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INTRODUÇÃO Nesta pesquisa, discutir-se-ão problemas, como a homonímia e a polissemia, que interessam diretamente à Semântica, à Lexicologia, à Lexicografia, à Etimologia, dentre outras. Dessarte, é de se esperar que se faça, em um estudo desta natureza, um retrospecto dos principais posicionamentos acerca do tema.. Tal retrospecto será feito sem a pretensão de esgotar a discussão sobre o assunto. No estudo particular da homonímia, por exemplo, há que se rastrear, como se demonstrará, a seguir, o conceito desse fenômeno para bem antes de obras de referência como as de Bréal (1992) e Ullmann (1964), as que, por sua vez, servirão de ponto de partida para a análise do fenômeno da polissemia. Não se quer dizer com isso que somente esses estudiosos merecerão destaque, antes, a escolha deve-se ao fato de a maioria das obras sobre Semântica, após esses autores, os tomarem como referência obrigatória, seja refutando-os ou adotando as sua perspectivas. Antes dessa etapa, far-se-á um brevíssimo comentário das especulações lingüísticas sobre a raiz. Isso se faz necessário porque o conceito 1 desse constituinte da palavra é de vital importância para o estabelecimento da diferença entre homonímia e polissemia, a partir da perspectiva etimológico-semântica. Para o rastreamento do conceito de raiz, partiu-se da noção que os Hindus, representados, neste estudo, por Panini e Yaska, tinham sobre esse constituinte. Após isso, procede-se de forma análoga com estudiosos representativos no Ocidente. Feito o rastreamento, no recorte temporal referido, passar-se-á a apresentar os conceitos mais próximos temporalmente de nossa época, de modo que sejam contemplados estudiosos que se enquadram desde a Lingüística sincrônica até uma visão mais tradicionalista, como aquela incutida pelas gramáticas tradicionais. Desse modo, crê-se, ter-se-á uma visão panorâmica de 1 Lexicograficamente, conceito e definição apresentam-se de forma distinta. Neste estudo, no entanto, não se fará distinção entre esses termos.

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INTRODUÇÃO

Nesta pesquisa, discutir-se-ão problemas, como a homonímia e a polissemia, que

interessam diretamente à Semântica, à Lexicologia, à Lexicografia, à Etimologia, dentre

outras. Dessarte, é de se esperar que se faça, em um estudo desta natureza, um retrospecto dos

principais posicionamentos acerca do tema.. Tal retrospecto será feito sem a pretensão de

esgotar a discussão sobre o assunto.

No estudo particular da homonímia, por exemplo, há que se rastrear, como se

demonstrará, a seguir, o conceito desse fenômeno para bem antes de obras de referência como

as de Bréal (1992) e Ullmann (1964), as que, por sua vez, servirão de ponto de partida para a

análise do fenômeno da polissemia. Não se quer dizer com isso que somente esses estudiosos

merecerão destaque, antes, a escolha deve-se ao fato de a maioria das obras sobre Semântica,

após esses autores, os tomarem como referência obrigatória, seja refutando-os ou adotando as

sua perspectivas. Antes dessa etapa, far-se-á um brevíssimo comentário das especulações

lingüísticas sobre a raiz. Isso se faz necessário porque o conceito1 desse constituinte da

palavra é de vital importância para o estabelecimento da diferença entre homonímia e

polissemia, a partir da perspectiva etimológico-semântica.

Para o rastreamento do conceito de raiz, partiu-se da noção que os Hindus,

representados, neste estudo, por Panini e Yaska, tinham sobre esse constituinte. Após isso,

procede-se de forma análoga com estudiosos representativos no Ocidente. Feito o

rastreamento, no recorte temporal referido, passar-se-á a apresentar os conceitos mais

próximos temporalmente de nossa época, de modo que sejam contemplados estudiosos que se

enquadram desde a Lingüística sincrônica até uma visão mais tradicionalista, como aquela

incutida pelas gramáticas tradicionais. Desse modo, crê-se, ter-se-á uma visão panorâmica de 1 Lexicograficamente, conceito e definição apresentam-se de forma distinta. Neste estudo, no entanto, não se fará distinção entre esses termos.

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como o(s) conceito(s) apresenta(m)-se nas especulações lingüísticas de antes e de agora. Após

o estudo e análise dos conceitos, adotar-se-á um, caso haja identificação com algum deles;

caso não, propor-se-á um.

No primeiro capítulo ainda, especificamente no tópico 1.4., que tratará dos fenômenos

da homonímia e da polissemia, a metodologia será basicamente a mesma que foi enunciada

acima para a raiz, ou seja, conceitos serão apresentados e discutidos e, após isso, a escolha de

um deles ou ainda a proposição, caso seja necessário.

O rastreamento, no tópico supracitado, obedecerá a um recorte temporal que remonta,

no caso específico da homonímia, aos gregos, mormente a Platão, com o Crátilo, e a

Aristóteles, sobretudo, em as Categorias. Após isso, far-se-á um percurso que contemple, no

escopo da lingüística, obras que como as de Bréal (1992), Ullmann (1964), Lyons (1977 e

1987), dentre outros. Entre esses, muitos outros, em perspectivas diferentes, serão

mencionados a fim de se demonstrar a dificuldade, ou mesmo a impossibilidade, de se

estabelecer um conceito unívoco tanto para homonímia quanto para polissemia.

Essa impossibilidade é fruto da complexidade dos fenômenos que já foram e são

abordados, por exemplo, em perspectivas estritamente formais (o Estruturalismo), assim com

em perspectivas pragmático-discursivas. Há, ainda, em muitos casos, a associação de várias

perceptivas ao mesmo tempo, como o que se faz aqui com uma perspectiva etimológico-

semântica, apoiada pela contextualização semântico-histórico-cultural das palavras. Ainda no

tópico 1.4., serão apresentados e discutidos alguns critérios distintivos (Formal, Semântico –

campo semântico, campo léxico, análise sêmica etc.) para a homonímia e a polissemia. No

tópico 1.5. do primeiro capítulo, serão apresentados os conceitos de raiz, homonímia e

polissemia que servirão de base para uma proposta de distinção dos referidos fenômenos.

Um dos principais problemas lexicográficos verificados nos dicionários consiste na

discrepância da identificação dos processos polissêmicos e homonímicos. A bem da verdade,

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deve-se dizer que esse problema de identificação dos referidos processos manifesta-se tanto

em dicionários escolares quanto em dicionários de uso comum e até mesmo em dicionários

etimológicos (o nosso alvo nesta pesquisa, no entanto, é um dicionário de uso geral). Uma das

alegações para tal indistinção recai sobre a possibilidade de barateamento das obras, via

economia de espaço. Isso se verifica, sobretudo, nos dicionários escolares.

Esse fato faz com que se questione até que ponto a economia de espaço é uma

alegação aceitável para que se negligencie a distinção entre polissemia e homonímia.

Entenda-se tal necessidade de economia como uma alternativa que os dicionaristas encontram

para listar, num só verbete, termos que, na verdade, deveriam merecer verbetes distintos,

porque homonímicos.

Algumas justificativas contra a indistinção entre homonímia e polissemia fazem-se

imperativas. Ei-las: a indistinção entre homonímia e polissemia interfere diretamente na

macroestrutura do dicionário, induzindo o consulente a crer que, na maioria das vezes, certos

vocábulos têm relação homonímica quando, na realidade, têm relação polissêmica. Um outro

prejuízo para o consulente é o descompasso entre os conceitos de polissemia e homonímia,

fornecidos pela gramática representativa da norma padrão, além do descompasso no âmbito

da Lexicografia.

Na perspectiva do consulente ainda, o estudo da relação entre polissemia e homonímia

justifica-se porque permeia vários aspectos lingüísticos como: etimologia, raiz, cognatos,

semântica, metáfora, metonímia, analogia, o que revela, ainda que nem sempre percebido, a

abrangência do tema eleito. Na perspectiva lexicográfica, por sua vez, a relação entre

polissemia e homonímia favorece a reordenação da macroestrutura dos dicionários, em

consonância com aqueles elementos lingüísticos e os aspectos culturais que envolvem as

unidades lexicais.

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Refletindo-se sobre a origem desse descompasso, vislumbra-se, por parte dos

lexicógrafos, uma prática que negligencia a identificação morfológico-semântica e cultural da

raiz, elemento vital à distinção entre polissemia e homonímia.

A distinção entre os processos polissêmicos e homonímicos depende, então, da

utilização, neste estudo, do conceito de raiz. A respeito da importância do reconhecimento da

raiz, veja-se, por exemplo, o que afirma Austin (1961, pp. 149-150):

(Uma) palavra nunca – bem, quase nunca – desvincula-se de sua etimologia e sua formação. Apesar de todas as alterações tanto nas extensões quanto nas adições de seus significados, e, de fato, permeando e presidindo estes, persistirá aí a velha idéia. [...] Recuando à história de uma palavra, mui freqüentemente ao Latim, deparamo-nos comumente com quadros ou modelos de como as coisas ocorrem ou são feitas.

Muitos estudiosos dos fenômenos de Linguagem, principalmente os que se enquadram

na perspectiva sincrônica, afirmam não ser possível diferenciar polissemia de homonímia, a

partir do exato conhecimento da origem etimológica das raízes. Isso se dá, segundo alguns

deles, pela falta de domínio dos pesquisadores nesse campo, o que, por sua vez, prejudica o

estabelecimento da raiz.

Mesmo com a premissa de que é inviável, pelas razões supracitadas, a utilização do

conhecimento etimológico, muitos estudiosos apresentam, para a distribuição dos verbetes

nos dicionários, uma prática lexicográfica que serve bem às duas perspectivas. Veja-se, por

exemplo, o que afirma Rocha (1998, p. 69):

Supõe-se que na lista de itens lexicais de um falante as distinções polissêmicas façam parte de uma parte única entrada. Assim, tronco de árvore e tronco do corpo humano serão a mesma palavra. No dicionário, um único verbete deve abrigar as possíveis aplicações polissêmicas de um vocábulo. (o grifo é meu)

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Verificando-se, com o trecho acima, que um vocábulo, quando polissêmico, deve

merecer um só verbete, há que se ressaltar também qual o comportamento de um vocábulo

homonímico no verbete. Para esse fim, mais uma vez, recorre-se a Rocha (1998, p. 69):

Com a homofonia [homonímia], a questão é diferente. Por se tratar se palavras distintas, os homófonos [homonímicos] terão entradas diferentes na competência lexical do falante. O mesmo se dá nos dicionários, em que as formas homófonas [homonímicas] deverão se constituir verbetes distintos. (o grifo é meu)

Para o estudo dos verbetes, a metodologia consiste em, escolhido o verbete, verificar

se, no Dicionário, o verbete é disposto como homonímico, ou seja, dois verbetes ou mais, ou

se é disposto como polissêmico, em apenas um verbete com diversas acepções. O primeiro

passo para essa constatação é listar a etimologia2. Caso se trate de mais de um étimo e, além

disso, haja, no caso de dois os mais verbetes, a impossibilidade de contigüidade semântica

entre a acepções, está-se, segundo o critério etimológico-semântico, diante de um caso de

homonímia. Do contrário, ou seja, estando-se diante de um único étimo e acepções que

claramente podem vincular-se semanticamente, tratar-se-á de um caso de polissemia. Em

muitos casos de polissemia, para os quais, muitas vezes, o usuário comum não mais vê

nenhum laço semântico entre as diversas acepções, fez-se necessário, ao se contextualizar

histórico-culturalmente a palavra, recorrer a métodos muito utilizados na Filologia românica,

como os métodos “Palavras e coisas” e o “Onomasiológico”, descritos por Iordan (1982).

