Introduç˜ao a Geometria Simplética

99
“EGD2806” 2006/7/26 page 1 Introdu¸ ao a Geometria Simpl´ etica Henrique Bursztyn e Leonardo Macarini 26 de Julho de 2006

Transcript of Introduç˜ao a Geometria Simplética

Page 1: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 1

i

i

i

i

i

i

i

i

Introducao a Geometria Simpletica

Henrique Bursztyn e Leonardo Macarini

26 de Julho de 2006

Page 2: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 2

i

i

i

i

i

i

i

i

2

PREFACIO

Geometria simpletica e a geometria das variedades munidas deuma 2-forma fechada e nao-degenerada. Embora tenha raızes histori-cas na formulacao geometrica da mecanica classica, a geometria sim-pletica e hoje uma area de interesse independente, sendo alvo deintensa pesquisa, e com diversas aplicacoes.

Um dos grandes propulsores do desenvolvimento recente da ge-ometria simpletica foi o surgimento, nas ultimas duas decadas, denovas tecnicas e resultados constituindo o que hoje se chama topologiasimpletica. Tendo os trabalhos seminais de M. Gromov e Y. Eliash-berg nos anos 80 como ponto de partida, tais resultados elucidarampropriedades fundamentais das variedades simpleticas, como a pro-funda rigidez das transformacoes simpleticas e a existencia de impor-tantes invariantes globais, dando a area uma nova perspectiva.

Paralelamente, outra importante fonte de estımulo para o cresci-mento da geometria simpletica e seu papel interdisciplinar na matema-tica, interagindo com topologia (especialmente em dimensoes 3 e4), teoria de representacoes e grupos de Lie, geometria algebrica,dinamica conservativa, analise microlocal, alem de campos da fısicamatematica tais como teoria de calibre e espacos de moduli, sistemasintegraveis e grupos quanticos, modelos sigma e teoria de cordas,entre outros.

Estas notas apresentam uma breve introducao a geometria simple-tica com foco em dois aspectos principais: por um lado, a ausenciade invariantes locais em variedades simpleticas, tendo como base ometodo de Moser; por outro lado, a construcao de invariantes globaisusando tecnicas de topologia simpletica.

Devido as limitacoes de espaco e tempo, alguns topicos comu-mente presentes em textos introdutorios a geometria simpletica naoestao aqui incluıdos. Este e o caso, por exemplo, da importante teoriade acoes hamiltonianas e aplicacoes momento, que pode ser encon-trada em textos como [1, 8, 19].

O material destas notas esta organizado da seguinte maneira: o

Page 3: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 3

i

i

i

i

i

i

i

i

3

Capıtulo 1 apresenta uma breve exposicao da origem da geometriasimpletica em mecanica hamiltoniana. No Capıtulo 2, tratamos dosaspectos basicos da algebra linear simpletica. O Capıtulo 3 inclui adefinicao de variedades simpleticas, assim como as principais classesde exemplos: fibrados cotangentes, orbitas coadjuntas e variedadesKahler. No Capıtulo 4, discutimos o metodo de Moser, que ofereceuma tecnica fundamental na demonstracao de varios resultados derigidez local em geometria simpletica, incluindo o teorema cassico deDarboux e suas generalizacoes devidas a A. Weinstein. No Capıtulo 5,tratamos de hipersuperfıcies de contato, que sao usadas no Capıtulo6 para o estudo de sistemas hamitonianos e dinamica em nıveis deenergia. O Capıtulo 7 discute o problema da existencia de invariantesglobais, com foco na nocao de capacidade simpletica. Ainda nestecapıtulo, apresentamos uma introducao ao teorema “nonsqueezing”de Gromov, incluindo um esboco de sua (difıcil) demonstracao.

Ao longo do texto, assumimos que o leitor tenha familiaridadecom aspectos basicos da teoria de variedades diferenciaveis, incluindoformas diferenciais. O material padrao pode ser encontrado, por ex-emplo, em [2, 39]. Varios livros de introducao a geometria simpleticanos serviram de referencia, entre os quais [7, 8, 21, 29, 41].

Agradecemos a Walcy Santos e Manfredo do Carmo pelo convitepara apresentar o minicurso “Introducao a Geometria Simpletica”na XIV Escola de Geometria Diferencial, que nos deu estımulo paraa elaboracao destas notas. Agradecemos tambem a Cristian Ortize Thiago Drummond por comentarios e correcoes, e Rogerio DiasTrindade pela ajuda nas figuras.

Page 4: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 4

i

i

i

i

i

i

i

i

Conteudo

1 Origem da geometria simpletica 61.1 As equacoes de Hamilton via a equacao de Newton . . 61.2 Abordagem variacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71.3 Geometrizacao das equacoes de Hamilton . . . . . . . 10

2 Algebra linear simpletica 122.1 Espacos vetoriais simpleticos . . . . . . . . . . . . . . 122.2 Subespacos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142.3 Bases simpleticas e forma normal . . . . . . . . . . . . 152.4 Estruturas complexas compatıveis . . . . . . . . . . . 16

3 Variedades simpleticas 203.1 Definicao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203.2 Fibrados cotangentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223.3 Outros exemplos importantes . . . . . . . . . . . . . . 25

3.3.1 Variedades Kahler . . . . . . . . . . . . . . . . 253.3.2 Orbitas coadjuntas . . . . . . . . . . . . . . . . 33

3.4 Obstrucoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 393.5 Subvariedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

4 O metodo de Moser e formas normais 444.1 O “truque” de Moser . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 454.2 O teorema de Darboux . . . . . . . . . . . . . . . . . . 474.3 Teoremas de Weinstein para vizinhancas de subvar-

iedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 494.4 Aplicacao a pontos fixos de simplectomorfismos . . . . 51

4

Page 5: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 5

i

i

i

i

i

i

i

i

CONTEUDO 5

5 Hipersuperfıcies de contato 535.1 Definicoes e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 535.2 Forma normal de vizinhancas de hipersuperfıcies de

contato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

6 Sistemas hamiltonianos 596.1 Definicoes e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 596.2 Dinamica em nıveis de energia . . . . . . . . . . . . . 61

7 Invariantes globais 727.1 Capacidades simpleticas e rigidez de simplectomorfismos 727.2 Esboco da prova do teorema nonsqueezing . . . . . . . 767.3 Rigidez de simplectomorfismos . . . . . . . . . . . . . 807.4 A capacidade de Hofer-Zehnder . . . . . . . . . . . . . 837.5 Capacidade de Hofer-Zehnder e orbitas periodicas . . . 89

Page 6: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 6

i

i

i

i

i

i

i

i

Capıtulo 1

Origem da geometria

simpletica

1.1 As equacoes de Hamilton via a equacao

de Newton

A geometria simpletica se originou no estudo dos sistemas hamilto-nianos, que descrevem a evolucao de sistemas mecanicos de naturezaconservativa. As equacoes que descrevem tais sistemas sao chamadasequacoes de Hamilton e podem ser derivadas diretamente da segundalei de Newton.

Vamos considerar como ilustracao o exemplo do movimento deuma partıcula de massa m > 0 em R3 submetida a um campo deforcas conservativo F , dado em cada ponto q = (q1, q2, q3) ∈ R3 por

F (q) = −∇V (q),

onde V : R3 → R e a energia potencial. Cada estado inicial, deter-minado por uma posicao e velocidade, determina completamente atrajetoria q(t) da partıcula atraves da segunda lei de Newton:

mq(t) = −∇V (q(t)). (1.1.1)

Seja p = mq o momento linear da partıcula. Podemos rescrever osistema de 3 equacoes de segunda ordem (1.1.1) como 6 equacoes de

6

Page 7: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 7

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 1.2: ABORDAGEM VARIACIONAL 7

primeira ordem nas variaveis qi e pi:

q =p

m, p = −∇V.

O espaco R3 = q = (q1, q2, q3) de possıveis posicoes da partıcula echamado de espaco de configuracoes, enquanto o espaco R6 = R3 ×R3 = (q, p), consistindo de posicoes e momentos, e chamado espacode fase. Se denotarmos a energia total da partıcula por H ,

H(q, p) =

∑3i=1 p

2i

2m+ V (q),

podemos escrever (1.1.1) no espaco de fase como

qi =∂H

∂pi, pi = −∂H

∂qi. (1.1.2)

As equacoes (1.1.2) sao as equacoes de Hamilton descrevendo o sis-tema nesse exemplo.

1.2 Abordagem variacional

Outra maneira de se obter as equacoes de Hamilton e via as equacoesde Euler-Lagrange, derivadas de princıpios variacionais. Essa abor-dagem, alem de exibir a natureza variacional de sistemas naturais, ebastante util quando consideramos sistemas com vınculos. Existeminumeras referencias sobre o assunto, entre as quais, [1, 5].

Um princıpio fundamental que rege a mecanica classica e o prin-cıpio da acao mınima. Mais precisamente, considere um sistema cujoespaco de configuracoes e o Rn, com coordenadas q = (q1, . . . , qn),de modo que o espaco de estados (i.e., posicoes e velocidades) sejaR2n, com coordenadas (q, v). Seja L : R2n → R uma funcao suave,chamada funcao lagrangiana. Dada uma curva diferenciavel γ : [0, T ] →R

n, definimos sua acao por

AL(γ) =

∫ T

0

L(γ(t), γ(t)) dt.

Fixe agora dois pontos q0 e q1 em Rn e denote por C([0, T ], q0, q1)o conjunto de curvas suaves γ : [0, T ] → R

n tais que γ(0) = q0 e

Page 8: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 8

i

i

i

i

i

i

i

i

8 [CAP. 1: ORIGEM DA GEOMETRIA SIMPLETICA

γ(T ) = q1. Buscamos neste conjunto pontos crıticos para o funcionalde acao AL, ou seja, curvas γ para as quais

dAL(Γs)

ds

∣∣∣∣s=0

= 0,

onde Γs ∈ C([0, T ], q0, q1), s ∈ (−ε, ε), e uma variacao suave ar-bitraria de curvas tal que Γ0 = γ.

Proposicao 1.2.1. Uma curva γ e um ponto crıtico de AL se esomente se satisfaz a equacao de Euler-Lagrange

d

dt

∂L

∂v(γ(t), γ(t)) =

∂L

∂q(γ(t), γ(t)).

Demonstracao: Sejam ci : [0, T ] → R, i = 1, ..., n, funcoes suavestais que ci(0) = ci(T ) = 0 para todo i. Defina a variacao

Γε(t) = (γ1(t) + εc1(t), ..., γn(t) + εcn(t)),

onde γ(t) = (γ1(t), ..., γn(t)). E claro que Γε ∈ C([0, T ], q0, q1).Temos que

dAL(Γε)

∣∣∣∣ε=0

=

∫ T

0

i

∂L

∂qi(γ0, γ0)ci(t) +

∂L

∂vi(γ0, γ0)ci(t) dt

=

∫ T

0

i

∂L

∂qi(γ0, γ0)ci(t) −

d

dt

∂L

∂vi(γ0, γ0)ci(t)

+∂L

∂vi(γ0, γ0)ci(t)

∣∣∣∣T

0

dt

=

∫ T

0

i

(∂L

∂qi(γ0, γ0) −

d

dt

∂L

∂vi(γ0, γ0)

)ci(t) dt,

onde a segunda igualdade segue por integracao por partes. Comoisto e valido para todo ci tal que ci(0) = ci(T ) = 0, concluımos ademonstracao.

Diferentes funcoes lagrangianas correspondem a diferentes sis-temas fısicos, e a evolucao de cada sistema e descrita pelas solucoesdas equacoes de Euler-Lagrange associadas.

Page 9: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 9

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 1.2: ABORDAGEM VARIACIONAL 9

Veremos agora como uma mudanca de variaveis pode transformaras equacoes de Euler-Lagrange nas equacoes de Hamilton. Considerea aplicacao FL : R2n → R2n, dada por

FL(q1, ..., qn, v1, ..., vn) = (q1, ..., qn,∂L

∂v1(q, v), ...,

∂L

∂vn(q, v)), (1.2.1)

chamada transformada de Legendre associada a L. Supondo que FL

seja um difeomorfismo, obtemos novas coordenadas (q, p) em R2n,onde p = ∂L

∂v e chamado de momento generalizado. Definimos ahamiltoniana associada a L como

H(q, p) =

n∑

i=1

pivi − L(q, v).

Temos entao que

∂H

∂qi=

n∑

j=1

pj∂vj

∂qi− ∂L

∂qi−

n∑

j=1

∂L

∂vj

∂vj

∂qi= − ∂L

∂qi

∂H

∂pi= vi +

n∑

j=1

pj∂vj

∂pi− ∂L

∂vj

∂vj

∂pi= vi.

Consequentemente, as equacoes de Euler-Lagrange sao equivalente asequacoes de Hamilton

dqidt

=∂H

∂pi,dpi

dt= −∂H

∂qi.

Exercıcio: Considere em R3 × R3 a lagrangiana L(q, v) = m2

P3i=1 v

2i −

V (q). Verifique que, neste caso, a transformada de Legendre e um difeo-morfismo e a hamiltoniana associada e H(q, p) =

P3i=1

12m

p2i + V (q), ouseja, a mesma da secao anterior.

Observacao: Uma pergunta natural e quando pontos crıtico deAL sao, de fato, pontos de mınimo do funcional de acao. Isso naoe verdade em geral (pense, por exemplo, nas geodesicas da esferaS2), mas pode-se mostrar que, se o determinante da matriz Hessiana

Page 10: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 10

i

i

i

i

i

i

i

i

10 [CAP. 1: ORIGEM DA GEOMETRIA SIMPLETICA

(∂2L

∂vi∂vj

)for positivo, entao solucoes da equacao de Euler-Lagrange

minimizam a acao em intervalos de tempo suficientemente pequenos.Sob certas condicoes de crescimento de L no infinito, prova-se aindaque sempre existe uma solucao ligando dois pontos quaisquer em Rn.

1.3 Geometrizacao das equacoes de Hamil-

ton

Vimos nas secoes anteriores como as equacoes de Hamilton podem serderivadas das equacoes de Newton e de Euler-Lagrange. Nesta secao,colocaremos as equacoes de Hamilton em um contexto geometricoatraves de uma formulacao intrınseca. Isso nos permitira definir, noCapıtulo 6, sistemas hamiltonianos em variedades diferenciaveis.

Considere o espaco de fase R2n, com coordenadas (q1, . . . , qn, p1,. . . , pn). A escolha de qualquer funcao H ∈ C∞(R2n) determina umcampo hamiltoniano

XH := −J0∇H =

3∑

i=1

∂H

∂pi

∂qi− ∂H

∂qi

∂pi, (1.3.1)

onde J0 e a matriz 2n× 2n dada por

J0 =

(0 −II 0

). (1.3.2)

A funcao H e chamada de hamiltoniana, e as equacoes de Hamilton(1.1.2) assumem a forma

c(t) = XH(c(t)), (1.3.3)

onde c(t) = (q1(t), . . . , qn(t), p1(t), . . . , pn(t)). Note que H e semprepreservado ao longo das solucoes de (1.3.3):

d

dtH(c(t)) = ∇H(c(t)) · c(t) = −∇H(c(t)) · J0∇H(c(t)) = 0.

Essa propriedade (junto a outras que veremos mais tarde) da ao for-malismo hamiltoniano seu carater conservativo.

Page 11: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 11

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 1.3: GEOMETRIZACAO DAS EQUACOES DE HAMILTON 11

Note que na definicao de XH em (1.3.1) usamos dois ingredientes:uma base de R2n (com respeito a qual calculamos o gradiente ∇H) ea matriz J0. Esses dois ingredientes combinados definem uma formabilinear anti-simetrica nao-degenerada dada por

Ω0(u, v) := −utJ0v,

ou, equivalentemente, Ω0 =∑

i dqi ∧ dpi. A equacao de Hamiltonpode entao ser vista como o “gradiente”de H com respeito a Ω0, ouseja, XH e o unico campo que satisfaz a equacao

Ω0(XH , v) = dH(v)

para todo v ∈ R2n. Isto motiva a definicao de espacos vetoriaissimpleticos que veremos no proximo capıtulo.

Page 12: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 12

i

i

i

i

i

i

i

i

Capıtulo 2

Algebra linear

simpletica

2.1 Espacos vetoriais simpleticos

Seja V um espaco vetorial real, e seja Ω : V × V → R uma formabilinear anti-simetrica. Dizemos que a forma Ω e nao-degenerada, ousimpletica, se

Ω(u, v) = 0 ∀v ∈ V =⇒ u = 0. (2.1.1)

Nesse caso, o par (V,Ω) e um espaco vetorial simpletico. Dois espacosvetoriais simpleticos (V1,Ω1) e (V2,Ω2) sao simplectomorfos se existeum isomorfismo linear ϕ : V1 → V2 tal que

ϕ∗Ω2 = Ω1.

Com a escolha de uma base e1, e2, . . . , em de V , podemos repre-sentar qualquer forma bilinear anti-simetrica Ω unicamente por umamatriz anti-simetrica

A = [Aij ], Aij = Ω(ei, ej),

de modo que Ω(u, v) = utAv. E facil ver que a forma Ω e simpleticase e somente se A e uma matriz invertıvel. Por outro lado, a forma

12

Page 13: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 13

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 2.1: ESPACOS VETORIAIS SIMPLETICOS 13

Ω define uma aplicacao linear

Ω] : V → V ∗, Ω](u)(v) := Ω(u, v),

de modo que Ω e simpletica se e somente se Ω] e uma bijecao.

Exemplos 2.1.1.

a) Se V = R2n, entao

Ω0(u, v) := −utJ0v

define uma forma simpletica representada pela matriz −J0 defi-nida em (1.3.2) na base canonica e1, . . . , en, f1, . . . , fn. Emoutras palavras, Ω0 e definida pelas condicoes:

Ω0(ei, ej) = 0, Ω0(ei, fj) = δij , Ω0(fi, fj) = 0.

b) Seja W um espaco vetorial real de dimensao n, e seja W ∗ seudual. Entao o espaco vetorial V = W ⊕W ∗ possui uma estru-tura simpletica natural dada por

Ω((w, ξ), (w′ , ξ′)) := ξ′(w) − ξ(w′),

e todo isomorfismo T : W → W determina um simplectomor-fismo T ⊕ (T−1)∗ : V → V .

c) Seja V um espaco vetorial complexo de dimensao n sobre C.Seja h : V × V → C um produto interno hermitiano e Ω =Im(h) a parte imaginaria de h. Entao Ω define uma estruturasimpletica em V , visto como espaco vetorial real, e qualquertransformacao linear unitaria e automaticamente um simplec-tomorfismo.

d) Se (V1,Ω1) e (V2,Ω2) sao espacos vetoriais simpleticos, entaoV1 × V2 e espaco vetorial simpletico com a forma produto

Ω((u1, u2), (v1, v2)) := Ω1(u1, v1) + Ω2(u2, v2).

Page 14: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 14

i

i

i

i

i

i

i

i

14 [CAP. 2: ALGEBRA LINEAR SIMPLETICA

2.2 Subespacos

Em um espaco vetorial com produto interno, todo subespaco herdaum produto interno do espaco ambiente. Em um espaco vetorialsimpletico, por outro lado, subespacos podem herdar tipos de estru-turas diferentes.

Seja (V,Ω) um espaco vetorial simpletico. Dado um subespacoW ⊆ V , definimos seu ortogonal simpletico como o subespaco:

WΩ := v ∈ V |Ω(v, w) = 0 ∀w ∈W.

O subespaco W ⊆ V e chamado

• simpletico se W ∩WΩ = 0,• isotropico se W ⊆WΩ,

• coisotropico se WΩ ⊆W ,

• lagrangiano se W = WΩ.

Note que W e isotropico se e somente se a restricao de Ω a We zero, e e lagrangiano se e somente se W e isotropico e maximal(i.e., nao esta propriamente contido em nenhum outro subespacoisotropico); por outro lado, W e simpletico se e somente se a re-stricao de Ω a W e nao-degenerada, de modo que (W,Ω|W ) e umespaco vetorial simpletico.

Embora em geral V 6= W +WΩ, em termos de dimensoes semprevale que

dim(V ) = dim(W ) + dim(WΩ). (2.2.1)

Para provar (2.2.1), basta observar que a imagem de WΩ pelo iso-morfismo Ω] : V → V ∗ e Ann(W ), o anulador de W . Portanto

dim(WΩ) = dim(Ann(W )) = dim(V ) − dim(W ).

Segue ainda facilmente que (WΩ)Ω = W .

Exemplos 2.2.1.

a) Qualquer subespaco unidimensional e isotropico. Como umsubespaco W e coisotropico se e somente se WΩ e isotropico,segue que todo subespaco de codimensao 1 e coisotropico.

Page 15: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 15

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 2.3: BASES SIMPLETICAS E FORMA NORMAL 15

b) No Exemplo 2.1.1, parte b), tantoW quantoW ∗ sao subespacoslagrangianos.

c) Para cada i, o subespaco gerado pelo par ei, fi no Exemplo2.1.1, parte a), e simpletico.

Exercıcio: Se (V1,Ω1) e (V2,Ω2) sao espacos vetoriais simpleticos, mostreque um isomorfismo linear ϕ : V1 → V2 e um simplectomorfismo se esomente se o grafico de ϕ e lagrangiano em V1 × V 2, onde V 2 denota oespaco simpletico (V2,−Ω2).

2.3 Bases simpleticas e forma normal

Seja (V,Ω) um espaco vetorial simpletico. Chamamos de base simple-tica de V uma base com 2n vetores e1, . . . , en, f1, . . . , fn para a qualvalem as relacoes

Ω(ei, ej) = 0, Ω(ei, fj) = δij , Ω(fi, fj) = 0. (2.3.1)

Assim, numa base simpletica a forma Ω e representada pela matriz(

0 I−I 0

), (2.3.2)

onde I e a matriz identidade n× n.O proximo resultado e o analogo simpletico do fato de que todo

espaco vetorial com produto interno admite uma base ortonormal.

Teorema 2.3.1. Todo espaco vetorial simpletico (V,Ω) admite umabase simpletica.

Demonstracao: Escolha e1 6= 0. Como Ω e nao-degenerada, existef1 ∈ V tal que

Ω(e1, f1) = 1.

Seja W1 o subespaco gerado por e1, f1. Note que W1 e simpletico,e portanto V = W1 ⊕WΩ

1 .Como WΩ

1 e simpletico, podemos repetir a construcao ate obter-mos uma decomposicao

V = W1 ⊕W2 ⊕ . . .⊕Wn,

Page 16: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 16

i

i

i

i

i

i

i

i

16 [CAP. 2: ALGEBRA LINEAR SIMPLETICA

onde cadaWi e gerado por ei, fi tal que Ω(ei, fi) = 1. Por construcao,se i < j, entao Wj ⊂WΩ

i , portanto seguem as relacoes (2.3.1).

Corolario 2.3.2. Todo espaco simpletico e simplectomorfo a (R2n,Ω0)(descrito no Exemplo 2.1.1, parte a)) para algum n.

Em particular, todo espaco vetorial simpletico tem dimensao par.Alem disso, se (V,Ω) e espaco simpletico de dimensao 2n, segue facil-mente de (2.2.1) que W ⊂ V e lagrangiano se e somente se W eisotropico e

dim(W ) =dim(V )

2= n.

Exemplo 2.3.3. Se w1, . . . , wn e base de um espaco vetorial W ,e se ξ1, . . . , ξn e base dual, entao w1, . . . , wn, ξ1, . . . , ξn e basesimpletica de W ⊕W ∗ descrito no Exemplo 2.1.1, parte b).

Por outro lado, se e1, . . . , en e base complexa ortonormal paraum espaco complexo hermitiano, entao e1, . . . , en, ie1, . . . , ien e basesimpletica para o Exemplo 2.1.1, parte c).

