Introdução a Filosofia II
-
Upload
jose-augusto-fiorin -
Category
Documents
-
view
227 -
download
1
description
Transcript of Introdução a Filosofia II
INTR
OD
UÇ
ÃO
AO
PEN
SA
ME
NTO
FILOS
ÓFIC
O
JOS
É AU
GU
STO
FIOR
IN (O
RG
.)
Filosofia (do grego philos - amor, amizade + sophia - sabedoria)
modernamente é uma disciplina, ou uma área de estudos, que
envolve a investigação, análise, discussão, formação e reflexão
de idéias (ou visões de mundo) em uma situação geral, abstrata
ou fundamental.
Originou-se da inquietação gerada pela curiosidade
humana em compreender e questionar os valores e as
interpretações comumente aceitas sobre a sua própria
realidade. As interpretações comumente aceitas pelo homem
constituem inicialmente o embasamento de todo o
conhecimento.
Estas interpretações foram adquiridas, enriquecidas e
repassadas de geração em geração. Ocorreram inicialmente
através da observação dos fenômenos naturais e sofreram
influência das relações humanas estabelecidas até a formação
da sociedade, isto em conformidade com os padrões de
comportamentos éticos ou morais tidos como aceitáveis em
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 2
HOMEM
"... Que é o
homem, para que faças
caso dele, para que te
ocupes dele, para que o
inspeciones cada manhã
e o examines a cada
momento?" "O homem
é a medida de todas as
coisas." "Muitas são as
coisas grandiosas
dotadas de vida, mas a
mais grandiosa de todas
é o homem." A primeira
dessas três frases é
uma das perguntas que
Jó dirige a Deus; a
segunda, uma reflexão
do pensador grego
Protágoras; e a terceira, uma fala da tragédia Antígona, de
Sófocles. A elas poderiam reunir-se milhares de outras sobre o
mesmo tema, de todas as épocas e civilizações, o que mostra que
nada preocupa tanto o homem quanto a condição humana, e
nenhum espetáculo é mais atraente para o homem do que o próprio
homem.
Em sentido amplo, homem é qualquer membro da espécie
humana. Assim ele é entendido pela filosofia e abordado, em cada
um de seus aspectos particulares, pela biologia, antropologia,
história, medicina e outras disciplinas que o têm por objeto. A tarefa
de definir homem, consiste em procurar respostas para algumas
perguntas essenciais: qual a natureza ou a essência do homem?
Como se distingue ele dos outros seres orgânicos, especialmente
dos animais superiores? Essa distinção é essencial e absoluta, ou
apenas uma variação de grau? Qual o lugar do homem no mundo?
Qual sua missão ou seu destino? Como se relaciona com Deus ou
com absoluto?
Abordagem filosófica
A noção ocidental de
homem como indivíduo tem
como ponto de partida o
pensamento grego. Para
Sócrates e Platão, cada ente só
pode ser definido se todos os
seres do universo estiverem
classificados segundo certas
articulações lógicas e
ontológicas. Definir um ente
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 3
consiste então em tomar a categoria à qual ele pertence e situar
essa categoria no lugar ontológico que lhe corresponde. Esse lugar
ontológico é determinado por dois elementos de caráter lógico: a
categoria próxima e a diferença específica. Por eles se chega à
definição de Aristóteles: o homem é um animal racional. Animal é a
categoria próxima, na qual se inclui o homem; racional é a
diferença específica, por meio da qual se distingue conceitualmente
os homens dos outros animais. Para a filosofia grega, o homem é
um "ser racional", ou melhor dito, um animal que possui razão. Essa
definição implica dizer que o homem é uma coisa cuja natureza
consiste em poder dizer o que são as outras coisas. Ou seja, a razão
permite ao homem definir-se e definir o conjunto do universo.
Os gregos admitem que o homem tenha sido "formado", e
também que sua formação tenha obedecido a condições especiais
em relação aos demais seres, mas rejeitam a hipótese da criação. A
visão do homem como ser criado é comum ao judaísmo e ao
cristianismo e exerceu forte influência sobre todas as concepções
filosóficas relacionadas com essas religiões e também com o
islamismo. O homem seria, então, uma criatura, ou seja, um ser
cuja realidade não é própria, mas que foi criado "à imagem e
semelhança de Deus", o que lhe confere superioridade em relação
aos outros seres. Para os gregos, o homem vive em dois mundos: o
mundo sensível, que ele apreende pelos sentidos, e o mundo
inteligível, que apreende pela razão, e onde se confirma sua
realidade como ser racional.
Na concepção judaico-cristã, o homem também se acha
suspenso entre dois mundos: o finito e infinito, o que opõe em uma
mesma natureza a insignificância e a imensa grandeza. Afirma
Pascal que "... a natureza do homem pode ser considerada de duas
maneiras: uma, segundo seu fim, e então é grande e incomparável;
outra, segundo a multidão, como se aprecia a natureza do cavalo e
do cão, e então é abjeto e vil. Esses são os dois caminhos que
levam a julgamentos tão diversos do homem, e a tantas discussões
dos filósofos."
Abordagem biológica
Para as ciências naturais, a dificuldade de definir o que
seja "homem" consiste em escolher entre dois pontos de vista: o da
estrutura anatômica e o que se refere às faculdades reflexivas. No
primeiro caso, o homem encontrar-se-ia imerso em sua
animalidade; no segundo, estaria pairando sobre o mundo, isolado
da natureza. Uma definição mais abrangente e completa de homem
deveria levar em conta, portanto, tudo o que nele seja suscetível de
constatação positiva, isto é, além da conformação anatômica, é
preciso considerar a faculdade de pensar. Dessa dupla abordagem
se depreende a originalidade do fenômeno humano.
O mais exterior dos caracteres humanos é sua tênue
diferenciação morfológica, dada por especializações anatômicas (a
face menor que o crânio, a postura vertical etc.) e fisiológicas (o
desamparo em que se encontra o ser humano nos primeiros meses
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 4
de vida, a sexualidade aperiódica etc.). Mesmo assim, dentro dos
critérios adotados pela biologia para classificar os seres vivos, pode-
se dizer que, por sua estrutura orgânica, o homem não pode aspirar
senão a um lugar modesto na taxionomia animal: ele pertence ao
subfilo dos vertebrados, à ordem dos primatas e a uma família
formada por um único gênero, Homo. Mas outra característica
zoológica do homem evidencia prontamente sua originalidade: a
capacidade de expansão e conquista. Apesar da homogeneidade do
grupo humano, o homem conquistou em relação ao conjunto do
globo um sucesso vital sem precedentes, que se explica, pelo
menos em parte, pela aparição, com o homem, de uma nova fase
na história da vida: o uso de instrumentos artificiais, mais uma
característica do fenômeno humano.
