se a existncia de curas alcanadas, criando assim aexpectativa que o fenmeno se repita noutras reunies do gnero. Em tal contexto, faz-se por vezes apelo a um suposto carisma de cura.

    Essas reunies de orao feitas para alcanar curas pem tambm o problema do seu justo discernimento sob o ponto de vista litrgico, nomeadamente por parte daautoridade eclesistica, a quem compete vigiar e dar as directivas oportunas em ordemao correcto desenrolar das celebraes litrgicas.

    Achou-se, portanto, conveniente publicar uma Instruo, de acordo com o can. 34 doCdigo de Direito Cannico, que servisse sobretudo de ajuda aos Ordinrios do lugar

    para melhor poderem orientar os fiis neste campo, favorecendo o que nele haja de bome corrigindo o que deva ser evitado. Era porm necessrio que as disposiesdisciplinares tivessem como ponto de referncia um fundado enquadramento doutrinalque garantisse a sua justa aplicao e esclarecesse a razo normativa. A tal fim, fez-se

    preceder a parte disciplinar com uma parte doutrinal sobre as graas de cura e asoraes para alcan-las.

    I. ASPECTOS DOUTRINAIS

    1. Doena e cura: seu significado e valor na economia da salvao

    O homem destinado alegria, mas todos os dias experimenta variadssimas formasde sofrimento e de dor.(1) Por isso, o Senhor, nas suas promessas de redeno, anuncia

    a alegria do corao ligada libertao dos sofrimentos (cfr.Is 30,29; 35,19;Bar4,29).Ele , de facto, aquele que liberta de todos os males (Sab 16,8). Entre os sofrimentos,

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    os provocados pela doena so uma realidade constantemente presente na histriahumana, tornando-se, ao mesmo tempo, objecto do profundo desejo do homem de selibertar de todo o mal.

    No Antigo Testamento, Israel tem a experincia de que a doena est misteriosamenteligada ao pecado e ao mal.(2) Entre os castigos com que Deus ameaa o povo pela suainfidelidade, as doenas ocupam espao de relevo (cfr.Dt28,21-22.27-29.35). O doenteque pede a Deus a cura reconhece que justamente castigado pelos seus pecados (cfr.Sal37; 40; 106,17-21).

    A doena porm atinge tambm os justos e o homem interroga- se sobre o porqu. Nolivro de Job, essa interrogao est presente em muitas das suas pginas. Se verdadeque o sofrimento tem um sentido de castigo, quando ligado culpa, j no verdadeque todo o sofrimento seja consequncia da culpa e tenha um carcter de punio. Afigura do justo Job uma especial prova disso no Antigo Testamento. (...) Se o Senhor

    permite que Job seja provado com o sofrimento, f-lo para demostrar a sua justia. Osofrimento tem carcter de prova.(3)

    A doena, embora possa ter uma conotao positiva, como demonstrao da fidelidadedo justo e meio de reparar a justia violada pelo pecado, e tambm como forma de levaro pecador a arrepender- se, enveredando pelo caminho da converso, continua todavia aser um mal. Por isso, o profeta anuncia os tempos futuros em que no haver maisdesgraas nem invalidez, e o decurso da vida nunca mais ser interrompido comdoenas mortais (cfr.Is 35,5-6; 65,19-20).

    todavia no Novo Testamento que encontra plena resposta a interrogao porque adoena atinge tambm os justos. Na actividade pblica de Jesus, as suas relaes com osdoentes no so casuais, mas constantes. Cura a muitos deles de forma prodigiosa, tanto

    que essas curas milagrosas tornam-se uma caracterstica da sua actividade: Jesus percorria todas as cidades e aldeias, ensinando nas suas sinagogas, pregando oEvangelho do reino e curando todas as doenas e enfermidades (Mt9,35; cfr. 4,23). Ascuras so sinais da sua misso messinica (cfr. Lc 7,20-23). Manifestam a vitria doreino de Deus sobre todas as espcies de mal e tornam-se smbolo do saneamentointegral do homem, corpo e alma. Servem, de facto, para mostrar que Jesus tem o poderde perdoar os pecados (cfr. Mc 2,1- 12); so sinais dos bens salvficos, como a cura do

    paraltico de Betsaida (cfr.Jo 5,2-9.19-21) e do cego de nascena (cfr.Jo 9).

