Andressa Valim Theodoro Daniela Lopes Reis Diego de Paulo Theodoro Paulo Henrique Milan
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INTRODUÇÃO
O contrato é inserto nas relações intersubjetivas como instrumento a
dar validade e eficácia às manifestações de vontade, configurando, em si
mesmo, no ato volitivo das partes pactuantes. É a representação suprema das
relações entre sujeitos de direitos e, como tal, deve observar os ideais de
justiça e valores abarcados na sociedade em que são constituídos.
O ato volitivo deve ser permeado pelos princípios elencados nos
dispositivos, constitucional e infraconstitucional.
Para alcançar essas searas de justiça distributiva devem ser
analisados no contexto histórico em que as declarações de vontades foram
expressas e do momento em que serão adimplidas. Para, desta maneira,
constatado que houve alteração que fira sobremaneira o avençado, possam as
partes se valer da jurisdição, da justiça corretiva, e readequarem as relações
privadas, no instrumento pactuado, alcançando o reequilíbrio econômico do
contrato.
No dizer de Darcy Bessone:
A equivalência das prestações, segundo cálculo
das partes, é à base do contrato comutativo. Se
acontecimentos novos a alteram além dos limites da previsão
do contratante médio, o contrato se transforma em instrumento
de aniquilamento de um dos contratantes, em proveito do
outro. Foge, assim, à sua própria finalidade e contraria os
princípios da equidade.1
1 BESSONE, sl, sd, apud THEODORO JUNIOR, O contrato e seus princípios, p. 151, 2001.
2
O contrato em si tem a finalidade precípua de fazer circular riqueza
na sociedade. Ora, se o acordo, por eventos supervenientes e imprevisíveis
que alterarão quantitativamente e qualitativamente a convenção, restar extremo
prejuízo para uma das partes com locupletamento indevido à outra não deverá
prosperar por subverter a essência do instituto transmutando-o em ilícito.
O alcance e o sentido da aplicação da cláusula “rebus”, a nova teoria
da imprevisão, os requisitos que dão ensejo a tal instituto, como a boa-fé
contratual, a vontade real expressa nas avenças, o equilíbrio econômico e a
função social do contrato, são objetos da presente pesquisa.
3
1. O CONTRATO
1.1. CONCEITO E PRESSUPOSTOS
O contrato é espécie do qual negocio jurídico é gênero. Em apertada
síntese: contrato é o acordo de duas ou mais vontades com vistas a produzir
efeitos jurídicos de natureza patrimonial com eficácia obrigacional. Logo, é
fonte de obrigações.
Instrumento a dar validade e eficácia às manifestações de vontade,
pela livre convenção das partes, inserto nas relações intersubjetivas,
configurado no ato de consenso entre das partes pactuantes com a função
proeminente de fazer circular riquezas. É a demonstração jurídica suprema das
relações entre sujeitos de direitos e, como tal, deve obedecer a requisitos
essenciais de validade contidos nos critérios de justiça e valores abarcados na
sociedade em que foram formulados.
Utilizado como meio idôneo e eficaz de fomentar a economia como
mola propulsora dos negócios jurídicos, representando o interesse prático das
pessoas, com intuito pecuniário, disciplinando direitos e deveres entre os
particulares.
Não obstante a livre convenção das partes, os acordos são
disciplinados no ordenamento jurídico com requisitos e pressupostos a serem
observados, como a capacidade dos agentes em realizarem atos na esfera
privada assim como a licitude do objeto contratual, sua formalidade, quando
houver uma, pois como geradores de riquezas devem guardar conformidade
com a ordem jurídica. Portanto, por seu cunho econômico, repercute
diretamente na sociedade.
Deverá ser concebido e permeado pelos princípios basilares da boa-
fé, da eticidade, sociabilidade e, especialmente, pelo princípio da operabilidade,
pois devem ser avençados com escopo de poderem ser executados.
4
A boa-fé é a constatação de observância a regra do dever geral de
não lesar a outrem, tornando os acordos claros e consistentes expressando a
real vontade manifestada pelas partes, pela autonomia da vontade, que deve
se coadunar com a eticidade abarcada no ordenamento jurídico que versa
sobre os requisitos essenciais da formação do negocio jurídico, pois como bem
assevera Antonio Jeová Santos:
É por certo desejável que o legislador deixe os
contratantes o máximo de liberdade, porém isso não pode ser
senão sob uma reserva: a liberdade contratual não deve
atentar contra outras liberdades mais essenciais. (2002, p.55)
Em outras palavras, a manifestação da vontade não deve confrontar
os fins sociais de interesse geral, deve, portanto, ser submetidas às regras
impostas por lei tendo em vista o equilíbrio econômico e a função social do
contrato.
Neste sentido, corrobora o doutrinador:
“Em uma sociedade organizada, o exercício de
direitos subjetivos não deve sair da função a que
correspondem; do contrário, seu titular os desvia de seu
destino, cometendo um abuso de direito”. (SANTOS, 2002, p.
102).
Dentro do princípio da autonomia da vontade com fulcro na
operabilidade está inserta a possibilidade da revisão contratual pelo judiciário,
para readequar o pacto, alcançando seu fim econômico e a harmonização das
partes pactuante ou resolve-lo se insanável.
5
2. PRINCÍPIOS CLÁSSICOS DOS CONTRATOS
Os Princípios são as bases norteadoras, de quaisquer atividades:
quer sejam elas no campo zeetético, na atividade do intérprete ou no campo
dogmático, no ato de poder decisionista do julgador. Assim, conceitua a melhor
doutrina, princípio como:
(...) mandamento nuclear de um sistema,
verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia
sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo
de critério de sua compreensão e inteligência, exatamente por
definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que
lhe confere a Tonica e lhe dá sentido harmônico. 2
2.1. A Força Obrigatória Dos Contratos
A força obrigatória do contrato decorre da autonomia da vontade,
esta se fundamenta na faculdade de contratar ou não de acordo com suas
necessidades e conveniências em que, pelo consenso das partes com fito de
garantir as relações estabelecidas, as convenções legalmente estipuladas e
sem vícios no consentimento - que as eivaria de nulidade - têm força de lei
entre as partes por sua força jurídica e presunção de ser justo o acordo,
passando a constituir fonte formal de direito.