As tentativas de inserir o homem dentro da ordem dos
primatas não primam pela precisão, uma vez que as diferenças de
detalhes são complexas e controversas. O tamanho, e mais ainda, a
complexidade do cérebro humano em relação ao dos primatas não-
humanos constitui o principal ponto de diferenciação anatômica. A
postura ereta é também um aspecto importante. Outras
características anatômicas que distinguem o homem dos outros
primatas, seja dos macacos antropóides, seja dos primatas
inferiores, além do tamanho absoluto e relativo do cérebro, são: o
pé, que serve de suporte e não é preênsil; o primeiro dedo do pé,
que não é oponível; os maxilares, de tamanho reduzido e pouco
salientes; a ausência de caninos salientes e interpostos; curva
lombar, bacia e pelve formadas ou modificadas para atender às
funções de equilíbrio e suporte do corpo na posição ereta; membros
inferiores hipertrofiados, adaptados para o andar bípede; membros
superiores mais curtos e aperfeiçoados, com mãos grandes e
preênseis, dotadas de dedos curtos e polegar oponível; nariz
saliente com pontas e asas bem desenvolvidas; ausência completa
de pêlos táteis ou tentáculos; escassez acentuada de pêlo
secundário no corpo, exceto na cabeça, regiões axilares e púbica e
no rosto dos adultos masculinos; e presença de lábios cheios,
evertidos e membranosos.
Abordagem antropológica
A classificação dos seres vivos proposta por Lineu e
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 5
George-Louis Leclerc Buffon, no século XVIII, permitiu pela primeira
vez integrar o homem numa série zoológica e estudá-lo pelo
método das ciências naturais. A espécie Homo sapiens faz parte do
gênero Homo, o que deixa aberta a possibilidade de existência de
outras espécies. O próprio gênero Homo pertence à família dos
hominídeos, à ordem dos primatas, à classe dos mamíferos, ao
subfilo dos vertebrados e ao filo dos cordados. Dentro da espécie,
pode-se distinguir os grupos (negro, branco, pigmeu etc) e dentro
de cada grupo as raças (nórdica, alpina, australiana etc), depois as
sub-raças, os tipos etc.
A classificação do homem a partir do modelo zoológico
introduziu o conceito diferencial de raça e, ao mesmo tempo, tornou
possível definir a espécie por outros aspectos que não a
racionalidade. Homo sapiens não é necessariamente sinônimo de
animal racional. Os critérios anatômicos e fisiológicos é que foram
considerados com maior rigor para a diferenciação da espécie. A
antropologia preocupou-se também com os problemas da origem e
da filiação da espécie. O Homo sapiens não é senão o elo atual de
uma ou várias longas cadeias de ancestrais hominídeos e pré-
hominídeos e talvez símios. Mas a reação à taxionomia positivista
acabou por impor um modelo que, sem desprezar os traços
anatomo-fisiológicos, restituiu à antropologia geral as dimensões
mentais do homem -- psicológicas, culturais etc.
Outra contribuição ao aprofundamento da perspectiva
antropológica foi o estudo da herança cultural. Em muitos aspectos,
é ela que permite ao homem moldar uma vida adaptada à
variedade de ambientes naturais e possibilita, dentro das limitações
ambientais, tipos de vida que tanto podem resultar de uma escolha
como de uma determinação psicológica interna. A herança cultural é
a transmissão das características culturais pelo ensino e
aprendizagem. A cultura se transmite sob forma de padrões
explícitos e implícitos de comportamento e em suas materializações.
O homem é, portanto, um animal portador de cultura, seja pelo
domínio da linguagem, seja pelos padrões de organização familiar,
pelo uso de ferramentas, enfim, pelo controle de um vasto domínio
de conhecimento empírico e pela presença de elementos de ordem
simbólica, como tabus, mitos, rituais religiosos etc.
Abordagem psico-sociológica
Permanece vaga e ambígua a correlação entre as
dimensões física e cultural do homem. Tal ambigüidade levanta a
dúvida quanto ao problema de ser o homem causa ou resultado,
criatura ou criador de seu patrimônio cultural. A questão do
determinismo ou da liberdade da condição humana extrapola o
âmbito da antropologia e convoca a uma perspectiva inovadora no
campo das ciências humanas, trazida pela psicologia: o conceito
psicanalítico de inconsciente. Essa noção, que foi a principal
descoberta de Sigmund Freud, veio mostrar que o psiquismo não é
redutível ao consciente e que certos conteúdos psíquicos só se
tornam acessíveis à consciência depois de vencidas certas
resistências.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 6
Para a sociologia, o homem, como ser social, é resultado
de processos sociais e de cultura que antecedem ao aparecimento
do indivíduo. O homem nasce com uma base orgânica, que o
permite desenvolver-se em pessoa. Seus órgãos e sentidos
estabelecem o contato entre o que é verdadeiramente hereditário,
natural e individual, e a vida social e a cultura. O comportamento
humano dá-se num quadro de circulação permanente de
informação. Cada homem recebe ininterruptamente estímulos
diversos e diversamente organizados, aos quais responde por
comportamentos. Se isso é verdadeiro para qualquer ser vivo, no
homem se distingue pelas propriedades de sistematização, de
transferência e de significação.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 7
POLÍTICA
O choque de interesses entre indivíduos e grupos na
sociedade provoca a luta pelo poder e seu exercício em diferentes
configurações institucionais. Ao longo de séculos, grandes
pensadores tentaram estabelecer os elementos universais de uma
ordem justa nos negócios humanos, o que deu origem a teorias
políticas numerosas e, freqüentemente, contraditórias.
Política, em sentido estrito, é a arte de governar a polis, ou
cidade-estado, e deriva do adjetivo politikós, que significa tudo o
que se relaciona à cidade, isto é, tudo o que é urbano, público, civil
e social. Em acepção ampla, política é o estudo do fenômeno do
poder, entendido como a capacidade que um indivíduo ou grupo
organizado tem de exercer controle imperativo sobre a população
de um território, mesmo quando é necessário o uso da força.
O conceito de política é estreitamente vinculado ao de
poder em três esferas básicas: (1) a luta pelo poder; (2) o conjunto
de instituições por meio das quais esse poder se exerce; (3) e a
reflexão teórica sobre a origem, estrutura e razão de ser do poder.
O poder político se caracteriza pela exclusividade do direito do uso
da força em relação ao conjunto da sociedade, que lhe confere a
legitimidade desse uso. O exercício do poder se justifica como a
solução para regular e equilibrar a ordem e a justiça na sociedade;
e o uso da força, inerente a todo poder político, indica a presença
de interesses antagônicos e conflitos no corpo social que devem ser
controlados para preservar a ordem social ou buscar o bem comum.
Ciência política
Disciplina recente, a ciência política surgiu da necessidade
de formar gestores públicos e oferecer uma estrutura de reflexão
sobre as questões públicas. Seu objetivo é estudar o poder político,
suas formas concretas de manifestação e tendências evolutivas.
Cabe assim à ciência política explicar os motivos das relações que
existem entre os poderes políticos e a sociedade, as diversas formas
de organização do estado e sua dominação por classes ou grupos, a
formação da vontade política do povo e as diferentes teorias
relativas à prática política.