2.4 Estruturas complexas compatıveis

Se V e um espaco vetorial sobre C munido de um produto internohermitiano h, vimos no Exemplo 2.1.1, parte c), que a parte ima-ginaria de h define uma forma simpletica em V (visto como espacovetorial real). Mostraremos agora a recıproca: se (V,Ω) e um espacovetorial simpletico, entao V admite uma estrutura de espaco veto-rial complexo e Ω pode ser vista como a parte imaginaria de umaestrutura hermitiana.

Se V e um espaco vetorial real, lembremos que uma estrutura com-plexa em V e um endomorfismo linear J : V → V tal que J2 = −Id.Note que fixar uma estrutura complexa J e equivalente a munir V deuma estrutura de espaco vetorial sobre C, ja que podemos identificaro operador J com a multiplicacao por i =

√−1, i.e., J(v) = i · v,

para todo v ∈ V . Nos referimos ao par (V, J) como um espaco veto-rial complexo, e dizemos que (V, J) e (V ′, J ′) sao isomorfos se existeum isomorfismo linear ϕ : V → V ′ tal que ϕ J = J ′ ϕ.

Page 17: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 17

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 2.4: ESTRUTURAS COMPLEXAS COMPATIVEIS 17

Exercıcio: Mostre que uma estrutura complexa J : V → V e equivalentea escolha de um subespaco V10 ⊂ V ⊗C tal que V ⊗C = V10 ⊕V10. (Dica:considere os autoespacos de J .)

Exemplo 2.4.1. A matriz J0, definida em (1.3.2), e uma estruturacomplexa em V = R

2n. E simples verificar que a identificacao deR2n com Cn, (q, p) 7→ q + ip, e um isomorfismo de espacos vetoriaiscomplexos.

Seja (V,Ω) um espaco vetorial simpletico. Uma estrutura com-plexa em V e compatıvel com Ω (ou simplesmente Ω-compatıvel) se,para u, v ∈ V ,

g(u, v) := Ω(u, Jv), (2.4.1)

define um produto interno (nessas notas, a menos que se mencione ocontrario, sempre assumimos que produtos internos sejam positivo-definidos). Explicitamente, as condicoes de compatibilidade (i.e.,simetria e positividade de g) sao

Ω(Ju, Jv) = Ω(u, v), e Ω(u, Ju) > 0, u 6= 0. (2.4.2)

Exercıcio: Seja J uma estrutura complexa Ω-compatıvel em V . Se W ⊆ Ve um subespaco, mostre que JWΩ = W⊥, onde W⊥ e o ortogonal de Wcom respeito ao produto interno (2.4.1).

E facil ver que se h(u, v) = g(u, v)+iΩ(u, v) e um produto internohermitiano em (V, J), entao g e dado por (2.4.1). Segue, portanto,que J e Ω-compatıvel se e somente se Ω e a parte imaginaria de umaestrutura hermitana em (V, J).

Teorema 2.4.2. Seja (V,Ω) um espaco vetorial simpletico. Entaocada produto interno G em V define, de forma canonica, uma estru-tura complexa J : V → V que e Ω-compatıvel.

Demonstracao: Seja G um produto interno em V . Como G] :V → V ∗, G](u)(v) = G(u, v), e um isomorfismo, segue que existe umunico automorfismo linear A : V → V tal que

Ω(u, v) = G(Au, v), ∀u, v ∈ V,

Page 18: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 18

i

i

i

i

i

i

i

i

18 [CAP. 2: ALGEBRA LINEAR SIMPLETICA

i.e., A = (G])−1 Ω]. Note que A e anti-simetrico com respeito a G,ja que

G(Atu, v) = G(u,Av) = Ω(v, u) = −G(Au, v).

Como consequencia, temos que, na decomposicao polar de A,

A = J |A|, onde |A| = (AtA)1/2 = (−A2)1/2,

o operador ortogonal J e o operador positivo-definido |A| comutam.Entao A2 = −J2A2, e portanto J2 = −Id. Note ainda que

Ω(u, Jv) = G(Au, Jv) = −G(JAu, v) = G(|A|u, v)define um produto interno, mostrando a compatibilidade de J e Ω.(Observe, contudo, que o produto interno associado ao par J e Ω, emgeral, difere de G.)

Observacao: A existencia de uma estrutura complexa Ω-compatıvelnum espaco vetorial simpletico pode ser facilmente obtida se usarmosuma base simpletica e1, . . . , en, f1, . . . , fn: basta definir Jei = fi eJfi = −ei, i = 1, . . . , n. A vantagem da demonstracao apresentadano teorema anterior e que nao fazemos qualquer mencao a bases. Porser canonica (a menos da escolha do produto interno), a demonstracaose aplica diretamente a fibrados vetoriais simpleticos, e isso sera utilmais adiante.

Seja J (V,Ω) o conjunto de todas a estruturas complexas em Vque sao Ω-compatıveis, visto como subconjunto do espaco vetorialdos endomorfismos de V , e munido da topologia induzida. Denotepor Riem(V ) o conjunto de todos os produtos internos em V , quee um subconjunto aberto e convexo do espaco vetorial de todas aformas simetricas em V . O Teorema 2.4.2 nos fornece uma aplicacaocontınua ψ : Riem(V ) → J (V,Ω). Seja φ : J (V,Ω) → Riem(V ) aaplicacao que associa a cada estrutura complexa Ω-compatıvel J oproduto interno (2.4.1).

Exercıcio: Verifique que ψ φ = Id.

Como Riem(V ) e um subconjunto convexo de um espaco vetorial,e contratil. Tome ρt : Riem(V ) → Riem(V ) uma contracao, isto e,t ∈ [0, 1], ρ0 = Id e ρ1 e uma aplicacao tendo como imagem um unicoponto de Riem(V ).

Page 19: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 19

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 2.4: ESTRUTURAS COMPLEXAS COMPATIVEIS 19

Corolario 2.4.3. O espaco J (V,Ω) e contratil.

Demonstracao: Basta verificar que ψ ρt φ define uma contracaode J (V,Ω).

A contratibilidade de J (V,Ω) e um fato importante em topologiasimpletica e sera usado no Capıtulo 7.

Page 20: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 20

i

i

i

i

i

i

i

i

Capıtulo 3

Variedades simpleticas

Vimos no Capıtulo 1 como a forma simpletica Ω0 =∑

i dpi ∧ dqinasce a partir de uma geometrizacao das equacoes de Hamilton, ouseja, de maneira a expressar campos hamiltonianos como gradientessimpleticos. Em seguida, no Capıtulo 2, vimos que espacos vetoriaissimpleticos de dimensao 2n sao todos isomorfos a (R2n,Ω0).

Podemos definir uma variedade simpletica usando (R2n,Ω0) comomodelo local e assumindo a existencia de um atlas simpletico, ouseja, um atlas cujas mudancas de cartas preservam Ω0. Seguiremosaqui, contudo, o caminho usual (e mais simples) de se definir umaestrutura simpletica como uma 2-forma fechada e nao-degenerada,e mostraremos no Capıtulo 4 a equivalencia desta definicao com aexistencia de um atlas simpletico.

Neste capıtulo, assumiremos que o leitor tenha familiaridade coma teoria das variedades diferenciaveis, incluindo formas diferenciais,campos de vetores, derivadas de Lie, etc. O material pode ser encon-trado, e.g., em [2, 39].

3.1 Definicao

Seja M uma variedade suave. Dizemos que uma 2-forma ω ∈ Ω2(M)e nao-degenerada se ωx e nao-degenerada em cada ponto x ∈ M , demodo que cada espaco tangente e um espaco vetorial simpletico.

20

Page 21: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 21

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 3.1: DEFINICAO 21

Exercıcio: Suponha que dim(M) = 2n. Verifique que ω ∈ Ω2(M) e

nao-degenerada se e somente se ωn

n!∈ Ω2n(M) e uma forma de volume.

Uma estrutura simpletica em M e uma 2-forma ω ∈ Ω2(M) quee nao-degenerada e tal que dω = 0. Nesse caso o par (M,ω) e umavariedade simpletica .

Segue do exercıcio anterior que toda variedade simpletica de di-mensao 2n possui uma forma de volume

Λ :=ωn

n!(3.1.1)

chamada forma de Liouville . Portanto, toda variedade simpletica eorientavel.

Duas variedades simpleticas (M1, ω1) e (M2, ω2) sao simplecto-morfas se existe um difeomorfismo ϕ : M1 → M2 preservando asformas simpleticas, ou seja,

ϕ∗ω2 = ω1.

Denotamos o grupo de simplectomorfismos de uma variedade simpletica(M,ω) nela mesma por Simp(M,ω) ⊂ Dif(M).

Exemplo 3.1.1. Seja U um aberto de R2n = (q1, . . . , qn, p1, . . . , pn),munido com a 2-forma

ω0 :=

n∑

i=1

dqi ∧ dpi.

Em cada ponto de U , a matriz associada a ω0 e (2.3.2), portanto ω0

e nao-degenerada. Obviamente, ω0 e fechada, e portanto simpletica.Note que, de fato, ω0 = −dα, onde α =

∑i pidqi.

Veremos mais a frente que toda variedade simpletica e local-mente simplectomorfa a um aberto de R2n com a estrutura simpleticadescrita no ultimo exemplo (teorema de Darboux). Este resultadoilustra um aspecto fundamental da geometria simpletica: formassimpleticas sao localmente rıgidas, nao somente na vizinhanca de pon-tos, mas tambem de certas subvariedades. Trataremos essas questoesno Capıtulo 4.

Page 22: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 22

i

i

i

i

i

i

i

i

22 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLETICAS

Exemplo 3.1.2. Seja Σ uma superfıcie orientada, e seja ω ∈ Ω2(Σ)uma forma de area. Por definicao, ω e nao-degenerada. Alem disso,dω = 0 automaticamente, ja que estamos em dimensao 2. Portantoω e simpletica.

Simplectomorfismos, nesse exemplo, sao difeomorfismos preser-vando area. Veremos no Capıtulo 4 que duas superfıcies orientadascompactas sao simplectomorfas se e somente se elas tem o mesmogenero e mesma area total.

Exemplo 3.1.3. Sejam (M1, ω1) e (M2, ω2) duas variedades simple-ticas. Seja M = M1 ×M2, e considere as projecoes pri : M → Mi.Entao ω = pr∗1ω1 + pr∗2ω3 e uma forma simpletica em M .

Exemplo 3.1.4. Como observamos no Exemplo 2.4.1, podemos iden-tificar R2n com Cn, de modo que a aplicacao linear J0 torna-se sim-plesmente a multiplicacao por

√−1. Temos que para todo v ∈ R2n,

Ω0(v, J0v) = ‖v‖2 6= 0 se v 6= 0. Em particular, Ω0 e nao-degeneradaem toda subespaco complexo de Cn. Consequentemente, qualquersubvariedade complexa de Cn e simpletica.

3.2 Fibrados cotangentes

Veremos nesta secao que todo fibrado cotangente possui uma estru-tura simpletica canonica, e portanto qualquer variedade esta natural-mente associada a uma variedade simpletica. Tal estrutura simpleticae a generalizacao da forma simpletica canonica em R2n e aparece nat-uralmente no estudo de sistemas mecanicos classicos, veja [1, 5, 28].Como veremos no proximo capıtulo, fibrados cotangentes servemtambem de modelo local para vizinhancas de certas subvariedades(veja Teorema 4.3.2).

Sejam Q uma variedade e M = T ∗Q seu fibrado cotangente. De-notamos por π : M = T ∗Q→ Q a projecao natural, e consideramos aaplicacao tangente dπ : TM → TQ. Definimos a 1-forma tautologicaα ∈ Ω1(M) por

αp(Xp) := 〈p, dpπ(Xp)〉, p ∈M, Xp ∈ TpM. (3.2.1)

Como p ∈ T ∗π(p)Q e dpπ(Xp) ∈ Tπ(p)Q, o lado direito da equacao

acima denota a contracao usual entre um espaco vetorial e seu dual.

Page 23: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 23

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 3.2: FIBRADOS COTANGENTES 23

A forma canonica de T ∗Q e definida como

ω := −dα. (3.2.2)

Para verificar que ω e de fato simpletica, vamos usar sua expressaoem coordenadas locais: tome coordenadas locais (x1, . . . , xn) em Q, esejam (x1, . . . , xn, ξ1, . . . , ξn) coordenadas cotangentes em T ∗Q. Noteque

dpπ

(∂

∂xj

∣∣∣∣p

)=

∂xj

∣∣∣∣x

, dpπ

(∂

∂ξj

∣∣∣∣p

)= 0,

onde p = (x, ξ) ∈ T ∗Q. Usando (3.2.1) vemos que

αp

(∂

∂xj

∣∣∣∣p

)= ξj , αp

(∂

∂ξj

∣∣∣∣p

)= 0,

de onde segue que

αp =

n∑

j=1

ξjdxj . (3.2.3)

Portanto, em coordenadas locais, temos

ω =n∑

j=1

dxj ∧ dξj , (3.2.4)

e vemos que ω e de fato uma estrutura simpletica em T ∗Q.O proximo exercıcio oferece uma caracterizacao util da 1-forma

α.

Exercıcio: Mostre que a 1-forma tautologica α ∈ Ω1(T ∗Q) e unicamentecaracterizada pela seguinte propriedade: para todo µ ∈ Ω1(Q),

µ∗α = µ, (3.2.5)

onde, no lado esquerdo de (3.2.5), estamos considerando a 1-forma µ comouma aplicacao µ : Q→ T ∗Q.

Observe que todo difeomorfismo ϕ : Q1 → Q2 induz, natural-mente, um difeomorfimo dos fibrados cotangentes,

ϕ = (dϕ−1)∗ : T ∗Q1 → T ∗Q2, (3.2.6)

Page 24: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 24

i

i

i

i

i

i

i

i

24 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLETICAS

satisfazendo π1 ϕ = ϕ π2, onde πi : T ∗Qi → Qi e a projecaocanonica. Aqui dϕ : TQ1 → TQ2 e a aplicacao tangente de ϕ. Aaplicacao (3.2.6) e chamada levantamento cotangente de ϕ.

Proposicao 3.2.1. O levantamento cotangente ϕ : T ∗Q1 → T ∗Q2

preserva formas tautologicas,

(ϕ)∗α2 = α1.

Demonstracao: Temos, por definicao, que (αi)pi= (dpi

π)∗ξi, ondepi = (xi, ξi) ∈ T ∗Qi, i = 1, 2. Portanto, se p2 = ϕ(p1), temos

(dp1ϕ)∗(αp2

) = (dp1ϕ)∗(dp2

π)∗ξ2 = (dp1π)∗(dp1

ϕ)∗ξ2 = (α1)p1,

onde, na segunda igualdade, usamos que π ϕ = ϕ π, e na terceiraigualdade usamos que ξ1 = (dx1

ϕ)∗ξ2.

Segue imediatamente da proposicao anterior que

ϕ∗ω2 = ω1,

e portanto ϕ : T ∗Q1 → T ∗Q2 e um simplectomorfismo. Temos assimuma inclusao natural

Dif(Q) → Simp(T ∗Q,ω), ϕ 7→ ϕ.

Todavia, esta inclusao esta longe de ser uma identificacao. Oexercıcio abaixo ilustra outros simplectomorfismos de T ∗Q. Veremosmuitos outros exemplos no Capıtulo 6.

Exercıcio: Tome µ ∈ Ω1(M), e defina ϕµ : T ∗Q→ T ∗Q, (x, ξ) 7→ ξ+ µx.Mostre que

ϕ∗

µα− α = π∗µ.

Conclua que ϕµ e um simplectomorfismo se e somente se µ e fechada.

Existem tambem outras formas simpleticas em fibrados cotan-gentes obtidas da seguinte maneira: seja B uma 2-forma fechada emQ e considere em T ∗Q a 2-forma

ωB := ω + π∗B.

Page 25: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 25

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 3.3: OUTROS EXEMPLOS IMPORTANTES 25

Evidentemente, ωB e fechada e e facil ver que e nao-degenerada, oque deixamos ao leitor como um exercıcio. Tais formas simpleticas,chamadas formas simpleticas twist, possuem uma motivacao fısica emtermos de fluxos magneticos, como veremos no Capıtulo 6.

Exercıcio: Verifique que, se B,B′ ∈ Ω2(Q) sao cohomologas, com B −B′ = dµ, entao ϕµ : (T ∗Q,ωB) → (T ∗Q,ωB′ ) e um simplectomorfismo.

3.3 Outros exemplos importantes

As duas subsecoes a seguir tratam de duas importantes classes de ex-emplos de variedades simpleticas: variedades Kahler e orbitas coad-juntas. Estas subsecoes usam alguns fatos elementares sobre variaveiscomplexas e grupos de Lie e sao independentes dos demais capıtulos.

3.3.1 Variedades Kahler

Vimos no Exemplo 2.1.1, parte c), e na Secao 2.4, a relacao entre es-truturas complexas e simpleticas em espacos vetoriais. Discutiremosnesta secao o problema analogo em variedades.

Seja M uma variedade suave. Uma estrutura quase-complexa emM e um automorfismo J : TM → TM tal que J2 = −Id. Em ou-tras palavras, cada espaco tangente TxM e munido de uma estruturacomplexa Jx, de modo que Jx varia suavemente em x.

Se (M,ω) e uma variedade simpletica e J e uma estrutura quase-complexa em M , entao dizemos que J e ω-compatıvel se, para todox ∈ M , Jx e ωx-compatıvel em TxM . Assim, ω e J definem umametrica riemanniana g em M dada por

gx : TxM × TxM → R, gx(X,Y ) = ωx(X, JxY ).

A metrica g e chamada de metrica associada. Denotamos por J (M,ω)o espaco das estruturas quase-complexas emM que sao ω-compatıveis.

Assim como no caso linear, temos:

Teorema 3.3.1. Seja (M,ω) uma variedade simpletica. Entao exis-tem estruturas quase-complexas ω-compatıveis.

Page 26: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 26

i

i

i

i

i

i

i

i

26 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLETICAS

Para provar o teorema, escolha uma metrica riemanniana qualqueremM e note que a demonstracao do Teorema 2.4.2 pode ser adaptadasem problemas para o fibrado tangente.

Exercıcio: Mostre que, assim como no caso linear, o espaco J (M,ω) econtratil. (Dica: Note que J (M,ω) pode ser visto como o espaco de secoesde uma fibracao sobre M , com fibras J (TxM,ωx), e ja mostramos noCor. 2.4.3 que essas fibras sao contrateis.)

Observacao: Note que nao foi usado ate aqui o fato de ω serfechada. Portanto o que discutimos vale, sem modificacoes, para2-formas nao-degeneradas, tambem chamadas de quase-simpleticas.

Exercıcio: Mostre a seguinte recıproca do Teorema 3.3.1: se (M,J) euma variedade quase-complexa, entao existem estruturas quase-simpleticascompatıveis com J . (Dica: Mostre que qualquer metrica riemanniana emM pode ser modificada de modo a satisfazer g(X, Y ) = g(JX, JY ), e definaω por ω(X, Y ) = g(JX,Y ).)

Uma variedade quase-Kahler e uma variedade simpletica (M,ω)equipada com uma estrutura quase-complexa compatıvel J .

Exercıcio: Uma subvariedade N →M de uma variedade quase-complexae uma subvariedade quase-complexa se J(TN) ⊆ TN . Mostre que, seM e quase-Kahler, entao uma subvariedade quase-complexa N herda umaestrutura simpletica de M , e que, com respeito as estruturas induzidas, Ne uma variedade quase-Kahler.

Uma estrutura quase-complexa J em M e integravel se existeum atlas Uα, ϕα no qual as cartas locais ϕα : Uα

∼−→ Vα ⊂ R2n

satisfazemdϕα J = J0 dϕα, (3.3.1)

onde J0 e a estrutura complexa canonica de R2n (Exemplo 2.4.1).Identificando (R2n, J0) com Cn, a condicao (3.3.1) se torna

dϕα J = idϕα, (3.3.2)

e a aplicacao ϕα e dita J-holomorfa. E facil ver que, neste caso, asmudancas de coordenadas

ψαβ = ϕβ ϕ−1α : Vαβ → Vβα

Page 27: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 27

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 3.3: OUTROS EXEMPLOS IMPORTANTES 27

sao holomorfas (i.e., idψαβ = dψαβi), onde Vαβ = ϕα(Uα ∩ Uβ) eVβα = ϕβ(Uα∩Uβ). Uma variedade munida de um atlas cujas funcoesde transicao sao holomorfas e uma variedade complexa, e este e o casode toda variedade quase-complexa integravel. Reciprocamente, todavariedade complexa admite, canonicamente, uma estrutura quase-complexa integravel (dada por multiplicacao por i =

√−1 em cada

carta do atlas complexo).

Uma variedade Kahler e uma variedade quase-Kahler (M,ω, J)tal que a estrutura quase-complexa J e integravel. Em outras palavras,M e uma variedade complexa equipada com uma forma simpleticacompatıvel.

Exemplo 3.3.2.

a) R2n = (q1, . . . , qn, p1, . . . , pn), munido com a estrutura simple-tica ω0 =

∑j dqj ∧ dpj (Exemplo 3.1.1) e a estrutura complexa

constante J0 (Exemplo 2.4.1) e uma variedade Kahler; a metricaassociada e a metrica euclideana usual. Se identificarmos R2n

com Cn, com coordenadas zj = qj+ipj , a estrutura complexa J0

torna-se simplesmente a multiplicacao por i =√−1, enquanto

que a forma simpletica canonica se escreve como

ω0 =i

2

j

dzj ∧ dzj ,

onde dzj = dqj + idpj e dzj = dqj − idpj .

b) Em superfıcies, pode-se mostrar que toda estrutura quase-com-plexa e automaticamente integravel. Como toda superfıcie ori-entavel e simpletica, e como toda estrutura simpletica admiteestruturas quase-complexas compatıveis, segue que toda su-perfıcie orientavel e Kahler.

c) Toda subvariedade complexa de uma variedade Kahler e Kahler.

d) Os espacos projetivos complexos CP n sao variedades Kahler.Segue da parte c), portanto, que variedades projetivas nao-singulares sao variedades Kahler.

Page 28: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 28

i

i

i

i

i

i

i

i

28 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLETICAS

Trataremos o exemplo dos espacos projetivos com mais detalheainda nesta secao. Antes, contudo, precisamos de uma descricao localmais explıcita de formas simpleticas em variedades Kahler usandocoordenadas complexas.

Seja (M,J) uma variedade complexa. Considere uma vizinhancaU com coordenadas complexas zj = xj+iyj , onde x1, . . . , xn, y1, . . . , yn

sao coordenadas reais. Defina as 1-formas complexas dzj , dzk ∈Ω1(U ,C),

dzj = dxj + idyj , dzk = dxk − idyk.

Exercıcio: Considere uma 1-forma arbitraria η ∈ Ω1(U ,C), η =P

j ajdxj +P

k bkdyk, onde aj , bk ∈ C∞(U ,C). Mostre que existem

funcoes a′j , b′

k ∈ C∞(U ,C), unicamente determinadas, satisfazendo

η =X

j

a′jdzj +X

k

b′kdzk.

Como as formas dzj e dzk sao preservadas por mudancas de co-ordenadas holomorfas, segue do exercıcio anterior que o espaco das1-formas complexas em M pode ser escrito como

Ω1(M,C) = Ω1,0 ⊕ Ω0,1,

onde Ω1,0 e o espaco das 1-formas complexas que em coordenadascomplexas locais se escrevem como

∑j ajdzj , enquanto que as formas

em Ω0,1 se escrevem localmente como∑

k bkdzk.Analogamente, o espaco das 2-formas complexas em M admite a

decomposicaoΩ2(M,C) = Ω2,0 ⊕ Ω1,1 ⊕ Ω0,2,

onde, em coordenadas complexas locais, elementos de Ω2,0 sao daforma

∑j<k ajkdzj ∧ dzk, os elementos de Ω1,1 se escrevem como∑

jk bjkdzj ∧ dzk, e os de Ω0,2 como∑

j<k cjkdzj ∧ dzk. Nao e difıcilver que, em geral, temos uma decomposicao analoga do tipo

Ωm(M,C) = ⊕r+s=mΩr,s.

