Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas...

34
Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para estas diferenças, tais como o sexo, raça, idade, clima, nutrição, etc. Assim, mesmo em pequenos grupos encontramos uma grande variedade de dimensões. Como nos habituamos a conviver com pessoas de vários tamanhos e tipos, aceitamos estas diferenças como naturais, bem como as dimensões das coisas que usamos: as portas que são suficientemente altas (pelo menos para a grande maioria), cadeiras e mesas que aceitamos usar, não poucas vezes com evidente desconforto. Quando nos encontramos em situações nas quais as dimensões dos objectos que necessitamos de utilizar nos colocam dificuldades acrescidas, usamos da nossa capacidade para nos adaptarmos às condições existentes. As lesões músculo-esqueléticas, em particular na região dorso-lombar, têm vindo a assumir cada vez maior importância nas questões de saúde ocupacional. As actividades profissionais tornam-se cada vez mais sedentárias e as pessoas passam mais tempo sentadas durante o trabalho quer em escritórios quer em veículos motorizados. A incidência de dores na região lombar aumenta na população trabalhadora o que leva alguns a questionar a alegada pouca importância em geral atribuída à relação mais íntima entre as pessoas e os objectos que utilizam. Desde os primeiros estudos no campo da ergonomia se procurou determinar as distâncias necessárias para o eficiente controlo manual numa grande variedade de postos de trabalho, sendo também considerados os problemas relacionados com o assento e respectiva postura. Figura 1 – Desde a antiguidade que existem várias tentativas para estabelecer medidas do corpo humano, sendo os “canon” de Vitrúvio e Leonardo da Vinci dois exemplos dos mais conhecidos Assim, a antropometria que era inicialmente utilizada para a classificação e identificação de diferenças rácicas e dos efeitos de dietas alimentares, condições de vida, etc., no crescimento, foi 1

Transcript of Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas...

Page 1: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

Antropometria aplicada

Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas

razões contribuem para estas diferenças, tais como o sexo, raça, idade, clima, nutrição, etc. Assim,

mesmo em pequenos grupos encontramos uma grande variedade de dimensões.

Como nos habituamos a conviver com pessoas de vários tamanhos e tipos, aceitamos estas

diferenças como naturais, bem como as dimensões das coisas que usamos: as portas que são

suficientemente altas (pelo menos para a grande maioria), cadeiras e mesas que aceitamos usar,

não poucas vezes com evidente desconforto. Quando nos encontramos em situações nas quais as

dimensões dos objectos que necessitamos de utilizar nos colocam dificuldades acrescidas, usamos

da nossa capacidade para nos adaptarmos às condições existentes.

As lesões músculo-esqueléticas, em particular na região dorso-lombar, têm vindo a assumir cada

vez maior importância nas questões de saúde ocupacional. As actividades profissionais tornam-se

cada vez mais sedentárias e as pessoas passam mais tempo sentadas durante o trabalho quer em

escritórios quer em veículos motorizados. A incidência de dores na região lombar aumenta na

população trabalhadora o que leva alguns a questionar a alegada pouca importância em geral

atribuída à relação mais íntima entre as pessoas e os objectos que utilizam. Desde os primeiros

estudos no campo da ergonomia se procurou determinar as distâncias necessárias para o eficiente

controlo manual numa grande variedade de postos de trabalho, sendo também considerados os

problemas relacionados com o assento e respectiva postura.

Figura 1 – Desde a antiguidade que existem várias tentativas para estabelecer medidas do corpo humano, sendo os “canon” de Vitrúvio e Leonardo da Vinci dois exemplos dos mais conhecidos

Assim, a antropometria que era inicialmente utilizada para a classificação e identificação de

diferenças rácicas e dos efeitos de dietas alimentares, condições de vida, etc., no crescimento, foi

1

Page 2: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

cada vez mais utilizada no fornecimento de informações acerca das dimensões humanas

importantes para a concepção dos postos de trabalho. A princípio, muitas das decisões eram

tomadas com base em critérios simples: o alcance era definido pelo comprimento do braço

estendido entre o ombro e o punho, o comprimento do antebraço definia as áreas de fácil alcance

e a distância entre a face inferior da coxa e o solo, como a perna dobrada pelo joelho em ângulo

recto era a dimensão adequada para a altura do assento de uma cadeira.

Estas e outras dimensões do mesmo tipo, obtidas de muitas diferentes populações durante as

últimas quatro décadas, constituem ainda a fonte de dados em que se baseiam muitas das

decisões tomadas no projecto ou "design" de postos de trabalho. Contudo, como se verá adiante,

os dados e as suas aplicações tornaram-se mais complexos. Os ergonomistas reconhecem agora

mais claramente a importância da harmonização, o mais perfeita possível, das dimensões dos

equipamentos com a forma e dimensões das pessoas que os utilizam.

É hoje sabido que uma pequena diferença entre a distância do plano de trabalho e o assento,

mesmo de apenas um ou dois centímetros, pode ser suficiente para causar - ou evitar - dores no

pescoço ou nos ombros. Em certas actividades, uma inclinação do tronco à frente, ainda que

ligeira, mantida durante algum tempo, pode ser mais incómoda e provavelmente mais prejudicial

que outras posturas aparentemente mais extremas. Reconhece-se também que a natureza das

tarefas pode ser um factor tão importante para dimensionamento de um posto de trabalho como,

por exemplo, a estatura das pessoas.

Que relação existe entre ergonomia, antropometria e "design"?

A antropometria aplicada pode ser considerada uma das ciências humanas básicas que

contribuem para a ergonomia, que por sua vez contribui com dados, conceitos e metodologias para

o processo de "design" (Fig. 1).

Ergonomia Antropometria

Design

Figura 2 - Relação entre antropometria, ergonomia e "design". A ergonomia surge como um canal de informação.

Antropometria laboral

Conforme já foi referido anteriormente, a antropometria é e foi utilizada com os mais diferentes

objectivos, abrangendo áreas como a subnutrição das crianças no terceiro mundo, ou tendo

servido de “ferramenta” para a selecção racial dos nazis alemães. No que se refere à sua utilização

no campo da ergonomia dos postos de trabalho, devemos mencionar as seguintes

particularidades:

• Refere-se a uma população de ambos os sexos e com idade entre os 18 e os 65 anos;

2

Page 3: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

• Têm de ser consideradas medidas estáticas e medidas dinâmicas;

• O seu objectivo é o desenho de postos de trabalho, o desenho de modelos biomecânicos e

de produtos finais, tais como ferramentas, máquinas, dispositivos de protecção, etc.

Planos de referência As definições de largura, comprimentos, etc. podem ser melhor entendidas se definias em relação

a planos de referência.

Assim, as medidas em antropometria podem ser definidas em relação aos seguintes planos

(figura):

• Horizontal ou transversal;

• Frontal;

• Sagital ou lateral.

Figura 3 – Planos de referência utilizados em antropometria

3

Page 4: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

As 5 falácias, segundo Pheasant

Segundo Pheasant [1] são utilizadas "cinco falácias fundamentais" como argumento (entenda-se

desculpa) para a falta de aplicação da ergonomia ao "design" (Quadro 1).

Quadro 1 - As cinco falácias fundamentais (Pheasant).

1º - Este "design" satisfaz-me, logo será satisfatório para toda a gente.

2º - Este "design" é satisfatório para o indivíduo médio, logo será satisfatório para toda a gente.

3º - A variabilidade dos seres humanos é tão grande que é impossível satisfazê-Ia completamente

em qualquer "design", mas isso não tem muita importância pois as pessoas têm uma maravilhosa

capacidade de adaptação.

4º - Como a aplicação da ergonomia é cara e o critério para a escolha depende principalmente do

custo, das características técnicas e da aparência (ou estilo) dos produtos, as considerações

ergonómicas podem muito bem ser ignoradas no "design".

5º - A ergonomia é uma coisa excelente. Eu tenho sempre preocupações ergonómicas no

"design", mas faço-o intuitivamente, baseado no bom senso, pelo que não preciso de tabelas de

dados.

A 1ª falácia poderá parecer exagerada e muito provavelmente os projectistas de equipamentos

nunca chegarão a exprimi-la, nem sequer estarão conscientes de que estão implicitamente a

invocá-Ia. Contudo, quantos produtos são na realidade testados durante a fase de "design" por

uma amostra representativa de utilizadores, ou pelo menos por meio de uma técnica de

simulação? Certamente muito poucos.