A ciência política utiliza métodos de ciências empíricas,
como a física e a biologia, e metodologias e especificidades de
outros ramos do conhecimento, como filosofia, história, direito,
sociologia e economia, e sua finalidade é descrever aquilo que é e
não o que deveria ser. Nesse sentido, distingue-se da filosofia
política, área normativa voltada para conceitos como direito e
justiça; da antropologia política, que estuda o fenômeno político
como uma constante em todas as sociedades humanas ao longo de
sua história; e da sociologia política, que estuda os fenômenos
sociais a partir de uma visão política.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 8
Luta pelo poder
A história humana é basicamente uma história da política,
isto é, das lutas travadas por indivíduos, grupos ou nações para
conquistar, manter ou ampliar o poder político. Essas lutas podem
ser violentas, na forma de assassínio de dirigentes, guerras,
revoluções e golpes de estado, ou pacíficas, por meio de eleições e
plebiscitos.
A luta violenta é uma das formas mais primitivas de
conquista e manutenção do poder, embora ainda seja adotada em
algumas nações modernas. São numerosos os exemplos, ao longo
da história das nações, de assassínios de dirigentes por uma pessoa
ou um grupo de pessoas para a tomada do poder; e de insurreições
e revoluções populares, uma forma de luta política violenta que visa
não só conquistar o poder mas transformar de modo radical as
condições sociais ou a organização do estado. Nesses casos, a
violência se manifesta também na defesa daqueles que detêm o
poder e querem manter a situação social tradicional. As revoluções
francesa e russa mudaram a história do mundo moderno.
A mudança de um regime político pode se dar ainda pelo
golpe de estado, forma de ação política violenta comum na história
das nações da América Latina. As guerras são o modo mais extremo
e violento da luta política, já que o objetivo é destruir o adversário,
e podem ser externas, entre duas ou mais nações, ou internas ou
civis, entre facções de uma nação.
Os meios pacíficos de luta pelo poder indicam estado
avançado de civilização e a racionalidade das concepções políticas.
As formas básicas de luta pacífica, própria dos sistemas
democráticos, são as eleições e plebiscitos. Nas democracias,
reconhece-se que a soberania popular é o princípio de legitimação
do poder e portanto a direção do estado cabe à facção ou partido
que obtiver a maioria dos votos livremente expressos pelo povo.
Trata-se de um procedimento racional, que pressupõe a igualdade
dos cidadãos perante a lei e que tende a harmonizar os conflitos de
interesse, embora eles continuem a existir e muitas vezes se
manifestem de forma violenta.
Instituições políticas
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 9
Órgãos permanentes por meio dos quais se exerce o poder
político, as instituições políticas evoluíram de acordo com o grau de
racionalidade alcançado pelos homens. Nas antigas civilizações
orientais, em Roma e na Europa medieval, os sistemas políticos
tinham como característica comum a personalização do poder,
justificada por instâncias mágicas, religiosas ou carismáticas. Faraó
egípcio, imperador romano ou rei cristão, o detentor do poder se
confundia com o próprio poder. Sua justificativa era a força,
traduzida pelo poder militar, poder de curar ou poder sobre as
forças da natureza. Constantemente desafiado por aqueles que se
julgavam possuidores das mesmas credenciais, o poder
personalizado gerou a instabilidade política e o uso da violência
como forma de solução de conflitos.
No final da Idade Média, mudanças políticas, econômicas e
sociais determinaram o surgimento de novas concepções sobre o
estado. O progresso da burguesia e da economia favoreceu a
centralização do poder nas monarquias absolutas. O estado tornou-
se racional e suas estruturas se institucionalizaram, de acordo com
as novas necessidades sociais. A vitória da burguesia sobre a
sociedade feudal, na revolução francesa, desmistificou o poder por
direito divino e consagrou o princípio da soberania popular. O povo,
única fonte de poder, podia transferir seu exercício a representantes
por ele eleitos.
Os sistemas liberais, cuja representatividade era
inicialmente restrita, aperfeiçoaram os mecanismos democráticos e,
ao incorporarem o sufrágio universal, reconheceram de forma plena
a igualdade de todos os cidadãos perante a lei. A institucionalização
do poder exigiu a adoção de constituições que, como expressão da
vontade popular, devem reger a ação do estado. Nos sistemas
democráticos, a legitimidade do poder deriva de sua origem na
vontade popular e de seu exercício de acordo com a lei.
A doutrina da clássica divisão do poder político, elaborada
por Montesquieu, é comum a quase todos os sistemas políticos dos
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 10
estados modernos. O poder legislativo, formado por parlamentares
eleitos pelo povo, elabora as leis e controla os atos do poder
executivo; o executivo, também eleito pelo povo, executa a lei e
administra o estado; o judiciário interpreta e aplica as leis e atua
como juiz nos conflitos entre os outros poderes. A divisão de
poderes ajuda a evitar o abuso de poder por meio do controle
recíproco dos vários órgãos do estado.
Nas modernas sociedades democráticas, além dos poderes
institucionalizados existem organizações que participam do poder ou
nele influem: partidos políticos, sindicatos de classe, grupos de
interesse, associações profissionais, imprensa, freqüentemente
chamada de quarto poder, e outras. Nos regimes totalitários, a
existência de um partido único no poder diminui as chances de
participação da sociedade nos assuntos políticos nacionais.
História das idéias políticas
Além de lutar pelo poder e de criar instituições para
exercê-lo, o homem também examina sua origem, natureza e
significado. Dessas reflexões resultaram diferentes doutrinas e
teorias políticas.
Antiguidade
São escassas as referências a doutrinas políticas dos
grandes impérios orientais. Admitiam como única forma de governo
a monarquia absoluta e sua concepção de liberdade era diferente da
visão grega, que a civilização ocidental incorporou -- mesmo
quando submetidos ao despotismo de um chefe absoluto, seus
povos consideravam-se livres se o soberano fosse de sua raça e
religião.
As cidades da Grécia não se uniram sob um poder imperial
centralizador e conservaram sua autonomia. Suas leis emanavam
da vontade dos cidadãos e seu principal órgão de governo era a
assembléia de todos os cidadãos, responsáveis pela defesa das leis
fundamentais e da ordem pública. A necessidade da educação
política dos cidadãos tornou-se, assim, tema de pensadores políticos
como Platão e Aristóteles.
Em suas obras, das quais a mais importante é A república,
Platão define a democracia como o estado no qual reina a liberdade
e descreve uma sociedade utópica dirigida pelos filósofos, únicos
conhecedores da autêntica realidade, que ocupariam o lugar dos
reis, tiranos e oligarcas. Para Platão, a virtude fundamental da polis
é a justiça, pela qual se alcança a harmonia entre os indivíduos e o
estado. No sistema de Platão, o governo seria entregue aos sábios,
a defesa aos guerreiros e a produção a uma terceira classe, privada
de direitos políticos.