Seja πr,s a projecao de Ωm(M,C) no sub-espaco Ωr,s. A partir daderivada exterior d : Ωm(M,C) → Ωm+1(M,C), podemos definir dois

Page 29: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 29

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 3.3: OUTROS EXEMPLOS IMPORTANTES 29

outros operadores:

∂ = πr+1,sd : Ωr,s → Ωr+1,s e ∂ = πr,s+1d : Ωr,s → Ωr,s+1.(3.3.3)

Exercıcio: Para f ∈ C∞(M,C), observe que df = ∂f + ∂f . Use este fatopara concluir que d = ∂ + ∂ em geral. Como d2 = 0, conclua que

∂2 = 0, ∂∂ = −∂∂, ∂2

= 0.

Proposicao 3.3.3. Seja (M,J) uma variedade complexa e ω ∈ Ω2(M,C).Entao ω define uma estrutura Kahler se e somente se:

i) ω ∈ Ω1,1,

ii) Localmente, temos ω = i2

∑hjkdzj ∧ dzk, onde (hjk) e uma

matriz positiva-definida em cada ponto,

iii) ∂ω = 0, ∂ω = 0.

Demonstracao: Em coordenadas complexas locais, escrevemos

ω =∑

ajkdzj ∧ dzk +∑

bjkdzj ∧ dzk +∑

cjkdzj ∧ dzk,

onde ajk, bjk , cjk ∈ C∞(U ,C). A primeira condicao de compatibil-idade entre ω e J em (2.4.2) e que J∗ω = ω. Usando as relacoesJ∗dzj = idzj e J∗dzj = −idzj , e facil ver que J∗ω = ω se e somentese ajk = cjk = 0, i.e., ω ∈ Ω1,1. Tomando bjk = i

2hjk, temos aexpressao local

ω =i

2

jk

hjkdzj ∧ dzk,

e vale que ω toma valores reais (i.e., ω = ω) se e somente hjk = hkj ,ou seja, a matriz (hjk) e hermitiana em cada ponto. Alem disso,ω e nao-degenerada se e somente se a matriz (hjk) e nao-singular,enquanto que a segunda condicao de compatibilidade entre ω e J(ω(X, JX) > 0 para X 6= 0) equivale a (hjk) ser positiva-definida emcada ponto.

Page 30: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 30

i

i

i

i

i

i

i

i

30 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLETICAS

Finalmente, como ∂ω ∈ Ω2,1 e ∂ω ∈ Ω1,2, segue que dω =∂ω + ∂ω = 0 se e somente se ∂ω = 0 e ∂ω = 0.

Considere numa carta complexa local os operadores

∂zj:=

1

2

(∂

∂xj− i

∂yj

)e

∂zj:=

1

2

(∂

∂xj+ i

∂yj

).

Exercıcio: Mostre que se f ∈ C∞(M,C), entao, em coordenadas com-

plexas, temos ∂f =P ∂f

∂zjdzj e ∂f =

P ∂f∂zj

dzj

Corolario 3.3.4. Seja f ∈ C∞(M,R) tal que, em coordenadas com-

plexas locais, a matriz(

∂2f∂zj∂zk

)e positiva-definida em todo ponto.

Entao ω := i2∂∂f e uma forma simpletica Kahler.

Demonstracao: Usando os dois ultimos exercıcios, e imediato ver-ificar as condicoes i), ii) e iii) da Prop. 3.3.3.

Podemos agora exibir a estrutura Kahler dos espacos projetivoscomplexos explicitamente.

Exemplo 3.3.5 (Espaco projetivo complexo). O espaco proje-tivo complexo CP n e definido como o quociente de Cn+1\0 pelarelacao de equivalencia (z0, . . . , zn) ∼ (λz0, . . . , λzn), onde λ ∈ C∗.Denotamos a classe de equivalencia de (z0, . . . , zn) por [z0, . . . , zn].

Para cada α ∈ 0, 1, . . . , n, considere o subconjunto de CP n dadopor

Uα := [z0, . . . , zn] | zα 6= 0,e seja ϕα : Uα → Cn a aplicacao dada por

ϕα([z0, . . . , zn]) =

(z0zα, . . . ,

zα−1

zα,zα+1

zα, . . . ,

zn

).

Exercıcio: Considere o atlas de CPn dado por (Uα, ϕα), α = 0, 1, . . . , n.Mostre que as funcoes de transicao ψαβ = ϕβ ϕ−1

α sao dadas por

ψαβ(w1, . . . , wn) =1

(w1, . . . , wα, 1, wα+1, . . . , wβ−1, wβ+1, . . . , wn),

(3.3.4)e portanto sao holomorfas.

Page 31: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 31

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 3.3: OUTROS EXEMPLOS IMPORTANTES 31

Assim, temos em CP n uma estrutura complexa. Agora apresenta-mos a construcao de uma estrutura simpletica compatıvel. Considereem Cn a funcao complexa

f(z) = log(|z|2 + 1),

para z = (z1, . . . , zn) ∈ Cn. Um calculo direto mostra que a matriz(∂2f

∂zj∂zk

)e positiva-definida em todo ponto (daremos um argumento

alternativo abaixo), e segue do Corolario 3.3.4 que a 2-forma

ωF S =i

2∂∂f =

i

2

[∑j dzj ∧ dzj

1 +∑

j zjzj−

(∑

j zjdzj) ∧ (∑

k zkdzk)

(1 +∑

j zjzj)2

]

(3.3.5)define uma estrutura Kahler em Cn. Para definir uma estruturaKahler em CP n, basta observarmos que ωF S e preservada pelas funcoesde transicao (3.3.4) do atlas construıdo acima. Por exemplo,

ψ01(z1, . . . , zn) =1

z1(1, z2, . . . , zn),

e temos que

ψ∗01f(z) = f(z) − log(|z1|2) = f(z) − log(z1) − log(z1).

Portanto

ψ∗01ωF S =

i

2∂∂ψ∗

01f =i

2∂∂f +

i

2∂∂log(z1) −

i

2∂∂log(z1) = ωF S.

A forma simpletica em CP n dada em cartas por ωF S e chamada formade Fubini-Study .

Observacao: Apresentamos aqui um argumento alternativo paraa condicao de positividade da forma de Fubini-Study, baseado naseguinte propriedade de simetria. Seja U(n + 1) o grupo das trans-formacoes lineares de Cn+1 que preservam o produto interno hermi-tiano canonico. A acao natural de U(n+ 1) em Cn+1 leva qualquerlinha complexa em qualquer outra, e portanto induz uma acao deU(n+ 1) em CP n que e transitiva.

Exercıcio: Verifique que ωF S e preservada por essa acao.

Page 32: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 32

i

i

i

i

i

i

i

i

32 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLETICAS

Em particular, para mostrar que a forma de Fubini-Study satisfaza condicao de positividade do Corolario 3.3.4, e suficiente mostrar queisto vale em um unico ponto. Usando a expressao explıcita para ωF S

em (3.3.5), e facil ver que no ponto z = 0 (que corresponde ao ponto[1, 0, . . . , 0] em U0), esta forma coincide com a forma canonica de C

n.Concluimos que a condicao de positividade e satisfeita em todo pontode CPn.

E natural perguntarmos se toda variedade complexa que admiteuma estrutura simpletica, admite tambem uma estrutura simpleticaque seja compatıvel. W. Thurston [37] mostrou que isso nao e ver-dade, ou seja, existem variedades que sao ao mesmo tempo complexase simpleticas mas nao admitem uma estrutura Kahler. Daremos aquios ingredientes basicos do exemplo.

Exemplo 3.3.6 (Thurston). Considere R4, com coordenadas (x1, x2,y1, y2), munido da forma simpletica ω = dx1 ∧ dx2 + dy1 ∧ dy2. Para(a, b) ∈ Z

2 × Z2, considere o difeomorfismo de R

4 dado por

ψa,b(x1, x2, y1, y2) = (x1 + a1, x2 + a2, y1 + b1 + a2y2, y2 + b2)

onde a = (a1, a2) e b = (b1, b2). Temos que Γ = ψa,b | (a, b) ∈Z2 × Z2 e um subgrupo do grupo de difeomorfismos de R4. Cadaelemento de Γ e um simplectomorfismo de R

4, e portanto o quocienteM = R4/Γ e uma variedade simpletica compacta (localmente sim-plectomorfa a (R4, ω)). Topologicamente, M e um fibrado de torosT2 sobre o T2, e possui tambem uma estrutura complexa (como con-sequencia da classificacao de Kodaira [25]).

Como Γ e o grupo de transformacoes de recobrimento de R4 →M ,segue que M tem grupo fundamental π1(M) = Γ. Como o primeirogrupo de homologia e a abelianizacao do grupo fundamental, segueque H1(M,Z) = Γ/[Γ,Γ], onde [Γ,Γ] e o ideal gerado por comuta-dores em Γ. Pode-se checar que [Γ,Γ] = 0 ⊕ 0 ⊕ Z ⊕ 0, e portantoH1(M,Z) = Z ⊕ Z ⊕ Z. Com isso, segue que o primeiro numero debetti de M e ımpar, o que contraria o fato de que os “os numerosde betti ımpares sao pares” em uma variedade Kahler compacta (istosegue da decomposicao de Hodge, veja [44, Cap. V]).

Para uma discussao sobre outros exemplos (em variedades sim-plesmente conexas, em dimensao maior, etc.), veja [29, Secao 3.1] eas referencias la contidas.

Page 33: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 33

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 3.3: OUTROS EXEMPLOS IMPORTANTES 33

3.3.2 Orbitas coadjuntas

Exemplos importantes de variedades simpleticas aparecem na teoriados grupos de Lie. Faremos aqui uma breve incursao no tema. Oleitor pode consultar, por exemplo, [19, 28] para mais detalhes.

Um grupo de Lie e um grupo G munido de uma estrutura devariedade diferenciavel para qual a multiplicacao m : G × G → G euma aplicacao suave; neste caso, a inversao g 7→ g−1 tambem e suave,como consequencia do teorema da funcao implıcita.

Para cada g ∈ G, as aplicacoes Lg : G → G, a 7→ ga, e Rg : G →G, a 7→ ag sao difeomorfismos, com (Lg)

−1 = Lg−1 e (Rg)−1 = Rg−1 .

Dizemos que um campo de vetores X ∈ X(G) e invariante a esquerdase (Lg)∗X = X , e invariante a direita se (Rg)∗X = X , ∀g ∈ G. Oespaco dos campos de vetores invariantes a esquerda (resp. direita)e denotado por XL(G) (resp. XR(G)). Note que cada u ∈ TeGdetermina campos de vetores ul ∈ XL(G) e ur ∈ XR(G),

ulg = deLg(u), e ur

g = deRg(u),

e isso nos define um isomorfismo de espacos vetoriais:

XL(G) ∼= TeG ∼= XR(G). (3.3.6)

Uma algebra de Lie (real) e um espaco vetorial (real) g munido deum colchete [·, ·] : g× g → g que e bilinear, anti-simetrico e satisfaz aidentidade de Jacobi:

[[u, v], w] + [[w, u], v] + [[v, w], u] = 0.

Como o colchete de Lie de dois campos de vetores invariantes a es-querda e invariante a esquerda, podemos definir um colchete

[·, ·] : TeG× TeG→ TeG, [u, v] = [ul, vl](e),

com respeito ao qual TeG e uma algebra de Lie, que denotamos porg e denominamos algebra de Lie de G.

Observacao: A definicao do colchete em TeG em termos de camposinvariantes a direita resultaria no mesmo colchete com o sinal oposto.

Page 34: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 34

i

i

i

i

i

i

i

i

34 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLETICAS

Qualquer espaco vetorial V e um grupo de Lie abeliano com res-peito a soma de vetores. O grupo das matrizes reais n×n invertıveis,denotado GL(n,R), e um grupo de Lie com respeito ao produto.Como GL(n,R) e um aberto no espaco das matrizes Mn(R), seuespaco tangente na identidade e o proprio Mn(R). O colchete de Liee o comutador

[A,B] := AB −BA.

Outros exemplos importantes sao dados por subgrupos deGL(n,R).

Exemplo 3.3.7.

a) O grupo linear ortogonal O(n) = A ∈ GL(n,R) | AtA =Id, ou seja, as transformacoes lineares de Rn que preservam oproduto interno canonico. A algebra de Lie associada e u(n) =A ∈Mn(R) | A = −At.O grupo O(n) tem duas componentes conexas, caracterizadaspelas condicoes det(A) = 1 ou det(A) = −1. O subgrupoSO(n) = A ∈ O(n) | det(A) = 1 e chamado grupo ortogonalespecial, e tem a mesma algebra de Lie de O(n).

b) Podemos considerar tambem matrizes complexas. Assim temosGL(n,C), o grupo das matrizes complexas invertıveis. A algebrade Lie associada e Mn(C), com colchete dado pelo comutador.

Definimos o grupo U(n) = A ∈ GL(n,C) | A∗A = Id dasmatrizes complexas que preservam o produto interno hermi-tiano canonico de Cn. Sua algebra de Lie e u(n) = A ∈Mn(C) | A∗ = −A. Note, por exemplo, que U(1) = S1 eo grupo dos numeros complexos com valor absoluto igual a 1.

De maneira mais geral, se V e um espaco vetorial (real, de di-mensao finita), consideramos o grupo de Lie GL(V ) das transforma-coes lineares invertıveis de V em V . A algebra de Lie gl(V ) associadae dada pelo espaco de todos os endomorfismos lineares de V , e ocolchete e o comutador.

Uma representacao de um grupo de Lie G num espaco vetorial Ve um homomorfismo de grupos de Lie ψ : G → GL(V ). A derivadadessa aplicacao na identidade, deψ : g → gl(V ), e entao um homo-morfismo de algebras de Lie, e define uma representacao de g emV .

Page 35: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 35

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 3.3: OUTROS EXEMPLOS IMPORTANTES 35

Dada uma representacao ψ : G → GL(V ) e um ponto x ∈ V , aorbita de x e a subvariedade imersa Ox = y ∈ V | ∃g ∈ G, ψg(x) =y ⊆ V , e vale que

TxOx = deψ(u)(x) | u ∈ g, (3.3.7)

usando a identificacao TxV ∼= V .Duas representacoes canonicas associadas a qualquer grupo de Lie

sao as seguintes:

Exemplo 3.3.8 (Representacoes adjunta e coadjunta).

a) Para g ∈ G, considere a aplicacao Ig : G→ G, Ig(a) = gag−1.Como Ig(e) = e, temos uma aplicacao linear

Adg := deIg : g → g.

O homomorfismo Ad : G → GL(g), g 7→ Adg , e a representacaoadjunta de G em g. Neste caso, a representacao de g em g

induzida pela derivada e

ad : g → gl(g), u 7→ adu,

onde adu(v) = [u, v].

b) Podemos dualizar a representacao adjunta e obter a representacaocoadjunta

Ad∗ : G→ GL(g∗), g 7→ Ad∗g := (Adg−1)∗,

ou seja,〈Ad∗g(ξ), u〉 = 〈ξ,Adg−1u〉, para ξ ∈ g∗, u ∈ g. Note a

necessidade de tomarmos a adjunta com respeito a g−1 para quetenhamos um homomorfismo de grupos. Ao nıvel das algebrasde Lie, temos a representacao

ad∗ : g → gl(g∗), u 7→ ad∗u,

definida por 〈ad∗u(ξ), v〉 = −〈ξ, [u, v]〉.

Exercıcio: Suponha que g tenha um produto interno 〈·, ·〉 que seja Ad-invariante, ou seja, 〈Adgu,Adgu〉 = 〈u, v〉, para todo g ∈ G. Mostre que aidentificacao g ∼= g

∗ induzida por este produto interno identifica tambemas representacoes adjunta e coadjunta.

Page 36: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 36

i

i

i

i

i

i

i

i

36 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLETICAS

Como veremos agora, toda orbita coadjunta O → g∗ possui umaestrutura simpletica canonica. Este fato e comumente atribuıdo aKostant-Kirillov-Souriau.

Considere ξ ∈ g∗, e seja O a orbita coadjunta que passa por ξ.Segue de (3.3.7) que os vetores da forma ad∗

u(ξ) geram o espaco TξO,

TξO = ad∗u(ξ) | u ∈ g.

Note que se ad∗u(ξ) = ad∗

u′(ξ), entao

〈ξ, [u− u′, v]〉 = (ad∗u′ − ad∗

u)(ξ) = 0,

para todo v ∈ g. Portanto, para ξ ∈ g∗ fixo, o valor de 〈ξ, [u, v]〉depende apenas de ad∗

u e ad∗v no ponto ξ. Podemos, com isso, definir

uma forma bilinear anti-simetrica em TξO por

ωξ(ad∗u(ξ), ad∗

v(ξ)) := 〈ξ, [u, v]〉, (3.3.8)

e segue imediatamente da definicao que ωξ e nao degenerada. Obte-mos assim uma 2-forma nao-degenerada em cada ponto de O.

Teorema 3.3.9. Seja O ⊂ g∗ uma orbita coadjunta. Entao (3.3.8)define uma 2-forma simpletica em O.

Demonstracao: E um fato basico que a representacao adjuntapreserva o colchete de Lie, [Adg(u),Adg(v)] = Adg([u, v]). Portanto

〈(Ad)∗gξ, [Adg(u),Adg(v)]〉 = 〈Ad∗gξ,Adg([u, v])〉 = 〈ξ, [u, v]〉,

o que mostra que a 2-forma ω definida pontualmente por (3.3.8) einvariante pelas transformacoes adjuntas Ad∗

g . Como estas trans-formacoes agem transitivamente na orbita O, segue que ω e de fatosuave. Resta verificar que ω e fechada.

Como g ∼= (g∗)∗, podemos considerar g ⊂ C∞(g∗). Dado u ∈ g,temos que du ∈ Ω1(g∗) e definido por (du)ξ(η) = η(u). Assim

(iad∗

u(ξ)ω)(ad∗v(ξ)) = 〈ξ, [u, v]〉 = (du)ξ(ad∗

v(ξ)),

e portanto iad∗

uω = du e exata (aqui pensamos em ad∗

u como umcampo de vetores em g∗, definido em ξ ∈ g∗ por ad∗

u(ξ) ∈ g∗ ∼= Tξg∗).

Usando a formula de Cartan e a invariancia de ω, temos

iad∗

udω = Lad∗

uω − diad∗

uω = 0,

Page 37: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 37

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 3.3: OUTROS EXEMPLOS IMPORTANTES 37

ou seja, dω = 0.

Exemplo 3.3.10.

a) Considere o grupo

SO(3) = A ∈ GL(3,R) | AtA = Id, det(A) = 1.

Sua algebra de Lie e so(3) = A ∈ M3(R) | A = −At. Pode-mos identificar so(3) com R3 de acordo com

u1

u2

u3

7→

0 −u3 u2

u3 0 −u1

−u2 u1 0

.

Com esta identificacao, o colchete de Lie em R3 e o produtovetorial, i.e., [u, v] = u × v, e a representacao adjunta toma aforma

AdA(u) = Au, adu(v) = u× v.

Como o produto interno usual de R3 e invariante pelas trans-formacoes de SO(3), a identificacao R3 ∼= (R3)∗ por ele induzidaidentifica tambem as representacoes adjunta e coadjunta. Por-tanto as orbitas coadjuntas em R3 sao as esferas centradas naorigem, incluindo a orbita singular 0. Assim, para cada r > 0,temos a orbita coadjunta

Or = ξ ∈ R3 | ‖ξ‖ = r.

A forma simpletica em Or definida pelo Teorema 3.3.9 e

ω =1

rσr, (3.3.9)

onde σr e a forma de area da esfera Or.

Exercıcio: Use a identidade u× (v ×w) = v〈u,w〉 −w〈u, v〉 para mostrarque σr(u× ξ, v × ξ) = r〈ξ, u× v〉. Com isso, prove (3.3.9).

Page 38: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 38

i

i

i

i

i

i

i

i

38 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLETICAS

b) Considere o grupo de Lie U(n) (Exemplo 3.3.7, parte b)). Suaalgebra de Lie u(n), dada por matrizes complexas anti-hermiti-anas, possui um produto interno invariante pela representacaoadjunta,

(A,B) 7→ tr(A∗B).

Podemos usar este produto interno para identificar u(n) comu(n)∗. Como u(n) = iH, onde H = ξ ∈ Mn(C) | ξ = ξ∗ eo espaco das matrizes hermitianas, temos a identificacao H ∼=u(n)∗ dada por

〈ξ, u〉 = −tr(iξu), u ∈ u(n), ξ ∈ H.

Com esta identificacao, a representacao coadjunta de U(n) emH e

Ad∗A(ξ) = AξA−1.

Portanto duas matrizes em H estao na mesma orbita coadjuntase e somente se elas tem o mesmo espectro. Assim, cada listade n numeros reais λ = (λ1, . . . , λn), com λ1 ≤ λ2 ≤ . . . ≤ λn,define uma orbita coadjunta

Oλ = ξ ∈ H | espectro(ξ) = λ.

A topologia das orbitas varia de acordo com λ. Por exemplo, seλ1 < λ2 = . . . = λn, entao cada ξ ∈ Oλ e totalmente caracteri-zado por uma linha complexa em Cn; pense nesta linha como oautoespaco associado ao autovalor λ1, de modo que o seu com-plemento ortogonal em Cn e o autoespaco associado ao outroautovalor. Portanto a linha complexa caracteriza a matriz ξcompletamente. Assim, para λ1 < λ2 = . . . = λn, temos

Oλ = CPn−1,

e obtemos, pelo Teorema 3.3.9, uma famılia a dois parametrosde formas simpleticas em CP n, todas multiplas da forma deFubini-Study.

Mais geralmente, no caso λ1 = λ2 = . . . = λk < λk+1 = . . . =λn, cada ponto da orbita Oλ e totalmente determinado por umk-plano complexo em C

n, visto como o autoespaco associado ao

Page 39: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 39

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 3.4: OBSTRUCOES 39

autovalor λ1, com multiplicidade k, de modo que o autoespacoassociado a λk+1, com multiplicidade (n − k), e o seu comple-mento ortogonal. Assim, neste caso, temos

Oλ = Gr(k, n),

a grassmanniana de k-planos em Cn.

Para λ1 < λ2 < . . . λn, cada ξ ∈ Oλ e caracterizado pelos nautoespacos Lj , ou, equivalentemente, pelos subespacos Ei =⊕i≤jLj ,

E1 ⊂ E2 ⊂ . . . ⊂ En = Cn.

Em outras palavras, Oλ e uma variedade “flag” completa. Paraos outros tipos de espectro, as orbitas sao variedades “flag”incompletas.

Os exemplos anteriores ilustram ainda o fato geral de que orbitascoadjuntas de grupos de Lie compactos sao nao apenas simpleticas,mas de fato Kahler.

3.4 Obstrucoes

Vimos que toda variedade simpletica tem dimensao par e e orientavel.Uma questao central em geometria simpletica e se, dada uma var-iedade M satisfazendo essas condicoes, existe ou nao alguma estru-tura simpletica em M . Descreveremos nessa secao uma simples ob-strucao na cohomologia de M .

Proposicao 3.4.1. Seja M uma variedade compacta de dimensao2n. Se M admite alguma estrutura simpletica, entao existe um ele-mento a ∈ H2

dR(M,R) tal que an 6= 0. Em particular, H2k

dR(M,R) 6= 0

para todo k = 1, . . . , n.

Demonstracao: Se ω ∈ Ω2(M) e forma simpletica, seja a = [ω] ∈H2

dR(M,R). Como ωn ∈ Ω2n(M) e uma forma de volume, temos que

M

ωn 6= 0.