    Tambm a primeira evangelizao, segundo as indicaes do Novo Testamento, eraacompanhada de numerosas curas prodigiosas que corroboravam o poder do anncio

    evanglico. Alis, tinha sido essa a promessa de Jesus ressuscitado, e as primeirascomunidades crists viam nelas que a promessa se cumpria entre eles: Eis os milagresque acompanharo os que acreditarem: (...) quando impuserem as mos sobre osdoentes, ficaro curados (Mc 16,17-18). A pregao de Filipe na Samaria foiacompanhada de curas milagrosas: Filipe desceu a uma cidade da Samaria e comeoua pregar o Messias quela gente. As multides aderiam unanimemente s palavras deFilipe, ao ouvi-las e ao ver os milagres que fazia. De muitos possessos saam espritosimpuros, soltando enormes gritos, e numerosos paralticos e coxos foram curados(Actos 8,5-7). So Paulo apresenta o seu anncio do Evangelho como sendocaracterizado por sinais e prodgios realizados com o poder do Esprito: no ousariafalar seno do que Cristo realizou por meu intermdio, para levar os gentios obedincia da f, pela palavra e pela aco, pelo poder dos sinais e prodgios, pelo poderdo Esprito (Rom 15,18-19; cfr. 1 Tes 1,5; 1 Cor 2,4-5). No por nada arbitrrio

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    supor que muitos desses sinais e prodgios, manifestao do poder divino queacompanhava a pregao, fossem curas prodigiosas. Eram prodgios que no estavamligados exclusivamente pessoa do Apstolo, mas que se manifestavam tambmatravs dos fiis: Aquele que vos d o Esprito e realiza milagres entre vs procedeassim por cumprirdes as obras da Lei ou porque ouvistes a mensagem da f? ( Gal3,5).

    A vitria messinica sobre a doena, alis como sobre outros sofrimentos humanos, nose realiza apenas eliminando-a com curas prodigiosas, mas tambm com o sofrimentovoluntrio e inocente de Cristo na sua paixo, e dando a cada homem a possibilidade dese associar mesma. De facto, o prprio Cristo, embora fosse sem pecado, sofreu nasua paixo penas e tormentos de toda a espcie e fez seus os sofrimentos de todos oshomens: cumpria assim quanto d'Ele havia escrito o profeta Isaas (cfr. Is 53,4-5).(4)Mais, Na cruz de Cristo no s se realizou a Redeno atravs do sofrimento, mastambm o prprio sofrimento humano foi redimido. (...) Realizando a Redenomediante o sofrimento, Cristo elevou ao mesmo tempo o sofrimento humano ao nvel deRedeno. Por isso, todos os homens, com o seu sofrimento, se podem tornar tambm

    participantes do sofrimento redentor de Cristo.(5)

    A Igreja acolhe os doentes, no apenas como objecto da sua solicitude amorosa, mastambm reconhecendo neles a chamada a viver a sua vocao humana e crist e a

    participar no crescimento do Reino de Deus com novas modalidades e mesmo maispreciosas. As palavras do apstolo Paulo ho-de tornar-se programa e, ainda mais, a luzque faz brilhar aos seus olhos o significado de graa da sua prpria situao: "Completona minha carne o que falta paixo de Cristo, em benefcio do seu corpo que a Igreja"(Col1,24). Precisamente ao fazer tal descoberta, encontrou o apstolo a alegria: "Porisso, alegro- me com os sofrimentos que suporto por vossa causa" (Col1,24).(6) Trata-se da alegria pascal, que fruto do Esprito Santo. Como So Paulo, tambm muitosdoentes podem tornar-se veculo da "alegria do Esprito Santo em muitas tribulaes" (1