Aristóteles, discípulo de Platão e mestre de Alexandre o
Grande, deixou a obra política mais influente na antiguidade clássica
e na Idade Média. Em Política, o primeiro tratado conhecido sobre a
natureza, funções e divisão do estado e as várias formas de
governo, defendeu como Platão equilíbrio e moderação na prática
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 11
do poder. Empírico, considerou impraticáveis muitos dos conceitos
de Platão e viu a arte política como parte da biologia e da ética.
Para Aristóteles, a polis é o ambiente adequado ao
desenvolvimento das aptidões humanas. Como o homem é, por
natureza, um animal político, a associação é natural e não
convencional. Na busca do bem, o homem forma a comunidade, que
se organiza pela distribuição das tarefas especializadas. Como
Platão, Aristóteles admitiu a escravidão e sustentou que os homens
são senhores ou escravos por natureza. Concebeu três formas de
governo: a monarquia, governo de um só, a aristocracia, governo
de uma elite, e a democracia, governo do povo. A corrupção dessas
formas daria lugar, respectivamente, à tirania, à oligarquia e à
demagogia. Considerou que o melhor regime seria uma forma
mista, no qual as virtudes das três formas se complementariam e se
equilibrariam.
Os romanos, herdeiros da cultura grega, criaram a
república, o império e o corpo de direito civil, mas não elaboraram
uma teoria geral do estado ou de direito. Entre os intérpretes da
política romana destacam-se o grego Políbio e Cícero, que pouco
acrescentaram à filosofia política dos gregos.
Idade Média
O cristianismo introduziu, nos últimos séculos do Império
Romano, a idéia da igualdade entre todos os homens, filhos do
mesmo Deus, uma noção que contestava implicitamente a
escravidão, fundamento social econômico do mundo antigo. Ao
tornar-se religião oficial, o cristianismo aliou-se ao poder temporal e
admitiu a organização social existente, inclusive a escravidão. Santo
Agostinho, a quem se atribui a fundação da filosofia da história,
afirma que os cristãos, embora voltados para a vida eterna, não
deixam de viver a vida efêmera do mundo real. Moram em cidades
temporais mas, como cristãos, são também habitantes da "cidade
de Deus" e, portanto, um só povo.
Santo Agostinho não formulou uma doutrina política, mas a
teocracia está implícita em seu pensamento. A solução dos
problemas sociais e políticos é de ordem moral e religiosa e todo
bom cristão será, por isso mesmo, bom cidadão. O regime político
não importa ao cristão, desde que não o obrigue a contrariar a lei
de Deus. Considera, pois, um dever a obediência aos governantes,
desde que se concilie com o serviço divino. Testemunha da
dissolução do Império Romano, contemporâneo da conversão de
Constantino ao cristianismo, santo Agostinho justifica a escravidão
como um castigo do pecado. Introduzida por Deus, "seria insurgir-
se contra Sua vontade querer suprimi-la".
No século XIII, santo Tomás de Aquino, o grande pensador
político do cristianismo medieval, definiu em linhas gerais a
teocracia. Retomou os conceitos de Aristóteles e os adaptou às
condições da sociedade cristã. Afirmou que a ação política é ética e
a lei um mecanismo regulador que promove a felicidade. Como
Aristóteles, considerou ideal um regime político misto com as
virtudes das três formas de governo, monarquia, aristocracia e
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 12
democracia. Na Summa teologica, justifica a escravidão, que
considera natural. Em relação ao senhor, o escravo "é instrumento,
pois entre o senhor e o escravo há um direito especial de
dominação".
Renascimento
Os teóricos políticos do período caracterizaram-se pela
reflexão crítica sobre o poder e o estado. Em O príncipe, Maquiavel
secularizou a filosofia política e separou o exercício do poder da
moral cristã. Diplomata e administrador experiente, cético e
realista, defende a constituição de um estado forte e aconselha o
governante a preocupar-se apenas em conservar a própria vida e o
estado, pois na política o que vale é o resultado. O príncipe deve
buscar o sucesso sem se preocupar com os meios. Com Maquiavel
surgiram os primeiros contornos da doutrina da razão de estado,
segundo a qual a segurança do estado tem tal importância que,
para garanti-la, o governante pode violar qualquer norma jurídica,
moral, política e econômica. Maquiavel foi o primeiro pensador a
fazer distinção entre a moral pública e a moral particular.
Thomas Hobbes, autor de Leviatã, considera a monarquia
absoluta o melhor regime político e afirma que o estado surge da
necessidade de controlar a violência dos homens entre si. Como
Maquiavel, não confia no homem, que considera depravado e anti-
social por natureza. É o poder que gera a lei e não o contrário; a lei
só prevalece se os cidadãos concordarem em transferir seu poder
individual a um governante, o Leviatã, mediante um contrato que
pode ser revogado a qualquer momento.
Baruch de Spinoza prega a tolerância e a liberdade
intelectual. Temeroso dos dogmas metafísicos e religiosos, justifica
o poder político unicamente por sua utilidade e considera justa a
rebelião se o poder se torna tirânico. Em seu Tratado teológico-
político, afirma que os governantes devem cuidar para que os
membros da sociedade desenvolvam ao máximo as suas
capacidades intelectuais e humanas.
Montesquieu e Jean-Jacques Rousseau destacam-se como
teóricos da democracia moderna. Montesquieu exerceu influência
duradoura com O espírito das leis, no qual estabeleceu a doutrina
da divisão dos poderes, base dos regimes constitucionais modernos.
Rousseau sustenta, no Contrato social, que a soberania pertence ao
povo, que livremente transfere seu exercício ao governante. Suas
idéias democráticas inspiraram os líderes da revolução francesa e
contribuíram para a queda da monarquia absoluta, a extinção dos
privilégios da nobreza e do clero e a tomada do poder pela
burguesia.
Pensamento contemporâneo
No século XIX, uma das correntes do pensamento político
foi o utilitarismo, segundo o qual se deve avaliar a ação do governo
pela felicidade que proporciona aos cidadãos. Jeremy Bentham,
primeiro divulgador das idéias utilitaristas e seguidor das doutrinas
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 13
econômicas de Adam Smith e David Ricardo, teóricos do laissez-
faire (liberalismo econômico), considera que o governo deve limitar-
se a garantir a liberdade individual e o livre jogo das forças de
mercado, que geram prosperidade.
Em oposição ao liberalismo político, surgiram as teorias
socialistas em suas duas vertentes, a utópica e a científica. Robert
Owen, Pierre-Joseph Proudhon e Henri de Saint-Simon foram alguns
dos teóricos do socialismo utópico. Owen e Proudhon denunciaram a
organização institucional, econômica e educacional de seus países e
defendem a criação de sociedades cooperativas de produção, ao
passo que Saint-Simon preconizou a industrialização e a dissolução
do estado.