Tal postulado preserva o ato jurídico como definitivo quanto ao seu
conteúdo que só poderá ser alterado por mútuo acordo ou se a lei
expressamente o permitir.
2 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 1997 apud
MARTINS, Francisco Serrano. A teoria da imprevisão e a revisão contratual no Código Civil
e no Código de Defesa do Consumidor, p.10, 2003.
6
Com efeito, quanto à estipulação negocial que pode ser firmada pela
vontade de duas partes, arrazoado que de igual maneira se coloque fim a
mesma, reduzindo a termo o desacordo, a mútua deliberação em não mais
estar vinculados faz parte da liberdade de contratar, assim, sendo o contrato
meio de seguro de dar eficácia jurídica a todas as combinações de interesse,
se não houver mais interesse comum o vinculo restará infrutífero, contudo deve
tal desinteresse deve ser manifesto.3
O Pacta sunt servanda: O acordo faz lei entre as partes, balizado
pela segurança jurídica se impõe como instrumento à manutenção da vontade
real expressa na avença, porém ao se interpretar as convenções pelo método
puramente gramatical, se atendo apenas a literalidade da letra fria das
cláusulas expressas, a depender do momento histórico ou do local onde for
executado o acordo, os fins do contrato não alcançarão a vontade manifesta no
mesmo do momento em que foi ultimado e, por mais das vezes, o transforma
em instrumento de aniquilamento, subvertendo-o em ilícito.
Ou seja, devem-se manter as bases do negócio jurídico e as
expectativas da época da celebração, para dar segurança jurídica às relações
contratuais.
Sobre o princípio da força obrigatória, anota Humberto Theodoro
Junior, “o contrato, em suma, obriga com força de lei, mas se curva diante do
ideal de justiça que se acha implícito em qualquer ordenamento jurídico do
mundo civilizado”.4 Ou seja, deve ser balizado pelos ideais de justiças
abarcados na lei em respeito à ordem pública, à moral e bons costumes, pois
seus efeitos interessam tanto as partes como à coletividade pelos fatores
econômicos e sociais que dele derivam.
A autonomia da vontade nunca foi absoluta, pois impostos limites
quanto ao conteúdo das tratativas, sua composição e as partes que poderão
3 Anísio José DE OLIVEIRA, A teoria da imprevisão nos contratos, passim.
4 THEODORO JUNIOR, O contrato e seus princípios, p.150, 2001.
7
convencionar por não refletirem a realidade social em sua plenitude nas
relações privadas, ou seja, nem tudo poderá ser objeto de acordo e nem todos
podem acordar entre si, deve ser observada a licitude do objeto e a capacidade
das partes ao contratar.
2.2. Flexibilização ao princípio da força obrigatória dos contratos.
A liberdade contratual, calcada no princípio da autonomia da
vontade que reserva aos contratantes a liberalidade de dispor dos meios e dos
modos em acordos de interesse mútuo, acobertada pela força obrigatória dos
pactos avençados, gerando lei entre as partes e vinculando somente as partes
acordadas, vem sofrendo flexibilizações quanto às prestações a serem
adimplidas quando as mesmas se tornam insuportáveis e insustentáveis a uma
das partes por eventos supervenientes ao momento da manifestação da
vontade que, por sua imprevisibilidade e onerosidade excessiva, transmuta o
contrato em elemento de desgosto econômico e, inegavelmente, chega a levar
o devedor onerado à completa ruína por tentar cumprir o pactuado.
Desde as mais remotas civilizações, esse problema tem sido levado
em conta e refletido de maneira significativa sobre o princípio da força
obrigatória dos contratos, fazendo com que sua aplicação se torne flexível e
harmoniosa com outro grande princípio do direito contratual – o da
comutatividade, sem o qual o instituto obrigacional não atinge o equilíbrio
exigido pelo ideal de justiça. Só pode, no plano do contrato, pensar em negócio
justo, quando, evidentemente, se mantém a relação dentro dos padrões da
comutatividade.5
Pela comutatividade, pressupõe se conhecida as prestações que
guardam entre si uma equivalência de valores fixados segundo critério de
interesse e conveniência das partes, estes geram pressupostos do negócio
jurídico e base da manutenção do mesmo.
5 KARL LARENZ, derecho justo, sl, sd, apud THEODORO JUNIOR, ibibem, p. 151.
8
A ausência ou alteração de tais requisitos ensejam a revisão do
contrato, principalmente quando da modificação por evento superveniente e
imprevisível que onerar demasiadamente uma das partes que autorizará a
readequação para a sua manutenção e para que o pacto possa ser cumprido
através de intervenção do Estado Juiz a prestar jurisdição e por termo ao
conflito.
2.2.1. Antecedentes Históricos
A cláusula rebus sic stantibus, a nova teoria da imprevisão,
percebida em vários momentos históricos a partir da Idade Média, demonstra
que o conteúdo das avenças sempre foi passível de modificação quando tal
conteúdo sofresse alterações, por motivos alheios a vontade das partes sendo
por fator superveniente ao momento da manifestação das vontades, ferindo
sobremaneira o ato volitivo e subvertendo o pactuado.
Levando em consideração a cláusula da conditio causa non secuta a
disciplinar que o contrato deve subsistir e ser cumprido até e como foi ultimado,
que possibilita a alteração se modificada as condições da avença: contractus
qui habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus
intelligentur – os contratos que têm trato sucessivo ou dependência do futuro
entendem-se condicionados pela manutenção do atual estado das coisas, a
aplicação da cláusula rebus, implícita em todo contrato.6
Tal teoria se funda na presunção da vontade das partes na
obrigatoriedade do cumprimento tendo como pressuposto a inalterabilidade da
situação de fato, resguardada, assim, a segurança jurídica dos pactos.
O direito na Idade Média, apesar da influência Romana, se constituiu
pelo Direito Canônico, por força do poder da Igreja Católica que interpretava a
Lei Divina criando padrões de condutas à regular o convívio dos homens
6 VENOSA, Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p.415, 2001.
9
segundo a vontade de Deus, orientando-os no sentido de justiça e da bem
aventurança, esses tidos como seres sociais que devem obediência aos
regramentos, tendo em vista o bem comum. Neste contexto histórico, observa-
se o auge da cláusula rebus sic stantibus, protagonizada pelos filósofos
católicos e os juristas canônicos.
