“Integração Regional, Livre Comércio e Direitos...

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1 Projeto “Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho no contexto da Conferencia Interamericana de Ministros de Trabalho da Organização dos Estados Americanos (CIMT-OEA)” “Integração Regional, Livre Comércio e Direitos Trabalhistas” Pesquisadora: Maria Silvia Portela de Castro Revisor das questões jurídicas: Bruno de Araújo Leite Dezembro de 2004

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Projeto “Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho no contexto da Conferencia Interamericana de Ministros de Trabalho da Organização dos

Estados Americanos (CIMT-OEA)”

“Integração Regional, Livre Comércio e Direitos

Trabalhistas”

Pesquisadora: Maria Silvia Portela de Castro

Revisor das questões jurídicas: Bruno de Araújo Leite

Dezembro de 2004

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Agradecemos imensamente a colaboração de Lais Abramo, Patrícia Audi,

Pedro Américo Oliveira, técnicos e técnicas da OIT–Brasil que leram e

comentaram a versão preliminar deste informe e forneceram dados e

textos de análises fundamentais para o trabalho.

Agradecemos também a Leonardo Neves da OIT-Lima e Maria Luz Vega,

da OIT de Genebra que também nos ajudaram com seus comentários e

sugestões.

E agradecemos ao Dr. Ericson Crivelli que nos forneceu interessantes e

úteis comentários sobre o funcionamento da Comissão Sociolaboral do

Mercosul.

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Apresentação

O informe “Integração Regional, Livre Comércio e Direitos Trabalhistas” insere-se no projeto

“Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho no contexto da Conferência Interamericana

de Ministros de Trabalho da Organização dos Estados Americanos, (CIMT-OEA)”, patrocinado

pelo USDOL e pretende fornecer elementos para uma melhor compreensão da relação entre

integração econômica e dimensão laboral.

A pesquisa abarca o grau de aplicação dos princípios e direitos fundamentais no trabalho no

Brasil, tendo como pano de fundo a inter-relação entre livre comércio e promoção de direitos

fundamentais e os efeitos dos compromissos trabalhistas assumidos no marco dos acordos de

integração regional relativos ao cumprimento dos princípios e direitos fundamentais no

trabalho da OIT.

Uma importante preocupação do projeto da OIT é refletir sobre até que ponto os acordos de

integração e os de livre comércio podem servir como condutores do desenvolvimento da

dimensão trabalhista e contribuir para a correta aplicação das normas fundamentais do

trabalho reconhecidas internacionalmente. A avaliação dessa questão poderia comportar uma

análise teórica sobre as distintas hipóteses e recomendações que têm sido ventiladas sobre o

papel que podem cumprir os acordos comerciais em seus distintos formatos. Neste sentido o

documento da Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização, patrocinada pela

OIT, é sem dúvida o mais completo e mais avançado. Mas preferimos tratar do tema

analisando diretamente o desenvolvimento das negociações do Mercosul e suas implicações

sobre os temas trabalhistas.

A implementação do livre comércio, sem a adoção de políticas complementares que permitam

processos de reconversão produtiva e profissional e sem programas voltados à cobertura das

deficiências sociais, dificilmente permitirá uma maior inclusão social no interior das nações

envolvidas. Mesmo havendo a adoção formal de documentos de proteção trabalhista, como é

o caso de Mercosul, se o processo de integração não contemplar políticas voltadas para o

desenvolvimento produtivo, será muito difícil manter e elevar o grau de proteção social e

trabalhista existentes. Esses aspectos serão tratados na I parte do trabalho.

Tendo como pano de fundo o estado atual das negociações do Mercosul, analisamos o

tratamento dos temas relativos aos direitos trabalhistas desde o início do bloco, em 1991 até

à Declaração dos Ministros do Trabalho, de abril de 2004, propondo o desenvolvimento de

uma Estratégia de Emprego no Mercosul. Nesse percurso descrevemos a estrutura e agenda

do SGT de Relações Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social em suas diversas etapas,

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destacando os avanços da Declaração Sociolaboral e da Comissão Sócio Laboral e a criação

do Observatório do Mercado de Trabalho do Mercosul. Concluímos com os comentários sobre

as propostas postas sobre a mesa pelos organismos estatais e pelas organizações sindicais e

com algumas sugestões de como se poderia dar maior efetividade aos instrumentos já

existentes.

Por fim abordamos a Declaração Sociolaboral, sua inter-relação com a declaração de Direitos

fundamentais da OIT, como tem sido utilizada no Mercosul e as lacunas e problemas ainda

existentes para que tenha uma cobertura mais efetiva.

Na II parte tratamos da aplicação no Brasil das normas fundamentais reunidas na Declaração

e Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT. A partir de várias fontes - relatórios

e informes dos órgãos de controle interno da OIT; informes e relatórios governamentais, do

Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público; artigos e pesquisas sobre a

erradicação do trabalho infantil, de eliminação do trabalho forçoso e a questão da igualdade

de gênero e raça; etc - procuramos traçar um quadro o mais próximo possível da realidade,

reconhecendo porém que essa averiguação exigiria uma pesquisa de campo, muito mais

detalhada, o que seria inviável no escopo desta pesquisa, tendo em vista a enorme extensão

do Brasil.

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I Parte

O Mercosul como instrumento de ampliação e promoção dos direitos fundamentais do trabalho.

Analisar os efeitos diretos – positivos ou negativos – das negociações do Mercosul sobre a

promoção dos direitos socio-laborais é uma tarefa nem sempre fácil, já que a construção desse

bloco regional tem convivido com um processo de abertura unilateral a terceiros mercados e a

adoção de medidas nacionais de ajuste fiscal e monetário, que têm tido efeitos diretos sobre

o emprego e as condições de trabalho. Isto quer dizer que uma análise do Mercosul requer

uma abordagem inicial sobre os novos parâmetros estabelecidos pela globalização de

mercados e capitais financeiros, que interferem diretamente no formato, dimensões e

gerenciamento dos processos de integração regional e por extensão na regulação e

funcionamento de seus mercados de trabalho.

Pode-se dizer que as características fundamentais da globalização são a liberalização do

comércio internacional e dos investimentos externos. Essas mudanças foram viabilizadas pela

combinação da redução e/ou eliminação das barreiras políticas nacionais às transações

econômicas internacionais e o desenvolvimento crescente das novas tecnologias,

especialmente nos campos da informação e das comunicações, que reduzem o custo da

circulação de informações e facilitam as transações econômicas internacionais, bem como a

livre circulação de bens e serviços.

A globalização levou a um aumento da competição nos mercados globais, aspecto que passou

a interferir nas decisões dos Estados nacionais. A busca de maior competitividade leva à

adoção de estratégias de produção e comércio que resultam em maior concentração de

capital e à utilização de tecnologias de produção poupadoras de mão de obra. Se no modelo

desenvolvimentista a meta das empresas de capital internacional era lograr que suas filiais se

expandissem no interior dos mercados nacionais protegidos, agora, neste novo cenário, a

estratégia das grandes empresas transnacionais é expandir-se no mercado global através do

livre comércio e para isso redirecionam seus investimentos e invertem e modificam sua

estrutura espacial, gerando estruturas globais de produção e oferta.

A combinação entre a concentração das corporações na economia global e os intensos

processos de privatização, realizado pelos países em desenvolvimento nas décadas de 80 e

90, transferiu um imenso patrimônio produtivo das mãos dos Estados nacionais para o

controle das grandes corporações, intensificou o processo de fusões e incorporações, em

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todas as áreas econômicas, motivado pelo novo padrão competitivo que pressupõe saltos

tecnológicos e busca de mercados cada vez mais globais. O resultado é que o volume de

fusões e aquisições operado no mundo evoluiu de 150 para 720 bilhões de dólares entre

1990 e 1999.

Essas mudanças se refletiram diretamente sobre os atores do cenário econômico mundial,

atingindo tanto os países centrais, quanto os países da periferia do capitalismo mundial, com

importantes decorrências sociais, políticas e culturais. A busca de maior competitividade leva

as empresas transnacionais a encadear o trabalho de diferentes tipos e diferentes regiões nas

cadeias produtivas globais, gerando um mercado de trabalho global. Um mercado que não

incorpora a regulação das normas protetivas das relações de trabalho porque a liberalização

global não inclui a livre circulação de pessoas.

Esse processo, ao largo de uma década e meia, ampliou as diferenças econômicas, produtivas

e sociais entre os países em desenvolvimento e mais pobres e os países centrais que

passaram a concentrar ainda mais os investimentos e o controle da produção tecnológica. Em

sua grande maioria, a propriedade das patentes está sob controle dos países do norte e, a

difusão e utilização das novas tecnologias processam-se através das empresas multinacionais

nos mercados globais, fator que reforça a margem de manobra das empresas nas

negociações com os governos dos países em desenvolvimento. O controle da difusão de

novas tecnologias tem impacto direto na vantagem comparativa, competitividade das

empresas, demanda de mão de obra, organização dos processos de trabalho e nas relações

de emprego1.

Neste contexto de crescente abertura econômica e maior influência das forças de mercado

globais, o comércio e os investimentos externos diretos se interligam cada vez mais e se

desenvolvem através do rápido crescimento das trocas intra-empresariais (responsáveis por

mais de 70% do comércio global), incidindo na formação de blocos regionais, através da

concentração dos empreendimentos e a ampliação das vendas nos mercados integrados.

Foi nesse contexto que, em 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai decidiram criar o

Mercado Comum do Sul-Mercosul, estabelecendo como meta a liberalização comercial entre si

e a construção de um bloco comercial que possibilitasse aos países envolvidos,

1 DUPAS, Gilberto – “A lógica da economia global e a exclusão social”, mimeog., Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo - Área de Assuntos Internacionais, São Paulo, setembro de 1998. Ao analisar relação entre globalização e geração de empregos, o autor considera que “As modificações ocorridas no seio das cadeias produtivas globais alteram de modo decisivo a forma como os países e os agentes econômicos relacionam-se entre si, apropriam-se da riqueza, alteram o mapa mundial, a demanda por trabalho e a força relativa dos diversos grupos de trabalhadores. A ampla fragmentação do processo produtivo, a progressiva fragilização das fronteiras nacionais e a flexibilização dos transportes geraram uma profunda alteração dos padrões de produção, dos sistemas de gestão e da forma de utilização da mão-de-obra.”

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principalmente os dois maiores, abrir suas economias ao comércio internacional em melhores

condições, aumentar a capacidade de escala e transformar-se num novo pólo de atração de

investimentos externos. Através do Tratado de Assunção os 4 países acordaram a criação de

uma União Aduaneira em quatro anos, baseada num processo de desgravação tarifária

multisetorial e automático e no estabelecimento de uma tarifa externa comum. Este processo

se desenvolveu de forma concomitante a uma abertura comercial generalizada, não

negociada e unilateral, promovida por esses países no início dos anos 90, e a adoção de um

conjunto de medidas macroeconômicas de corte liberal, visando alcançar a estabilidade

financeira e monetária. Com a adoção de planos de ajuste fiscal e cambial pelos dois maiores

sócios, a região se tornou mais aberta, mais dependente do mercado financeiro internacional

e mais vulnerável aos vai e vem do fluxo de capitais.

1. As consequências de um processo de integração globalizado.

Na primeira metade da década de 90 a liberalização das tarifas comerciais intra-bloco

produziu um forte crescimento do comércio intra Mercosul (que cresceu 7 vezes nesse

período) e provocou também uma nova onda de reestruturação nas grandes empresas da

região, que redesenharam seu mapa produtivo visando o aumento de escala de produção e o

estabelecimento de uma rede de comércio para melhorar sua inserção no plano regional e

global

O volume de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) mais que quadruplicou, motivado em

grande parte pela privatização de importantes ativos estatais e pela possibilidade de atuação

em um mercado integrado, o que significou a compra de ativos estatais, fusão ou aquisição

de empresas locais e a ampliação de ativos já instalados. Analisando-se a distribuição dos

IEDs na Argentina e principalmente no Brasil, nota-se que cerca de 80% dirigiu-se à compra

de ativos públicos e ou empresas já instaladas, 15% teve como destino a ampliação de

empreendimentos já instalados e apenas 5% resultou em novos empreendimentos.

Nesta lógica, a especialização e a cooperação produtiva e comercial no Mercosul foram

determinadas pelas relações inter-empresariais – fusões, compras, representações

comerciais, franquias – e sua forma de inserção nas cadeias produtivas mundiais. Entre 1990

e 1998 o comércio intra-Mercosul saltou de US$ 4 para US$ 20 bilhões, sendo que 60%

desse volume veio da troca intra-cadeias industriais.

Vale dizer que o Mercosul, apesar de desenhado como um instrumento que deveria promover

de forma protegida a inserção da região na economia internacional, ao ser negociado num

cenário de “integração globalizada” e sob uma orientação política desreguladora – o Plano de

Convertibilidade na Argentina, em 1991 e o Plano Real no Brasil em 1994 – não pode evitar

sua crescente vulnerabilidade financeira e dependência dos capitais externos e sofreu

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intensamente os impactos da crise financeira internacional do final dos anos 90. A

supervalorização cambial provocou um importante déficit de sua balança comercial com os

EUA e a UE, principalmente na área de bens industriais. Em 1997 as importações de fora da

região registravam um crescimento de 146% e a exportações de apenas 61%.

O impulso do comércio intra-bloco, verificado na fase de transição, até 1994, continuou por

mais quatro anos, período em que deveriam ter sido promovidos a consolidação da Tarifa

Externa Comum, a harmonização das políticas macroeconômicas e produtivas e o

aprofundamento da institucionalidade do Mercosul. Nada disso ocorreu e, quando os dois

maiores países se viram atingidos, pelas crises financeiras do México, Ásia e Rússia, sua

defesa foi dispor das exceções permitidas pelo processo de convergência tarifária para tentar

controlar seus preços internos, debilitando mais o processo convergente da União Aduaneira.

Junte-se a esse cenário as negociações externas do Mercosul, a partir de 1995 – na ALCA,

com a CAN e com a UE – que passaram a condicionar sua agenda negociadora dos temas

relativos ao livre comércio de bens agrícolas, industriais e de serviços.

Essas escolhas debilitaram o processo de integração e quando, em 1999, os níveis de

comércio começaram a cair, os conflitos setoriais localizados se amplificaram, atingindo

esferas mais amplas. Em 2001, enquanto o Brasil recuperava alguns níveis de estabilidade, o

intercâmbio comercial retrocedeu a volumes de 10 anos antes e a crise econômica e social se

aprofundou nos demais países – culminando com a queda do Presidente de La Rua na

Argentina. Em 2002, o processo negociador se estagnou, explicitando a fragilidade do

Mercosul e suas dificuldades para se consolidar como bloco.

Os indicadores sociais e de emprego, ao longo desse período descrito, foram descendentes,

refletindo a abertura comercial e a internacionalização dos mercados nacionais. Ainda que

seja difícil distinguir os impactos diretos da liberalização comercial sobre a ocupação, devido

à concomitância com outras medidas de efeito negativo mais direto (como a privatização e a

desregulação econômica), existe um certo consenso que houve um aumento do desemprego

e da precarização do trabalho e um aumento na produtividade. A questão é quanto dos

efeitos sobre o mercado de trabalho foi conseqüência da liberalização comercial e quanto do

aumento direto da produtividade.

Segundo um estudo, de 2001, do IPEA sobre os efeitos observados a partir de 1990 sobre o

mercado de trabalho brasileiro, houve “um aumento na taxa de desemprego metropolitana

de 5% em 1992 para 8% em 1998”; houve uma inversão na tendência de “formalização do

mercado de trabalho” observada entre os anos 70 e início dos 90, “o número de empregados

sem carteira e empregos por conta própria, começou a aumentar mais rapidamente que o

numero de empregos com carteira”; ocorreu uma diferenciação na distribuição dos

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rendimentos do trabalho, beneficiando de um modo geral os trabalhadores com ensino

superior completo, ao contrário dos trabalhadores sem ensino formal; registrou-se uma

convergência nos salários dos diferentes setores industriais e inexistência de uma mudança

significativa nos diferentes salários por região e um aumento na produtividade da indústria2.

Lembram os autores do estudo que nesse período, ademais da liberalização comercial, a

economia brasileira sofreu grandes mudanças provocadas pela nova Constituição de 1988,

(principalmente no capítulo da previdência) e pela adoção de três planos de estabilização

econômica – os planos Collor I e II e o plano Real, que resultaram num processo de

flexibilização do mercado de trabalho (banco de horas, lay-off, etc.).

Maia (2001) mostra os efeitos diretos do livre comércio sobre a ocupação: “A penetração das

importações para consumo destruiu, relativamente, mais postos de trabalho no setor de

automóveis, caminhões, ônibus, outros veículos e peças; de indústrias diversas; e de

calçados. Os setores que se destacaram pela redução do emprego devido à penetração das

importações de bens intermediários foram: de farmácia e perfumaria; têxtil; de borracha;

refino de petróleo; e de material elétrico e equipamentos eletrônicos, o que sugere baixa

competitividade em relação ao mercado mundial. O setor de extração de petróleo e gás, o

único setor que gerou emprego – principalmente qualificado – mostrou-se o mais

competitivo. Já a importação de bens de capital destruiu postos de trabalho, principalmente

nos setores de máquinas e tratores, e indústrias diversas, o que indicou baixa

competitividade de seus produtos. A penetração das importações mostra, claramente, que o

processo de liberalização incentivou o consumo, principalmente o de bens intermediários.

Isso reflete que tais setores precisariam de um período maior para se adaptar ao novo

panorama econômico e reestruturarem seus processos produtivos a fim de ganharem espaço

no mercado mundial.3

Para a autora, ainda que o aumento de produtividade tenha sido responsável pela maioria

dos empregos perdidos, não se pode desvincular esse efeito da abertura comercial em

relação ao aumento do fluxo de investimentos, o aumento da composição do capital fixo e o

aumento da concorrência com os produtos importados.

“O que chamou a atenção, no entanto, foi o grau com que a mudança tecnológica, em

decorrência da produtividade do trabalho, afetou o emprego qualificado. As evidências

indicam que o processo de liberalização comercial teve um papel preponderante neste caso,

2 Soares, Sergei ; Servo, Luciana M. Santos e Arbache , Jorge Saba - O Que (não) Sabemos sobre a Relação entre Abertura Comercial e Mercado de Trabalho no Brasil , IPEA, Rio de Janeiro, 2001. (Texto para Discussão, 843 ). 3 Maia, Kátia - O Impacto do Comércio Internacional, da Mudança Tecnológica e da Demanda Final na Estrutura de Emprego, por Nível de Qualificação, no Brasil, 1985 – 1995, Anais do XXIX Encontro Nacional de Economia, ANPEC - Associação Nacional do Centros de Pós-graduação em Economia 2001.

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incentivando o mercado de trabalho a demandar relativamente mais mão-de-obra qualificada,

em conseqüência da maior exposição da economia nacional no mercado internacional,

concomitante ao aprofundamento do processo de reestruturação produtiva que normalmente

acompanha a abertura. Se associarmos a mudança tecnológica à produtividade total dos

fatores, também constataremos crescimento significativo da produtividade ao longo do

período examinado que abrange o processo de abertura. Portanto, o principal causador dos

ganhos de produtividade foi a liberalização comercial. A partir de então, aumentaram

substancialmente os requisitos de mão-de-obra qualificada das exportações brasileiras. Por

outro lado, a liberalização não alterou a proporção dos fatores usada nas importações. Estes

resultados, portanto, contrariam os preceitos teóricos. Todavia, constatamos que o padrão de

vantagem comparativa do país não foi alterado, ou seja, o Brasil manteve-se intensivo em

mão-de-obra menos qualificada após a liberalização comercial, no período analisado.” 4

Essas observações decorrentes da abertura comercial da economia brasileira podem, sem

qualquer duvida, ser estendidas à Argentina, país que sofreu um processo semelhante e com

maior dramaticidade, devido ao período mais prolongado de adoção do cambio

sobrevalorizado. Para o Uruguai são encontrados dados semelhantes aos brasileiros: “O setor

manufatureiro uruguaio, em resposta à redução de barreiras ao comércio, empreendeu uma

atualização tecnológica beneficiando tecnologias mais capital intensivas. O uso de tais

tecnologias trouxe um aumento progressivo e sistemático na produtividade média do

trabalho. (...) Ainda que abertura da economia tenha implicado tanto na criação quanto na

destruição de empregos, no geral houve uma alta taxa de destruição [de empregos] . Essas

taxas líquidas de destruição são explicadas principalmente pela diminuição e extinção de

firmas.” 5

O concreto é que ao longo dos 10 anos posteriores à assinatura do Protocolo de Ouro Preto

(1994), que deu início ao Mercosul, houve um expressivo crescimento do desemprego e do

emprego de baixa qualidade ou sem cobertura social nos quatro países, resultando no

aprofundamento da desigualdade social no Brasil e no Paraguai e uma abrupta queda nos

standards sociais da Argentina e Uruguai.

A questão social só passou a ter um lugar mais destacado nas declarações presidenciais a

partir de 2001, quando a crise social evoluiu para uma crise política na Argentina que

paralisou o Mercosul. Essa ênfase, no entanto, não saiu da esfera da retórica e no máximo

gerou declarações presidenciais como a que foi aprovada em fevereiro de 2002, pela

4 idem. 5 Casacuberta, Carlos ;Fachola, Gabriela e Gandelman, Néstor - The Impact of Trade Liberalization on Employment, Capital, and Productivity Dynamics: Evidence from the Uruguayan Manufacturing Sector, Inter-American Development Bank 2004 , Research Network Working Paper #R-479.

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erradicação do Trabalho Infantil (o documento apenas reforçava o compromisso estabelecido

pela Declaração Sociolaboral adotada em 1998). A mesma retórica pode ser encontrada nas

atas do Conselho do Mercado Comum e do Grupo do Mercado Comum desse período, mas

não há registro de medidas concretas para atenuar esses problemas, salvo o registro e/ou a

aprovação de encaminhamentos do Subgrupo de Trabalho sobre Relações Trabalhistas,

Emprego e Seguridade Social - SGT 10 e da Comissão Sociolaboral.

Essas constatações podem soar contraditórias, se recordarmos que sempre houve um espaço

específico para o tratamento dos temas trabalhistas e do emprego e que, em 1998, foi

aprovada a Declaração Sociolaboral e criada a Comissão Sociolaboral. Mas não o são, pois se

as decisões econômicas e comerciais não se direcionarem a promover o emprego de

qualidade e o progresso social, os espaços de tratamento do tema trabalhista e social

tornam-se pouco efetivos.

2. As mudanças políticas ainda não se traduziram em melhoria dos padrões trabalhistas e sociais.

Em 2003, com a posse dos novos governantes, o projeto de recuperação do Mercosul passou

a ocupar um lugar importante nas agendas governamentais - principalmente como base de

sua estratégia de relacionamento externo - colocando a necessidade de uma maior

participação dos Estados na formulação de políticas regionais e consolidação do bloco. Novas

metas foram traçadas e dentre as prioridades estabelecidas, os temas sociais passaram a ter

um lugar mais relevante nas declarações e discursos presidenciais. Há avanços nesse campo

e trataremos dos mesmos a seguir, mas não se pode dizer que o quadro anteriormente

descrito tenha se alterado, ou seja, que os projetos e propostas relativos aos temas sociais

tenham ultrapassado o estágio da retórica.

O primeiro sinal de mudança política (afora os discursos das campanhas eleitorais) veio com

as declarações bilaterais firmadas pelos Presidentes Lula e Kirchner, anunciando uma série de

medidas e iniciativas como por exemplo a criação de um Instituto Social (inicialmente

bilateral). Na sequência, ambos presidentes, assinaram, em Buenos Aires (em outubro de

2003 6), um importante documento, denominado o “Consenso de Buenos Aires”. Num claro

contraponto ao Consenso de Washington, o documento assumiu um tom bastante crítico

sobre a globalização “Manifestamos a nossa convicção de que, em um contexto mundial

6 O documento foi aprovado em 16 de outubro de 2003, durante uma visita do Presidente Lula à Argentina, ocasião em que foram assinados os seguintes instrumentos bilaterais: a) Consenso de Buenos Aires; b) Declaração sobre a Água e a Pobreza; c) Acordo sobre Simplificação de Legalizações de Documentos Públicos; d) Acordo de Cooperação entre as Autoridades de Defesa da Concorrência na Aplicação das Leis de Concorrência ; e) Acordo por Troca de Notas que Modifica o Acordo de Facilitação de Atividades Empresariais; f) Memorando de Entendimento para a criação da Comissão de Monitoramento do Comércio entre Brasil e Argentina; g) Memorando de Entendimento

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caracterizado pela aceleração de um processo de globalização que tem ampliado o horizonte

das possibilidades humanas, mas que, paralelamente, tem gerado inéditas modalidades de

concentração econômica, nossas nações devem definir seu futuro no âmbito de uma agenda

que responda às necessidades, possibilidades e desafios que singularizam nossos países no

início de século XXI”. Assim como considerou a integração regional como uma opção

estratégica para a inserção da região na economia globalizada “....Uma maior autonomia de

decisão nos permitirá enfrentar de maneira mais eficaz os movimentos desestabilizadores do

capital financeiro especulativo, bem como os interesses contrapostos dos blocos mais

desenvolvidos, amplificando nossa voz nos diversos foros e organismos multilaterais”.