Page 40: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 40

i

i

i

i

i

i

i

i

40 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLETICAS

Por outro lado, se an = 0, entao ωn e exata, ωn = dθ. Pelo teoremade Stokes, temos

M

ωn =

M

dθ =

∂M

θ = 0,

o que nao e possıvel. Portanto an 6= 0.

Segue diretamente da proposicao anterior que variedades comoS2n, n > 1, ou S3 × S1, nao admitem estruturas simpleticas, ja queem todas temos H2

dR= 0.

Exercıcio: Verifique que o mesmo argumento dado na prova da Prop. 3.4.1mostra que nao ha subvariedades simpleticas compactas de (R2n, ω0).

Existe ainda um outro tipo de obstrucao, de natureza topologica,que impede certas variedades de dimensao par e orientaveis de ad-mitirem sequer uma estrutura quase-simpletica. Observe que, comovimos na Secao 3.3.1, uma variedade admite uma estrutura quase-simpletica se e somente se admite uma estrutura quase-complexa (eessas estruturas podem ate mesmo ser escolhidas de forma a seremcompatıveis). As obstrucoes topologicas para a existencia de estru-turas quase-simpleticas/complexas podem ser expressas em termos declasses caracterısticas, e sao usadas para mostrar, por exemplo, quedentre as esferas de dimensao par, apenas S2 e S6 admitem estruturaquase-complexa/simpletica.

Se M e uma variedade aberta (i.e., sem componentes compactas),segue do trabalho de Gromov, veja e.g [29, Cap. 7], que se M ad-mite uma estrutura quase-simpletica, entao admite uma estruturasimpletica homotopica a ela (homotopia via estruturas quase-simple-ticas). Para variedades compactas, nao e verdade que a existenciade uma estrutura quase-simpletica garanta que a variedade admiteuma estrutura simpletica (ainda que a condicao necessaria dada pelaProp. 3.4.1 seja satisfeita). Por exemplo, foi provado por Taubes [36],usando a teoria dos invariantes de Seiberg-Witten, que a soma conexaCP 2#CP 2#CP 2 e quase-complexa mas nao e simpletica (esta var-iedade tambem nao e complexa, como consequencia da classificacaode Kodaira [25]).

Page 41: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 41

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 3.5: SUBVARIEDADES 41

Como ja observamos, os problemas de existencia de estruturasquase-simpleticas e quase-complexas sao equivalentes. Mas isso naoe mais verdade se impusermos as condicoes de integrabilidade. Porexemplo, existem variedades simpleticas que nao admitem estruturascomplexas [14]. E podemos usar a Prop. 3.4.1 para dar um exemplode uma variedade complexa que nao e simpletica:

Exemplo 3.4.2 (Superfıcie de Hopf). Considere Z agindo emC2\0 por

n · (z1, z2) = (2nz1, 2nz2),

de modo que a relacao de equivalencia dada pelas orbitas e (z1, z2) ∼(2z1, 2z2). Como a acao e via transformacoes holomorfas, preserva aestrutura complexa. Temos assim uma estrutura complexa induzidano quociente M = (C2\0)/ ∼, para a qual a aplicacao quociente eum biholomorfismo local.

Para ver que M nao admite nenhuma estrutura simpletica, ob-serve que C2\0 e difeomorfo a S3 × R atraves da aplicacao

f : S3 × R → C2\0, f(z1, z2, t) = (2tz1, 2

tz2).

Com essa identificacao, a acao de Z em S3 × R e n · (z1, z2, t) =(z1, z2, t + n). Portanto M ∼= S3 × S1, que nao e simpletico pelaProp. 3.4.1.

Note que o Exemplo 3.3.6 ilustra ainda o fato de que existemvariedades que admitem estruturas complexas e simpleticas, mas es-tas nao podem ser escolhidas de forma compatıvel (o que e semprepossıvel para estruturas quase-simpleticas/complexas). O leitor podeachar mais detalhes sobre a discussao de obstrucoes, com referenciasaos artigos originais, em [7, 8, 29].

3.5 Subvariedades

Em uma variedade simpletica (M,ω), existem tipos de subvariedadesanalogos aos subespacos descritos na Secao 2.2.

Uma subvariedade N → M (ou, mais geralmente, uma imersao)e chamada coisotropica (resp. isotropica, lagrangiana, simpletica) se,

Page 42: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 42

i

i

i

i

i

i

i

i

42 [CAP. 3: VARIEDADES SIMPLETICAS

para todo x ∈M , TxN e um subespaco coisotropico (resp. isotropico,lagrangiano, simpletico) de (TxM,ωx).

Por exemplo, toda curva e uma subvariedade isotropica, e todahipersuperfıcie e coisotropica. Nosso foco principal sera, no entanto,nas subvariedades que sao ao mesmo tempo isotropicas e coisotropicas,i.e., lagrangianas. Ilustraremos nesta secao como varios objetos natu-rais em geometria simpletica podem ser expressos como subvariedadeslagrangianas.

Sejam (M1, ω1) e (M2, ω2) duas variedades simpleticas, e denotepor M2 a variedade simpletica (M2,−ω2).

Proposicao 3.5.1. Um difeomorfismo ϕ : M1 → M2 e um simplec-tomorfismo se e somente se o grafico de ϕ, graf(ϕ) = (x, ϕ(x)), x ∈M1, e subvariedade lagrangiana de M1 ×M2.

Demonstracao: Considere o mergulho γ : M1 →M1 ×M2, γ(x) =(x, ϕ(x)). Entao

γ∗(pr∗1ω1 − pr∗2ω2) = (pr1 γ)∗ω1 − (pr2 γ)∗ω2 = ω1 − ϕ∗ω2,

e o resultado segue imediatamente.

Observamos agora como alguns objetos geometricos associados auma variedadeQ sao representados por subvariedades lagrangianas deT ∗Q. Lembre que, em coordenadas cotangentes (x1, . . . , xn, ξ1, . . . , ξn),a forma canonica e

ω =∑

j

dxj ∧ dξj .

E simples ver que tanto as fibras da projecao π : T ∗Q → Q quantoa secao zero Q → T ∗Q sao subvariedades isotropicas de dimensaomaxima (= 1

2dim(T ∗Q)), portanto sao lagrangianas. Esses dois ex-emplos sao casos particulares da proxima proposicao.

Proposicao 3.5.2. Suponha que Q tem dimensao n, e seja S → Quma subvariedade de dimensao k. Entao o fibrado conormal de S,

N∗S := (x, ξ) ∈ T ∗Q | x ∈ S, ξ ∈ T ∗xQ, tal que ξ|TxS = 0

e subvariedade lagrangiana de T ∗Q.

Page 43: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 43

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 3.5: SUBVARIEDADES 43

Demonstracao: Podemos escolher coordenadas locais (x1, . . . , xn)em Q tais que S e definida localmente pelas condicoes

xk+1 = . . . = xn = 0.

Nas coordenadas (x1, . . . , xn, ξ1, . . . , ξn) de T ∗Q, o fibrado conormalN∗S e definido por

xk+1 = . . . = xn = 0, ξ1 = . . . = ξk = 0.

Portanto, em pontos de N∗S, podemos escrever α =∑

j>k ξjdxj , e

vemos que α se anula nos vetores ∂∂xi

, i = 1, . . . , k. Isso mostra queι∗α = 0, onde ι : N∗S → T ∗Q e a inclusao.

A proxima classe de exemplos e importante no estudo de in-tersecoes de variedades lagrangianas, veja Secao 4.4.

Toda 1-forma µ ∈ Ω1(Q) define uma subvariedade

Nµ := (x, µx) , x ∈ Q ⊂ T ∗Q,

caracterizada pela propriedade de que π : T ∗Q → Q projeta Nµ

difeomorficamente sobre Q.

Proposicao 3.5.3. A subvariedade Nµ, µ ∈ Ω1(Q), e lagrangianase e somente se dµ = 0.

Demonstracao: Note que Nµ e a imagem da aplicacao µ : Q →T ∗Q. Lembrando que

µ∗α = µ,

onde α e a 1-forma tautologica (veja exercıcio na secao 3.2), segueque

µ∗ω = −µ∗dα = −dµ∗α = −dµ,e portanto µ∗ω = 0 se e somente se dµ = 0.

Portanto subvariedades de Q e 1-formas fechadas em Q estaonaturalmente associadas a subvariedades lagrangianas de T ∗Q.

No artigo [43], a importancia de subvariedades lagrangianas e ex-pressa no “credo simpletico” de A. Weinstein: “tudo e uma subvar-iedade lagrangiana”. Em outras palavras, objetos e construcoes emgeometria simpletica podem, em geral, ser entendidos em termos desubvariedades lagrangianas.

Page 44: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 44

i

i

i

i

i

i

i

i

Capıtulo 4

O metodo de Moser e

formas normais

O metodo de Moser, descrito neste capıtulo, e peca fundamentalna demonstracao de varios resultados de rigidez local em geometriasimpletica. O metodo se baseia na construcao de simplectomorfismosatraves de deformacoes do difeomorfismo identidade. De forma maisprecisa, consideraremos famılias a 1-parametro de difeomorfismos deuma variedade M , ϕt : M → M , tal que ϕ0 = Id. Nos referimos atal famılia como uma isotopia.

Toda isotopia define um campo de vetores tempo-dependente Xt

atraves da equacaodϕt

dt= Xt ϕt. (4.0.1)

Reciprocamente, se os campos de vetores na famılia Xt forem com-pletos, entao (4.0.1) define uma isotopia ϕt, t ∈ R, veja [2, Cap. 4].

A derivada de Lie pode ser usada na descricao da variacao deformas diferencias atraves de isotopias pela formula

d

dtϕ∗

tβ = ϕ∗tLXt

β, (4.0.2)

onde β ∈ Ωk(M), veja [2, Secao 5.4]. A equacao (4.0.2) pode ser gene-ralizada para tratar, ainda, a variacao de formas diferencias tempo-

44

Page 45: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 45

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 4.1: O “TRUQUE” DE MOSER 45

dependentes βt:

d

dtϕ∗

tβt =d

dxϕ∗

xβt

∣∣∣∣x=t

+d

dyϕ∗

tβy

∣∣∣∣y=t

= ϕ∗t (LXt

βt +d

dtβt). (4.0.3)

Com essas preliminares, podemos passar ao metodo de Moser.

4.1 O “truque” de Moser

Comecamos ilustrando o metodo, ou “truque”, de Moser no seu con-texto original [30].

Teorema 4.1.1 (Moser). Seja M variedade compacta e orientadade dimensao n. Sejam Λ0 e Λ1 formas de volume tais que

M

Λ0 =

M

Λ1.

Entao existe um difeomorfismo ϕ : M →M tal que ϕ∗Λ1 = Λ0.

Demonstracao: O primeiro passo e construir o difeomorfismo ϕatraves de uma isotopia ϕt ∈ Dif(M), ϕ0 = Id, de modo que ϕ = ϕ1.Para tal, consideramos a famılia

Λt = tΛ1 + (1 − t)Λ0,

notando que cada Λt e ainda uma forma de volume. A hipotese deque Λ0 e Λ1 tem a mesma integral sobre M assegura que essas formassao cohomologas, ou seja, existe β ∈ Ωn−1(M) tal que Λ1 = Λ0 + dβ,de modo que

Λt = Λ0 + tdβ.

Como estamos a procura de uma isotopia ϕt e M e compacto, pode-mos defini-la atraves do campo de vetores dependente do tempo Xt

que a gera,d

dtϕt = Xt ϕt.

E suficiente construırmos uma isotopia tal que ϕ∗t Λt = Λ0, ou seja,

usando (4.0.3),

d

dt(ϕ∗

t Λt) = ϕ∗t

(d

dtΛt + LXt

Λt

)= 0.

Page 46: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 46

i

i

i

i

i

i

i

i

46 [CAP. 4: O METODO DE MOSER E FORMAS NORMAIS

Usando a formula de Cartan e o fato de que dΛt = 0, vemos que aultima equacao equivale a

d

dtΛt + diXt

Λt = d(β + iXtΛt) = 0.

Portanto, para a construcao da isotopia, e suficiente achar Xt satis-fazendo

iXtΛt + β = 0. (4.1.1)

Como Λt e uma forma de volume, a aplicacao X(M) → Ωn−1(M),X 7→ iXΛt, e um isomorfismo para cada t. Portanto, para cada t,(4.1.1) tem solucao unica. O fluxo de Xt define uma isotopia ϕt satis-fazendo ϕ∗

t Λt = Λ0, e ϕ = ϕ1 e o difeomorfismo desejado.

Uma aplicacao tıpica do metodo de Moser em geometria simpleticamostra a rigidez, ou estabilidade, de famılias de formas simpleticasdentro de uma mesma classe de cohomologia.

Teorema 4.1.2. Seja M uma variedade compacta, e seja ωt umafamılia suave de formas simpleticas, t ∈ [0, 1]. Suponha que existauma famılia suave βt ∈ Ω2(M) tal que

ωt = ω0 + dβt. (4.1.2)

Entao existe uma isotopia ϕt ∈ Dif(M) tal que ϕ∗tωt = ω0 para todo

t ∈ [0, 1].

Demonstracao: Seguindo o truque de Moser, definiremos a isotopiaϕt atraves de seu gerador infinitesimal Xt. Exatamente como naprova do Teorema 4.1.1, temos que a condicao ϕ∗

tωt = ω0 e equiva-lente a

d

(d

dtβt + iXt

ωt

)= 0.

Portanto basta resolver a equacao

iXtωt +

d

dtβt = 0,

o que e sempre possıvel ja que ωt e simpletica para todo t.

Page 47: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 47

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 4.2: O TEOREMA DE DARBOUX 47

Exercıcio: Considere a bola aberta B2n em (R2n , ω0) com a estruturasimpletica induzida. Mostre que as formas simpleticas ωt = etω0 em B2n

nao sao simplectomorfas umas as outras (por exemplo, verifique que ovolume definido por cada uma e diferente). Conclua que o Teorema 4.1.2nao e valido sem a hipotese de compacidade de M .

Observacao: E claro que se (4.1.2) e satisfeita, entao [ωt] = [ω0],∀t ∈ [0, 1]. Pode-se mostrar que, na verdade, vale a recıproca, i.e.,se a classe de cohomologia de ωt independe de t, entao existe umafamılia suave βt satisfazendo (4.1.2). O ponto delicado e mostrar adependencia suave da famılia βt em t, mas isso pode ser feito, porexemplo, usando teoria de Hodge, veja [29, Secao 3.2].

4.2 O teorema de Darboux

Usaremos agora o metodo de Moser para mostrar a rigidez de estru-turas simpleticas na vinhanca de subvariedades.

Seja Q → M uma subvariedade de uma variedade M . Precisare-mos da seguinte generalizacao do lema de Poincare:

Lema 4.2.1. Seja η ∈ Ωk(M) uma k-forma fechada tal que η|TxQ = 0para todo x ∈ Q. Entao existe uma vizinhanca U de Q em M e umak − 1-forma β em U tal que η = dβ e β|TxM = 0 para todo x ∈ Q.

Demonstracao: Pelo teorema da vizinhanca tubular, Q possui umavizinhanca U para qual existe um difeomorfismo ψ : U → V , onde Ve uma vizinhanca de Q no fibrado normal NQ = TM/TQ

π−→ Q eψ(x) = x, ∀x ∈ Q. Podemos, ainda, escolher a vizinhanca V coma propriedade de que, se (x, v) ∈ V , entao (x, tv) ∈ V , ∀t ∈ [0, 1].(Com a escolha de uma metrica em M , identificamos NQ com TQ⊥,e podemos definir ψ como a aplicacao exponencial restrita a umavizinhanca suficientemente pequena de Q em TQ⊥.)

Basta, portanto, provar o resultado para a vizinhanca V em NQ.Para cada t ∈ [0, 1], considere a aplicacao ϕt : V → V , ϕt(x, v) =(x, tv). Seja Xt o campo tempo-dependente cujo fluxo gera ϕt, ouseja, d

dtϕt = Xt ϕt para t > 0. Como η e fechada, usando (4.0.3),temos

d

dtϕ∗

t η = ϕ∗tLXt

η = ϕ∗t d(iXt

η) = d(ϕ∗t iXt

η).

Page 48: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 48

i

i

i

i

i

i

i

i

48 [CAP. 4: O METODO DE MOSER E FORMAS NORMAIS

Como limt→0 ϕ∗t η = π∗ι∗η = 0, onde ι : Q → NQ e a inclusao, e

ϕ1 = Id, temos

η = ϕ∗1η − lim

t→0ϕ∗

t η = limt→0

∫ 1

t

d

dtϕ∗

t η dt = dβ,

onde β =∫ 1

0 ϕ∗t iXt

η dt. Como ϕt(x) = x, ∀x ∈ Q, temos queXt|Q = 0, e portanto β|Q = 0.

O proximo exercıcio mostra que a tecnica usada na demonstracaodo lema anterior pode mostrar um resultado mais geral, veja e.g. [2,Cap. 6].

Exercıcio: Sejam M1,M2 variedades, e f0, f1 : M1 → M2 aplicacoessuaves homotopicas. Denote a homotopia (suave) por f : M1×[0, 1] →M2.Mostre que o operador H : Ωk(M2) → Ωk−1(M1),

Hη :=

Z

[0,1]f∗η,

satisfaz f∗1 − f∗0 = dH + Hd, onde ft(x) = f(x, t). (O operador H echamado operador de homotopia.)

Observacao: No exercıcio anterior, note que, se dη = 0, entao(f∗

1 − f∗0 )η = d(Hη) e exata. Segue desse resultado, por exemplo, a

invariancia homotopica da cohomologia de de Rham.

Passemos agora ao teorema de Darboux para vizinhancas de sub-variedades.

Teorema 4.2.2. Sejam ω0 e ω1 formas simpleticas em M satis-fazendo

ω0|TxM = ω1|TxM ∀x ∈ Q.

Entao existem vizinhancas U0 e U1 de Q e um difeomorfismo ϕ :U0 → U1 tal que

ϕ(x) = x ∀x ∈ Q, e ϕ∗ω1 = ω0.

Demonstracao: Pelo Lema 4.2.1, Q possui uma vizinhanca ondeexiste 1-forma β tal que

dβ = ω1 − ω0, e β|TxM = 0, ∀x ∈ Q.

Page 49: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 49

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 4.3: TEOREMAS DE WEINSTEIN PARA VIZINHANCAS DE SUBVARIEDADES 49

Considere a famılia de 2-formas fechadas nessa vizinhanca dada por

ωt = (1 − t)ω0 + tω1 = ω0 + tdβ.

Para cada t ∈ [0, 1], a forma ωt e simpletica em todo ponto de Q. Por-tanto cada x ∈ Q possui uma vizinhanca em M onde ωt e simpletica.Diminuindo essa vizinhanca se necessario, podemos assumir que nelatodo ωt′ e simpletico se t′ esta numa vizinhanca de t. Como [0, 1]e compacto, concluımos que existe uma vizinhanca de x onde ωt esimpletica para todo t ∈ [0, 1]. Tomando a uniao desses abertos,obtemos uma vizinhanca U0 de Q onde ωt e simpletica para todot ∈ [0, 1].

Seguindo o metodo de Moser, sabemos que para achar uma iso-topia ϕt com ϕ∗

tωt = ω0, basta resolvermos a equacao

iXtωt = −β,

o que e sempre possıvel ja que ωt e simpletica.Como βx = 0 para x ∈ Q, Xt|Q = 0. Portanto, diminuindo U0

se necessario, podemos assumir que o fluxo ϕt, integrando Xt, estadefinido para todo t ∈ [0, 1]. Como Xt|Q = 0, temos ϕt|Q = Id, eassim ϕ = ϕ1 e U1 = ϕ1(U0).

Tomando Q como um ponto em M , obtemos o teorema de Dar-boux:

Corolario 4.2.3 (Teorema de Darboux). Se (M,ω) e variedadesimpletica de dimensao 2n, entao todo x ∈M possui vizinhanca sim-plectomorfa a uma vizinhanca de 0 ∈ R2n munida da forma simpleticacanonica.

Como consequencia, toda variedade simpletica possui uma atlassimpletico. Para uma demonstracao alternativa do teorema de Dar-boux sem o uso do metodo de Moser, veja e.g. [5, 7].

4.3 Teoremas de Weinstein para vizinhan-

cas de subvariedades

Vamos agora usar o Teorema 4.2.2 para estudar vizinhancas de sub-variedades, seguindo Weinstein [40].

Page 50: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 50

i

i

i

i

i

i

i

i

50 [CAP. 4: O METODO DE MOSER E FORMAS NORMAIS

SeQ → (M,ω) e uma subvariedade simpletica, temos que TM |Q =TQ⊕ (TQ)ω. Portanto, para x ∈ Q, (TxQ)ω e subespaco simpleticode TxM . Em outras palavras, (TQω, ω|TQω) e um fibrado vetorialsimpletico sobre Q.

Teorema 4.3.1. Sejam ω0 e ω1 formas simpleticas em M , e sejaι : Q → M uma subvariedade simpletica com respeito a ω0 e ω1.Suponha que ι∗ω0 = ι∗ω1 e que exista um isomorfismo de fibradossimpleticos ϕ : TQω1 → TQω2 cobrindo a identidade . Entao existemvizinhancas U0 e U1 de Q e um difeomorfismo ϕ : U0 → U1 tal queϕ|Q = Id e ϕ∗ω1 = ω0.

Demonstracao: Como TM |Q = TQ ⊕ TQωi , i = 0, 1, segue queexiste uma identificacao natural TQω1 ∼= NQ ∼= TQω2 , onde NQ eo fibrado normal de Q. Pelo teorema da vizinhanca tubular, existeuma vizinhanca V0 de Q em M difeomorfa a uma vizinhanca de Q emNQ. Portanto, o isomorfismo de fibrados ϕ : TQω0 → TQω1 induzum difeomorfismo ψ : V0 → ψ(V0) satisfazendo

ψ|Q = Id, e dψ|TQω0 = ϕ. (4.3.1)

Considere as formas simpleticas ω0 e ψ∗ω1 em V0. Como ϕ preservaas formas simpleticas nas fibras, segue de (4.3.1) que

ω0|TxM = ω1|TxM , ∀x ∈ Q.

O resto da demonstracao segue do Teorema 4.2.2.

Suponha agora que ι : L→ (M,ω) e uma subvariedade lagrangiana.

Teorema 4.3.2 (Teorema da vizinhanca lagrangiana). Existeuma vizinhanca U0 da secao zero L → T ∗L, uma vizinhanca U de Lem M , e um difeomorfismo ϕ : U0 → U tal que ϕ(x) = x, ∀x ∈ L, eϕ∗ω e a forma simpletica canonica de T ∗L.

Demonstracao: Sabemos que o fibrado TM |L sobre L e simpleticoe contem TL como subfibrado lagrangiano. Seja J uma estruturaquase-complexa em M compatıvel com ω. Segue da compatibilidadeque E := J(TL) e um subfibrado lagrangiano de TM |L tal que

TM |L = TL⊕E.

Page 51: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 51

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 4.4: APLICACAO A PONTOS FIXOS DE SIMPLECTOMORFISMOS 51

(Veja o exercıcio anterior ao Teorema 2.4.2.)Note que, para x ∈ L, temos

ωx((u, a), (v, b)) = ωx(u, b) − ωx(v, a), (4.3.2)

onde u, v ∈ TxL e a, b ∈ Ex.

Exercıcio: Mostre que a aplicacao E → (TL)∗, a → ω(·, a)|TL e um iso-morfismo de fibrados.