Neste sentido disciplinou São Tomás de Aquino em sua Summa
Theologica Cura Fratum Ordinis Preedecatorum: “Não mente nem peca, quem
não cumpre o prometido por terem as coisas não permanecidas às mesmas do
momento em que foi prometido”, conceito balizado no discurso moral e jurídico
do Bispo de Hipona, Santo Agostinho, que, no século IV, disciplinava:
Se ocorrer alguma coisa de maior importância que
impeça a execução fiel de minha promessa eu não quis mentir,
porque apenas não pude cumprir o que prometi (...) não mente
aquele que promete alguma coisa e não o faz se, para isto não
executar, algo sucedeu que impediu o cumprimento da
promessa (...). 7
Até meados do século XVIII, constata-se a influência da cláusula
implícita, na aplicação de alguns casos práticos. Contudo, no final de tal século
e início do século XIX, a cláusula entra em declínio devido ao momento
histórico político da Revolução Francesa, esta fomentada pela necessidade da
liberdade de comércio pela burguesia, fundada no individualismo, no
formalismo e no dogma da autonomia da vontade a gerar segurança jurídica
contra as limitações impostas pela Igreja Católica e ao Absolutismo Estatal da
Idade Média.
O Código Napoleônico não tratou da cláusula, pelo contrário,
consagrou o dogma do “pacta sunt servanda” como meio de dar segurança
7AQUINO, São Thomas, Summa Theologica Cura Fratum Ordinis Preedecatorum, sl, sd, Apud KLANG, A
teoria da imprevisão e a revisão dos contratos, p.p 14-15, 1991.
10
jurídica às relações intersubjetivas, em que o acordo faz lei entre as partes,
pois o que se quer, não causa dano. Dando, desta maneira, caráter irrevogável
às avenças.
Nos dizeres de Caenegem: “a filosofia do iluminismo rejeitou os
velhos dogmas e tradições (especialmente religiosas) e colocou o homem e o
seu bem estar no centro de suas preocupações.” 8 Enfim, o centro de tudo era
o indivíduo, a propriedade e a livre circulação de bens.
O liberalismo econômico conjugado a um modo de vida filosófico
embasado no individualismo e de cunho voluntarista são os fatores econômicos
e filosóficos que condicionam o vinculo contratual.9
Notadamente, o que nasceu com intento a dar segurança jurídica
acaba sendo subvertidas pelo exacerbismo, restando inúmeras e insuportáveis
injustiças, pelo próprio desequilíbrio econômico e social das partes
contratantes.
Além disso, o mundo passa a sofrer brutais transformações em
virtude das guerras, provocando desequilíbrio nos contratos de longo prazo, o
que ensejou regulamentações nos ordenamentos internos de diversos países
quanto à revisão dos contratos concluídos antes da guerra por terem se
tornado, sua execução, demasiado onerosa. Como exemplo a famosa Lei
Failliot, francesa, em que a participação do juiz era tida como obrigatória.
No Brasil, a teoria da revisão foi consagrada e adaptada por Arnoldo
Medeiros da Fonseca, com o nome de teoria da imprevisão, pois diante da
enorme resistência na aceitação da dita teoria, incluiu o autor, o requisito da
imprevisibilidade. Assim, não bastando à ocorrência de fatores supervenientes
8Caenegem, Uma introdução histórica ao direito privado, p. 178, 2000, apud DUQUE, Bruna Lira. A
revisão dos contratos e a teoria da imprevisão: uma releitura do direito contratual à luz do princípio da
socialidade, p.261, 2007.
9 SANTOS, Antonio Jeová. Função social, lesão e onerosidade excessiva, p.39, 2002.
11
e extraordinários que onerasse sobremaneira a uma parte, também deveria, o
fato ensejador da onerosidade superveniente, ser imprevisível.
O Código Civil de 1916, não disciplinou expressamente o instituto da
revisão contratual, entretanto, os princípios basilares e a interpretação
sistemática extensiva dos artigos esparsos na legislação extravagante, em
conformidade com todo ordenamento jurídico, restou consonância com
ensinamento de Serpa Lopes em relação ao artigo 5° da LICC:
Ao juiz cabe o dever de interpretar a lei em
conformidade da nova situação social em conflito com a norma
de direito positivo, igual papel deve assistir-lhe quando o
contrato se encontra em mesma posição. 10
Desta maneira, se fez possível a aplicação do postulado aos casos
concretos.
Desde 1920, a lei extravagante, assim como a jurisprudência
brasileira têm acolhido a revisão sob fundamento de que o direito não pode
ficar alheio às avenças, pois deve compor os conflitos de interesse segundo
critério equitativo.
O capitalismo desenfreado somado à industrialização cada vez mais
desenvolta guiou os contratantes a uma posição demasiada incomoda no início
do século XX, pois se compreendeu desde logo que, se a estrutura jurídica
assegurava a paridade política, não estava garantindo a paridade econômico-
financeira.11
10
Lopes, Serpa, sl, sd, apud KLANG, Marcio, p. 43, 1991
11 OLIVEIRA, Jose Anísio, Ibidem, p.21.
12
Diante do advento da Constituição Federal de 1988 que insere a
função social da propriedade, e o Código de Defesa do Consumidor que
disciplina a revisão contratual nas relações de consumo pela onerosidade
excessiva, dando ensejo, assim, a inúmeros julgados em todas as esferas de
direito, reconhecendo a revisão contratual com fundamento na manutenção das
tratativas, na possibilidade de execução, pela readequação das prestações;
seus fins econômicos e em conformidade com a sua função social, quais
sejam: a fomentação à economia, a manutenção do contrato, da empresa e
das relações de emprego.
Tudo isso culminou na promulgação do Código Civil de 2002, este
concebido a partir de princípios como os da sociabilidade, eticidade e
operabilidade ao contrario do Código de 1916 que foi construído por uma visão
individualista, norteada por princípios liberais.