Quanto ao tema do trabalho, reconheceram a necessidade de se implementar uma política

produtiva no Mercosul e manifestaram a “convicção de que o trabalho decente, da maneira

como é concebido pela OIT, constitui o instrumento mais efetivo de promoção das condições

de vida de nossos povos e de sua participação nos frutos do progresso material e humano”.

Aparentemente a concretização dessas metas viria com a aprovação, na reunião de

Presidentes de dezembro de 2003, do Plano de Trabalho 2004-2006, que se diferenciou

marcadamente dos planos anteriores 7, ao incluir em seus objetivos o tratamento dos temas

sociais, produtivos e de direitos da cidadania. Outra diferença importante foi o fato do

documento ter incorporado (pela primeira vez na história do Mercosul) sugestões da

sociedade, através de proposta apresentada pelo Foro Consultivo Econômico e Social do

Mercosul.

O Plano de Trabalho estabeleceu como metas a criação do mercado comum até 2006; a

implantação de um Parlamento Comum; a ampliação da dimensão social e cidadã do bloco; a

materialização de todos os requisitos para a união aduaneira e uma nova agenda de

integração para os campos de produção e desenvolvimento tecnológico. Na política

macroeconômica o Plano de Trabalho não projetou mudanças do rumo anterior e no plano da

integração produtiva as tarefas e instrumentos propostos foram muito tímidos. Isto nos faz

supor que mesmo sendo implementado – o que não vem ocorrendo - não haveria mudanças

na política econômica a curto e médio prazo, o que dificultará a consolidação da dimensão

social do Mercosul.

para o estabelecimento de um mecanismo de intercâmbio de informação sobre a circulação e o tráfico ilícito de armas de fogo, munições, explosivos e outros materiais correlatos. 7 O Cronograma de Las Leñas de 1992; o Programa Mercosul 2000 de 1996 e a agenda de Relançamento de 2000.

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3. Os instrumentos e mecanismos existentes para uma maior incorporação da dimensão laboral.

Desde o princípio de sua construção, as questões relativas aos direitos trabalhistas e ao

emprego integram a agenda de negociações do Mercosul. Para Jose Robles, advogado

trabalhista e Professor de Direito do Trabalho da Universidade de Buenos Aires, o Mercosul

tem duas características muito importantes: sua experiência de integração vem sendo

impulsionada a partir das soberanias nacionais e estabeleceu um 'modelo social'

completamente original.8

No Tratado de Assunção havia apenas uma breve menção à questão social no primeiro

“considerando” de sua introdução “que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados

nacionais, através da integração constitui condição fundamental para acelerar seus processos

de desenvolvimento econômico com justiça social;” e não se previa o estabelecimento de

um espaço para o tratamento do tema trabalhista. A proposta de criação do Subgrupo de

Relações Trabalhistas (primeiro como o 11o. subgrupo e depois de 1994 como 10o. SGT) foi

aprovada na reunião de Ministros do Trabalho realizada em dezembro de 1991, na Ciudad del

Este (Paraguai), atendendo a uma demanda das organizações sindicais. Para o Prof. Robles,

foi a partir da “notável agilidade demonstrada pelo sindicalismo de nossos países para

responder ao desafio que colocava a criação do Mercosul” que a dimensão social foi incluída

no processo adotando “características profundamente originais.” 9

Passados 12 anos esse espaço se ampliou e se fortaleceu com a adoção da Declaração

Sociolaboral-DSL e a criação da Comissão Sociolaboral-CSL (único organismo institucional de

composição tripartite – status não previsto nem no Tratado de Assunção e nem no Protocolo

de Ouro Preto); a criação do Observatório do Mercado de Trabalho-OMT, a instalação das

Reuniões Especializadas de Cooperativas e da Agricultura Familiar; as experiências

resultantes da articulação das Inspeções de Trabalho para operativos conjuntos, a aprovação

do Acordo Multilateral de Seguridade Social (1998), a Declaração Presidencial pela

Erradicação do Trabalho Infantil (2001), etc.

Sem dúvida é o bloco que mais instâncias dispõe para o tratamento dos temas sociais e

trabalhistas e é o segundo em matéria de adoção de documentos de proteção trabalhista.

Porque então o quadro social não tem melhorado? Porque então nos países do Mercosul é

8 BARZAN, Juan - Los desafíos para Lula en el campo del desarrollo regional, Argenpress.info, 09/01/2003 9 idem. “En este proceso hay que destacar el significado que tiene la Coordinadora de Centrales Sindicales del Cono Sur (CCSCS), y dentro de ella el papel protagónico desempeñado por la CGT argentina, la CUT brasileña, y el PIT-CNT uruguayo. Creada en los 80´ para responder a las amenazas que emergían en contra de la democracia en la región, reaparece en los 90´ para hacer frente al desafío del MERCOSUR, con una vitalidad que pone en evidencia que el movimiento obrero organizado es el núcleo duro de la sociedad civil y que ninguna política de bienestar social puede sostenerse en el tiempo sin contar con el movimiento sindical.”

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alto o grau de descumprimento das normas trabalhistas fundamentais (existência

comprovada de trabalho infantil e forçoso, enfraquecimento das negociações coletivas e dos

sindicatos, etc), o desemprego permanece em alta (uma taxa média de desemprego de 15%)

e cerca de dois terços dos ocupados não tem contrato de trabalho formalizado?

Responder essa questão foi a motivação de toda a análise anterior, onde fica claro que os

acordos de integração têm que se pautar por parâmetros políticos diferentes dos que foram

estabelecidos pelo modelo de globalização liberal para que os ganhos do crescimento do

comércio resultem em geração de empregos e melhor distribuição de renda.

Com isto não se quer diminuir, ou desprezar, os instrumentos existentes no Mercosul para

aplicação e promoção dos direitos laborais fundamentais internacionais. Pelo contrário, se

reconhece que estes podem e devem propor medidas protetivas e mudanças nas políticas

econômicas, comerciais e produtivas, para que estas ofereçam melhor acesso ao consumo

aos cidadãos e, principalmente, ampliem as oportunidades de trabalho e melhorem os

salários. Mas, para isso, estes instrumentos têm que ser realmente valorizados pelos

governos associados e melhor aproveitados pelos atores sociais.

O patrimônio já existente e, acontecimentos como a realização da Conferência Regional de

Emprego, ampliam essas possibilidades e serão o alvo desse capítulo, após uma breve

retrospectiva do SGT de Relações Trabalhistas, resgatando inclusive o posicionamento das

representações empresariais e sindicais nos diferentes períodos.

O SGT 11 – 1992 a 1994

Em abril de 1992, sob a coordenação dos Ministérios do Trabalho e participação de

representações sindicais e empresariais, foi instalado o Subgrupo de Relações Trabalhistas,

Emprego e Seguridade Social do Mercosul que tomou a sigla de SGT 11. Inicialmente foi

aprovada uma agenda de trabalho a ser desenvolvida por oito comissões temáticas: 1.

Direitos Trabalhistas Individuais; 2. Direitos Trabalhistas Coletivos; 3. Formação Profissional;

4. Emprego; 5. Saúde e Segurança no Trabalho; 6. Seguridade Social; 7. Questões Setoriais;

8. Normas e Princípios (que ficou encarregada de redigir um projeto de Carta de Direitos

Sociais). Desde então o SGT tem funcionado com a mesma agenda temática, tendo apenas

se alterado nominalmente a sua estrutura.

De acordo com o Cronograma de Las Leñas, nessa primeira fase, o SGT11 deveria realizar

um estudo técnico comparado e elaborar as propostas de harmonização das legislações e

superação das assimetrias existentes para garantir igualdade de trato a todos os cidadãos e

cidadãs do Mercosul.

15

Todas as Comissões realizaram os estudos comparados e algumas puderam apresentar

produtos concretos, tais como: um Nomenclador composto por 13 institutos relativos aos

direitos individuais; a harmonização de um conjunto de conceitos básicos relativos ao

emprego e o mercado de trabalho (como a PEA, trabalhadores ocupados, desemprego,

subemprego, setor informal, precariedade e emprego não registrado e migrações) tendo

como referência a matriz desenvolvida pela OIT e a construção de uma lista de 35

Convenções da OIT já ratificadas pelos 4 países e que poderiam ser aprovadas pelo bloco (a

maioria delas foi incorporada à DSL)10 .

Havia metas importantes para a construção de uma dimensão social no Mercosul, que apesar

de agendadas não foram concluídas nessa fase. Uma delas foi o Reconhecimento de

Equivalências Profissionais, a cargo da Comissão de Formação Profissional, que contaria com

o apoio do Cinterfor/OIT para a construção de um sistema de certificação. Não houve tempo

para concretizar o projeto antes de Ouro Preto e o tema não foi retomado posteriormente. Da

mesma forma, o produto mais importante, que seria a elaboração de uma Carta de Direitos

Fundamentais, não foi concluído. Em ambos os casos houve um entendimento dos

representantes governamentais, apoiado pelas representações empresariais, de que a

inexistência da livre circulação de mão obra tornava desnecessária a conclusão das tarefas

naquele período.

A Comissão de Seguridade Social construiu o Acordo Multilateral de Seguridade Social, que

permitiria a integração de tempo para requerimento de aposentadorias daqueles que

tivessem trabalhado em mais de um país do Mercosul. Apesar de terminado, o Acordo não

chegou a ser aprovado em Ouro Preto e só foi concluído dois anos depois.

Em todo esse período a Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul – CCSCS11 teve uma

atuação muito dinâmica e apresentou propostas e sugestões em todas as comissões, tendo

sido a Carta de Direitos Fundamentais o principal projeto apresentado (1994). Ressalte-se

que apenas as organizações sindicais apresentaram um projeto de Carta. A representação

sindical propôs que em todos os temas em discussão houvesse um corte de gênero12.

Os sindicatos, sempre tiveram um propósito muito claro: articular sua pauta em defesa da

cobertura de direitos laborais, com a participação e propostas em outras áreas temáticas do

10 Lista de Convênios consensuados pelo SGT 11: 1; 11; 13; 14; 19; 22; 26; 29; 30; 77; 78; 79; 81; 90; 95; 97; 98; 100; 105; 107; 111; 115; 119; 124; 135; 136; 139; 144; 151; 154; 155; 159; 162; 167 11 Coordenação independente e autônoma entre as principais centrais sindicais dos países do Mercosul e Chile (CGT e CTA na Argentina; CUT, CGT e FS no Brasil; CUT no Paraguay; PIT- CNT no Uruguay; CUT no Chile), criada em 1986 sob os auspícios da ORIT/CIOSL Atualmente sua Secretaria Geral está a cargo da CUT Brasil e sua Secretaria Técnica está sediada no Uruguay e a cargo do PIT/CNT. 12 A moção foi aprovada, mas não foi colocada em prática.

16

Mercosul (como por exemplo, o acompanhamento e participação das negociações nos

subgrupos de indústria, agricultura, transportes e energia). E sempre alertaram que se as

decisões nos âmbitos da produção e do comércio continuassem produzindo impactos

negativos sobre o emprego e os salários, não se concretizaria o projeto de desenvolvimento e

consolidação da dimensão social e trabalhista do Mercosul.

A atuação empresarial também foi constante e direcionada a detectar as implicações que o

tratamento dos temas laborais poderia ter sobre as relações comerciais. Por exemplo, a

ênfase que as representações empresariais deram à comparação dos custos dos encargos

laborais, objetivava uma avaliação do grau de assimetrias e incidência nos custos de

produção, para que as mesmas não fossem usadas como barreiras não tarifarias. Outro tema

de interesse empresarial era conhecer as ofertas de recursos de treinamento e educação

profissional na hipótese das empresas desejarem transferir pessoal de um país a outro ou

saberem com o que poderiam contar caso decidissem se deslocar geograficamente13.

Segunda fase – SGT 10- 1995 – 2002

Durante o ano de 1995, não houve reunião do SGT de Relações Trabalhistas, enquadrado

pelo Protocolo de Ouro Preto como o de no 10. Somente em maio de 1996 os trabalhos

foram retomados numa reunião em Buenos Aires, que foi marcada por uma forte polêmica

sobre a agenda de trabalho do próximo período. Os coordenadores governamentais se

reuniram separadamente e apresentaram às representações empresariais e sindicais uma

agenda bastante reduzida, que não incluía, por exemplo, o tema do Emprego, considerado

como um tema nacional e não regional e nem a Carta de Direitos Fundamentais. O tema da

Formação Profissional foi reduzido à promoção de intercâmbios e convênios e a Saúde e

Segurança ao levantamento de materiais nocivos para a saúde que não poderiam ou

requereriam cuidados no seu transporte. Com relação à estrutura do SGT 10 os governos

propunham a extinção de todas as comissões e o tratamento dos temas em plenário.

A proposta governamental contou com o apoio empresarial e total oposição dos sindicatos,

que também apresentaram uma proposta de agenda e de funcionamento do SGT 10. As

Centrais Sindicais propuseram que o SGT funcionasse “como um espaço de recebimento e

análise das denúncias encaminhadas pelo setor privado dos quatro países; estabelecesse um

mecanismo de consulta às representações empresariais e sindicais sobre o esclarecimento e

solução para as denúncias” 14 e providenciasse os demais encaminhamentos necessários ao

13 CASTRO, Maria Silvia Portella “Considerações sobre mercado de trabalho e ação sindical no Mercosul” in Impactos do processo de Integração sobre Argentina, Brasil, México e Venezuela, Editora Paz e Terra (em impressão), São Paulo, 1996. 14 Documento Sindical apresentado na reunião de maio de 1996- anexo à ata do SGT 10, maio 1996, Buenos Aires.

17

nível da coordenação e cooperação entre os países membros nas questões relativas às

relações de trabalho. Propunham a continuidade do estudo dos convênios da OIT e sua

ratificação pelos países membros e a criação da Comissão de Direitos Trabalhistas, que

deveria atualizar o Nomenclador e elaborar um Protocolo Sociolaboral contendo um conjunto

de institutos fundamentais que deveriam ser respeitados nos quatro países. Propunham ainda

que o Protocolo garantisse as negociações coletivas bi, tri ou quadri-nacionais (por setor e/ou

empresa), o direito de constituição de Comitês de trabalhadores de empresas bi, tri ou

quadri-nacionais e o fornecimento de informações pelas empresas aos sindicatos em caso de

mudanças do processo de trabalho, decorrente da integração comercial e/ou produtiva.

Outra instância proposta pelas Centrais Sindicais era a Comissão de Emprego e Formação

Profissional que deveria: criar um Observatório sobre Mercado de Trabalho para a realização

de diagnóstico dos impactos sobre o emprego e qualificação profissional nos setores de

maior intensidade comercial; debater e aprovar instrumentos de proteção aos

desempregados e de promoção da requalificação profissional e criar um sistema para a

equivalência profissional.

Depois de um período de debates, os governos aceitaram incorporar alguns dos temas

propostos pelas centrais sindicais e a nova agenda de trabalho foi aprovada no mês de

novembro de 1996, em reunião realizada em Brasília15. É importante relembrar que 1995/96

foi o período de auge dos planos de ajuste e as medidas de flexibilização trabalhista estavam

sendo adotadas nos dois maiores países. No âmbito regional a questão do trabalho havia

passado à condição de terceira categoria e seu tratamento era considerado contraditório com

o discurso do livre comércio. Frente a isso, o que explica a manutenção do SGT 10 e a

aceitação de algumas das demandas sindicais? Sem dúvida os impactos de sua extinção no

plano externo. O tratamento dos temas trabalhistas já era parte do processo e a extinção do

SGT 10 produziria um custo político indesejado, principalmente frente a União Européia,

assim como sua permanência poderia ser um bom anteparo a propostas como cláusula social,

que poderiam surgir nas duas mesas externas de negociação do bloco (com a UE e na ALCA).

Foram criadas três Comissões Temáticas: a de n. 1 – que tratava dos Direitos Trabalhistas e

elaboraria a Declaração Sociolaboral- DSL; a de n. 2 – que trataria de Emprego e Formação

Profissional e criaria o Observatório do Mercado de Trabalho no Mercosul - OMT, assim como

tratariam do Sistema de Equivalências Ocupacionais e do tema das Migrações; e a de n. 3

que trataria de Saúde e Segurança no Trabalho, intercâmbio entre os sistemas de Inspeção

do trabalho dos 4 países e a conclusão do Acordo Multilateral de Seguridade Social.

15 Foi preciso que as Centrais Sindicais ameaçassem retirar-se do SGT 10 para que a agenda fosse ampliada e fossem incluídos alguns dos temas que os sindicatos apontavam como urgentes.

18

Em 1998 registraram-se os avanços mais importantes no campo trabalho, com a criação do

Observatório do Mercado de Trabalho – OMT e a aprovação da Declaração Sociolaboral,

instrumentos que fortaleceram a dimensão social do Mercosul.

O OMT foi definido como um organismo técnico do SGT 10, com uma estrutura simples de

funcionamento: um Conselho Gestor de composição tripartite e uma Secretaria Técnica

Executiva, integrada por 4 técnicos indicados pelos Ministérios do Trabalho sendo que,

rotativamente, um deles assumiria as funções de coordenação. Dentre seus objetivos gerais

estão o acompanhamento dos mercados de trabalho nacionais e eventuais setores

selecionados, para conhecimento e difusão de informações sobre emprego, migrações

trabalhistas, formação profissional, seguridade social, normas regulatórias do mercado de

trabalho e as políticas e programas públicos sobre essas temáticas. Também se aprovou que

este teria a função de coletar, sistematizar e difundir as informações; relacionar-se com

instituições que realizam investigações e pesquisas sobre essas questões - podendo

estabelecer convênios de cooperação; realizar análises das repercussões das decisões

políticas, projetos e programas de ação governamentais ou privados sobre o emprego e a

inclusão do corte de gênero em todos os estudos a serem realizados. Em 1999 foi criada uma

página web do Observatório e, nos dois anos seguintes, foram feitas publicações como dados

estatísticos e análises sobre o comportamento do mercado de trabalho nos quatro países.

Na visão sindical, compartilhada pelos funcionários dos Ministérios do Trabalho, o OMT

deveria ser mais que uma fonte de acompanhamento estatístico do mercado de trabalho e

detectar impactos sobre o emprego que pudessem resultar do comércio regional e

estabelecer-se como um espaço de negociação e de busca de soluções para esses problemas.

Além disso, deveria priorizar o debate de medidas que pudessem ajudar a desenhar uma

futura política de emprego no Mercosul.

A Declaração Sociolaboral – DSL (objeto de análise da última seção desta I Parte) tem uma

importância intrínseca à sua natureza e ao fato de ter criado um organismo de seguimento,

tripartite, a Comissão Sociolaboral - CSL, relacionado diretamente com o Grupo do Mercado

Comum - GMC, ou seja com acesso direto aos órgãos decisórios do Mercosul. Para J.Robles, a

articulação entre DSL e CSL faz do Mercosul “um modelo social original” e único, pois

consolida o conceito de que os direitos trabalhistas devem ser construídos e sustentados pela

participação dos trabalhadores e estabelecidos através do consenso tripartite. Um modelo

democrático que fornece à sociedade ferramentas de acesso aos âmbitos supranacionais,

pensados originalmente como exclusivos dos Estados.

Além disso, a CSL supre em parte a falta de eficácia da Declaração, ao Recomendar ao GMC e

outros órgãos a superação de problemas detectados no exame das memórias nacionais e/ou

apresentados pelas organizações sociais e econômicas. Outro aspecto inovador do documento

19

é seu caráter promocional, pois pode elevar propostas ao GMC visando a obtenção de

melhores práticas pelos Estados Parte, o que não necessariamente ocorreria com um

instrumento sociolaboral de caráter sancionatório, mas diretamente relacionado às disputas

comerciais, como é o caso da cláusula social.

Novamente deve-se ressaltar o papel dos sindicatos para a aprovação desses dois

instrumentos. Na primeira fase as centrais sindicais haviam proposto a criação de um Fundo

de Financiamento e Apoio à Reconversão Produtiva e Profissional como um instrumento que

ajudaria a concretizar uma política de emprego regional e, no campo dos direitos trabalhistas,

haviam proposto a adoção de uma Carta Social. Mas diante das dificuldades em introduzir

esses temas na agenda principal e a franca oposição das representações empresariais e

governamentais, o sindicalismo demonstrou grande dose de pragmatismo e reformulou suas

propostas para garantir avanços nesses campos. Nessa mudança deve ter pesado também o

enfraquecimento da ação sindical nos quatro países e a flexibilização da legislação trabalhista

que vinha ocorrendo no Brasil e principalmente na Argentina, aspectos que fragilizavam a

idéia anterior de promover a harmonização laboral a partir dos níveis nacionais mais altos.

As perspectivas que se abriram a partir de 2003

As mudanças políticas nos governos e a revalorização dos Ministérios do Trabalho na

Argentina e no Brasil permitiram que as negociações dos temas trabalhistas e sociais

passassem a desfrutar de maior espaço na agenda dos organismos decisórios do Mercosul.

Mas isto não significa que nos dois anos de mudanças políticas do Mercosul se haja avançado

de forma concreta e se perceba sensíveis avanços em termos de maior comprometimento dos

quatro governos com a aplicação das normas fundamentais internacionais da OIT, base e

coração da DSL.

Mas há avanços em termos propositivos e estes deveriam ser melhor utilizados pelos

funcionários dos Ministérios do Trabalho e principalmente pelos atores sociais, para que de

fato o Mercosul seja um canal de promoção trabalhista e social.

a) O Plano de Trabalho 2004/2006. O capítulo do Mercosul Social lista como prioridades

os seguintes temas: Circulação de mão-de-obra e promoção dos direitos dos trabalhadores -

Avaliar, durante o ano de 2004, a inter-relação dos distintos acordos assinados, ou em

negociação, que se referem à livre circulação dos cidadãos dos Estados Partes, com o

objetivo de analisar a possibilidade de consolidá-los em um único documento, sem prejuízo

da aprovação dos instrumentos já negociados sobre circulação de pessoas. Migrações -

Realizar gestões no mais alto nível para que entre em vigência o Acordo sobre Residência de

Nacionais do Mercosul e de Regularização Migratória para cidadãos do Mercosul, para fins de

2004. Realizar a Conferência sobre Emprego, em abril de 2004, em Buenos Aires.

20

No item sobre os direitos trabalhistas, as propostas do Plano de Trabalho reforçam o papel

fiscalizador da CSL (que deveria conduzir uma avaliação mais ampla sobre o cumprimento a

DSL em cada país) e o caráter promocional da mesma, ao atribuir-lhe a tarefa de elaborar

propostas para a promoção de direitos trabalhistas até dezembro de 2004.

Mas, tão importante quanto propor, é garantir as condições para que as propostas se

viabilizem. É obvio que uma tarefa dessas dimensões, para ser levada a prática de forma

consistente, exige recursos materiais e humanos que a CSL não dispõe, possibilidade até

agora não aventada pelo GMC, o que enfraquece os objetivos traçados.

Caberia aos membros da CSL cobrar essa condição e/ou pelo menos dimensionar fórmulas

para a sua efetivação (por exemplo, o estudo de alguns casos, a realização de uma pesquisa

amostral, etc). Surpreendentemente, porém, passados 10 meses da aprovação do Plano de

Trabalho, esta proposta não foi sequer debatida na Comissão Sociolaboral - CSL16.

b) A Declaração dos Ministros do Trabalho propondo a adoção de uma Estratégia de

Emprego - A Primeira Conferência Regional de Emprego do Mercosul, realizada em abril de

2004, na cidade de Buenos Aires, foi organizada e coordenada pelos Ministérios do Trabalho,

em permanente consulta com as entidades sindicais e empresariais e com o apoio da OIT.

Analisou o quadro atual do emprego e desemprego nos países do Mercosul, relacionou suas

causas e recolheu uma série de propostas e sugestões apresentadas por distintos expositores

convidados e pela CCSCS, que apresentou um extenso documento com várias propostas

referentes à geração de emprego, cumprimento das normas trabalhistas e fortalecimento da

dimensão social do Mercosul.

