Intertextualidade lusiadas mensagem

15
1

Transcript of Intertextualidade lusiadas mensagem

Page 1: Intertextualidade lusiadas mensagem

1

Page 2: Intertextualidade lusiadas mensagem

CANTO I

6E vós, ó bem nascida segurançaDa Lusitana antiga liberdade,E não menos certíssima esperançaDe aumento da pequena Cristandade;Vós, ó novo temor da Maura lança,Maravilha fatal da nossa idade,Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,Pera do mundo a Deus dar parte grande;

7Vós, tenro e novo ramo florecenteDe ũa árvore, de Cristo mais amadaQue nenhua nascida no Ocidente,Cesárea ou Cristianíssima chamada(Vede-o no vosso escudo, que presenteVos amostra a vitória já passada,Na qual vos deu por armas e deixouAs que Ele pera si na Cruz tomou);

16Em vós os olhos tem o Mouro frio,Em quem vê seu exício afigurado;Só com vos ver, o bárbaro GentioMostra o pescoço ao jugo já inclinado;Tétis todo o cerúleo senhorioTem pera vós por dote aparelhado,Que, afeiçoada ao gesto belo e tenro,Deseja de comprar-vos pera genro.

17«Eis aqui se descobre a nobre Espanha,Como cabeça ali de Europa toda,Em cujo senhorio e glória estranhaMuitas voltas tem dado a fatal roda;Mas nunca poderá, com força ou manha,A Fortuna inquieta pôr-lhe nodaQue lha não tire o esforço e ousadiaDos belicosos peitos que em si cria.

D. SEBASTIÃO,REI DE PORTUGAL

Louco, sim, louco, porque quiz grandezaQual a Sorte a não dá.Não coube em mim minha certeza;Porisso onde o areal estáFicou meu ser que houve, não o que ha. Minha loucura, outros que me a tomemCom o que nella ia.Sem a loucura que é o homemMais que a besta sadia,Cadaver addiado que procria? 

CANTO IIIO DOS CASTELLOS

2

Page 3: Intertextualidade lusiadas mensagem

6«Entre a Zona que o Cancro senhoreia,Meta Setentrional do Sol luzente,E aquela que por fria se arreceiaTanto, como a do meio por ardente,Jaz a soberba Europa, a quem rodeia,Pela parte do Arcturo e do Ocidente,Com suas salsas ondas o Oceano,E, pela Austral, o Mar Mediterrano.

17Em vós se vêm, da Olímpica morada,Dos dous avós as almas cá famosas;Ũa, na paz angélica dourada,Outra, pelas batalhas sanguinosas.Em vós esperam ver-se renovadaSua memória e obras valerosas;E lá vos têm lugar, no fim da idade,No templo da suprema Eternidade.  

20«Eis aqui, quási cume da cabeçaDe Europa toda, o Reino Lusitano,Onde a terra se acaba e o mar começaE onde Febo repousa no Oceano.Este quis o Céu justo que floreçaNas armas contra o torpe Mauritano,Deitando-o de si fora; e lá na ardenteÁfrica estar quieto o não consente.

21«Esta é a ditosa pátria minha amada,À qual se o Céu me dá que eu sem perigoTorne, com esta empresa já acabada,Acabe-se esta luz ali comigo.Esta foi Lusitânia, derivadaDe Luso ou Lisa, que de Baco antigoFilhos foram, parece, ou companheiros,E nela antão os íncolas primeiros.

A Europa jaz, posta nos cotovellos:De oriente a Occidente jaz, fitando,E toldam-lhe romanticos cabellosOlhos gregos, lembrando.O cotovello esquerdo é recuado;O direito é em angulo disposto.Aquelle diz Italia onde é pousado;Este diz Inglaterra onde, afastado,A mão sustenta, em que se appoia o rosto.Fita, com olhar sphyngico e fatal,O Occidente, futuro do passado.O rosto que fita é Portugal.