No que tange à seleção do corpus, faz-se mister ressaltar que a consulta sistemática ao

D.E.H.L.P. forneceu uma quantidade significativa de verbetes, os quais, em muitos casos,

mostraram-se coincidentes com o que listam autores como Zavaglia (2003). Ressalte-se, no

entanto, que tal coincidência restringe-se, na maioria dos casos, à igualdade das palavras, o

que não assegura serem elas homonímicas ou polissêmicas nas duas perspectivas (sincrônica e 2 A respeito das etimologias, as que foram efetivamente listadas no corpo da pesquisa são as do próprio Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.

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diacrônica). A vantagem dessa prática é possibilitar o emparelhamento teórico das referidas

perspectivas.

Houve duas possibilidades, no mínimo, de se fazer a seleção dos verbetes no

Dicionário: uma catalogação de A a Z ou uma seleção alternada. A segunda perece-nos mais

vantajosa, dada a dimensão lexicográfica do Dicionário (mais de 200.000 verbetes), a qual

inviabiliza, de certa forma, a primeira alternativa; outro ponto a favor do segundo modo de

seleção é que são numerosos e, muitas vezes transparentes, os casos de homonímia e

polissemia ao longo da macroestrutura do Dicionário, de modo que mesmo que se faça uma

consulta aleatória em qualquer página que se abra, não faltarão casos que ilustrem tais

fenômenos.

Sobre nosso objeto de análise, o D.E.H.L.P., a equipe lexicográfica parte, mesmo que

subjacentemente, para a distinção da homonímia X polissemia, do critério etimológico, ou

ainda, adota a perspectiva diacrônica. Pode-se comprovar esse fato ao se observar a

distribuição, no Dicionário, de palavras homonímicas que apresentam números alceados,

como no seguinte exemplo: taca1, taca2 e taca3. Estas palavras apresentam, respectivamente,

e, segundo o Dicionário, os seguintes étimos: 1. orig.contrv.; segundo Nascentes, "talvez

palavra expressiva. Lembra o golpe"; há quem considere ser f.afer. de ataca (< regr. de

1atacar) ou regr. de tacar; cp. 1taco; 2. lat.cien. gên. Tacca (1775), do mal. takah, lit.

'entalhe'; f.hist. 1899 tacca e 3. bengali táká 'id.'

Pode-se deduzir a partir do exemplo acima a postura lexicográfica que norteará o

tratamento com vocábulos homonímicos, ou seja, merecerão eles verbetes distintos,

indicados pelos números alceados à entrada do verbete. Dessa forma, procurar-se-á verificar,

com as palavras selecionadas, a adequação, a partir do critério etimológico-semântico, da

proposta da equipe lexicográfica, no que tange à organização das macro e micro estruturas do

dicionário.

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1. ESTABELECIMENTOS TEÓRICO-CONCEITUAIS DE RAIZ, HOMONÍMIA E

POLISSEMIA

1.1 Perspectiva teórica: pancronia

Pelo que se tem demonstrado, pretende-se, neste estudo, associar as perspectivas

sincrônica e diacrônica, respeitando-se sempre as diferenças de método de cada área, o que

não impossibilita a aproximação, uma vez que o que se pretende, em última análise, é o

conhecimento acerca de fenômenos de Linguagem, sejam eles mais gerais ou mais

particulares. Tal associação, por conseguinte, leva à perspectiva pancrônica (Cf.

WARTBURG e COSERIU).

O que se verifica, no entanto, notadamente com advento do Estruturalismo

saussuriano, com a célebre dicotomia diacronia x sincronia, é a prevalência, nos estudos de

Linguagem, desta em detrimento daquela. Esse fato é aceitável para muitos casos de descrição

lingüística. Contudo, há, e não se pode negar, uma perda considerável na descrição de casos,

como os deste estudo, quando se desconsidera o elemento histórico-cultural ao qual está

envolvida a língua. Com tal postura, percebe-se, atualmente, uma tendência, entre os

lingüistas, de pôr, em segundo plano, qualquer consideração histórica na descrição dos fatos

lingüísticos. Muitos lingüistas, no entanto, assumem uma postura mais abrangente no tocante

a questões de Linguagem. Vários deles, hodiernamente, adotam a perspectiva pancrônica em

seus estudos, entre eles, Benveniste e Coseriu, só para citar alguns.

Ao se tratar de uma das célebres dicotomias saussurianas, como a sincronia X a

diacronia, torna-se necessário rediscutir o posicionamento do lingüista suíço, pois não, raras

vezes, essa tese tem sido levada a extremos e a equívocos interpretativos. Por isso, propõe-se,

na parte inicial deste capítulo, rever não só o posicionamento de Saussure (1972) como

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também fazer uma breve contextualização histórica dos estudos lingüísticos de antes do

Estruturalismo. Isso se faz mister porque se terá bem delineada a crítica de Saussure às

correntes anteriores e, com isso, a justificativa pela adoção do método estrutural ou sincrônico

e, a partir disso, perceber as possíveis inconsistências teóricas, como no caso da tese da

consciência do falante, posto em voga pelo estruturalismo de Saussure .

No primeiro capítulo do Curso, Visão geral da história da lingüística, Saussure

reconhece três fases anteriores à Lingüística da forma como definida por ele, ou seja, com um

verdadeiro e único objeto, a saber, a língua.

Representantes da primeira fase são as Gramáticas, tendo seus principais cultores os

gregos e os franceses. A base dessas gramáticas é a lógica. Segundo Saussure, o estudo

baseado nessas gramáticas “está desprovido de qualquer visão científica e desinteressada da

própria língua” (Saussure, 1972, p. 07). Conseqüência dessa postura é que tais gramáticas têm

como preocupação a formulação de regras que visam a distinguir formas corretas e incorretas.

Decorre disso, o caráter normativo delas que, segundo muitos estudiosos, podem ser, ao lado

das especulações lingüísticas dos gramáticos hindus (sobretudo Panini e Yaska), no séc. V

a.C., tidas como a base da gramática prescritiva moderna.Atestam esse pioneirismo

prescritivo tanto dos gramáticos hindus quanto dos gregos as afirmações de Lopes (1975,

p.26), descritas na íntegra na passagem abaixo:

Os primeiros estudos lingüísticos sistematicamente conduzidos foram os dos hindus e as principais observações lingüísticas da Antiguidade são devias a esses investigadores, notadamente a Panini (séc. IV a.C.). Inspirados na convicção de que os textos sagrados dos Vedas somente surtiriam o efeito desejado pelo fiel se eles fossem corretamente recitados, os hindus deram início à Prosódia e à Ortoépia, prestando um auxílio capital para a constituição, no século XIX, da gramática comparada. Desse modo eles se adiantaram aos gregos, cujas pesquisas lingüísticas – deixando de lado as especulações filosóficas dos pensadores do V séc. a.C., e entre outros Platão e Aristóteles -, só se organizam por volta do Iº séc., com Dionísio Trácio.

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É unânime, entre os estudiosos de linguagem, observar a intenção de Panini em

preservar os textos sagrados, como se pode inferir da transcrição acima. Mesmo com tal

intenção, há que se levar em conta que, ao estudar a língua sânscrita e suas variações, Panini

fizera antes um trabalho descritivo, pouco comentado pelos lingüistas em geral. Yaska, por

sua vez, dedicou-se à etimologia e à semântica do Rig Veda.

Do segundo momento, Saussure menciona o aparecimento da Filologia3. O lingüista

aponta a vinculação do termo ao movimento fundado por Friedrich August Wolf. Para

Saussure, a Filologia tem como objeto não só a língua como também e “antes de tudo, fixar,

interpretar, comentar os textos” (Saussure, 1972, p. 07). Eis aqui, para ele, o interesse

precípuo da Filologia. Ressalte-se, no entanto, que o conceito elaborado por ele, nos dias

atuais, não atende aos interesses da Filologia moderna. A esse respeito veja-se o conceito

moderno, proposto por Basseto (2001), para essa Ciência tanto em sentido restrito quanto

amplo “em sentido restrito [filologia é entendida] como a ciência do significado dos textos; e

em sentido mais amplo, como a pesquisa científica do desenvolvimento e das características

de um povo ou de uma cultura com base em sua língua ou em sua literatura” (Basseto, 2001,

p.37)

Para esta pesquisa, interessa o conceito de Filologia em sentido mais amplo, uma vez

que põe em relevo as características de um povo ou de uma cultura, o que, para os casos de

recuperação semântico-histórico-cultural de palavras polissêmicas, é de vital importância,

pois insere, ou menos pretende, a palavra no contexto histórico e cultural de uma dada língua

de um povo.

No terceiro período, o da Filologia comparada ou da “Gramática comparada”, a figura

de F. Bopp, ao estudar as relações entre o sânscrito, o germânico, o grego, o latim etc,

desponta, em muitos manuais de história da lingüística, como o fundador desse período. O 3 Para um estudo mais acurado do rastreamento do termo Filologia, consultar Elementos de Filologia Românica de Basseto.

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próprio Saussure, no entanto, faz um alerta de que, antes mesmo de Bopp, o estudioso inglês

W. Jones já havia percebido a notável semelhança entre as referidas línguas. A diferença entre

W. Jones e Bopp, segundo Saussure, é que este foi “quem compreendeu que as relações entre

línguas afins podiam tornar-se matéria duma ciência autônoma” (SAUSSURE, 1972, p. 08)

O segundo e terceiro momento, estabelecidos por Saussure, podem, de um ponto de

vista didático, ser agrupados em uma vertente dos estudos de Linguagem que tem como

característica a preocupação com o estudo histórico das línguas. Desse modo, podem-se

agrupar sob o título de lingüística comparativa e histórica os estudos dos comparatistas, dos

neogramáticos e dos idealistas. Procede dessa forma, Robins (1983) que, a respeito do

primeiro grupo de estudiosos, o dos camparatistas, atesta ser de interesse deles o confronto,

por exemplo, da morfologia flexional e derivacional do sânscrito com a morfologia de outras

línguas indo-européias, como o grego e o latim. Os principais representantes desse grupo,

para Robins, são: R. Rask (1787- 1832), J. Grimm (1785 – 1863), F. Boop (1791 – 1867) e

W. von Homboldt (1767 – 1835). Numa linha um pouco diferente dos anteriores está

Schleicher, com influências hegelianas e darwinianas. É desse autor, por exemplo, o modelo

de árvore genealógica (Stammbaumtheorie), com o qual se pode representar as relações entre

a língua mãe e outras línguas indo-européias.

Assumindo uma postura de crítica em relação aos comparativistas, surgem os

neogramáticos, representados, sobretudo, por H. Osthoff e K. Brugmann, entre outros. A

concepção neogramática sustentava, por sua vez, a imutabilidade das leis fonéticas. Esse

ponto viria a ser, para os sucessores dos neogramáticos, alvo de críticas. Faz-se oportuno citar

alguns nomes de referência em Lingüística que tiveram formação neogramática, entre eles: J.

Wright (inglês), A. Meillet (francês) e os americanos, F. Boas, E. Sapir e L. Bloomfield.

A respeito da última linha, a dos idealistas, pode-se destacar a importância deles

quando põem em relevo o falante individual na produção de toda espécie de mudança

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lingüística. O principal representante dessa vertente é, sem dúvida, K. Vossler que acentuou o

aspecto individual e criativo da competência lingüística do falante. Esse elemento criativo

explica o motivo pelo qual os idealistas estavam tão voltados para o uso literário da língua, o

que, por conseqüência, fizeram-nos supervalorizar o elemento estético.