A Declaração dos Ministros de Trabalho começa reconhecendo a gravidade do desemprego e

precariedade da ocupação nos 4 países e afirma que “o desafio do Mercosul é colocar o

emprego de qualidade no centro das estratégias de desenvolvimento, para construir

instrumentos de intervenção relevantes para a inclusão social” e que apesar dos esforços

que os governos estão realizando em favor do crescimento econômico este é “uma condição

necessária mas não suficiente para resolver os graves problemas socio-laborais que afligem

nossos países, para os quais requer-se a articulação de políticas de Estado que tenham como

objetivo central a geração de emprego decente.”

Os Ministros relacionaram sua declaração às diretrizes da XIII Conferência Interamericana

realizada em Salvador (Bahia, Brasil, setembro de 2003), que apontou a necessidade de se

incorporar às políticas nacionais e regionais de integração, metas econômicas e sociais

comuns, com o objetivo de reduzir as desigualdades que hoje caracterizam nosso presente e

21

o de fomentar ações de desenvolvimento e crescimento capazes de gerar mais e melhores

empregos e, para tanto, afirmaram que: “para priorizar o tema do emprego no âmbito

regional torna-se imprescindível que os Ministérios de Trabalho tenham um ativo

desempenho, em estreita coordenação com os Ministérios de Economia, Produção,

Desenvolvimento, Planejamento e similares.”

Como proposta solicitaram ao Conselho do Mercado Comum-CMC que elaborasse uma

Estratégia Mercosul para o crescimento do Emprego, de acordo com os objetivos e

diretrizes da Declaração, com a participação dos Ministérios citados e das organizações

sindicais e empresariais (através da Comissão Sociolaboral e do Foro Consultivo Econômico e

Social).

Os Ministros recomendaram que essa estratégia cumprisse com alguns objetivos principais,

tais como: integração das políticas macro-econômicas, comerciais, produtivas, de

infraestrutura, migratórias, educativas, de seguridade social, visando o emprego de

qualidade; promoção de políticas específicas para a integração de cadeias produtivas (com

maior capacidade de atrair investimentos e gerar empregos); promoção de políticas

específicas para o desenvolvimento de setores intensivos em mão de obra e em apoio às

micro e pequenas empresas, micro-crédito, etc; reformulação das políticas de proteção ao

desempregado, buscando sua reinserção no mercado de trabalho; promoção de sistemas e

serviços de formação profissional de qualidade, articulados com políticas educativas, de

emprego e econômicas; redução substancial da desigualdade de gênero, promovendo a

diminuição das disparidades existentes entre homens e mulheres no mundo do trabalho e

impulsionando a coordenação de políticas de igualdade de oportunidades e de combate a

todas as formas de discriminação no emprego; harmonização de políticas de Estado pela

eliminação do trabalho infantil em todas suas manifestações e fortalecimento do diálogo

social no bloco regional, para aprofundar o processo tripartite de construção da dimensão

social “que comprometa os atores governamentais e sociais num modelo de desenvolvimento

com equidade.”

Os Ministros propuseram o fortalecimento do Observatório do Mercado de Trabalho-OMT

como instrumento auxiliar da Estratégia de Emprego, propondo que o mesmo promovesse a

“coordenação de políticas de emprego na região, apontando para a identificação de

assimetrias, harmonização de estatísticas trabalhistas e .... promoção de uma Pesquisa de

Domicílios Comum” para conhecimento e análise da realidade ocupacional do Mercosul.

16 Foram levantados alguns aspectos relativos ao tema pela representação sindical brasileira na CSL, mas a mesma não foi reforçada pelas demais centrais e nem teve o apoio das demais representações empresariais e governamentais.

22

Os Ministros recomendaram ainda a harmonização das políticas trabalhistas e de seguridade

social para garantir a livre circulação dos trabalhadores (referindo-se mais especificamente

ao Acordo sobre Residências Nacionais do Mercosul e ao Acordo de Regularização Migratória

dos Cidadãos do Mercosul17) e a garantia de trabalho decente para os trabalhadores

migrantes no interior da região, coordenando programas específicos visando o cumprimento

destes objetivos nas zonas fronteiriças.

Relacionando diretamente a política inter-regional com o processo de globalização, os

ministros propuseram a inclusão do “objetivo do emprego em todas as áreas de integração

regional e na política comercial extra-zona” além de “promover medidas que favoreçam a

promoção de políticas de emprego regionais, compatíveis com os acordos políticos e

econômicos para a integração, de acordo com o que foi estabelecido pela Resolução No.

02/03 do Conselho Mercado Comum 18, rechaçando o uso indevido das normas trabalhistas”.

Os Ministros vincularam também a Estratégia de Emprego à Decisão 27/0319 de

estabelecimento de Fundos Estruturais para o Mercosul, “destinados a aumentar a

competitividade dos sócios menores e das regiões menos desenvolvidas, reafirmando que

tais estudos devem contemplar a promoção do trabalho decente e a reconversão econômica,

identificando as regiões e setores com maior desemprego relativo do Mercosul, para que

possam ser potenciais beneficiários dos fundos mencionados.”

A Declaração Ministerial foi analisada pelo CMC em sua XXVI reunião, em Porto Iguaçu no dia

8 de julho de 2004 e foi remetida para o GMC20.

17 Acordos emanados da XXII Reunião de Ministros de Interior do Mercosul, da República da Bolívia e da República do Chile.- Acordo N° 11/02 – Regularização Migratória Interna de Cidadãos do Mercosul; Acordo N° 12/02 – Regularização Migratória Interna de Cidadãos do Mercosul, Bolívia e Chile; Acordo N° 13/02 – Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL; Acordo N° 14/02 – Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL, Bolívia e Chile, transformados na Decisão CMC N° 28/02 , aprovada na XXIII CMC – Brasília, 06/XII/02. 18 MERCOSUL/CMC/REC. Nº 02/03 - Caráter Prioritário do Emprego, aprovada em Assunção na XXIV reunião do CMC em 17/06/03 – O GMC recolhe a análise efetuada pela Comissão Sociolaboral com respeito ao cumprimento do Artigo 14 da Declaração Sociolaboral do Mercosul, que constata o agravamento do nível de desemprego, a deterioração na qualidade do emprego e o incremento do trabalho não registrado e que considera que a consolidação e aprofundamento do processo de integração do Mercosul deve ser um fator de promoção e criação de emprego e faz uma Recomendação para que “os Estados Partes mantenham a questão do emprego em caráter prioritário em todas as instâncias institucionais, cujas decisões tenham implicâncias com o referido tema.” 19 Aprovada na XXV Reunião do Conselho do Mercado Comum- Montevidéu, 15 e 16 de dezembro de 2003 e que integra também o Plano de Trabalho 2004-2006. 20 Na ata da LV reunião do GMC o encaminhamento do tema aparece sob a seguinte forma: “ A Presidência Pró Tempore Brasileira - PPTB comprometeu-se a apresentar, até o LVI GMC, um projeto de Decisão para a aprovação de uma estratégia regional de emprego, conforme mandato emanado do XXVI CMC, com vistas ao seu exame no XXVII CMC. O projeto de Decisão encontra-se em análise interna pelos órgãos governamentais competentes, com a colaboração da seção nacional brasileira do FCES. A delegação argentina solicitou que se considerem os trabalhos realizados no âmbito do SGT Nº 10 e da Comissão Sócio-Laboral do Mercosul.”

23

No mês de setembro de 2004 a CCSCS manteve audiências com cada um dos quatro

Ministros de Trabalho para apresentar uma proposta e principalmente para pedir seu

empenho junto aos órgãos decisórios do Mercosul para o tratamento do tema, até então

inexistente.

As centrais sindicais 21 propuseram quatro eixos centrais para a formulação das diretrizes

para o desenvolvimento de políticas de geração de emprego nos países do Mercosul – a)

desenvolvimento de una política ativa de geração de emprego com ênfase às medidas de

apoio ao desenvolvimento e durabilidade das pequenas e micro empresas e políticas

específicas para diminuição do desemprego juvenil; b) elevação da formalidade das relações

de trabalho; melhora da educação geral e da formação profissional; c) desenvolvimento local

através da implementação de projetos e associações com o conjunto de agentes econômicos

interessados (economia solidária) e d) programas específicos para as mulheres visando

melhor acesso ao mercado de trabalho e medidas para promover a igualdade de

oportunidade. E propõe a criação de um Comitê Permanente de Emprego no Mercosul

(inspirado na experiência da UE), integrado pelas áreas governamentais e a representação

social e empresarial, com hierarquia correspondente à importância do mesmo e para que

suas recomendações tenham tratamento adequado nos quatro países.

c) O SGT 10 - Na reunião realizada em maio de 2004, em Buenos Aires, o SGT 10 realizou

uma avaliação de seu funcionamento e concluiu pela necessidade de trabalhar de forma

interdisciplinar e em torno de prioridades claras, que incorporassem os objetivos e metas

traçadas pela Declaração Ministerial sobre o Emprego e os temas trabalhistas e sociais mais

prementes no quadro atual do Mercosul. A nova agenda foi dividida em 3 eixos temáticos, em

torno dos quais as Comissões devem trabalhar de forma integrada. O primeiro eixo é o

Geração de Emprego Decente onde se estabelecem metas de fortalecimento e maior

operacionalização do OMT, responsabilizando-o pela realização de estudo comparado das

políticas de emprego, elaboração de metodologia para a realização de pesquisa unificada

sobre os indicadores de mercado de trabalho e outras tarefas menores. O segundo eixo é o

de Livre Circulação de Mão de Obra, onde se estabelecem tarefas como o estudo e

avaliação dos problemas migratórios, os impactos da aplicação do Acordo de Reconhecimento

de Residência (já aprovado na Argentina e pelo Congresso brasileiro), destacando-se a

urgência na adoção do Acordo Multilateral de Seguridade Social (ainda não ratificado pelo

Paraguai) e a construção de um sistema de certificação ocupacional. O terceiro eixo é o do

Fortalecimento da Dimensão Sociolaboral, onde se insere a atualização do Nomenclador

dos principais direitos trabalhistas. Uma agenda sem dúvida potenciadora se tratada de

21 A proposta sindical completa da “Estratégia Mercosul para gerar Emprego” pode ser encontrada na pagina da CCSCS – www.ccscs.org

24

forma adequada pelos atores sociais e principalmente pelos representantes dos Ministérios do

Trabalho.

d) O Grupo de Alto Nível sobre Emprego - Na XXVII Reunião do Conselho do Mercado

Comum-CMC, realizada nos dias 15 e 16 de dezembro de 2004, uma das Decisões adotadas

foi a criação de um “Grupo de Alto Nível para a Elaboração da Estratégia MERCOSUL de

Crescimento do Emprego, a ser integrado pelos órgãos governamentais responsáveis pelas

políticas de geração de emprego, bem como pelas entidades que compõem o Foro Consultivo

Econômico e Social do Mercosul”22, tendo se estabelecido o prazo de um ano para que o

Grupo apresente suas primeiras conclusões.

Apesar de constituir-se em uma decisão modesta, o CMC acatou integralmente a

recomendação dos Ministros do Trabalho ao propor que o Grupo seja inter-ministerial – ou

seja que dê um enfoque interdisciplinar ao tema do emprego – o que sem dúvida

hierarquizará o tratamento da questão que corretamente deixa de ser um tema apenas afeto

à área do Trabalho. A Decisão é também um logro da área sindical que apresentou um

projeto e realizou gestões para a sua aprovação. Este novo espaço, onde as centrais sindicais

e as organizações empresariais que atuam no FCES e na CSL terão participação direta,

permitirá significativos avanços na área social e trabalhista, já que o produto esperado é a

formulação de um conjunto de diretrizes a serem aprovadas e recomendadas pelos

Presidentes na XXIX Cúpula Presidencial que se realizará em Montevidéu em dezembro de

2005.

4. A Declaração Sociolaboral do Mercosul: o que é e como vem sendo aplicada23

A Declaração Sociolaboral do Mercosul, instrumento jurídico adotado em dezembro de 1998,

estabeleceu um conjunto de normas internacionais de trabalho aplicáveis aos Estados Parte

do Mercosul e um sistema de controle de normas próprio. O seu texto é composto de 19

direitos individuais e coletivos e cinco artigos que compões o seu sistema de seguimento. Seu

texto revela uma atitude cautelosa dos negociadores, ao tratar da aplicação do seu conteúdo,

usando o termo seguimento. Desta forma foram deixadas de lado as expressões controle ou

supervisão, como vêm sendo adotadas, habitualmente, nas regulamentações no plano

internacional. Um outro termo, também de uso corrente em tratados de normas

22 A decisão foi mencionada no Comunicado dos 4 Presidentes do Mercosul que, além disso “ Reafirmaram sua determinação de inserir o tratamento de medidas de combate ao desemprego e de geração de emprego de qualidade de forma prioritária na agenda de trabalho do Mercosul. Recordaram, nesse sentido, que, na Conferência Regional de Emprego do Mercosul, realizada em abril de 2004, em Buenos Aires, os Ministros do Trabalho dos Estados Partes concordaram com a elaboração de uma estratégia de crescimento do emprego no Mercosul.” 23 O objetivo de analisarmos este instrumento jurídico do Mercosul é verificar como os princípios e direitos fundamentais definidos pela OIT são tratados neste processo de integração econômica, seja pelos seus documentos

25

internacionais do trabalho, é acompanhamento, como está previsto no próprio texto da

Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT.

A grande novidade apresentada pela DSL foi, sem dúvida, a criação da Comissão

Sociolaboral-CSL. Esta Comissão tem uma composição tripartite, sendo integrada por doze

membros representando os governos, trabalhadores e empregadores de cada um dos quatro

Estados-membros que compõem o bloco econômico, creditados perante à coordenação pró-

tempore da Comissão.

Apesar de ter sofrido influência direta do modelo existente na OIT, poderíamos dizer que a

solução adotada na constituição do órgão do Mercosul avança mais, pois a CSL adota o

sistema 1-1-1 e não o sistema 1-2-1 como ocorre na OIT.

A CSL se reúne, segundo o artigo 21 do texto da Declaração, uma vez por ano. O artigo 17

do Regulamento Interno, no entanto, previu duas reuniões ordinárias anuais,

respectivamente, nos meses de abril e outubro. Em face da quantidade de encargos

estabelecidos à Comissão, o Regulamento previu também a realização de reuniões

extraordinárias. Ainda no campo das novidades institucionais, esse órgão deverá ser dirigido

por uma coordenação tripartite composta, além do representante do governo que estiver com

a presidência pró-tempore do Mercosul, dos atores sociais deste país, como ficou estabelecido

no artigo 5 do Regulamento Interno da CSL Regional.

Aqui, portanto, o modelo formal adotado pelo Mercosul distancia-se, mais uma vez, do

padrão adotado pela OIT, porque nesta organização, todas as funções de comando estão

entregues às representações governamentais. No que pese a existência deste preceito no

Mercosul, ele não vem sendo aplicado na prática.

O sistema de controle que está funcionando no âmbito regional, desde janeiro de 2001,

também tem instâncias nacionais. Mas os efeitos jurídicos de suas Recomendações regionais

necessitam aprovação do Grupo Mercado Comum (GMC) 24, porque, como seu texto previu,

expressamente, a CSL tem uma função promocional e não sancionatória e funciona como

órgão auxiliar do GMC.

O sistema de controle e promoção de normas, admitido pela Declaração, estabeleceu três

tipos básicos de mecanismos. O primeiro deles é chamado de regular ou automático. A

Declaração prevê a obrigação dos Estados-parte de elaborarem, anualmente, memórias sobre

a aplicação dos direitos contidos no seu texto. A obrigação de elaborar Memórias encontra-se

jurídicos como pelos seus órgãos internos. Ou seja, verificar o esforço que esta organização, destinada à integração regional, está fazendo para garantir a efetivação destes direitos.

26

regulado, ainda, nos artigos 21 e 23 da Declaração Sociolaboral. Estas devem, antes de ser

enviadas a CSL, ser submetidas às organizações mais representativas de empregadores e

trabalhadores.

O segundo tipo de mecanismo é o extraordinário ou provocado. E por fim, o terceiro tipo, o

de suas normas de promoção e cooperação. Todos os três tipos estão contidos na série de

alíneas previstas no artigo 20 da Declaração Sociolaboral.

No Mecanismo de controle extraordinário ou provocado, previsto no artigo 20 da Declaração,

nas suas letras “c” e “d”, inscrevem-se algumas formas de seguimento atribuídas à CSL que,

entretanto, dependem de uma provocação de algum interessado. Apesar de ainda não terem

sido utilizadas, merecem um detalhamento neste trabalho. Vejamos o que nos dizem as

normas mencionadas:

“c) examinar observações e consultas sobre dificuldades e incorreções na

aplicação e cumprimento dos dispositivos contidos na Declaração;

d) examinar dúvidas sobre a aplicação dos termos da Declaração e propor

esclarecimentos;”

O parágrafo único desse artigo ainda prevê que as formas e mecanismos de encaminhamento

dos assuntos a serem examinados, em conformidade com os itens “c” e “d” acima citados,

serão definidos pela CSL regional. Enquanto o artigo 3 do Regulamento Interno dessa

comissão previu a utilização desses mecanismos nas letras “c” e “d”, mas não avançou em

uma definição mais precisa das formas de utilização. Compreende-se esse comportamento da

CSL, em função das dificuldades políticas para obtenção do consenso dos três setores que a

compõem. O esforço regulatório na CSL passou um longo e difícil processo de formulação do

consenso.

Segundo entende Crivelli25, de todos os meios de acesso à CSL, as maiores possibilidades

disponíveis para apresentar-se as controvérsias e conflitos trabalhistas sobre a aplicação da

Declaração residem, sobretudo, na formulação das Observações, Consultas e, ainda, nas

Dúvidas. Não há, até o presente momento, uma definição e nem distinção precisas entre os

três mecanismos previstos no texto da Declaração ou de seu Regulamento Interno, o que não

impede, mas dificulta a apresentação de denúncias de casos concretos que poderiam ser alvo

de investigação e, dessa forma, reforçar o papel da CSL como um organismo a ser utilizado

pelo movimento sindical.

24 O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do Mercosul. É esse órgão, e suas instâncias auxiliares, que administram o funcionamento do Mercosul no seu dia-a-dia.

27

4.1. Os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho previstos pela DSL

Entre os 19 artigos que tratam dos direitos individuais e coletivos, sete referem-se aos

direitos declarados como fundamentais pela OIT. Transcrevemos abaixo os artigos que

portam, na Declaração Sociolaboral do Mercosul, o conjunto de quatro princípios e direitos

fundamentais no trabalho.

“Não discriminação

Art. 1º Todo trabalhador tem garantido a igualdade efetiva de direitos,

tratamento e oportunidades no emprego e ocupação, sem distinção ou

exclusão por motivo de raça, origem nacional, cor, sexo ou orientação sexual,

idade, credo, opinião política ou sindical, ideologia, posição econômica ou

qualquer outra condição social ou familiar, em conformidade com as

disposições legais vigentes.

Os Estados Partes comprometem-se a garantir a vigência deste princípio de

não discriminação. Em particular, comprometem-se a realizar ações

destinadas a eliminar a discriminação no que tange aos grupos em situação

desvantajosa no mercado de trabalho.

Promoção da igualdade

Art. 2º As pessoas portadoras de necessidades especiais serão tratadas de

forma digna e não discriminatória, favorecendo-se sua inserção social e no

mercado de trabalho.

Os Estados Partes comprometem-se a adotar medidas efetivas, especialmente

no que se refere à educação, formação, readaptação e orientação profissional,

à adequação dos ambientes de trabalho e ao acesso aos bens e serviços

coletivos, a fim de assegurar que as pessoas portadoras de necessidades

especiais tenham a possibilidade de desempenhar uma atividade produtiva.

Art. 3º Os Estados Partes comprometem-se a garantir, mediante a

legislação e práticas trabalhistas, a igualdade de tratamento e oportunidades

entre mulheres e homens.

............................................................................................................

...........

25 Ver, de Ericson Crivelli, Integração Econômica e Normas Internacionais do Trabalho no Mercosul, série documentos Sindicales del Mercosur, Montevidéu, Friedrich Ebert Stifitung, 2001, pp. 28-30.

28

Eliminação do trabalho forçado

Art. 5º Toda pessoa tem direito ao trabalho livre e a exercer qualquer ofício

ou profissão, de acordo com as disposições nacionais vigentes.

Os Estados Partes comprometem-se a eliminar toda forma de trabalho ou

serviço exigido a um indivíduo sob a ameaça de uma pena qualquer e para o

qual dito indivíduo não se ofereça voluntariamente.

Ademais, comprometem-se a adotar medidas para garantir a abolição de toda

utilização de mão-de-obra que propicie, autorize ou tolere o trabalho forçado

ou obrigatório.

De modo especial, suprime-se toda forma de trabalho forçado ou obrigatório

que possa utilizar-se:

a) como meio de coerção ou de educação política ou como castigo por não

ter ou expressar determinadas opiniões políticas, ou por manifestar oposição

ideológica à ordem política, social ou econômica estabelecida;

b) como método de mobilização e utilização da mão-de-obra com fins de

fomento econômico;

c) como medida de disciplina no trabalho;

d) como castigo por haver participado em greves;

e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.

Trabalho infantil e de menores

Art. 6º A idade mínima de admissão ao trabalho será aquela estabelecida

conforme as legislações nacionais dos Estados Partes, não podendo ser

inferior àquela em que cessa a escolaridade obrigatória.

Os Estados Partes comprometem-se a adotar políticas e ações que conduzam

à abolição do trabalho infantil e à elevação progressiva da idade mínima para

ingressar no mercado de trabalho.

O trabalho dos menores será objeto de proteção especial pelos Estados

Partes, especialmente no que concerne à idade mínima para o ingresso no

29

mercado de trabalho e a outras medidas que possibilitem seu pleno

desenvolvimento físico, intelectual, profissional e moral.

A jornada de trabalho para esses menores, limitada conforme as legislações

nacionais, não admitirá sua extensão mediante a realização de horas extras

nem em horários noturnos.

O trabalho dos menores não deverá realizar-se em um ambiente insalubre,

perigoso ou imoral, que possa afetar o pleno desenvolvimento de suas

faculdades físicas, mentais e morais.

A idade de admissão a um trabalho com alguma das características antes

assinaladas não poderá ser inferior a 18 anos.

............................................................................................................

...........

Liberdade de associação

Art. 8º Todos os empregadores e trabalhadores têm o direito de constituir

as organizações que considerem convenientes, assim como de afiliar-se a

essas organizações, em conformidade com as legislações nacionais vigentes.

Os Estados Partes comprometem-se a assegurar, mediante dispositivos

legais, o direito à livre associação, abstendo-se de qualquer ingerência na

criação e gestão das organizações constituídas, além de reconhecer sua

legitimidade na representação e na defesa dos interesses de seus membros.

Liberdade sindical

Art. 9º Os trabalhadores deverão gozar de adequada proteção contra todo

ato de discriminação tendente a menoscabar a liberdade sindical com relação

a seu emprego.

Deverá garantir-se:

a) a liberdade de filiação, de não filiação e desfiliação, sem que isto

comprometa o ingresso em um emprego ou sua continuidade no mesmo;

b) evitar demissões ou prejuízos a um trabalhador por causa de sua filiação

sindical ou de sua participação em atividades sindicais;

30

c) o direito de ser representado sindicalmente, de acordo com a legislação,

acordos e convênios coletivos de trabalho em vigor nos Estados Partes.

Negociação coletiva

Art.10 Os empregadores ou suas organizações e as organizações ou

representações de trabalhadores têm direito de negociar e celebrar

convenções e acordos coletivos para regular as condições de trabalho, em

conformidade com as legislações e práticas nacionais.”

4.2. Uma primeira avaliação

Apesar dos mecanismos jurídicos disponíveis na Declaração e nos regulamentos da Comissão

Sociolaboral e de suas seções nacionais, dos seis anos de sua adoção, os resultados práticos

de sua aplicação e o funcionamento do seu órgão de seguimento têm se caracterizado por um

baixo perfil e com pouca relevância para a institucionalidade do Mercosul.

A Comissão Sociolaboral iniciou as suas atividades em maio de 1999, com uma primeira

reunião em Assunção, no Paraguai.26 Com mais de cinco anos de atividades, este órgão,

encarregado do seguimento da aplicação do conteúdo normativo da Declaração, não

conseguiu completar um ciclo de memórias de todos os seus artigos.