O que significa dizer que o direito passou ser analisado em
consonância com todo ordenamento e seus fins sociais; além disso, por ser o
nosso direito posto, o Novel disciplinou expressamente a revisão contratual,
quando possível o reequilíbrio das prestações e até mesmo a resolução do
contrato quando impossível a reestruturação, impondo seus requisitos de
admissibilidade com forma prescrita em lei, nos artigos: 317 que prevê
possibilidade de correção na prestação que restar desproporção manifesta a da
devida em relação ao momento de execução; 478 que possibilita o pedido de
resolução por onerosidade excessiva; 479 que admite a manutenção do
contrato onerado excessivamente desde que o credor se ofereça a adequá-lo
equitativamente; 480 em que há oportunidade de pedido de alteração de modo
de execução ou redução da prestação devida a fim de evitar a onerosidade
excessiva, todos do Código Civil Pátrio.
13
2.3. Dirigismo Contratual
O liberalismo exacerbado na liberdade de contratar, no pós
Revolução Francesa, acarretou extremos prejuízos aos contratantes em todos
os países que aderiram à filosofia e regramento do Código Napoleônico.
Diante do desequilíbrio econômico das partes contratantes o
princípio da autonomia da vontade teve que ser parcialmente cerceada,
mitigada, pois a incerteza gerada pela igualdade jurídica em detrimento da
igualdade material, deixando, os economicamente mais fracos, à mercê dos
grupos mais fortes, que se utilizando da autonomia da vontade subvertida em
proveito próprio, para validar seus negócios abusivos, gerou inúmeras
injustiças.
Insurge-se o Estado contra tal discrepância, a priori na figura do
Estado-Legislador, impondo limites, requisitos e condições previamente
padronizadas às contratações; num segundo momento intervindo como
Estado-Juiz a modificar o convencionado pelas partes com vistas a encontrar o
justo equilíbrio em dada situação; até mesmo genericamente atua o Poder
Judiciário quando aplica às operações jurídicas os princípios gerais como a
boa-fé, preservação da justiça comutativa, a ilidir o abuso de direito,
enriquecimento ilícito em detrimento do empobrecimento sem causa com fulcro
na garantia da das questões ordem pública.
Neste sentido anota José Anísio de Oliveira:
O dirigismo contratual indubitavelmente revolucionou sobremaneira os preceitos tradicionais da convenção, excedendo, por assim dizer, as suas vetustas maneiras de compleição, hospedando a interferência plena do poder público numa ordem de relações jurídicas, representada nas vontades dos cidadãos e do direito social, proporcionando ao juiz e à Administração modos de equilibrar os fatos sociais, tais como a determinação de cláusulas limitativa na observância de
14
obrigações, a prorrogação dos prazos e a estancação imediatas de preços.12
O contrato passa a obedecer a sua função social, cabendo, aos
contratantes, conciliar os interesses individuais com os coletivos sob pena de
serem revisionados, não obstante continuarem a observar seu fim econômico
em si mesmo.
Nos dizeres de Francisco Serrano Martins13: “O intervencionismo
estatal apresentou-se como adaptação aos fenômenos econômicos e sociais
da sociedade”. Assim, o princípio pacta sunt servanda, o contrato faz lei entre
as partes, foi cedendo lugar ao dirigismo contratual. As relações contratuais
passaram a ser tuteladas pelo Estado, tentando estabelecer uma igualdade de
fato entre os contratantes.
Com efeito, o dirigismo contratual se configura pelo conjunto de
normas protetoras ou restritivas que se impõem às relações contratuais sob
pena de nulidade.
Neste contexto jurídico está abarcada a teoria da imprevisão que em
consonância com Carneiro Maia14, “seu fundamento na aplicação está na lesão
subjetiva, que o Direito não pode ficar alheio, desde que deva compor o conflito
de interesse segundo critério equitativo.” Em outras palavras, a readequação
dos acordos, pelo judiciário, quando as partes se encontrarem em patamares
dispares, ocorrendo desequilíbrio econômico, de tal sorte a tornar o
cumprimento da avença insuportável a uma das partes, modificando
sobremaneira a vontade inicialmente disposta.
12
OLIVEIRA, José Anísio, ibidem, p.p 25-26.
13 MARTINS, F. Serrano, A teoria da Imprevisão e a Revisão Contratual, p.12.
14 MAIA, Carneiro, Da cláusula Rebus sic stantibus, 1959, apud THEODORO JUNIOR, ibidem P.154, 2001.
15
Em suma, cabe ao Poder Judiciário, na sua função típica, dirimir
conflitos, tornar os contratos totalmente executáveis em todas suas fases,
dentro dos liames nele adstrito tendo em vista seu fim econômico em
consonância com a realidade fática e os ditames legais, restabelecendo a
segurança jurídica em prol da manutenção dos acordos e sua finalidade social.
2.4. Função Social Do Contrato
A função social do contrato está intimamente relacionada com o
princípio da socialidade adotado pelo Código Civil de 2002 que reflete a
prevalência dos valores coletivos aos individuais, em detrimento do sentido
individualista do Código Beviláqua.
Serve precipuamente para limitar a liberdade contratual, quando esta
confrontar com o interesse social, pois a aplicação da letra fria da lei, muitas
vezes, acaba por causar injustiça transformando a vontade da norma, pelas
particularidades do caso concreto. Ou seja, não basta à simples subsunção da
norma ao caso concreto, devem ser observados os critérios de justiça, da boa-
fé, da ordem pública, dos usos e costumes, para poder assim, alcançar a
finalidade e a função social das normas.
Atendendo a este postulado, busca-se o equilíbrio entre as
necessidades individuais avençadas e as necessidades coletivas, pois os
contratos como geradores de riquezas guardam em si finalidades outras que
devem, necessariamente, ser obedecidas, como sua finalidade econômica de
primeiro plano, entre as partes pactuantes, e de segundo plano: a repercussão
econômica na sociedade.
Ainda sim, o conteúdo dos acordos deve estar em consonância com
bem estar comum, vez que podem influir no ambiente em que serão cumpridos;
como exemplo a locação de um prédio em área residencial para fins de
16
recreação noturna. Ora, tal entretenimento não se coaduna com a área em
questão, pois nestas áreas devem ser respeitados os direitos de vizinhança,
quais sejam: o sossego, saúde e segurança. O contrato em si seria lícito, a
locação, contudo o uso, pela particularidade do caso concreto, restaria inviável.