A periodização estabelecida por Saussure serve de pretexto para enfatizar o não-

estabelecimento do verdadeiro objeto da lingüística. Mesmo assim, há o reconhecimento

meritório de que os estudiosos comparatistas4 abriram um campo novo e fecundo nos estudos

de Linguagem.

A respeito do nascimento da lingüística propriamente dita, Saussure atribui ao estudo

das línguas românicas e das línguas germânicas tal aparecimento. Os primeiros estudos,

segundo ele, “contribuíram particularmente para aproximar a Lingüística do seu verdadeiro

objeto” (SAUSSURE, 1972, p. 11).

Saussure, em nenhum momento, deixa de reconhecer a importância dos estudos

predecessores, justamente por estar cônscio desse imperativo científico, pois mesmo

refutando as teses dos comparatistas e dos neogramáticos, estando estes últimos num estágio

intermediário entre Filologia e a Lingüística, não há como negar que, sem essas fases

anteriores, a Lingüística, tal qual se conhece hoje, não teria o ambiente propício para seu

surgimento. É prova disso e também de que há, a respeito das teses de Saussure, inúmeros

exageros e equívocos a seguinte passagem de Lyons (1987, p.163):

É importante ter consciência de que, ao se opor ao ponto de vista neogramático, Saussure não estava negando a validade da explicação histórica. Ele criou a sua reputação, mito moço ainda, com uma reconstrução brilhante do sistema vocálico do proto-indo-europeu; e jamais abandonou ser interesse pela lingüística histórica. O que ele afirmava em suas conferências de Genebra sobre lingüística geral era que os modos de explicação sincrônico e diacrônico eram complementares; e que este era dependente daquele, do ponto de vista lógico (grifo nosso).

4 Esse é o termo utilizado por Saussure e não histórico-comparatista, uma vez que, segundo ele, o erro desses estudiosos é justamente a exclusividade do método comparativo.

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Após essa breve discussão a respeito da dicotomia saussuriana (sincronia e diacronia),

o que possibilitou, neste estudo, a adoção da perspectiva pancrônica, passa-se, no próximo

tópico, a discutir os conceitos de semântica e etimologia para esta pesquisa.

1.2 Semântica e etimologia: estabelecimentos conceituais do critério etimológico-semântico

Como já se afirmou, esta pesquisa faz fronteira com diversas áreas, uma delas é a

Semântica que auxilia sobremaneira na composição do critério aqui adotado, o etimológico-

semântico. Sem auxílio dessa área, não se poderia ter o rigor científico necessário para que se

proponham os muitos casos de polissemia. Dada essa importância, faz-se mister definir o que

se entende por Semântica nesta pesquisa. Tradicionalmente, a Semântica tem sido dividida

em: descritiva (sincrônica) e histórica (diacrônica).

Veja-se na longa, porém, necessária, transcrição de Câmara Júnior as definições de

Semântica descritiva e histórica, respectivamente (1986, p.215):

Na primeira, estuda-se a significação atual das palavras de uma língua (cf. Ullmann, 1957, 43s). leva-se em conta: 1) a polissemia de cada palavra (v.); 2) os CAMPOS SEMÂNTICOS, em que cada palavra se associa com outras, na base de significações correlatas dentro da cultura (v.) a que a língua serve; 3) a homonímia (v.); 4) a antonímia (v.; 5) a sinonímia (v.); 6) a expressividade (v. estilística); 7) a influência da conotação (v.) sobre a significação denotativa; 8) a compreensão do universo, ou VISÃO CÓSMICA, que decorre dos múltiplos campos semânticos, existentes em função da língua e da cultura; 9) a possibilidade de TROPOS, significação figurada em cada palavra (v. figuras de linguagem) [....]. A semântica histórica, focalizada sistematicamente de início por Michel Bréal e na língua portuguesa pelo gramático brasileiro Pacheco Junior, estuda as mudanças de significação (v.) que sofrem as palavras no decorrer dos tempos. Procura-se depreender princípios que intuitivamente orientam essas mudanças. A complexidade do estudo está na circunstância de que há causas de natureza diversa para as mudanças de significação ou evolução semântica (v.). Podemos enumerar as seguintes (cf. Ullmann, 1957, 171): a) histórico-cultural, quando a coisa nomeada muda de natureza e a denominação permanece (ex.:pena, «para escrever», que é hoje uma peça de metal e era antigamente uma pena de ganso); b) psicológica, quando a significação muda em virtude da mudança da conceituação (ex.: vilão «camponês», que designa hoje, mais comumente, «indigno», em virtude da conceituação do

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«camponês», do ponto de vista dos nobres); c) lógica, quando a significação de uma palavra se transfere a outra por força de associações objetivas ou subjetivas (ex.: tela «pintura», por metonímia (v.), ou serra «cadeia de montanhas», por metáfora); d) formal, quando a forma da palavra acarreta uma nova significação (ex.: emérito «notável», por causa da forma da palavra que faz lembrar mérito) e) sintagmática (v. sintagma), quando as significações das palavras se contaminam em virtude de figurarem comumente lado a lado em certas expressões ou locuções (v. elipse) (ex.: o brasileiro levado «travesso», decorrente da expressão levado da breca «arrebatado por uma fúria demoníaca»); f) social, quando a palavra muda de significação porque passa de uma língua especial para a língua comum ou vice-versa (ex.: éter «certa substância volátil», em virtude da transferência,para a língua especial da química, da palavra significando «puro ar superior».

Câmara Júnior enumera seis causas de natureza diversa que levam as palavras a sofrer

mudanças ao longo do tempo (Semântica histórica): 1) histórico-cultural; 2) psicológica; 3)

lógica; 4) formal; 5) sintagmática e 6) social. Ao afirmar que no escopo da Semântica

histórica, “procurar-se de depreender princípios que intuitivamente orientam essas

mudanças”, o lingüista brasileiro reforça a tese central desta pesquisa de que é plausível , para

os casos de polissemia, através da contextualização histórico-cultural e da utilização de

cadeias de concatenação semântica, fazer o resgate de significações que, em uma visão

sincrônica, já não apresentam, sobretudo para o falante comum da língua, nenhuma relação

entre si. Desse modo, claro está que esta pesquisa aproxima-se dos princípios estabelecidos

pela Semântica histórica.

Para que se possa unir o critério etimológico ao semântico, faz-se necessário explicitar

qual a definição de etimologia aqui adotada. É importante e necessário que as duas definições,

a de Semântica e a de Etimologia, apresentem trações comuns que se liguem aos aspectos

histórico-culturais de uma dada língua.

Em Oliveira (2002, p.49), tem-se a seguinte definição para Etimologia: “Ciência que

visa a resgatar a unidade formal-semântica, primitiva, real ou hipotética, de um vocábulo”.

Ora, se tal resgate visa a resgatar a unidade formal-semântica, primitiva é porque há

claramente a necessidade de se efetivar um percurso histórico para essa consecução. Com

isso, pode-se, sem prejuízo, aproximar num só critério a etimologia e a semântica, aqui,

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predominantemente a histórica. Tendo estabelecido o conceito de semântica e de etimologia

adotado, por nós, neste estudo, passa-se, no próximo tópico, a discutir o conceito de raiz num

recorte temporal que vai desde os hindus até conceitos hodiernos desse constituinte vocabular.

1.3 Uma visão panorâmica do conceito de raiz na especulação lingüística desde os hindus até a presente época

Neste tópico, far-se-á o rastreamento do conceito de raiz na especulação lingüística

desde os estudiosos indianos, passando pelos gregos, até os estudos mais recentes de

Linguagem. Ressalta-se, no entanto, que esse rastreamento não se pretende exaustivo, de

modo que se contentará, nesta pesquisa, com uma visão geral acerca do tema. Após essa

etapa, confrontar-se-ão conceitos de raiz encontrados em dicionários (vocabulários) de

especialidade e em gramáticas diversas (normativas, descritivas etc.). Ao de fazer o

rastreamento histórico-teórico do conceito de raiz e, além disso, confrontar conceitos mais

recentes sobre ela, ter-se-á bem delineada a dificuldade de abordagem desse tema.

Se não houver, por parte do elaborador desta pesquisa, identificação com os conceitos

apresentados, propor-se-á um conceito próprio, pois é com o conceito de raiz adotado que se

estabelecerá a distinção entre homonímia e polissemia nos capítulos posteriores.

O marco inicial aqui adotado para a especulação histórico-teórica sobre a raiz remonta

a cinco ou quatro séculos antes da Era Cristã, no Oriente, precisamente na Índia, onde

“estudiosos da língua sânscrita já identificavam fonética e semanticamente a raiz, aplicavam-

lhe uma nomenclatura técnico-científica e classificavam-na morfologicamente como um dos

componentes dos vocábulos”. (OLIVEIRA, 2002, p.31). Exemplo desses estudiosos indianos

são Panini e Yaska, aquele, primeiro, e este, depois, já davam prova da consciência acerca do

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reconhecimento da raiz e, além disso, da classificação morfológica desse elemento como um

dos componentes do vocábulo.

No Oriente, como se viu, havia o pleno reconhecimento técnico-científico da raiz. Isso

é que diferencia, sobremaneira, os estudos orientais dos ocidentais, pois os estudiosos deste

período, apesar de terem consciência da função da raiz em suas análises, não faziam uso de

uma terminologia técnico-científica como o faziam Panini e Yaska. Com isso se verifica, já

para essa época, um adiantado estágio de desenvolvimento, no que concerne à reflexão

lingüístico-gramatical na Índia. Com a transcrição abaixo, pode-se ter bem evidenciado o grau

de adiantamento desse estágio:

“I.s’abvikaranōbhvādiganah” [s’ap um termo técnico, usado por Panini, para designar o sinal conjugacional a, inserido entre a raiz e as terminações dos tempos verbais na primeira classe de raízes.] (INDIAN LEXICON, sarasvati.simplenet.com/dictionary/9niruktam.htm).

No que concerne à especulação lingüística sobre a raiz no Ocidente, Oliveira (2002,

p.31) aponta duas principais classificações lingüístico-gramaticais desse período.

A primeira delas refere-se à formação dos vocábulos. Entre os que se enquadram nesse

período, tem-se Aristóteles. Após este, Oliveira enumera uma série de estudiosos, que no

tocante à formação dos vocábulos, apresentam classificação que se assemelham a do

Estagirita. Entre esses autores, podem-se citar os seguintes: QUINTILIANUS, NEBRIJA,

FERNÃO DE OLIVEIRA, JOÃO DE BARROS.5

A segunda classificação dos vocábulos refere-se à origem. Nesse âmbito, entre os

vários estudiosos desse vasto período no Ocidente, muitos enveredaram por estabelecer uma

classificação que se prende à origem, mas não à origem da palavra e sim o que se entende,

hodiernamente, entre outras denominações, como vocábulo primitivo e vocábulo derivado, 5 Para um estudo mais aprofundado desses autores, consultar a obra Parassíntese – teoria e prática de Basseto.

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aquele o originador e este o originado. É com essa acepção que Oliveira utiliza o termo

origem. Podem ser enquadrados, como autores que adotaram essa proposta de classificação,

os seguintes estudiosos: DONATUS, DIOMEDES, BACON, FERNÃO DE OLIVEIRA,

DEARMOND, CARVALHO.

Há, na pesquisa de Oliveira, um lugar de destaque para Macrobius, pelo fato de este

“ser mais meticuloso na descrição da conservação e alteração fonéticas tanto do prefixo

quanto da raiz, apesar de adotar a sílaba como unidade de referência em relação a esta”.

(OLIVEIRA, 2002, p.36).