Para se avaliar as dificuldades políticas enfrentadas pela Comissão sociolaboral, basta

mencionar o fato que apesar de ter iniciado as suas atividades em maio de 99, só logrou

aprovar o regulamento regional e o regulamento comum das seções nacionais, em outubro

de 2000 em sua sétima reunião. Levando-se em conta que este órgão realizou 16 reuniões

até a presente data, em mais de 40% do tempo ocupado em reuniões, até o presente

momento, foi utilizado quase que exclusivamente para definir as suas próprias regras de

funcionamento.27

Nesta sétima reunião, realizada na cidade do Rio de Janeiro, deu-se o inicio do processo de

seguimento da Declaração. A comissão iniciou seu trabalho normativo aprovado um modelo

para os formulários de memórias que iniciou o sistema de controle regular da Declaração.

Discutiu-se as informações que seriam requeridas sobre a aplicação do artigo 6. da

Declaração, que regula o trabalho infantil e de menores, que passaram a servir, desde então,

como padrão para a elaboração dos formulários de memórias para os demais artigos.28

26 Cf. a ata MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL DO MERCOSUL/ATA N. 01/99. 27 Cf. a ata da última reunião, realizada na cidade de São Paulo, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL DO MERCOSUL/ATA N. 02/04. 28 Cf. a ata da reunião do Rio de Janeiro, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL/ATA 03/00.

31

O que se verifica no processo de discussão e deliberação dos formulários de memórias, é que

os princípios e direitos fundamentais não foram considerados prioritários. Na oitava reunião

da comissão, quando se inicia o esforço maior para a definição dos formulários, foram

definidos mais quatro formulários – sempre a partir do padrão adotado no caso do artigo 6. -,

a saber: promoção da igualdade entre homens e mulheres (artigo 3.); diálogo social (artigo

6.); fomento de emprego (artigo 14.) e formação profissional (artigo 16.).

Nesta mesma reunião a Comissão Sociolaboral exerceu, pela primeira vez, um papel

interpretativo do conteúdo normativo da Declaração Sociolaboral. A comissão adotou, como

esclarecimento técnico-jurídico, que a expressão “disposições legais” refere-se às normas e

princípios constitucionais, às leis, às normas e regulamentos administrativos e às convenções

e acordos coletivos.29

A nona reunião da Comissão Sociolaboral, realizada em Assunção em maio de 2001, uma das

mais produtivas, quase concluiu a adoção dos formulários de memórias. Foram aprovados 13

formulários, que com os anteriores, somaram 18 artigos sobre os direitos e princípios

contidos na Declaração a serem analisados e relatados nacional e regionalmente. Nesta

reunião ficou sem decisão o artigo 7 que se refere aos direitos dos empregadores 30. Este

artigo – de adoção inédita no campo do Direito Internacional do Trabalho – permanece

gerando dificuldade à construção de decisões consensuais no interior da comissão.

A décima reunião da comissão, realizada em Montevidéu, iniciou o processo de análise das

memórias nacionais. Antes de iniciar este trabalho, aprovou uma metodologia de análise das

memórias nacionais. Concluída a decisão de método, analisou as memórias nacionais

referentes ao artigo 3., 14. e 16., que se ocupam, como se mencionou, respectivamente, da

igualdade de gênero, do fomento do emprego e da formação profissional. Portanto, ao iniciar

o trabalho de seguimento das práticas nacionais, a comissão mesclou as suas prioridades,

sem uma ênfase nos direitos fundamentais. Aliás, a análise das memórias sobre o trabalho

infantil foi adiada por decisão da comissão.31

Em maio de 2002, em sua 11a. reunião, realizada em Buenos Aires, a CSL reformulou o

formulário de memórias sobre o trabalho infantil e, ainda, produziu um informe sobre o

trabalho infantil e uma recomendação ao GMC, para que se adotasse uma resolução sobre o

29 Cf a ata da oitava reunião, realizada na cidade de Florianópolis, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL/ATA 04/00. 30 Cf, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL/ATA 01/01. 31 Cf. a ata, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL/ATA 01/01

32

assunto.32 Em novembro do mesmo ano, em sua décima segunda reunião, a comissão iniciou

um processo de discussão sobre os resultados obtidos pela sua atuação. Na conclusão

adotada constatou, por consenso, um “desempenho modesto da Comissão Sociolaboral diante

da dimensão e o alcance de sua função”.33 Nenhum outro direito fundamental foi tratado

nesta reunião, que concluiu outros três informes sobre a análise de memórias nacionais.

Em outubro de 2003 a comissão realizou uma reunião extraordinária, cujo tema central foi a

proposta de realização da Conferência Regional de Emprego.34 Na 14. reunião, realizada em

Montevidéu, em novembro de 2003, foi adiada a discussão dos informes regionais sobre a

liberdade de associação e liberdade sindical (artigos 8 e 9). A decisão mais importante

adotada nesta ocasião foi a realização da Conferência Regional de Emprego35 em Buenos

Aires, em março de 2004 (posteriormente foi adiada para abril).

As últimas duas reuniões realizadas giraram, quase que exclusivamente, em torno dos

desdobramentos que se deverá dar a Declaração assumida pelos quatro Ministros do Trabalho

em Buenos Aires. Resolveu-se realizar seminários nacionais tripartites sobre os resultados da

Conferência Regional. Novamente foram adiados, na 16. reunião da comissão, os informes

sobre o restante dos direitos fundamentais.36

Como se verificou ao longo da série de reuniões realizadas até o presente, a Comissão não

logrou completar o ciclo do que se denominou de controle regular. E mais que isso, os poucos

informes adotados em relação aos direitos e princípios fundamentais, como o do trabalho

infantil, não permite avaliar a aplicação efetiva destes no Brasil. As informações carecem de

dados estatísticos e, no mais das vezes, repetem as mesmas informações apresentadas nas

memórias nacionais devidas à OIT.

32 Cf., para a Resolução sobre trabalho infantil, aprovada no GMC em junho de 2002, ver a ata, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL/ATA 01/02 33 Para ver a análise pessimista a que se chegou por consenso dos três setores, cf. a ata, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL/ATA 02/02. 34 Curiosamente esta reunião não seguiu a numeração das reuniões da comissão e foi intitulada I Reunião Extraordinária. Uma análise da sequência histórica prova que outras reuniões extraordinárias receberam a numeração sequencial correta. Ver MERCOSUL/GMC/CSL/ATA 01/03. 35 Ver MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL DEL MERCOSUR/ACTA N. 2/2003 36 Ver, sobre a XVI reunião, MERCOSUL/GMC/COMISSÃO SOCIOLABORAL DEL MERCOSUR/ACTA N. 2/2004.

33

II Parte

A aplicação dos princípios e direitos fundamentais no Brasil: uma visão panorâmica.

Esta segunda parte, que contou com a colaboração do advogado Bruno de Araújo Leite,

destina-se a verificar a aplicação da Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos

Fundamentais no Trabalho no Brasil.

Para facilitar a avaliação dos progressos alcançados e déficits persistentes, optamos por fazer

uma divisão esquemática da abordagem, enfocando separadamente cada uma das

convenções que integram a Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais da OIT, tendo

como referência os relatórios e recomendações da Comissão de Peritos em Convenções e

Recomendações, da Comissão de Aplicação de Normas da Conferência Internacional do

Trabalho e do Comitê de Liberdade Sindical, todos órgãos da OIT. Na sequência analisamos

os progressos que o Estado brasileiro tem alcançado nesses temas, tomando como fonte os

textos e as apresentações realizadas pelos técnicos e técnicas do escritório da OIT no Brasil*,

informes do Ministério do Trabalho e outras áreas governamentais, fontes sindicais e notícias

de jornais.

Introdução.

Em 1995, o Conselho de Administração da OIT definiu um conjunto de sete Convenções

Internacionais do Trabalho como sendo o conjunto de normas e direitos fundamentais no

trabalho37. Desta forma, foram consideradas como as convenções fundamentais: as C. 29 e

105, que tratam da proibição do trabalho forçado; as C. 87 e 98, que tratam da liberdade

sindical e de negociação coletiva; as C. 100 e 111, que tratam da igualdade de remuneração

* No seminário nacional sobre a aplicação dos princípios e direitos fundamentais do trabalho no contexto da integração regional, realizado em Brasília nos dias 6 e 7 de dezembro de 2004, os técnicos do Escritório da OIT fizeram detalhadas apresentações sobre o trabalho que vem sendo desenvolvido e os avanços alcançados. Participaram: Lais Abramo – Especialista Regional em Gênero e responsável pelo Programa de Igualdade de Oportunidades (temas de gênero e raça); Patrícia Audi – Coordenadora Nacional do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo e Pedro Américo Oliveira – Coordenador Nacional do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil-IPEC. 37 Cf. § do INFORME da Comissão de Expertos em Aplicação de Convenções e Recomendações: Informe III (Parte IA), 279a Reunião do Conselho de Administração, Genebra, Suíça, GB. 279/LILS/4. Genebra: OIT, 2000. p. 17.

34

e igualdade de trato na ocupação; a C. 138, que define a idade mínima para o trabalho. A

convenção 182, que regula as piores formas de trabalho infantil, foi aprovada na conferência

de junho de 1999, passando a compor a relação de convenções que contém os direitos e

princípios fundamentais no trabalho em 2000, quando entrou em vigor com o número mínimo

de ratificações.

Todos os países membros da OIT seriam convidados a ratificar e aplicar todas as convenções

que expressavam os direitos fundamentais no trabalho. A relação de direitos considerados

fundamentais, por sua vez, é aquela que vinha sendo insistentemente mencionada por

diversas organizações internacionais em diferentes eventos. Uma vez definida esta relação, o

Conselho de Administração aprovou o início imediato de uma campanha internacional pela

ampliação das ratificações das convenções relativas a cada um dos direitos fundamentais.38

Em março de 1997, o grupo de empregadores sugeriu na reunião do Conselho de

Administração, em resposta à pressão pela adoção de um novo instrumento de aplicação dos

direitos fundamentais, que a conferência internacional adotasse uma Declaração com estes

direitos. A partir desta proposta, iniciou-se um processo de negociação para definir o

conteúdo e eficácia do novo instrumento jurídico.

O debate concentrou-se em dois pólos, ou seja, de um lado, na definição da natureza dos

direitos e princípios definidos como fundamentais e, por outro, no mecanismo de controle que

deveria ser adotado. Nos debates travados no curso de 1997, foram sugeridas e debatidas

várias alternativas.

Na discussão da natureza dos direitos fundamentais, venceu o argumento de que a

declaração não deveria ter um conteúdo constitutivo dos direitos fundamentais apontados.

Em função disto, a aplicação da Declaração deve ser sempre verificada à luz dos direitos

previstos nos textos das respectivas Convenções fundamentais. Este é o escopo da

Declaração. É o que será analisado a seguir.

No ano de 1998 a OIT adotou a Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no

Trabalho. O texto da Declaração é composto por cinco artigos, e a este texto segue-se um

anexo que se ocupa do seguimento do seu conteúdo normativo. O texto do artigo 1o recorda

que os direitos e princípios fundamentais inscritos na Constituição, assim como na Declaração

38 Cf., de BÖHNING, W. R. The annual review concerning unratified Conventions. Haia: Ministério do Trabalho da Holanda, 2003. Paper apresentado no seminário From Declaration in Action: Perspectives on ILO’s Activities to Promote Fundamental Principles and Rights at Work, promovido pelo Ministério do Trabalho da Holanda, realizado em Haia, 24 e 25 de novembro de 2003. O relatório anual da Comissão de Expertos em Aplicação de Normas e Recomendações Internacionais do Trabalho da OIT traz no seu Informe Geral, todos os anos, um quadro estatístico que mostra, passo a passo, o avanço no número de ratificações das Convenções Internacionais consideradas Fundamentais.

35

de Filadélfia, estão expressos nos direitos e obrigações específicas inscritas nas convenções

internacionais reconhecidas como fundamentais dentro e fora da OIT. O artigo 2o, por sua

vez, prevê expressamente que os Estados, tendo ou não ratificado as convenções relativas

aos direitos e princípios reafirmados na Declaração, por serem membros da OIT, têm o

compromisso de promovê-las e torná-las realidade. O artigo prevê, desta forma, os quatro

direitos e princípios considerados fundamentais pela Declaração.

“a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;

b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;

c) a abolição efetiva do trabalho infantil; e

d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.”39

A Declaração abrange 4 áreas, cada uma delas com duas convenções correspondentes, assim

dispostas: a) - Liberdade de Associação e Liberdade Sindical e o direito a Negociação

Coletiva: Convenções 87 e 98; b) – Eliminação do Trabalho Forçado e Obrigatório:

Convenções 29 e 105; c) – Abolição do Trabalho Infantil: Convenções 138 e 182; e d) –

Eliminação da Discriminação no Local de Trabalho: Convenções 100 e 111. Seguiremos então

essa dinâmica na apresentação de sua aplicação em quatro tópicos, cada um dele abordando

uma dessas respectivas áreas.

O Sistema de Seguimento da Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT.

Atendendo aos objetivos de promoção de normas e cooperação técnica, os dispositivos de

seguimento da Declaração criaram, portanto, três elementos principais: seguimento anual

relativo às convenções não ratificadas; um relatório global; identificação das prioridades de

cooperação técnica e planos de ação.

Para a aplicação dos mecanismos de seguimento anual das convenções não ratificadas,

estabelecidos no item II do anexo da Declaração, o Conselho de Administração da OIT

constituiu um Comissão de Peritos Conselheiros, com sete técnicos de variada formação

profissional, não formada exclusivamente por juristas, como é o caso da Comissão de Peritos

em Convenções e Recomendações.40

39 Cf. DECLARAÇÃO da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho e seu seguimento. Brasília: OIT-Brasil, 1998. p.9. 40 Decisão sobre a Comissão de Peritos Conselheiros, GB 277/3/2, março de 2000, parágrafos 9o ao 12º cf., também, TREBILCOCK, A. La Declaración de la OIT relativa a los principios y derechos fundamentales en el trabajo y su seguimiento. op. cit. p. 21.

36

A Comissão de Peritos Conselheiros está encarregada de elaborar o relatório anual relativo às

convenções fundamentais não ratificadas. O relatório anual é preparado pela Comissão com

base naqueles outros relatórios enviados pelos Estados, em cumprimento da obrigação

prevista no artigo 19, parágrafo quinto, letra “e”, da Constituição da OIT.

Como foi falado acima, por se tratar de convenções não ratificadas, o Estado tem a obrigação

de informar, através de relatórios periódicos, a consulta à qual está obrigado: submeter as

convenções às autoridades nacionais com o objetivo da sua ratificação e, ainda, em que

medida está colocando em execução, e através de quais meios, os direitos previstos nas

convenções ainda não ratificadas.

O envio desses relatórios pelos Estados membros passou a ser uma obrigação anual em

relação às convenções fundamentais não ratificadas e, desde a adoção da regulamentação do

sistema de seguimento da Declaração, os relatórios não são mais remetidos à Comissão de

Peritos em Convenções e Recomendações, mas a esta Comissão de Peritos Conselheiros,

criada especificamente para este fim.

Com base nesses relatórios anuais das convenções fundamentais não ratificadas, os peritos

conselheiros, por sua vez, elaboram uma introdução em que adicionam comentários sobre a

aplicação e a respeito dos esforços realizados pelos Estados membros em cada um dos quatro

grupos de direitos e princípios fundamentais. À introdução se seguem alguns anexos com

informações técnicas.41 Os peritos conselheiros podem ainda sugerir alterações nos

formulários dos relatórios das convenções não ratificadas. A introdução é, ao final, remetida à

apreciação do Conselho de Administração da OIT para sua aprovação.

O relatório global, previsto no inciso III do anexo da Declaração, por sua vez, é

responsabilidade do próprio Diretor-Geral da OIT. Este relatório se ocupa de uma categoria

de direitos e princípios fundamentais cada ano. O propósito específico deste relatório é

fornecer uma imagem global e dinâmica de cada uma das categorias de direitos e princípios

fundamentais no trabalho.

E, ainda, com relação às atividades de cooperação técnica desenvolvida pela OIT, com vistas

à aplicação das convenções fundamentais, o relatório global objetiva, por um lado, medir a

eficácia da assistência técnica prestada pela organização e, por outro, estabelecer as

prioridades destes programas no período seguinte.

Na elaboração do relatório global, o serviço jurídico do Escritório Internacional do Trabalho

toma como fonte de informação os relatórios das convenções não ratificadas e, ainda, os

41 TREBILCOCK, A. La Declaración de la OIT relativa a los principios y derechos fundamentales en el trabajo y su seguimiento. op. cit. p. 22.

37

relatórios devidos pelos Estados sobre as convenções ratificadas. O relatório global,

entretanto, é submetido a discussão tripartite em sessão especial realizada durante a

conferência internacional e votado na sua plenária final. Um resumo dos debates travados na

sessão especial é enviado ao Conselho de Administração para ser utilizado como orientação

na definição das atividades de cooperação técnica.

Os relatórios globais anuais sobre os direitos e princípios fundamentais no trabalho foram,

respectivamente, sobre a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de

negociação coletiva, discutido em 2000; a eliminação de todas as formas de trabalho forçado

ou obrigatório, em 2001; a abolição do trabalho infantil, em 2002; a eliminação da

discriminação em matéria de emprego e ocupação, em 2003. Após ter completado o ciclo dos

quatro princípios e direitos fundamentais, reiniciou em 2004 com a liberdade sindical e

negociação coletiva.

1. A Aplicação dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho no Brasil

A seguir iremos apontar os comentários e considerações que fazem os órgão de controle da

OIT sobre aplicação das oito Convenções fundamentais no Brasil42. Serão consideradas as

observações existentes, separadamente, de cada um dos quatro grupos de princípios e

direitos fundamentais no trabalho, na Comissão de Peritos em Convenções e Recomendações

Internacionais do Trabalho, da Comissão de Aplicação de Normas da Conferência

Internacional do Trabalho e do Comitê de Liberdade Sindical. E, na sequência analisaremos os

avanços resultantes de medidas recentes adotadas pelo Estado brasileiro.

1.1. Liberdade de Associação e Sindical e o Direito à Negociação Coletiva.

Os princípios da liberdade sindical e o direito à sindicalização e negociação coletiva são

objetos de verificação nos órgãos da OIT, da Comissão de Peritos, da Comissão de Aplicação

de Normas da Conferência, Comitê de Liberdade Sindical e Comissão de Peritos Conselheiros

prevista na Declaração de 98.

A plena aplicação do princípio da liberdade sindical no Brasil não é possível devido à sua

incompatibilidade com a Constituição e legislação nacionais, que estabelecem a figura do

monopólio sindical, figura que se contrapõe com o disposto na Convenção 87. Em função da

diversidade de órgãos de controle que se manifestaram expressamente sobre a aplicação da

liberdade sindical no Brasil, o tema será apresentado com o enfoque em cada um destes.

42 Cumpre ressaltar que das oito convenções consideradas fundamentais o Brasil não ratificou apenas a n.º 87, que trata da Liberdade Sindical e de Associação.

38

Preliminarmente porém apresentaremos os traços gerais da estrutura sindical brasileira,

destacando seu maiores problemas e as tentativas de mudanças efetuadas na década de 90.

Depois de apresentar a visão dos órgãos da OIT, apresentaremos os resultados do Fórum

Nacional do Trabalho, que atualmente trata da Reforma Sindical, introduzindo elementos que

podem reforçar as organizações sindicais brasileiras.

1.1.1. Os problemas da legislação sindical brasileira e as perspectivas de mudanças

O modelo de relações trabalhistas brasileiro foi finalizado em l943 quando Getulio Vargas

reuniu toda a legislação laboral em um único documento, a Consolidação das Leis do Trabalho

- CLT. Através desse modelo o Estado brasileiro assumiu a gestão dos principais aspectos da

vida sindical, desde o outorgamento do "monopólio de representação sindical", até a

resolução dos conflitos coletivos e a aplicação dos direitos individuais. Enfim um modelo que

se caracteriza por um forte controle estatal das relações entre capital e trabalho e irradiador

de uma cultura sindical corporativista.

A CLT definiu também a estrutura sindical confederativa (sindicatos, federações e

confederações) relegando às entidades de segundo e terceiro graus a um papel burocrático,

já que apenas os sindicatos (entidades de 1o. grau) teriam a representação jurídica nos

processos negociais. Vale salientar que essa estrutura também foi aplicada aos profissionais

de nível universitário, denominados “categoria de profissionais liberais" e , no início dos anos

60, foi estendida ao setor rural 43. Como forma de garantir a sustentação financeira das

organizações sindicais, em l939, foi estabelecido por lei o "imposto sindical", posteriormente

denominado de "contribuição sindical" 44, desconto em folha das empresas do equivalente a

um dia de trabalho ao ano de cada trabalhador - do montante arrecadado 60% era destinado

aos sindicatos, 15% às federações, 5% às confederações e 20% ao Ministério do Trabalho 45.

Como instrumentos de negociação coletiva foram definidos: a convenção coletiva de trabalho,

firmada entre o sindicato de empregados e de empregadores e o acordo coletivo de trabalho,

negociado entre o sindicato e uma ou mais empresas 46. Os dois instrumentos têm eficácia

43 Os Sindicatos de Trabalhadores Rurais- STRs, as Federações de Trabalhadores Rurais e a Confederação Nacional da Agricultura - CONTAG, representam tanto os pequenos agricultores, meeiros, parceiros, como os assalariados e diaristas agrários. O Brasil é o único país da América Latina em que os pequenos agricultores integram a estrutura sindical. 44 A mudança de nome foi feita no início do Regime Militar. 45 Hoje ainda prevalece a lei, mas os 20% do Ministério do Trabalho são recolhidos para o Fundo de Amparo ao Trabalhador- FAT, que entre outras atribuições financia o Seguro Desemprego. Recentemente alguns sindicatos filiados à CUT tem bloqueado através da Justiça o recolhimento desse imposto, tendo como base de argumentação a dubiedade da legislação vigente. 46 A Convenção Coletiva foi consagrada pela primeira vez na Constituição de 1934 e na Constituição outorgada de 1937 aparece com a denominação de contrato coletivo de trabalho, mas sempre caracterizando um mesmo instituto:

39

erga omines em seus âmbitos de cobertura e se aplicam obrigatoriamente a toda à base de

representação do sindicato patronal (empresa ou categoria econômica).

A Constituinte de 1988 introduziu mudanças significativas na legislação sindical brasileira que

ampliaram seu grau de independência e reforçaram o papel dos dirigentes sindicais. Não há

dúvidas que o fim da intervenção direta do Estado no processo de constituição e

funcionamento das entidades sindicais (extinção da Carta Sindical e da Comissão de

Enquadramento; não interferência na formulação dos estatutos47; fim do controle fiscal por

parte do Ministério do Trabalho; etc) deram muito mais liberdade de ação às organizações

sindicais. Assim como, a obrigatoriedade de participação dos sindicatos nas negociações

coletivas e a constitucionalização das garantias sindicais, reforçaram o papel das diretorias

das entidades, principalmente dos sindicatos de primeiro grau.

Outro importante avanço da nova Constituição foi o reconhecimento do direito de

sindicalização para os empregados públicos. Direito limitado no entanto pelo não

reconhecimento da negociação coletiva para essas entidades.

Mas, ao mesmo tempo, a nova Constituição não aprovou a autonomia sindical, pois manteve

a exigência de um único sindicato, ou federação ou confederação por categoria profissional e

base territorial e manteve em lei a contribuição financeira anual. Desta forma manteve-se o

impedimento do direito de escolha dos trabalhadores e trabalhadoras e se reforçou a

concepção “cartorial” da estrutura sindical brasileira, ao manter o conceito da representação

automática e da sustentação financeira compulsória. A outorga da representação que antes

se dava via concessão da Carta Sindical, foi facilitada pelos novos procedimentos que

facilitaram a constituição e registro em cartório civil das novas entidades. Mesmo havendo a

possibilidade de recurso à Justiça do Trabalho para impedir desmebramentos e surgimento de

novas entidades em categorias e bases territoriais já representadas por alguma entidade

sindical, a falta de jurisprudência e muitas vezes a subjetividades das decisões, dificultam o

processo de reversão.

Assim, se a estrutura sindical saiu reforçada, o fato de nunca ter se regulamentado os termos

contraditórios do artigo 8º – sindicato livre e unicidade estabelecida por lei – gerou uma

situação posterior conflitiva e o crescimento da pulverização da organização sindical.

A soma de três fatores- maior facilidade para a criação de sindicatos, a manutenção da

sustentação financeira compulsória e do monopólio de representação dos sindicatos nas

negociações coletivas – tornou-se um forte incentivo para a criação de novos sindicatos – via

“o instrumento que consagra as condições de trabalho negociadas entre categorias, esferas dentro das quais se aplicam coercivamente”. Ver “Las Relaciones Laborales en Brasil”, Informe Relasur , OIT, Montevideo, 1996.

40

desmembramentos ou criação de novas entidades – fazendo crescer ainda mais a

pulverização organizativa, mas também os conflitos entre as diferentes centrais sindicais,

devido às disputas pela representação sindical48.