    Tes 1,6) e ser testemunhas da ressurreio de Jesus.(7)

    2. O desejo da cura e a orao para alcan-la

    Salva a aceitao da vontade de Deus, o desejo que o doente sente de ser curado bome profundamente humano, sobretudo quando se traduz em orao confiante dirigida aDeus. O Ben-Sir exorta a faz-lo: Filho, no desanimes na doena, mas reza aoSenhor e Ele curar-te- (Sir38,9). Vrios salmos so uma espcie de splica de cura(cfr. Sal6; 37; 40; 87).

    Durante a actividade pblica de Jesus, muitos doentes a Ele se dirigem, ou directamenteou atravs de seus amigos e parentes, implorando a recuperao da sade. O Senhoracolhe esses pedidos, no se encontrando nos Evangelhos o mnimo aceno dereprovao dos mesmos. A nica queixa do Senhor refere-se eventual falta de f: Se

    posso? Tudo possvel a quem acredita (Mc 9,23; cfr. Mc 6,5-6;Jo 4,48).

    No s louvvel a orao de todo o fiel que pede a cura, sua ou alheia, mas a prpriaIgreja na sua liturgia pede ao Senhor pela sade dos enfermos. Antes de mais, tem umsacramento destinado de modo especial a confortar os que sofrem com a doena: aUno dos enfermos.(8) Nele, por meio da uno e da orao dos presbteros, a Igrejarecomenda os doentes ao Senhor padecente e glorificado para que os alivie e salve.(9)Pouco antes, na bno da leo, a Igreja reza: derramai a vossa santa bno para que[o leo] sirva a quantos forem com ele ungidos de auxlio do corpo, da alma e do

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    esprito, para alvio de todas as dores, fraquezas e doenas;(10) e, a seguir, nos doisprimeiros formulrios da orao aps a Uno, pede-se mesmo a cura do enfermo.(11)A cura, uma vez que o sacramento penhor e promessa do reino futuro, tambmanncio da ressurreio, quando no haver mais morte nem luto, nem gemidos nemdor, porque o mundo antigo desapareceu (Ap 21,4). Por sua vez, o Missale Romanumcontm uma Missa pro infirmis, onde, alm de graas espirituais, se pede a sade dosdoentes.(12)

    NoDe benedictionibus doRituale Romanum existe um Ordo benedictionis infirmorumque contm diversos textos eucolgicos para implorar a cura: no segundo formulriodasPreces,(13) nas quatro Orationes benedictionis pro adultis,(14) nas duas Orationesbenedictionis pro pueris,(15) na orao doRitus brevior.(16)

    bvio que o recurso orao no exclui, antes encoraja, o emprego dos meios naturaisteis a conservar e a recuperar a sade e, por outro lado, estimula os filhos da Igreja acuidar dos doentes e a alivi-los no corpo e no esprito, procurando vencer a doena.Com efeito, reentra no prprio plano de Deus e da sua Providncia que o homem lute

    com todas as foras contra a doena em todas as suas formas e se esforce, de todas asmaneiras, por manter-se em sade.(17)

    3. O carisma da cura no Novo Testamento

    No s as curas prodigiosas confirmavam o poder do anncio evanglico nos temposapostlicos; o prprio Novo Testamento fala de uma verdadeira e prpria concesso aosApstolos e aos outros primeiros evangelizadores de um poder de curar as enfermidadesem nome de Jesus. Assim, ao enviar os Doze para a sua primeira misso, o Senhor,segundo a narrao de Mateus e de Lucas, concede-lhes o poder de expulsar os

    espritos impuros e de curar todas as doenas e enfermidades (Mt10,1; cfr. Lc 9,1) ed-lhes a ordem: Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, sarai os leprosos, expulsaios demnios (Mt10,8). Tambm na primeira misso dos setenta e dois, a ordem doSenhor : curai os enfermos que a houver (Lc 10,9). O poder, portanto, concedidodentro de um contexto missionrio, no para exaltar as pessoas enviadas, mas paraconfirmar a sua misso.