Karl Marx e Friedrich Engels desenvolvem a teoria do
socialismo científico, que deixou marcas profundas e duradouras na
evolução das idéias políticas. Seu socialismo não é um ideal a que a
sociedade deva adaptar-se, mas "o movimento real que suprime o
atual estado de coisas", e "cujas condições decorrem de
pressupostos já existentes". O socialismo sucederia ao capitalismo
assim como o capitalismo sucedeu ao feudalismo e será a solução
das contradições do capitalismo. Assim, sua realização não seria
utópica, mas resultaria de uma exigência objetiva do processo
histórico em determinada fase de seu desenvolvimento. O estado,
expressão política da classe economicamente dominante,
desapareceria numa sociedade sem classes.
Depois da primeira guerra mundial, surgiram novas
doutrinas baseadas nas correntes políticas do século XIX. O
liberalismo político, associado nem sempre legitimamente ao
liberalismo econômico, pareceu entrar em dissolução, confirmada
pela depressão econômica de 1929, e predominaram as visões
totalitárias do poder.
A partir do marxismo, Lenin elaborou uma teoria do estado
comunista e comandou na Rússia a primeira revolução operária
contra o sistema capitalista. Sobre a base marxista-leninista, Stalin
organizou o estado totalitário para estruturar a ditadura do
proletariado e alcançar o comunismo. Entre os pensadores
marxistas que discordaram de Stalin e acreditaram na diversidade
de vias para atingir o mesmo fim destacam-se Trotski, Tito e Mao
Zedong (Mao Tsé-tung).
A outra vertente do totalitarismo foi o fascismo, baseado
na crítica aos abusos do capitalismo e do comunismo. Formadas por
elementos heterogêneos e muitas vezes incoerentes, as ideologias
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 14
fascistas deram fundamento intelectual aos regimes que tendiam a
sobrepor o poder absoluto do estado aos indivíduos, como o
fascismo na Itália de Benito Mussolini e o nacional-socialismo na
Alemanha de Adolf Hitler.
Após a segunda guerra mundial, a democracia liberal, já
dissociada do liberalismo econômico, ressurgiu em diversos países
europeus e americanos. Em suas instituições, as democracias
acrescentaram os direitos sociais, como o direito ao trabalho e ao
bem-estar, aos direitos individuais. No final da década de 1980, a
dissolução da União Soviética levou ao desaparecimento dos
regimes comunistas no leste europeu e ao predomínio da
democracia liberal.
Poder político no Brasil
O absolutismo foi a base das concepções políticas que
vigoraram no Brasil colonial, regido pelas leis e o sistema político de
Portugal. Ao longo do século XVIII, ocorreram movimentos
autonomistas com fundo republicano e liberal, inspirados nos
modelos das repúblicas veneziana e americana. As idéias que
inspiraram a revolução francesa disseminaram-se pela colônia nas
obras de Voltaire, Rousseau e Montesquieu mas o liberalismo só se
manifestou de modo mais concreto nos episódios da inconfidência
mineira, que evidenciaram as contradições entre a crescente
burguesia e as classes agrárias dominantes.
O processo separatista ganhou consistência com a chegada
de D. João VI em 1808 e culminou com a independência. A primeira
constituição brasileira, outorgada pelo imperador D. Pedro I,
baseou-se no despotismo esclarecido e inovou na doutrina da
divisão de poderes, ao incluir o poder moderador do monarca ao
lado dos clássicos poderes executivo, legislativo e judiciário.
As elites brasileiras, compostas de grandes senhores
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 15
agrários e comerciantes, instalaram-se no poder e competiram com
o imperador pelo controle da nação. O cunho liberal da constituição
foi amenizado pela adoção de mecanismos como o voto censitário,
que excluiu a maioria da população do processo eleitoral, e a
vitaliciedade dos senadores e dos membros do Conselho de Estado,
que assegurou a permanência das elites no poder. O confronto
permanente entre essas elites e o imperador e a oposição dos
liberais radicais, que se ressentiam da centralização excessiva do
poder e defendiam o federalismo, culminaram na abdicação do
soberano em favor de D. Pedro II, então menor de idade.
O período da regência foi marcado pela pressão
permanente das aristocracias locais, que exigiam maior autonomia
de ação política, e por conflitos entre liberais e conservadores, que
se traduziram em rebeliões regionais e levantes populares, em
alguns casos de inspiração separatista e republicana. Pouco depois
de assumir o trono, D. Pedro II estabeleceu o regime
parlamentarista e abriu mão de seus poderes executivos,
transferidos para um primeiro-ministro escolhido entre os membros
do partido majoritário nas eleições. Preservou, porém, o poder
moderador, o que na prática manteve o governo sob seu controle.
Os primeiros anos do governo do segundo reinado foram
marcados por revoltas regionais e, ao mesmo tempo, pela
consolidação das instituições nacionais e pelo aprofundamento do
sentimento de nacionalidade em todo o território brasileiro. Os
liberais, que se alternaram com os conservadores no governo ao
longo do segundo reinado, pertenciam também às classes
dominantes e esqueciam seu radicalismo assim que assumiam o
poder. As elites agrárias e comerciais mantinham-se como a única
força política e dominavam o cenário nacional. Entretanto, os
grandes temas da república e da abolição da escravatura ganhavam
espaço e apoio crescentes, principalmente na burguesia urbana, que
se ressentia das dificuldades de implantação plena do capitalismo
numa economia atrasada, que buscava se modernizar. Republicanos
e abolicionistas inauguraram um estilo novo na política brasileira e
convocaram as populações das cidades à defesa de suas idéias.
Apesar dessa mobilização, a república foi instaurada pela elite, sem
participação popular.
A abolição da escravatura em 1888 marcou o fim do
império brasileiro e o início da república, instalada no ano seguinte,
mas permaneceu o autoritarismo do poder central, profundamente
entranhado na cultura política nacional. A constituição liberal de
1891 estabeleceu um presidencialismo forte e centralizado, que não
resolveu as contradições políticas herdadas do império nem excluiu
do poder as elites, acrescidas então de novas forças econômicas,
como os produtores de café, que determinavam os caminhos da
nação. Na fase que se seguiu, conhecida como República Velha,
predominaram as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais, os
estados economicamente mais avançados.
Durante a primeira guerra mundial, o país conheceu
notável expansão industrial, mas o poder político continuou
dominado pelos interesses das oligarquias rurais e da burguesia
mercantil. As contradições entre uma economia que se modernizava
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 16
e um modelo político retrógrado geraram inquietações políticas que
se expressaram em movimentos como o tenentismo. O processo
eleitoral, marcado pela fraude e a exclusão de vasta parcela da
população, mostrou-se incapaz de solucionar as distorções do
sistema, agravadas por dificuldades financeiras e do comércio
exterior que a crise mundial de 1929 aprofundou, com a queda
drástica das exportações de produtos primários.
Com a revolução de 1930, a burguesia industrial teve
maior participação no poder, mas as contradições do regime não
foram solucionadas. Conflitos entre as oligarquias e os tenentistas e
a ausência de mudanças estruturais necessárias levaram à
implantação da ditadura do Estado Novo, que se prolongou até
1945.