A função social dos contratos atende ao caráter individual, quando
observado em relação aos contratantes, ilidindo, por meio da tutela
jurisdicional, que o contratante economicamente e, até mesmo, tecnicamente
mais fraco fique a mercê dos ditames do mais forte; e ao caráter coletivo,
quando ilide a produção de seus efeitos, retirando a eficácia por atentar contra
a ordem pública e em alguns casos, expurgando sua validade jurídica pelos
mesmos motivos.
Portanto, mister se faz a aplicação das normas gerais da probidade
e boa-fé, a equidade, observada a questão de ordem pública, tendo em vista os
usos e costumes e o bem estar social, aos contratos quando estes não os
emanarem, expressa ou tacitamente, através do judiciário, na apreciação do
caso concreto, valendo se o magistrado dos valores da solidariedade (CF, art.
3°, I), da justiça social (CF art. 170), dignidade da pessoa humana (CF, art. 1°,
III), a regra geral de não lesar a outrem (CC, art. 186), a vedação ao
enriquecimento ilícito (CC, art.884), e todos os demais postulados abarcados
em nosso ordenamento jurídico que se fizerem necessários para garantir o
direito, a função social pelo equilíbrio contratual nas especificidades do caso
concreto.
Não obstante a prevalência da autonomia da vontade contratual,
esta deve se adequar aos requisitos essências para sua validade assim como
não pode contrariar os preceitos de ordem pública diante dos valores jurídicos,
sociais, econômicos e morais, abarcados pela sociedade em que será inserta.
Neste contexto, o ensinamento do ilustre doutrinador Jeová Santos:
17
A função social do contrato, enfim, garante a
humanização dos pactos, submetendo o direito privado a novas
transformações e garantindo a estabilidade das relações
contratuais, sensível ao ambiente social em que foi celebrado e
está sendo executado, (...).15
A segurança jurídica vastamente utilizada como fundamento a
validar o princípio da força obrigatória dos contratos, por entender se que a não
vinculação estrita a tal postulado geraria caos pela insegurança instalada
diante da possibilidade em se ver as avenças alteradas pelo judiciário, não
restará prejudicada, pois pelo mesmo postulado é que se autoriza dita
alteração, uma vez que está só se fará quando expressamente autorizadas em
lei e, para a própria manutenção do acordo, alcançando, assim, o equilíbrio
inicialmente proposto.
Ora, com efeito, que a aplicação da cláusula geral da função social
dos contratos, pela revisão judicial, é o parâmetro idôneo para adequar as
avenças com fulcro no reequilíbrio das prestações, quando as mesmas
restarem díspares, do momento em que foram constituídas e o de sua
execução, pela realidade fática e de direito do ato manifestado, para que não
haja menosprezo a dignidade da pessoa humana pelo vilipêndio do indivíduo
pela obrigatoriedade do cumprimento de um acordo que restou manifestamente
oneroso a uma das partes.
Isto posto, pode se afirmar que a segurança jurídica dos contratos e
a justiça praticada pelo ato revisional em observância a função social não se
dissociam, pois todos visam os fins do direito, ou seja, coibir a realização de
atos socialmente não desejados.
Assim como a análise sistemática de todo ordenamento jurídico nos
leva a compreensão de que o sentido da lei veda atos que prejudiquem o
15
SANTOS, Antonio Jeová, ibidem, p.146.
18
interesse social, que vulnere a função social, esta para tutelar a parte menos
favorecida e o interesse coletivo; destes pressupostos de validade se pode
afirmar que não há atendimento a finalidade social quando: a prestação, de
uma das partes, restar desproporcional ou exagerada, em comparação a sua
contraprestação ou de como esta vinha sendo adimplida costumeiramente; ou
ainda quando se observar vantagem exagerada a uma das partes, subvertendo
ao pactuado, quebrando-se, assim, as bases subjetivas e objetivas do pacto,
pois não era essa a vontade pactuada nem o resultado almejado. Portanto,
passível de ser submetida ao crivo da tutela jurisdicional para a competente
reestruturação das prestações com fito ao reequilíbrio obrigacional.
19
3. TEORIA DA IMPREVISÃO OU ONEROSIDADE EXCESSIVA
3.1. Conceito
Como bem sintetiza o Ilustre magistrado Jeová Santos:
A imprevisão é denominada sopravenienza, mas
também é dito que houve a desaparição da base do negócio
jurídico, em face do desequilíbrio das prestações. É a
propalada cláusula rebus sic stantibus. Não importa a
nomenclatura. Sempre que a parte estiver diante de contrato
cujo cumprimento se tornou excessivamente gravoso por
causas imprevistas e extraordinárias pode bater às portas do
Poder Judiciário para reajustar o contrato e restabelecer o
equilíbrio econômico que existia quando o contrato foi
celebrado. 16
Tal entendimento doutrinário alcançado pela aplicação do princípio
da força obrigatória dos contratos, pois o que se almeja será o equilíbrio das
prestações nos moldes em que foram ultimadas que quando alterados de
maneira a gerar injustiça a qualquer das partes rompe com o convencionado e
desvirtua o acordo.
O dogma encerra a idéia de fidelidade ao que foi prometido e que
deve ser cumprido; a expressão rebus sic stantibus vincula as prestações ao
significado manifesto no avençado mediante as circunstâncias que existiam no
momento da celebração, ao resultado da somatória da prestação e
contraprestação fundados no cálculo e probabilidade de lucro e perda, assim,
16
SANTOS, ibidem, p.212, 2002.
20
se outro fosse o obtido, por eventos supervenientes e imprevisíveis, não seria o
que efetivamente foi contratado.17
Neste sentido, Fornielles18 oferece o seguinte conceito sobre
imprevisão:
É a teoria que sustenta que as vontades individuais
não engendram obrigações, mas as condições de se mover no
terreno ordinário da previsão humana e que se um
acontecimento futuro rompe o equilíbrio que deve supor ínsito
em toda convenção, desaparece um dos elementos que é a
força obrigatória. O contrato obriga para o previsível, não para
o imprevisível.
A revisão contratual outorgada pelo Poder Legislativo e delegada ao
Poder Judiciário na sua função típica, é instrumento competente bastante para
dirimir conflitos em havendo modificações decorrentes de desequilíbrio gerado
no campo contratual por evento superveniente e imprevisível ao momento da
celebração do ato volitivo que acarrete desproporção nas prestações,
tornando-as excessivamente gravosas e de difícil cumprimento pela parte
onerada.