Na maior parte das vezes, a avaliação do "design" é inteiramente subjectiva. O projectista

considera o assunto, concebe o equipamento, ensaia o protótipo (se este chegar mesmo a ser

construído) e conclui "parece-me OK!", com a evidente implicação de que se é satisfatório para si,

sê-lo-á também para as outras pessoas. Muitas vezes, os objectos projectados para os indivíduos

mais fortes ou mais aptos elementos de uma população apresentam dificuldades insuperáveis de

utilização para os mais fracos ou menos hábeis.

A 1ª falácia está muito próxima da 5ª por empatia. Também se aproxima muito da 2ª porque a

maioria das pessoas se considera mais ou menos próxima da média. Suponhamos que definíamos

as dimensões de uma porta com base na estatura e largura médias da população. A metade mais

alta da população bateria com a cabeça na ombreira da porta e a metade mais larga teria que

rodar o corpo para caber nela. Uma vez que a metade mais alta da população não é

necessariamente a metade mais larga, iríamos de facto satisfazer ou acomodar menos de metade

4

Page 5: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

dos utilizadores. Este exemplo de mau "design" pode parecer demasiadamente grosseiro, mas no

mundo real abundam os exemplos de situações reais em que foram cometidos erros deste tipo.

Como é evidente, o principal objectivo do projectista deve ser acomodar a maior percentagem

possível da população.

A 3ª falácia tem o seu quê de verdade, pois os seres humanos são de facto muito adaptáveis -

talvez até demais, para sua desgraça! Na realidade, são capazes de suportar muito, sem que

necessariamente se queixem. No exemplo acima citado, a metade mais alta da população teria

provavelmente que se curvar para passar. Esta é a abordagem procusteana para o "design".

Contudo, a adaptação procusteana "cobra" habitualmente mais tarde a sua "factura" em termos de

conforto ou mesmo a saúde afectados, embora raramente de uma forma tão dramática como a

perna amputada como sucedeu a Procustes... apesar das consequências, por vezes dramáticas,

de acidentes de trabalho causados por erros de "design". Lamentavelmente, são por demais

importantes os prejuízos físicos, sociais e económicos resultantes das lesões músculo-esqueléticas

atribuíveis ao mau "design" de postos de trabalho e de equipamentos.

Parte da refutação da 3ª falácia baseia-se nos "custos escondidos" da adaptação. Mas a 4ª falácia

refere-se aos custos reais resultantes da aplicação dos conceitos e da metodologia ergonómicos

ao "design". O projectista sofre a influência de uma série de factores tais como o "marketing" e a

publicidade, por um lado, e a pressão dos consumidores e da legislação, por outro. O "designer"

deve responder a uma variedade de forças socio-económicas e o produto do seu trabalho reflecte

a sociedade em cujo contexto foi concebido e para a qual foi realizado. Em alguns casos a pressão

dos consumidores leva à introdução de características ergonómicas no "design" – tal como se

verifica de um modo acentuado na área da tecnologia dos escritórios.

Os modernos terminais são ergonomicamente bastante melhores que os de há dez anos atrás,

provavelmente devido aos efeitos que a pressão dos utilizadores (em especial através dos

sindicatos nos países mais desenvolvidos) tem exercido no equilíbrio das forças do mercado. Em

algumas situações, os consumidores estão dispostos a pagar um preço extra pela qualidade.

Contudo para além de todos estas considerações, está o simples facto de que muitas vezes custa

tanto fazer as coisas com o tamanho certo do que fazê-Ias do tamanho errado. Frequentemente, a

decisão de ignorar a ergonomia por razões económicas não é mais que uma fraca desculpa para

disfarçar a ignorância e talvez uma certa dose de incúria.

A 5ª falácia envolve alguns aspectos mais complexos. A intuição e o bom senso de que se fala

neste contexto são por vezes designados por "empatia". Trata-se de um acto de introspecção ou

imaginação pelo qual somos capazes de "nos colocarmos no lugar de outra pessoa". Pode-se

argumentar que o "designer", ao colocar-se empaticamente no lugar do utilizador, o acto de

projectar para os outros se torna uma extensão de projectar para si próprio, de acordo com a

abordagem tradicional da ergonomia: "design" centrado no utilizador. Em alguma medida isto será

5

Page 6: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

provavelmente verdade, mas será a intuição suficiente para considerar os problemas da

diversidade humana? Seremos nós capazes de imaginar o modo como alguém muito diferente de

nós experimentará uma dada situação? Trata-se de uma questão ainda pouco estudada, com

importantes implicações psicológicas. Será certamente difícil para um jovem adulto em boa forma

física imaginar-se no lugar de uma senhora idosa com artrose tentando levantar-se de uma cadeira

de braços, ou de uma atarefada mãe de três crianças irrequietas arrastando a sua prole enquanto

faz compras num supermercado. Em tais casos, os dados empíricos serão certamente de maior

confiança, por mais forte que julguemos a nossa intuição. O bom senso é, em si próprio, um

conceito difícil de analizar, embora por vezes tenha "as costas largas". Por exemplo, podem ouvir-

se expressões tais como "trata-se apenas de uma questão de bom senso" para justificar a

aceitação cega de uma hipótese ainda não testada. Mas "bom senso" tem um significado diferente:

pode ser definido como a forma prática de resolver problemas correctamente. Pode dizer-se que,

de certo modo, bom senso e método científico são basicamente a mesma coisa, sendo este uma

forma mais sofisticada e organizada daquele. Coligir a maior quantidade de dados sobre a

população utilizadora e testar objectivamente as suas próprias intuições é certamente uma boa

prática na solução de problemas. O ergonomista deve segui-Ia religiosamente. Com isto não se

pretende banir a simulação como via económica e importante para ensaiar a qualidade de um

"design", mas apenas dizer que, sendo ambas úteis, cada uma deve ter o seu momento próprio de

utilização.

PRINCÍPIOS E PRÁTICA DA ANTROPOMETRIA No capítulo anterior foi referida a importância de considerar a diversidade humana no projecto de

equipamentos e ambientes de trabalho. Veremos agora como proceder no campo dos princípios e

da prática. Existem situações em que os equipamentos e espaços de trabalho podem ser

projectados especificamente para o utilizador individual. Os fatos feitos por medida, a alta-costura

e os assentos dos carros de corrida são alguns exemplos mais comuns. Trata-se, porém, de

artigos que podemos considerar de luxo. Na realidade, a maioria das pessoas não está disposta a

pagar o preço extra, aceitando as soluções pré-fabricadas, tais como o pronto-a-vestir, que se

adaptam aproximadamente às suas características físicas. Para alguns de nós, o suposto "luxo" do

projecto sob medida torna-se uma necessidade se quisermos levar uma vida normal e

independente: as características físicas e limitações dos deficientes são de tal modo variáveis que

os equipamentos de ajuda têm, muitas vezes, que ser feitos especialmente "à medida" para o

próprio utilizador.

Todos concordamos com a necessidade de o vestuário ser fabricado com vários tamanhos, mas

haverá a mesma opinião acerca de cadeiras ou mesas, por exemplo? A resposta mais provável

será, "sim, mas dentro de certos limites". Não esperamos que crianças e adultos usem as mesmas

mesas e cadeiras nas suas escolas e escritórios; parecem, contudo, adaptar-se muito bem à

6

Page 7: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

mesma mesa de jantar, em casa. Habitualmente, fornecem-se às dactilógrafas cadeiras ajustáveis,

mas todavia as suas mesas têm altura fixa. Como é óbvio, aceitamos mais facilmente um

ajustamento menos perfeito numa mesa ou numa cadeira do que numa camisa ou numas calças.

Será menos óbvio, porém, o modo como chegar ao melhor compromisso acerca das dimensões

fixas a adoptar para um equipamento destinado a uma vasta gama de utilizadores ou como definir

o ponto a partir do qual concluímos que é indispensável haver ajustabilidade no "design". Para uma

decisão fundamentada deste tipo exigem-se três tipos de informação:

a) as características antropométricas da população;

b) o modo como essas características impõem restrições ao projecto;

c) os critérios que definem a adaptação perfeita do produto ao utilizador.

A descrição estatística da variabilidade As dimensões antropométricas humanas seguem uma distribuição normal ou de Gauss. Trata-se

de uma distribuição muito conveniente pois pode ser descrita por apenas dois parâmetros: a média

µ e o desvio-padrão σ. A figura 4 mostra as percentagens de medições situadas entre os intervalos

definidos em abcissas pelos múltiplos inteiros do desvio-padrão. Pode assim ver-se que, por

exemplo, cerca de 95% das medições (mais exactamente 95,45%) estão compreendidas no

intervalo [-2 σ , 2 σ] centrado em µ . Como a curva é simétrica, 50% das medições são inferiores à

média e 50% são-lhe superiores. Na prática, os limites antropométricos são expressos e utilizados

de uma forma diferente: os percentis. Um percentil indica a percentagem de pessoas de uma dada

população que têm uma dimensão do corpo igual a, ou menor que um determinado valor. Pode-se

assim dizer que a média é igual ao 50º percentil. De um modo geral, k% das medições são

menores que o percentil de ordem k (kº percentil).