    Os Actos dos Apstolos referem de modo genrico prodgios operados por estes:inmeros prodgios e milagres realizados pelos Apstolos (Actos 2,43; cfr. 5,12).Eram prodgios e sinais e, portanto, obras portentosas que manifestavam a verdade e afora da sua misso. Mas, alm destas breves indicaes genricas, os Actos referem

    sobretudo curas milagrosas, realizadas pelos evangelizadores individualmente: Estvo(cfr. Actos 6,8), Filipe (cfr. Actos 8,6-7) e sobretudo Pedro (cfr. Actos 3,1-10; 5,15;9,33-34.40-41) e Paulo (cfr.Actos 14,3.8-10; 15,12; 19,11-12; 20,9-10; 28,8-9).

    Quer a parte final do Evangelho de Marcos quer a Carta aos Glatas, como antes se viu,alargam a perspectiva e no circunscrevem as curas prodigiosas actividade dosApstolos e de alguns evangelizadores que tiveram papel de relevo na primeira misso.

    Neste particular contexto, so de extrema importncia as referncias aos carisma decura (1 Cor 12,9.28.30). O significado de carisma , por si, muito amplo: o de domgeneroso; no caso em questo, trata-se de dons de curas obtidas. Estas graas, no

    plural, so atribudas a um nico sujeito (cfr. 1 Cor 12,9) e, portanto, no se devementender em sentido distributivo, como curas que cada um dos curados recebe para simesmo; devem, invs, entender-se como dom concedido a uma determinada pessoa de

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    obter graas de curas em favor de outros. dado in uno Spiritu, sem contudo seespecificar o modo como essa pessoa obtm as curas. No seria descabido subentenderque o seja atravs da orao, talvez acompanhada de algum gesto simblico.

    Na Carta de So Tiago, faz-se aceno a uma interveno da Igreja, atravs dospresbteros, em favor da salvao, mesmo em sentido fsico, dos doentes. No se d,porm, a entender se se trata de curas prodigiosas: estamos num contexto diferente dodos carismas de curas da 1 Cor 12,9. Algum de vs est doente? Chame os

    presbteros da Igreja para que orem sobre ele, ungindo-o com o leo em nome doSenhor. A orao da f salvar o doente e o Senhor o confortar e, se tiver pecados, ser-lhe-o perdoados (Tg5,14-15). Trata-se de um acto sacramental: uno do doente comleo e orao sobre ele, no simplesmente por ele, como se fosse apenas uma oraode intercesso ou de splica. Mais propriamente, trata-se de uma aco eficaz sobre oenfermo.(18) Os verbos salvar e confortar no exprimem uma aco que tenhaem vista, exclusivamente ou sobretudo, a cura fsica, mas de certo modo incluem-na. O

    primeiro verbo, se bem que nas outras vezes que aparece na dita Carta se refira salvao espiritual (cfr. 1,21; 2,14; 4,12; 5,20), tambm usado no Novo Testamento no

    sentido de curar (cfr. Mt9,21; Mc 5,28.34; 6,56; 10,52; Lc 8,48); o segundo verbo,embora assuma por vezes o sentido de ressuscitar (cfr. Mt10,8; 11,5; 14,2), tambm usado para indicar o gesto de levantar a pessoa que est acamada por causa de umadoena, curando-a de forma prodigiosa (cfr. Mt 9,5; Mc 1,31; 9,27; Actos 3,7).