Motivada pelos princípios de direito já existentes como a boa-fé, não
enriquecimento sem causa e da equidade somados a necessidade da
conservação dos negócios jurídicos dentro do equilíbrio contratual a
harmonizar as relações entre os pactuantes, sempre atendendo ao
17
Teoria da pressuposição desenvolvida por Oertmann e Larenz, por eles denominada de base do
negócio jurídico por conter a boa-fé, a equidade e a proibição ao abuso de direito; esta teoria é a que
melhor fundamenta a teoria da imprevisão. ( SANTOS, ibidem, p.232, 2002.)
18 FORNIELLES, sl, sd, apud SANTOS, Jeová, ibidem, p. 212, 2002, apud, CAZEAUX e REPRESAS, Derecho
de las obligaciones, p. 665, 3. ed. La Plata: Platense, 1987.
21
restabelecimento do equilíbrio que foi rompido por fatores alheios à vontade
das partes, é que se funda a teoria da imprevisão.
3.2. Requisitos
Para TRABUCCHI e como se depreende do disposto no artigo 478
do Código Civil de 2002, os requisitos autorizadores da aplicação da teoria da
imprevisão nos negócios jurídicos e que devem ser observados, assim
dispostos:
a) o contrato deve ser de execução futura (execução diferida,
continuada ou periódica);
b) após a celebração do contrato, deve ter havido a
superveniência de eventos extraordinários e imprevisíveis;
c) a prestação para uma das partes deve ter se tornado
excessivamente onerosa, em virtude da nova situação não
prevista;
d) a relação entre as prestações, no momento da execução,
deve ter se tornado desproporcional relativamente àquilo que
se estabelecera no momento da conclusão do contrato.19
Reza a melhor doutrina que o requisito da onerosidade excessiva
deva ser anormal, que gere sacrifício para parte onerada; além disso, o fato
superveniente e imprevisível deve ocorrer sem participação da vítima, tem de
ser alheio à parte, ou seja, ausência de culpa do obrigado, sendo certo que o
onerado não pode estar em mora no que diga respeito ao cumprimento das
19
TRABUCCHI, Instituzioni di Diritto Civile, pp. 727-728, 1968, apud, THEODORO JUNIOR,
ibidem, p.155, 2001.
22
cláusulas contratuais não atingidas pela imprevisão, demonstrando a boa-fé do
devedor.
Parte da doutrina, ao analisar os requisitos autorizadores da revisão
contratual, defende não haver necessidade de ser, o evento superveniente
causador da onerosidade excessiva, um fato imprevisto, pois a depender das
situações fáticas, há eventos mesmo que previstos podem causar o
desequilíbrio contratual, acarretando a insuportabilidade de seu cumprimento
por um dos contratantes, quebrando-se a comutatividade inerente aos
contratos – neste sentido Villaça Azevedo.
Outra parte da doutrina não só afirma a necessidade de ser
imprevisível o fato extraordinário, superveniente à manifestação de vontade,
ensejador da onerosidade excessiva, mas também defende ser indispensável à
ocorrência de ambos concomitantemente para que seja autorizada a revisão
contratual pelo judiciário.
Além disso, o fato imprevisível e extraordinário deve guardar relação
direta de causa e efeito da onerosidade excessiva na prestação a ser
cumprida. Deve determinar uma importante alteração na relação originária.
Destarte, a onerosidade excessiva autorizadora da revisão
contratual será aquela que advinda de fato extraordinário – fora do curso
normal, o que não pactuado, além disso, imprevisível – ao tempo da
celebração, tendo em vista o critério da pessoa de diligência normal, - do
entendimento do homem médio.
3.3. Natureza Jurídica Da Teoria Da Imprevisão
Esta teoria é fruto de fenômenos histórico-culturais e decorrente do
anseio social na busca de um mecanismo jurídico que resguardasse a boa-fé e
a segurança jurídica na manutenção do equilíbrio contratual nos acordos de
23
longa duração com prestações sucessivas ou em que o momento de sua
execução se protrai no tempo.
Diante do exposto, conclui-se que a teoria da imprevisão tem
natureza jurídica incidental nas relações contratuais, balizada na manutenção
da base negocial pelo restabelecimento do equilíbrio das prestações nos
moldes em que foram acordadas configurando, sua declaração, em
pressuposto da possibilidade de revisão contratual com vistas a sanar
anomalias decorrentes do evento superveniente que afetou diretamente as
bases contratuais, desvirtuando-as, e que não foram previstas ou almejadas.
24
4. REVISÃO CONTRATUAL
Como anteriormente exposto, a revisão contratual é a possibilidade
de atenuação ao princípio geral da força obrigatória dos contratos, em que
ocorrendo evento imprevisível superveniente às manifestações de vontades,
que alterem significativamente as bases do contrato desequilibrando
sobremaneira as prestações avençadas, restando extremo prejuízo a uma das
partes e locupletamento indevido a outra, será passível , quando possível, de
readequação e reequilíbrio das mesmas para que possam, os contratos, serem
mantidos e executados, pois se assim não o forem, os mesmos restarão
resolvidos por não mais atenderem aos fins a que se ultimaram.
Muitos doutrinadores buscaram legitimar a aplicação da revisão
contratual, pela teoria da imprevisão, parte deles, embasados nos requisitos
subjetivos como a teoria dos pressupostos: em que as prestações devem ser
consideradas dentro das situações em que o contrato foi ultimado, ou seja, a
vontade contratual que não pressupôs os acontecimentos imprevisíveis que
alteraram a essência do que foi avençado, portanto não se tratando o resultado
obtido ser o mesmo objeto do contrato, pois os acordos possuem uma
condição implícita de permanência da realidade que autoriza a supressão dos
efeitos causados pela mudança fática não prevista. De tal maneira que se essa
mudança pudesse ser prevista não haveria a avença.
Outros com explicações objetivas, aclamando o equilíbrio nas
prestações, pelos princípios da reciprocidade ou da equivalência das condições
em que, pela base do negócio jurídico, nos contratos que se perceberem
desequilíbrio econômico nas prestações da do momento da estipulação até o
contemporâneo ao seu cumprimento, estará autorizada a intervenção.20
20
VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p.414,
2001.