7

Page 8: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

Figura 4 - Curva da distribuição normal mostrando as percentagens das medições compreendidas entre múltiplos inteiros do desvio-padrão. Adaptado de [2].

Na prática, não conhecemos em geral a média nem o desvio-padrão do universo ou população em

causa. Sabemos, porém, que as amostras tendem a apresentar uma distribuição semelhante à da

população de que foram obtidas. Assim, para caracterizarmos antropometricamente uma dada

população, recorremos à medição de uma amostra representativa dessa população e dessa

amostra calculamos os parâmetros estimadores dos correspondentes parâmetros da população.

Assim, a média µ e o desvio-padrão σ são estimados, respectivamente, por

Na equação da estimação do desvio-padrão usa-se por vezes n-1 em vez de n a fim de corrigir o

enviesamento resultante da dimensão finita da amostra, assim se obtendo uma melhor predição.

8

Page 9: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

Assim, tratando-se de pequenas amostras (em geral n ≤ 30), o desvio-padrão fica definido pela

equação

Erro padrão

É evidente que, ao aumentar n, m e s tornam-se estimativas de maior confiança de µ e σ e diminui

a amplitude provável dos erros aleatórios de amostragem. Demonstra-se que estes erros se

distribuem normalmente, com média zero e desvio-padrão (designado por erro-padrão, EP) do

parâmetro em causa, tal que

As amplitudes prováveis dos erros de amostragem são geralmente expressas em termos dos

limites de confiança de 95% do parâmetro em causa, que são definidos por ±1,96 EP, i.e., os

verdadeiros valores de qualquer parâmetro da população estarão dentro de ±1,96 erros-padrão da

estatística, 95 vezes em cada 100 amostras que forem obtidas. (Contudo, se estivermos

interessados em erros numa só direcção, deveremos usar 1,645 EP).

Isto pode ser resumido dizendo que em qualquer estudo antropométrico os limites de confiança de

95% (d) de uma dada estatística são dados por,

onde K1 é uma constante para cada estatística dada no quadro 2.1, s é o desvio-padrão dos

dados, n é a dimensão necessária da amostra e d é a precisão desejada para a medição (±d

unidades). Alternativamente, poderemos usar a equação

9

Page 10: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

que nos indica quantos sujeitos deveremos medir para obtermos a estatística em causa com o grau

de precisão adequado. A precisão desta fórmula reduz-se quando a dimensão da amostra inicial Ni

é inferior a 100. Nesse caso, poderemos obter uma estimativa mais precisa usando K2 em vez de

K1 (ver nota ao quadro 2).

Exemplo 1

Se desejarmos medir o valor médio da altura dos ombros com uma precisão de ±5 mm, sendo o

desvio-padrão desta dimensão 66 mm, a dimensão necessária da amostra de indivíduos a medir

seria:

Quadro 2 – Valores do parâmetro K1 definido na equação 2.6. (Segundo Pheasant [1] e Roebuck, Kroemer e Thomson [14]).

Estatística pretendida K1

Média

Desvio-padrão

Percentis

50º

45º e 55º

40º e 60º

35º e 65º

30º e 70º

25º e 75º

20º e 80º

15º e 85º

10º e 90º

5º e 95º

4º e 96º

3º e 97º

2º e 98º

1º e 99º

1.96

1.39

2.46

2.46

2.49

2.52

2.58

2.67

2.80

3.00

3.35

4.14

4.46

4.92

5.67

7.33 NOTA: Se a dimensão da amostra inicial (Ni) for inferior a 100, poderemos obter na

prática uma estimativa mais precisa de n para a média usando o valor K2 em vez

de K1:

K2= 2,00 para (100>N1>40)

10

Page 11: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

K2= 2,05 para (40>N1>20)

K2= 2,16 para (20>N1>10)

K2= 2,78 para (10>N1)

Coeficiente de variação

O coeficiente de variação (CV) é dado por

Trata-se de um índice útil que traduz a variabilidade inerente a cada dimensão corporal, i.e., é

independente do valor absoluto dessa dimensão bem como da unidade de medição. Na grande

maioria das populações, a estatura é a dimensão com o mais baixo CV. No quadro 3 apresentam-

se coeficientes de variação característicos de algumas dimensões antropométricas. Os números

são oriundos de diversas fontes e não dizem respeito a uma população específica, pelo que devem

ser interpretados apenas como guia aproximado. Os valores elevados da parte inferior do quadro

são indicativos de distribuições enviesadas – característica das dimensões antropométricas que

incluem tecido adiposo e das medidas funcionais tais corno a força muscular.

Quadro 3 – Coeficientes de variação característicos de algumas dimensões antropométricas. (Segundo Pheasant).

Dimensão CV (%)

Estatura

Alturas do corpo (sentado, do cotovelo, etc.)

Segmentos dos membros

Larguras (ancas, ombros, etc.)

Espessuras do corpo (abdominal, peito, etc.)

Alcance dinâmico

Peso

Amplitude de movimentos das articulações

Força muscular (estática)

3 - 4

3 - 5

4 - 5

5 - 9

6 - 9

4 - 11

10 - 21

7 - 28

13 - 85

Cálculo de percentis

Como se disse, uma distribuição normal fica perfeitamente definida pela média e pelo desvio-

padrão. Sendo estes conhecidos, pode-se calcular qualquer percentil sem necessidade de utilizar

as medições originais.

11

Page 12: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

O percentil de ordem p de uma variável é dado por

Px = m + s . zX (2.9)

em que z é uma constante para o percentil considerado, que se pode obter em tabelas estatísticas

(ver tabela normal). Suponhamos que queremos calcular o 95º percentil da estatura de uma

população normalmente distribuída com média de 175 cm e desvio padrão de 9,8 cm, ou seja, N ≈

(175 ; 9,8). Na tabela da distribuição normal vemos que a p=0,95 (ou 95%), corresponde z=1,64.

Aplicando a equação 2.9 obtemos

P95 = 175 + 9,8 x 1,64 = 191,07 cm.

Por vezes é necessário fazer o cálculo inverso para determinar a que percentil corresponde uma

certa dimensão. Assim, se quisermos saber, por exemplo, a que percentil corresponde uma

estatura de 163 cm, teremos, resolvendo a equação 2.9 em ordem a z:

Px - m = z = s

163-175 = -1,224

9,8

que corresponde a uma estatura muito próxima do 11º percentil pois, segundo a tabela da

distribuição normal, p=0,11 para z = -1,224.

Exemplo 2

Pretende-se saber qual a percentagem de indivíduos de uma dada população cuja estatura é

inferior a 158 cm, sabendo que a população se caracteriza do seguinte modo:

X ≈ N (164,5 ; 24) (Isto é, distribuição normal, m=164,5 e s=24)

158-164,5 Px - m = z = s = -0,270

24

Toma-se o valor de z e obtém-se a correspondente valor p (probabilidade) numa tabela da

distribuição normal padronizada, por exemplo do Anexo 2. Há que interpolar entre os valores 0,39

e 0,40, pelo que a diferença tabular é d=0,01. Fica então

0,03 ………………………………. 0,01

0,01 ………………………………… d d=0,00333 donde p=0,3933

Conclui-se então que 39,33 % da população tem estatura inferior a 158 cm. Por outras palavras,

pode dizer-se que, para aquela população, a estatura de 158 cm é aproximadamente o 39º

percentil.

12

Page 13: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

NOTA: no caso, mais habitual, de não ser necessária muita precisão não é necessário fazer a

interpolação, podendo considerar-se de imediato o valor mais aproximado, neste exemplo p = 0,39.

Exemplo 3

Outro tipo de problema consiste em calcular um determinado percentil duma população normal.

Seja:

Para a população definida no exemplo anterior, X ≈ N (164,5 ; 24), calcular o 90º percentil.

Trata-se do problema inverso do exemplo anterior:

Determinar z tal que p = 0,9. (Por vezes representa-se por z90). Pela tabela da distribuição normal

padronizada, temos que para p = 0,90 então z =1,28

Resta apenas aplicar a equação 2.9 para calcular

P90 = m + s . z90 = 164,5 + 24 x 1,28 = 195,22 cm.