    4. As oraes para alcanar de Deus a cura na Tradio

    Os Padres da Igreja consideravam normal que o crente pedisse a Deus, no s a sadeda alma, mas tambm a do corpo. A propsito dos bens da vida, da sade e daintegridade fsica, Santo Agostinho escrevia: preciso rezar para que nos sejam

    conservados, quando se os tem, e que nos sejam concedidos, quando no se os tem.(19) O mesmo Padre da Igreja deixou-nos o testemunho da cura de um amigo,alcanada graas s oraes de um bispo, de um sacerdote e de alguns diconos na suacasa.(20)

    A mesma orientao se encontra nos ritos litrgicos, tanto ocidentais como orientais.Numa orao depois da Comunho, pede-se que este sacramento celeste nos santifiquetotalmente a alma e o corpo.(21) Na solene liturgia da Sexta-Feira Santa convida-se arezar a Deus Pai todo-poderoso para que afaste as doenas... d sade aos enfermos.(22) Entre os textos mais significativos, destaca-se o da bno do leo dos enfermos.

    Nele pede-se a Deus que derrame a sua santa bno sobre o leo, a fim de que sirva a

    quantos forem com ele ungidos de auxlio do corpo, da alma e do esprito, para alvio detodas as dores, fraquezas e doenas.(23)

    No so diferentes as expresses que se lem nos rituais orientais da Uno dosenfermos. Citamos apenas alguns dos mais significativos. No rito bizantino, durante auno do enfermo reza-se: Pai Santo, mdico das almas e dos corpos, Vs queenviastes o vosso Filho unignito Jesus Cristo para curar de toda a doena e libertar-nosda morte, curai tambm, pela graa do vosso Cristo, este vosso servo da enfermidade docorpo e do esprito que o aflige.(24) No rito copto pede-se ao Senhor que abenoe oleo para que todos os que com ele forem ungidos possam alcanar a sade do esprito edo corpo. Depois, durante a uno do enfermo, os sacerdotes, depois de teremmencionado Jesus Cristo, mandado ao mundo para curar todas as enfermidades elibertar da morte, pedem a Deus que cure o enfermo das enfermidades do corpo e lhe

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    indique o recto caminho.(25)

    5. O carisma de cura no contexto actual

    No decorrer dos sculos da histria da Igreja, no faltaram santos taumaturgos querealizaram curas milagrosas. O fenmeno, portanto, no estava circunscrito ao tempoapostlico. O chamado carisma de cura, sobre o qual convm hoje dar algunsesclarecimentos doutrinais, no fazia parte porm desses fenmenos taumaturgos. O

    problema pe- se sobretudo com as reunies de orao que os acompanham,organizadas no intuito de obter curas prodigiosas entre os doentes que nelas participam,ou ento com as oraes de cura que, com o mesmo fim, se fazem a seguir Comunhoeucarstica.

    As curas ligadas aos lugares de orao (nos santurios, junto de relquias de mrtires oude outros santos, etc.) so abundantemente testemunhadas ao longo da histria da Igreja.

    Na antiguidade e na idade mdia, contriburam para concentrar as peregrinaes em

    determinados santurios, que se tornaram famosos tambm por essa razo, como o deSo Martinho de Tours ou a catedral de Santiago de Compostela e tantos outros. Omesmo acontece na actualidade, como, por exemplo, h mais de um sculo comLourdes. Estas curas no comportam um carisma de cura, porque no esto ligadas aum eventual detentor de tal carisma, mas h que t-las em conta ao procurar ajuizar, sobo ponto de vista doutrinal, as referidas reunies de orao.

    No que concerne as reunies de orao feitas com a finalidade precisa de alcanar curas,finalidade, se no dominante, ao menos certamente influente na programao dasmesmas, convm distinguir entre as que possam dar a entender um carisma de cura,verdadeiro ou aparente, e as que nada tm a ver com esse carisma. Para que possam

    estar ligadas a um eventual carisma, necessrio que nelas sobressaia, como elementodeterminante para a eficcia da orao, a interveno de uma ou vrias pessoasindividualmente ou de uma categoria qualificada, por exemplo, os dirigentes do grupoque promove a reunio. No havendo relao com o carisma de cura, bvio que ascelebraes previstas nos livros litrgicos, se realizadas em conformidade com asnormas litrgicas, so lcitas e at muitas vezes oportunas, como o caso da Missa proinfirmis. Quando no respeitarem as normas litrgicas, perdem a sua legitimidade.