25
Define-se a teoria da imprevisão como remédio jurídico destinado a
sanar incidentes que venham alterar a base econômica, por isso aceitável
como atenuadora da força obrigatória, pois permite revisão contratual sem ferir
a autonomia da vontade por não atingir o ato volitivo e sim aos fatores
supervenientes, imprevistos e extraordinários modificadores da base negocial
do contrato, restaurando ao que foi efetivamente avençado.
Estes complexos doutrinários e os princípios basilares que formam a
nossa sociedade elencados na Constituição Federal, além da jurisprudência
recorrente em acatar a teoria da imprevisão culminaram na disposição
expressa no Novel Código Civil.
Tal postulado, abarcado pelo ordenamento interno, se legitima nos
conceitos de valores e justiça, da moral exigida pela boa-fé contratual e em
obediência aos fins sociais do ato volitivo, e à regra geral da ordem pública,
como se depreende do disposto no parágrafo único do artigo 2035 do Novel in
verbis:
Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar
preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por
este Código para assegurar a função social da propriedade e
dos contratos.
Contudo, a revisão, que deve ser feita pelo judiciário quando as
tentativas de uma composição amigável restar infrutíferas só poderá ser
proposta se observados os requisitos elencados no artigo 478 do Código Civil,
in verbis:
Nos contratos de execução continuada ou diferida,
se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente
onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o
devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença
que a decretar retroagirão à data da citação.
26
Não obstante o dispositivo legal supracitado discrimine
expressamente à resolução do contrato, os mesmos elementos são utilizados
em ação revisionais proposta pelo contratante onerado com fulcro no princípio
da manutenção dos contratos pela sua finalidade econômica e sua função
social.
Neste sentido segue o disposto no Enunciado 176 do Conselho de
Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil:
Em atenção ao princípio da conservação dos
negócios jurídicos, o art. 478 do CC 2002 deverá conduzir,
sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à
resolução contratual.
Depreende-se do Enunciado a necessidade da leitura e aplicação do
disposto no artigo 478 do Código Civil deve ser cominada com o artigo 479 e
317 do mesmo diploma legal, respectivamente, a saber, in verbis:
A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o
réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier
desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o
do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido
da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor da
prestação.
27
Nelson Nery Júnior citado pelo ilustre desembargador Carlos
Roberto Gonçalves, bem disciplina e elucida o disposto no enunciado em tela:
O princípio da conservação dos contratos, ante a
nova realidade legal, deve ser interpretado no sentido da sua
manutenção e continuidade da execução, observadas as
regras de equidade, do equilíbrio contratual, da boa-fé objetiva
e da função social do contrato. 21
A análise sistemática destes dispositivos com fulcro na conservação
dos negócios jurídicos, para alcançar a real vontade declarada nos pactos
(artigo 112 CC), seu fim econômico, são alguns dos elementos autorizadores
da possibilidade da revisão judicial.
Assim, os elementos que ensejarem a revisão contratual, quando
ainda possível manter a convenção, devem ser argüidos em ação própria, que
será declarada por sentença, se constatados presentes os seus requisitos, a
possibilidade de revisão que somente atingirá as prestações ainda não
adimplidas, estas poderão ser consignadas enquanto pendente a lide em
observância à boa-fé do devedor, mediante autorização judicial para tanto.22
Ante a positivação da possibilidade da revisão contratual pelo
judiciário, surgem discussões acerca de seus requisitos e abrangência de sua
aplicação, atuação dos intérpretes do direito no campo zeetético, e o
posicionamento, das autoridades judiciárias, pela técnica hermenêutica, no
campo dogmático, com vistas à adequação do contrato à vontade das partes.
21
NERY JUNIOR, Nelson, sl, sd, apud GONÇALVES, Carlos Roberto in Direito civil brasileiro, vol. III:
contratos e atos unilaterais, 2006.
22 VENOSA, Silvio de Salvo, ibidem, passim, 2001.
28
4.1. Campo De Aplicação Da Revisão Contratual
A aplicação da revisão contratual se dará em contratos comutativos,
pois exige a equivalência das prestações demonstrando a boa-fé contratual,
estabelecidas às prestações e contraprestações a serem adimplidas, portanto
não há que se falar em revisão contratual, pela teoria da imprevisão, em
contratos aleatórios visto que a álea será o objeto fim de ditos contratos, salvo
se a onerosidade excessiva for produzida por causas outras que não as da
álea própria do contrato; o que se busca com a revisão contratual é
restabelecer o equilíbrio das prestações nos moldes em que foram contratadas.
Portanto, quando o objeto do contrato versar sobre prestações
desproporcionais ou imprecisas não haverá o que se revisionar, pois já
nasceram assim como base do contrato, configurando os próprios riscos
assumidos pela vontade das partes.
O contrato comutativo passível de revisão será o de execução
diferida, periódica ou continuada, pela simples percepção de não haver
possibilidade revisional nos de execução instantâneas, visto que estes já foram
cumpridos, portanto consubstanciados na esfera do negócio jurídico perfeito,
passíveis apenas de ação de anulação ou de declaração de nulidade por vícios
– objetivos ou subjetivos, em que sequer terão existido por não terem validade
jurídica ou lhes serão suspensos os efeitos.
Já nos contratos de execução diferida, periódica ou continuada, por
ainda não adimplidos ou cumpridos em parte, deve-se preservar o equilíbrio
das prestações, pela vontade avençada, da sua real finalidade econômica e
função social.
Não há que se falar em caso fortuito ou força maior, uma vez que
estes institutos são causas excludentes de responsabilidade da inexecução
involuntária o que desobriga o devedor dos prejuízos dela advinda, pela
impossibilidade, inevitável e irresistível, do adimplemento da obrigação por
29
fatores alheios à sua vontade por fato de terceiro ou advento de ações de
forças ininteligíveis; ao passo que possibilidade de revisão contratual se dá
pela dificuldade do cumprimento obrigacional pela onerosidade excessiva, pelo
desequilíbrio das prestações avençadas, não desobriga ou impede o onerado,
apenas dificulta, mesmo que extremamente dificultoso se torne o
adimplemento, não o impossibilita.