2.1.5 Frequência cumulativa

Outra forma de representar dados antropométricos consiste na curva de frequência cumulativa de

que se mostra um exemplo na figura 5. Nesta curva, os percentis estão em ordenadas e em

abcissas temos os valores da dimensão correspondente ou valores de z se calibrarmos a curva em

desvios-padrão. A curva é também designada por ogiva normal. A vantagem desta curva é

permitir-nos avaliar as consequências de uma determinada decisão no "design" em função da

percentagem de indivíduos acomodados. Por exemplo, permitir-nos-ia saber directamente qual a

percentagem dos indivíduos que conseguiriam passar sob um obstáculo com uma dada altura sem

nele baterem com a cabeça.

Figura 5 - A distribuição de frequência cumulativa da estatura de uma amostra de ingleses adultos. (Segundo Pheasant [1]).

13

Page 14: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

O declive da ogiva normal é máximo para o valor médio (que é também ponto de probabilidade

máxima e ponto de inflexão da curva), diminuindo progressivamente com a aproximação dos

extremos da distribuição. A curva é assintótica com a horizontal a 0 e 100% (i.e., teoricamente

encontra a horizontal no infinito). A consequência prática deste facto é ser muito difícil acomodar

os percentis e extremos da população. Isto significa que, à medida que pretendemos adaptar o

"design" a uma maior proporção de indivíduos, maiores restrições se colocam ao projectista e mais

difíceis se tornam as soluções. Em termos de custo/benefício trata-se de uma situação cujas

compensações tendem a anular-se face à subida dos custos.

Resta agora saber como determinar o ponto exacto a partir do qual os benefícios deixam de

compensar os custos, isto é, os custos, de tão elevados, já não se justificam face à pequena

percentagem de utilizadores que será beneficiada pela amplitude do "design" a partir desse limite.

É óbvio que não existe uma resposta simples para esta questão. Caso a caso as condições são

diversas e não pode haver uma regra, mesmo que muito geral, aplicável a todos. Todavia, em

muitas circunstâncias é aplicada uma regra que, apesar de arbitrária, é considerada satisfatória:

trata-se de projectar para a faixa compreendida entre o 5º e o 95º percentis, ou seja, abrangendo

90% da população centrada na média. Esta prática parece ser um compromisso razoável – mas é

preciso não perder de vista as consequências da eventual falta de ajustamento para os 10% que

ficarão fora da amplitude dos limites do "design". Haverá apenas um ligeiro incómodo ou

desconforto ou ficará comprometida a operacionalidade do sistema? Haverá riscos para a saúde

ou a segurança do trabalhador, a curto, médio ou longo prazo? Um indivíduo de dimensões

inferiores ao 5º percentil sentado à mesa de jantar numa cadeira demasiadamente alta poderá

sentir-se algo desconfortável no final da refeição; mas se não for capaz de pisar o travão do seu

carro com eficiência ou se não conseguir ver bem a estrada, as consequências poderão ser mais

sérias. O projectista deve ponderar muito bem estes aspectos.

Critérios e limitações: As limitações cardinais

Em ergonomia e antropometria define-se:

• Limitação – característica observável do ser humano, de preferência mensurável, que

tenha consequências para o projecto de um dado objecto;

• Critério – uma norma de julgamento com a qual se mede ou averigua o grau de

ajustamento do objecto ao utilizador.

Existe uma hierarquia para os diversos níveis de critérios. No topo, situam-se conceitos gerais

como conforto, segurança, eficiência, estética, etc., que poderemos designar como critérios gerais

ou primários, de alto nível. Porém, para se alcançarem estes objectivos, há que satisfazer diversos

outros critérios, especiais ou secundários, de nível mais baixo. A relação entre estes conceitos

pode ser ilustrada pelo exemplo seguinte. No projecto de uma cadeira, o conforto deveria ser

14

Page 15: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

obviamente um critério primário; o comprimento da perna do utilizador impõe uma limitação ao

projecto pois, se a cadeira for alta demais, a pressão na face posterior da coxa causará

desconforto. Isto leva-nos a formular um critério secundário: que a altura do assento não deve ser

maior que a distância vertical entre a base do pé e a concavidade posterior do joelho (esta

dimensão é designada por altura do popliteu). Poderemos obter a distribuição desta dimensão

numa tabela de dados. Pareceria razoável escolher o valor do 5º percentil (por hipótese 355 mm),

pois se uma pessoa com um comprimento de perna tão curto como o 5º percentil ficasse

acomodada, também os restantes 95% da população ficariam. Isto leva, mais ou menos

directamente, a uma especificação para o projecto ou critério terciário: que a altura do assento não

deve ser maior que 355 mm.

Na prática, de um modo geral, é necessário ir descendo ao longo de níveis sucessivos da

hierarquia antes de se chegar a um conjunto de recomendações operacionais realmente úteis. Em

qualquer nível da hierarquia podem ocorrer conflitos entre critérios cuja solução exige

compromissos. No exemplo atrás referido, o nosso critério secundário diz-nos quando um assento

está muito alto mas não quando está baixo demais. Os critérios para este caso são menos bem

definidos – poderíamos chamar-lhes imprecisos. Na realidade, é perfeitamente possível que um

homem alto se possa sentir muito desconfortável numa cadeira desenhada para acomodar as

pernas curtas de uma mulher do 5º percentil, e em situações desse tipo terá que se encontrar um

compromisso satisfatório no sentido de conseguir o maior conforto para o maior número. Do

mesmo modo, poderá haver circunstâncias em que seja necessário chegar a compromissos como,

por exemplo, o conforto contra a eficiência ou a segurança. Não serão muito comuns

circunstâncias conflituais deste tipo, mas, quando existem, levantam habitualmente problemas

interessantes sobre que critério utilizar para as avaliar em conjunto.

Em termos práticos, o meio da hierarquia é muitas vezes o melhor ponto de começo para o ataque

de um problema (há quem lhe chame "abordagem pelo meio"). Nesta linha, consideraremos quatro

tipos de limitações que entre si condicionam a grande maioria dos problemas mais comuns de

aplicação e, por consequência, uma parte considerável da ergonomia. Pheasant chama-lhes as

"quatro limitações cardinais" da antropometria: espaço, alcance, postura e força. Seguem-se

alguns comentários acerca dessas limitações.

1ª Limitação cardinal: Espaço

Ao projectar postos de trabalho é necessário prever espaço adequado para a cabeça, cotovelos,

pernas, etc. Deve providenciar-se espaço adequado para acessos e circulação de materiais e

pessoas. As pegas devem ter aberturas adequadas para os dedos ou a palma da mão. Trata-se de

limitações de espaço livre ou de espaço mínimo porque determinam as mínimas dimensões

aceitáveis para os objectos. Se tal dimensão for escolhida de modo a acomodar um membro

15

Page 16: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

avantajado da população (por exemplo, o 95º percentil em altura ou largura, etc.), o resto da

população, menor que ele, ficará necessariamente também acomodada.

Trata-se de uma limitação "majorante". Como há que considerar apenas um dos extremos da

população, é uma limitação de um só sentido ("one-way").

2ª Limitação cardinal: Alcance

A capacidade para alcançar e operar um manípulo de controlo é um exemplo óbvio – como a

limitação da altura da cadeira ou a capacidade de ver a estrada por cima do "capot" do automóvel.

As limitações de alcance determinam a dimensão máxima aceitável para um objecto, mas desta

vez devem ser determinadas por um membro pequeno da população, por exemplo, o 5º percentil.

Neste caso estamos perante uma limitação "minorante". Trata-se também de uma limitação de um

só sentido, visto que consideramos apenas o extremo inferior.

3ª Limitação cardinal: Postura

As relações entre as dimensões dos objectos e as dimensões antropométricas dos utilizadores

determinam, entre outras coisas, a postura desses utilizadores. A altura de uma superfície de

trabalho (quer sentado, quer de pé) é um bom exemplo. Neste caso, pode ser igualmente

indesejável que a altura seja muito alta ou muito baixa, isto é, trata-se de uma limitação com dois

sentidos ("two-way") que obriga a considerar os grandes e os pequenos utilizadores. Os critérios

para a postura são em geral menos óbvios que os dos espaços livres ou dos alcances pois

dependem de considerações de natureza biomecânica, tais como amplitudes de movimento das

articulações e dos segmentos do corpo.

4ª Limitação cardinal: Força

O quarto tipo de limitação diz respeito aos limites aceitáveis para a força a exercer em tarefas de

controlo ou noutras tarefas de manipulação. Em geral, os limites da força humana impõem de uma

forma natural uma limitação de um só sentido, bastando estimar qual o esforço máximo aceitável

para os indivíduos mais fracos. Porém, em alguns casos este procedimento pode ter

consequências indesejáveis para os indivíduos mais fortes, como, por exemplo, um manipulo ficar

leve demais, correndo-se o risco do seu accionamento involuntário.