A Pesquisa Sindical do IBGE49 de 198950 mostrou que dos mais de 5 mil sindicatos de

trabalhadores existentes cerca de dois terços não tinham mais que 2.000 sócios e 81%

tinham até 5.000 associados. Com mais de 50 mil sócios registravam-se apenas 7 sindicatos

de empregados urbanos. Em 1991 e 1992 a Pesquisa Sindical do IBGE mostrou que o mesmo

quadro permanecia51.

Com o fim da comissão de enquadramento sindical poderia se esperar que o sindicalismo

brasileiro passasse por uma reconformação, promovesse fusões, redefinisse a abrangência de

sua representação, tanto profissional, quanto territorial, mas entre 1990 e 1996, segundo

registro do Ministério do Trabalho foram criados 2.135 novos sindicatos de assalariados do

setor privado - urbano (74% deles na indústria e no comércio); 178 sindicatos de

trabalhadores rurais e 1.281 de servidores públicos, ou seja 3.594 novos sindicatos, o que

elevou o número de entidades sindicais para além dos 10 mil. Ou seja, num período de pouco

mais de seis anos o número de entidades sindicais cresceu 87%.

A maior concentração da criação de novos sindicatos deu-se no período entre 1990 e 1992,

caindo um pouco nos três anos seguintes e significativamente em 1996. Provavelmente essa

queda pode ser explicada pela diminuição do poder de barganha dos sindicatos – seja pelo

crescimento da ocupação precária e do desemprego, seja pela queda da inflação e com ela

das campanhas pela recuperação dos salários.

Segundo estimativas da Secretaria de Relações de Trabalho do MTB em 1998 havia cerca de

16 mil os sindicatos cadastrados (trabalhadores e empregadores). Somados os pedidos de

depósito de novas entidades (muitos deles sob questionamento no judiciário e outros não

aceitos) esse número chegaria a 22 mil.

Porque esse novo boom de criação de sindicatos depois da inflexão anterior? Muitas razões

podem ser aventadas: a primeira delas é provavelmente a possibilidade de desfrutar de

plenas garantias de estabilidade laboral e a possibilidade de aceder deslocamento de grandes

empresas para regiões do interior que antes integravam bases de outros sindicatos; busca de

47 A abolicão do Estatuto Padrão já havia se dado em 1985, por iniciativa do Ministro do Trabalho Almir Pazzianoto e a nova Constituição apenas reafirmou a medida. 48 Como foi extinta a Comissão de Enquadramento Sindical e se manteve a unicidade sindical por lei as disputas entre novos e antigos sindicatos vêm sendo dirimidas pela Justiça que, na ausência de uma regulamentação, opta pela legislação anterior. 49 IBGE- Indicadores Sociais, Pesquisa Sindical, 1988. A Pesquisa Sindical foi feita anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística entre 1985 e 1991, tendo como fonte de informações os sindicatos. 50 Pesquisa Sindical IBGE 1989.

41

estabilidade laboral para um maior número de militantes; acesso a eleições de Juízes

Classistas; divergências política e/ou disputas pessoais de poder; acesso a programas de

formação profissional financiados pelo CODEFAT e outros.

O enfraquecimento das negociações coletivas

Outro aspecto importante a mencionar é o fato da Constituição de 1988 ter mantido

praticamente intocável o sistema de negociações coletivas limitado por seu instrumento de

pactuação e pela poder de interferência já conhecida da Justiça do Trabalho. Esse fato foi

crucial para a perda do poder de barganha dos sindicatos que ocorreu, principalmente, em

decorrência das transformações na estrutura econômica e produtiva brasileira nos anos 80 e

90 e a sucessão de planos e medidas de ajuste monetário nos anos 90.

Nos anos 80 a economia brasileira apresentou um comportamento pendular no que se refere

à ocupação. Alternaram-se períodos de desaceleração (1981-1983); recuperação (1984-

1986) e de estagnação do produto (1987-1989)52 que foram acompanhados de elevada

instabilidade monetária, incertezas nas decisões empresariais e forte insegurança para os

trabalhadores. Apesar disso, o processo hiperinflacionário e a inexistência de significativas

alterações nas formas de gestão da produção e da mão de obra contribuíram para a

concentração da ação sindical em torno de negociações coletivas de trabalho e a realização

de greves como mecanismo recorrente de reposição das perdas salariais.

A partir dos anos 90, com a transformação da economia e do modelo produtivo brasileiro -

gerados pela abertura comercial e redução do papel gerenciador e investidor do Estado -

produziu-se uma nova alteração no mercado de trabalho. As consequências dessas mudanças

são bastante conhecidas: a reestruturação e enxugamento da produção industrial, a

internacionalização do processo produtivo, a entrada de investimentos externos via fusões e

privatizações e mais recentemente, a internacionalização do sistema bancário.

Com a intensificação da descentralização da produção industrial nos últimos 5 anos (tanto

nos setores menos dinâmicos, como nos setores de ponta), os pólos industriais mais antigos

passaram a ser reduzidos e, ao mesmo tempo, os novos núcleos de indústria manufatureira

vêm se utilizando de tecnologias organizacionais de baixa incidência de mão de obra, de

maior precariedade da ocupação e salários muito mais baixos. O efeito desse processo vem

afetando o segmento assalariado como um todo – não há reposição dos empregos perdidos

- e mais diretamente o sindicalismo industrial que passa a ser pressionado a trocar suas

51 Anuário Estatístico do IBGE, 1994. 52 POCHMANN, Marcio, BARRETO, Reginaldo e MENDONÇA, Sérgio – “Ação Sindical no Brasil – transformações e perspectivas”, in São Paulo em Perspectiva, Revista Fundação SEADE, vol. 12 n. 1, outubro 1998.

42

conquistas laborais e benefícios sociais pela manutenção dos empregos, isto é pela não

deslocação das unidades fabris.

Paralelo a isso houve a privatização dos principais segmentos estatais, no período 1993 a

1998 (siderurgia, petroquímica, eletricidade e telecomunicações) que, além da forte

reestruturação dos mesmos, produziu a concentração e internacionalização dos grupos

empresariais que controlam esses segmentos, contribuindo para uma maior redução da

ocupação, seja pela via do corte de pessoal, seja pela via das mudanças organizacionais.

Completa o quadro o uso intensivo da terceirização nos segmentos industriais e de serviços e

a larga utilização das cooperativas de trabalho nos segmentos agro-industriais e nas novas

áreas de concentração de indústrias exportadoras (calçados, eletroeletrônica, para citar

alguns exemplos). Processos que levam à pulverização de antigos segmentos e a mudanças

profundas nas formas de relação entre capital e trabalho, tendo sido essa a matriz geradora

das mudanças legislativas que regulam o contrato de trabalho (trabalho temporário,

domiciliar, etc) aprovadas pelo Congresso durante os anos 90.

O resultado de todas essas mudanças e do aprofundamento da flexibilização trabalhista,

levaram a uma maior dispersão e fragmentação das negociações coletivas.

Apesar de haver se mantido a convenção coletiva para toda a categoria, as negociações de

acordos coletivos pelas grandes empresas passaram a ser cada vez mais frequentes,

concentrando seu foco na flexibilização de alguns direitos, sob a justificativa de aprofundar

modernização tecnológica para alcançar maior produtividade e competitividade. Esse formato

se impôs pelo poder da empresa, mas também pelo atrativo de poder proporcionar mais

benefícios sociais aos seus empregados, assim como ganhos de seus rendimentos, devido à

negociação da Participação nos Lucros e Resultados – PLR (criada pela constituição de 1988 e

regulamentada em 1994).

Com este cenário as negociações coletivas centralizadas perderam poder na maioria dos

casos (a mobilização sempre toma como base a dinâmica organizativa das grandes

empresas) e, nos anos 90, principalmente após a adoção do plano real, pode-se perceber a

perda do poder de barganha dos sindicatos, resultando em perdas salariais e crescimento de

acordos e convenções coletivas com cláusulas flexibilizadoras, principalmente nos estatutos

da jornada de trabalho e contrato de trabalho.

E por último, há que se mencionar que na constituição de 1988 não se aprovou as garantias

de organização sindical nos locais de trabalho e a figura do “representante dos trabalhadores”

prevista no artigo 12 nunca foi regulamentada.

43

Tentativas frustradas de mudanças

Ao longo dos anos 90 várias vezes surgiram propostas de mudanças dessa legislação em

direção a autonomia sindical. Praticamente todas elas contaram com a oposição de grande

parte das entidades sindicais e a quase totalidade das organizações empresariais, como da

mesma forma foram rejeitadas todas as tentativas de ratificação da Convenção 87 da OIT. A

proposta que mais avançou foi o projeto de PEC (Projeto de Emenda Constitucional)

apresentado ao Congresso, em 1998, pelo então Presidente, Fernando Henrique Cardoso, e

que previa profunda alteração da estrutura sindical brasileira ao promover a extinção do

sindicato único, ou seja do monopólio de representação sindical.

A oposição de grande parte das organizações sindicais e patronais e os efeitos da crise

financeira de janeiro de 1999, impediram que o projeto fosse adiante. A única mudança, de

importância, no período, foi extinção do cargo de Juiz Classista em 1999.

1.1.2. A visão dos órgãos de controle da OIT

Casos de Violação da Liberdade Sindical no Brasil examinados pelo Comitê de Liberdade Sindical

Apesar de o Brasil não ter ratificado a Convenção 87, o país está obrigado a respeitar e

aplicar o princípio da liberdade sindical, como foi dito, estando submetido ao controle

provocado do Comitê de Liberdade Sindical. Esta obrigação decorre da previsão da obrigação

de respeitar o princípio da liberdade sindical prevista na Constituição da OIT e de o país ter

ratificado a Convenção 98 que é aplicada de forma integrada com a Convenção 87.

Entre 1985 e 2003 o Comitê de Liberdade Sindical examinou 24 casos relativos ao Brasil. As

várias reclamações eram dirigidas contra a prática de atos anti-sindicais, ou seja, aspectos

conjunturais das relações trabalhistas e, ainda, também enfocaram aspectos estruturais do

modelo sindical corporativo. Deste último objeto de reclamações, especificamente, o Comitê

extraiu recomendações de natureza normativa, que recomendam a adoção de mudanças

constitucionais e legais no ordenamento jurídico brasileiro.

Em 1985 o CLS adotou uma recomendação sobre uma reclamação do Sindicato dos

Trabalhadores Metalúrgicos de João Monlevade referente a prática de atos anti-sindicais

adotados pela siderúrgica Belgo Mineira (caso n. 1.270 do CLS). Em 2003 o CSL examinou

reclamação apresentada pela Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres

(CIOSL), enfocando o assassinato de um dirigente do Sindicato dos Trabalhadores na

Citricultura de Sergipe (caso n. 2.156 do CLS). Em ambos os casos o Comitê recomendou a

adoção de um comportamento que o Comitê considera compatível e adequado com o respeito

ao exercício da liberdade sindical.

44

No caso dos trabalhadores metalúrgicos de João Monlevade, o Comitê recomendou ao

governo brasileiro que fizesse a empresa respeitar o exercício legitimo de greve e não

praticasse atos anti-sindicais contra os dirigentes do sindicato de trabalhadores. Na

reclamação da CIOSL, por sua vez, o Comitê recomendou ao governo brasileiro que

determinasse às autoridades o imediato esclarecimento dos fatos relativos ao assassinato e

das respectivas responsabilidades, de maneira que se possa punir os culpados.

Entre os casos examinados pelo Comitê, estão diversos que, no entanto, foram concluídos

com recomendações que, uma vez adotados, levariam a alterações de natureza estrutural do

modelo de relações trabalhistas existente no Brasil. Esta foi a tônica de diversas

recomendações adotadas pelo Comitê. Um exemplo é o caso da reclamação que a Central

Única dos Trabalhadores (CUT) apresentou em 1997 contra o governo brasileiro em função

das medidas punitivas adotadas em decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre a

greve ocorrida na petrolífera Petrobrás (caso n. 1889 do CLS).

No caso em questão, o Comitê adotou, entre outras recomendações, que o governo tomasse

medidas para modificar a legislação brasileira para que o submetimento de conflitos coletivos

de interesses às autoridades judiciais só fosse possível havendo comum acordo entre as

partes – princípio da negociação livre e voluntária prevista na Convenção n. 98. Recomendou

que se admitisse a intervenção judicial no conflito só no caso dos serviços essenciais, no

sentido estrito do termo, ou seja, aqueles nos quais a interrupção do trabalho colocasse em

risco a vida, a saúde ou a segurança de parte ou de toda a população.

O Comitê estava se referindo, no caso dos trabalhadores petroleiros, ao poder normativo

concedido aos tribunais trabalhistas no Brasil para solucionar, compulsoriamente, a pedido de

uma parte ou do Ministério Público, os conflitos coletivos de trabalho através do processo

judicial do dissídio coletivo.

O Comitê voltou, ainda uma vez, ao tema do mecanismo de controle compulsório do conflito

coletivo, no caso apresentado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Instituições

Financeiras (CNTIF), contra o governo brasileiro pelo julgamento do dissídio coletivo proposto

pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Crédito (CONTEC). A CNTIF

reclamou perante o Comitê que, apesar de representar a maioria ampla dos trabalhadores do

setor, sofria uma restrição compulsória na sua representação sindical com a intervenção

judicial proposta por outra Confederação, que é a detentora do monopólio da representação

(caso do CLS n. 2.099 de 2001).

Neste caso, a decisão do Comitê acabou atacando dois pontos estruturais do sistema

brasileiro de solução de conflitos. O Comitê reafirmou o primado normativo da voluntariedade

da negociação coletiva e dos respectivos mecanismos de solução dos conflitos coletivos,

45

conforme disposto na Convenção 98 e, ainda, declarou o monopólio sindical incompatível com

o princípio da liberdade sindical e exorta o governo brasileiro que ajuste a sua legislação a

este princípio.

A Liberdade Sindical e o Direito de Sindicalização no Brasil à luz da Comissão de Peritos em Convenções e Recomendações

Quanto à aplicação dos preceitos constantes na convenção n. 98, o Brasil tem enfrentado

uma série de questionamentos, por parte da Comissão de Peritos na aplicação das

Convenções e Recomendações. Antes de avançar estas considerações, devemos, mais uma

vez, recordar que a Convenção 87 é interpretada, pela Comissão de Peritos, de forma

integrada com a Convenção n. 98.

Em 1998 o caso brasileiro foi levado a debate na Conferência Internacional do Trabalho e, no

ano seguinte (26 a 30 do mês de abril de 1999) uma missão técnica foi enviada ao Brasil53

para verificar as dificuldades encontradas à aplicação da Convenção 98.

A Comissão de Peritos tem feito reiteradas considerações sobre a incompatibilidade do

instituto jurídico do Dissídio Coletivo frente aos preceitos da Convenção n. 98,

recomendando, inclusive, que o governo tomasse as medidas cabíveis para que fosse

restringido o seu uso apenas para os casos, nos quais, for requerido por ambas as partes, ou,

então, que seja restringido o seu uso unilateral para o caso de conflitos que envolva os

serviços essenciais, no estrito sendo da palavra, como definido pelas decisões do Comitê de

Liberdade Sindical.

Outro ponto problemático para a efetiva aplicação da Convenção n. 98, segundo os peritos da

OIT, é o artigo 623 da Consolidação das Leis do Trabalho, que prevê a possibilidade de um

Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho – instrumentos de contratação coletiva previstos

na legislação brasileira - serem declarados nulos quando adotam reajustes que afrontem a

política econômico-financeira do Estado. Segundo a Comissão, isto afeta a independência dos

atores sociais no processo de negociação coletiva, razão pela qual requereu ao governo

brasileiro a adoção de medidas necessárias para garantir a revogação do referido artigo,

ainda que o mesmo não viesse sendo utilizado na prática.54

53 Para ver os debates ocorridos na CIT de 1998 ver o Informe da Comissão de Aplicação de Normas Internacionais, 1998, in ILOLEX, CD-ROOM editado pelo Departamento de Normas da OIT, Genebra, 20003. As informações públicas da missão técnica – o relatório não se encontra disponível – estão relatadas no Informe da Comissão de Peritos em Convenções e Recomendações Internacionais, 2000, ILOLEX, CD-ROOM editado pelo Departamento de Normas da OIT, Genebra, 20003. 54 Cf. o Informe da Comissão de Peritos em Convenções e Recomendações Internacionais, de 1998, ILOLEX, CD-ROOM editado pelo Departamento de Normas da OIT, Genebra, 20003.

46

Por último, devemos registrar a negociação e contratação coletiva no setor público como o

ponto no qual existe o maior distanciamento entre as garantias da Convenção n.98 e a

prática jurídica brasileira.

A Comissão de Peritos foi informada, pela memória enviada pelo governo brasileiro, que o

Supremo Tribunal Federal (STF), tribunal de natureza constitucional, considerou

inconstitucional o artigo 240 da lei 8.112/91 – o qual regulava a negociação e contratação

coletiva. Após a apresentação do relatório da missão técnica, a Comissão de Peritos concluiu

que seria necessária uma emenda constitucional para se garantir o direito a negociação e

contratação coletiva dos funcionários públicos. A Comissão constatou, ainda, que durante a

visita da missão técnica surgiu a conveniência de realizar-se um seminário nacional tripartite,

com o acompanhamento da OIT, para discutir o tema da negociação coletiva em geral,

incluída a abrangência da negociação na administração pública e do setor público.55

No relatório da Comissão de Peritos de 2004 foi relatado o comentário feito pelo governo

brasileiro a um longo informe enviado pela CUT, no qual prestou informações sobre a

instalação do Fórum Nacional do Trabalho e afirmou expressamente a realização de estudos

para uma reforma administrativa que estenda aos servidores públicos o direito à negociação

e contratação coletivas.56

Na Conferência de 2004 o Brasil figurou inicialmente numa lista de casos a ser examinada

pela Comissão de Aplicação de Normas, mas foi retirado nas negociações ocorridas em

Genebra na véspera do exame dos casos individuais.57

De outro lado, não podemos ignorar a mais recente iniciativa do governo em adequar a

legislação aos preceitos da liberdade sindical previstos na Convenção, com a criação do

Fórum Nacional do Trabalho58, órgão responsável pela elaboração dos projetos de emenda

constitucional e de lei para as reformas trabalhista e sindical no ordenamento jurídico

brasileiro.

A Liberdade Sindical e o Direito de Sindicalização no Brasil à luz dos Mecanismos de Seguimento da Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho

Os Relatórios Anuais sobre a aplicação da Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais

no Trabalho, realizados pelo Escritório Internacional do Trabalho, nos anos de 2002, 2003 e

55 Cf. o Informe da Comissão de Peritos em Convenções e Recomendações Internacionais, de 2000, ILOLEX, CD-ROOM editado pelo Departamento de Normas da OIT, Genebra, 20003 56 Cf. Cf. o Informe da Comissão de Peritos em Convenções e Recomendações Internacionais, Genebra, OIT, 20004. 57 Entrevista com Ericson Crivelli, representante dos trabalhadores brasileiros na Comissão de Aplicação de Normas da CIT de 2004, em Genebra. 58 O regimento interno foi criado pela portaria 1.029 de 12 de agosto de 2003 do Ministério do Trabalho e Emprego.

47

2004, incluem comentários apresentados pela Central Única de Trabalhadores-CUT, sobre os

seguintes aspectos:

1. Monopólio da representação sindical e seus mecanismos constitucionais

de controle;

2. A possibilidade de solução judicial compulsória dos conflitos coletivos;

3. Controle governamental sobre o registro sindical no Ministério do

Trabalho como limitador da existência de sindicatos fora do monopólio

sindical;

4. Impossibilidade dos sindicatos que não detenham o monopólio de

registrarem convenções e acordos coletivos;

5. Inexistência do direito à negociação coletiva e contratação aos

servidores públicos civis;

6. Limitação legal dos sindicatos dos dirigentes sindicais protegidos contra

a possibilidade de dispensa imotivada;

7. Existência legal de representação compulsória dos sindicatos, por

federações e confederações.

No Relatório Anual de 2004 o governo brasileiro anunciou a instalação, como já se fez

menção, do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), objetivando a realização de uma ampla

Reforma Sindical e Trabalhista que permita a ratificação da Convenção 87 e aplicação das

demais convenções fundamentais.

1.1.3. Os resultados alcançados pelo Fórum Nacional do Trabalho

Um dos temas caros ao atual governo, que tem boa parte de seus responsáveis oriundos no

sindicalismo, é a reforma da legislação sindical e trabalhista brasileira. No ano de 2003 esse

processo teve início com a criação do Fórum Nacional do Trabalho- FNT, um organismo

tripartite que deve elaborar os projetos de mudança da constituição (PEC) e da legislação em

vigor, iniciando-se pelo capítulo da organização sindical e negociações coletivas.

A equipe técnica da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego

está em fase de conclusão da redação do projeto de lei e um projeto de emenda

constitucional para a Reforma Sindical. Ambos deverão ser enviados ao Congresso Nacional

no início de 2005.

48

A redação dos dois projetos constitui o resultado obtido pelas negociações travadas no

âmbito do Fórum Nacional do Trabalho. Em novembro de 2004, após 14 meses de

discussões, resultaram em projeto de lei com 238 artigos e uma Proposta de Emenda

Constitucional (PEC) destinada a alterar o art 8o da Constituição Federal brasileira.

Organização Sindical: resumo das mudanças previstas

Troca do Conceito de Unicidade por Exclusividade: Os sindicatos podem optar pelo novo

sistema de representação chamado de Exclusividade. Aqueles que não aderirem ao novo

sistema ficam sujeitos a possibilidade de existência de uma pluralidade sindical. Àqueles que

optarem, no prazo estabelecido na lei, poderão gozar de uma Exclusividade da

Representação, através da qual gozarão de privilégios legais do atual monopólio, ou seja, a

uma nova forma de monopólio da representação. Para isso, devem submeter-se a alguns

critérios:

a) Submeter-se às normas do Estatuto Sindical

Consistirá em um conjunto de normas a ser estabelecido pelo Conselho Nacional de Relações

do Trabalho do Ministério do Trabalho, órgão previsto nos projetos da Reforma Sindical.

Estas normas deverão estabelecer critérios de democracia sindical, regime de prestação de

contas, forma e mecanismos de aferição da representatividade, etc.

b) Optar pela Exclusividade Originária ou Derivada

A primeira modalidade de representatividade é a obtenção da exclusividade a partir da

comprovação da sindicalização de 20% dos trabalhadores do setor profissional representado

pela entidade sindical que a estiver pleiteando. A exclusividade derivada, por sua vez, como o

próprio nome diz, derivará da filiação do sindicato a uma Federação, Confederação, ou

Central Sindical, que ficará obrigada - não o sindicato ou entidades filiadas isoladamente nos

seus respectivos territórios - a comprovar a representação de 15% dos trabalhadores do

setor no âmbito de sua representação territorial.

c) Reconhecimento dos Sindicatos

Os sindicatos e as centrais sindicais serão “fiscalizados” pelo Conselho Nacional de Relações

do Trabalho, fórum tripartite (governo, trabalhadores e empresários) que está sendo criado.

No conselho as câmaras bipartites (governo/trabalhadores) e (governo/empresários)

poderão opinar e fiscalizar as respectivas estruturas.

d) Setores econômicos

Será eliminado o conceito de categoria atualmente existente no modelo sindical brasileiro. O

novo conceito de grupo social será definido pelo Conselho Nacional do Trabalho.

49

e) Financiamento dos sindicatos

O imposto sindical e as atuais contribuições, assistencial e confederativa, serão extintos. O

imposto sindical – atualmente denominado contribuição sindical – deverá ser extinto em

quatro anos, período no qual será gradativamente reduzido. Serão substituídos por uma taxa

negocial, vinculada à negociação salarial. Esta taxa não poderá ultrapassar o limite máximo

de 1% do salário líquido mensal.

f) Representação no local de trabalho

As empresas ou estabelecimentos com 30 trabalhadores, ou mais, deverão admitir a

presença de um representante do sindicato no local de trabalho. A representação será

instalada pelo sindicato detentor da Exclusividade de Representação. Quando não houver

uma exclusividade da representação da categoria, esta deverá ser instalada pelos diversos

sindicatos em conjunto. Os empregados não poderão ser punidos pela organização.

g) Fundo de Promoção Sindical

O Fundo será bipartite e responsável por criar e impulsionar campanhas de fortalecimento da

estrutura sindical e dos sindicatos. Sua fonte de recursos será um percentual da arrecadação

da contribuição da negociação coletiva.

Negociação Coletiva

A negociação coletiva será sempre coordenada pelos sindicatos. Mesmo quando a negociação

ocorrer em instância de nível superior (federação, confederação ou central) os sindicatos de

base deverão ser consultados para aprovar a negociação e se rejeitá-la ficará de fora do que

for negociado.