    Nos santurios so tambm frequentes outras celebraes que, por si, no se destinamespecificamente a implorar de Deus graas de curas, mas que nas intenes dosorganizadores e dos que nelas participam tm, como parte importante da sua finalidade,

    a obteno de curas. Com esse objectivo, costumam fazer-se celebraes litrgicas,como o caso da exposio do Santssimo Sacramento com bno, ou no litrgicas,mas de piedade popular, que a Igreja encoraja, como pode ser a solene reza do Tero.Tambm estas celebraes so legtimas, uma vez que no se altere o seu significadoautntico. Por exemplo, no se deveria pr em primeiro plano o desejo de alcanar acura dos doentes, fazendo com que a exposio da Santssima Eucaristia venha a perdera sua finalidade; esta, de facto, leva a reconhecer nela a admirvel presena de Cristo econvida ntima unio com Ele, unio que atinge o auge na comunho sacramental.(26)

    O carisma de cura no se atribui a uma determinada categoria de fiis. , alis, bemclaro que So Paulo, quando se refere aos diversos carismas em 1 Cor 12, no atribui odom dos carismas de cura a um grupo particular: ao dos apstolos ou dos profetas, ao

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    dos mestres ou dos que governam, ou a outro qualquer. A lgica que preside suadistribuio , invs, outra: um s e mesmo Esprito que faz tudo isto, distribuindo osdons a cada um conforme Lhe agrada (1 Cor12,11). Por conseguinte, nas reunies deorao organizadas com o intuito de implorar curas, seria completamente arbitrrioatribuir um carisma de cura a uma categoria de participantes, por exemplo, aosdirigentes do grupo. Dever-se-ia confiar apenas na vontade totalmente livre do EspritoSanto, que d a alguns um especial carisma de cura para manifestar a fora da graa doRessuscitado. H que recordar, por outro lado, que nem as oraes mais intensasalcanam a cura de todas as doenas. Assim So Paulo tem de aprender do Senhor quebasta-te a minha graa, porque na fraqueza que se manifesta todo o meu poder (2Cor12,9) e que os sofrimentos que se tm de suportar podem ter o mesmo sentido docompleto na minha carne o que falta paixo de Cristo, em benefcio do seu corpo que a Igreja (Col1,24).

    II. DISPOSIES DISCIPLINARES

    Art. 1 - Todo o fiel pode elevar preces a Deus para alcanar a cura. Quando estas sefazem numa igreja ou noutro lugar sagrado, convm que seja um ministro ordenado a

    presidi-las.

    Art. 2 - As oraes de cura tm a qualificao de litrgicas, quando inseridas nos livroslitrgicos aprovados pela autoridade competente da Igreja; caso contrrio, so oraesno litrgicas.

    Art. 3 - 1. As oraes de cura litrgicas celebram-se segundo o rito prescrito e com asvestes sagradas indicadas no Ordo benedictionis infirmorum doRituale Romanum.(27)

    2. As Conferncias Episcopais, em conformidade com quanto estabelecido nosPraenotanda, V, De aptationibus quae Conferentiae Episcoporum competunt(28) domesmoRituale Romanum, podem fazer as adaptaes ao rito das bnos dos enfermos,que considerarem pastoralmente oportunas ou eventualmente necessrias, com prviareviso da S Apostlica.

    Art. 4 - 1. O Bispo diocesano(29) tem o direito de emanar para a prpria Igrejaparticular normas sobre as celebraes litrgicas de cura, conforme o can. 838, 4.