A constituição de 1946 deu início a um período de
crescimento econômico e aprofundamento dos mecanismos
democráticos. Houve mudanças no sistema eleitoral e participação
efetiva do povo no processo político. Os partidos políticos se
fortaleceram e representaram efetivamente os diversos segmentos
políticos e ideológicos da nação. O modelo econômico e social,
porém, não se alterou, especialmente na estrutura agrária
dominada pelas elites obsoletas. O choque entre avanços políticos e
econômicos e a manutenção de um modelo social ultrapassado
levaram setores progressistas e conservadores à radicalização.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 17
CIDADANIA
Foi de um discurso do
dramaturgo Pierre-Augustin
Caron de Beaumarchais, em
outubro de 1774, que surgiu
o sentido moderno da
palavra cidadão -- que ganharia maior ressonância nos primeiros
meses da revolução francesa, com a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão.
Em sentido etimológico, cidadania refere-se à condição dos
que residem na cidade. Ao mesmo tempo, diz da condição de um
indivíduo como membro de um estado, como portador de direitos e
obrigações. A associação entre os dois significados deve-se a uma
transformação fundamental no mundo moderno: a formação dos
estados centralizados, impondo jurisdição uniforme sobre um
território não limitado aos burgos medievais.
Na Europa, até o início dos tempos modernos, o
reconhecimento de direitos civis e sua consagração em documentos
escritos (constituições) eram limitados aos burgos ou cidades. A
individualização desses direitos a rigor não existe até o surgimento
da teoria dos direitos naturais do indivíduo e do contrato social,
bases filosóficas do antigo liberalismo. Nesse sentido, os privilégios
e imunidades dos burgos medievais não diferem, quanto à forma,
dos direitos e obrigações das corporações e outros agrupamentos,
decorrentes de sua posição ou função na hierarquia social e na
divisão social do trabalho. São direitos atribuídos a uma entidade
coletiva, e ao indivíduo apenas em decorrência de sua participação
em um desses "corpos" sociais.
O termo cidadão tornou-se sinônimo de homem livre,
portador de direitos e obrigações a título individual, assegurados em
lei. É na cidade que se formam as forças sociais mais diretamente
interessadas na individualização e na codificação desses direitos: a
burguesia e a moderna economia capitalista.
Ao ultrapassar os estreitos limites do mundo medieval --
pela interligação de feiras e comunas, pelo estabelecimento de rotas
regulares de comércio, entre regiões da Europa e entre os
continentes --, a dinâmica da economia capitalista favorece a
imposição de uma jurisdição uniforme em determinados territórios,
cuja extensão e perfil derivam tanto da interdependência interna
enquanto "mercado", como dos fatores culturais, lingüísticos,
políticos e militares que favorecem a unificação.
Em seus primórdios, a constituição do estado moderno e
da economia comercial capitalista é uma grande força libertária. Em
primeiro lugar, pela dilatação de horizontes, pela emancipação dos
indivíduos ante o localismo, ante as convenções medievais que
impediam ou dificultavam a escolha de uma ocupação diferente da
transmitida como herança familiar; libertária, também, ante as
tradições e crenças que se diluíam com a maior mobilidade
geográfica e social; mas libertária, sobretudo, pela imposição de
uma jurisdição uniforme, que superava o arbítrio dos senhores
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 18
feudais e reconhecia a todos os mesmos direitos e obrigações,
independentemente de seu trabalho ou condição socioeconômica.
Além do sentido sociológico, a cidadania tem um sentido
político, que expressa a igualdade perante a lei, conquistada pelas
grandes revoluções (inglesa, francesa e americana), e
posteriormente reconhecida no mundo inteiro.
Nessa perspectiva, a passagem do âmbito limitado - dos
burgos - ao significado amplo da cidadania nacional é a própria
história da formação e unificação dos estados modernos, capazes de
exercer efetivo controle sobre seus respectivos territórios e de
garantir os mesmos direitos a todos os seus habitantes. É
fundamentalmente uma garantia negativa: contra as limitações
convencionais ao comportamento individual e contra o poder
arbitrário, público ou privado.
Rumo à universalização. A cidadania é originalmente um
direito burguês. Contudo, quando reivindicada como soma de
direitos fundamentais do indivíduo, estes se tornam neutros quanto
a seus beneficiários presentes e potenciais.
Vista como processo histórico gradual, a extensão da
cidadania é (1) a transformação da estrutura social pré-moderna no
quadro da economia capitalista e do estado nacional moderno e (2)
o reconhecimento e a universalização de toda uma série de novos
direitos que, em parte, são indispensáveis ao funcionamento da
economia capitalista moderna e, em parte, são resultado concreto
do conflito político dentro de cada país. Portanto, trata-se de um
conceito ao mesmo tempo jurídico, sociológico e político: descreve a
consagração formal de certos direitos, o processo político de sua
obtenção e a criação das condições socioeconômicas que lhe dão
efetividade.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 19
Cidadania e democracia
A cidadania tem dois aspectos: (1) o institucional, porque
envolve o reconhecimento explícito e a garantia de certos direitos
fundamentais, embora sua institucionalização nunca seja constante
e irredutível; (2) e o processual, porque as garantias civis e
políticas, bem como o conteúdo substantivo, social e econômico,
não podem ser vistos como entidades fixas e definitivas, mas
apenas como um processo em constante reafirmação, com limiares
abaixo dos quais não há democracia. Democrático, no sentido
liberal, é o país que, além das garantias jurídicas e políticas
fundamentais, institucionaliza amplamente a participação política.
Direitos e garantias individuais
A necessidade de certas prerrogativas que limitem o poder
político em suas relações com a pessoa humana são, muito
provavelmente, criação do cristianismo, que definiu o primeiro
terreno interditado ao estado: o espiritual.
No campo do direito positivo, foi a revolução francesa que
incorporou o sistema dos direitos humanos ao direito constitucional
moderno. A teoria do direito constitucional dividiu, de início, os
direitos humanos em naturais e civis, considerando que a liberdade
natural, mais ampla, evolui para o conceito de liberdade civil, mais
limitada, visto que seus limites coincidem com os da liberdade dos
outros homens.
A primeira concretização da teoria jurídica dos direitos
humanos foi o Bill of Rights, de 1689 -- a declaração de direitos
inglesa. Só depois da independência dos Estados Unidos, porém, as
declarações de direitos, inseridas nas constituições escritas,
adquirem o perfil de relação de direitos oponíveis ao estado, e dos
quais os indivíduos são titulares diretos. Dada sua importância, o
direito constitucional clássico dividia as leis fundamentais em duas
partes: uma estabelecia os poderes e seu funcionamento; outra, os
direitos e garantias individuais.
No Brasil, é clássica a definição dada por Rui Barbosa às
garantias, desdobramento dos direitos individuais: "Os direitos são
aspectos, manifestações da personalidade humana em sua
existência subjetiva, ou nas suas situações de relações com a
sociedade, ou os indivíduos que a compõem. As garantias
constitucionais stricto sensu são as solenidades tutelares de que a
lei circunda alguns desses direitos contra os abusos do poder." É o
caso do direito à liberdade pessoal, cuja garantia é o recurso do
habeas corpus.