Se não houver consenso até o vencimento do prazo do acordo coletivo, suas garantias serão

prorrogadas por 90 dias. Em caso de impasse, haverá a mediação pública ou privada, com o

intuito de forçar um consenso. Se, ainda assim, não houver um resultado, o caso poderá ser

arbitrado por um árbitro privado ou pela Justiça do Trabalho, conforme decisão de comum

acordo das partes.

Algumas Críticas ao Projeto do Fórum Nacional do Trabalho

Não há garantias efetivas de uma futura rotação da Exclusividade, caso um novo sindicato

pleiteie a Exclusividade. Os Estudos Especiais da Comissão de Peritos em Recomendações e

Convenções da OIT, dos anos de 1983 e 1994, definiram alguns critérios para as garantias ao

exercício da liberdade sindical que, no entanto, não estão claros ou efetivamente assegurados

no projeto brasileiro:

50

I. Direito do sindicato minoritário a uma checagem periódica da representatividade dos

sindicatos majoritários, que lhes permitam acessar esta posição e seus respectivos privilégios

legais;

II. O órgão regulador do sistema da representação que fiscalizará o funcionamento do

sistema e solucionará os conflitos, o Conselho Nacional do Trabalho, é constituído pelos

próprios interessados, mecanismo que é condenado pela interpretação que os peritos fazem

da aplicação das convenções 87 e 98.

III. A adesão ao sistema da Exclusividade da Representação implica na submissão à

algumas regras de funcionamento, como financeiras, estatutos sindicais, eleições, etc. O

sistema proposto parte do pressuposto que o acesso a privilégios legais devem ser

condicionados a aceitação de regras limitadoras da denominada liberdade interna corporis.

Progressos Existentes no Projeto

Apesar dos problemas apresentados, o projeto apresenta indiscutíveis avanços em relação ao

atual modelo sindical corporativo existente no Brasil. A seguir elencamos algumas das

alterações que merecem uma avaliação positiva.

I. Uma maior representatividade dos sindicatos e das organizações de segundo e terceiro

graus. A introdução dos conceitos de representatividade, apesar das dificuldades para a sua

alternância, representará um indiscutível acréscimo de representatividade ao sistema de

representação.

II. As diversas contribuições são concentradas em uma única fonte, além da mensalidade

sindical que subsistirá. O sistema inibirá os atuais abusos que são cometidos, com o limite

que está previsto. Além do que estará vinculado à negociação coletiva, o que dará um

conteúdo de retributividade à contribuição. Desta forma, impedir-se-á que os sindicatos sem

representatividade obtenham vantagem econômica sem uma representatividade e atividade

sindical que a justifiquem.

III. O instrumento da substituição processual será consideravelmente ampliado, permitindo a

defesa judicial dos direitos dos trabalhadores em caso de macro lesão de direitos

homogêneos.

IV. A existência de uma representação no local de trabalho viabilizará, finalmente, a aplicação

da convenção 135 da OIT, há muito ratificada pelo Brasil.

51

1.2. Eliminação do Trabalho Forçado e Obrigatório59

Entre 1980 e 1991, a Associação Brasileira de Inspetores do Trabalho (AGITRA) documentou

3.144 casos de pessoas submetidas a trabalho forçado em 32 propriedades na região Sul do

Estado do Pará. A AGITRA observou, na ocasião, que o trabalhou forçado aumentava

consideravelmente no país, enquanto a inspeção do trabalho estava diminuindo.

Incidência de trabalho forçado por tipo de atividade

Fonte: SIT/MTE 60

De acordo com uma estimativa da Comissão Pastoral da Terra, pelo menos 25 mil

trabalhadores estão em situação de submissão. Geralmente são homens adultos, na faixa de

20 a 35 anos e, eventualmente, mulheres que atuam como coadjuvantes em serviços de

cozinha e lavagem de roupas. A fase da exploração do ser humano começa com a chegada

dos trabalhadores nas fazendas já devendo ao dono da propriedade, o custo da passagem e

gastos com alimentação, ferramentas e remédios. Tudo é debitado do trabalhador, que não

consegue quitar a dívida, tornando-se um escravo da fazenda. Os estados do Maranhão e

Piauí são os mais cobiçados pelos "gatos" pelo alto índice de pobreza e desinformação dos

trabalhadores que são seduzidos pelas promessas de garantia de emprego e salário

compensador.

A OIT do Brasil utiliza a expressão Trabalho Escravo, entendido como Trabalho Degradante e

Privação Liberdade, a qual pode se dar de diferentes formas: servidão por dívida; retenção de

documentos; dificuldades das condições geográficas que não permitem o deslocamento e por

fim a presença de capatazes armados. Segundo a OIT a principal causa dessa prática deve

59 Site traz reportagens sobre trabalho escravo no Brasil - O Repórter Brasil (www.reporterbrasil.org.br) apresenta a situação de famílias privadas de sua liberdade e obrigadas a trabalhar em troca de comida. 60 Gráfico apresentado por Patrícia Audi no seminário em Brasília de 6 e 7/12/04

43%

28%

24%

1%4%

Pecuária Desmatamento Agricultura Madeireiras Carvoarias

52

ser atribuída à impunidade dos que se utilizam do trabalho forçado, mas também são fatores

de causa a vulnerabilidade do trabalho (trabalho sem registro e sem a mínima cobertura

legal), principalmente nas regiões de mais difícil acesso geográfico, e a ausência muitas

vezes da fiscalização do trabalho.

1.2.1. A visão dos órgãos de controle da OIT

Segundo avaliações da Comissão de Peritos da OIT existiam problemas de ordem legal que

prejudicavam a efetiva aplicação dos preceitos previstos nas Convenções 29 e 105. Razão

pela qual foram realizadas alterações no ordenamento jurídico que regula tipificação penal

destes crimes, para que o trabalho escravo, previsto na legislação penal, passasse a

englobar as figuras jurídicas de trabalho forçado ou escravidão por débito. Entre os

problemas remanescentes, mencionados frequentemente nos comentários da Comissão de

Peritos, está a persistência do conflito de competência entre a justiça comum estadual, que

seria mais suscetível às pressões políticas, e a Justiça Federal, para o julgamento dos casos

envolvendo o trabalho forçado. Em diversas ocasiões a Comissão de Peritos recomendou a

federalização destes crimes, providência ainda não adotada na legislação brasileira.

A Comissão de Peritos notou, ao longo de vários anos, que haviam ocorrido pouquíssimas

condenações penais com base nos artigos 132, 149, 203 e 207 do Código Penal – que

prevêem e tipificam os crimes relacionados com o trabalho forçado. Estes artigos da

legislação penal foram modificados pela lei 9.777/98, atendendo algumas exigências das

Convenções da OIT, porém até o presente momento não foi ainda possível verificar-se se são

mais eficazes no combate ao trabalho forçado. Os peritos observaram que as últimas

memórias enviadas pelo governo brasileiro não traziam informações suficientes para uma

avaliação61. Não se deve esquecer, ainda, que a morosidade do judiciário brasileiro,

frequentemente recordada em relatórios da Comissão de Peritos 62.

Também foi alvo de crítica pelos peritos a pequena porcentagem de processos instaurados

em relação ao número de autuações efetuadas pelos inspetores e fiscais do trabalho,

afirmando que é inútil uma atuação desses a não ser que apoiados por um sistema jurídico e

administrativo que imponha severas sansões aos responsáveis, sendo citado a extrema

burocracia envolvida para instauração das ações penais, o que leva ao descumprimento do

artigo 25 da Convenção 29, que recomenda penas efetivas àqueles que a descumprem.

61 Cf. Informe da Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações, OIT, Genebra, 2004, p.136. 62 Cf. Informe da Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações, op. cit, p.134.

53

O relatório mais recente menciona as autuações realizadas no Estado do Pará, confirmadas e

que deram ensejo a condenações por dano moral coletivo e convertido também em

indenizações pelo Tribunal Regional do Trabalho do Pará.63

Lembra também a Comissão de Peritos a necessidade em estabelecer responsabilidade civil e

criminal para todos os envolvidos, ressaltando também o fato de somente pequenos

proprietários terem sofrido punições. Este assunto foi debatido no plenário da Comissão de

Aplicação de Normas da Conferência, em 1997.64 Um dos problemas centrais na repressão ao

trabalho forçado é a necessidade de punição de todos os envolvidos na cadeia produtiva, que

sempre serve, no final de sua linha, a grandes corporações nacionais ou transnacionais.

Em decorrência da dificuldade de identificação e punição de empresas contratantes daqueles

que se valem do trabalho forçado, vários proprietários rurais, mesmo tendo sido autuados

pelo uso de trabalho forçado, acabam conseguindo financiamentos públicos, o que não é

permitido.

A Comissão de Peritos criticou em reiteradas oportunidades, o decreto 5.889/73 que prevê

multas menores aos produtores rurais do que as previstas na CLT, principalmente por se

concentrar no âmbito rural a maior incidência dos casos de violação as Convenções

mencionadas. Em função da morosidade do poder legislativo brasileiro em aprovar um

projeto de lei alterando o artigo 18 do referido texto legal – que regula o valor das multas

aplicáveis ao setor rural - o poder executivo editou uma Medida Provisória n. 2.164/01.

Reconhecem os peritos da OIT os esforços do governo para erradicação do problema e,

ainda, que ano a ano vem melhorando a atuação do Estado no combate ao trabalho forçado.

Apesar disso, subsiste ainda a necessidade de uma melhor comunicação entre os diversos

órgãos públicos envolvidos nesse combate, bem como dar melhores condições a esses

órgãos, seja com o aumento do número de servidores envolvidos ou uma infra-estrutura mais

moderna e condizente com o tamanho do desafio que enfrentam.

Não poderíamos deixar de citar, por fim, que a Comissão dirigiu três solicitações diretas ao

governo para que apresentasse respostas a comunicação apresentada pela CIOSL,

denunciando a existência de crianças sujeitas a servidão por débito e obrigadas a se prostituir

no Estado de Rondônia. Inicialmente, havia o governo brasileiro alegado que não deveria o

caso ser analisado sobre a ótica do disposto na Convenção 29, porém tal argumento foi

prontamente rejeitado pela Comissão de Peritos. Desde então, a Comissão aguarda uma

63 Cf. Informe da Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações, op. cit, p.138. 64 Cf. Informe da comissão de Aplicação de Normas, CIT de 1997, ILOLEX, OIT, 2003.

54

manifestação governamental que explique os fatos ocorridos, bem como o que vem sendo

feito para sanar à situação dessas 3.000 crianças.65

1.2.2. As iniciativas do Estado brasileiro e os avanços registrados

A partir da metade dos anos 90, o Estado brasileiro tem realizado significativos avanços para

eliminar o problema e a partir de 2001 os resultados são mais significativos. Mas sem dúvida

foi a partir da gestão do governo Lula (em curso) que o combate ao trabalho forçoso avançou

mais. Colocado como uma prioridade da fiscalização o número de resgates e de resgatados

em 2003 e 2004 supera todo o período anterior em conjunto.

De 1995 até o início de julho de 2004, foram resgatados 11.969 trabalhadores rurais que se

encontravam em condição análoga à de escravo. Quase metade (5.224) dos casos ocorreu no

Pará, seguido por Mato Grosso (2.435) e Bahia (1.139). Depois, vêm Maranhão, Tocantins e

Rondônia.

Trabalhadores resgatados pela fiscalização no Brasil

Fonte:SIT-OIT-BR

65 Estas e outras informações e denúncias surgidas ao longo de anos nos relatórios da Comissão de Peritos, vem mencionadas expressamente no relatório de 2004. Cf. Informe da Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações, op. cit, idem.

77

21995 47 56 88 144 91 19484

425394 159

725527

1174

2306

4932

0

1000

2000

3000

4000

5000

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Fazendas Fiscalizadas Trabalhadores Libertados (10.726)(1.011)

55

Segundo a CPT, em 2002 foram libertados 2.156 trabalhadores, que receberam R$ 2 milhões

a título de indenização; até setembro de 2004, o número de libertados já atingia 3.500 e as

indenizações pagas somavam R$ 4,8 milhões 66.

Esses resultados revelam uma disposição política da atual administração pública, mas

também coroam iniciativas institucionais que vêm sendo tomadas há mais tempo.

Em 28/01/02 foi criada, através da Resolução n. 05 do Conselho dos Direitos da Pessoa

Humana da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, uma Comissão Especial encarrregada

do combate ao trabalho forçado. Esta Comissão Especial foi responsável pela elaboração do

Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, lançado em 11/03/03.67

Diversas ações são desenvolvidas também no âmbito do Ministério Público do Trabalho. Em

28/01/02 foi criado, pela Portaria n. 231, a Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho

Escravo (CNCTE). Segundo a estatística disponível neste órgão, de março de 2003 – não

muito recente -, ele participou de 48 operações de fiscalização com o Grupo Móvel de

Combate ao Trabalho Escravo. Existem, atualmente, 248 procedimentos administrativos em

andamento e 210 arquivados.

Desde que iniciou sua política de combate ao trabalho forçado, o Ministério Público do

Trabalho firmou 101 Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta e impetrou sete

Ações de Execução de Título Extrajudicial. Ingressou com Ações Civis Públicas (ACP), sendo

42 ainda em andamento, nove Ações Civis Coletivas (ACC), uma Ação Cautelar (AC), 12

Reclamações Trabalhistas (RT) e uma Ação Anulatória (AA).

Das operações que o Ministério Público do Trabalho tomou parte, 22 ocorreram no Estado do

Mato Grosso do Sul, 12 no Estado do Pará. O Estado do Pará segue sendo o Estado brasileiro

recordista em ocorrência de trabalho forçado e reincidência. Das ACPs impetradas pelo MPT,

onze delas foram no Estado do Pará e quatro ACCs.

Na 10a Região, que inclui o Estado de Tocantins e o Distrito Federal, há o maior número de

procedimentos em andamento: 96. No Estado do Pará são 46, São Paulo, 26, Maranhão, 18,

Mato Grosso, com 16, Rondônia, com 13, e Campinas (SP), com 10. A região com o maior

número de Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TCAC) firmados é a do

Mato Grosso, com 21, seguido por Minas Gerais, com 19, Piauí, com 16, Rio de Janeiro, com

11 e o Pará com nove.

66 Singer, Paul - Prevenção do trabalho escravo no Brasil, FSP, 20/10/03 . 67 Informações disponíveis no endereço www.mpt.gov.br/publicacoes/escravo/planonacional.pdf, informação de 03/11/04.

56

Entre as doze Reclamações Trabalhistas ajuizadas, nove foram impetradas no Estado do Mato

Grosso do Sul, uma de Goiás e outra do Pará. Em apenas duas regiões do MPT não foi

registrada nenhuma ação relacionada com o tema do trabalho forçado: nos Estados de

Sergipe e Rio Grande do Norte.68

O atual governo priorizou o combate à escravidão. Em abril de 2003, adotou um Plano para a

Erradicação do Trabalho Escravo e, em 31/07/03, o presidente assinou decreto que cria a

Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, a CONATRAE, formada por nove

representantes de ministérios e nove de "entidades privadas não-governamentais (...) que

possuam atividades relevantes relacionadas ao combate ao trabalho escravo".

Ainda em 2003, a Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego

formou criou o Grupo Especial de Fiscalização Móvel que combate o trabalho escravo no

campo, composto por auditores do trabalho e agentes da Polícia Federal, que vai aos locais

em que há trabalho escravo e liberta as vítimas, que recebem algum auxílio em dinheiro e

são recambiadas aos municípios de onde provêm. Os responsáveis pela escravização de

trabalhadores são processados, mas até o momento quase nenhum foi punido69.

As diligências feitas pelo Grupo Móvel em 2003 libertaram 4.995 trabalhadores, sendo que os

grandes focos do trabalho escravo no Brasil estão concentrados nos Estados do Pará, Mato

Grosso, Maranhão e Goiás. O número de fazendas fiscalizadas aumentou significativamente

desde a criação do Grupo Móvel, tendo sido 77, em 1995, alcançando 194 fazendas em 2003.

Outra iniciativa legislativa ocorrida em 2004, foi a aprovação, em primeiro turno, pela

Câmara dos Deputados, de uma emenda constitucional que permite a expropriação das

propriedades rurais onde tenha sido encontrado trabalhadores em regime forçado ou análoga

ao trabalho escravo. Trata-se da Emenda Constitucional n. 438-A que, após a aprovação em

segundo turno nesta casa do parlamento brasileiro, deverá ser enviada à aprovação no

Senado Federal.70

Por último, é importante mencionar que a partir de outubro de 2004, os produtores rurais

flagrados explorando mão-de-obra escrava estão enfrentando dificuldade de excluir seus

nomes das listas sujas do governo. O Ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, assinou uma

portaria criando o Cadastro dos Empregadores que tenham mantido trabalhadores em

condições semelhantes à de escravo. Os 166 produtores e empresas rurais constantes deste

68 Para as informações referentes as ações do Ministério Público do Trabalho em combate ao trabalho forçado, ver o endereço, www.mpt.gov.br/escravo/geral/estatisticas.html , acessado em 03/11/04. 69 SINGER, Paul, Prevenção do trabalho escravo no Brasil, artigo publicado na Folha de São Paulo, em 20/10/03. 70 Informação obtida do site da Câmara dos Deputados, www.camara.gov.br/sileg/Prop_detalhe.asp?id=36162, em 03/11/04.

57

cadastro terão mais dificuldades para obter acesso a recursos públicos, em especial dos

fundos constitucionais.

1.2.3. O papel da sociedade civil

Durante cerca de 30 anos o tema foi tratado de forma quase solitária pela Comissão

Pastoral da Terra e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

(CONTAG). Essas entidades desde a década de setenta vêm denunciando, inclusive

internacionalmente, as recorrentes incidências da prática de trabalho forçado não só na

Amazônia, como em regiões industrializadas do sul e sudeste do país. As informações estão

presentes nos Relatórios de Conflitos de Terra divulgados pela CPT desde sua criação (1975).

Com o aumento da fiscalização e resgate de trabalhadores cresceu também a consciência na

sociedade, que tem contribuído para os avanços mencionados. Segundo o Escritório da OIT,

no período de 2001 a 2003, o registro do tema aumentou 1900% na mídia impressa,

refletindo assim o crescimento da preocupação da sociedade com o problema. São várias as

Organizações Não Governamentais que hoje atuam sobre a questão, somando-se às já

mencionadas.

Uma das entidades que tem colaborado de forma importante é o Instituto Ethos que aderiu

ao programa da ONU Global Compact e tem trabalhado junto às empresas principalmente

para conscientizar sobre a necessidade imperiosa de se abolir este tipo de prática. Outra

organização que tem contribuído de forma importante para a eliminação do trabalho forçoso

é o Observatório Social, instituto criado pela CUT em meados da década de 90 com o objetivo

de acompanhar a atuação das multinacionais no Brasil e especialmente seu respeito ás

Normas Fundamentais da OIT.71

Foi por iniciativa dessas duas ONGs, a OIT e mais o Instituto Brasileiro de Siderurgia -IBS e a

Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT, que em 13 de agosto de 2004 as empresas

siderúrgicas brasileiras assinaram compromisso público com a promoção do trabalho decente

– em especial a erradicação do trabalho forçado em sua cadeia produtiva – deixando de

comprar de fornecedores que se utilizassem de trabalho forçado e infantil.

Outra iniciativa das organizações sociais e do escritório da OIT no Brasil, em novembro de

2004, foi a ampla divulgação à lista de proprietários agrários que já foram autuados pela

prática do trabalho escravo, iniciativa essa que passou a ser chamada de Lista Suja e que

visa contribuir justamente para que esses empregadores não tenham acesso a

financiamentos e outros benefícios e sobretudo contribuir para o fim da impunidade deste

71 O Instituto Ethos, assim como o Observatório Social da CUT, também atua em defesa do cumprimento e aplicação das 8 Convenções Fundamentais.

58

crime.

1.3. Abolição do Trabalho Infantil.

Em 1992, o Brasil contava com pouco mais de 146 milhões de habitantes. Nos dez anos

seguintes, o país alcançou algo em torno dos 170 milhões de habitantes. O número de

crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos, representava 28.8% da população geral em

1993, e 25.5 %, em 2002.

Em relação ao trabalho infantil, a tendência da última década é marcada pela diminuição

quantitativa dos índices de trabalho infantil. Na pesquisa de Schwartzman (2001), a curva

evolutiva do trabalho infantil parte, em 1992, com 9.6 milhões de crianças e adolescentes

(incluindo as crianças entre 5 e 9 anos de idade), mantém-se com 9.5 milhões ainda em

1995 e, já em 1998, desce para 7.7 milhões de trabalhadores infantis.

Isto significa que, em 1992, 22.3% das crianças entre 5 a 17 anos eram trabalhadoras,

enquanto que em 1998 a proporção era de 17.9%, pondo assim em evidência uma queda

importante na incidência de trabalho infantil no país.

Essa tendência foi confirmada pelos dados de 1999 e 2001 da PNAD. Em 1999, de um total

de 43.8 milhões de crianças e adolescentes com idade entre 5 e 17 anos, 6.6 milhões

estavam trabalhando. Em 2001, das 43.1 milhões de pessoas da faixa etária de referência,

5.4 milhões estavam ocupadas. 72

O trabalho infantil apresentou um ritmo de queda mais forte no setor urbano do que no setor

rural. Embora seja significativa a diminuição nas duas áreas, é relevante perceber que, no

setor urbano, passou-se de 5.3 milhões de crianças e adolescentes trabalhando, em 1990,

para 2.5 milhões de crianças trabalhando, em 2001. Enquanto isso, no setor rural, passou-se

de 4.1 milhões de trabalhadores infantis, em 1992, para 2.3 milhões, em 2001.

Quanto aos níveis de remuneração, em 2001, quase metade do contingente de pequenos

trabalhadores não recebiam qualquer remuneração. A pesquisa da PNAD também mostrou

que 1.83 milhões de crianças trabalhadoras cumpriam jornadas de trabalho integrais: 40

horas ou mais por semana. Dentre as crianças remuneradas, 41,5% ganhavam até meio

salário mínimo e 35,5% de meio a um salário mínimo. Somente 0,4% delas ganhava mais

que três salários mínimos de remuneração.

72 SCHWARTZMAN, Simon, in: Trabalho Infantil no Brasil. Brasília: OIT, 2001.

59

Sendo assim, a remuneração do trabalho das crianças e adolescentes é, em geral, menor do

que um salário mínimo, apresentando ainda uma alta presença de trabalho não remunerado.

A idade é outro fator que a pesquisa revelou influir na remuneração. Assim, quanto maiores

as crianças, também são maiores as opções de ter um salário melhor.

Dentre os que estudam e trabalham, 30% tem uma jornada semanal de 40 horas de

trabalho, isto é, cumprem jornadas de adultos. Entretanto, existem Estados como São Paulo

e Rondônia onde mais de 50% das crianças trabalham mais de 40 horas por semana. A PNAD

de 2001 também constatou que a taxa de escolarização das crianças e adolescentes de 5 a

17 anos que não trabalhavam era muito superior à das crianças que trabalhavam.

1.3.1. A visão dos órgãos de controle da OIT

Quanto às convenções para abolição do trabalho infantil ainda não tivemos até apresente

data nenhuma manifestação do Comitê de Peritos na aplicação das Convenções e

Recomendações quanto a primeira memória detalhada de cada uma delas, convenções n. 138

e 182, uma vez que foram recentemente ratificadas pelo Brasil.

A Convenção 138, que trata da idade mínima para o trabalho, foi ratificada em 28 de junho

de 2001, enquanto a Convenção 182, que trata das piores formas de trabalho infantil, foi

ratificada em 02 de fevereiro de 2000, sem que até agora tenhamos qualquer manifestação

quanto à adequação das práticas governamentais e do ordenamento jurídico nacional ao

disposto nesses convênios, sendo certo que a legislação nacional está de acordo aos

princípios norteadores dessas convenções 73.

Por não figurar entre as convenções ratificadas pelo Brasil, quando da adoção do sistema de

seguimento da Declaração de 1998, os Relatórios Anuais fizeram menção ao problema nas

diversas oportunidades. Vários dos institutos legais existentes no Brasil são mencionados no

relatório de 2000, como as normas constitucionais citadas e o Estatuto da Criança e do

Adolescente (lei n. 8.060/90).

Estes mecanismos jurídicos estabelecem o patamar de escolaridade obrigatória às crianças e

adolescentes, período no qual o trabalho é vedado. Para fazer cumprir estas exigências, o

poder executivo criou o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. O

Relatório de 2001 aponta a informação do governo brasileiro da criação do Grupo de Combate

73 Em seu artigo 7º, inciso XXXIII a Constituição Federal proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

60

ao Trabalho Infantil e Proteção do Trabalho dos Adolescentes (GECTIPA)74. Com a ratificação

das convenções relativas a matéria, como foi dito, o tema deixa de ser objeto do envio de

memórias de seguimento da Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho.