CANTO III

96«Eis despois vem Dinis, que bem pareceDo bravo Afonso estirpe nobre e dina,Com quem a fama grande se escureceDa liberalidade Alexandrina.Co este o Reino próspero florece(Alcançada já a paz áurea divina)Em constituições, leis e costumes,

D. DINIS

Na noite escreve um seu Cantar de AmigoO plantador de naus a haver,E ouve um silencio murmuro comsigo:É o rumor dos pinhaes que, como um trigoDe Imperio, ondulam sem se poder ver. Arroio, esse cantar, jovem e puro,Busca o oceano por achar;

3

Page 4: Intertextualidade lusiadas mensagem

Na terra já tranquila claros lumes.

97«Fez primeiro em Coimbra exercitar-seO valeroso ofício de Minerva;E de Helicona as Musas fez passar-seA pisar de Mondego a fértil erva.Quanto pode de Atenas desejar-seTudo o soberbo Apolo aqui reserva.Aqui as capelas dá tecidas de ouro,Do bácaro e do sempre verde louro.

98«Nobres vilas de novo edificou,Fortalezas, castelos mui seguros,E quási o Reino todo reformouCom edifícios grandes e altos muros;Mas despois que a dura Átropos cortouO fio de seus dias já maduros,Ficou-lhe o filho pouco obediente,Quarto Afonso, mas forte e excelente.

E a falla dos pinhaes, marulho obscuro,É o som presente d’esse mar futuro,É a voz da terra anciando pelo mar. 

CANTO V

1«ESTAS sentenças tais o velho honradoVociferando estava, quando abrimosAs asas ao sereno e sossegadoVento, e do porto amado nos partimos.E, como é já no mar costume usado,A vela desfraldando, o céu ferimos,Dizendo: – «Boa viagem!»; logo o ventoNos troncos fez o usado movimento.

2«Entrava neste tempo o eterno lumeNo animal Nemeio truculento;E o Mundo, que co tempo se consume,

O INFANTE

Deus quere, o homem sonha, a obra nasce.Deus quiz que a terra fosse toda uma,Que o mar unisse, já não separasse.Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla branca foi de ilha em continente,Clareou, correndo, até ao fim do mundo,E viu-se a terra inteira, de repente,Surgir, redonda, do azul profundo. Quem te sagrou creou-te portuguez.Do mar e nós em ti nos deu signal.Cumpriu-se o Mar, e o Imperio se desfez.

4

Page 5: Intertextualidade lusiadas mensagem

Na sexta idade andava, enfermo e lento.Nela vê, como tinha por costume,Cursos do Sol catorze vezes cento,Com mais noventa e sete, em que corria,Quando no mar a armada se estendia.

3«Já a vista, pouco e pouco, se desterraDaqueles pátrios montes, que ficavam;Ficava o caro Tejo e a fresca serraDe Sintra, e nela os olhos se alongavam;Ficava-nos também na amada terraO coração, que as mágoas lá deixavam;E, já despois que toda se escondeu,Não vimos mais, enfim, que mar e céu.

4«Assi fomos abrindo aqueles mares,Que geração algũa não abriu,As novas Ilhas vendo e os novos aresQue o generoso Henrique descobriu;De Mauritânia os montes e lugares,Terra que Anteu num tempo possuiu,Deixando à mão esquerda, que à direitaNão há certeza doutra, mas suspeita.

12«Sempre, enfim, pera o Austro a aguda proa,No grandíssimo gôlfão nos metemos,Deixando a Serra aspérrima Lioa,Co Cabo a quem das Palmas nome demos.O grande rio, onde batendo soaO mar nas praias notas, que ali temos,Ficou, co a Ilha ilustre, que tomouO nome dum que o lado a Deus tocou.

13«Ali o mui grande reino está de Congo,Por nós já convertido à fé de Cristo,Por onde o Zaire passa, claro e longo,Rio pelo antigos nunca visto.Por este largo mar, enfim, me alongoDo conhecido Pólo de Calisto,Tendo o término ardente já passadoOnde o meio do Mundo é limitado.

14«Já descoberto tínhamos diante,Lá no novo Hemispério, nova estrela,Não vista de outra gente, que, ignorante,Alguns tempos esteve incerta dela.Vimos a parte menos rutilanteE, por falta de estrelas, menos bela,Do Pólo fixo, onde inda se não sabeQue outra terra comece ou mar acabe.