Direitos sociais
Na antiguidade, considerava-se que o trabalho manual não
era compatível com a inteligência crítica e especulativa, ideal do
estado. Daí o reconhecimento da escravidão, que restringia
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 20
consideravelmente os ideais teóricos da democracia direta. A
revolução social do cristianismo baseou-se principalmente na
dignificação do trabalho manual. Por conseguinte, durante a Idade
Média, o trabalho era considerado um dever social e mesmo
religioso do indivíduo.
Com o declínio das corporações de ofício, que controlavam
o trabalho medieval, e o surgimento das oficinas de trabalho, de
características diferentes, entre as quais a relação salarial entre
operário e patrão, estão dadas as condições propícias ao capitalismo
mercantilista da época do Renascimento e da Reforma.
Mais tarde, a burguesia, que dominara a revolução
francesa, viu-se diante dos problemas sociais decorrentes da
revolução industrial. Assim, tornou-se indispensável a intervenção
do estado entre as partes desiguais em confronto no campo do
trabalho, para regular o mercado livre em que o trabalhador era
cruelmente explorado.
Atualmente não se pode conceber a proteção jurídica dos
direitos individuais sem o reconhecimento e a proteção dos direitos
sociais do homem, que são oponíveis não ao estado, mas ao capital,
e têm na ação do estado sua garantia.
Hoje existe um grande movimento pelo reconhecimento,
definição e garantia internacionais dos direitos humanos. Em 10 de
dezembro de 1948, a assembléia geral da Organização das Nações
Unidas (ONU) adotou em Paris a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que só terá força obrigatória quando for uma convenção
firmada por todos os países membros da ONU.
Os regimes de governo são justos na medida em que as
liberdades são defendidas, mesmo em épocas de crise. Os princípios
gerais de direito são sempre os mesmos: processo legal, ausência
de crueldade, respeito à dignidade humana. As formas de execução
desses princípios também não variam. Resumem-se em leis
anteriores, em garantias eficazes de defesa e, como sempre, acima
de tudo, em justiça independente e imparcial.
Suspensão das garantias constitucionais. No Brasil, a
instabilidade do poder político e as lutas oligárquicas durante a
primeira república fizeram do estado de sítio e da intervenção
federal os centros de convergência dos debates jurídicos e das
ações políticas. Também o Supremo Tribunal Federal defrontou-se
freqüentemente com o problema. No entanto os fatos mais de uma
vez atropelaram o direito ao longo da história do Brasil.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 21
RELIGIÃO
O medo do desconhecido e a necessidade de dar sentido ao
mundo que o cerca levaram o homem a fundar diversos sistemas de
crenças, cerimônias e cultos -- muitas vezes centrados na figura de
um ente supremo -- que o ajudam a compreender o significado
último de sua própria natureza. Mitos, superstições ou ritos mágicos
que as sociedades primitivas teceram em torno de uma existência
sobrenatural, inatingível pela razão, equivaleram à crença num ser
superior e ao desejo de comunhão com ele, nas primeiras formas de
religião.
Religião (do latim religio, cognato de religare, "ligar",
"apertar", "atar", com referência a laços que unam o homem à
divindade) é como o conjunto de relações teóricas e práticas
estabelecidas entre os homens e uma potência superior, à qual se
rende culto, individual ou coletivo, por seu caráter divino e sagrado.
Assim, religião constitui um corpo organizado de crenças que
ultrapassam a realidade da ordem natural e que tem por objeto o
sagrado ou sobrenatural, sobre o qual elabora sentimentos,
pensamentos e ações.
Essa definição abrange tanto as religiões dos povos ditos
primitivos quanto as formas mais complexas de organização dos
vários sistemas religiosos, embora variem muito os conceitos sobre
o conteúdo e a natureza da experiência religiosa. Apesar dessa
variedade e da universalidade do fenômeno no tempo e no espaço,
as religiões têm como característica comum o reconhecimento do
sagrado (definição do filósofo e teólogo alemão Rudolf Otto) e a
dependência do homem de poderes supramundanos (definição do
teólogo alemão Friedrich Schleiermacher). A observância e a
experiência religiosas têm por objetivo prestar tributos e
estabelecer formas de submissão a esses poderes, nos quais está
implícita a idéia da existência de ser ou seres superiores que
criaram e controlam o cosmos e a vida humana.
Aquelas características, que de certa forma não distinguem
uma religião de outra, levaram ao debate sobre religião natural e
religião revelada, o que recebeu significação especial nas teologias
judaica e cristã. O americano Mircea Éliade, historiador das
religiões, denominou "hierofania" a essa manifestação do sagrado,
ou seja, algo sagrado que é mostrado ao homem. Seja a
manifestação do sagrado uma pedra ou uma árvore, seja a doutrina
da encarnação de Deus em Jesus Cristo, trata-se sempre de uma
hierofania, de um ato misterioso que revela algo completamente
diferente da realidade do mundo natural, profano.
Por mais que a mentalidade ocidental moderna possa
repudiar certas expressões rudimentares ou exóticas das religiões
primitivas, na realidade a pedra e a árvore não são adoradas
enquanto tais, como expressões de algo sagrado, que
paradoxalmente transforma o objeto numa outra realidade. O
sagrado e o profano configuram duas modalidades de estar no
mundo e duas atitudes existenciais do homem ao longo de sua
história. Contudo, as reações do homem frente ao sagrado, em
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 22
diferentes contextos históricos, não são uniformes e expressam um
fenômeno cultural e social complexo, apesar da base comum.
Embora não seja fácil elaborar uma classificação
sistemática das religiões, pode-se agrupá-las em duas categorias
amplas: religiões primitivas e religiões superiores. Nessa divisão, o
qualificativo superior refere-se ao desenvolvimento cultural e não ao
nível de religiosidade.
Religiões primitivas
A importância do culto aos antepassados levou filósofos e
historiadores -- como Evêmero, no século IV a.C. -- a considerá-lo a
origem da religião. As sepulturas paleolíticas corroboram essa
opinião, pois comprovam já haver, naquele período, a crença numa
vida depois da morte e no poder ou influência dos antepassados
sobre a vida cotidiana do clã familiar. Os integrantes do clã
obrigavam-se a praticar ritos em homenagem a seus defuntos pelo
temor a represálias ou pelo desejo de obter benefícios ou, ainda,
por considerá-los divinizados.
No século XIX, os estudos realizados pelo antropólogo
britânico Edward Burnett Tylor deram origem ao conceito de
animismo, aplicado desde então a todas as religiões primitivas.
Tylor sustentou que o homem primitivo, a partir da experiência do
sonho e do fenômeno da respiração, concebeu a existência de uma
alma ou princípio vital imaterial que habitava todos os seres
dotados de movimento e vida. O temor diante dos fenômenos
naturais ou a necessidade de obter seus benefícios impeliu-o a
render-lhes veneração e culto.