O que se percebe, de forma geral, com esse brevíssimo rastreamento histórico da raiz,

é o reconhecimento desta, de um lado com mais rigor e até mesmo com nomenclatura própria,

no caso específico dos estudiosos indianos; e de outro, de modo mais intuitivo, como no caso

dos estudos sobre o tema no Ocidente. A utilização do termo raiz, com o uso hodierno, no

entanto, só veio de fato a ocorrer com Schegel que se aproveita, para a utilização do termo,

dos postulados evolucionistas das ciências biológicas. Aliado a isso, está “o estudo

sistemático do sânscrito por ocidentais”. (OLIVEIRA, 2002, p. 38). Dá prova do pioneirismo

de Schegel o trecho infra:

Ciertamente se toma a los hindúes su noción de raíz. [...] F. Schlegel, por ejemplo, indudablemente el primero en poner ampliamente en evidencia esta noción de raíz, saca partido de ella [...]. (MOUNIN, Historia de la lingüística, pp. 161, 162 – 163). Certamente, toma-se dos hindus sua noção de raiz [...] F. Schlegel, por exemplo, indubitavelmente o primeiro a pôr em evidência esta noção de raiz, tira proveito dela [...].

Esse brevíssimo resgate histórico-conceitual é o ponto de partida para o cotejo das

terminologias para raiz, radical, lexema e semantema, tendo a primeira, neste estudo,

importância capital para a distinção entre homonímia e polissemia. Atrelada a isso, far-se-á

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também uma reflexão lingüístico-pedagógica sobre os componentes vocabulares citados.

Neste estudo, haverá um capítulo, o 1.6., dedicado somente a essa discussão.

1.4 A homonímia e a polissemia: uma breve revisitação teórica e alguns critérios distintivos

Neste tópico, far-se-á uma breve revisitação teórica dos conceitos de homonímia e

polissemia em obras, como: as de Platão, o Crátilo; a de Aristóteles, as Categorias e outras; a

de Ullmann, Semântica: Uma Introdução à Ciência do Significado; a de Bréal, Ensaio de

Semântica e a de Lyons, Semantics. Em um segundo momento, far-se-á, além da revisitação

teórica, a discussão de alguns critérios distintivos apresentados por diversos autores como:

Lyons, Sandmann, Zavaglia, Biderman, Câmara Júnior, Rehfedt, Rocha, Perini, dentre outros.

A intenção maior de se recorrer a Platão e a Aristóteles é tão-somente fazer um

rastreamento que vise à identificação do uso do termo homonímia pelos filósofos

mencionados. Além disso, verificar qual o sentido do termo para eles. Desse modo, não se

pretende especular sobre as questões filosóficas suscitadas nas obras.

A respeito do Crátilo de Platão, há comentadores que crêem ser a obra uma defesa do

método etimológico utilizado por Sócrates no diálogo com Hermógenes e Crátilo. Há

comentadores, no entanto, que asseveram que Platão pela voz de Sócrates, este, inúmeras

vezes, mostra-se irônico quanto ao método etimológico, pretende na verdade demonstrar que

a nomeação das coisas dá-se tanto por convenção quanto por natureza. Controvérsias à parte,

a utilização do termo homonímia é explícita no Crátilo (1977, p.148e), quando, por exemplo,

Aristóteles apresenta a etimologia para o nome Apollo, com dois ll:

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Sócrates - E assim como Homokéleuthos e homókoitis (que andam juntos e que juntos se deitam) fizemos akólouthos e ákoitis, trocando homo por a, do mesmo modo demos o nome Apollo ao deus que acompanha alguém, inserindo um segundo l para evitar homonímia com um termo funesto, como se dá ainda hoje com os escrúpulos de certas pessoas que não aprenderam devidamente o significado próprio do nome e têm medo de que indique destruição, quando, em verdade, conforme disse há pouco, refere-se unicamente às atribuições do deus: simplicidade, acertar no alvo, purificador e companheiro: aplous, aei ballôn, apolouôn, homopolôn. (o grifo é meu)

Ao explicar a etimologia do nome Apollo, Sócrates deixa entrever que a homonímia

para ele é a que se depreende do sentido etimológico, grosso modo, nomes iguais. O

acréscimo do l, que evitaria a homonímia, serviria, então, para não se atribuir ao nome

atributos negativos em vez de positivos, o que autoriza, com isso, que a homonímia, no

sentido aqui exposto, seria entendida como nomes com identidade formal, mas com diferença

de significados, como se depreende da passagem acima, o que, por sua vez, assim como se

verá em Aristóteles, faz com que a noção aproxime-se mais do que hodiernamente se entende

por polissemia, claro que não de modo unívoco.

Fazendo-se uma analogia com o que diz Aristóteles a respeito da relação entre um ser

humano e seu retrato (homônimos, porém com definições de essência diferentes), podem-se

fazer algumas considerações sobre as idéias de Platão. Observe-se o trecho a abaixo em que

Sócrates dialoga com Crátilo sobre a relação homem e imagem. É importante antes situar o

diálogo entre os dois. Crátilo admite, diferentemente de Sócrates, que se alguma letra for

alterada em um nome se estará diante de um outro nome. Sócrates (CRÁTILO, 1977, p.182)

retruca e afirma o seguinte:

Sócrates – É preciso ver, Crátilo, se não estamos considerando o assunto por um prisma errado. Crátilo – Como assim? Sócrates - É bem possível que se passe conforme dizes com o que só existe necessariamente, ou não existe,por meio de números. O número dez, por exemplo, ou outro qualquer que te aprouver: se acrescentares ou suprimes alguma coisa, tornar-se-á imediatamente outro número; mas no que diz respeito à qualidade ou à representação geral da imagem, não tem aplicação o que dizes, porém o contrário, não havendo absolutamente necessidade de serem reproduzidas todas as

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particularidades do objeto, para que se obtenha a sua imagem. Vê se tenho razão. Se fossem postos juntos dois objetos diferentes: Crátilo e a imagem de Crátilo, e uma divindade não imitasse apenas a tua figura e tua cor, como fazem os pintores, mas formasse todas as entradas iguais às tuas, emprestando-lhes o mesmo grau de ductilidade e calor, além de movimento, alma e raciocínio, tal como há em ti; em uma palavra: tudo exatamente como és, e colocasse ao teu lado essa duplicata de ti mesmo: tratar-se-ia de Crátilo e uma imagem de Crátilo, ou de dois Crátilos? Crátilo – Quer parecer-me, Sócrates, que seriam dois Crátilos.

Discordando de Crátilo, Sócrates diz:

Sócrates – E como seria risível, Crátilo, o efeito dos nomes sobre as coisas que eles designam, se em tudo eles fossem reprodução exata dessas coisas! Tudo ficaria duplicado, sem que ninguém fosse capaz de dizer qual era a própria coisa, e qual o nome.

Observando-se essa relação entre homem e imagem, pode-se perceber que Aristóteles,

como se verá abaixo, parece estar de acordo com Platão no que diz respeito à não duplicata na

relação homem / imagem. Aristóteles trata dessa relação como sendo homonímica, uma vez

que ela só tem de igual o nome. Nos dois casos, em Platão e em Aristóteles, o sentido de

homonímia é mesmo o etimológico que, por sua vez, aproxima-se da noção de polissemia,

sobretudo aquela incutida pela sincronia, que vê nesse fenômeno palavras iguais com

significados diferentes.

Pelo que se tem exposto, a terminologia para o fenômeno lingüístico homonímia

precede, e muito, aquela para o fenômeno da polissemia. Desde os gregos, já se tinha a

utilização do termo homonímia. Veja-se em Órganon, principalmente nas Categorias, de

Aristóteles (2005, p.39), como é apresentado o fenômeno da homonímia:

Quando as coisas têm apenas um nome em comum e a definição de essência correspondente ao nome é diferente, são chamadas homônimas. Por exemplo, embora um ser humano e um retrato possam propriamente ambos ser chamados de animais, são homônimos, pois têm somente o nome em comum, as definições de essência que correspondem ao nome sendo diferentes, considerando-se que se for solicitado que definas qual ser um animal é tratando-se do ser humano e do retrato, darás duas definições distintas apropriadas a cada caso.

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Claro está que homonímia, segundo entende Aristóteles, não faz eco ao que se entende

atualmente por tal fenômeno. Para o filósofo grego, o sentido mesmo de homonímia se

coaduna com o sentido etimológico do termo, de forma que homo = igual e onomos = nome

retrata bem o sentido que se colhe da citação acima. O que se mantém de lá para cá é que se

está diante sempre de nomes iguais que, no sentido aristotélico, abarca pela natureza filosófica

da discussão, definições, como as de essência, que não estão no escopo da prática

lexicográfica moderna que, no estabelecimento dos fenômenos aqui estudados, procura

distingui-los por diversos critérios, os quais, em sua maioria, não se valem das definições de

cunho filosófico.

Pensando especificamente sobre o interesse desta pesquisa, podem-se notar pontos que

afastam a definição do Estagirita, e mesmo de estudiosos da contemporaneidade, da definição

adotada neste estudo, ou seja, não se leva em conta, no caso específico da homonímia,

fenômeno que faz com duas ou mais palavras sejam idênticas quanto à forma (homografia)6, o

fato de essas palavras terem origens diversas.

Como à época de Aristóteles existia somente a nomenclatura para o fenômeno da

homonímia, é curioso notar a afirmação de Ullmann sobre o fato de o Estagirita condenar o

uso, pelos sofistas, da polissemia. Ora, fica claro, com o trecho abaixo, o porquê de Ullmann

referir-se à polissemia e não à homonímia:

[...] O termo próprio, o vocabulário usual e a metáfora são as únicas expressões úteis para o estilo do discurso puro e simples. O que confirma é que elas são as únicas a serem utilizadas por toda a gente; não há ninguém que a conversação corrente não se sirva de metáforas, dos termos próprios e dos vocabulários usuais. Pelo que é evidente que, com perícia, o discurso poderá apresentar o ar estrangeiro de que falamos, a arte ficará dissimulada e o estilo será claro, qualidades estas que, como vimos, comunicam a virtude do discurso oratório. Ao contrário, no emprego dos nomes, as homonímias são úteis ao sofista, por lhe permitirem suas habilidades desonestas [...] (Aristóteles, s/d, p. 162-163)

6 É comum a distinção no caso da homônima entre homofonia e homografia. Sendo a confusão naquele caso facilmente resolvida pela escrita, não se fará dela o objeto de estudo desta pesquisa.

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A homonímia de Aristóteles aproxima-se, de certo modo, do que se entende hoje por

polissemia, motivo pelo qual Ullmann e outros, ao citarem Aristóteles, preferirem o termo

polissemia.

Em seu capítulo sobre ambigüidade, no livro, Semântica: Uma Introdução à Ciência

do Significado, a atenção de Ullmann é sobre a ambigüidade que se deve a fatores lexicais. O

autor anuncia que a polivalência das palavras apresenta-se de duas formas, a saber: 1) a

polissemia, que ocorre quando “a mesma palavra pode ter dois ou mais significados

diferentes” (ULLMANN,1964, p.329) e 2) a homonímia, que ocorre quando “duas ou mais

palavras podem ser idênticas quanto ao som” (ULLMANN,1964, p.330). Além dos

homônimos perfeitos (identidade de pronuncia e grafia), o autor considera como homônimos

os casos de homofonia.

Mesmo tendo a consciência de ser a fronteira entre a polissemia e a homonímia fluida,

Ullmann atesta que, por serem distintos, tais fenômenos devem ser considerados

separadamente. No sentido de efetivar tal separação, o autor elenca as fontes tanto da

polissemia quanto da homonímia. Da primeira, têm-se cinco fontes, segundo ele: 1) Mudanças

de aplicação; 2) Especialização num meio social; 3) Linguagem figurada; 4) Homônimos

reinterpretados e 5) Influência estrangeira.