1.3.2. Iniciativas e medidas do Estado Brasileiro e resultados alcançados

A partir da década de 90 registram-se várias ações do governo e de organizações

internacionais (OIT/IPEC) e também nacionais visando a erradicação do trabalho infantil.

Iniciativas que têm contribuído para diminuir sensivelmente sua incidência, como se viu no

capítulo anterior. A seguir listamos algumas delas.

Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) - Criado

no final de 1994, em reunião convocada pela OIT e UNICEF, da qual participaram

representantes de 22 instituições, entre as quais, CUT, CGT, CONTAG, CNI, CNBB, INCRA,

MTE, MPT, OAB, PNBE, Presidência da República, entre outros.

O FNPETI foi criado com o objetivo de propiciar uma instância aglutinadora e articuladora de

agentes sociais institucionais, envolvidos com políticas e programas de promoção de medidas

destinadas a prevenir e erradicar o trabalho infantil no Brasil.

Em todos esses anos o Fórum tem sido muito procurado por instituições de todo o país para

dar orientações sobre como planejar e implementar ações de erradicação do trabalho infantil,

avaliar atividades em andamento, acompanhar novos programas de ação integrados, entre

outros. E em 1999 formou a Rede Nacional de Fóruns Estaduais de Combate ao Trabalho

Infantil, incluindo todos os estados da federação com a exceção dos estados de Rondônia e

Roraima, que já contavam com a Rede Moara para promover todas as articulações

necessárias.

A formação desta rede foi fundamental para a elaboração da primeira versão do documento

intitulado “Diretrizes para a Formulação de uma Política Nacional de Combate ao Trabalho

Infantil”, que tinha como objetivo servir como base para a construção de políticas públicas de

combate ao trabalho infantil no Brasil.

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) - órgão

nacional, criado em 1995, que tem a função de monitorar os direitos da criança no Brasil,

que tem entre suas diretrizes o mandato de contribuir na elaboração do Plano Nacional de

Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.

74 Os relatórios encontram-se disponíveis: www.ilo.org/dyn/declaris/DECLARATIONAR.Show_ARHTML.

61

Grupos Especiais de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente

Trabalhador (GECTIPAs) – criados em 1995 pelo MTE para funcionar com a participação

das Delegacias Regionais do Trabalho (DRT’s) e a Unidade de Inspeção Móvel da Secretaria

de Inspeção do Trabalho (STI) do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE).

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil- PETI- criado em 1996 por parte da

Secretaria Nacional de Assistência Social (SEAS), já mencionada anteriormente. Esse

programa devia atuar nas regiões e atividades econômicas priorizadas pelo Fórum Nacional.

O PETI previa a concessão de um auxílio financeiro às famílias de crianças com idade entre 7

e 14 anos cadastradas e retiradas do trabalho, e logo matriculadas na escola, onde

participavam de atividades extra-classe dentro da então implementada Jornada Ampliada. A

partir de 2003, esse programa foi integrado a outros programas sociais (fome zero, renda

mínima, etc) gerenciados pelo Ministério de Ação Social, denominado Bolsa Família.

No que tange ao acompanhamento da implementação das Convenções no Brasil, em 1999, os

participantes conferiram autonomia ao Fórum Nacional para indicar um grupo de trabalho,

com quatro membros (composição quadripartite), incluindo um representante; o CONANDA,

para, em articulação com os Fóruns ou Comissões Estaduais, realizar o acompanhamento

necessário.

O recente ingresso da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho

(ANAMATRA) e da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores (ABMP) no Fórum

Nacional pode ser percebido como um sinal de que o estabelecimento dessas novas parcerias

já está iniciando seu processo de consolidação. De igual maneira, a nomeação do Fórum

Nacional como membro efetivo da Comissão Nacional para a Eliminação do Trabalho

Infantil (CONAETI), instituída pelo Ministério do Trabalho e Emprego no final de 2002,

também pode ser um indicativo do advento de uma nova fase do Fórum no estabelecimento

de canais de interlocução diferentes sobre a questão do trabalho infantil.

A experiência positiva da bolsa escola – programa lançado pelo governador do Distrito

Federal, em 1994, constava de entrega de uma bolsa-escola para que as famílias

mantivessem seus filhos na escola. Analisando-se uma série histórica verifica-se que o

programa, adotado depois a nível nacional, contribuiu para a elevação do índice de

alfabetização no Brasil. Em 1981, 58.5% das crianças e adolescentes eram alfabetizadas. Já

em 1992, esse índice de alfabetização alcançou 72% dessa população de referência, deixando

evidente um esforço social no sentido de inserir as crianças e adolescentes na escola.

A relação entre alfabetizados e não-alfabetizados confirma uma tendência de inclusão no

processo escolar. O grupo dos não-alfabetizados começa a diminuir a partir de 1996,

62

momento no qual inicia uma curva marcadamente descendente, que vai diminuir o número

de analfabetos de mais de 15 milhões, para perto de 10 milhões, em 1992.

A partir de 2004 esse programa se integrou a outros programas sociais e está sendo

gerenciado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (resultado da junção dos Ministérios de

Ação Social e Segurança Alimentar).

O Ministério Público do Trabalho desenvolve uma grande ação de combate ao trabalho

infantil. Em 2000, através da Portaria 299, o MPT criou a Coordenadoria Nacional de Combate

à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente. O MPT adotou uma política centrada

no combate às chamadas piores formas de trabalho infantil, ou atividades que criam

situações de risco para crianças e adolescentes. Com este enfoque, o MPT adotou uma

relação de áreas consideradas prioritárias:

1. trabalho infantil doméstico;

2. trabalho infanto-juvenil em atividades ilícitas (especialmente prostituição e tráfico

de drogas);

3. trabalho infanto-juvenil em lixões;

4. trabalho de crianças e adolescentes no regime de economia familiar;

5. regularização do trabalho do adolescente.75

Não poderíamos também deixar de citar que no ano de 1992 foi implementado76 no país o

Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil77 (IPEC), sendo certo que nesses

12 anos em que o programa funciona no país foram inúmeras as realizações e melhorias

propiciadas por essa ilustre parceria78.

1.3.3. O papel da sociedade civil organizada

Também nessa esfera poderiam ser citadas inúmeras iniciativas da sociedade civil organizada

desde o final da década de 80 com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Os

programas, organizações e iniciativas são inúmeros e exigiriam um trabalho a parte. É

75 ver o endereço, www.mpt.gov.br , acessado em 03/11/04. 76 Com a assinatura, em 04 de junho de 1992, do Memorando de Entendimento entre o Brasil e a Organização do Trabalho. 77 Tal programa, uma iniciativa conjunta do Diretor Geral da Organização Internacional do Trabalho e do Ministro do Trabalho da Alemanha, iniciou-se no ano de 1990, com a seleção de seis países membros para receber a ajuda financeira do governo alemão e suporte logístico da OIT, sendo eles: Brasil, Índia, Indonésia, Tailândia, Turquia e Quênia. 78 O Relatório Boas Práticas de Combate ao Trabalho Infantil – A Atuação do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) no Brasil apresenta um quadro mais abrangente e detalhado dos resultados do programa.

63

importante ressaltar, no entanto, que a condenação do trabalho infantil já está incorporada a

agenda urbana nacional e é crescente o nível de conscientização da sociedade a respeito.

Neste campo contribuíram decisivamente organizações como a OIT que em 1992 iniciou o

convenio do IPEC, organismos da Igreja e também as organizações sindicais. Em 1994, a

OIT-Brasil apoiou a CUT e o Sindicato de Sapateiros de Franca a realizarem uma pesquisa

sobre a incidência do trabalho infantil na indústria de calçados, da cidade de Franca-SP, na

época o maior pólo produtor e exportador de calçados. A pesquisa foi realizada pelo DIEESE e

foi um marco na ação sindical no combate ao trabalho infantil, assim como tem sido

importante a ação da CONTAG para combater a incidência de trabalho infantil na produção

agrícola e na agricultura familiar.

1.4. Eliminação da Discriminação em matéria de emprego e ocupação

Como parte de seus esforços para promover o Trabalho Decente a OIT-Brasil realizou um

estudo em 2001, com base nos dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios), que mostrou “uma realidade caracterizada pela persistência e a reprodução de

profundas desigualdades e discriminações de gênero e raça no mercado de trabalho brasileiro

e, portanto, na sociedade brasileira em seu conjunto”79. A pesquisa faz parte do relatório

global A Hora da Igualdade no Trabalho que foi apresentado à Conferência Internacional do

Trabalho em junho passado pelo Diretor Geral da OIT, Sr. Juan Somavia, como parte do

mecanismo de seguimento da Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho,

aprovada pelos constituintes da OIT em 1998.

No Brasil, as mulheres correspondem a 42% da PEA e os negros a 44,5%. Somados,

correspondem a 55 milhões de pessoas (68% da PEA) e somente as mulheres negras

correspondem a 18% da PEA (14 milhões de pessoas, dados da PNAD 2001). Ou seja,

quando falamos em discriminação por gênero e raça neste país , estamos falando de maioria

e não minorias como se costuma dizer.

Segundo Abramo80, as desigualdades de gênero e raça são significativas em todos os

principais indicadores do mercado de trabalho: taxas de atividade econômica, desemprego e

ocupação; níveis de rendimento; informalidade e precarização. Entende a autora que a

persistência dessas diferenças indicam que estas são eixos estruturantes dos padrões de

desigualdade social no Brasil.

79 Abramo, Lais - Desigualdades e discriminação de gênero e raça no mercado de trabalho brasileiro, texto apresentado ao Fórum Internacional Erradicação da Pobreza, Geração de Emprego e Igualdade de Gênero e Raça, Brasília, 13-15 de outubro de 2003. 80 Idem.

64

Fonte: Elaboração OIT a partir dos microdados da PNAD/IBGE

Fonte: Elaboração OIT a partir dos microdados da PNAD/IBGE

Além desses dois aspectos, outros mais são motivo de discriminação no local de trabalho e

têm cobertura das convenções 100 e 111, tais como: idade; etnia; pessoas portadoras de

deficiências; pessoas vivendo com o hiv-aids; orientação sexual.

65

No caso deste informe, no entanto, analisaremos apenas os temas de raça e gênero,

enfocando o quadro atual, a visão dos organismos da OIT e as medidas e políticas que vêm

sendo efetivadas pelo Estado brasileiro para reduzir o problema.

1.4.1. As desigualdades no mercado de trabalho entre negros e não-negros

De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 47,7% da população brasileira é de origem afro

(pretos/pretas - 5,6% e de pardos/pardas - 40,5%).

A grande maioria dos descendentes afro vivem numa dramática situação de exclusão social –

segundo a PNAD/IBGE no 1% mais rico da população brasileira há 86% de brancos/brancas,

12,6% de pardos/pardas e 1,4% de pretos/pretas.

A análise da série histórica (1998/2002) da Pesquisa de Emprego e Desemprego, realizada,

conjuntamente, pelo DIEESE/SEADE/MTE-FAT demonstra uma situação de reiterada

desigualdade para os trabalhadores negros, de ambos os sexos, no mercado de trabalho das

seis regiões metropolitanas estudadas (Distrito Federal, Belo Horizonte, Porto Alegre, São

Paulo, Recife e Salvador).

A coerência dos resultados em nível nacional revela que a discriminação racial é um fato

cotidiano, interferindo em todos os espaços do mercado de trabalho brasileiro.

Nenhum outro fato, que não a utilização de critérios discriminatórios baseados na cor dos

indivíduos, pode explicar os indicadores sistematicamente desfavoráveis aos trabalhadores/as

negros/as, seja qual for o aspecto considerado. Mais ainda, os resultados permitem concluir

que a discriminação racial sobrepõe-se à discriminação por sexo, combinando-se a esta para

constituir o cenário de aguda dificuldade em que vivem as mulheres negras, atingidas por

ambas.

Em 2000 o DIEESE elaborou o "Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho" para o

INSPIR - Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial, estudo que nos dá uma

visão compreensiva desta situação81 e que apresentamos resumidamente a seguir.

A comparação das taxas de desemprego nas diferentes regiões mostra que, em Salvador, a

taxa de desemprego entre os negros é 45% maior que entre os não-negros, apresentando

cerca de 8 pontos percentuais de diferença (25,7% entre os negros e 17,7% entre os não-

negros). Em São Paulo, ocorre fenômeno semelhante, com uma distância de 40% entre as

66

taxas de desemprego entre as duas raças. Ainda que em proporções elevadas, os menores

diferenciais ocorrem no Distrito Federal e em Recife.

No total das regiões, 50% dos desempregados eram negros, o que correspondia a 1.479.000

pessoas, em 1998. Em Salvador, os negros eram 86,4% dos desempregados e, em Recife e

no Distrito Federal, cerca de 68%. Já em Porto Alegre, representavam 15,4% do total de

desempregados. Em São Paulo os negros desempregados eram 650 mil pessoas,

correspondendo a 40% dos desempregados desta região metropolitana.

Tabela 1 - Taxas de Desemprego segundo Raça Brasil –

Regiões Metropolitanas 1998 (em %)

Regiões Metropolitanas Taxas de desemprego

Negros Não-negros

Diferença entre as taxas de negros e

não-negros

São Paulo 22,7 16,1 41%

Salvador 25,7 17,7 45%

Recife 23,0 19,1 20%

Distrito Federal 20,5 17,5 17%

Belo Horizonte 17,8 13,8 29%

Porto Alegre 20,6 15,2 35%

Fonte: DIEESE/SEADE e entidades regionais. PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego Elaboração: DIEESE Obs.: Raça negra: pretos e pardos; raça não-negra: brancos e amarelos

Nas regiões metropolitanas de São Paulo, Salvador e Porto Alegre, a cor discrimina mais no

desemprego que o sexo do trabalhador, ou seja, as taxas de desemprego são maiores entre

os homens e mulheres negros que entre as mulheres não-negras. Por sua vez, em Belo

Horizonte e Recife as faixas de desemprego das mulheres não negras é mais elevada que a

dos homens negros, e no Distrito Federal elas se equivalem.

O mesmo efeito discriminatório da cor se verifica na comparação entre as taxas de

desemprego entre os homens negros e os não-negros. As maiores diferenças nestas taxas

encontram-se em Salvador, onde o desemprego entre os homens negros é 57,9% maior que

entre os homens não-negros, e em São Paulo, onde esta diferença é de 51,4%.

Em todas as regiões, as mulheres negras apresentam as maiores taxas de desemprego. No

entanto, as diferenças destas taxas entre as mulheres negras e não-negras são

81 Em 2002 o DIEESE publicou um boletim especial com dados de 2001 e 2002 – A desigualdade Racial no Mercado de Trabalho e em 2003 publicou o estudo “Mulher Negra: Dupla discriminação nos mercados de trabalho metropolitanos” – ambos podem ser encontrados na pagina web do DIEESE (www.dieese.org.br )

67

consideravelmente menores do que entre os homens, variando do maior patamar, 36,0% de

diferença em Salvador, até o menor (6,7%), no Distrito Federal.

Taxas desemprego total por sexo e cor – Regiões Metropolitanas – 2002

O rendimento é um indicador fundamental para estabelecer a qualidade de vida e trabalho.

Os rendimentos dos trabalhadores e trabalhadoras negros são sistematicamente inferiores

aos rendimentos dos não-negros, quaisquer que sejam as situações ou os atributos

considerados.

Essa desigualdade expressa um conjunto de fatores que incluem: a entrada precoce no

mercado de trabalho, a maior inserção da população negra nos setores menos dinâmicos da

economia, a elevada participação em postos de trabalho precários e em atividades não-

qualificadas e as dificuldades que cercam as mulheres negras no trabalho.

É necessário considerar que os patamares de rendimentos da população em geral são baixos.

Mas, a desigualdade que caracteriza a situação dos negros se mostra com bastante clareza

quando constatamos que os rendimentos dos negros são, em média, cerca de 60% dos

auferidos pelos não-negros.

Tomando como base os homens não-negros, que estão no topo da escala de rendimentos, as

diferenças são bastante acentuadas não apenas no que se refere aos homens, mas

especialmente às mulheres negras, que apresentam os níveis mais baixos de rendimentos em

todas as situações.

68

Proporção do rendimento médio mensal por raça, cor e sexo – regiões metropolitanas – 2002 - rendimentos hs não negros = 100

Fonte DIEESE/SEADE/MTE/FAT e Convênios Regionais – PED Dados com base na média de janeiro a junho de 2002 - Elaboração: DIEESE

Em 2001, segundo estudo do DIEESE82 a renda média brasileira era de 2,9 salários mínimos

e os pretos e pardos receberam a metade do rendimento dos brancos.

Os dados apresentados revelam que a maior exclusão social da população negra é a

somatória da já conhecida desigualdade social no Brasil e as diferenciações e

comportamentos discriminatórios disseminados por todo o país.

Neste sentido, o cumprimento das Convenções 100 e 111 da OIT sobre a não discriminação

nos locais de trabalho possui um papel extremamente importante, pois a justiça social, a

igualdade de oportunidades, a cidadania plena, enfim, as condições que ofereçam a todos

uma igual distribuição das possibilidades de obter seu sustento e a plena realização de suas

capacidades passam, necessariamente, pela construção da igualdade racial no Brasil.

1.4.2. As desigualdades no mercado de trabalho entre homens e mulheres.

Em 1992 o percentual feminino na PEA era 39,4% e em 2002 havia passado a 42,5%

(PNAD-IBGE). Em 2001, 46% do total das mulheres ocupadas trabalhavam como

assalariadas. Deste total de mulheres assalariadas, 18,3% eram domésticas e 16,3%

autônomas; 9,8% tinham trabalho sem remuneração, evidenciando a vulnerabilidade do

69

trabalho feminino.

Nos últimos seis anos, o desemprego feminino cresceu mais do que o dos homens, como

evidencia o quadro abaixo.

A remuneração média por hora trabalhada das mulheres em relação aos homens em 2003

variava entre 74,3% (Belo Horizonte) e 83,2% (Porto Alegre). Se comparados com os dados

de 1998, houve maior aproximação das remunerações em Porto Alegre, Salvador e São Paulo

e Recife.

Para os assalariados, em especial para aqueles que têm carteira assinada, a diferença entre

as remunerações é menor e o salário da mulher equivale, em média, a pelo menos 82,5% do

valor recebido pelos homens.

A diferença entre a remuneração entre homens e mulheres, paradoxalmente, aumenta

quanto maior é o nível de escolaridade.83 Na PNAD de 2002, p.e, entre as pessoas com até

três anos de escolaridade, as mulheres recebiam 85% da remuneração dos homens,

enquanto entre as pessoas com escolaridade de 15 anos ou mais, as mulheres recebiam 61%

da remuneração dos homens.

1.4.3. A Visão dos Órgãos de Controle da OIT.

A Comissão de Peritos em Convenções e Recomendações tem se manifestado de maneira

muito favorável às medidas legais e administrativas tomadas pelo Estado brasileiro para

implementação dos princípios das Convenções 100 e 111.

82 A Desigualdade Racial no Mercado de Trabalho, Boletim DIEESE- Edição Especial- novembro de 2002 83Abramo, 2003.

1998 2003Regiões Metropolitanas Mulheres Homens Mulheres HomensBelo Horizonte 18.7 13.7 23.3 17.1Distrito Federal 22.1 17.4 25.7 20.2Porto Alegre 18.6 13.7 20.2 13.9Recife 24.9 19 27 20Salvador 27.1 22.9 30.1 26.1São Paulo 21.1 16.1 23.1 17.2

Fonte: Convenio Dieese/SEADE /MTE/FAT e PED Elaboracão: Dieese

70

Dentre as medidas legais adotadas pelo governo, a Comissão de Peritos destaca as leis

n.9.02984, de 13 de abril de 1995, a n. 9.459 85, de 13 de maio 1997, a n. 9.799 86, de 26

de maio de 1999, e, por último, a de n. 10.224 87, de 15 de maio 2001.

Dentre as medidas administrativas tomadas, por sua vez, mereceram uma menção especial

da Comissão de Peritos às seguintes: a criação, em maio de 1996, Programa Nacional para

Direitos Humanos88, criação dos Núcleos de Prevenção a Discriminação no Emprego e

Ocupação89, o lançamento, em julho de 1997, da campanha Brasil – Gênero e Raça:

Unidos pela Igualdade de Oportunidades e, anda, a instalação, em janeiro de 2003, do

Conselho Nacional de Combate a Discriminação.

Mas se, por um lado, os peritos fazem menção expressa aos avanços do governo, de outro,

eles também fazem críticas ao fato de, até meados de 2004, não terem sido apresentados à

organização e seus órgãos de controle, os resultados de todas as medidas acima citadas,

sendo, portanto, impossível mensurar seu efeito no problema da discriminação no país.

A Comissão de Peritos faz uso também dos dados de comissões em outros órgãos das Nações

Unidas, entre eles o Comitê para Eliminação da Discriminação Racial, que apurou que a

despeito da promulgação da Constituição Federal de 1988 e da criação da Comissão de

Direitos Humanos, subsistem desigualdades profundas no tratamento dispensado às

populações negra e indígena. 90

A Comissão tem citado também as conclusões do Comitê das Nações Unidas de Direitos

Humanos, que apontam que, apesar das melhoras recentes, as mulheres continuam a

enfrentar uma grande discriminação, inclusive quanto ao acesso ao mercado de trabalho.

É importante frisar que esses dados são requeridos ao Estado brasileiro desde o ano de 2001.

A Comissão de Peritos aguarda, em especial, informações não apenas sobre medidas

adotadas ou pretendidas, mas também sobre o impacto dessas medidas em prevenir a

ocorrência de discriminação na contratação de negros de ambos os sexos em postos de

84 Que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho. 85 Que altera os arts. 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e acrescenta parágrafo ao art. 140 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. 86 Que insere na Consolidação das Leis do Trabalho regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho. 87 Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para dispor sobre o crime de assédio sexual. 88 Vinculado ao Ministério da Justiça. 89 Vinculados às Delegacias Regionais do Trabalho. 90 CERD/C/263/Add. 10; CERD/C/SR.1157-1159; CCPR/C/81/Add.6; and CCPR/C/SR.1506-1508.

71

trabalho em que eles tradicionalmente são excluídos, como serviços de atendimento ao

público, sistema financeiro, hotéis e postos de comando e chefia em negócios e empresas.

Entendem os peritos que é inaceitável a subrepresentação de pretos e pardos nos postos

mais qualificados, bem como o fato da grande maioria da população afrodescendente

trabalhar no mercado informal, sendo certo que medidas positivas devem ser adotadas para

garantir o ingresso dessas populações ao mercado de trabalho.91

1.4.4. As iniciativas do Estado Brasileiro

Em 1965 o Estado brasileiro ratificou a Convenção nº 111 – OIT - assumindo o compromisso

de "formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos

adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidades e de

tratamento em matéria de emprego e profissão com o objetivo de eliminar toda discriminação

nessa matéria."

Mas somente em junho de 1995, durante a 83ª Conferência OIT, o governo brasileiro

assumiu oficialmente a existência de discriminação no mercado de trabalho e solicitou a

cooperação técnica da OIT para a implementação dos compromissos assumidos com a

ratificação da convenção 111.

No âmbito do poder executivo foram adotadas algumas decisões que se podem classificar

como ações afirmativas. O Ministério da Justiça, por exemplo, adotou a Portaria n. 1.156

(PNDH – 1996), de 20/12/01, estabelecendo cotas no âmbito do Ministério da Justiça e para

a contratação de prestadores de serviços. Em outubro de 2001, através do Decreto

Presidencial nº. 3952 foi criado o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), de

caráter interministerial.

Constituição de 1988: aprovou a ampliação dos direitos relacionados à proteção à

maternidade, criminalização do racismo e reconhecimento do direito de propriedade da terra

por parte dos remanescentes de quilombos.

Programa de combate à discriminação no trabalho - Em 1996 o governo brasileiro

lançou o Programa Nacional de Direitos Humanos (que foi revisto depois em 2002), que tinha

algumas medidas relacionadas ao mundo do trabalho.

Programa Brasil Gênero e Raça e dos Núcleos de Combate à Discriminação- a partir

da denúncia feita pela CUT do não cumprimento da C. 111 pelo Brasil e posterior

91 Ver o Cf. Informe da Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações, 2004, op. cit, pp. 214 e 215.

72

reconhecimento oficial pelo governo da existência de discriminação racial no país, em 1996

foi lançado “O Programa Brasil Gênero e Raça”, resultado de um projeto de cooperação

técnica entre o MTE e a OIT .