Segue imediatamente do exercıcio anterior e de (4.3.2) que temosum isomorfismo

TM |L ∼−→ TL⊕ (TL)∗ (4.3.3)

que cobre a identidade e preserva a estrutura simpletica em cadafibra. De maneira totalmente analoga, obtemos um isomorfismo

T (T ∗L)|L ∼−→ TL⊕ (TL)∗ (4.3.4)

com essas mesmas propriedades.A discussao anterior mostra que os fibrados normais de L em

T ∗L e M sao isomorfos, ja que ambos podem ser identificados como fibrado T ∗L → L. Pelo teorema da vizinhanca tubular, existeum difeomorfismo ψ entre vizinhancas de L em T ∗L e M , e tal quedψ|L : TM |L → T (T ∗L)|L e a identificacao induzida por (4.3.3) e(4.3.4). Portanto dψ|L preserva a estrutura simpletica das fibras.Segue que ωcan|L = ψ∗ω|L. Podemos agora usar o Teorema 4.2.2para obter o resultado desejado.

O Teorema 4.3.2 pode ser generalizado para subvariedades isotro-picas e coisotropicas, veja e.g. [17, 27].

4.4 Aplicacao a pontos fixos de simplec-

tomorfismos

Discutiremos aqui, brevemente, uma aplicacao do teorema da vizi-nhanca lagrangiana ao problema de se estimar o numero de pontosfixos de simplectomorfimos.

Page 52: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 52

i

i

i

i

i

i

i

i

52 [CAP. 4: O METODO DE MOSER E FORMAS NORMAIS

Seja (M,ω) uma variedade simpletica e seja f : M → M umsimplectomorfismo. Sabemos que o grafico de f , denotado por ∆f ,e uma subvariedade lagrangiana de M ×M = (M,ω) × (M,−ω). Adiagonal ∆ em M×M tambem e uma subvariedade lagrangiana, e ospontos fixos de f podem ser identificados com os pontos na intersecaode ∆f e ∆.

Proposicao 4.4.1. Seja (M,ω) uma variedade simpletica compactacom H1

dR(M,R) = 0. Entao todo simplectomorfismo f suficiente-mente proximo da identidade na topologia C1 tem pelo menos doispontos fixos.

Demonstracao: Como ∆ ∼= M , segue do teorema da vizinhancalagrangiana que podemos identificar uma vizinhanca U de ∆ em M×M com uma vizinhanca U0 da secao zero M → T ∗M atraves de umsimplectomorfismo ψ : U → U0 tal que ψ(x, x) = x, para x ∈M .

Se f ∈ Simp(M,ω) esta suficientemente proximo da identidadena topologia C0, entao ∆f esta contido em U . Ademais, se f estaproximo da identidade na topologia C1, entao nao so ∆f ⊂ U ,mas tambem ψ(∆f ) ⊂ U0 e o grafico de uma 1-forma µf . Comoeste grafico e lagrangiano, temos que dµf = 0, e o fato de queH1

dR(M,R) = 0 implica que existe h ∈ C∞(M) tal que µf = dh.Como M e compacta, h tem pelo menos dois pontos crıticos, ou seja,µf intersecta a secao zero M → T ∗M em pelo menos dois pontos. Efacil ver que esses pontos correspondem, via ψ, a pontos em ∆f ∩∆.

A proposicao acima ilustra a relacao entre o numero de pon-tos fixos de simplectomorfismos de M e o numero mınimo de pon-tos crıticos de funcoes em M . Sem assumir a hipotese na coho-mologia, a proposicao continua valida para difeomorfismos hamil-tonianos, ou seja, simplectomorfismos dados pelo tempo 1 de umfluxo hamiltoniano (tempo dependente ou nao), proximos da iden-tidade. O problema de dar uma limitacao inferior ao numero depontos fixos de difeomorfismos hamiltonianos quaisquer, sem neces-sariamente estarem proximos da identidade, e parte da conjecturade Arnold , que tem sido uma das principais motivacoes para o de-senvolvimento da topologia simpletica, veja [21, 29, 33] para umadiscussao com referencias.

Page 53: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 53

i

i

i

i

i

i

i

i

Capıtulo 5

Hipersuperfıcies de

contato

5.1 Definicoes e exemplos

Seja N2n−1 uma variedade de dimensao ımpar. Dizemos que uma 1-forma α em N e de contato se α∧(dα)n−1 e uma forma de volume emN . Se α e uma forma de contato em N , chamamos o par (N,α) umavariedade de contato. Variedades de contato sao consideradas objetosanalogos a variedades simpleticas em dimensao ımpar, e existe umavasta teoria sobre o assunto, veja e.g. [29, Secao 3.4].

Iremos neste capıtulo considerar hipersuperfıcies de variedadessimpleticas que possuem uma forma de contato relacionada a formasimpletica. Mais precisamente, uma hipersuperfıcie S de uma var-iedade simpletica (M2n, ω) e uma hipersuperfıcie de contato se existeuma forma de contato α em S tal que dα = ι∗ω, onde ι : S → M ea inclusao.

Nıveis de energia de sistemas hamiltonianos dados por hipersu-perfıcies de contato possuem propriedades especiais de estabilidade desua dinamica, como veremos no Capıtulo 6. Tais propriedades decor-rem do teorema a seguir, que caracteriza hipersuperfıcies de contatopela existencia de campos conformemente simpleticos transversais aelas.

53

Page 54: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 54

i

i

i

i

i

i

i

i

54 [CAP. 5: HIPERSUPERFICIES DE CONTATO

Teorema 5.1.1. Uma hipersuperfıcie compacta e orientada S deuma variedade simpletica (M 2n, ω) e de contato se e somente se ex-iste um campo vetorial X definido em uma vizinhanca U de S talque

i) X e conformemente simpletico, ou seja, LXω = ω;

ii) X e transversal a S.

Exercıcio: Mostre que um campo X satisfaz a equacao LXω = ω see somente se seu fluxo ϕt satisfaz ϕ∗

tω = etω para todo t ∈ R, onde ϕt

esta definido. Esta e a razao de tal campo ser chamado conformementesimpletico.

Demonstracao: Suponha que existe o campo X e defina α = iXω.Pela formula de Cartan, temos que

dα = LXω = ω.

Como S possui dimensao ımpar, existe Y ∈ TxS tal que ωx(Y, v) = 0para todo x ∈ S e v ∈ TxS. Como ω e nao-degenerada, αx(Y ) =ωx(X(x), Y ) 6= 0. Portanto

Dx = v ∈ TxS;ωx(X(x), v) = 0

define uma distribuicao de hiperplanos em S complementar a Y , demaneira que dα|D = ω|D e nao-degenerada. Consequentemente, α ∧(dα)n−1 6= 0.

Para provar a recıproca, temos que estender a forma de contatoα em S para uma vizinhanca de S como uma primitiva de ω:

Lema 5.1.2. Existe uma vizinhanca U de S e uma 1-forma τ em Utal que dτ = ω e ι∗τ = α.

Demonstracao: Pelo teorema da vizinhanca tubular, como S ecompacta e orientada, existe uma vizinhanca U de S e um difeomor-fismo ψ : S× (−1, 1) → U tal que ψ(x, 0) = x para todo x ∈ S. Com-pondo a inversa de ψ com a projecao no primeiro fator de S×(−1, 1),obtemos uma aplicacao r : U → S. Seja µ = r∗α. Temos queι∗µ = ι∗r∗α = α, pois ψ|S e a identidade.

Page 55: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 55

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 5.1: DEFINICOES E EXEMPLOS 55

Considere agora a 2-forma η := ω − dµ em U . Repare que η efechada e ι∗η = 0. Com efeito, dη = dω = 0 e

ι∗η = ι∗ω − dι∗µ = dα− dα = 0.

Pelo Lema 4.2.1, existe uma 1-forma ξ em U tal que η = dξ e ι∗ξ = 0.Definimos entao a 1-forma τ = µ + ξ. Como dτ = d(µ + ξ) =

dµ + ω − dµ = ω e ι∗τ = ι∗µ = α, concluimos a demonstracao dolema.

Considere agora o campo X em U dado pela equacao iXω = τ .Afirmamos que este e o campo desejado. Com efeito,

LXω = d(iXω) = dτ = ω.

Para mostrar que X e transversal a S, considere em S o campo Yunicamente caracterizado pelas equacoes

α(Y ) = 1 e iY dα = 0.

Agora, note queω(X,Y ) = α(Y ) = 1.

Mas, se X e tangente a S em algum ponto x ∈ S, temos que

ω(X(x), Y (x)) = dα(X(x), Y (x)) = 0,

chegando a um absurdo.

O teorema acima nos permite dar varios exemplos de hipersu-perfıcies de contato:

Exemplo 5.1.3. Note que o campo radial X(x) = (1/2)x, onde x =(q, p) ∈ R2n, e claramente conformemente simpletico com respeito aΩ0 =

∑i dqi∧dpi, pois iXΩ0 = 1

2

∑i qidpi−pidqi. Portanto, segue do

teorema acima que a esfera S2n−1 e de contato com forma de contato12

∑i pidqi − qidpi.

Exemplo 5.1.4. Considere o fibrado cotangente T ∗Q munido comsua forma simpletica canonica ω. Seja X(q, p) = p o campo radialao longo das fibras de T ∗Q. Note que iXω = −∑i pidqi = −α,

Page 56: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 56

i

i

i

i

i

i

i

i

56 [CAP. 5: HIPERSUPERFICIES DE CONTATO

onde α e a 1-forma tautologica definida na Secao 3.2. Fixe umametrica riemanniana em Q e defina o fibrado unitario cotangenteU∗Q = (q, p) ∈ T ∗Q; ‖p‖ = 1. Como X e sempre transversal aU∗Q, temos que U∗Q e uma hipersuperfıcie de contato com forma decontato −α.

Exemplo 5.1.5 (Hipersuperfıcie em R2n que nao e de con-tato). Seja R > r e considere uma hipersuperfıcie S em R2n difeo-morfa a esfera que tangencia o bordo dos cilindros Z(R) e Z(r), onder < R e Z(r) := (q, p) ∈ R2n; q21 + p2

1 ≤ r, como na figura 5.1.

Figura 5.1: Hipersuperfıcie que nao e de contato.

Seja n um campo normal a S que em pontos na intersecao de Scom Z(r) aponta para dentro de Z(r) e na intersecao de S com Z(R)aponta para fora de Z(R) (tome, por exemplo, n tal que

n(q1, ..., qn, p1, ..., pn) = (q1, 0, ..., 0, p1, 0, ..., 0)

em Z(R) ∩ S e

n(q1, ..., qn, p1, ..., pn) = −(q1, 0, ..., 0, p1, 0, ..., 0)

em Z(r) ∩ S). Note que J0n e um campo tangente a S e, comoω0(n, J0v) = 〈n, v〉 = 0 para todo v ∈ TS, o nucleo de ω0|TS egerado por J0n.

Page 57: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 57

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 5.2: FORMA NORMAL DE VIZINHANCAS DE HIPERSUPERFICIES DE CONTATO57

Suponha que S possui uma forma de contato β, de maneira queβ(J0n(q, p)) > 0 para todo (q, p) ∈ S ou β(J0n(q, p)) < 0 para todo(q, p) ∈ S. Suponhamos, sem perda de generalidade, que β(J0n) > 0.Pela construcao de S, J0n possui duas orbitas periodicas γr e γR naintersecao de S com Z(R) e Z(r) tangentes ao plano (q1, p1) comdirecoes opostas (ver Figura 5.1)

Seja α =∑

i pidqi, de forma que dα = −ω0 em S. E facil ver que

γr

α = −πr2 e

γR

−α = πR2,

de acordo com a orientacao indicada na Figura 5.1.Por outro lado, como S e difeomorfa a esfera, existe uma funcao

f em S tal que β − α|S = df . Consequentemente,

γr

β = −∫

γr

α > 0 e

γR

β = −∫

γR

α < 0.

Mas β(J0n) > 0, absurdo.

5.2 Forma normal de vizinhancas de hiper-

superfıcies de contato

Seja agora (N,α) uma variedade de contato. A partir de (N,α)podemos construir uma variedade simpletica, denominada de simple-tizacao de N , dada por N × R com a 2-forma ω = d(etα).

Exercıcio: Mostre que ω e simpletica.

O teorema seguinte diz que localmente uma hipersuperfıcie decontato e equivalente a sua simpletizacao:

Teorema 5.2.1. Seja S uma hipersuperfıcie de contato compactae orientada de uma variedade simpletica (M,ω). Entao existe umavizinhanca U de S, ε > 0 e um simplectomorfismo

ψ : (U, ω) → (S × (−ε, ε), d(etα)).

Page 58: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 58

i

i

i

i

i

i

i

i

58 [CAP. 5: HIPERSUPERFICIES DE CONTATO

Demonstracao: Considere um difeomorfismo f : U → S × (−1, 1)sobre uma vizinhanca U de S tal que f |S e a identidade. Podemos es-colher f de maneira que f∗X = ∂

∂t , ondeX e o campo conformementesimpletico dado pelo Teorema 5.1.1.

Tome a 2-forma η := f∗d(etα) em U , de maneira que ι∗η = ι∗ω,onde ι : S → M e a inclusao. Seja Y o campo em S dado pelasequacoes

α(Y ) = 1 e iY dα = 0.

Para cada x ∈ S, seja W1 ⊂ TxM o nucleo de α e W2 ⊂ TxMo subespaco gerado pelos vetores X(x) e Y (x). Note que TxM =W1 ⊕W2 e que W1 e W2 sao η-ortogonais. De fato,

ηx = f∗(dα+ α ∧ dt) = dα+ α ∧ f∗dt,

para todo x ∈ S. Consequentemente, η(Y, v) = dα(Y, v) = 0 eη(X, v) = α(v) = 0 para todo v ∈ W1, pois f∗dt(X) = 1. Por outrolado, W1 e W2 sao tambem ω-ortogonais, pois ω(Y, v) = dα(Y, v) = 0e ω(X, v) = α(v) = 0 para todo v ∈W1.

Como ω|W1= dα|W1

= η|W1e ω|W2

= η|W2, segue que ω|TxM =

η|TxM para todo x ∈ S. O resultado segue agora do Teorema 4.2.2.

Page 59: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 59

i

i

i

i

i

i

i

i

Capıtulo 6

Sistemas hamiltonianos

6.1 Definicoes e exemplos

Dizemos que um campo de vetores em uma variedade simpletica(M,ω) e simpletico se seu fluxo preserva a forma ω, ou seja,

LXω = 0.

Como ω e nao-degenerada, dada uma funcao H ∈ C∞(M), existeum unico campo de vetores XH ∈ X(M) satisfazendo a equacao deHamilton

iXHω = dH. (6.1.1)

O campoXH e chamado o campo hamiltoniano ou gradiente simpleticoda hamiltonianaH . Denotamos por XHam(M,ω) o espaco dos camposhamiltonianos. Note que, se ω = g(J ·, ·) para uma metrica riemanni-ana g e uma estrutura quase-complexa J , entao XH = −J∇H , onde∇H e o gradiente de H com respeito a g.

Proposicao 6.1.1. Sejam (M,ω) variedade simpletica e H ∈ C∞(M).Entao

LXHH = 0 e LXH

ω = 0.

Demonstracao: O fato que campos hamiltonianos preservam asfuncoes hamiltonianas que o geram segue da anti-simetria de ω:

LXHH = dH(XH) = ω(XH , XH) = 0,

59

Page 60: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 60

i

i

i

i

i

i

i

i

60 [CAP. 6: SISTEMAS HAMILTONIANOS

enquanto que a propriedade de campos hamiltonianos serem simpleticossegue da formula de Cartan:

LXHω = iXH

dω + diXHω = 0.

Corolario 6.1.2 (Teorema de Liouville). Fluxos hamiltonianospreservam volume, i.e.,

LXHΛ = 0,

onde Λ e a forma de Liouville (3.1.1).

A formula de Cartan mostra que X e um campo simpletico see somente se iXω e uma 1-forma fechada, e X e hamiltoniano se esomente se essa 1-forma e exata. Portanto, se H1

dR(M) = 0, todo

campo simpletico e automaticamente hamiltoniano.Todavia, nem todo campo simpletico e hamiltoniano. Com efeito,

considere o cilindro S1×R, com coordenadas cilındricas (θ, h) e formasimpletica ω = dθ ∧ dh. O campo X = ∂

∂h , gerando as translacoesao longo da direcao h, e simpletico. Mas iXω = −dθ nao e exata eportanto X nao e hamiltoniano.

Dada entao uma hamiltoniana H em M , temos pela Proposicao6.1.1 que as hipersuperfıcies de nıvel H−1(k), chamadas nıveis de en-ergia de H , sao invariantes pelo fluxo de XH . Caso nao haja mencaoao contrario, iremos sempre supor que k e um valor regular de H .Note que, se os nıveis de energia forem compactos, o fluxo de XH

esta definido para todo tempo.

Exemplo 6.1.3 (Funcao altura na esfera). Considere na esferaS2 a funcao altura H(θ, h) = h e a forma simpletica dada pela formade area dθ ∧ dh. Temos que XH = ∂

∂θ , pois iXHdθ ∧ dh = dH . Suas

orbitas sao portanto, todas periodicas com duas singularidades nospolos norte e sul (ver Figura 6.1).

Exemplo 6.1.4 (Levantamento de campos). Seja M uma va-riedade diferenciavel, X um campo vetorial em M e ϕt seu fluxo.O levantamento cotangente de ϕt define um fluxo ϕt em T ∗X (veja

Secao 3.2), gerado pelo campo vetorial X ∈ X(T ∗Q). Como vimos

Page 61: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 61

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 6.2: DINAMICA EM NIVEIS DE ENERGIA 61

Figura 6.1: Fluxo hamiltoniano da funcao altura.

na Secao 3.2, o fluxo ϕt e simpletico com respeito a forma simpleticacanonica. E facil ver que este fluxo e de fato hamiltoniano, comhamiltoniana H = i bXα, onde α e a 1-forma tautologica de T ∗M .

Exemplo 6.1.5 (Fibracao de Hopf). Considere a funcao H(x) =(1/2)‖x‖2, x ∈ R

2n. Como XH(x) = −J0∇H(x) = −J0x, temos queas orbitas de XH sao dadas pelas intersecoes de linhas complexas emR2n ' Cn com as esferas H−1(k). Repare que XH e linear e seu fluxoe dado explicitamente por

ϕt(x) = etJ0x = (cos t)x− (sin t)J0x.

O fluxo de XH gera uma fibracao por cırculos de S2n−1 chamada fi-bracao de Hopf, cujo quociente e o espaco complexo projetivo CPn−1.

6.2 Dinamica em nıveis de energia

Uma observacao bastante util e que, modulo uma reparametrizacao, ofluxo de XH restrito ao nıvel de energia k depende somente da hiper-superfıcie H−1(k). Mais precisamente, dada uma hipersuperfıcie Sem M , seu fibrado de linhas caracterısticas LS e o subfibrado de TSdado pela distribuicao unidimensional kerω|TS . Chamamos a fol-heacao correspondente de folheacao caracterıstica de S.

Page 62: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 62

i

i

i

i

i

i

i

i

62 [CAP. 6: SISTEMAS HAMILTONIANOS

Exercıcio: Seja ι : S → (M,ω) uma hipersuperfıcie, e suponha que a folhe-acao caracterıstica seja simples, ou seja, que o espaco de folhas S/LS sejasuave e a projecao π : S → S/LS uma submersao. Mostre que S/LS pos-sui uma estrutura simpletica ωred unicamente caracterizada pela condicaoπ∗ωred = ι∗ω. (No Exemplo 6.1.5, podemos usar esta construcao paraobter a forma de Fubini-Study.)

O ultimo exercıcio indica um caso particular do procedimento dereducao simpletica, veja [8, 19].

Proposicao 6.2.1. O campo XH e tangente a folheacao caracterıstica.

Demonstracao: Seja S = H−1(k) um nıvel de energia. Temos que

ω(XH , v) = dH(v) = 0

para todo v ∈ TS.

Corolario 6.2.2. Seja S uma hipersuperfıcie de energia comum aduas hamiltonianas H1 e H2. Entao os fluxos hamiltonianos de H1

e H2 em S diferem apenas por uma reparametrizacao.

Outra consequencia imediata e o seguinte resultado de estabili-dade. Dizemos que dois campos de vetores X e Y definidos nas var-iedade S e S′, respectivamente, sao topologicamente (resp. diferen-ciavelmente) equivalentes, se existe um homeomorfismo (resp. difeo-morfismo) h : S → S′ que leva orbitas de X em orbitas de Y preser-vando a orientacao das trajetorias (ou seja, se dados p ∈ S e δ > 0,existe ε > 0 tal que, para 0 < t < δ, hϕt(p) = ψth(p) para algum0 < t < ε, onde ϕt e ψt sao os fluxos de X e Y , respectivamente).

Proposicao 6.2.3. Seja S uma hipersuperfıcie de contato de M .Entao existe uma hamiltoniana H definida em uma vizinhanca U deS tal que S = H−1(0) e XH |H−1(k) e diferenciavelmente equivalentea XH |H−1(0) para todo k suficientemente pequeno.

Demonstracao: Pela Proposicao 5.1.1, existe um campo X con-formemente simpletico definido em uma vizinhanca U de S e transver-sal a S. Seja ϕt o fluxo deX e construa uma hamiltonianaH : U → R

de maneira que H |S ≡ 0, dH(p) 6= 0 para todo p ∈ S, e H e constanteem cada hipersuperfıcie ϕt(S) para t suficientemente pequeno.

Page 63: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 63

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 6.2: DINAMICA EM NIVEIS DE ENERGIA 63

Como ϕ∗tω = etω, temos que kerω|H−1(k) = dϕt(kerω|S), onde

H−1(k) = ϕt(S). O resultado segue agora da Proposicao 6.2.1.

Observacao: De fato, pode-se construir a hamiltoniana na demon-stracao da Prop. 6.2.3 de maneira queXH |H−1(k) e diferenciavelmenteconjugado a XH |H−1(0), ou seja, com um difeomorfismo h de H−1(0)em H−1(k) levando orbitas de XH |H−1(0) em orbitas de XH |H−1(k)

preservando o tempo.

Seja agora S um nıvel de energia regular de H . Pela Proposicao6.1.2, o fluxo hamiltoniano ϕt preserva a forma de volume de LiouvilleΛ em M . Vamos mostrar que ϕt preserva tambem uma forma devolume definida em S.

Proposicao 6.2.4. Existe uma forma de volume ΛS em S invariantepor ϕt.

Demonstracao: Como dH(x) 6= 0 para todo x em uma vizinhancaU de S, existe uma (2n − 1)-forma η em U tal que Λ = dH ∧ η emU . Seja ι : S →M a inclusao e

ΛS = ι∗η.

Note que ΛS e claramente uma forma de volume em S e esta unica-mente caracterizada pela equacao Λ = dH ∧ η. Com efeito, se Λ =dH∧η = dH∧ζ para alguma (2n−1)-forma ζ, entao dH∧(η−ζ) = 0e portanto η−ζ = dH∧κ para alguma (2n−2)-forma κ em U . Sendoι∗dH = 0, concluımos que ι∗η = ι∗ζ + ι∗(dH ∧ κ) = ι∗ζ, como afir-mamos.

Como ϕ∗t Λ = Λ e ϕ∗

t dH = dH , temos que ϕ∗t ΛS = ΛS. De fato,

Λ = ϕ∗t Λ = ϕ∗

t dH ∧ ϕ∗t η = dH ∧ ϕ∗

t η, mas, pela unicidade de η,ϕ∗

t ι∗η = ι∗ϕ∗

t η = ι∗η, pois ϕt ι = ι ϕt.

Fluxos que preservam volume em variedades compactas possuemfortes propriedades de recorrencia. Mais precisamente, dizemos queum ponto x ∈ S e recorrente para o fluxo ϕt se existe sequencia tk talque limk→±∞ tk = ±∞ e limk→±∞ ϕtk

(x) = x. Note que obviamenteum ponto recorrente x e, em particular, um ponto nao-errante, ouseja, dada qualquer vizinhanca U de x e T > 0, existe t > T tal queϕt(U) ∩ U 6= ∅.