Senhor, falta cumprir-se Portugal!

5

Page 6: Intertextualidade lusiadas mensagem

CANTO V37«Porém já cinco Sóis eram passadosQue dali nos partíramos, cortandoOs mares nunca d' outrem navegados,Prosperamente os ventos assoprando,Quando ũa noute, estando descuidadosNa cortadora proa vigiando,Ũa nuvem que os ares escurece,Sobre nossas cabeças aparece.

39«Não acabava, quando ũa figuraSe nos mostra no ar, robusta e válida,De disforme e grandíssima estatura;O rosto carregado, a barba esquálida,Os olhos encovados, e a posturaMedonha e má e a cor terrena e pálida;Cheios de terra e crespos os cabelos,A boca negra, os dentes amarelos.

40«Tão grande era de membros, que bem possoCertificar-te que este era o segundoDe Rodes estranhíssimo Colosso,

O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do marNa noite de breu ergueu-se a voar;À roda da nau voou trez vezes,Voou trez vezes a chiar,E disse, «Quem é que ousou entrarNas minhas cavernas que não desvendo,Meus tectos negros do fim do mundo?»E o homem do leme disse, tremendo,«El-Rei D. João Segundo!» «De quem são as velas onde me roço?De quem as quilhas que vejo e ouço?»Disse o mostrengo, e rodou trez vezes,Trez vezes rodou immudo e grosso,«Quem vem poder o que só eu posso,que moro onde nunca ninguem me vissee escorro os medos do mar sem fundo?»E o homem do leme tremeu, e disse,«El-Rei D. João segundo!» Trez vezes do leme as mãos ergueu,Trez vezes ao leme as reprendeu,E disse no fim de tremer trez vezes,

6

Page 7: Intertextualidade lusiadas mensagem

Que um dos sete milagres foi do mundo.Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,Que pareceu sair do mar profundo.Arrepiam-se as carnes e o cabelo,A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!

41«E disse: – «Ó gente ousada, mais que quantasNo mundo cometeram grandes cousas,Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,E por trabalhos vãos nunca repousas,Pois os vedados términos quebrantasE navegar meus longos mares ousas,Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,Nunca arados d' estranho ou próprio lenho;

42«Pois vens ver os segredos escondidosDa natureza e do húmido elemento,A nenhum grande humano concedidosDe nobre ou de imortal merecimento,Ouve os danos de mi que apercebidosEstão a teu sobejo atrevimento,Por todo o largo mar e pola terraQue inda hás-de sojugar com dura guerra.

43«Sabe que quantas naus esta viagemQue tu fazes, fizerem, de atrevidas,Inimiga terão esta paragem,Com ventos e tormentas desmedidas;E da primeira armada que passagemFizer por estas ondas insofridas,Eu farei de improviso tal castigoQue seja mor o dano que o perigo!

«Aqui ao leme sou mais do que eu:Sou um Povo que quere o mar que é teu;E mais que o mostrengo, que me a alma temeE roda nas trevas do fim do mundo,Manda a vontade, que me ata ao leme,De El-Rei D. João Segundo!» 

7

Page 8: Intertextualidade lusiadas mensagem

CANTO IX

51Cortando vão as naus a larga viaDo mar ingente pera a pátria amada,Desejando prover-se de água friaPera a grande viagem prolongada,Quando, juntas, com súbita alegria,Houveram vista da Ilha namorada,Rompendo pelo céu a mãe fermosaDe Menónio, suave e deleitosa.

52De longe a Ilha viram, fresca e bela,Que Vénus pelas ondas lha levava(Bem como o vento leva branca vela)Pera onde a forte armada se enxergava;Que, por que não passassem, sem que nelaTomassem porto, como desejava,Pera onde as naus navegam a moviaA Acidália, que tudo, enfim, podia.

64Nesta frescura tal desembarcavamJá das naus os segundos Argonautas,Onde pela floresta se deixavamAndar as belas Deusas, como incautas.Algũas, doces cítaras tocavam;Algũas, harpas e sonoras frautas;Outras, cos arcos de ouro, se fingiamSeguir os animais, que não seguiam.