Sucintamente, tem-se a respeito das mudanças de aplicação que elas “são

particularmente observáveis no uso dos adjetivos, uma vez que eles têm a possibilidade de

variar o seu significado de acordo com o substantivo que qualificam”. (ULLMANN, 1964,

p.331). O autor exemplifica este caso a partir do adjetivo handsome, que historicamente tem

sido agrupado em sentidos vários de acordo com o substantivo (ULLMANN, 1964, p.332 e

333):

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Pessoas:

1. apto, destro, esperto.

2. próprio, adequado, decente.

3. belo com dignidade.

Objetos concretos:

1. fácil de manejar.

2. de tamanho regular.belo com dignidade

3. próprio, ajustado (falando de vestuário0.

Ações, fala:

1. apropriado, apto, esperto.

Conduta:

1. adequado, conveniente.

2. galante, bravo.

3. generoso, magnânimo.

Tamanhos, quantidades:

1. Mediano, moderadamente grande.

2. Amplo, liberal, munificente.

A segunda fonte de polissemia, A especialização num meio social, diz respeito, grosso

modo, à possibilidade de uma mesma palavra adquirir um certo número de sentidos

especializados, sendo que apenas um deles será aplicável em determinado meio. A ilustração

de Ullmann dá-se com a palavra ação, que, para um advogado, por exemplo, significará

naturalmente ação legal enquanto que para um soldado significará uma operação militar.

A terceira fonte de polissemia, a Linguagem figurada, diz respeito ao uso expressivo

das palavras segundo os recursos metafóricos e metonímicos. Um ponto chave dessa fonte, e

com o qual concordamos, é que “Uma palavra pode adquirir um ou mais sentidos figurados

sem perder o seu significado original: o velho e o novo viverão lado a lado, desde que não

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haja possibilidades de confusão entre eles”. (ULLMANN, 1964, p.336). Nesta pesquisa,

muitos são os casos (ver verbetes) que se enquadram nesse tipo de polissemia, que é gerada,

principalmente, por metáfora, metonímia e analogia.

Os homônimos reinterpretados são o quarto caso de fonte de polissemia. Esse tipo é

considerado por Ullmann como um caso raro, sendo os exemplos muitas vezes duvidosos. A

caracterização dos homônimos reinterpretados é a seguinte Ullmann (1964, p.340):

Quando duas palavras têm som idêntico e a diferença de significado não é muito grande, temos uma certa tendência a considerá-las como uma única palavra com dois sentidos. Historicamente são casos de homonímia uma vez que os dois termos provêm de origens diferentes; mas o locutor moderno, desconhecedor de etimologia, estabelecerá uma relação entre sobre bases puramente psicológicas.

O fato de Ullmann considerar os homônimos reinterpretados como duvidosos não é

sem propósito, haja vista que, pela própria definição, o problema é estabelecer, com

segurança, o que é uma diferença não muito grande entre dois sentidos, o que se torna mais

difícil porque essa relação é feita pelo falante sobre bases puramente psicológicas.

A quinta e última fonte de polissemia é a Influência estrangeira que contempla os

casos em que há a mudança de significado de uma palavra já existente. Um exemplo desse

tipo Ulmann colhe no francês parlement, que significava originariamente fala, discurso (do

verbo parler falar), desse significado deu-se a designação para tribunal judicial, o qual

adquiriu, segundo o autor, “em data mais recente, sob a influência do inglês parliament, o seu

sentido moderno de assembléia legislativa, único significado no qual presentemente se usa”.

(ULLMANN, 1964, p.342)

Antes de se passar em revista as fontes de homonímia, há que se fazer menção à

importância da polissemia para Ullmann. Este não via, como Aristóteles, a polissemia como

um defeito de linguagem, uma vez que para o filósofo grego a polissemia servia como um

meio para permitir aos sofistas a desorientação dos seus ouvintes. Ullmann recorre a Bréal

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para referendar a tese de que a polissemia não é um defeito de linguagem. Bréal, por sua vez,

ao citar o rei Frederico o Grande, (que via na multiplicidade de significados um sinal de

superioridade da língua francesa) deixava entrever sua postura político-ideológica, como se vê

na seguinte passagem: “Todas as línguas das nações civilizadas participam desse fenômeno;

quanto mais um termo acumulou significações, mais se deve supor que ele represente

aspectos diversos da atividade intelectual e social”. (o grifo é meu) (BRÉAL, 1992, 103).

É comum atribuir-se a Bréal a utilização primeira do termo polissemia, o que o tornou

referência obrigatória nos estudos de Semântica, mormente o de polissemia. Essa importância

faz com que se abra, neste estudo, um breve espaço para se comentar a perspectiva de Bréal

sobre a polissemia.

O ponto que mais interessa a esta pesquisa é o que trata da relação entre o sentido

novo e antigo no fenômeno da polissemia. Veja-se o que diz o autor (BRÉAL, 1992, 103):

O sentido novo, qualquer que seja ele, não acaba com o antigo. Ambos existem um ao lado do outro. O mesmo termo pode empregar-se alternativamente no sentido próprio ou no sentido metafórico, no sentido restrito ou sentido amplo, no sentido abstrato ou no sentido concreto. (grifo nosso)

Eis aqui mais um ponto de contato entre Ullmann e Bréal. O primeiro, ao tratar da

terceira fonte de polissemia (A linguagem figurada) diz o seguinte: “o velho e o novo viverão

lado a lado, desde que não haja possibilidades de confusão entre eles”. (ULLMANN, 1964,

p.336).

Em ambos os casos, os autores atestam que qualquer possibilidade de confusão pode

ser resolvida pelo contexto. Pode-se perceber claramente a posição de Ullmann a esse respeito

quando ele enuncia que não importa o número de significados de uma palavra no dicionário,

pois se apenas um dos significados fizer sentido em uma dada situação, não haverá a

possibilidade de confusão.

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Bréal, o qual influencia Ullmann em alguns pontos, afirma que “é preciso atentar que

as palavras são colocadas cada vez num meio que lhe determina antecipadamente o valor”.

(BRÉAL, 1992, p.104).

Tendo admitido os dois teóricos claramente a coexistência do sentido velho e do novo,

pode-se perceber que essa constatação está no bojo da obra de muitos vultos de Linguagem,

entre eles, e só para citar alguns, como é o caso Austin, além dos dois mencionados. Com

isso, quer-se reafirmar que, estando o sentido velho (o primeiro) e o novo (as várias

polissemias) lado a lado, é intenção, desta pesquisa, fazer a ponte semântica, através das

cadeias de concatenação semântica, entre significado velho e o novo, de modo que seja

possível recuperar um número significativo de polissemias hodiernamente tidas como

homonímicas.

Para finalizar essa discussão, resta mencionar as fontes de homonímia para Ullmann.

Segundo o autor, “a homonímia é muito menos comum e complexa que a polissemia, embora

os seus efeitos possam ser igualmente graves e até mais dramáticos” (ULLMANN, 1964,

365). São três os processos geradores da homonímia: 1) Convergência fonética; 2)

Divergência semântica e 3) Influência estrangeira.

Ullmann atribui ao desenvolvimento de sons convergentes a causa mais comum de

homonímia por convergência fonética. A coincidência à qual se refere o autor pode dar-se

tanto na linguagem falada quanto na escrita. Eis alguns colhidos da obra do autor:

Antigo escandinavo rãs > race «corrida»

Francês race > «raça, casta»

Antigo inglês mete > meat «carne»

Antigo inglês mētan > meet «encontrar»

Antigo inglês metan > mete «dividir, servir em porções»

|reis|

|mi:t|

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A segunda fonte de homonímia, A divergência semântica, é provocada pelo

desenvolvimento de sentidos divergentes. Para o lingüista, essa fonte ocorre “Quando dois ou

mais significados da mesma palavra se separam de tal modo que não haja nenhuma conexão

evidente entre eles, a polissemia dará lugar à homonímia e a unidade da palavra será

destruída” (ULLMANN, 1964, p.368).

Essa fonte, sem dúvida, é um grande empecilho para que se possa resgatar as várias

polissemias de uma mesma palavra. A dificuldade é às vezes tamanha que se torna difícil,

mesmo em uma perspectiva diacrônica, concatenar significados já muito distantes. Esse ponto

faz com que a homonímia e a polissemia estejam em uma fronteira, muitas vezes estreita e por

isso mesmo, no dizer de Bloomfield (citado por Ullmann), difícil de dizer onde termina uma e

onde começa a outra.

A última fonte de homonímia, a Influência estrangeira, é, na verdade, conforme afirma

Ullamann, “uma forma especial de desenvolvimentos fonéticos convergentes” (ULLMANN,

1964, p.373). Essa fonte ocorre “Quando uma palavra de empréstimo se estabelece com

firmeza no seu novo ambiente adapta-se ao sistema fonético local e participará posteriormente

das mudanças normais de sons” (idem). Conseqüência disso é que a forma emprestada pode

vir a coincidir com outras palavras da língua de origem. Os exemplos, por serem em sua

maioria em outras línguas, serão dispensados neste estudo.

Nos parágrafos anteriores, foram listados autores de referência sobre o tema. Com

eles, teve-se uma visão teórica mais abrangente sobre o tema. Nos parágrafos que se seguem,

no entanto, a atenção se voltará para questões mais particulares sobre o tema, uma delas é o

estabelecimento de critérios distintivos.

É prática comum, nos estudos sobre os fenômenos da homonímia e polissemia, a

apresentação de vários critérios para o estabelecimento da distinção entre os mencionados

fenômenos. O que se fará neste tópico então é apresentar os principais critérios distintivos,

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consagrados pelos estudiosos em geral. No capítulo de análise de verbetes, serão comparados

alguns desses critérios, entre eles o da análise sêmica, o do campo léxico e do campo

semântico, todos esses comparados com o critério etimológico-semântico, critério adotado

neste estudo.

Em seu livro, Semantics, Lyons dedica um capítulo inteiro ao estudo da homonímia e

da polissemia. Por ser uma obra que se enquadra no âmbito da Semântica descritiva, muitos

critérios discutidos pelo autor, como os da maximização da homonímia e da polissemia, não

interessam diretamente a este estudo. Limitar-nos-emos então a discutir apenas o critério

etimológico, uma vez que muitos foram discutidos nesta pesquisa com outros autores.

É óbvio que pela perspectiva teórica de Lyons, algumas críticas serão tecidas por ele

sobre ao critério etimológico. Lyons (1977, p.550), assim apresenta o critério diacrônico:

Um critério, que é feito explicitamente na informação etimológica que é anexada em muitas entradas de dicionários, é o conhecimento do lexólogo sobre a derivação histórica de palavras. Esse critério é geralmente aceito como uma condição suficiente, embora não necessária, de homonímia, que os lexemas em questão, dever-se-ia saber, desenvolveram-se do que foram lexemas formalmente distintos em alguns estágios anteriores da língua.

Após a apresentação do critério, Lyons vale-se do exemplo ‘Porto’ (vinho) e ‘Porto’

(cidade portuguesa) para argumentar contra o critério etimológico, uma vez que, segundo ele,

“Se falarmos que porto1 e porto2 são etimologicamente relacionadas, então, depende de quão

longe nós estamos preparados para ir, quando temos as evidências, em traçar a história das

palavras”. (LYONS, 1977, p.551)

A posição contra de Lyons é aqui uma justificativa, pois traçar a história das palavras é

um dos requisitos para se resgatar os casos de polissemia. O interesse em ir-se mais longe é

caro a um estudo diacrônico, logo é compreensível o desinteresse de grande parte dos

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lingüistas sincrônicos em percorrer esse caminho e a alegação mais recorrente, com base nos

postulados da sincronia, é a de que (LYONS 1977, p.551):

Para o falante nativo é geralmente inconsciente da etimologia das palavras que ele usa e sua interpretação não é influenciada (exceto quando ele está sendo pedante ou explorando certos aspectos de suas etimologias para fins estilísticos) por qualquer conhecimento da derivação histórica das palavras que ele possa vir a ter.