Princípios e técnicas em "design”

Alguns autores referem três tipos distintos de princípios utilizados no design de equipamentos, em

função das características desses equipamentos, das especificidades do projecto, dos recursos

financeiros disponíveis e da importância que assume, para a população utilizadora, a maior ou

menor adequação dos equipamentos às suas características. Esses princípios são os seguintes:

16

Page 17: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

"Design" para amplitude ajustável

É sem dúvida o tipo de solução mais eficiente e desejável quando se trata de assegurar a melhor

adaptação dos equipamentos aos utilizadores, de forma a minimizar os efeitos da grande

variabilidade humana.

Há exemplos bem conhecidos:

• os assentos de automóveis e outros veículos permitindo diversos graus de ajustamento

para a frente e para trás, da inclinação das costas, da altura do assento, etc.

• a cadeira ajustável para trabalho com computador, permitindo diversos tipos de regulação.

De um modo geral, este tipo de soluções tem algumas limitações:

• acréscimo de custo resultante dos dispositivos que asseguram a ajustabilidade;

• maior complexidade dos equipamentos que poderá torná-los mais susceptíveis de avariar

e mais difíceis de reparar;

• nem sempre é viável o uso da ajustabilidade, em particular quando se trata de

equipamentos destinados a terem muitos utilizadores durante períodos de tempo curtos.

“Design” para indivíduos extremos

Trata-se de uma abordagem só aplicável quando pretendemos garantir que a grande maioria da

população fique abrangida pelo "design". Imaginemos que se pretende definir a largura mínima de

um corredor de modo que nele se possam cruzar duas pessoas sem necessidade de uma ter que

ceder passagem à outra. Neste caso, a solução seria escolher um percentil elevado da largura de

ombros da população masculina (por exemplo o 95º ou o 99º percentil) e fixar a largura do corredor

no dobro desse valor, porventura com algum acréscimo se fosse previsível o uso de qualquer

equipamento mais volumoso. É a solução típica para problemas relativos a espaços mínimos livres

que satisfaçam a uma elevada percentagem da população. Outro exemplo, será determinar a

altura mínima do parapeito de um postigo de inspecção por forma que mesmo os utilizadores mais

baixos da população possam olhar através dele com comodidade e eficiência. Trata-se ainda de

um problema de projectar para os extremos, na circunstância o extremo inferior da população.

Caso não fosse praticável uma solução mais sofisticada, o melhor seria talvez escolher o 5º

percentil, ou mesmo inferior, da distância olhos-solo da população feminina. Satisfaríamos os mais

baixos, mas os mais altos teriam que se curvar de maneira incómoda.

"Design" para o indivíduo médio

Embora este talvez seja o tipo de solução que ao leigo possa parecer mais óbvia, facilmente se

demonstra ser o tipo de abordagem menos recomendável. Imaginemos a especificação da altura

para o assento de uma cadeira não ajustável de uso geral. Aplicando este princípio, a solução mais

17

Page 18: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

evidente seria escolher uma altura igual ao valor médio dos 50º percentis da altura do popliteu das

populações masculina e feminina, que admitiremos serem caracterizadas, respectivamente, por

(440 ; 29) mm e (400 ; 27) mm. O valor médio seria 420 mm. Calculando os correspondentes

percentis para as duas populações, conforme foi exemplificado em 2.1, tem-se:

Para os homens,

Px - m = Z = s

420-440 = -0,690

29

ou seja (Tabela da distribuição normal), P ≈ 24,5% para os homens,

e para as mulheres,

420 - 400 Px - m = Z = s = -0,741

27

sendo para as mulheres, P ≈ 77%.

Admitindo que a população global é composta por proporções aproximadamente iguais de homens

e de mulheres e interpretando os resultados acima à luz do que foi discutido a propósito do

exemplo 2, verifica-se que o "design" não satisfaria à seguinte proporção da população global:

24,5+77 P= = 50,75% ≈ 51% 2

Isto significa que mais de metade dessa população ficaria mal servida com a referida cadeira, pelo

que se pode considerar uma solução muito fraca. Habitualmente, as soluções obtidas com a

aplicação deste princípio são pouco satisfatórias, pelo que se pode dizer que, de um modo geral,

só se justifica quando não seja praticável qualquer dos princípios anteriores e as implicações

ergonómicas do projecto sejam pouco relevantes.

Testes de ajustabilidade

Chegados a este ponto, convém esclarecer que, de um modo geral, nos casos práticos de projecto

os princípios acima descritos não se aplicam de uma forma absolutamente rígida. Muitas vezes

acontece que num dado problema são usadas técnicas mistas fazendo apelo a mais do que um

daqueles princípios.

Consideremos então alguns dos conceitos introduzidos acima e apliquemo-los na resolução de um

problema prático de projecto. Analisaremos o problema com bastante pormenor - talvez mais do

que seria necessário num caso real.

18

Page 19: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

Trata-se de especificar a altura correcta para uma superfície de trabalho na qual vai ser executada

uma certa tarefa de montagem industrial exigindo pouca força e precisão. Podemos admitir que,

por força da prática corrente na empresa, o trabalho será executado de pé e que a população

utilizadora é um grupo representativo da população masculina adulta. Por onde começar?

Uma boa maneira seria esquecer as teorias e seguir uma abordagem totalmente empírica para o

problema, realizando um ensaio de ajustabilidade. Para isso precisamos de uma mesa de altura

ajustável, na qual se possa desempenhar a montagem, e de uma amostra representativa da

população dos potenciais utilizadores. Cada sujeito deverá desempenhar a tarefa com a superfície

de trabalho colocada a diferentes alturas e opinar de cada vez sobre se a altura da mesa está

demasiadamente alta ou demasiadamente baixa, ou correcta. Poderíamos ainda refinar estes

julgamentos sugerindo categorias intermédias de avaliação. Teríamos também que tomar certas

precauções para evitar influenciar os julgamentos dos nossos sujeitos, escolhendo com cuidado a

ordem de apresentação das várias alturas. Um teste de ajustabilidade é essencialmente uma

experiência psico-fisica na qual os sujeitos fazem julgamentos acerca das sensações que

experimentam (por exemplo, conforto) em resposta a certos estímulos físicos (por exemplo, altura

da superfície de trabalho). Uma vez terminada a nossa experiência, teremos um conjunto de dados

que nos permitirão prever a percentagem de utilizadores que achará satisfatória uma determinada

altura de trabalho. Os dados obtidos reflectirão não só a variabilidade antropométrica dos nossos

sujeitos, mas também a sua experiência colectiva no desempenho de tais tarefas e a sua

capacidade para julgar quais as posições de trabalho mais apropriadas.

Mas não haverá outra alternativa à realização de ensaios de ajustamento cada vez que surge um

problema de "design"? A metodologia é boa, mas o número de sujeitos terá que ser elevado se

quisermos boa precisão nos resultados, o que torna o processo caro e demorado, muitas vezes

impraticável. Por isso os testes de ajustabilidade só se justificam em situações especiais.

Simulação

Uso de manequins

Uma alternativa aos ensaios de ajustabilidade é o recurso a técnicas de simulação, utilizando

manequins à escala ou mesmo em tamanho natural com os quais se testa a ajustabilidade de

determinado "design". Como é evidente, este método exige que os manequins sejam

representativos da população que irá utilizar o equipamento em projecto. Outra consequência

inevitável deste método é a necessidade de construir protótipos ou maquetes em tamanho natural

ou pelo menos modelos reduzidos dos equipamentos a produzir a fim de testar a ajustabilidade

com os manequins.

19

Page 20: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

Simulação em computador

Outra alternativa é o uso da simulação em computador. Existem programas apoiados em bases de

dados antropométricos com os quais é possível simular postos de trabalho ou equipamentos e

gerar silhuetas humanas com dimensões antropométricas escolhidas pelo experimentador a fim de

testar a adequação dos equipamentos. Trata-se de uma espécie de ensaios de ajustamento sem

recorrer a pessoas, tornando os ensaios muito mais rápidos e económicos. E assim possível testar

um grande número de hipóteses, eliminando as menos satisfatórias sem os custos e perdas de

tempo da construção de muitos protótipos ou modelos reduzidos. Em princípio, este tipo de ensaio

não substitui totalmente a experimentação com indivíduos, mas permite importantes ganhos na

redução do número de protótipos, no gasto de materiais e no pagamento de ensaios com seres

humanos com características antropométricas representativas dos potenciais utilizadores.