65Assi lho aconselhara a mestra experta:Que andassem pelos campos espalhadas;

HORIZONTE

Ó mar anterior a nós, teus medosTinham coral e praias e arvoredos.Desvendadas a noite e a cerração,As tormentas passadas e o mysterio,Abria em flor o Longe, e o Sul siderioSplendia sobre as naus da iniciação. Linha severa da longinqua costa –Quando a nau se aproxima ergue-se a encostaEm arvores onde o Longe nada tinha;Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:E, no desembarcar, ha aves, flores,Onde era só, de longe a abstracta linha. O sonho é ver as fórmas invisiveisDa distancia imprecisa, e, com sensiveisMovimentos da esprança e da vontade,Buscar na linha fria do horizonteA arvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –Os beijos merecidos da Verdade.

8

Page 9: Intertextualidade lusiadas mensagem

Que, vista dos barões a presa incerta,Se fizessem primeiro desejadas.Algũas, que na forma descobertaDo belo corpo estavam confiadas,Posta a artificiosa formosura,Nuas lavar se deixam na água pura.

68Começam de enxergar subitamente,Por entre verdes ramos, várias cores,Cores de quem a vista julga e senteQue não eram das rosas ou das flores,Mas da lã fina e seda diferente,Que mais incita a força dos amores,De que se vestem as humanas rosas,Fazendo-se por arte mais fermosas.

70«Sigamos estas Deusas e vejamosSe fantásticas são, se verdadeiras.»Isto dito, veloces mais que gamos,Se lançam a correr pelas ribeiras.Fugindo as Ninfas vão por entre os ramos,Mas, mais industriosas que ligeiras,Pouco e pouco, sorrindo e gritos dando,Se deixam ir dos galgos alcançando.

71De ũa os cabelos de ouro o vento leva,Correndo, e da outra as fraldas delicadas;Acende-se o desejo, que se cevaNas alves carnes, súbito mostradas.Ũa de indústria cai, e já releva,Com mostras mais macias que indinadas,Que sobre ela, empecendo, também caiaQuem a seguiu pela arenosa praia.

72Outros, por outra parte, vão toparCom as Deusas despidas, que se lavam;Elas começam súbito a gritar,Como que assalto tal não esperavam;Ũas, fingindo menos estimarA vergonha que a força, se lançavamNuas por entre o mato, aos olhos dandoO que às mãos cobiçosas vão negando;

83Oh, que famintos beijos na floresta,E que mimoso choro que soava!Que afagos tão suaves! Que ira honesta,Que em risinhos alegres se tornava!O que mais passam na manhã e na sesta,

9

Page 10: Intertextualidade lusiadas mensagem

Que Vénus com prazeres inflamava,Milhor é exprimentá-lo que julgá-lo;Mas julgue-o quem não pode exprimentá-lo.

84Destarte, enfim, conformes já as fermosasNinfas cos seus amados navegantes,Os ornam de capelas deleitosasDe louro e de ouro e flores abundantes.As mãos alvas lhe davam como esposas;Com palavras formais e estipulantesSe prometem eterna companhia,Em vida e morte, de honra e alegria.91Não eram senão prémios que reparte,Por feitos imortais e soberanos,O mundo cos varões que esforço e arteDivinos os fizeram, sendo humanos.Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte,Eneas e Quirino e os dous Tebanos,Ceres, Palas e Juno com Diana,Todos foram de fraca carne humana.

10

Page 11: Intertextualidade lusiadas mensagem

CANTO X

145Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenhoDestemperada e a voz enrouquecida,E não do canto, mas de ver que venhoCantar a gente surda e endurecida.O favor com que mais se acende o engenhoNão no dá a pátria, não, que está metidaNo gosto da cobiça e na rudezaDũa austera, apagada e vil tristeza.

NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,Define com perfil e serEste fulgor baço da terraQue é Portugal a entristecer –Brilho sem luz e sem arder,Como o que o fogo-fatuo encerra. Ninguem sabe que coisa quere.Ninguem conhece que alma tem,Nem o que é mal nem o que é bem.(Que ancia distante perto chora?)Tudo é incerto e derradeiro.Tudo é disperso, nada é inteiro.Ó Portugal, hoje és nevoeiro... É a Hora! 

11