Desta maneira, a possibilidade de revisão judicial se dará em
contratos comutativos de execução diferida, periódica ou continuada em que,
conforme os requisitos de aplicação da cláusula rebus sic stantibus, dispostos
no Novel, por motivos supervenientes à manifestação das vontades, por fatores
imprevistos nas tratativas, quer por ser objeto destas, quer por cláusula de
adequação expressa, e, imprevisíveis, porém, no sentido de que se previsíveis
tais fatores supervenientes as partes assim não contratariam, configurada a
álea extraordinária que desequilibraria sobremaneira as prestações, causando
onerosidade excessiva para uma parte com extrema vantagem à outra.
Os requisitos elencados no artigo 478 do Código Civil, para restar
operável a possibilidade de revisão, não devem ser interpretados restritamente,
pois se assim os forem e se aplicados apenas em seu sentido literal, a teoria
da imprevisão abarcada neste dispositivo legal, se constatará impraticável, pois
senão vejamos: a finalidade precípua da evocação de tal postulado será a de
readequar quantitativamente e qualitativamente as prestações contratuais com
fulcro da manutenção e execução do contrato nos moldes em que foi ultimado,
pois não há como se exigir o cumprimento de um pacto que tinha uma
finalidade que acabou subvertida em outra, por motivos alheios às vontades
das partes.
Além do mais, se não for possível a readequação o contrato restará
resolvido por expressa disposição em lei, vez que não se verifica os
pressupostos consagrados no momento da manifestação da voluntas
contrahentium entre as partes.
30
Nota-se a necessidade de apreciação de tais requisitos à luz do
caso concreto, pois a exigência na literalidade da norma, por mais das vezes,
não se coaduna com sua finalidade, e não só isso, a depender do caso
concreto, requer-se uma técnica interpretativa lógico-sistemática e
principalmente histórica, contemporânea à manifestação de vontade expressa
nos acordos, adequada ao momento da execução, para que se possa fazer
correta subsunção do caso à norma para procederem, os magistrados, com
equidade ante a prestação jurisdicional ao dirimirem conflitos desta natureza.
4.2. Efetivação E Efeitos Da Revisão
Observados os requisitos condicionadores para aplicação da revisão
contratual, imprescindível a atuação do Estado-Juiz para a efetivação de tais
pressupostos, ou seja, que não se opera de pleno direito, antes se faz
necessário que a parte onerada excessivamente se valha da Tutela
Jurisdicional para ver o contrato extinto ou suas prestações readequadas.
A simples constatação da superveniência causadora da onerosidade
excessiva não desobriga o devedor, necessário se faz a decretação judicial,
mediante sentença que declara o direito à revisão, para manutenção e
execução do contrato, assim, com efeito modificativo; ou desobrigue o devedor
onerado, do adimplemento, pela extinção do contrato, com efeito resolutório.
Tão pouco, poderá pleitear a revisão do contrato onerado quando
encontrar-se o devedor em mora, por condicionante da boa-fé contratual; ou
ainda, querer revisar o contrato depois de já cumprida a obrigação, vez que tal
pleito visa a possibilidade da inexecução da prestação prometida, portanto há
de ser argüida antes do adimplemento.
Cabe ao juiz, a cerca do caso concreto, decidir, quando se
encontram presentes os requisitos autorizadores da revisão, se há onerosidade
excessiva, bem como a existência do nexo causal entre o acontecimento
extraordinário e imprevisível com a ocorrência da onerosidade excessiva, a ser
31
declarada por sentença, com efeitos retroativos à data da citação válida, só
então o contraente onerado se desobriga do cumprimento da prestação
prometida e, ainda, não responderá por perdas e danos se decretado por
sentença a extinção do contrato por resolução como remedium iuris ao caso
concreto.
Não obstante a imprescindibilidade da atuação judicial na revisão
contratual, o juiz, ao dirimir o conflito, só poderá reajustar e readequar as
prestações oneradas excessivamente em virtude de evento superveniente, pois
rever o contrato não é substituir arbitrariamente a vontade das partes pela
judicial e sim fazer sua correta interpretação às manifestações de vontade
expressas para efetivamente restabelecê-las, quando se encontrarem, de
maneira injustificável, em patamares díspares por fatores supervenientes
imprevistos e imprevisíveis contemporâneos à contratação, pela quebra
insuportável da equivalência das prestações ou pela frustração definitiva da
finalidade contratual objetiva.
32
5. CONCLUSÃO
Os valores éticos e morais consubstanciados na exigência do
cumprimento da palavra empenhada devem se coadunar com a realidade fática
do momento de sua execução, pois dadas certas circunstâncias e como nada é
absoluto, a exigência do prometido, na literalidade expressa, pode se
transformar em instrumento de aniquilamento.
Diante de um estabelecimento de bases negociais pela
manifestação das vontades contratantes em ver seus interesses garantidos,
enquanto tais bases não sofrerem alterações que as desvirtuem, assim serão
exigidas, pois refletem os reais fins a que se ultimaram.
Contudo, se por fatores supervenientes a essas declarações que
imprevistas por sua própria imprevisibilidade - pela inteligência média das
partes contratantes - desequilibrarem as prestações avençadas de modo a
transmutar o pactuado, onerando excessivamente um dos pólos ou ambos, tal
acordo deverá ser revisionado para, se possível, ser restaurado o equilíbrio
contratual com fulcro na manutenção das convenções e para sua fiel execução
ou ser extinto por não mais atender às finalidades a que se ultimou.
Assim, pelo principio da razoabilidade com fundamento na boa-fé
contratual, na equivalência das prestações tendo em vista sua finalidade
econômica e a função social do contrato, o juiz em sua função jurisdicional à
luz do caso concreto decidirá, com base nas provas carreadas aos autos,
valendo-se do jogo hermenêutico na analise da vontade expressa no momento
da celebração e a realidade fática da execução, ao se encontrarem presentes
os requisitos condicionantes da possibilidade da revisão contratual, se aplicará
ou não a teoria da imprevisão para sanar as anomalias decorrentes da
onerosidade excessiva resultante e readequar as prestações para restabelecer
o contrato nos moldes em que, efetivamente, as partes se obrigaram.
33
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