Page 64: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 64

i

i

i

i

i

i

i

i

64 [CAP. 6: SISTEMAS HAMILTONIANOS

Teorema 6.2.5 (Teorema de recorrencia de Poincare). Seja ϕt

um fluxo que preserva volume em uma variedade compacta S. Entaoquase todo ponto de S com respeito a medida de volume µS e umponto recorrente de ϕt.

Demonstracao: Seja ϕ = ϕ1 o difeomorfismo dado pelo tempo umdo fluxo. Provaremos inicialmente que, para todo A ⊂ S,

µS

(A ∩

[ ⋂

k≥0

j≥k

ϕ−j(A)

])= µS(A). (6.2.1)

Observe que x esta em⋂

k≥0

⋃j≥k ϕ

−j(A) se para todo inteiro k

existe j ≥ k tal que x ∈ ϕ−j(A), ou seja, ϕj(x) ∈ A. Portantoa intersecao deste conjunto com A consiste nos pontos em A quevoltam infinitamente para A pelos iterados de ϕ.

Para provar a igualdade (6.2.1), defina

Ak :=⋃

j≥k

ϕ−j(A)

para k ≥ 0. Note que A0 ⊃ A1 ⊃ A2 ⊃ .... Como ϕk(Ak) = A0

e ϕ preserva µS , µS(Ak) = µS(A0) para todo k e, portanto, comoAk ⊂ A0 e µS(Ak) <∞ para todo k, A0 = Ak em quase todo ponto,o que implica que ∩k≥0Ak = A0 em quase todo ponto. Como A ⊂ A0,concluımos que

A ∩⋂

k≥0

Ak = A ∩ A0 = A em quase todo ponto,

conforme desejado.

Finalmente, seja U1, U2, ... uma base topologica enumeravel deS. Aplicando a igualdade (6.2.1) a cada Ui, concluımos que o con-junto S′ dos pontos x tais que, se x ∈ Ui para algum i, entao x voltaa Ui infinitas vezes, possui medida total. Como qualquer vizinhancaU de x ∈ S′ e dada pela uniao de Ui’s, existe sequencia tk → ∞ talque limtk→∞ ϕtk (x) = x. Aplicando o mesmo argumento para ϕ−1,concluımos a demonstracao.

Page 65: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 65

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 6.2: DINAMICA EM NIVEIS DE ENERGIA 65

Portanto, quase todas as orbitas do fluxo hamiltoniano restrito aum nıvel de energia sao recorrentes, sempre que o mesmo for com-pacto. Surge entao a seguinte pergunta natural:

Questao: Quando existem orbitas periodicas em um dado nıvel deenergia (compacto) de um sistema hamiltoniano?

Tal questao pode ser reformulada da seguinte maneira: dada umahipersuperfıcie S em uma variedade simpletica, dizemos que umacurva fechada γ : S1 → S e uma caracterısitica fechada se γ(t) ∈LS(γ(t)) para todo t ∈ S1. Pela Proposicao 6.2.1, a existencia de talcurva implica que se S e uma hipersuperfıcie de energia de algumahamiltoniana entao, modulo uma reparametrizacao, γ e uma orbitaperiodica do fluxo hamiltoniano.

A pergunta acima, alem de ser bastante natural, e de naturezavariacional. Para vermos porque, suponhamos, para efeito de sim-plicidade, que ω = −dα e exata. Dada uma hamiltoniana H e umacurva fechada γ : [0, T ] →M , definimos sua acao como

AH(γ) =

γ

(α −H).

Isso define um funcional no espaco de curvas fechadas de perıodofixado T em M , que chamamos de funcional de acao de H .

Proposicao 6.2.6 (Princıpio de Hamilton). Pontos crıticos dofuncional de acao estao em bijecao com o conjunto de orbitas periodicasde XH . Mais precisamente, uma curva fechada γ : [0, T ] →M e umaorbita periodica de XH se e somente se, dada uma variacao suave decurvas fechadas Γ : [0, ε] × [0, T ] → M tal que Γ0 = γ, tem-se

dAH(Γs)

ds

∣∣∣∣s=0

= 0,

onde s e a coordenada no primeiro fator.

Demonstracao: Seja X o campo vetorial ao longo de γ dado por∂∂s

∣∣s=0

Γs. Pelo teorema de Stokes,

[0,ε]×[0,T ]

Γ∗dα =

ε×[0,T ]

Γ∗α−∫

0×[0,T ]

Γ∗α.

Page 66: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 66

i

i

i

i

i

i

i

i

66 [CAP. 6: SISTEMAS HAMILTONIANOS

Dividindo ambos os lados acima por ε e fazendo ε → 0, temos que olado direito converge para a derivada de

∫γ α na direcao X e o lado

esquerdo tende a∫

γ dα(X, γ). Consequentemente,

dAH(γ) ·X =

∫ T

0

−dα(X, γ) − dH(γ) ·X dt

=

∫ T

0

ω(γ −XH(γ), X) dt.

Observacao: O argumento acima se aplica para provar o seguinte:se γ : [0, T ] → M e uma curva (nao necessariamente fechada) e L1 eL2 sao subvariedades de M tais que γ(0) ∈ L1, γ(T ) ∈ L2 e λ|Li

= 0para i = 1, 2, entao γ e uma orbita de XH se e somente se s = 0 e umponto crıtico da acao AH para qualquer variacao Γs tal que Γ0 = γ,Γs(0) ∈ L1 e Γs(T ) ∈ L2 para todo s.

Utilizando esta abordagem variacional, P. Rabinowitz provou em[32] o seguinte resultado:

Teorema 6.2.7 (Rabinowitz [32]). Seja S uma hipersuperfıcieem R2n que limita uma regiao convexa. Entao S possui uma carac-terıstica fechada.

O teorema acima foi generalizado por A. Weinstein [42] parahipersuperfıcies em R2n com formato estrela, ou seja, hipersuperfıciesque sao transversais ao campo radial. Weinstein tambem lancou aseguinte conjectura fundamental:

Conjectura 6.2.8 (Weinstein [42]). Toda hipersuperfıcie de con-tato S em uma variedade simpletica M tal que H1(S) = 0 possui umacaracterıstica fechada.

Tal conjectura em seu formato geral e um problema em aberto,mas varios resultados parciais foram obtidos, a comecar com a celebreprova para M = R2n com a forma simpletica canonica devida aC. Viterbo [38]. Viterbo provou a conjectura de Weinstein sem ahipotese sobre H1(S). De fato, todos os resultados ate entao obtidos

Page 67: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 67

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 6.2: DINAMICA EM NIVEIS DE ENERGIA 67

nao utilizam a hipotese sobre a cohomologia de S, e a conjectura at-ualmente considerada e de que toda hipersuperfıcie de contato possuiuma caracterıstica fechada.

Na Secao 7.4 veremos como o problema de existencia de orbitasfechadas para sistemas hamiltonianos esta relacionado com invari-antes globais e propriedades de rigidez em geometria simpletica. Paraencerrar esta secao, vamos considerar alguns exemplos.

Exemplo 6.2.9 (Dinamica em elipsoides). Seja H : Cn → R

uma hamiltoniana da forma

H(z1, ..., zn) =

n∑

i=1

z2j

r2j

onde 0 < r1 ≤ r2 ≤ ... ≤ rn. Os nıveis de energia de H sao os bordosdos elipsoides

Ek(r1, r2, ..., rn) =

(z1, . . . , zn) ∈ C

n;n∑

j=1

∣∣∣∣zj

rj

∣∣∣∣2

≤ k

.

Sendo todos os nıveis de energia de H transversais ao campo radial,para estudarmos sua dinamica basta nos restringirmos ao caso k = 1.

Como XH e linear, podemos calcular explicitamente seu fluxo,que e dado por

ϕt(z1, ..., zn) = (etλ1J0z1, etλ2J0z2, ..., e

tλnJ0zn),

onde λi = 2/r2i . Consequentemente, XH restrita a ∂E1(r1, r2, ..., rn)possui ao menos n orbitas periodicas dadas por

γj(t) = (0, ..., 0, zj(t), 0, ..., 0),

onde zj(t) = etλjJ0zj(0) e |zj(0)|2 = r2j . De fato, existem duaspossıveis situacoes:

• 〈(r21 , ..., r2n), v〉 6= 0 para todo v ∈ Zn, v 6= 0, quando as unicasorbitas periodicas sao γ1, ..., γn;

• 〈(r21 , ..., r2n), v〉 = 0 para algum v ∈ Zn , v 6= 0, quando existeminfinitas orbitas periodicas.

Page 68: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 68

i

i

i

i

i

i

i

i

68 [CAP. 6: SISTEMAS HAMILTONIANOS

Repare que quando r1 = r2 = ... = rn = 1 caımos no Exemplo 6.1.5,onde todas as orbitas sao periodicas.

Exemplo 6.2.10 (Fluxos geodesicos). Seja (M, g) uma variedaderiemanniana e T ∗M seu fibrado cotangente, munido da forma simple-tica canonica. A metrica g define um difeomorfismo entre os fibradostangente e cotangente de M dado por (x, v) 7→ (x, ivg). Seja ω aforma simpletica em TM dada pelo pullback da forma simpleticacanonica em T ∗M via tal difeomorfismo.

Considere em TM a hamiltonianaH : TM → R dada pela energiacinetica H(x, v) = (1/2)g(v, v). Seu fluxo hamiltoniano e chamadoo fluxo geodesico de M e e dado por ϕ(x,v)(t) = (γ(x,v)(t), γ(x,v)(t)),onde γ(x,v) e a unica geodesica emM tal que γ(x,v)(0) = x e γ(x,v)(0) =v (lembre que uma curva γ e uma geodesica se satisfaz ∇γ γ = 0).

Fluxos geodesicos sao objetos de intenso estudo ha decadas e con-stituem um importante campo de investigacao envolvendo geometriadiferencial e sistemas dinamicos. Existem varios trabalhos sobre oassunto, especialmente quando a curvatura de M e nao positiva, ver[31] e as referencias aı mencionadas.

Como visto no Exemplo 5.1.4, todos os nıveis de energia de H saode contato. Ademais, sempre existem orbitas fechadas em todo nıvelde energia. De fato, basta provar a existencia de uma orbita fechadaem um nıvel de energia, pois o fluxo geodesico tem a importantepropriedade de homogeneidade, isto e, sua dinamica em qualquer nıvelde energia e equivalente a uma reparametrizacao do fluxo geodesicono fibrado unitario (pois a geodesica com condicao inicial (x, v) e umareparametrizacao da geodesica com condicao inicial (x, v/‖v‖)).

A existencia de geodesicas fechadas em uma variedade rieman-niana compacta e um fato bem conhecido em geometria diferencial.Quando M nao e simplesmente conexa, basta tomar uma classe dehomotopia livre nao trivial e minimizar a energia entre as curvasfechadas nesta classe. Neste caso, o teorema e devido a Cartan epossui uma demonstracao simples, que pode ser encontrada em [12].No caso geral, o resultado e devido a Lyusternik e Fet e usa teoria deMorse para o funcional de energia no espaco de curvas fechadas, ver[24].

Exemplo 6.2.11 (Fluxo geodesico em Sn). Considere a esferaSn em R

n+1 com a metrica induzida. Neste caso as geodesicas sao

Page 69: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 69

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 6.2: DINAMICA EM NIVEIS DE ENERGIA 69

os grandes cırculos e portanto todas as orbitas do fluxo geodesico nofibrado unitario USn sao fechadas.

Exemplo 6.2.12 (Fluxo geodesico no toro plano). Seja T n =R

n/Zn o toro n-dimensional com a metrica plana induzida do Rn. As

geodesicas de T n sao as projecoes das retas pela projecao quocienteπ : Rn → Rn/Zn. Consequentemente, o fibrado unitario UT n efolheado por toros de dimensao n invariantes pelo fluxo, restrito aosquais o fluxo e uma translacao. Tais toros sao dados por T n ×v ⊂UTn = Tn × Sn−1 para v ∈ Sn−1.

Exemplo 6.2.13 (Fluxo geodesico de variedades hiperbolicas).Seja agora M uma variedade riemanniana hiperbolica, ou seja, comcurvatura seccional constante negativa. E um fato bem conhecidoque o fluxo geodesico ϕt de M possui a seguinte propriedade: existeuma metrica no fibrado unitario UM e uma decomposicao do fibradotangente de UM em subfibrados

TUM = span(X) ⊕Es ⊕Eu,

onde X = (d/dt)|t=0ϕt e o gerador infinitesimal do fluxo geodesico,tal que dϕt(E

s) = Es, dϕt(Eu) = Eu e existem constantes 0 < a <

1 < b satisfazendo

‖dϕt(v)‖ ≤ at‖v‖ e ‖dϕ−t(w)‖ ≤ b−t‖w‖

para todo v ∈ Es, w ∈ Eu e t > 0. Fluxos com essa propriedade saochamados fluxos Anosov. A prova desse fato para variedades comcurvatura constante negativa e relativamente simples e usa somentefatos basicos de geometria hiperbolica (ver, por exemplo, Secao 17.5de [20]).

Fluxos Anosov sao bem estudados em sistemas dinamicos e pode-se provar, entre outras coisas, que sao topologicamente transitivos (ouseja, possuem orbitas densas) e seu conjunto de orbitas periodicas edenso.

Exemplo 6.2.14 (Fluxos magneticos). Seja (M, g) uma variedaderiemanniana e B uma 2-forma fechada em M . Como no Exemplo6.2.10, seja ω a forma simpletica em TM dada pelo pullback da formasimpletica canonica em T ∗M via a metrica. Considere em TM a

Page 70: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 70

i

i

i

i

i

i

i

i

70 [CAP. 6: SISTEMAS HAMILTONIANOS

forma simpletica ωB := ω + π∗B, onde π : TM → M e a projecaocanonica (veja a discussao no final da Secao 3.2).

O fluxo hamiltoniano dado pela energia cinetica

H(x, v) = (1/2)g(v, v)

e chamado o fluxo magnetico de (M, g) associado ao campo magneticoB.

Exercıcio: Seja Y : TM → TM a aplicacao de fibrados definida pelaequacao B(v, w) = g(Y (v), w). Tal aplicacao denomina-se forca de Lorentz

associada a B. Mostre que as orbitas de XH satisfazem a equacao deNewton

∇γ γ = Y (γ).

Fluxos magneticos sao generalizacoes naturais de fluxos geodesicose tem sido muito estudados em varios aspectos nos ultimos anos, ver[4, 10, 15]. Todavia, eles diferem de fluxos geodesicos em muitos as-pectos. Por exemplo, fluxos magneticos nao sao homogeneos comofluxos geodesicos, de maneira que a dinamica pode ser completamentediferente em cada nıvel de energia.

Em particular, o problema de existencia de orbitas fechadas temque ser tratado em cada nıvel. De fato, existem exemplos de nıveisde energia de fluxos magneticos sem orbitas fechadas (ver Exemplo6.2.17). Varios resultados sobre a existencia de tais orbitas sao conhe-cidos, ver [10, 15] e referencias aı contidas.

Outra diferenca fundamental e que nıveis de energia do fluxomagnetico nao sao necessariamente de contato. Por exemplo, pode-se mostrar (usando uma sequencia exata de cohomologia chamadasequencia de Gysin) que se B nao e exata e a dimensao de M e maiorque 2, entao ωB restrita a qualquer H−1(k) nao e exata [10].

Exemplo 6.2.15 (Fluxo magnetico em S2 com a forma dearea). Considere a esfera S2 em R3 equipada com a metrica induzida,e seja B a forma de area em S2. Como B(v, w) = 〈Jv, w〉, onde J e aestrutura complexa em S2, as trajetorias γ do fluxo magnetico dadopor B satisfazem

∇γ γ = J(γ),

ou seja, γ possui curvatura geodesica constante. Portanto, como nofluxo geodesico do Exemplo 6.2.11, todas as orbitas sao fechadas.

Page 71: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 71

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 6.2: DINAMICA EM NIVEIS DE ENERGIA 71

Exemplo 6.2.16 (Fluxo magnetico no toro plano Kahler).Seja T 2n o toro 2n-dimensional equipado com a metrica plana in-duzida do R2n, como no Exemplo 6.2.12, e seja B a forma de Kahlerem T 2n. Analogamente ao exemplo anterior, B(v, w) = 〈Jv, w〉,onde J e a estrutura complexa em T 2n, de forma que as orbitastambem possuem curvatura geodesica constante. Como curvas comcurvatura geodesica constante em R2n sao cırculos, as trajetorias dofluxo magnetico sao fechadas, com projecao contratil em T 2n.

Exemplo 6.2.17 (Fluxo magnetico em quocientes do espacocomplexo hiperbolico). Seja M um quociente compacto do espacocomplexo hiperbolico munido da metrica induzida com curvatura sec-cional holomorfa constante igual a −1, e seja B a forma de Kahler.Como nos dois ultimos exemplos, as orbitas magneticas possuem cur-vatura geodesica constante. Pode-se provar, porem, que neste casoexistem tres comportamentos dinamicos completamente distintos [3]:

• Se a energia for menor que 1/2, todas as trajetorias sao fechadascom projecao contratil em M ;

• no nıvel de energia 1/2, o fluxo magnetico e equivalente aofluxo horocıclico; em particular, todas as orbitas sao densas, eportanto nao existem orbitas periodicas;

• se a energia for maior que 1/2, o fluxo magnetico e diferenci-avelmente equivalente ao fluxo geodesico; em particular e umfluxo Anosov.

Page 72: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 72

i

i

i

i

i

i

i

i

Capıtulo 7

Invariantes globais

7.1 Capacidades simpleticas e rigidez de

simplectomorfismos

Vimos no Capıtulo 4 como o truque de Moser implica em variaspropriedades de rigidez local de estruturas simpleticas. Mais precisa-mente, vimos que formas simpleticas sao equivalentes em vizinhancasde diversas subvariedades e obtivemos formas normais para as mes-mas. Isso contrasta fortemente com estruturas riemannianas, para asquais a curvatura aparece como invariante local. Vimos, ainda, queestruturas simpleticas em variedades compactas sao indistinguıveisquando ligadas por formas simpleticas na mesma classe de cohomolo-gia.

Uma pergunta natural e importante, portanto, e se existem in-variantes que possam diferenciar uma estrutura simpletica de outra.Pelo que vimos, tais invariantes tem que ser de natureza global. Umprimeiro invariante obvio e dado pelo volume da variedade,

Vol(M) =

M

Λ,

onde Λ e a forma de volume de Liouville.Sabemos que, em dimenso 2, temos a recıproca: pelo teorema

de Moser (Teor. 4.1.1), duas superfıcies simpleticas compactas sao

72

Page 73: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 73

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 7.1: CAPACIDADES SIMPLETICAS E RIGIDEZ DE SIMPLECTOMORFISMOS 73

simplectomorfas se e somente se sao difeomorfas e possuem a mesmaarea.

Porem, o que ocorre em dimensao maior? Existe algum outro in-variante simpletico alem do volume? Esta pergunta ficou em abertodurante um longo perıodo ate o aparecimento de um celebre trabalhode M. Gromov em 1985, intitulado “Pseudo holomorphic curves on al-most complex manifolds” [18]. Neste artigo Gromov prova o seguinteresultado notavel:

Teorema 7.1.1 (Teorema non-squeezing de Gromov). SejamB2n(r) = (x, y) ∈ R2n; ‖x‖2 + ‖y‖2 < r2 a bola de raio r eZ2n(R) = (x, y) ∈ R2n;x2

1 + y21 < R2 o cilindro de raio R so-

bre o (x1, y1)-plano, ambos com a forma simpletica canonica ω0 =∑i dxi ∧ dyi induzida de R2n. Entao existe um mergulho simpletico

de B2n(r) em Z2n(R) se e somente se r ≤ R.

Observacao: Note que, no resultado acima, e fundamental tomar-mos o plano simpletico (x1, y1). De fato, se tomassemos, por exemplo,o plano isotropico (x1, x2), entao a transformacao simpletica (x, y) 7→(δx, δ−1y) leva a bola B2n(1) no cilindro (x, y) ∈ R2n;x2

1 +x22 < δ2.

A partir deste resultado, Gromov introduziu o seguinte valor (po-dendo ser infinito) associado a uma variedade simpletica, chamadode capacidade de Gromov, ou espessura simpletica:

cG(M,ω) = supπr2; existe mergulho simpletico B2n(r) → (M,ω).

Evidentemente, se (N, τ) e uma variedade simpletica com dimN =dimM e existe um mergulho simpletico de (N, τ) em (M,ω), entao

cG(N, τ) ≤ cG(M,ω).

Em particular, a capacidade de Gromov e um invariante simpletico.

Note que, pelo teorema de Moser, se M e uma superfıcie, entaocG(M,ω) coincide com a area de (M,ω). De fato, dada uma superfıcieM de area A, podemos tomar discos em M com areas arbitrariamenteproximas de A (tome os discos em um domınio fundamental do reco-brimento universal de M).

Page 74: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 74

i

i

i

i

i

i

i

i

74 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

Por outro lado, cG(M,ω) e completamente distinto do volume emdimensao maior, pois cG(Z2n(r), ω0) = πr2 enquanto Vol(Z2n(r), ω0) =∞.

A importancia do teorema de Gromov nao e somente definir umnovo invariante. Ele tambem implica em propriedades de rigidez detransformacoes simpleticas. Note que a condicao sobre um difeomor-fismo ser simpletico e uma condicao em sua derivada e evidentementee fechada na topologia C1. Todavia, o teorema de Gromov implica oseguinte resultado surpreendente:

Teorema 7.1.2 (Eliashberg e Gromov). O grupo de simplecto-morfismos e fechado na topologia C0, ou seja, dada uma sequencia de

difeomorfismos simpleticos ψjC0−unif−→ ψ, se ψ e um difeomorfismo,

entao ψ e simpletico.

Esse teorema pode ser visto como um analogo simpletico do teo-rema de Weierstrass que afirma que o limite uniforme na topologia C0

de funcao holomorfas e uma funcao holomorfa. Daremos uma demon-stracao do Teorema 7.1.2 na Secao 7.3 usando capacidades simpleticasdevida e Ekeland e Hofer.

A demonstracao do teorema nonsqueezing de Gromov e longa edifıcil. Ela e baseada no estudo de curvas pseudo-holomorfas comrespeito a uma estrutura quase-complexa compatıvel com a formasimpletica, e envolve uma sofisticada construcao analıtica. Na Secao7.2 daremos um breve esboco da prova.

Novas provas do teorema nonsqueezing surgiram apos o trabalhode Gromov. Em geral, elas decorrem da construcao de certos in-variantes simpleticos, chamados capacidades simpleticas, cuja axiom-atizacao e devida a Hofer e Zehnder [21, 22].

Definicao 7.1.3. Considere a classe de todas as variedades simple-ticas (M,ω) de dimensao fixa igual a 2n. Uma capacidade simpleticae um mapa (M,ω) 7→ c(M,ω) que associa a (M,ω) um numero naonegativo ou ∞ satisfazendo os seguintes axiomas:

• Monotonicidade: se existe uma mergulho simpletico ϕ : (M,ω) →(N, τ) entao

c(M,ω) ≤ c(N, τ);

• Conformalidade: c(M,aω) = |a|c(M,ω), ∀a ∈ R \ 0;

Page 75: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 75

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 7.1: CAPACIDADES SIMPLETICAS E RIGIDEZ DE SIMPLECTOMORFISMOS 75

• Nao-trivialidade: c(B2n(r), ω0) = c(Z2n(r), ω0) = πr2.

Claramente a capacidade de Gromov e uma capacidade simpletica.A monotonicidade, como ja vimos, e obvia. A conformalidade seguedo fato que (B2n(

√|a|r), ω0) e simplectomorfa a (B2n(r), |a|ω0) (Ex-

ercıcio). A nao-trivialidade e exatamente o teorema nonsqueezing.De fato, a existencia de uma capacidade simpletica implica o teo-rema nonsqueezing.

