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Diálogo entre o cinema de Clair Denis e a literatura de Nuno Ramos

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Os corpos em Nuno Ramos e Claire Denis da Experincia Interior ao Resto---------------------------------------------------Diego Pereira Ferreira, Instituto de Letras, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ; E-mail: ResumoO estudo pretende analisar as relaes erticas estabelecidas entre personagens e excrementos no ensaio literrio , de Nuno Ramos, e no filme Nenette e Boni, de Claire Denis. As figuras de linguagem do corpo "abandonado" - o suor, o sangue, o smem - sero estudadas sob a perspectiva da noo de Resto da psicanlise: sintomas de que o discurso [o corpo] no se completa. O tema ser norteado, portanto, pela ao dos personagens que se realizam na incompletude, na eterna busca de si prprios: existimos, afinal, para alm dos limites do corpo, da pele? Como fio condutor na anlise das obras supracitadas sero utilizados os conceitos de Erotismo e Experincia Interior, de Georges Bataille. A pesquisa evoca questionamentos presentes na filosofia contempornea: o descentramento do sujeito e a dissoluo do eu.

Palavras-chave: Erotismo, Experincia Interior;Resto; incompletude; corpo; sujeito---------------------------------------------------Um corpo inconcebvel diante de ns, em ns. E a conscincia no menos inconcebvel - enterrada atrs dos olhos e da pele. A massa de carne e ossos esculpida pela vida, e que nos guarda, nos assemelha e nos distingue: a marca da ausncia na presena, da solido no encontro.

No interior de si, uma paisagem se mantm distncia dos olhos alheios. Somos, afinal, inapreensveis em nossa totalidade, apenas deixamos os sintomas de nossa existncia transbordar em curtos movimentos de palavras, sons e gestos que desembocam na frgil conscincia do outro.Este corpo no sequer uma cpsula que nos contenha, produz e se separa da linguagem, em uma animalidade que no encontra stio na razo, pois nem mesmo o sentido lugar fixo: parte sempre de um caos primitivo inordenvel que marca sua existncia nas suas distines e semelhanas com o sentido.O corpo onde se cede. Contra-senso no quer dizer aqui qualquer coisa como o absurdo, nem como sentido invertido e contorcido (no em Lewis Carrol que tocaremos nos corpos); mas indica que h uma ausncia de sentido, ou que se trate de um sentido que nenhuma figura de sentido jamais poder abordar. Um sentido que faz sentido no lugar em que, para o sentido, existe um limite. Sentido mudo, fechado, autista: mas sem autos, justamente sem si prprio. O autismo sem os autos do corpo, o que faz dele muitssimo menos que um sujeito, mas tambm algo extremamente diverso, um jacto, e no um subjectum, que to duro, to intenso e inevitvel, to singular como um sujeito. (Nancy, 2000: 14)

Esse corpo sempre incompleto , por conseguinte, o resto de si prprio: produz os prprios restos, deixa que uma parte de si o abandone, incorpora as tantas partculas que absorvem os poros, os alimentos que digere, enquanto sua, sangra, defeca, num vasto movimento que se quer constante: uma passagem, um rio: transfuso.

El cuerpo es tan fluido y gaseoso como slido. Es gaseoso en el intercambio rtmico de la respiracin; de las narinas a los bronquios, un incesante intercambio de lo impalpable con lo impalpable, la infraleve suspencin en el ms voltil estado de la sustancia (la naturaleza, la cosa, lo real). En el corazn de ese intercambio, es fluido, fluye de venas y arterias, circula por todos lados, impregna y embebe la carne, los tejidos. (Nancy, 2014: 21)Um lugar de estranheza, o corpo o elo necessrio para se relacionar o ensaio literrio , de Nuno Ramos, e o filme Nenette et Boni, de Claire Denis, partindo do pressuposto que ambos, escritor e cineasta, esto debruados sobre os recentes questionamentos filosficos sobre o corpo. O dilogo intermiditico entre as obras se d atravs do impcto esttico dos questionamentos presentes na filosofia contempornea. Em ambas as obras, a noo de erotismo batailleana aparece relacionada noo de resto, j que o erotismo , de uma forma elogrica, o produtor de resto da subjetividade: perturba a ideia da conscincia ser um sistema fechado e autnomo. preciso, portanto, reconhecer que a vida no s essa camada interior, circula tambm para fora, se abrindo ao mundo que existe fora dela, e que de certa forma tambm sua parte. H uma espcie de comunicao primitiva que ocorre, portanto, entre deslizamentos - na leitura, na conversa, no olhar -, e se estabelece com a fragilidade e delicadeza do ser errante, que associa sons e formas aos sentidos borrados numa memria irrefrevel, insubstancial. O erotismo quer escancarar essa janela.