Método dos limites

E na realidade, na maior parte dos casos, podemos conseguir resultados comparáveis aos do

método anterior apenas com o recurso a papel e lápis. Contudo, na essência, a nova metodologia

não é muito diferente da anterior: de certo modo, podemos considerar que os sujeitos de carne e

osso são agora substituídos pelos dados e critérios antropométricos. Usemos um exemplo para

ilustrar o método:

Segundo Grandjean, a altura mais indicada para o desempenho de tarefas manipulativas de força

e precisão moderadas situa-se entre 50 e 100 mm abaixo da altura do cotovelo ao solo, conforme

ilustra a figura 6. Será este o nosso critério. Repare-se que se trata de um critério com dois

sentidos por ser relativo à postura, como vimos anteriormente, visto poder ser excedido em ambas

as direcções. Admitamos que a altura do cotovelo (AC) da população em causa é N ≈ (1090 ; 52)

mm, à qual devemos adicionar uma correcção de 25 mm para a espessura dos sapatos, ficando a

nossa variável definida por N ≈ (1115 ; 52). Combinando estes dados com o critério adoptado,

obtemos os limites superior e inferior para o nível óptimo de trabalho:

AC - 50 = (1065 ; 52) e AC -100 = (1015 ; 52).

Podemos tratá-los como sendo novas dimensões antropométricas normalmente distribuídas e

calcular os percentis nestas distribuições correspondentes a uma dada altura de trabalho. Contudo,

devemos ter presente que o critério se refere a "altura óptima" pelo que será razoável admitir que

os nossos trabalhadores estão dispostos a aceitar, um pouco menos que a perfeição absoluta.

Neste pressuposto, será útil considerar mais duas zonas abrangendo 50 mm acima e abaixo da

zona óptima, que poderemos designar por "satisfatórias embora não perfeitas (figura 6).

Escolhemos o valor de 50 mm apenas por parecer, um valor razoável e não por obedecer a

qualquer critério científico. Do mesmo modo definiremos as duas distribuições correspondentes

20

Page 21: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

aos novos limites: (1115; 52) e (965; 52). Estamos agora em condições de calcular a percentagem

de indivíduos que previsivelmente considerarão satisfatória qualquer altura do plano de trabalho.

Figura 6 - Critérios para altura de trabalho óptima e satisfatória para trabalho de montagem industrial, (Segundo Grandjean),

No quadro 4 mostram-se as previsões das respostas da população em percentagens de indivíduos

satisfeitos para uma superfície de trabalho com 1000 mm de altura. Foram obtidas com a ajuda da

fórmula 2.8. Verificamos que a altura de 1000 mm corresponde ao 75º percentil da distribuição do

critério inferior - do qual inferimos que essa altura seria "demasiadamente baixa" ou "não

satisfatória" para os 25% de indivíduos com AC superior a esse valor. Do mesmo modo, o critério

central corresponde aos 39º e 11º percentis, respectivamente - do qual concluímos que 28% dos

homens com AC entre estes valores consideraria a altura "correcta" ou mesmo "óptima".

Poderíamos continuar a efectuar cálculos semelhantes para outras alturas até encontrarmos um

valor que optimizasse a percentagem de boa acomodação e minimizasse a percentagem de

insatisfeitos (um computador daria certamente uma boa ajuda). A figura 7 mostra os resultados de

uma série de cálculos desses. Verifica-se sem surpresa que os valores "óptimos" descrevem uma

curva normal (e); enquanto os valores "muito altos" e "muito baixos" originam ogivas normais com

inclinações opostas (a, b, c, d). Se juntarmos os valores "óptimos" com os "um pouco altos" e "um

pouco baixos" numa categoria de "satisfatórios" curva (f), deixaremos de fora os residuais "não

satisfatórios" curva (g) fora desses limites (26% não satisfatórios e 74% satisfatórios para 1000 mm

de altura de trabalho). Pela figura se vê que o valor ideal seria 1050 mm.

21

Page 22: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

Quadro 4 - Cálculos da percentagem de homens acomodados por uma superfície de trabalho com altura de 1000 mm.

Critério Distribuição Percentil Conclusão

AC -150 (965 ; 52) 75 25% demasiadamente baixa

AC -100 (1015; 52) 39 61% muito baixa

AC -50 (1065 ; 52) 11 11% muito alta

AC (1115 ; 52) 1 1% demasiadamente alta

28% altura correcta

Será que podemos considerar o problema solucionado? Reparemos que, apesar da optimização

conseguida com o plano de trabalho a 1050 mm, cerca de 15% dos utilizadores ainda consideram

a altura insatisfatória. Ocorrem diversas perguntas: Será a postura tolerável ou demasiadamente

incómoda? Será a situação aceitável ou em contrapartida haverá o risco de aparecimento de

lesões a médio ou longo prazo? Será preferível ter uma mesa demasiadamente alta ou baixa?

Será de facto indispensável recorrermos à solução de altura ajustável ou de outro tipo (talvez com

degraus)? Nem sempre a resposta é fácil.

Figura 7 - Aplicação do método antropométrico dos limites na determinação da altura óptima de trabalho para uma tarefa industrial de montagem. As curvas mostram as percentagens de utilizadores para diversas categorias de acomodação ou não acomodação: (a) demasiadamente baixo; (b) muito baixo; (c) muito alto; (d) demasiadamente alto; (e) altura correcta; (f) satisfatória; (g) não satisfatória. (Segundo Pheasant ).

22

Page 23: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

Haverá algumas situações em que a única solução será construir e ensaiar um protótipo – o que

pode parecer que nos encontramos num círculo vicioso que nos enviou de novo para os testes de

ajustabilidade, mas na realidade a análise estatística reduziu muito a amplitude das possíveis

opções, a ponto de tornar realizáveis os ensaios. A antropometria é ainda uma ciência

relativamente inexacta e por isso a maioria dos ergonomistas considera o ensaio com utilizadores

na fase de protótipo como um passo essencial do processo de design (à semelhança dos

engenheiros que testam os seus modelos para confirmarem os cálculos e as hipóteses

simplificativas).

O processo acima descrito para a procura do melhor compromisso é designado por método dos

limites. Esta designação, pedida emprestada a uma técnica experimental psico-fisica com a qual

tem algumas semelhanças formais, reforça o facto de ser, na sua essência, uma técnica de testes

de ajustabilidade imaginários.

Um método simplificado

O método dos limites não é de aplicação muito simples. Em muitos casos pode-se utilizar uma

abordagem mais directa que, embora sem possuir todas as potencialidades do método dos limites,

produz resultados em geral satisfatórios.

Trata-se de um método em grande parte baseado no bom senso, como tantas coisas na vida,

embora tenhamos que cuidar em não nos deixarmos cair na 5ª falácia referida na secção 1 destes

textos. A melhor forma de proceder consiste, em primeiro lugar, em identificar a limitação (ou

limitações) dominante (s), isto é, cuja observância seja imperativa para a qualidade do projecto.

Depois, há que considerar as demais limitações por ordem decrescente de importância para a

qualidade do produto final. Finalmente, será preciso definir os critérios de ajustamento aos

utilizadores. Vejamos através de um exemplo como aplicar esta metodologia:

Problema: Pretende-se determinar a altura (fixa) de uma bancada para ser utilizada na posição de

pé, para a montagem final de um ferro de engomar pouco exigente em termos de força e de

acuidade visual. A solução deve satisfazer 90% da população masculina e deve admitir que será

aceitável uma tolerância de ± 50 mm, graças à excelente capacidade de adaptação humana. Se for

necessário, dimensionar também um estrado ou degraus.

Há que responder primeiro a quatro questões prévias: (a) De que tipo de limitação se trata?; (b)

Qual é a limitação? (c) Qual o critério a satisfazer?; (d) Qual o percentil (ou percentis) a

considerar?

Quanto à primeira questão, trata-se de nitidamente de uma limitação de postura, isto é, com dois

sentidos (two way). De facto, não é aceitável qualquer das duas posturas: 1ª, trabalhar com

acentuada flexão anterior do tronco, problema que poderá afectar os indivíduos mais altos; 2ª,

trabalhar com os cotovelos afastados do tronco, postura que afectará as pessoas mais baixas por

23

Page 24: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

terem que elevar os antebraços acima da bancada o que por sua vez obriga a afastar os cotovelos

do tronco se a bancada for demasiadamente alta para elas. Esta postura produzirá fadiga muscular

na musculatura dos ombros devida ao esforço de sustentação do peso dos braços. Isto significa

que, na prática, teremos que dimensionar a bancada tendo em consideração dois limites, o

superior e o inferior.

Atendendo ao tipo de trabalho a realizar, é desejável que o trabalhador possa mover livremente os

braços sobre a bancada, pelo que a altura recomendável seria um pouco inferior à altura do

cotovelo (AC), na ordem dos 50 mm. Isto responde às questões (b) e (c).