Note que cG e a menor capacidade simpletica. Por outro lado, amaior capacidade e dada por

c(M,ω) = infπr2; existe mergulho simpletico ϕ : (M,ω) → (Z2n(r), ω0)Portanto, temos que

cG(M,ω) ≤ c(M,ω) ≤ c(M,ω)

para qualquer capacidade (M,ω) 7→ c(M,ω).

Exemplo 7.1.4 (Capacidade de Elipsoides). Considere um elipsoidequalquer dado por

E =

v ∈ R

2n;

2n∑

j,k=1

ajkvjvk ≤ 1

.

Exercıcio: (Lema 2.43 de [29]) Mostre que existe um simplectomorfismolinear levando E em

E(r1, r2, ..., rn) =

(z1, . . . , zn) ∈ Cn;

nX

j=1

˛

˛

˛

˛

zj

rj

˛

˛

˛

˛

2

≤ 1

ff

,

para algum 0 < r1 ≤ r2 ≤ ... ≤ rn, e os numeros ri sao unicamentedeterminados por E.

Como B2n(r1) ⊂ E(r1, r2, ..., rn) ⊂ Z2n(r1), segue que

cG(E) = πr21 .

Exemplo 7.1.5 (Continuidade da capacidade para conjuntosconvexos). Defina a distancia de Hausdorff de dois subconjuntos Ue V de R2n como

d(U, V ) = maxx∈U

(miny∈V

‖x− y‖)

+ maxy∈V

(minx∈U

‖x− y‖).

Page 76: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 76

i

i

i

i

i

i

i

i

76 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

Exercıcio: Suponha que U e um conjunto convexo contendo a origem.Mostre que ∀ε > 0, existe δ > 0 tal que

(1 − ε)U ⊂ V ⊂ (1 + ε)U

sempre que d(U, V ) < δ.

Segue entao do exercıcio acima que a capacidade de conjuntos con-vexos e contınua com respeito a metrica de Hausdorff. Note que e fun-damental nos restringirmos a conjuntos convexos. Com efeito, pode-mos aproximar arbitrariamente na metrica de Hausdorff um disco Dde dimensao dois pela uniao disjunta A de finos aneis. A capacidadede Gromov de A e a maior area dos finos aneis e portanto pode serarbitrariamente pequena.

Na Secao 7.4.4 veremos como Hofer e Zehnder construıram novascapacidades simpleticas em termos de orbitas periodicas de sistemashamiltonianos. Veremos que este resultado nao so fornece uma novaprova dinamica do teorema nonsqueezing mas tambem uma demon-stracao da conjectura de Weinstein em R2n.

7.2 Breve esboco da prova do teorema non-

squeezing via curvas pseudo-holomorfas

Daremos aqui um breve esboco da prova do teorema nonsqueezing deGromov. Para uma exposicao mais detalhada, sugerimos [6, 18, 23].Utilizaremos [23] como referencia nesta secao.

Como mencionamos anteriormente, a prova de Gromov do teo-rema nonsqueezing esta baseada no estudo de curvas pseudo-holomorfasem uma variedade simpletica. Tais objetos sao as generalizacoes nat-urais de curvas holomorfas para variedades quase-complexas.

Definicao 7.2.1. Seja (M,J) uma variedade com uma estruturaquase-complexa J e (Σ, j) uma superfıcie de Riemann com uma es-trutura complexa j. Uma aplicacao suave u : Σ →M tal que

du j = J du

e dita uma curva J-holomorfa ou uma curva pseudo-holomorfa (quandoe claro com respeito a qual estrutura quase-complexa) em M .

Page 77: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 77

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 7.2: ESBOCO DA PROVA DO TEOREMA NONSQUEEZING 77

Seja agora ϕ : B2n(r) → Z2n(R) um mergulho simpletico e r′ < r.Como ϕ(B2n+2(r′)) e compacto, existe um mergulho simpletico

ϕ : B2n(r′) → (B2(R) × T 2n−2, ω0 ⊕ ω0)

tomando T 2n−2 = R2n−2/aZ2n−2, para a suficientemente grande,com a forma simpletica induzida de R

2n−2, que continuamos deno-tando por ω0. No que segue denotaremos r′ por r para simplificar anotacao.

Assim, o Teorema 7.1.1 segue do seguinte resultado geral:

Teorema 7.2.2 (Teorema nonsqueezing para produtos). Seja(N, τ) uma variedade simpletica de dimensao 2n−2 tal que π2(N) =0. Se existe um mergulho simpletico de B2n(r) em B2n(R)×N , entaor < R.

Daremos uma prova deste teorema utilizando o seguinte resutadodevido a Gromov.

Teorema 7.2.3 (Gromov). Seja (N, τ) uma variedade simpleticacompacta tal que π2(N) = 0 e J uma estrutura quase-complexa emS2 ×N compatıvel com a forma simpletica produto σ⊕ τ , onde σ e aforma de area de S2. Entao, dado um ponto p ∈ S2 ×N , existe umacurva J-holomorfa u : S2 → S2 ×N passando sobre p e homologa afibra S2 × x.

Demonstracao:[Breve esboco da prova do Teorema 7.2.3] O resul-tado e trivial quando J = j⊕JN , onde j e a estrutura complexa usualem S2 e JN e qualquer estrutura quase-complexa em N . A prova nocaso geral e baseada no estudo dos mapas de avaliacao (evaluationmaps)

evJ : M([S2], J) ×G S2 →M

[f, z] 7→ f(z),

onde M = S2 ×N , J e uma estrutura quase-complexa em M com-patıvel com a forma simpletica produto σ⊕τ , M([S2], J) e o conjuntode curvas J-holomorfas emM homologas a fibra S2×x, G e o grupode transformacoes conformes em S2, e M([S2], J)×GS

2 e o quocientede M([S2], J)×S2 pela acao de G dada por g ·(f, z) = (f g, g−1(z)).

Page 78: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 78

i

i

i

i

i

i

i

i

78 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

O teorema e entao equivalente a afirmar que evJ e sobrejetiva.Para provar isto, repare que evj⊕JN

e evidentemente sobrejetiva. Aideia basica e, a grosso modo, deformar evj⊕JN

ate evJ preservandoesta propriedade.

O ponto crucial na demonstracao e que, sob as condicoes do teo-rema, para um J generico (ou seja, em um subconjunto residualno espaco de estruturas quase-complexas compatıveis J ), o espacoM([S2], J)×GS

2 e uma variedade compacta suave de dimensao finitana topologia C∞. Tais estruturas complexas genericas sao chamadasregulares.

Prova-se, entao, que existem estruturas quase-complexas regularesJa e Jb proximas de j ⊕ JV e J , respectivamente, e pontos pa e pb

proximos de p tais que pa e pb sao valores regulares de evJae evJb

,respectivamente, e #ev−1

Ja(pa) = 1. Em particular,

grau(evJa) = 1.

Apesar do espaco de estruturas quase-complexas regulares naoser conexo por caminhos, pode-se, em geral, ligar estruturas quase-complexas regulares Ja e Jb por um caminho γ : [0, 1] → J tal queM([S2], γ)×GS

2 e uma variedade diferenciavel compacta com bordoM([S2], Ja)×G S

2 ∪M([S2], Jb)×G S2, onde M([S2], γ) e o conjunto

de curvas γ(t)-holomorfas em M homologas a fibra S2 × x paratodo t ∈ [0, 1], e G age de maneira analoga em M([S2], γ)×S2. Noteque usamos aqui o fato de que J e contratil, e portanto conexo porcaminhos (veja as Secoes 2.4 e 3.3.1).

Esse fato nos permite definir o mapa de avaliacao

evγ : M([S2], γ) ×G S2 →M,

que restrito as componentes do bordoM([S2], Ja)×GS2 eM([S2], Jb)×G

S2 coincide com evJae evJb

, respectivamente. Isto implica que asaplicacoes evJa

e evJbsao cobordantes. Um argumento canonico em

Topologia Diferencial mostra, entao, que

grau(evJb) = grau(evJa

) = 1.

Como pb e Jb estao arbitrariamente proximos de J e p respectiva-mente, prova-se que as curvas Jb-holomorfas passando em pb con-vergem a uma curva J-holomorfa passando em p que e homologa a

Page 79: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 79

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 7.2: ESBOCO DA PROVA DO TEOREMA NONSQUEEZING 79

fibra S2 × x.

Note que dado um mergulho simpletico

ϕ : B2n(r) → (B2(R) ×N,ω0 ⊕ τ)

temos de fato um mergulho simpletico

ϕ : B2n(r) → (S2(R/2) ×N, σ ⊕ τ),

onde S2(R) e a esfera de raio R. Com efeito, podemos mergulharsimpleticamente B2(R) em S2(R/2) via o teorema de Dacorogna-Moser (veja o Teorema 7.4.6 mais a frente).

Seja J0 a estrutura quase-complexa canonica em R2n e considere aestrutura quase-complexa ϕ∗J0 em ϕ(B2n(r)). A proposicao seguintediz que podemos estender ϕ∗J0 a uma estrutura quase-complexa Jem S2(R/2)×N compatıvel com σ ⊕ τ :

Proposicao 7.2.4. Dada uma variedade simpletica (M,ω), uma sub-variedade S ⊂ M e uma estrutura quase-complexa J0 definida aolongo de S (i.e., um endomorfismo em TM |S tal que J2

0 = −Id)compatıvel com ω, entao existe uma estrutura quase-complexa J emM tambem compatıvel com ω e tal que J |S = J0.

Demonstracao: Seja g0 a metrica riemanniana definida ao longode S dada por ω(·, J0·). Considere em M uma particao da unidadeρii∈I , e construa em cada suporte de ρi uma metrica riemannianahi que coincide com g0 se suporte(ρi ∩ S) 6= ∅. Como uma somapositiva de metricas e uma metrica, temos que g :=

∑i∈I ρihi e uma

metrica definida em toda M que estende g0.Note agora que, pela Proposicao 2.4.2, dado um produto interno e

uma forma simpletica ω em um espaco vetorial, existe uma estruturacomplexa compatıvel com ω. Como essa construcao e canonica, pode-mos aplica-la ao fibrado tangente TM , obtendo a estrutura quase-complexa desejada.

Consequentemente, temos que

ϕ : (B2n(r), J0) → (S2(R/2) ×N, J).

Page 80: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 80

i

i

i

i

i

i

i

i

80 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

e uma aplicacao holomorfa, ou seja, tal que dϕ J0 = J dϕ.

Pelo Teorema 7.2.3, existe uma curva J-holomorfa C homologa aS2 × x contendo ϕ(0) de forma que, pelo teorema de Stokes,

C

σ ⊕ τ =

S2×x

σ ⊕ τ = πR2.

Se C ′ = C ∩ ϕ(B2n(r)), temos que

πR2 ≥∫

C′

σ ⊕ τ =

ϕ−1(C′)

ω0,

pois ϕ e simpletica. Mas ϕ−1(C ′) e uma curva J0-holomorfa passandopela origem. Em particular, e uma superfıcie mınima contida emB2n(r). Usaremos agora o seguinte fato sobre subvariedades mınimasem R2n. Para uma prova, ver [23].

Proposicao 7.2.5. Seja Mn ⊂ RN uma subvariedade mınima e

p ∈ M . Entao,

Vol(B(p, r) ∩M) ≥ cnrn,

onde B(p, r) e a bola de centro p e raio r, e cn e o volume da bolan-dimensional de raio 1.

Consequentemente, temos que

area(ϕ−1(C ′)) =

ϕ−1(C′)

ω0 ≥ πr2,

onde a igualdade acima segue do fato que C ′ e uma subvariedadecomplexa de B2n(r), e portanto simpletica.

7.3 Rigidez de simplectomorfismos

Seja ψi : R2n → R2n uma sequencia de difeomorfismos simpleticos.Como a condicao sobre um simplectomorfismo envolve somente suaderivada, temos claramente que, se ψi converge a um difeomorfismoψ na topologia C1, entao ψ e simpletico.

Page 81: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 81

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 7.3: RIGIDEZ DE SIMPLECTOMORFISMOS 81

Suponha agora que ψi → ψ uniformemente na topologia C0, deforma que ψ e contınua. Como

∫f ψ dµ = lim

i→∞

∫f ψi dµ = lim

i→∞

∫f dµ =

∫f dµ

para toda funcao contınua f , onde µ e a forma de volume em R2n,temos que ψ tambem preserva a forma de volume. Em particular, seψ e diferenciavel entao det dψ(x) = ±1 para todo x ∈ R

2n.

Veremos nesta secao que, surpreendentemente, se ψ e diferenciavel,entao dψ e simpletica. Seguiremos um argumento devido a Ekelande Hofer [13], mostrando que tal fato segue diretamente da existenciade uma capacidade simpletica.

Teorema 7.3.1. Um difeomorfismo que preserva orientacao ψ :R2n → R2n e simpletico com respeito a forma simpletica canonica se esomente se existe uma capacidade simpletica c tal que c(ψ(U)) = c(U)para todo elipsoide U ⊂ R2n.

Na prova utilizaremos o seguinte analogo linear do resultado acima:

Lema 7.3.2. Uma transformacao linear L : R2n → R2n que preservaa capacidade de elipsoides e simpletica ou anti-simpletica, isto e,L∗ω0 = ±ω0.

Demonstracao: Se L nao e simpletica nem anti-simpletica, o mesmose passa com sua transposta L∗ (Exercıcio). Portanto, existem v, w ∈R2n tais que

ω0(v, w) 6= ±ω0(L∗v, L∗w).

Perturbando v e w se necessario, podemos supor que ω0(v, w) eω0(L

∗v, L∗w) sao nao-nulos. Trocando L∗ por (L∗)−1 e reescalandov e w se necessario, assuma que

0 < λ2 := |ω0(L∗v, L∗w)| < |ω0(v, w)| = 1.

Considere agora uma base simpletica vi, wi, i = 1, . . . , n, de R2n talque v1 = v e w1 = w, e uma segunda base simpletica v′i, w′

i tal quev′1 = L∗v

λ e w′1 = L∗w

λ .

Page 82: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 82

i

i

i

i

i

i

i

i

82 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

Sejam A e A′ transformacoes lineares simpleticas que levam a basesimpletica canonica (ei)

2ni=1 em vi, wi e v′i, w′

i, respectivamente.Tomando C = (A′)−1L∗A, temos que

C(e1) = λe1 e C(e2) = λe2.

As matrizes C e C∗ possuem entao a forma

C =

((λ 00 ±λ

)∗

0 ∗

)e C∗ =

((λ 00 ±λ

)0

∗ ∗

),

ou seja, a transposta C∗ preserva o subespaco spane3, ..., e2n e con-trai por λ a primeira e segunda componentes dos vetores e1 e e2.Consequentemente,

C∗(B2n(1)) ⊂ Z2n(λ).

Mas, como A, L e A′ preservam a capacidade, o mesmo ocorre paraC∗ = A∗L(A′∗)−1, chegando a um absurdo.

Finalmente, note que C∗ precisa preservar somente a capacidadede bolas. Portanto, e preciso somente que L preserve a capacidadeda imagem de bolas por transforacoes lineares, ou seja, elipsoides.

Demonstracao:[Prova do Teorema 7.3.1] Temos que provar quedψx e simpletica para todo x ∈ R

2n. Compondo com translacoes,podemos nos restringir ao caso em que x = 0 e ψ(0) = 0. Mas dψ0 eo limite uniforme em compactos dos difeomorfismos

ψt(x) =ψ(tx)

t

quando t → 0. Note que ψt preserva a capacidade para todo t 6= 0.Com efeito, chamando ϕt a multiplicacao x 7→ tx, temos que

c(ψt(U), ω0) = c(ϕ1/t ψ ϕt(U), ω0)

= c(ψ ϕt(U), ϕ∗1/tω0)

= (1/t2)c(ψ ϕt(U), ω0)

= (1/t2)c(ϕt(U), ω0)

= c(U, ω0),

Page 83: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 83

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 7.4: A CAPACIDADE DE HOFER-ZEHNDER 83

onde a segunda e terceira igualdades seguem da monotonicidade econformalidade de c junto ao o fato de que ϕ∗

tω0 = t2ω0, e a quartaigualdade decorre do fato de que ψ preserva a capacidade para elipsoidese ϕt(U) tambem e um elipsoide.

Agora, note que dado um elipsoide U e um numero positivo λ < 1,existe t0 tal que

ψt(λU) ⊂ dψ0(U) ⊂ ψt(λ−1U)

para todo t > t0. De fato, seja ft = dψ−10 ψt. Como ft converge

a identidade uniformemente em compactos, ft(λU) ⊂ U ⊂ ft(λ−1U)

para t suficientemente grande (note que aqui estamos usando o fatoque U e um elipsoide, pois a relacao de inclusao λU ⊂ U ⊂ λ−1Uclaramente nao e valida para um aberto U qualquer).

Como c(λU) = λ2c(U), segue entao da monotonicidade de c e dasinclusoes acima que dψ0 preserva a capacidade de elipsoides. PeloLema, 7.3.2 concluımos que dψ0 e simpletica ou anti-simpletica.

Para finalizar, note que, como ψ preserva a orientacao, se n eımpar, segue imediatamente que dψ0 nao pode ser anti-simpletica.Se n for par, aplique o mesmo argumento para IdR2 × ψ.

Corolario 7.3.3 (Eliashberg e Gromov). O grupo de simplecto-morfismos Simp(M,ω) e C0 fechado em Dif(M).

Demonstracao: Como o resultado e de natureza local, basta prova-lo quando (M,ω) = (R2n, ω0), o que segue do Teorema 7.3.1.

7.4 A capacidade de Hofer-Zehnder

Como vimos na Secao 7.5, uma questao importante em geometriasimpletica e o problema da existencia de orbitas periodicas em nıveisde energia de sistemas hamiltonianos. Em [22, 21], Hofer e Zehn-der introduziram o seguinte invariante simpletico diretamente rela-cionado a este tipo de problema:

Definicao 7.4.1. A capacidade de Hofer-Zehnder de uma variedade

Page 84: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 84

i

i

i

i

i

i

i

i

84 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

simpletica (M,ω) e dada por

cHZ(M,ω) = supH∈HA(M,ω)

maxH,

onde HA(M,ω) e o conjunto de hamiltonianas admissıveis H em M ,isto e,

• H ∈ H(M,ω) ⊂ C∞(M,R), onde H ∈ H(M,ω) se e somentese H ≥ 0, e existe um conjunto aberto V ⊂ M onde H |V ≡ 0e um conjunto compacto K ⊂ M \ ∂M satisfazendo H |M\K ≡maxH;

• toda orbita periodica nao-constante (ou seja, que nao seja umasingularidade) de XH possui perıodo maior que 1.

Intuitivamente, a capacidade de Hofer-Zehnder mede a oscilacaosuficiente para uma hamitoniana em H(M,ω) possuir orbitas perio-dicas de curto perıodo. Mais precisamente, temos pela definicaoacima que se cHZ(M,ω) < ∞ e H ∈ H(M,ω) e tal que maxH >cHZ(M,ω), entao o fluxo hamiltoniano de H possui uma orbita perio-dica nao-trivial de perıodo menor que 1.

Proposicao 7.4.2. A capacidade de Hofer-Zehnder satisfaz as pro-priedades de monotonicidade e conformalidade.

Demonstracao: Inicialmente provaremos a monotonicidade. Seϕ : (M,ω) → (N, τ) e um mergulho simpletico entre variedades demesma dimensao, definimos uma aplicacao ϕ∗ : H(M,ω) → H(N, τ)dada por

ϕ∗(H) =

H ϕ−1(x) se x ∈ ϕ(M);

maxH se x /∈ ϕ(M).

Claramente maxϕ∗(H) = maxH . Basta provar entao que

ϕ∗HA(M,ω) ⊂ HA(N, τ).

Mas como ϕ e simpletica, Xϕ∗(H) = dϕ(XH) em ϕ(M). Portanto,toda orbita periodica nao-trivial de Xϕ∗(H) corresponde a uma unicaorbita periodica nao-trivial de XH de mesmo perıodo via ϕ, visto queϕ∗H e constante e igual a maxϕ∗H em N \ ϕ(M).

Page 85: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 85

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 7.4: A CAPACIDADE DE HOFER-ZEHNDER 85

Para a conformalidade, seja a ∈ R, a 6= 0, e defina ψ : H(M,ω) →H(M,aω) por ψ(H) = Ha := |a|H . Claramente ψ e uma bijecao,e, como maxHa = |a|maxH , basta mostrarmos que ψ define umabijecao entre HA(M,ω) e HA(M,aω). Mas o campo hamiltonianoXaω

Hade Ha com respeito a aω e dado pela equacao

aω(XaωHa, ·) = |a|dHa,

e portanto coincide com XH ou −XH dependendo do sinal de a, ondeXH e o campo hamiltoniano de H com respeito a ω.

Proposicao 7.4.3. cHZ(B2n(r)), ω0) ≥ πr2.

Demonstracao: Pela conformalidade de cHZ , basta provar quecHZ(B2n(1)), ω0) ≥ π. Para tal, vamos construir explicitamente,para um dado 0 < ε < π, uma hamiltoniana admissıvel em B2n(1)tal que maxH = π − ε. Seja f : [0, 1] → [0,∞) uma funcao suave talque

• 0 ≤ f ′(t) < π;

• f(t) = 0 para t proximo de 0;

• f(t) = π − ε para t proximo de 1.

Defina H(x) = f(‖x‖2) para x ∈ B2n(1). Entao maxH = π − ε eafirmamos que H e admissıvel. De fato, o campo hamiltoniano de He dado por

XH(x) = 2f ′(‖x‖2)XF (x),

onde F (x) = (1/2)‖x‖2 e a hamiltoniana vista no Exemplo 6.1.5,cujo fluxo hamiltoniano e dado explicitamente por ϕF

t (x) = (cos t)x−(sin t)J0x. Todas as orbitas de XF sao periodicas de perıodo 2π.

Note agora que se γ(t) e uma orbita de um campo X e h e uma

funcao suave qualquer, entao γh(t) := γ(∫ t

0h(γ(s)) ds) e uma solucao

do campo hX . Como 2f ′(‖x‖2) e constante ao longo das orbitas deXF (pois ‖x‖2 e constante ao longo das orbitas), as orbitas de XH

sao portanto dadas por

ϕHt (x) = ϕF

2tf ′(‖x‖2),

Page 86: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 86

i

i

i

i

i

i

i

i

86 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

e consequentemente, como 0 ≤ f ′(‖x‖2) < π, todas as orbitas periodicasde XH tem perıodo estritamente maior que 1.

Em particular, segue do teorema de Darboux que toda variedadesimpletica nao-vazia possui capacidade de Hofer-Zehnder positiva. Aspropriedades acima sao simples de provar. Como B2n(r) ⊂ Z2n(r),segue da monotonicidade e da proposicao anterior que

cHZ(Z2n(r), ω0) ≥ cHZ (B2n(r), ω0) ≥ πr2.

Teorema 7.4.4 (Hofer e Zehnder). cHZ(Z2n(r), ω0) ≤ πr2.

Segue, portanto, que cHZ define uma capacidade simpletica. Aprova to Teorema 7.4.4 e bastante delicada e nao a incluiremos aqui.Ela pode ser encontrada em [21, 22], e esta baseada em um argu-mento variacional envolvendo o funcional de acao de H . Em particu-lar, temos uma nova prova (variacional) do teorema nonsqueezing deGromov. Veremos na proxima secao que o Teorema 7.4.4 proporcionamais que isso. Ela implica tambem a existencia de orbitas periodicasem quase todo nıvel de energia de hamiltonianos proprios em R2n,e, em particular, a conjectura de Weinstein em R2n provada por C.Viterbo.

Em geral, e um problema bastante difıcil calcular cHZ . Entre-tanto, em dimensao dois, nıveis de energia regulares sao variedadesunidimensionais e, portanto, se forem compactos, orbitas periodicasdo fluxo hamiltoniano. Usando esta observacao, K. Siburg [34] provouque a capacidade de Hofer-Zehnder de uma superfıcie coincide comsua area. Seguiremos a demonstracao dada por Hofer e Zehnder em[22].