O resto a imagem mais fiel do desnudamento, se, desta forma, pensarmos os dejetos como as matrias que questionam nosso lugar de existncia. Aqui se abre a fenda que possibilita o contato entre o erotismo e o resto: os pedaos que destroem, em mim, o sentimento de pertencer a um sistema fechado. E como se o corpo desmoronasse, deslizando sobre a terra ftida do desapropriar-se, da nusea de descobrir-se incircundvel, temos a imagem da conscincia acompanhando o movimento de nossos corpos atravs do erotismo.

A ao decisiva o desnudamento. A nudez se ope ao estado fechado, isto , ao estado de existncia descontnua. um estado de comunicao que revela a busca de uma continuidade possvel do ser para alm do voltar-se sobre si mesmo. Os corpos se abrem para a continuidade atravs desses canais secretos que nos do o sentimento da obscenidade. A obscenidade significa a desordem que perturba um estado dos corpos que esto conformes posse de si, posse da individualidade durvel e afirmada. (Bataille, 1987: 14)

Na obra de Nuno Ramos a linguagem aparece portanto constantemente tensionada, ela quer ir para alm de si prpria, quer evocar a fora dos restos, em uma espcie de lamento contnuo por ser a palavra um distanciamento da natureza, uma espcie de clausura, mas que se lana em busca do oposto, seu potencial transgressor, ertico.Se fosse possvel, por exemplo, estudar as rvores numa lngua feita de rvores, a terra numa lngua feita de terra, se o peso do mrmore fosse calculado em nmeros de mrmore, se descrevssemos uma paisagem com a quantidade exata de elementos que a compem, ento estenderamos a mo at o prximo corpo e saberamos pelo tato seu nome e seu sentido, e seramos deuses corpreos, e a natureza seria nossa como uma gramtica viva, um dicionrio de musgo e de limo, um rio cuja foz fosse seu nome prprio. Mas com nosso sopro que nos dirigimos a tudo, com a voz que o frgil fole da garganta emite, com o hlito que carrega nossas enzimas, com o pequeno vento de nossa lngua que chamamos o vento verdadeiro. Mais do que comer, correr ou flechar a carne alheia, mais do que aquecer a prole sobre a palha, ns nos sentamos e damos nomes, como pequenos imperadores do todo e de tudo. (Ramos, 2008: 19)Na mesma medida, nota-se no filme de Claire Denis o uso do efeito bokeh, em cenas de pouca profundidade de campo. O desfoque utilizado como elemento narrativo para destacar os personagens do espao, desloca-los, suprimi-los. O recurso portanto utilizado para criar um efeito de isolamento, clausura. A solido dos personagens ento representada tambm em forma de lamento: ele quer sair de si, quer habitar os espaos, quer alongar a profundidade de campo e misturar-se com os objetos. Todo o potencial ertico inibido dos personagens ento deslocado para a agressividade de suas aes, de seus movimentos, como na cena em que o personagem Boni, pizzaiolo, afunda seu rosto na massa de pizza, perfura a massa com os dedos, entra no corpo flcido do objeto que cede s suas investidas. Presente est o desejo de incorporar, o primitivismo (o tato, o cheiro, a viso), a bestialidade, prprios do erotismo.Assim tambm se constri a metfora da boneca russa, presente na obra de Nuno Ramos, tal como quando o autor descreve o p que recobre a pele. Refletindo sobre a existncia de um corpo dentro do corpo, duas ideias antagnicas so expostas: de clausura e de expanso. Pois ao mesmo tempo em que esse personagem construdo em camadas, seu corpo perturbado: o vento que toca a pele, o p que recobre a pele, a carne, os ossos, a conscincia. Onde estaria, afinal, o corpo de seu personagem?

Quem pe uma boneca russa dentro da outra o dia. E quem pe um dia dentro do outro sou eu. Assim, eu e meus dias, como colecionadores, vamos escondendo bonecos iguais a ns mesmos, um dentro dos outros. (Ramos, 2008: 99)Um outro ponto de escapamento do corpo, de libertao, presente em ambas as obras prpria metfora do olhar. No filme de Claire Denis, a maneira de filmar as trocas de olhares separa os personagens em planos distintos. Assim, o efeito de troca de olhares realizado sem que os dois interagentes em questo dividam o mesmo plano. Algo os separa, portanto: o limite do quadro. Um quer o outro, um deseja o outro, mas permanecem distantes pela maneira que se encaixam na cena. Apenas na cena final do filme, Boni aparece dividindo o plano com um beb recm-nascido, filho de sua irm, Nenette. Enquanto trocam demorados olhares, a criana urina em seu peito. Boni sente o calor da urina a escorrer pelo seu corpo e sorri. A forma como a cena filmada reala a interseo citada entre os conceitos de resto e de erotismo, com os dois personagens que trocam os olhares e se fundem no mesmo plano. Seus corpos se confundem, portanto, em cena, enquanto a urina - o resto em figura de linguagem liga um corpo ao outro.Outro ponto de relevncia na cena o fato do protagonista contracenar com um beb, to recm inserido na linguagem, to anterior linguagem. Esse estado primitivo prprio da Experincia Interior - conceito batailleano que versa com o emudecimento da voz discursiva, da razo.Si vivimos sin repulsa bajo la ley del lenguaje, estos estados estn en nosotros como si no existiesen. Pero si chocamos contra tal ley, podemos, de pasada, detener la conciencia sobre uno de ellos y, haciendo callar en nosotros el discurso, detenemos en la sorpresa que nos proporciona. (Bataille: 1973: 24)