SEPPIR e SPM – Em 2003 o Presidente Lula reforçou a ação do Executivo na promoção da

igualdade de oportunidades e a não discriminação nos locais de trabalho ao criar duas

Secretarias Especiais (com status de ministérios) a SEPPIR-Secretaria Especial de Política

de Promoção da Igualdade Racial e a SPM-Secretaria Especial de Políticas para a

Mulher. As duas secretarias vêm desenvolvendo um conjunto de programas e “ações

afirmativas” como o estabelecimento de quotas para negros e negras nas Universidades, em

áreas de governo como o Ministério de Relações Exteriores, valorização da história da

população afrodescendente no Brasil, etc., e, com a colaboração principalmente da OIT, têm

concentrado sua atuação nas esferas de geração de emprego e renda e qualificação

profissional, para garantir igualdade de acesso ao mercado de trabalho.

Em novembro de 2003, como parte das comemorações do "Dia da Consciência Negra" o

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a criação do Conselho de Promoção da

Igualdade Racial, organismo que faz parte da estrutura da SEPPIR.

Vários avanços se observaram em 2004. Em janeiro desse ano a SEPPIR realizou atividade

que consolidou a rede de promoção da igualdade racial, com apoio da Fundação Friederich

Ebert/Ildes e da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa articulação começou com

22 organismos estaduais e municipais que tratam dessa temática – entre coordenadorias,

assessorias e secretarias.

Os participantes se comprometeram em intensificar a troca de experiências, a fim de

implementar a política nacional de promoção da igualdade racial em nível nacional. Entre as

metas estabelecidas pela rede está a realização de uma conferência de caráter nacional, que

ocorrerá em junho de 2005.

Em julho a SPM organizou a 1a Conferência Nacional das Mulheres que foi precedida por

encontros estaduais e debateu temas relativos à Política Nacional para as mulheres. Houve,

ainda, a criação da Comissão Tripartite de Igualdade de Oportunidades e Tratamento de

Gênero e Raça no Emprego, por iniciativa do MTE, com a participação da SEPPIR, SPM, SDH e

Ministério do Planejamento e com a assessoria técnica permanente da OIT. Ainda em 2004 foi

lançado o Programa Brasil sem Homofobia e começou a ser adotado o programa de

quotas para negros nas Universidades.

73

O papel da OIT

A OIT vem desenvolvendo mundialmente o Programa de Fortalecimento Institucional para a

Igualdade de Gênero, a Erradicação da Pobreza e a Promoção do Emprego, que tem como

objetivo contribuir com o esforço realizado pelos governos e a sociedade civil organizada

(sindicatos, organizações empresariais e outras) buscando tratar de forma transversal a

questão de gênero nas políticas de combate à pobreza e geração de emprego e renda. Esse

Programa vem sendo executado atualmente em oito países da América Latina (Argentina,

Bolívia, Chile, Equador, Honduras, Paraguai, Peru e Nicarágua). No Brasil o Programa foi

ampliado com a inclusão da dimensão racial e assumiu a denominação de Programa de

Fortalecimento Institucional para a Igualdade de Gênero e Raça, a Erradicação da

Pobreza e a Promoção do Emprego- GRPE92.

O programa foi lançado em outubro de 2003, ocasião em que a OIT assinou um Protocolo de

Intenções com 7 Ministérios e as 4 Secretarias Especiais vinculadas à Presidência da

República (entre elas a SEPPIR e a SPM), estabelecendo o compromisso de se fortalecer as

dimensões de gênero e raça nas políticas de combate à pobreza e geração de emprego. Seu

principal objetivo é incorporar e fortalecer as dimensões de gênero e raça nas políticas e

programas de combate à pobreza e à exclusão social e de geração de emprego e renda.

A estratégia do GRPE é a de promover o fortalecimento das capacidades institucionais dos

gestores públicos encarregados da formulação, implementação e monitoramento dessas

políticas, assim como prestar assistência técnica para a formulação-reformulação-

aperfeiçoamento-avaliação das políticas. Promover o fortalecimento da capacidade

institucional de outros atores sociais (sindicatos, associações de empregadores, organizações

da sociedade civil) e dar apoio à criação e/ou o fortalecimento de instâncias de diálogo social.

Além disso, desenvolver a base de conhecimentos sobre as inter-relações entre pobreza,

emprego, gênero e raça (e outras formas de discriminação). A implementação do projeto

vem se dando através do desenvolvimento de algumas experiências piloto e parcerias

localizadas como o Acordo com a Câmara Regional e o Consórcio Intermunicipal do

Grande ABC, assinado em Fevereiro de 2004 e o Protocolo de Intenções com a

Prefeitura Municipal de S.Paulo, assinado em Abril de 2004. Nos dois casos, as

prioridades do Plano de Ação, que vem sendo desenvolvido, são: a inclusão dos quesitos sexo

e cor-raça nos registros dos programas sociais implementados; os programas de

transferência de renda, microcrédito e intermediação de mão de obra; assim como ajudar a

na definição de sistemas de monitoramento e avaliação das políticas e programas que levem

em conta as dimensões de gênero e raça. Também está previsto o desenvolvimento de

pesquisas e publicações.

92 Abramo, Lais – op.cit.

74

O programa desenvolve a capacitação dos gestores(as) públicos responsáveis por projetos e

programas relacionados ao combate à pobreza e à geração de emprego e trabalho decente

por meio do manual de formação da OIT aplicado nos demais países da América Latina e que

foi traduzido pela OIT e adaptado à realidade brasileira num esforço conjunto com o MTE, sob

o título: Manual de Gênero, Pobreza e Emprego para ser disseminado ao nível local

através de parcerias com prefeituras e entidades da sociedade civil. Nos dois projetos, com

as Prefeituras Municipais citadas, foram desenvolvidos cursos de capacitação em 2004.

Outro projeto em andamento é o “Desenvolvimento de uma política nacional para

eliminar a discriminação no emprego e na ocupação e promover a igualdade racial

no Brasil” que tem como principais objetivos: apoiar a SEPPIR na elaboração e

desenvolvimento de uma política nacional de promoção da igualdade racial, tendo como

principal foco o emprego; apoiar o MTE no aperfeiçoamento do trabalho dos Núcleos de

Combate à Discriminação; apoiar a transversalização da dimensão racial nas políticas e

programas do MTE, com ênfase especial na situação das mulheres negras; apoiar o debate

sobre as políticas de ação afirmativa que se desenvolvem no país, com base na experiência

internacional e desenvolver um melhor “entendimento sobre o efeito positivo das políticas de

ação afirmativa, que podem reforçar e maximizar o impacto de outras medidas e políticas de

emprego dirigidas à redução das desigualdades de raça e gênero, e vice-versa.”

Nesta esfera inserem-se as ações que vem sendo desenvolvidas pela OIT com o MTE no

âmbito do Plano Nacional de Qualificação-PNQ, que na sua concepção original incluiu vários

elementos relativos aos temas de gênero e raça.

Dentre as ações específicas da OIT com o MTE sobre gênero e raça destacam-se, entre

outras:

•••• Análise estatísticas do mercado de trabalho (RAIS), com enfoque de gênero.

•••• Estatísticas de fiscalização referentes ao quantitativo de empregados desagregados por

sexo.

•••• Ações específicas de fiscalização, nas atividades com expressiva participação de mão-de-

obra feminina.

•••• Protocolo para ampliação de políticas de igualdade racial e étnica para o mercado de

trabalho, em torno da qualificação profissional e geração de trabalho e renda.

•••• Projetos na área de qualificação profissional com critérios de atendimento preferencial por

sexo, idade, raça/cor; pessoas com necessidades especiais de visão, locomoção, audição

e mentais; pobreza; escolaridade .

75

Destaca-se também nesse processo, o Projeto de cooperação técnica com a OIT, que busca

alcançar um avanço conceitual e metodológico na formação profissional no campo da

certificação e da diversidade.

Projeto Quilombos – vem sendo desenvolvido pela OIT e busca implementar um programa

de empregabilidade dirigido especificamente a homens e mulheres descendentes de cinco

quilombos que foram selecionados através de consulta à Comissão Nacional de Quilombos do

Brasil à Secretaria Especial para a Integração Racial (SEPPIR).93

Direitos e Oportunidades de Emprego e Treinamento de Pessoas Portadoras de

Deficiência- PPD 94 – esse programa insere-se no âmbito do objetivo estratégico da OIT de

promover melhores oportunidades para mulheres e homens para que obtenham trabalho

decente e produtivo em condições de liberdade, igualdade, segurança e dignidade humana.

O Programa da OIT apoia a negociação de normas internacionais (convenções e

recomendações) e a aplicação de seus mecanismos de controle; além disso, promove a

elaboração de pesquisas e estudos, a prestação de assistência técnica para apoiar a

formulação e implementação de políticas e programas nacionais, o treinamento de recursos

humanos e a conscientização da sociedade sobre a importância deste tema.

O Ministério Público do Trabalho também desenvolve uma ação de combate a

discriminação no trabalho. Desta forma, criou em 28/10/02, através da Portaria 273, a

Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da

Discriminação no Trabalho. A Coordenadoria formou as seguintes comissões temáticas:

1. Assédio Sexual ou Moral;

2. Gênero;

3. Idade;

4. Índios;

5. Lista Discriminatória;

6. Orientação Sexual;

7. Orientação Religiosa;

8. Origem;

9. Pessoa Portadora de Deficiência;

93 Revista OIT Trabajo, n. 50, marzo 2004 94 Informações da página da OIT no Brasil- http://www.oit.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/index.htm

76

10. Portador de HIV e outras Doenças Transmissíveis;

11. Raça/Cor/Etnia;

12. Outros.

Cada uma destas comissões é composta por três ou mais membros de diferentes Estados,

observadas as estatísticas de concentração dos grupos discriminados. A Procuradoria Federal

dos Direitos dos Cidadãos criou, através da Portaria 03 de 16/10/01, o Grupo Temático de

Trabalho sobre a Discriminação Racial.95

1.4.4. As iniciativas da sociedade civil

Assim como nos casos da erradicação do trabalho infantil e do trabalho forçado, também no

caso da discriminação nos locais de trabalho, as iniciativas da sociedade civil organizada,

sobretudo dos sindicatos, tem tido uma importância crescente na conscientização da

sociedade e adoção de medidas para inibir a discriminação e promover a igualdade de

oportunidades.

No âmbito sindical podemos citar várias iniciativas que vêm sendo adotadas nos últimos 10 a

12 anos, tais como: quotas para mulheres nas diretorias das centrais sindicais, fortalecimento

das Secretarias da Mulher, criação de secretarias de Igualdade Racial, introdução do tema

nas negociações coletivas, criação da Mesa de Igualdade de Oportunidades no setor bancário,

acordos de estabelecimento de quotas para negros em empresas do setor comercial, etc.

95 Para maiores informações sobre a atuação do Ministério Público do Trabalho nesta área, consultar o endereço: www.mpt.gov.br/discrimina/coord/index.html , acessado em 03/11/04.

77

III Conclusões

O Brasil tem progredido na aplicação da Declaração de Princípios e Direitos no Trabalho? Em

que medida o Mercosul contribui ou poderia contribuir para que o Brasil e toda a região

melhorassem e aprofundassem seu comprometimento com a de implementação dos

Princípios e Direitos Fundamentais da OIT? Foram as duas questões que tratamos neste

informe e, para as quais, buscamos apresentar um conjunto de informações e algumas

análises que permitissem formular essas conclusões parciais.

Sem dúvida o breve relato sobre as opiniões e recomendações dos órgãos de controle da OIT

apontam que há um considerável esforço do Brasil para melhorar a implementação dos

direitos fundamentais da OIT com a adoção de uma série de mudanças legislativas e

implementacão de programas pelo poder executivo, o legislativo e o Ministério Público do

Trabalho. Esforço que já vem se desenvolvendo há mais de 10 anos, mas que teve um

impulso decisivo após a eleição do Presidente Lula, que se comprometeu publicamente com a

campanha mundial pelo Trabalho Decente no início de 2003.

Tomamos como base de avaliação os pareceres e recomendações dos órgãos de controle da

OIT, que mostram que falta muito para que se possa afirmar que os princípios e direitos

fundamentais no trabalho estejam sendo devidamente respeitados no Brasil. E, certamente,

se tivéssemos tomado também os processos em curso na Justiça do Trabalho, verificaríamos

que o déficit é ainda maior. Porém, isto não foi possível porque as estatísticas disponíveis no

âmbito da Justiça do Trabalho estão organizadas por setores econômicos demandados e não

por temas objeto de demandas judiciais.

Assim, a primeira conclusão a ser apontada é que há motivos para ser otimista, mas a

sociedade brasileira e os organismos internacionais têm que seguir pressionando por mais

avanços, pois a permanência da enorme desigualdade social do país mantém em patamares

elevados o desrespeito dos direitos humanos universais, da cidadania.

As razões são conhecidas e resultam em primeiro lugar de uma prática contínua de várias

décadas, de políticas que têm promovido uma forte acumulação e concentração de capital,

resultando no empeoramento constante de distribuição de renda. No regime militar

(1964/1985) o espetacular crescimento do PIB e da indústria foi seguidamente acompanhado

de uma política de arrocho salarial e destruição do aparato estatal voltado para as políticas

sociais e a educação. E, as quase duas décadas de democracia subsequentes, caracterizaram-

se pela adoção de políticas desreguladoras e privatistas que só agravaram esse quadro.

78

O processo negociado de reforma sindical e trabalhista (em debate no FNT) pode ser uma

ótima oportunidade para se avançar na consolidação de mecanismos mais rígidos que

garantam a aplicação e pleno respeito aos direitos fundamentais do trabalho.

Se analisarmos a situação do ponto de vista legal, veremos que a Constituição de 1988 foi

pródiga em matérias relacionadas com as Convenções da OIT. Mesmo em relação à liberdade

e autonomia sindical, apesar da Constituição não ter adotado os preceitos da Convenção 87,

promoveu significativos avanços quando diminuiu sensivelmente o poder de intervenção do

Executivo na vida sindical e tornou obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações

coletivas. No entanto, mais de 15 anos depois de aprovada a Constituição, mais da metade

de seus artigos segue sem regulamentação, entre esses vários referentes às questões sociais

e trabalhistas (por exemplo, nunca foi regulamentada a proibição da dispensa imotivada e

nem a existência de representantes dos trabalhadores nas empresas). Sem dúvida esta

ausência de regulação dos artigos constitucionais tornou sem efeito os níveis de proteção

social e trabalhista que anunciavam defender. A Constituição tornou-se retórica em alguns

aspectos e não há pronunciamentos nas três esferas do Estado e nem na sociedade em favor

dessa regulamentação, ao passo que há pronunciamentos considerando o texto constitucional

coorporativo, protecionista e ultrapassado e alguns advogam sua mudança. Essas diferenças

deverão se acirrar em 2005, quando se iniciem os debates no FNT, conforme já anunciado

pelo Ministro do Trabalho, visando à reforma trabalhista.

A pressão de vários segmentos empresariais será por promover uma forte flexibilização da

legislação trabalhista, sob o argumento principal que esta encarece a contratação e demissão

de trabalhadores e trabalhadoras e que, portanto favorece a precarização das relações de

emprego (a PNAD estima que mais da metade da população ocupada não tenha contrato

formal de trabalho). As organizações sindicais, de uma maneira geral reconhecem que há

necessidade de mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, mas não aceitam a

descontitucionalização de um conjunto de direitos fundamentais e nem o aprofundamento da

flexibilização das normas de regulação das relações do trabalho.

Além disso, é preciso lembrar que o projeto de reforma sindical resultante do FNT e que

deve ser mandado pelo MTE ao legislativo no início de 2005 (o texto do projeto já foi

aprovado pelo MTE e encontra-se em análise na Casa Civil) terá que passar por um longo

debate nas duas casas do Congresso e certamente sofrerá inúmeras mudanças (fruto de

lobies corporativos e resistências ideológicas como é o caso da recusa do setor empresarial

em relação à existência de delegados/as sindicais), poderá ser desvirtuado e, problemas já

apontados, poderão tornar-se ainda mais graves.

Neste sentido, consideramos que a reforma da legislação trabalhista e sindical pode significar

um avanço ou um retrocesso na trajetória do país pela aplicação correta das convenções

79

internacionais do trabalho. A nosso ver apesar do tema ser conhecido e seguido pela OIT, é

crucial um envolvimento maior dessa organização no acompanhamento dos debates da

Reforma Sindical no Congresso e principalmente das discussões da futura Reforma

Trabalhista pelo FNT. O escritório local da OIT tem acompanhado de perto o funcionamento

do FNT e apoiou diretamente a contratação de técnicos para auxiliar o MTE na condução das

discussões, mas acreditamos que, tendo em vista a dimensão e complexidade do tema, isto

não é suficiente e os escritórios central e regional da OIT deveriam ter mais presença no

processo, entendendo o peso estratégico dessas reformas para o avanço do Brasil no

cumprimento das normas e convenções internacionais que já adotou.

Outro aspecto que queremos abordar nestas conclusões é a questão do reforçamento da

fiscalização do trabalho. Assim como os demais países da América Latina essa área do serviço

público foi dilapidada na última década. Segundo relatório estatístico da Inspeção do Trabalho

exposta na página web do MTE, entre 1990 e 2002 houve uma redução de 30% no número

de fiscais; de 36% nas empresas fiscalizadas; de 14% no número de empregados alcançados

pela fiscalização e de 54% das empresas autuadas; em 2003 e 2004, esta situação não se

alterou – são praticamente os mesmos números de 200296.

Pode-se concluir, portanto, que no governo do Presidente Lula o quadro de fiscais parou de

diminuir, mas não cresceu como seria esperado tendo em vista a ênfase dada à Campanha

pelo Trabalho Decente, combate ao trabalho escravo e trabalho infantil. Acreditamos que o

aumento do número de fiscais, o treinamento eficiente dos mesmos e o fornecimento das

condições necessárias à plena fiscalização trabalhista devem ser metas reconhecidas pelo

governo e cobradas pelas demais esferas do Estado e, sobretudo, pelas organizações

sindicais e sociais, pois é crucial a existência da fiscalização pública para aumentar o grau de

cumprimento das normas fundamentais internacionais do trabalho e não transformar os

inúmeros programas anunciados em peças de retórica. Também nesta esfera é importante

uma maior presença da OIT.

Outro tema importante que queremos ressaltar é a questão da impunidade dos que violam a

aplicação desse conjunto de princípios fundamentais do trabalho. Nos referimos

especificamente à necessidade de ampliação da legislação penal de forma a possibilitar o

indiciamento de pessoas jurídicas, além da responsabilização de pessoas físicas e jurídicas

colocadas na cadeia produtiva que se utilizar do trabalho forçado; bem como a federalização

dos crimes relacionados ao trabalho forçado e submissão de crianças ao trabalho.

Com relação ao Mercosul tentamos demonstrar que existem condições objetivas para que se

avance na implementação de uma política de geração de emprego de qualidade e no

80

cumprimento da Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais e da Declaração

Sociolaboral, desde que se concretizem as metas e tarefas traçadas no Plano de Trabalho do

Mercosul 2004-2006.

É preciso reconhecer que os objetivos traçados pelo Plano 2004-2006 (e embutidos nas

declarações presidenciais mencionadas na primeira parte deste informe97) e a tarefa de

aprofundar o processo de integração não são simples e dependem de decisões que impliquem

mudanças de caráter estrutural, como por exemplo o fato das matrizes econômicas e

monetárias não terem ainda se alterado; e a adoção de instrumentos e políticas que reduzam

as assimetrias existentes, assim como mecanismos claros e permanentes para a solução de

pendências no plano comercial.

A superação da crise econômica e social exige mudanças políticas macro e a recuperação da

credibilidade política exige a adoção de um conjunto de medidas concretas, visíveis, que

enfrentem os problemas mais agudos e que sejam incorporadas rapidamente pelos quatros

Estados parte.

Sem dúvida esses dois temas são centrais e cruciais para o futuro e solidificação do projeto

Mercosul. Para alcançar a coordenação macroeconômica é preciso que se integre (e não

apenas se harmonize) as políticas cambial, tributária e fiscal e que se estabeleçam regras

comuns de tratamento dos investimentos externos visando o desenvolvimento da produção e

a geração de um mercado regional de consumo. A atração desses investimentos tem que se

basear no estabelecimento de parâmetros e regras comuns – para impedir a guerra fiscal, o

crescimento apenas do comércio intra-empresas e para fortalecer uma política comercial

externa comum.

A estabilidade e a integração macroeconômica têm que estar voltados à implementação de

políticas de geração de emprego e renda e para a redução da exclusão social. Problemas

centrais que se resolvem a médio e longo prazo, mas que têm que ser tratados com medidas

sociais emergenciais imediatas e fundamentalmente com uma estreita vigilância da aplicação

pelos quatro Estados de normas e direitos básicos para a vigência da cidadania.

O Plano de Trabalho 2004-2006 atribui à Comissão Sociolaboral a tarefa de avaliar o

cumprimento da Declaração Sociolaboral e de sugerir formas e medidas de reforço e melhoria

de sua atuação. Para que essas condições se materializem é preciso que os órgãos decisórios

96 Provavelmente não estão contabilizadas as missões de fiscalização do GERTRAF. 97 Também deve ser incluído nesse conjunto de documentos a Ata de Copacabana, assinada pelos Presidentes do Brasil e da Argentina, em abril de 2004, na cidade do Rio de Janeiro, que questiona o protecionismo comercial dos países centrais e as regras que regem os acordos financeiros, como fatores que limitam e impedem o desenvolvimento dos países menos industrializados.

81

do Mercosul garantam as condições (políticas e materiais) para um melhor funcionamento

dos órgãos existentes (o SGT 10, a CSL). Mas é preciso também que os Ministérios do

Trabalho e os atores sociais (principalmente os sindicatos) assumam a tarefa, proponham

uma forma de como implementá-la e cobrem das autoridades do Mercosul as formas e as

condições para desenvolver essas tarefas. É inexplicável que, depois de dois anos de

aprovado o Plano de Trabalho, a Comissão Sociolaboral não tenha sequer pautado o tema.

Acreditamos que duas iniciativas poderiam ser tomadas para reverter esse quadro. A primeira

deve ser a CSL assumir a tarefa estabelecida pelo Plano de Trabalho 2004-2006 e definir uma

metodologia e plano de pesquisa que permita avaliar de forma mais ampla e abrangente o

grau de aplicação da DSL, propondo formas e iniciativas para o seu aprimoramento. A

segunda diz respeito às condições de funcionamento da CSL – a existência de recursos

designados para as reuniões e para a realização das pesquisas e verificações que sejam

necessárias.

Na 27a reunião do CMC foi aprovada a criação de um Fundo Estrutural e Institucional que,

entre outras atribuições, deve captar e destinar recursos que garantam o pleno

funcionamento da estrutura institucional do Mercosul.

Estas questões poderiam ser abordadas pela OIT com as representações governamentais,

sindicais e empresariais, não só incentivando esse debate, como também colaborando para

sua concretização.

Complementa esse quadro o reconhecimento por parte do Mercosul da necessidade de

tratamento específico do tema do Emprego. A realização da Conferência Regional e a

aprovação da Declaração de Ministros do Trabalho em 2004 foram avanços concretos, que

progridem mais com a recente decisão do Conselho Mercado Comum (aprovada na reunião

de Ouro Preto de dezembro de 2004) de criar um Grupo de Trabalho de Alto Nível, de

composição inter-ministerial e com a participação das entidades sindicais e empresariais, que

terá que debater e formular as diretrizes básicas da estratégia de Emprego, devendo

apresentar suas conclusões aos Presidentes em dezembro de 2005. A consolidação desse

espaço e principalmente a adoção de um conjunto de medidas concretas que ajudem os

quatro Estados parte a ter progressos na promoção do emprego decente é quase que uma

condição para fazer avançar os níveis de cobertura trabalhista e o cumprimento das normas

que integram a Declaração Sociolaboral do Mercosul. Para isso será preciso que o SGT 10 e

principalmente o Observatório do Mercado de Trabalho articulem suas agendas com essa

esfera e que as organizações sindicais se preparem – técnica e politicamente – para incidir no

processo de elaboração das diretrizes a serem formuladas.

82

O que tratamos de demonstrar é que existem vários instrumentos e organismos no Mercosul

para que este tenha um papel impulsionador do desenvolvimento social e para que haja uma

elevação do grau de cumprimento dos direitos trabalhistas fundamentais. Para que isto se

materialize é preciso que os governos passem da retórica à prática e, fundamentalmente, que

os atores sociais se utilizem, de forma melhor, os espaços existentes e principalmente

pressionem pela efetivação das Declarações e Decisões já aprovadas.