Teorema 7.4.5. Seja (M,ω) uma variedade simpletica compacta dedimensao 2, possivelmente com bordo nao vazio. Entao

cHZ (M,ω) =

∣∣∣∣∫

M

ω

∣∣∣∣.

Demonstracao: Podemos supor, sem perda de generalidade, queM e conexa, pois, caso contrario, aplicamos o argumento a cadacomponente conexa de M . Inicialmente provaremos que

cHZ (M,ω) ≥∣∣∣∣∫

M

ω

∣∣∣∣.

Page 87: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 87

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 7.4: A CAPACIDADE DE HOFER-ZEHNDER 87

Dado ε > 0, removendo a vizinhanca de um numero finito de curvas deM , obtemos uma variedade simplesmente conexa N ⊂M difeomorfaa um disco fechado D ⊂ R2 tal que

∣∣∣∣∫

N

ω

∣∣∣∣ ≥∣∣∣∣∫

M

ω

∣∣∣∣− ε.

Para isso, basta observar que M pode ser obtida pela identificacaodos lados de um polıgono no plano. Basta portanto removermos viz-inhancas suficientemente pequenas desses lados, obtendo uma regiaodifeomorfa a um disco.

Podemos escolher o raio do disco de modo que sua forma de areaµ satisfaca ∣∣∣∣

D

µ

∣∣∣∣ =∣∣∣∣∫

N

ω

∣∣∣∣.

Como D e N possuem bordo, nao podemos aplicar diretamente oteorema de Moser 4.1.1 para concluir que sao simplectomorfos. Pre-cisamos da seguinte extensao do teorema de Moser:

Teorema 7.4.6 (Dacorogna-Moser [11]). Sejam D1 e D2 domınioscompactos e conexos com bordos suaves em Rn. Suponha que Λ1(x) =f1(x)dx1 ∧ ... ∧ dxm e Λ2(x) = f2(x)dx1 ∧ ... ∧ dxm sao formas devolume em D1 e D2, respectivamente, tais que f1 > 0 e f2 > 0. Seϕ : D1 → D2 e um difeomorfismo que preserva orientacao entaoexiste um difemorfismo ψ : D1 → D2 tal que ψ = ϕ em ∂D1 e

det(dψ(x))f2(ψ(x)) = λf1(x),

onde a constante λ e dada pela relacao∫

D2

f2 = λ

D1

f1.

Em particular, se D1 e D2 possuem o mesmo volume, temos queλ = 1 e consequentemente det(dψ(x)) = 1, ou seja, ψ preserva vol-ume. Aplicando este fato a (D,µ) e a (N,ω), concluımos que eles saosimplectomorfos. Pela monotonicidade de cHZ ,

cHZ(M,ω) ≥ cHZ(N,ω) = cHZ(D,µ) ≥∣∣∣∣∫

D

µ

∣∣∣∣ ≥∣∣∣∣∫

M

ω

∣∣∣∣− ε,

Page 88: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 88

i

i

i

i

i

i

i

i

88 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

onde a desigualdade c(D,µ) ≥∣∣ ∫

Dµ∣∣ segue da Proposicao 7.4.3.

Como isso vale para todo ε > 0, temos a desigualdade desejada.Falta agora provar que

cHZ (M,ω) ≤∣∣∣∣∫

M

ω

∣∣∣∣.

Pela propriedade de conformalidade, podemos supor que a integralno lado direito e positiva. Seja ε > 0 e H ∈ HA(M,ω) satisfazendo

maxH ≥∫

M

ω + ε.

Temos que provar que o fluxo hamiltoniano de H possui uma orbitanao constante de perıodo 0 < T ≤ 1. Seja R ⊂ [0,maxH ] o conjuntode valores regulares de H . Pelo teorema de Sard, R possui medidade Lebesgue total. Portanto, existem finitos intervalos disjuntos Ij =[aj , bj ] ⊂ R tais que

j

(bj − aj) ≥ maxH − ε

2≥∫

M

ω +ε

2.

Como H ≡ maxH em uma vizinhanca de ∂M , dado h ∈ R, H−1(h)consiste em um numero finito de cırculos mergulhados em M , cadaum correspondendo a uma orbita fechada γ(t, h) do fluxo hamiltoni-ano de H . Escolha para cada j uma componente Aj de H−1[aj , bj ].Note que cada Aj e coberto por uma famılia suave γ(t, h) de solucoesfechadas de perıodo T (h) > 0, onde h ∈ Ij . Seja ϕ = ϕj o difeomor-fismo dado por

ϕ : (t, h) 7→ γ(t, h) ∈ Aj ,

onde 0 ≤ t < T (h) e aj ≤ h ≤ bj . Afirmamos que

ϕ∗ω = dt ∧ dh.

Com efeito, como H(γ(t, h)) = h, ω(∂tγ, ∂hγ) = dH(γ(t, h))(∂hγ) =1. Portanto, dados u, v ∈ R2, u = (u1, u2) e v = (v1, v2), temos

ϕ∗ω(u, v) = ω(dϕ(u), dϕ(v)) = ω(u1∂tγ + u2∂hγ, v1∂tγ + v2∂hγ)

= (u1v2 − u2v1)ω(∂tγ, ∂hγ) = u1v2 − u2v1 = (dt ∧ dh)(u, v),

Page 89: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 89

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 7.5: CAPACIDADE DE HOFER-ZEHNDER E ORBITAS PERIODICAS 89

provando a afirmacao. Consequentemente,

Aj

ω =

ϕ−1(Aj)

ϕ∗ω =

∫ bj

aj

T (h) dh.

Suponha agora, por contradicao, que T (h) > 1 para todo h ∈ R.Entao ∫

M

ω ≥∑

j

Aj

ω >∑

j

(bj − aj) ≥∫

M

ω +ε

2,

chegando a um absurdo. Portanto, existe h ∈ R tal que T (h) ≤ 1,concluindo a demonstracao.

7.5 Capacidade de Hofer-Zehnder e orbitas

periodicas em nıveis de energia

Como vimos, por definicao, se cHZ (M,ω) < ∞, entao toda hamil-toniana H ∈ H(M,ω) tal que maxH > cHZ(M,ω) possui umaorbita periodica nao-trivial de perıodo menor que 1. Veremos a seguirque a condicao de H estar em H(M,ω) nao e tao importante, poistoda hamiltoniana pode ser transformada em uma hamiltoniana emH(M,ω) na vizinhanca de um nıvel de energia, resultando somenteem uma reparametrizacao do fluxo hamiltoniano.

Proposicao 7.5.1. Seja S = H−1(E) uma hipersuperfıcie de ener-gia compacta e regular de XH em (M,ω). Suponha que existe umavizinhanca aberta U de S tal que cHZ (U, ω) <∞. Entao, existe umasequencia de valores de energia Ej → E tal que XH possui uma orbitaperiodica de energia Ej para todo j.

Demonstracao: Seja f : R → R uma funcao suave tal que

• f(x) ≥ 0 para todo x;

• f(x) = 0 para todo x suficientemente proximo de E;

• f(x) ≡ max f para x /∈ (E − ε, E + ε) para algum ε > 0;

• supp (f H) ⊂ U ;

Page 90: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 90

i

i

i

i

i

i

i

i

90 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

• max f > cHZ(U, ω).

Pela primeiras tres condicoes acima, temos que f H ∈ H(M,ω).Ademais, decorre das duas ultimas condicoes e da definicao de cHZ

que XfH possui uma orbita periodica nao constante de perıodomenor que 1.

Agora, segue diretamente da equacao de Hamilton queXfH(p) =f ′(H(p))XH (p). Portanto, o fluxo hamiltoniano de f H e umareparametrizacao do fluxo deXH . Consequentemente, XfH tambempossui uma orbita periodica nao constante (podendo ser de qualquerperıodo, visto que ha uma reparametrizacao).

Pela segunda e terceira condicoes em f , tal orbita periodica pos-sui energia E′ 6= E e tal que E′ ∈ (E − ε, E + ε). Tomando ε → 0,concluimos a prova da proposicao.

Motivados pela proposicao anterior damos a seguinte definicao:

Definicao 7.5.2. Uma variedade simpletica (M,ω) possui capaci-dade de Hofer-Zehnder limitada se

cHZ (U, ω) <∞

para todo subconjunto aberto U ⊂M com fecho compacto.

Corolario 7.5.3. Seja (M,ω) uma variedade simpletica com capaci-dade de Hofer-Zehnder limitada. Entao, dada qualquer hamiltonianaH com nıveis de energia compactos, existe um subconjunto densoΣ ⊂ H(M) tal que para todo E ∈ Σ a hipersuperfıcie de energiaH−1(E) possui uma orbita periodica.

De fato, o seguinte teorema mostra que o resultado acima podeser bastante melhorado.

Teorema 7.5.4. Sob as mesmas hipoteses do Corolario 7.5.3, o con-junto Σ possui medida de Lebesgue total.

Este teorema foi provado por M. Struwe [35] supondo que osnıveis de energia limitam regioes compactas com capacidade de Hofer-Zehnder finita. Essa hipotese e desnecessaria, como provado em [26].

Page 91: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 91

i

i

i

i

i

i

i

i

[SEC. 7.5: CAPACIDADE DE HOFER-ZEHNDER E ORBITAS PERIODICAS 91

Observacao: Nao se pode esperar a existencia de orbitas periodicasem todo nıvel de energia. Com efeito, existem exemplos de hipersu-perfıcies em R2n, n > 1, sem caracterısticas fechadas [16]. A cons-trucao desses exemplos e baseada na insercao dos chamados plugssimpleticos. Mais precisamente, dada uma hipersuperfıcie S com umacaracterıstica fechada isolada γ, pode-se perturbar S na topologia C0

(via a insercao de um plug simpletico), obtendo uma nova hipersu-perfıcie S′ com as mesmas caracterısticas fechadas de S exceto γ.

Para obter um exemplo sem caracterısticas fechadas, basta par-tir, portanto, de uma hipersuperfıcie com um numero finito de orbitasperiodicas. Mas, como vimos no Exemplo 6.2.9, o bordo do elipsoideE(r1, r2, ..., rn) com r2i racionalmente independentes possui exata-mente n orbitas periodicas.

Segue da Proposicao 7.5.4 e do Teorema 7.4.4 o seguinte corolario:

Corolario 7.5.5. Toda hamiltoniana propria em R2n possui orbitas

periodicas em quase todo nıvel de energia.

Consequentemente, a condicao de limitacao da capacidade deHofer-Zehnder garante uma resposta bastante satisfatoria ao prob-lema da existencia de orbitas periodicas em nıveis de energia. Poroutro lado, e, em geral, um problema difıcil determinar quando acapacidade de Hofer-Zehnder e limitada. Note que mostrar que umavariedade simpletica possui capacidade de Hofer-Zehnder limitadaimplica, em particular, numa prova da conjectura de Weinstein paraa variedade em questao.

Alem do R2n, outros exemplos de variedade simpleticas com ca-pacidade de Hofer-Zehnder limitada sao conhecidos, ver [9] e re-ferencias aı contidas. Porem, o problema geral de determinar quandouma dada variedade simpletica possui capacidade de Hofer-Zehnderlimitada e ainda completamento aberto.

O seguinte simples e explıcito exemplo, devido a Zehnder [21, 45],exibe uma forma simpletica constante ω em T 4 com capacidade deHofer-Zehnder infinita. Em particular, como cG(T 4, ω) <∞, pois T 4

e compacto e portanto de volume finito, temos que as capacidade deGromov e Hofer-Zehnder diferem neste exemplo.

Exemplo 7.5.6 (Variedade simpletica com capacidade de Hofer-Zehnder ilimitada). Seja M = T 3 × R com a forma simpletica

Page 92: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 92

i

i

i

i

i

i

i

i

92 [CAP. 7: INVARIANTES GLOBAIS

ω(v, w) = 〈Av,w〉, onde 〈 , 〉 e a metrica Euclideana induzida em Me A e uma matriz tal que

−A−1 =

0 1 0 a1

−1 0 0 a2

0 0 0 1−a1 −a2 −1 0

,

onde a1, a2 ∈ R. Note que ω e evidentemente fechada, pois e induzidapor uma 2-forma constante em R4. Como det−A−1 = 1, ω e nao-degenerada.

Seja H : M → R a hamiltoniana dada pela coordenada x4 ∈ R,de forma que ∇H = e4, onde e1, e2, e3, e4 e a base canonica de R4.Seu campo hamiltoniano e, portanto,

XH = −A−1∇H = −A−1e4 = (a1, a2, 1, 0).

Consequentemente, em cada nıvel de energia H−1(c) = T 3 × c, ocampo hamiltoniano de H e o campo constante (a1, a2, 1).

Escolhendo a1 e a2 tais que

〈(a1, a2, 1), v〉 6= 0 para todo v ∈ Z3, v 6= 0,

temos que as orbitas de XH sao densas em T 3 × c para todo c ∈R. Geometricamente, o fluxo de XH e uma translacao em T 3 cominclinacao irracional. Em particular, XH nao possui nenhuma orbitaperiodica.

Finalmente, note que a translacao (x, t) 7→ (x, t+1) e uma trans-formacao simpletica com respeito a ω. Tomando o quociente, induz-imos uma forma simpletica em T 4 com uma hamiltoniana tendo umaberto de nıveis de energia compactos sem orbitas periodicas. PelaProposicao 7.5.1, tal forma simpletica possui capacidade de Hofer-Zehnder ilimitada.

Page 93: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 93

i

i

i

i

i

i

i

i

Bibliografia

[1] Abraham, A., Marsden, J.: Foundations of Mechanics, sec-ond edition, Addison-Wesley, 1978.

[2] Abraham, A., Marsden, J., Ratiu, T.: Manifolds, TensorAnalysis, and Applications, Applied Math. Sciences 75, secondedition, Springer-Verlag, New York, 1988.

[3] Adachi, T.: Kahler magnetic flows on a manifold of constantholomorphic sectional curvature, Tokyo Journal of Mathematics18 (1995), 473–483.

[4] Arnold, V.I.: Some remarks on flows of line elements andframes, Soviet Math. Dokl. 2 (1961), 565–564.

[5] Arnold, V. I.: Mathematical Methods in Classical Mechanics,Graduate Text in Math. 60, second edition, Springer-Verlag,New York, 1989.

[6] Audin, M., Lafontaine, J.:Holomorphic curves in symplecticgeometry, Progress in Math. 117, Birkhauser, Basel - Boston -Berlin, 1994.

[7] Bryant, R.: An introduction to Lie groups and symplectic ge-ometry, In: Geometry and Quantum Field Theory (Park City,UT, 1991), 5–181, IAS/Park City Math. series 1, Amer. Math.Soc., Providence, 1995.

[8] Cannas da Silva, A.:Lectures on Symplectic Geometry, Lect.Notes in Math. 1764, Springer-Verlag, 2001.

93

Page 94: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 94

i

i

i

i

i

i

i

i

94 BIBLIOGRAFIA

[9] Cieliebak, K., Hofer, H., Latschev, J., Schlenk, F.:

Symplectic capacities and their relations, preprint.

[10] Contreras, G., Macarini, L., Paternain, G.: Periodicorbits for exact magnetic flows on surfaces, Int. Math. Res.Notices 8 (2004), 361–387.

[11] Dacorogna, B., Moser, J.:On a partial differential equationinvolving the Jacobian determinant, Ann. Inst. Henri Poincare7 (1990), 1–26

[12] do Carmo, M.:Geometria Riemanniana Projeto Euclides, In-stituto de Matematica Pura e Aplicada, Rio de Janeiro, 1979.

[13] Ekeland, I., Hofer, H.:Symplectic topology and Hamiltoniandynamics, Math. Zeit. 200 (1990), 355–378.

[14] Fernandez, M., Gotay, M., Gray, A.: Compact paral-lelizable four-dimensional symplectic and complex submanifolds,Proc. Amer. Math. Soc., 106 (1988), 1209–1212.

[15] Ginzburg, V.L.:A charge in a magnetic field: Arnold’s prob-lems 1981-9, 1982-24, 1984-4, 1994-14, 1996-17, and 1996-18,in Arnold’s problems, Ed.: V.I. Arnold, Springer–Verlag andPhasis, 2004; pp. 395–401, 557–558.

[16] Ginzburg, V.L., Gurel, B.:A C2-smooth counterexample tothe Hamiltonian Seifert conjecture in R4, Ann. of Math. 158(2003), 953–976.

[17] Gotay, M.: On coisotropic imbeddings of presymplectic mani-folds, Proc. Amer. Math. Soc. 84 (1982), 111-114.

[18] Gromov, M.: Pseudo holomorphic curves in symplectic mani-folds, Invent. Math., 82 (1985), 307–347.

[19] Guillemin, V., Sternberg, S.: Symplectic Techniques inPhysics, second edition, Cambridge University Press, Cam-bridge, 1990.

Page 95: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 95

i

i

i

i

i

i

i

i

BIBLIOGRAFIA 95

[20] Katok, A., Hasselblatt, B.: Introduction to the moderntheory of dynamical systems. Encyclopedia of Mathematics andits Applications, 54. Cambridge University Press, Cambridge,1995.

[21] Hofer, H., Zehnder, E.:Symplectic Invariants and Hamilto-nian Dynamics, Birkhauser Advanced Texts, Basel, 1994.

[22] Hofer, H., Zehnder, E.:A new capacity for symplectic man-ifolds, Analysis et cetera. Academic Press, 1990, editado por P.Rabinowitz e E. Zehnder, 405–428.

[23] Hummel, C.: Gromov’s compactness theorem for pseudo-holomorphic curves, Progress in Mathematics 151, Birkhauser,Basel - Boston - Berlin, 1997.

[24] Klingenberg, K.: Lectures on closed geodesics, Grundlehrender Mathematischen Wissenschaften, Vol. 230. Springer-Verlag,Berlin-New York, 1978.

[25] Kodaira, K.:On the structure of compact complex analitic sur-faces, I, Amer. J. Math. 86 (1964), 751–798.

[26] Macarini, L., Schlenk, F.: A refinement of the Hofer–Zehnder theorem on the existence of closed trajectories near ahypersurface, Bull. London Math. Soc. 37 (2005), 297–300.

[27] Marle, C.-M.:Sous-varietes de rang constant et sous-varietessymplectiquement reguliere d’une variete symplectique. C. R.Acad. Sc. Paris 295 (1982), I, 119-122.

[28] Marsden, J., Ratiu, T.: Introduction to Mechanics and Sym-metries, Texts in Applied Mathematics 17, Springer-Verlag,New York, 1994.

[29] McDuff, D., Salamon, D.:Introduction to Symplectic Topol-ogy, second edition, Oxford Mathematical Monographs, OxfordUniversity Press, 1998.

[30] Moser, J.:On the volume elements on a manifold, Trans. Amer.Math. Soc. 120 (1965), 286–294.

Page 96: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 96

i

i

i

i

i

i

i

i

96 BIBLIOGRAFIA

[31] Paternain, G.:Geodesic flows. Progress in Mathematics, 180.Birkhauser Boston, Inc., Boston, MA, 1999.

[32] Rabinowitz, P.: Periodic solutions of Hamiltonian systems,Comm. Pure Appl. Math 31 (1978), 157–184.

[33] Salamon, D.:Lectures on Floer homology, In: Symplectic Ge-ometry and Topology (Park City, UT, 1991), 143–229, IAS/ParkCity Math. series 7, Amer. Math. Soc., Providence, 1999.

[34] Siburg, K.F.: Symplectic capacities in two dimensions,Manuscripta Math. 78 (1993), 149–163.

[35] Struwe, M.: Existence of periodic solutions of Hamiltoniansystems on almost every energy surface, Bol. da SociedadeBrasileira de Matematica 20 (1990), 49–58.

[36] Taubes, C.: The Seiberg-Witten invariants and symplecticforms, Math. Res. Lett. 1 (1994), 809–822.

[37] Thurston, W.:Some simple examples of symplectic manifolds,Proc. Amer. Math. Soc. 55 (1976), 467–468.

[38] Viterbo, C.:A proof of the Weinstein conjecture in R2n, Ann.Inst. Henri Poincare 4 (1987), 337–357.

[39] Warner, F.: Foudations of differentiable manifolds and Liegroups, Graduate Texts in Math. 94, Springer-Verlag, New York,1983.

[40] Weinstein, A.:Symplectic manifolds and their lagrangian sub-manifolds, Adv. in Math. 6 (1971), 329–346.

[41] Weinstein, A.:Lectures on Symplectic Manifolds, CBMS Con-ference series 29, Amer. Math. Soc., Providence, RI (1977).

[42] Weinstein, A.:On the hypothesis of Rabinowitz´s periodic orbittheorems, J. Diff. Eq. 33 (1979), 353–358.

[43] Weinstein, A.: Symplectic geometry, Bull. Amer. Math. Soc.(N.S.) 5 (1981), 1–13.

Page 97: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 97

i

i

i

i

i

i

i

i

BIBLIOGRAFIA 97

[44] Wells, R. : Differential Analysis on Complex Manifolds, sec-ond edition, Graduate Texts in Math. 65, Springer-Verlag, NewYork-Berlin, 1980.

[45] Zehnder, E.: Remarks on periodic solutions on hypersurfaces,NATO ASI Series, Series C, In: Periodic Solutions of Hamilto-nian Systems and Related Topics, 209 (1987), 267–279.

Page 98: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 98

i

i

i

i

i

i

i

i

Indice

1-forma tautologica, 21

Algebra de Lie, 32Acao de uma curva, 6

Base simpletica, 14

Campo hamiltoniano, 9, 58Campo simpletico, 58Capacidade de elipsoides, 74Capacidade de Gromov, 72Capacidade de Hofer-Zehnder,

82Capacidade simpletica, 73Caracterısitica fechada, 64Conjectura de Arnold, 51Conjectura de Weinstein, 65Curva pseudo-holomorfa, 75

Difeomorfismo hamiltoniano, 51

Equacao de Euler-Lagrange, 7Equacao de Hamilton, 58Espessura simpletica, 72Estrutura complexa compatıvel,

16Estrutura complexa em um espaco

vetorial, 15Estrutura quase-complexa, 24

Exemplo de Thurston, 31

Fibrado de linhas caracterısticas,60

Fluxos geodesicos, 67Fluxos magneticos, 68Folheacao caracterıstica, 60Forma bilinear nao-degenerada,

11Forma canonica no fibrado cotan-

gente, 22Forma de Fubini-Study, 30Forma de Liouville, 20Forma simpletica, 20Forma simpletica twist, 24Funcao lagrangiana, 6Funcional de acao, 64

Grupo de Lie, 32

Hamiltoniana, 8, 9Hipersuperfıcie formato estrela,

65

Isotopia, 43

Nıvel de energia, 59

Ortogonal simpletico, 13

98

Page 99: Introduç˜ao a Geometria Simplética

“EGD2806”2006/7/26page 99

i

i

i

i

i

i

i

i

INDICE 99

Princıpio de Hamilton, 64

Representacao adjunta, 34Representacao coadjunta, 34

Simpletizacao, 56Subespaco coisotropico, 13Subespaco isotropico, 13Subespaco lagrangiano, 13Subespaco simpletico, 13Subvariedade coisotropica, 40Subvariedade isotropica, 40Subvariedade lagrangiana, 40Subvariedade simpletica, 40Superfıcie de Hopf, 40

Teorema da vizinhanca lagrangiana,49

Teorema de Dacorogna-Moser,86

Teorema de Darboux, 48Teorema de Eliashberg e Gro-

mov, 73Teorema de Hofer-Zehnder, 85Teorema de recorrencia de Poincare,

63Teorema non-squeezing de Gro-

mov, 72Transformada de Legendre, 8

Variedade complexa, 26Variedade de contato, 52Variedade Kahler, 26Variedade quase-Kahler, 25Variedade simpletica, 20