O fetichismo e o totemismo podem ser considerados
variantes do animismo. O fetichismo refere-se à denominação que
os portugueses deram à religião dos negros da África ocidental e
que se ampliou até confundir-se com o animismo. Consiste na
veneração a objetos aos quais se atribuem poderes sobrenaturais
ou que são possuídos por um espírito. Mais que uma religião, o
totemismo seria um sistema de crenças e práticas culturais que
estabelece relação especial entre um indivíduo ou grupo de
indivíduos e um animal -- às vezes também um vegetal, um
fenômeno natural ou algum objeto material -- ao qual se rende
algum tipo de culto e respeito e em relação ao qual se estabelecem
determinadas proibições (uso como alimento, contato etc.).
Religiões superiores
À medida que o homem passou a organizar sua existência
numa base racional, a multiplicidade de poderes divinos e sobre-
humanos do primitivo animismo não conseguiu mais satisfazer a
necessidade de estabelecer uma relação coerente com as múltiplas
forças espirituais que povoavam o universo. Surgiram assim as
religiões politeístas, panteístas, deístas e monoteístas, expressões
das condições sociais e culturais de cada época e das características
dos povos em que surgiram.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 23
As religiões politeístas afirmam a existência de vários
deuses, aos quais rendem culto. Existem duas teorias contraditórias
sobre a origem do politeísmo: para alguns, é a forma primitiva da
religião, que mais tarde teria evoluído até o monoteísmo; para
outros, ao contrário, é uma degeneração do monoteísmo primitivo.
O politeísmo reflete a experiência humana de um universo no qual
se manifestam diversas formas de poder sobre-humano; no
entanto, nas religiões politeístas ocorre com freqüência uma
hierarquia, com um deus supremo que reina e que, em geral, pode
ser a origem dos demais deuses. O problema do politeísmo seria
delimitar o que se entende como deus ou como algo sobre-humano.
Politeístas foram a religião grega e a romana.
O panteísmo é uma filosofia que, por levar a extremos as
noções de absoluto e de infinito, próprias do conceito de Deus,
chega a considerá-lo como a única realidade existente e, portanto, a
identificá-lo com o mundo. É clássica a formulação do filósofo
Baruch Spinoza, no século XVII: Deus sive natura (Deus ou
natureza). Alguns filósofos gregos e estóicos foram panteístas,
doutrina que também é a base fundamental do budismo.
Também uma corrente filosófica, o deísmo reconhece a
existência de Deus enquanto constitui um ser supremo de atributos
totalmente indeterminados. Essa doutrina funda-se na religião
natural, que nega a revelação. O que o homem conhece a respeito
de Deus não decorre apenas das deduções da própria razão
humana. Se o universo físico é regulado por leis segundo a vontade
de Deus, as relações entre Deus e o mundo moral e espiritual
devem ser similares, reguladas com a mesma precisão e, portanto,
naturais. O período do Iluminismo (séculos XVII-XVIII) proclamou o
culto à deusa razão e a revolução francesa ajudou a organizá-lo.
As religiões monoteístas professam a crença num Deus
único, transcendente -- distinto e superior ao universo -- e pessoal.
Um dos grandes problemas do monoteísmo é a explicação da
existência do mal no mundo, o que levou diversas religiões a
adotarem um sistema dualista, o maniqueísmo, fundado nos
princípios supremos do bem e do mal.
As grandes religiões monoteístas são o judaísmo, o
cristianismo -- que professa a existência de um só Deus, apesar de
reconhecer, como mistério, três pessoas divinas -- e o islamismo.
Elementos característicos dos sistemas religiosos. Os
princípios elementares comuns à maioria das religiões conhecidas
na história podem agrupar-se nos seguintes capítulos: crenças,
ritos, normas de conduta e instituições.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 24
Toda religião pressupõe algumas crenças básicas, como a
sobrevivência depois da morte, mundo sobrenatural etc., ao menos
como fundamento dos ritos que pratica. Essas crenças podem ser
de tipo mitológico -- relatos simbólicos sobre a origem dos deuses,
do mundo ou do próprio povo; ou dogmático -- conceitos
transmitidos por revelação da divindade, que dá origem à religião
revelada e que são recolhidos nas escrituras sagradas em termos
simbólicos, mas também conceituais.
Os
conceitos fundamentais organizam-se, de modo geral, em um credo
ou profissão de fé; as deduções ou explicações de tais conceitos
constituem a teologia ou ensinamento de cada religião, que enfoca
temas sobre a divindade, suas relações com os homens e os
problemas humanos cruciais -- a morte, a moral, as relações
humanas etc. Entre as crenças destaca-se, em geral, uma visão
esperançosa sobre a salvação definitiva das calamidades presentes,
que pode ir desde a mera ausência de sofrimento até a incógnita do
nirvana ou a felicidade plena de um paraíso.
A manifestação das próprias crenças e anseios mediante
ações simbólicas é inerente à expressividade humana. Da mesma
forma, as crenças e sentimentos religiosos têm se manifestado
através dos ritos, ou ações sagradas, praticados nas diferentes
religiões. Até no budismo, contra o ensinamento de Buda,
desenvolveram-se desde o começo diversas classes de rituais. Toda
religião que seja mais do que uma filosofia gera uma série de ritos
ao ser vivida pelo povo. Existem ritos culturais em honra à
divindade, ritos funerários, ritos de bênçãos ou de consagração e
muitos outros.
Observa-se em geral, nas diversas religiões, a existência
de ministros ou sacerdotes encarregados de celebrar os principais
rituais e, em especial, o culto à divindade. Os atos mais importantes
desse culto são oferendas e sacrifícios praticados em conjunto, com
invocações e orações. Com freqüência celebram-se os ritos em
lugares e épocas considerados sagrados, especialmente dedicados à
divindade, e observados com escrupulosa exatidão através dos
tempos.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) 25
O terceiro elemento característico de toda religião é o
estabelecimento, mais ou menos coercitivo, de normas de conduta
do indivíduo ou do grupo no que se refere a Deus, a seus
semelhantes e a si mesmo. O primeiro comportamento exigido é a
conversão ou mudança para um novo modo de vida. Com relação a
Deus, destacam-se as atitudes de veneração, obediência, oração e,
em algumas religiões, o amor. Na conduta no âmbito da esfera
humana entra, em maior ou menor medida, um sistema de normas
éticas.
Quase todas as religiões cristalizam-se em algumas
instituições dogmáticas (doutrinárias) e cultuais (sacerdócio,
hierarquia). Muitas delas chegam a institucionalizar a conduta, com
a criação até mesmo de tribunais de justiça e sanções e a organizar
administrativamente as diversas comunidades de crentes e suas
propriedades. Essas instituições dão forma e coesão aos crentes
como um grupo social -- religião, povo, igreja, comunidade; a elas
somam-se outras instituições voluntárias de tipo assistencial ou de
plena dedicação religiosa, que correspondem a grupos informais
dentro do grupo institucionalizado. As instituições consideram
imprescindível a forma externa, enquanto que a fé considera o
espírito interno como essencial à religião.