Quanto à questão (d), uma vez que a bancada deve satisfazer 90% dos indivíduos, poderemos

dimensionar bilateralmente para P95 e para P5. Assim deixaremos "de fora" - isto é, não satisfeitas -

5% das pessoas em cada extremo da distribuição. É um procedimento corrente.

A altura do cotovelo é AC ≅ N (1090 ; 52) mm. Logo, de acordo com as três primeiras alíneas, os

valores limitantes da nova variável [AC - 50 mm] são P95 = 1130 mm e P5 = 995 mm. Concedendo

uma correcção de 25 mm para a espessura do calçado (cf. pág. 4-3), os valores limitantes passam

a ser VLc,95 = 1155 mm e VLc,5 = 1020 mm. Tomando em atenção o intervalo de tolerância de ±

50 mm, os valores limitantes ficam respectivamente enquadrados pelos intervalos S [1105 , 1205] e

I [930 , 1030].

Então qual o valor a escolher? Tira-se muitas vezes partido da tolerância humana no sentido de

economizarmos nos materiais e no presente caso isso levar-nos-ia a optar por uma altura da

bancada igual ao limite inferior do intervalo S, isto é, ABs = 1105 mm.

Idêntico raciocínio levar-nos-ia a admitir que os indivíduos do 50 percentil considerariam aceitável o

limite superior do intervalo I: ABi = 1030 mm graças à sua tolerância. Isso permitir-nos-ia

economizar nas dimensões do estrado. A altura mínima do estrado, h, ficaria então definida pela

diferença entre os dois valores:

h = ABs -ABi = 1105 mm -1030 mm = 75 mm.

Como a altura mínima necessária para o estrado é inferior à amplitude do intervalo de tolerância -

que é, como foi definido, igual a 100 mm - podemos concluir que um só estrado é suficiente para

acomodar toda a variabilidade individual.

Esta solução satisfaria todas as condições antropométricas definidas e ao mesmo tempo

minimizaria os custos materiais da construção da bancada e do estrado.

TIPOS DE DADOS ANTROPOMÉTRICOS Convencionalmente, é costume distinguir entre dados antropométricos estáticos e dinâmicos.

Lamentavelmente, estes termos não são empregues exactamente com o sentido físico correcto,

24

Page 25: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

isto é, para denotar a ausência ou existência de movimento. Isto levou alguns especialistas a

propor a substituição desses termos por antropometria estrutural e funcional. Embora mais

correctos, estes termos não encontraram, porém, aceitação geral. Por isso usaremos nestes textos

a nomenclatura convencional.

Os dados antropométricos estáticos dizem respeito às dimensões estruturais do corpo, medidas

habitualmente entre pontos anatómicos fixos em posturas estereotipadas, habitualmente

designadas por posturas antropométricas normalizadas. São exemplos a altura de pé, as alturas

dos olhos e dos cotovelos de pé ou sentado, os comprimentos dos membros, as larguras dos

ombros ou das ancas e as espessuras do corpo a diversos níveis. Também se enquadram nesta

categoria os perímetros dos membros, da cabeça, do pescoço e do tronco, bem como o peso.

Os dados antropométricos dinâmicos incluem medições de alcances ou amplitudes efectuadas em

condições "funcionais", assim permitindo ao indivíduo um certo grau de liberdade de modo a poder

adoptar posturas "naturais" para o desempenho de uma dada tarefa. Também podem ser incluídas

nesta categoria as amplitudes de movimento das articulações e dos membros e a força exercida

em várias acções. O valor e relevância destes dados para aplicações práticas ao "design" são

tanto maiores quanto mais as condições de medição se aproximam das do mundo real em que

serão utilizadas essas aplicações. Infelizmente, essa relevância é obtida à custa de um elevado

grau de especificidade. Na realidade, as medições de alcances para serem utilizadas no "design"

da cabina de um avião militar podem ser irrelevantes para automóveis - devido às diferenças de

formato do assento e do equipamento usado pelos pilotos bem como às diferenças

antropométricas da população utilizadora. Por esta razão, a obtenção de dados dinâmicos pode

ser exclusiva para um dado problema de "design", o que a torna cara em matéria de tempo e

pessoal. Em muitos casos, as insuficiências dos dados estáticos não são tão grandes como

parecem, pois podem ser ultrapassadas pela utilização judiciosa dos critérios apropriados.

Tabelas antropométricas

A forma mais generalizada de divulgação de dados antropométricos são as tabelas

antropométricas. Nelas são tabulados os percentis das dimensões antropométricas habitualmente

mais utilizadas e o respectivo desvio-padrão.

Muitos projectistas consideram as tabelas antropométricas demasiadamente áridas e pouco

práticas para uso corrente e pressionaram os antropometristas para produzirem outras formas de

apresentação dos dados que fossem manipuláveis e que permitissem uma mais fácil avaliação dos

resultados do "design".

25

Page 26: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

Diagramas

Uma das respostas a essa pressão surgiu sob a forma de diagramas que permitem apresentar os

dados de uma forma mais compreensível. Neste tipo de dados incluem-se as medições das zonas

de alcance dos membros anteriores complementadas com tabulações de dados com percentis.

Esses diagramas dão uma imagem clara da natureza espacial dos dados e facilitam a obtenção da

informação.

Outro exemplo de utilização de diagramas são as medições biomecânicas das forças estáticas

apresentadas na figura 5

Figura 8 - Limites da força exercida no levantamento de pesos (em Kgf) (a) com duas mãos e (b) com uma só mão em várias posições na zona de alcance conveniente segundo diversos autores. Estes valores referem-se a homens com menos de 50 anos e frequência inferior a um esforço por minuto.

Formatos gráficos

Outro método de apresentação de dados antropométricos é o uso de curvas de frequência

cumulativa em papel normal de probabilidade. O método tem algumas vantagens: permite a

comparação de várias populações relativamente a um dado parâmetro; dão imediatamente os

valores para qualquer percentil desejado; permitem condensar uma grande quantidade de

informação numa pequena área, permitindo obter rapidamente uma estimação da distribuição das

dimensões antropométricas.

Mapas Trata-se de mapas bidimensionais do corpo humano ilustrando as diversas dimensões

representadas pelos respectivos valores para diferentes percentis. Alguns mapas também

26

Page 27: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

apresentam aplicações mostrando figuras humanas em posturas de trabalho normalizadas. Estes

mapas são fáceis de usar e podem ser reproduzidas em escalas convenientes para serem

utilizadas em modelos reduzidos. São bem conhecidos os mapas concebidos por Dreyfuss [4], cujo

maior inconveniente é serem baseados em dados antropométricos bastante antigos, o que pode

constituir uma limitação para o seu uso.

Manequins

Outro modo de apresentar dados antropométricos é sob a forma de manequins articulados a duas

dimensões, habitualmente fabricados em perspex transparente ou folha metálica, de que se

mostram exemplos na figura 9 e de que existem versões em vária escalas até ao tamanho natural.

Uma das características práticas interessantes dos manequins é a possibilidade de combinar

membros e tronco correspondentes a diferentes percentis, assim permitindo ao projectista

considerar a variação de proporções, além das dimensões corporais. Contudo, há um

inconveniente quanto à aplicação destes manequins representando homens de percentis

"híbridos": em geral, é difícil obter a localização correcta de alguns pontos de rotação das

articulações, que podem não ser compatíveis com outras dimensões (por exemplo, a articulação do

ombro quando se combinam braços e tronco de percentis de extremos opostos).

27

Page 28: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

Figura 9 - Exemplo de manequins antropométricos, (a) 52 percentil das mulheres; (b) 952 percentil dos homens. Escala 0,76:10. (Segundo Pheasant).

De um modo geral, os manequins fornecem medições precisas das dimensões e do comprimento

dos segmentos corporais e respectivos pontos de rotação e das amplitudes de movimento das

articulações. Podem também incorporar ajustamentos às dimensões antropométricas para

posturas de trabalho sentado e de pé. Bons exemplos destes (manequins muito elaborados e

precisos foram desenvolvidos pela 1 força aérea americana tendo sido largamente utilizados pela

NASA para o projecto das cabinas e dos alojamentos das naves espaciais tripuladas.

É evidente que não se devem utilizar os manequins indiscriminadamente. Na realidade, podemos

dizer que a existência de um indivíduo do 95º percentil, por exemplo, relativamente a todas as

dimensões, antropométricas, é uma impossibilidade prática, dada a enorme variabilidade das

proporções entre os vários segmentos corporais.