Essa tese, a da consciência do falante, já fora discutida e refutada aqui, de modo que

deve ficar claro que as divergências entre as perspectivas são fruto de posturas teóricas

distintas sobre o mesmo objeto, por isso não se pretende tirar a razão de uma afirmação como

a que se leu acima, uma vez que de fato grande parte dos falantes (mas não todos) já não

percebe o fio etimológico que liga muitas vezes uma palavra à outra.

Em Sandmann (1990), por exemplo, em seu artigo sobre a homonímia e a polissemia,

há três critérios que disputam, segundo ele, “a hegemonia para serem o divisor de águas entre

essas duas figuras”. (1990, s/p). Ei-los: o critério etimológico, o semântico e o formal.

A respeito do primeiro critério, o lingüista cita o prefácio do Dicionário Aurélio a fim

de ilustrar como esse critério auxilia a distinção entre homonímia e polissemia, por exemplo,

no âmbito lexicográfico, em outros termos, tem-se que “Palavras de étimo ou origem igual

ficam no mesmo verbete, mesmo que de classe gramatical diferente (dever, verbo, e dever,

substantivo) ou de semântica bastante distante, hoje (cálculo ‘operação matemática’ e cálculo

‘calcificação nas vísceras’) (SANDMANN, 1990, s/p).

Muitas objeções, como se poderá confirmar neste tópico, são feitas ao critério

etimológico, Sandmann, ao citar Bussmann, traduz deste a seguinte passagem:

Sob o ponto de vista sincrônico, o argumento etimológico perde muito em força, pois os entrelaçamentos lingüísticos genéticos não fazem parte da competência lingüística e não oferecem, muitas vezes, critérios seguros de decisão. (Sandmann apud Bussmann)

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A alegação de Bussmann, assim como em Saussure, tem razão de ser, se tomada

exclusivamente na perspectiva sincrônica. Como não é esse o caso desta pesquisa, para casos

como os de ‘cálculo’, comentado no capítulo de análise, admite-se, como o faz a prática

lexicográfica, ser esse um exemplo de polissemia.

O mesmo autor, ao apresentar o segundo critério, o semântico, atesta que há problemas

com a utilização deste, pois, segundo ele, é difícil estabelecer qual o grau de diferença

semântica necessária para que se tenha polissemia ou homonímia. O autor, para tornar claro

esse problema, parte da seguinte analogia:

Seria aproximadamente como perguntar, jocosamente, onde começam a loucura ou a obesidade, para que alguém seja qualificado como louco ou obeso, ou quando exatamente se pode dizer de uma mulher Ela é já uma senhora. (Sandmann, 1990, s/p)

Na prática, Sandmann parte de um exemplo, extraído do Dicionário Aurélio, o qual

põe duas acepções para PENSAR em um único verbete, a primeira ‘refletir’ e a segunda ‘uma

ferida’. A indagação de Sandmann, com base em Bussmann, diz respeito ao fato de que, para

o falante de hoje, a conexão de sentido entre as duas acepções pode não ser mais percebida.

Ao tratar do adjetivo verde como ‘a cor’, ‘não-maduro’ e ‘inexperiente, jovem’, o autor atesta

que a relação semântica entre essas acepções, baseada na metonímia e na metáfora, é mais

transparente.

Muito há que se comentar sobre as teses de Sandmann. Primeiramente, indaga-se qual

o critério utilizado pelo autor para considerar o primeiro caso, de um ponto de vista

semântico, como homonímico e o segundo como polissêmico?. Teria ele se baseado, de fato,

na consciência do falante ou em sua própria consciência, a de um especialista?. De qualquer

forma, há, e não se pode negar, casos, e provavelmente o primeiro enquadre-se nessa

categoria, que, de tão afastadas os significados das acepções, seriam melhor analisados como

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homonímicos. Essa classificação, no entanto, só deve ser admitida, segundo o que sugere este

estudo, após se esgotarem todas as etapas da polissemia, ou seja, há que estabelecer, sempre

que possível, o étimo da palavra, em seguida, associar semanticamente as acepções, buscando

semas em comum entre elas e o mais importante é apoiar o critério etimológico-semântico

com a contextualização histórico-cultural das palavras. Dessa forma, crê-se, podem-se

resolver muitos casos, principalmente, aqueles em que os significados das acepções já não

pareçam manter entre si nenhuma relação semântica.

A tese da consciência do falante, primeiramente com Saussure, e depois dele com

muitos outros, como no caso de Sandmann, deve ser vista com muita cautela como bem

sugere Lyons (1987, p.42) “O princípio de prioridade da variação sincrônica é válido. Porém,

na medida em repousa sobre a ficção da homogeneidade7, deve ser aplicado com bom senso e

com plena consciência do status teórico do sistema lingüístico”.

O terceiro critério arrolado por Sandmann é o formal. É com base nesse critério, por

exemplo, que são diferenciados os itens lexicais enquadrados nos casos de homonímia

categorial, discutidos no tópico 2.6. do capítulo de análise. Com esse critério, tem-se que, para

se considerar como um caso de homonímia, basta que os itens lexicais pertençam a classes ou

categorias gramaticais diferentes. A afirmação de Sandmann (1990, s/p) a respeito desse

critério em relação aos outros dois é a seguinte:

O critério formal conflita abertamente com os critérios etimológico e semântico, pois a história e o significado de formas como visual, modelar, líquido e poder não apontam para uma delimitação de que veja nelas homônimos.

Zavaglia, por seu turno, tece, como se verá abaixo, considerações sobre o critério

etimológico e, além disso, comenta o empecilho de adotar-se tal critério. Ressalte-se que a

7 A crença ou pressuposição de que todos os membros de uma mesma comunidade falam exatamente a mesma língua

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alegação para não se aceitar o critério etimológico é bastante comum entre os especialistas,

porém se deve pesar com bastante cuidado os prós e os contras de qualquer critério adotado,

uma vez que, como bem afirma Lyons, “Talvez devêssemos nos contentar com o fato de que

o problema da distinção entre homonímia e polissemia seja, em princípio, insolúvel” (1987,

p.111). Veja abaixo o pronunciamento de Zavaglia (2003, p.01):

O critério mais utilizado para se fazer a distinção de um item lexical homônimo de um polissêmico é a verificação da origem etimológica do mesmo, ou seja, um critério diacrônico. Considerando-se que, em português, as pesquisas etimológicas de itens lexicais são escassas e insuficientes para que se possam oferecer segurança e credibilidade, no que diz respeito à origem de uma palavra, torna-se difícil adotar como critério básico de identificação de um item lexical, o estudo diacrônico.

A alegação de que as pesquisas de itens lexicais, em português, são escassas e

insuficientes é, por si só, uma boa justificativa para que se incentivem estudos, como este, que

enveredam pela perspectiva pancrônica. Além disso, deve-se ter bem claro que o intuito deste

estudo não é resolver definitivamente o problema e, sim, utilizar o critério etimológico

juntamente com o semântico e, mais ainda, proceder, para alguns casos, à contextualização

histórico-cultural das palavras. Dessa forma, o critério etimológico-semântico proporcionará

meios de se resgatar, mormente para os casos de polissemia, o fio semântico-histórico-cultural

da palavra de hoje com a de ontem. O que se pretende, mesmo com a complexidade do

assunto, é comprovar que o critério etimológico-semântico pode ser utilizado como meio para

distinguir esses fenômenos, desde que seja feito sempre, sob prejuízo de inconsistência do

método, o referido resgate das palavras.

Também em uma perspectiva sincrônica, no texto Os Dicionários na

Contemporaneidade: Arquitetura, Métodos e Técnicas, Biderman (1984) trata dos fenômenos

da homonímia e polissemia, apontando estes como alguns problemas que interferem na

elaboração de um dicionário. Além desses, a autora menciona a extensão da nomenclatura

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e/ou macroestrutura do dicionário; os regionalismos; os arcaísmos, os quais, de um modo ou

de outro, referem-se à hiper e à macroestrutura do dicionário. A homonímia e a polissemia, no

entanto, são problemas que, segundo ela, interferem na microestrutura do dicionário.

A fim de justificar a prática moderna na distinção da homonímia e polissemia,

Biderman (1984, p. 143) vale-se do seguinte argumento:

Na moderna lexicografia, sobretudo aquela que se faz na França, o procedimento tem sido considerar homônimas palavras de grafia idêntica (mesmo significante) e significados muito distintos, a ponto de ser difícil para o falante identificar semas comuns aos dois os mais homônimos.

Com o trecho acima, Biderman, a um só tempo, explicita seu critério e, a favor deste,

especificamente ao tratar da dificuldade de o falante identificar semas comuns em

determinados homônimos, invoca a tese da consciência do falante (homogênea). Ora, há,

sincronicamente, diferentemente do que postula a tese saussuriana, a possibilidade de muitos

falantes, mesmo os não especialistas, perceberem contigüidade semântica entre palavras tidas

como homonímicas, uma vez que é forçoso levar a cabo a tentativa teórica de se postular uma

comunidade de fala homogênea, pois a heterogeneidade é, sem dúvida, hoje, um dado

lingüístico amplamente aceito pelos estudiosos.

Crê-se, dessa forma, que posturas, como a de Biderman, prejudicam ou pelo menos

desestimulam a pesquisa no campo etimológico, pois levam a crer que tal campo é, no

mínimo ultrapassado, obsoleto, como se pode perceber com a seguinte afirmação da autora:

“hoje já não se discrimina (sic) os homônimos com base no mesmo étimo”. (BIDERMAN,

1984, p. 143)

A insistência em se fazer sempre a contextualização histórico-cultural das palavras

deve-se ao fato de que muito se tem perdido com a separação entre sincronia e diacronia, o

que leva, não raras vezes, à indisponibilidade de lingüistas e filólogos em unir forças, de

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modo que as divergências ainda se propagam ortodoxamente de um lado e de outro. Os

filólogos, em sua maioria, teimam em não aceitar a contribuição da Lingüística e os desta

área, por sua vez, implicam com o excesso de empirismo nos trabalhos filológicos. Uma boa

saída e, com a qual concordamos, é apontada por Araújo ao citar Naro:

Em vista do grau relativamente adiantado de desenvolvimento e da maior maturidade da área de filologia no Brasil, poderia ser vantajosa para a lingüística uma integração e cooperação entre as duas linhas de trabalho, sempre que as competências profissionais de ambas fossem rigorosamente respeitas. Os lingüistas teriam de evitar a tentação de rotular os filólogos como um bando de colecionadores pré-científicos de dados, como se esses últimos fossem incapazes de pensamento racional, enquanto que os filólogos teriam de evitar a tentação de impor aos lingüistas seus métodos de orientação empírica, abrindo-se a idéias novas teoricamente motivadas. (Araújo apud Naro)

Sabendo desses problemas e procurando evitá-los tanto quanto possível, adotar-se-á,

neste estudo, a perspectiva pancrônica que visa a unir sincronia e diacronia. Tal união, neste

estudo, partirá não da noção sistêmica postulada por Saussure para a sincronia, partirá sim de

uma noção mais ampla, a partir da qual se recorrerá à sincronia para o rastreamento

diacrônico, ou ainda, parte-se de uma acepção mais usual (no sentido de atual, logo

sincrônico) de uma palavra para então se estabelecer a ponte semântica entre esse significado

e o menos atual, o mais afastado no tempo (o diacrônico).