    2. Os que esto encarregados de preparar ditas celebraes litrgicas, devero ater-se

    a essas normas na realizao das mesmas.

    3. A licena de realizar ditas celebraes tem de ser explcita, mesmo quandoorganizadas por Bispos ou Cardeais ou estes nelas participem. O Bispo diocesano tem odireito de negar tal licena a qualquer Bispo, sempre que houver uma razo justa e

    proporcionada.

    Art. 5 - 1. As oraes de cura no litrgicas realizam-se com modalidades diferentesdas celebraes litrgicas, tais como encontros de orao ou leitura da Palavra de Deus,salva sempre a vigilncia do Ordinrio do lugar, em conformidade com o can. 839, 2.

    2. Evite-se cuidadosamente confundir estas oraes livres no litrgicas com ascelebraes litrgicas propriamente ditas.

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    3. necessrio, alm disso, que na sua execuo no se chegue, sobretudo por partede quem as orienta, a formas parecidas com o histerismo, a artificialidade, a teatralidadeou o sensacionalismo.

    Art. 6 - O uso de instrumentos de comunicao social, nomeadamente a televiso,durante as oraes de cura, tanto litrgicas como no litrgicas, submetido vigilnciado Bispo diocesano, em conformidade com o estabelecido no can. 823 e com as normasemanadas pela Congregao para a Doutrina da F na Instruo de 30 de Maro de1992.(30)

    Art. 7 - 1. Mantendo-se em vigor quanto acima disposto no art. 3 e salvas as funespara os doentes previstas nos livros litrgicos, no devem inserir-se oraes de cura,litrgicas ou no litrgicas, na celebrao da Santssima Eucaristia, dos Sacramentos eda Liturgia das Horas.

    2. Durante as celebraes, a que se refere o art. 1, permitido inserir na oraouniversal ou dos fiis intenes especiais de orao pela cura dos doentes, quando

    esta for nelas prevista.Art. 8 - 1. O ministrio do exorcismo deve ser exercido na estreita dependncia doBispo diocesano e, em conformidade com o can. 1172, com a Carta da Congregao

    para a Doutrina da F de 29 de Setembro de 1985(31) e com oRituale Romanum.(32)

    2. As oraes de exorcismo, contidas noRituale Romanum, devem manter-se distintasdas celebraes de cura, litrgicas ou no litrgicas.

    3. absolutamente proibido inserir tais oraes na celebrao da Santa Missa, dosSacramentos e da Liturgia das Horas.

    Art. 9 - Os que presidem s celebraes de cura, litrgicas ou no litrgicas, esforcem-se por manter na assembleia um clima de serena devoo, e actuem com a devida

    prudncia, quando se verificarem curas entre os presentes. Terminada a celebrao,podero recolher, com simplicidade e preciso, os eventuais testemunhos e submeteroo facto autoridade eclesistica competente.

    Art. 10 - A interveno da autoridade do Bispo diocesano obrigatria e necessria,quando se verificarem abusos nas celebraes de cura, litrgicas ou no litrgicas, emcaso de evidente escndalo para a comunidade dos fiis ou quando houver graveinobservncia das normas litrgicas e disciplinares.

    O Sumo Pontfice Joo Paulo II, na Audincia concedida ao abaixo assinado Prefeito,

    aprovou a presente Instruo, decidida na reunio ordinria desta Congregao, emandou que fosse publicada.

    Roma, Sede da Congregao para a Doutrina da F, 14 de Setembro de 2000, Festa daexaltao da Santa Cruz.

    + Joseph Card. RATZINGER,

    Prefeito

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    Tarcisio BERTONE, S.D.B.,

    Arc.Emrito de Vercelli,

    Secretrio

    (1) JOO PAULO II, Exortao Apostlica Christifideles laici, n. 53, AAS 81(1989),p. 498.

    (2) Catecismo da Igreja Catlica, n. 1502.