Em uma passagem semelhante na obra de Nuno Ramos, temos o personagem observando e tocando o corpo de sua mulher, enquanto ela dorme. O interesse gerado pelo corpo adormecido nos d a dimenso do primitivismo como via ertica. O resto, afinal: sintomas de que um discurso no se completa.Nunca cansei de toc-la quando dorme. Seu sono de alguma forma me d medo. No tanto porque se esquea de mim (talvez nem dormindo se esquea), mas, ao contrrio, porque se oferece de um modo completo, parecendo inteiramente disponvel. Meu desespero, a sentena de que vou perd-la, no me abandona nunca, aumenta minha necessidade de toc-la agora que se separou do seu trajeto do dia, de seus deveres e interesses, de seu circuito de tarefas e est ali diante de mim, enroladinha no conforto de seu prprio corpo e dos lenis que afasta com os ps. Agora, para mim, ela aquilo que sempre deveria ter sido um corpo livre, povoado por associaes, desconectado da mincia oramentria da vida modorrenta, aberto mar de suas iluses, de seus medos, de seu passado e de seu futuro. (Ramos, 2008: 48)As obras se ligam pela metfora do corpo-sim, esculpida por Nuno Ramos. O corpo-sim a expanso, ou como quer o autor: engordar, aumentar a superfcie de contato com o mundo. O mesmo acontece no filme, onde os personagens vagam por uma cidade grande, Paris, esbarrando nos transeuntes, buscando algo dentro do outro que o desestabilize, a expanso, o corpo-sim. Em ambas as obras, o erotismo s encontra vazo no primitivismo, quando os personagens furam as paredes da linguagem, na experincia interior, atravs da prpria imagem do desnudamento, dos sentidos. Os sons, os cheiros e as texturas so elementos estticos centrais que nos do essa dimenso: daqui a linguagem no passa.

Tudo quer nos contar a falta, o incompleto, seja quando Nuno Ramos interrompe seus relatos, transgredindo o prprio formato dos ensaios, para dar lugar s poesias, os s, seja quando Claire Denis fabrica suas imagens em uma tele-objetiva, aproximando o quadro da pele dos personagens, deixando sempre uma parte do corpo fora da tela. Resta o sentimento: algo no foi contado, algo no est ali. E como se uma ausncia no corao de ambos os autores os despertassem para os espaos construdos, como se o intangvel, indzvel, fosse a prpria fora motriz de suas poesias, as obras se criam e se esculpem em um ambiente vazado, deixando sempre exposto o sentimento de que a ausncia ser sempre parte da presena. ali que ns, espectadores ou leitores, podemos vazar.Una sensibilidad llegada a ser desligamiento de lo que afecta a los sentidos tan interior que todos los retornos de lo exterior, el caer de una aguja, un crujido, tienen una inmensa y lejana resonancia... Los hindes han advertido esta paradoja. Imagino que sucede como con la visin, que una dilactacin de la pupila vuelve aguda en la oscuridad. Aqu la oscuridad no es la ausencia de luz (o de ruido), sino la absorcin al exterior. En la simple noche, nuestra atencin est entregada por completo al mundo de los objetos por la va de las palabras, que persiste. El verdadero silencio tiene lugar en la ausencia de las palabras; que caiga una aguja entonces y me sobresalto como si hubiese sido un martillazo... En ese silencio hecho desde dentro, no es ya un rgano, es la sensibilidad entera, es el corazn, lo que se ha dilatado. (Bataille, 1973: 27)RefernciasAs referncias devem ser escritas em Arial tamanho 10, com espaamento entre linhas de 1,5 pontos, e espaamento entre pargrafos de 6 pontos, em ordem alfabtica, devem seguir as normas da APA (http://library.flcc.edu/APA_FLCC.pdf). Alguns exemplos abaixo:Gore, A. (2006). An inconvenient truth: The planetary emergency of global warming and what we can do about it. Emmaus, PA: Rodale.Bogdonoff, S., & Rubin, J. (2007). The regional greenhouse gas initiative: Taking action in Maine. Environment, 49(2), 9-16.Bergman, M. (2014). C. S. Peirce: A Short Biographical Sketch. In M. Bergman & J. Queiroz (Eds.), The Commens Encyclopedia: The Digital Encyclopedia of Peirce Studies. New Edition. Pub. 140616-1455a. Retrieved from http://www.commens.org/encyclopedia/article/bergman-mats-c-s-peirce-short-biographical-sketch.