Para que se tenha maior segurança, no percurso entre o significado mais usual e o

menos usual de uma palavra, não basta, para muitos casos, como o de Pata, utilizar o critério

etimológico-semântico, auxiliado pelas cadeias de concatenação semântica. Aliado a isso, far-

se-á necessário recorrer a métodos específicos da Filologia românica, um deles é o método

“Palavras e coisas” que pode ser aplicado tanto no caso dos empréstimos lexicais quanto no

estudo do vocabulário nativo de uma dada região. Tal método joga luz à questão dos étimos

desconhecidos ou obscuros das palavras. A respeito da aplicação do método, veja-se, na

citação abaixo, o que diz Iordan (1982, p. 102):

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Suponhamos uma palavra de origem obscura, nome de planta ou de animal, cuja etimologia pretendemos descobrir. Embora conheçamos bem as leis fonéticas da língua e saibamos utilizar todos os instrumentos científicos necessários para essa pesquisa, não conseguiremos descobrir a origem da palavra em questão, sem recorrer às informações fornecidas pela botânica ou zoologia. Muitos nomes de plantas e animais baseiam-se no aspecto exterior dos seres, no seu modo de vida ou nos seus hábitos, de modo que, se nos documentarmos profundamente sobre estas particularidades, poderemos encontrar o ponto de partida da palavra que nos interesse.

Neste estudo, para o estabelecimento de étimos desconhecidos e /ou obscuros, far-se-á

uso do método “Palavras e Coisas”, e, caso alguma das palavras analisadas exija, também do

método “Onomasiológico”, ou onomasiologia, entendido como o estudo das denominações.

Esse método, segundo Basseto (2001), “se propõe investigar os vários nomes atribuídos a um

objeto, animal, planta, conceito etc., individualmente ou em grupo, dentro de um ou vários

domínios lingüísticos. Seus objetivos são, portanto, semânticos e lexicológicos, buscando

descobrir os aspectos vivos e as forças criadoras da linguagem”. (Basseto, 2001, p.76). Tal

atitude, crê-se, é o meio de se contestar as críticas, como as de Câmara Júnior, feitas aqueles

casos em que se verifica a imprecisão, ou incerteza, no estabelecimento do étimo.

O estabelecimento preciso do étimo, via resgate semântico-histórico-cultural das

palavras, proporcionará a distinção entre polissemia e homonímia até mesmo para casos,

como o de palavras de origem outrora desconhecida, ponto no qual os lingüistas sincrônicos

têm apontado falhas na análise diacrônica.

Algumas da obras de estudiosos brasileiros, analisadas aqui, mesmo que

indiretamente, tomam como referência o posicionamento de Câmara Júnior a respeito da

homônima e da polissemia. Partindo disso, começar-se-á a discussão do tema a partir da

perspectiva desse lingüista. Para ele, a diacronia não resolve, satisfatoriamente, o problema da

indistinção entre os referidos fenômenos. Uma de suas justificativas é que muitas palavras

apresentam o étimo desconhecido, o que ele exemplifica com a palavra pata (membro de

locomoção de um quadrúpede) e pata (fêmea do pato). A proposta de Câmara Júnior é, então,

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estabelecer dois critérios de distinção: 1) sintático e 2) fonológico. Do primeiro, constata-se

com ele que, se a distribuição sintática for a mesma, tratar-se-á de polissemia, mas quando

não, homonímia.

Há que se reconhecer a eficácia funcional dos critérios arrolados acima. Contudo, tal

eficiência só se comprova porque há, mesmo que sub-repticiamente, o reconhecimento de que

no caso da polissemia trata-se do mesmo étimo e no caso da homonímia, de étimos distintos.

Para rebater a afirmativa de Câmara Júnior acerca do étimo desconhecido de muitas

palavras é que se vê a importância de uma pesquisa como esta, que funcionará como incentivo

ao estudo nesse campo.

Já Rehfedt, em sua obra “Polissemia e Campo Semântico”, ao citar Câmara Júnior,

aponta que o critério sintático apontado por ele falha, pois não dá conta dos problemas

semânticos envolvidos. Outros dois critérios, o da relação entre os significados e o da intuição

dos falantes, são apontados também, pela autora, como falhos. Sobre o primeiro a alegação é

de que “não há nada que impeça vocábulos polissêmicos de abarcarem significados

totalmente diferentes e não relacionados entre si, porque a denominação lingüística não se faz

de modo idêntico para todas as palavras da língua” (REHFEDT, 1980, p.80).

Nesta pesquisa, crê-se que a falha apontada para o critério da relação entre os

significados, na verdade, reside no fato de que não se faz, como se deveria, o resgate

semântico-histórico-cultural das palavras. Ao se fazer tal resgate, perceber-se-á que existe,

entre as palavras polissêmicas, sempre um elo semântico com a palavra primeira.

O segundo critério arrolado, o da intuição dos falantes, diz respeito à distinção entre

polissemia e homonímia pelo falante “por meio do reconhecimento de semelhanças nos

significados (polissemia) e de diferenças (homonímia)” (ibidem, p.80). A respeito desse

último critério, a autora afirma que os falantes encontram semelhanças e diferenças “onde elas

não existem”. Tal fato acontece, entre outros motivos, porque a tendência hodierna do

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conhecimento é a superficialidade, fruto de uma ideologia política excludente. Esse fato

agrava-se, sobremaneira, com a enorme exposição dos falantes aos meios de comunicação de

massa.

A superficialidade dos falantes é justificável, porém, não aceitável. Já o que não se

justifica, nem tampouco se aceita, é a presença dessa mesma superficialidade em um

especialista em Linguagem.

Quer-se reafirmar com isso que, para certos temas, como os da homonímia e da

polissemia, necessita-se da complementaridade de perspectivas, o que leva, inevitavelmente, à

abrangência na descrição de fatos lingüísticos como os aqui estudados.

Ao se confrontar os dois autores supracitados com Rocha, percebe-se que, enquanto

Câmara Júnior opta, primordialmente, pela distribuição das formas como suficiente para

distinguir polissemia de homonímia, Rehfedt recorre ao uso em frases e às circunstâncias em

que a palavra é utilizada para proceder à diferenciação dos conceitos mencionados, isso

porque, ainda com ela, há “escassa possibilidade e pouca fundamentação existente para

especificar suas diferenças com segurança” (REHFEDT, 1980, p.83). Rocha, também em uma

perspectiva sincrônica, para configurar os casos de polissemia, trata das identidades fonéticas,

funcionais e semânticas. Já os de homonímia, por sua vez, apresentam identidade fonética e

funcional, mas não semântica.

Das três propostas mencionadas para a diferenciação dos casos de polissemia e

homonímia, percebe-se que, de uma para outra, quando muito, há uma tentativa de ampliação

de critérios na tentativa de dar conta dos fenômenos estudados, passando-se por critérios

estritamente formais, chegando-se até critérios pragmáticos. Isso só vem comprovar que a

flutuação das propostas apresentadas advém do fato de que são apenas sincrônicas.

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Não se pode, então, aceitar a afirmação acima de Rehfedt, pois tal escassez de

possibilidade e pouca fundamentação só existem mesmo porque não se faz, como se sugere

neste estudo, o resgate semântico-histórico-cultural das palavras.

Ao tratar da homonímia e da polissemia, Perini afirma ser indispensável distinguir

claramente entre esses dois casos para se confira rigor à descrição gramatical. Mesmo

sabendo disso, o autor não nega a dificuldade de se distinguir esses fenômenos como se vê a

seguir: “apesar de muitos esforços nesse sentido, até hoje não se conhece uma maneira de

distinguir claramente esses dois fenômenos” (PERINI, 2002, p.250).

A fim de evidenciar a dificuldade de distinção, o autor reporta-se à tradição que,

segundo ele, recorre a um conjunto heterogêneo de critérios. Para ele, a saída tradicional para

distinguir duas palavras é quando há: 1) diferença de classe gramatical e 2) diferença

semântica grande e nítida.

Dos dois critérios, o primeiro parece ser mais facilmente aceito pelo autor. Já o

segundo, para ele, é “muito mais problemático”. O problema estaria em se delimitar com

segurança uma diferença semântica “grande” de uma “pequena”.

Para evidenciar tal dificuldade, Perini apresenta os seguintes casos:

a) fio (de linha) – fio (elétrico)

b) pintar (um quadro) – pintar (uma parede)

c) choque (elétrico) – choque (susto)

d) roda (de carroça) – roda (de amigos)

e) batida (trombada)- batida (bebida)

f) papel (para escrever) – papel (de ator teatral)

g) mosca (inseto) – mosca (centro do alvo)

h) pena (de ave) – pena (castigo)

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Segundo Perini, em todos os casos acima a diferença de significado é evidente, sendo

que “No exemplo (a), a diferença pode ser considerada “pequena” e, no exemplo (h), é

claramente “grande””.

Um questionamento que se deve fazer, assim como se fez para Sandmann, é se Perini

ao afirmar ser em um dos casos pequena a diferença e no outro grande, toma como parâmetro

o falante comum ou a visão dele como especialista em Linguagem. Isso só mostra o quanto é

discutível estabelecer critérios distintos puramente sincrônicos para diferenciar os dois casos.

Com o critério etimológico-semântico, através da proposição de cadeias de

concatenação semântica, é possível afirmar que quase todos os casos, com exceção do último

(por terem origens distintas, logo são mesmo homonímicos), arrolados acima, são, na verdade,

polissêmicos.

Dessa forma, rejeita-se, neste estudo, o critério sincrônico da diferença de classe

gramatical (ver o tópico 2.6., “A homonímia categorial ou polissemia categorial?”) assim

como também da diferença semântica, uma vez que esta sozinha e, sem o auxílio das cadeias

de concatenação, não resolve o problema da gradação semântica das palavras tidas como

homonímicas.

Não é sem razão que Perini, por se basear somente em critérios tradicionais, afirma

que: “Como se trata de questão em aberto, não temos alternativa senão procurar fazer o

melhor uso da definição disponível, evitando, sempre que possível, as armadilhas piores”.

(PERINI, 2002, p. 252).

1.5 Entre a homonímia e a polissemia: uma proposta

Após a apresentação e discussão dos conceitos de homonímia e polissemia, parte-se,

neste tópico, para o estabelecimento de diretrizes conceituais que nortearão esta pesquisa. É

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óbvio que, pela perspectiva adotada, torna-se imperativo explicitar as definições de raiz,

homonímia e polissemia acolhidas neste estudo:

1. RAIZ: “é a base fonético-semântico-cultural das palavras, morfologicamente indivisível, foneticamente variável e semanticamente aberta”;

2. POLISSEMIA: “é o acúmulo de significações de uma única raiz, por analogia, metonímia, metáfora, sinédoque, havendo sempre uma relação semântica com o étimo”;

3. HOMONÍMIA: “é a coincidência ou semelhança formal entre vocábulos cujas raízes procedem de origens diversas, como ilustra “são” nos seguintes exemplos:a) um homem são (<lat.sanus);b) São(<lat.sanctus) Jorge; c) são(<lat.sunt) várias as circunstâncias”

(in OLIVEIRA, p.50).