    (3) JOO PAULO II, Carta Apostlica Salvifici doloris, n. 11, AAS, 76(1984), p. 12.

    (4) Rituale Romanum, Ex Decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani II

    instauratum, Auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, Ordo Unctionis Infirmorumeorumque Pastoralis Curae, Editio typica, Typis Polyglottis Vaticanis, MCMLXXII, n.2.

    (5) JOO PAULO II, Carta Apostlica Salvifici doloris, n. 19, AAS, 76(1984), p. 225.

    (6) JOO PAULO II, Exortao Apostlica Christifideles laici, n. 53, AAS 81(1989),p. 499.

    (7)Ibid., n. 53.

    (8) Catecismo da Igreja Catlica, n. 1511.

    (9) Cfr. Rituale Romanum, Ordo Unctionis Infirmorum eorumque Pastoralis Curae, n.5.

    (10) Ibid., n. 75.

    (11) Cfr.Ibid., n. 77.

    (12) Missale Romanum, Ex Decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani IIinstauratum, Auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, Editio typica altera, TypisPolyglottis Vaticanis, MCMLXXV, pp. 838- 839.

    (13) Cfr. Rituale Romanum, Ex Decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani IIinstauratum, Auctoritate Ioannis Pauli II promulgatum, De Benedictionibus, Editiotypica, Typis Polyglottis Vaticanis, MCMLXXXIV, n. 305.

    (14) Cfr.Ibid., nn. 306-309.

    (15) Cfr.Ibid., nn. 315-316.

    (16) Cfr.Ibid., n. 319.

  • 8/6/2019 Instruo sobre as oraes para se alcanar de Deus a cura

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    (17) Rituale Romanum, Ordo Unctionis Infirmorum eorumque Pastoralis Curae, n. 3.

    (18) Cfr. CONCILIO DE TRENTO, sesso XIV, Doctrina de sacramento extremaeunctionis, cap. 2: DS, 1696.

    (19) AUGUSTINUS IPPONIENSIS,Epistulae 130, VI,13 (PL 33,499).

    (20) Cfr. AUGUSTINUS IPPONIENSIS,De Civitate Dei 22, 8,3 (PL 41,762-763).

    (21) Cfr. Missale Romanum, p. 563.

    (22) Ibid., Oratio universalis, n. X (Pro tribulatis), p. 256.

    (23)Rituale Romanum, Ordo Unctionis Infirmorum eorumque Pastoralis Curae, n. 75.

    (24) GOAR J., Euchologion sive Rituale Graecorum, Venetiis 1730 (Graz 1960), n.338.

    (25) DENZINGER H., Ritus Orientalium in administrandis Sacramentis, vv. I-II,Wrzburg 1863 (Graz 1961), v. II, 497-498.

    (26) Rituale Romanum, Ex Decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani IIinstauratum, Auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, De Sacra Communione et de CultuMysterii Eucharistici Extra Missam, Editio typica, Typis Polyglottis Vaticanis,MCMLXXIII, n. 82.

    (27) Cfr.Rituale Romanum,De Benedictionibus, nn. 290-320.

    (28) Ibid., n. 39.

    (29) E quantos a ele so equiparados em virtude do can. 381, 2.

    (30) CONGREGAO PARA A DOUTRINA DA F, Instruo Il Concilio VaticanoII, Sobre alguns aspectos do uso dos instrumentos de comunicao social para apromoo da doutrina da f, Cidade do Vaticano [1992].

    (31) CONGREGATIO PRO DOCTRINA FIDEI, Epistula Inde ab aliquot annis,Ordinariis locorum missa: in mentem normae vigentes de exorcismis revocantur, 29septembris 1985, in AAS 77(1985), pp. 1169-1170.

    (32) Cfr. Rituale Romanum, Ex Decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani IIinstauratum, Auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, De exorcismis et supplicationibusquibusdam, Editio typica, Typis Vaticanis, MIM,Praenotanda, nn. 13-19.