É preciso haver cautela no uso de manequins, não esquecendo as suas limitações. Existem, no

entanto, no comércio alguns manequins que preservam as dimensões corporais principais,

geralmente consideradas mais críticas para o "design".

Em conclusão, pode dizer-se que os manequins, graças à sua versatilidade, podem ser preciosas

ajudas para o projectista, permitindo-lhe além disso poupar tempo na construção de maquetes e no

ensaio de protótipos quando não é conveniente utilizar uma população seleccionada para o efeito.

O principal inconveniente dos manequins é o seu custo, que pode ser muito elevado no caso dos

modelos de maior precisão.

No caso português, a inexistência de qualquer tipo de manequim antropométrico relativo à nossa

população, constitui obviamente uma limitação adicional, pois não conhecemos qualquer modelo,

para além daqueles utilizados nas montras das lojas de vestuário com objectivos completamente

diferentes, que não têm qualquer utilidade prática para o "design".

Sistemas computadorizados Outra forma alternativa de apresentação de dados antropométricos, são os modelos

computorizados. Os computadores têm sido largamente utilizados para a análise estatística de

dados antropométricos, combinação de dimensões corporais para problemas específicos, cálculos

de centros de massa, de momentos de inércia e em muitas outras aplicações com objectivo de

definir critérios para o "design". Nos anos sessenta apareceram os primeiros modelos

computorizados do corpo humano a três dimensões com propriedades dinâmicas e, desde então,

têm sido desenvolvidos diversos modelos tridimensionais, com diferentes objectivos.

28

Page 29: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

De um modo geral, os modelos computadorizados do homem consistem em bases de dados

antropométricos armazenados de uma forma versátil a fim de permitir a sua leitura, manipulação,

combinação e realização de cálculos com várias finalidades.

Alguns dos diversos tipos de sistemas existentes permitem a inclusão do modelo humano no posto

de trabalho (cadeira, escritório, veiculo, etc.) pela sobreposição das duas imagens no "écran" com

uma considerável amplitude de variação de dimensões. Assim, é possível testar o ajustamento do

equipamento às dimensões humanas. O programa SAMMIE, desenvolvido pelo Prof. M. Bonney e

cols., é um bom exemplo (ver figura 10). Trata-se, essencialmente, de um programa contendo uma

tabela detalhada de dados antropométricos que lhe permite gerar uma imagem tridimensional de

um indivíduo de um percentil especificado relativamente a certas dimensões. Esta imagem pode

ser visualizada num terminal gráfico, de perfil, de frente, em projecção horizontal e em perspectiva.

O programa pode também incluir na mesma imagem a geometria do espaço de trabalho ou do

equipamento a utilizar, apresentados de idêntica forma, integrando ambas as imagens na mesma

escala. A imagem gerada pode ser movimentada sob o controlo do operador a fim de avaliar o

"design" relativamente à adequação entre as dimensões antropométricas do utilizador, os espaços

livres, o campo visual, etc. O sistema pode ser usado como ferramenta quer de "design", quer de

avaliação e tem sido utilizada em problemas associados com o uso de veículos (camiões,

automóveis, tractores, navios, aviões e comboios), equipamentos e postos de trabalho tais como

áreas de pagamento em supermercados e "layout" de salas de controlo. Trata-se, contudo, de um

modelo essencialmente estático, não contendo dados biomecânicos ou de inércia.

29

Page 30: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

Figura 10 - Exemplo do "output" do modelo com computadorizado SAMMIE, mostrando um manequim representativo de uma mulher do 95º percentil utilizando um modelo de incubadora especialmente concebida para tratamento de recém-nascidos. (Reproduzido de Pheasant).

Os modelos mais sofisticados incluem dados sobre a inércia e mesmo biomecânica do corpo

humano, permitindo a simulação das reacções humanas em resposta a forças externas tais como

vibrações, impacto ou variações do campo gravítico. Como exemplo, pode citar-se o Boeman,

modelo avançado de um indivíduo sentado, destinado à avaliação da geometria das cabinas de

pilotagem de avião (figura 11).

Outro modelo muito sofisticado, designado por "Combiman", representa as características estáticas

e dinâmicas humanas, podendo incorporar ambientes variáveis e diferentes postos de trabalho, a

fim de avaliar as interacções entre o homem, o ambiente e o local de trabalho e os seus efeitos

combinados no desempenho das tarefas. Tanto quanto sei, constitui o mais ergonómico de todos

os modelos computadorizados construídos até hoje.

Podem ainda referir-se programas que permitem prever a percentagem de utilizadores bem

acomodados a um determinado "design" com o recurso a técnicas de simulação, tais como o

programa CAPE de Bittner e cols.

Figura 11 - Exemplo de imagem gerada pelo programa Boeman, um modelo computadorizado do homem

30

Page 31: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

Relações biométricas

É sabido que algumas dimensões antropométricas diferentes apresentam boa correlação

estatística entre si. Este facto pode ser útil para o projectista em situações de escassez de tempo

ou de natureza financeira que não lhe permitem obter, por observação directa, os dados de certas

dimensões antropométricas de que necessita para resolver determinado problema. Supondo que

conhece a distribuição de uma dada dimensão, digamos, a altura de pé, e a equação de regressão

da altura do punho com aquela dimensão, ele pode estimar os valores da altura do punho por meio

dessa equação. Além disso, se conhecer o coeficiente de correlação entre as duas variáveis, ele

pode também calcular a amplitude de variação previsível da variável dependente assim obtida.

Outra aplicação da regressão em antropometria é o cálculo de dimensões desconhecidas de uma

dada população a partir das correspondentes dimensões de outra população, se conhecermos as

equações e os coeficientes de regressão.

O interesse prático das técnicas de regressão depende em grande medida da correlação entre as

diferentes variáveis. É sabido que algumas estão razoavelmente bem correlacionadas (p. ex. o

peso com larguras, espessuras e perímetros; alturas com outras alturas, comprimentos, etc.). Por

estas razões, o projectista deve ser muito cuidadoso quanto à escolha das variáveis se pretende

obter estimativas com precisão. A premissa essencial para estas técnicas serem de confiança é

haver boa correlação entre as variáveis.

Podem ainda usar-se outros métodos para prever dimensões corporais desconhecidas e outras

estimações antropométricas entre indivíduos da mesma população, ou mesmo entre médias de

populações diferentes. Estes métodos baseiam-se no conhecimento das relações (coeficientes)

conhecidas entre dimensões ou das proporções entre segmentos do corpo.

31

Page 32: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

Figura 12 – Estimativas dos cumprimentos de partes do corpo em pé, em função da altura de pé (Contini e Drillis, 1966, citados por Lida)

DIMENSÕES ANTROPOMÉTRICAS ESTÁTICAS

Medição das dimensões do corpo

Conforme já foi dito, trata-se de comprimentos de segmentos lineares, espessuras e larguras do

corpo humano nu, medidos em posições normalizadas. Existem diversos dispositivos para se fazer

a medição das dimensões antropométricas estáticas. O dispositivo mais comum é o vulgar

antropómetro [figura 13 (a)], de que existem modelos portáteis muito convenientes para medições

dentro e fora do laboratório. Outro dispositivo muito usado [figura 13 (b)] é bastante conveniente

pela simplicidade e economia, embora as suas dimensões tornem impraticável a utilização fora do

laboratório.

32

Page 33: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

Figura 13 - Instrumentos de antropometria: (a) Antropómetro portátil, composto por diversos tipos de craveiras, e (b) Modelo fixo, constituído por dois painéis com uma quadrícula graduada e banco de altura variável. (Adaptado de Roebuck).

Outro equipamento utilizado para obter dimensões importantes para o dimensionamento de postos

de trabalho, nomeadamente, os alcances na posição de sentados (figura 14).

Figura 14 – Aparelho construído para medir os alcances das mãos na posição de sentado (Dempsey, 1953)

BIBLIOGRAFIA

Costa, Luís Gomes, Textos de Ergonomia – Antropometria Aplicada, Universidade do Minho, 1993

Pheasant, S., Bodyspace. Anthropometry, Ergonomics and Design, Taylor and Francis, London,

1986

Grandjean E., Fitting the Task to the Man. A Textbook of Occupational ergonomics, Taylor and

Francis, London, 1988

33

Page 34: Introdução - CEAP · Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para

Roebuck, Jr, J. A., Kroemer, K. H. E. e Thomson, W. G., Engineering Anthropometric Methods,

Wiley, New York, 1975

Lida, Itiro, Ergonomia, Projecto e Produção, Editora Edgard Blucher, Lda, S. Paulo, 3ª Ed., 1995

Fundacion Mapfre, Manual de Ergonomia, Editorial Mapfre, Madrid, 1995

34