Perceba-se, nas definições de homonímia e polissemia, a dependência da definição de

raiz, isso porque este elemento, segundo a perspectiva diacrônica, é de vital importância para

o estabelecimento da diferença entre os fenômenos citados. Dessa maneira, então, a análise de

verbetes, feita no próximo capítulo, fundamentar-se-á no estabelecimento, em primeiro lugar

do étimo, para que, a partir disso, possa-se vislumbrar, primeiramente, a possibilidade de as

acepções de dois ou mais verbetes distintos serem, na verdade, polissêmicas entre si. Somente

após essa etapa esgotada é que se considerará a possibilidade de serem os verbetes, entre si,

homonímicos. Reitera-se, no entanto, que não basta para tal diferenciação que se baseie no

estabelecimento do étimo, é necessário, e imprescindível, que, para os casos de polissemia,

haja afinidade semântica entre as acepções dos verbetes.

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1.6 Cotejo conceitual entre raiz, radical, lexema e semantema para a distinção entre homonímia e polissemia

Neste tópico, pretende-se discutir sucintamente o problema da indistinção entre os

termos raiz, radical, lexema e outros. Procedendo assim, crê-se, poder-se-á contribuir

modestamente com a reflexão didática desses itens, os quais tocam, ainda, no problema da

indistinção entre homonímia e polissemia, sendo, por isso, interessante e justificável partir de

uma reflexão didática que se baseará, neste estudo, na não aceitação da sinonímia entre raiz e

radical. Para tal intento comparativo, recorrer-se-á a dicionários, a gramáticas prescritivas e

descritivas e a obras afins.

Antes da explicitação de conceitos extraídos tanto de dicionários (vocabulários) como

de gramáticas (prescritivas e descritivas), deve-se salientar que o estudo histórico do conceito

de raiz tem, para este estudo, pelo menos duas importâncias mais evidentes: a primeira delas

diz respeito à necessidade de um conceito que se coadune à prática etimológica de tal modo

que ele possa ser aproveitado pelos estudos diacrônicos no estabelecimento da diferença entre

homonímia e polissemia; a segunda visa à uniformização dos conceitos de raiz e radical,

admitindo aqui que estes não são coincidentes. Esse interesse justifica-se pelo fato de tais

elementos não receberem um tratamento adequado, sobretudo em grande parte das

gramáticas, uma vez que ora são tidos como o mesmo elemento mórfico ora como distintos.

Neste último caso, como o qual concordamos, a alegação mais corriqueira é de que, no caso

da raiz, o interesse é tão- somente do diacronista. Tal afirmação deve ser, como qualquer uma

de caráter generalizante, vista com cuidado, pois o risco advindo dessa prática, no ensino de

Língua Portuguesa, especialmente nos estudos morfológicos, é que se negligenciará ao aluno

o conhecimento, mesmo que embrionário num primeiro momento, da história e cultura de seu

povo, através do conhecimento lingüístico.

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Nos parágrafos seguintes, far-se-á um estudo comparativo, primeiramente, a respeito

do que se entende por raiz e, inevitavelmente, de radical, lexema, semantema, uma vez que,

não raras vezes, são tomados como sinônimos. A seqüência então será: 1) definições e análise

crítica dos termos em algumas gramáticas prescritivas; 2) definições e análise crítica dos

termos em obras (gramáticas ou não) que se enquadram na perspectiva descritiva e 3) as

definições dos dicionários estarão diluídas, nas etapas acima, com o intuito de referendar ou

contrapor as definições das outras obras.

O que se pretende, ao listar conceitos de raiz em gramáticas representativas do

Português brasileiro, é demonstrar a confusão que se faz entre raiz e radical. Tal confusão dá-

se por várias alegações, a principal delas diz respeito ao fato de que muitos estudiosos

asseveram interessar somente à lingüística histórica o conceito de raiz. Defende-se, no

entanto, neste estudo, que essa alegação não pode, nem deve, ser levada às últimas

conseqüências. Caso o seja, prejuízos advêm dessa prática: 1) a postura excludente, em

grande parte das gramáticas, acarreta o desinteresse, cada vez mais acentuado, por

considerações de cunho histórico sobre a língua; 2) negligenciar o conhecimento acerca do

elemento raiz é, no mínimo, privar o aluno, sem mesmo ter ele o direito à escolha, de ter

acesso a informações sobre a história de sua língua, do léxico dessa língua, e, por isso, sem

acesso à história das palavras dessa mesma língua. Com essa postura, o professor só irá

contribuir para que o aluno deixe de ter, cada vez mais, acesso às informações histórico-

culturais de um povo.

Não se faz aqui uma defesa irresponsável da utilização, em sala de aula, do conceito de

raiz, que, necessariamente, envereda pelos estudos diacrônicos da linguagem. O que se

defende é que esse conceito seja gradualmente explorado, ou seja, nas séries iniciais do

Ensino Fundamental, por exemplo, seria de boa conduta se o professor utilizasse conceitos

mais elementares, como o de radical que, se comparado ao de raiz, é de mais fácil

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assimilação. O conceito de raiz, por conseguinte, seria melhor aproveitado se utilizado nas

séries finais do Ensino Fundamental e em todo Ensino Médio, momento no qual se pressupõe

um maior amadurecimento intelectual dos alunos. Do próximo parágrafo em diante, far-se-ão

breves reflexões sobre como são discutidos os conceitos de raiz e radical em gramáticas do

Português brasileiro.

Bechara(2001)8 apresenta a seguinte conceituação para radical “é o núcleo onde

repousa a significação externa da palavra, isto é, relacionada com o mundo em que vivemos”

(BECHARA, 2001, p. 337). Ainda com ele, entende-se por raiz, na perspectiva da gramática

descritiva, como “radical primário ou irredutível a que se chega dentro da língua portuguesa e

comum a todas as palavras de uma mesma família” (BECHARA, 2001, p. 341)

Pelo exposto acima, pode-se perceber uma certa confusão nos conceitos apresentados

para radical e raiz. Na definição daquele, Bechara enuncia um ponto, a significação externa da

palavra, que é comum tanto ao radical quanto à raiz, por isso, não é categoricamente

diferenciador dos termos. Outro problema percebe-se quando o autor utiliza indistintamente

raiz por radical primário. Defende-se aqui que tais elementos, sobretudo do ponto de vista

morfológico, configuram-se de maneira distinta, o que, por sua vez, recomenda uma

nomenclatura que retrate essa diferença, ou ainda, a separação dos termos raiz e radical.

A confusão configura-se mais aparente no momento em que o autor exemplifica as

etapas de escansão para se chegar ao radical primário ou raiz. A transcrição abaixo será feita

em sua íntegra para que se percebam os pontos em que Bechara (2001, p.341) mistura a

abordagem descritiva com a histórica. Ei-la:

Se tomarmos um vocábulo como desregularizar, facilmente podemos surpreender diversos graus de radical: o primeiro, destacando-se-lhe a vogal temática e a desinência de infinitivo, é desregulariz- (que aparece em desregularização); este radical pode ser reduzido por destaques sucessivos, a: regulariz (sem o prefixo) >

8 Apesar de a proposta de Bechara ser de uma gramática descritivo-prescritiva, resolveu-se, por uma questão didática incluir sua obra entre as gramáticas normativas.

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regular (sem o sufixo) > regul (cf. o latim regŭla) > reg (que aparece em reger, régua). Este último radical que constitui o elemento irredutível e comum a toas as palavras do grupo chama-se primário e coincide, em relação à língua atual, com a raiz. Regul- é um radical secundário (ou do 2º grau), como regular- um radical terciário (ou do 3º grau), a assim por diante.

Aceita-se,como válida, neste estudo, a utilização da terminologia para radical

primário ao qual se chega por destaques sucessivos. O empecilho é tomá-lo como sinônimo de

raiz, uma vez que essa aproximação pode gerar confusões, sobretudo, para os alunos das

séries iniciais. Por isso, a postura adotada aqui é de que as diferenças estruturais entre raiz e

radical são significativas a tal ponto que fica difícil aproximá-los, pois, enquanto este

comporta divisão morfológica, aquele não.

Voltando-se um pouco ao exemplo acima, pode-se perceber que, para a apreensão, no

caso em tela, do radical primário há necessidade de se recorrer, como o fez Bechara, ao étimo

da palavra. A necessidade de recorrência será exigida para muitos casos de análise mórfica, o

que não significa que ela não seja dispensável, como de fato o é, para outros tantos casos.

Insiste-se que o papel para essa escolha é do professor. Com isso, mantém-se a predominância

da abordagem descritiva, haja vista que a visão sincrônica dos fatos lingüísticos apresenta-se,

por questões óbvias, para o usuário comum da língua, entre eles os estudantes, de forma mais

clara. Tal abordagem, no entanto, pode e deve, em muitos casos, ser reforçada pela

abordagem histórica da língua. Bechara (2001, p.341), no exemplo citado, procede dessa

forma, mas rejeita, em sua proposta descritiva, considerações históricas no tratamento desse

tema. Veja-se, a esse respeito, a seguinte observação do autor:

Não interessa à gramática descritiva o conceito do ponto de vista histórico, que só é válido para a gramática histórica. Há freqüentes divergências entre o estabelecimento de uma raiz dentro dos dois tipos de gramática; assim é que, enquanto para a histórica há raiz ed- em comer (do latim comedere, de edere= comer), a descritiva a esta reconhece em com- (cf. com-ida., com-ilão, com-ilança).

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Se o conceito de raiz, de um ponto de vista histórico, só interessa a ela mesma, por que

então Bechara, em sua gramática prescritivo-descritiva, recorre, ao escandir o verbo

DESREGULARIZAR, comentado a pouco, ao étimo da palavra?. Observações como essa

demonstram como é tarefa difícil dissociar totalmente as abordagens sincrônica, aqui

aproximada com o que apregoa a gramática descritiva, da abordagem diacrônica, aproximada

com o que apregoa a gramática histórica que, para a escansão dos elementos mórficos das

palavras, recorre ao étimo das mesmas.

Outra gramática representativa é a de Almeida (1998), cujo título é: Gramática

Metódica da Língua Portuguesa. De forma semelhante a Bechara, Almeida dispensa maior

atenção ao radical que, para ele, é a “parte que resta da palavra, tirando-se a desinência, [a

qual] dá-se o nome tema ou radical” (ALMEIDA, 1998, p.82). Pelo que se entende,

tradicionalmente, por tema, deve-se rejeitar a aproximação entre tema e radical, uma vez que

a coincidência entre eles dá-se em alguns casos, de modo que isso não permite tomar um pelo

outro de forma geral. Em nota, Almeida (1998, p.82) comenta a quem interessa o estudo da

raiz:

Não se confunda tema (ou radical) com raiz. Raiz é a expressão mais simples a que se pode ser reduzida uma palavra. Assim, a palavra historicamente, destrinçada por Max Muller, reduz-se, depois de despida de todos os elementos acessórios, ao elemento irredutível his, que vem a ser a raiz. Pode, entretanto, coincidir que o mesmo elemento venha a ser raiz e tema, a um só tempo, como em lav-ar (lav, raiz latina = limpar), cap-a (raiz latina cap = ponta, parte superior, cabeça). Tal estudo, porém, que pertence ao domínio da filologia e da gramática histórica, escapa ao objetivo destas lições, que têm por fim exclusivo ensinar a falar e, principalmente, a escrever corretamente a língua portuguesa.

Um ponto aproxima e outro afasta a proposta de Bechara (2001) e Almeida (1998). O

primeiro ponto diz respeito ao fato de os dois indicarem que o estudo da raiz interessa

somente à gramática histórica. O segundo ponto, o que afasta os dois, diz respeito ao fato de

Almeida não misturar, como o faz Bechara, os conceitos de raiz e radical. Apesar disso, o

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estudo desse elemento não está no escopo de sua gramática, postura que não se aceita neste

estudo pelo que já se expôs.

Cunha e Cintra (1985), em sua Nova Gramática do Português Contemporâneo,

pronunciam-se da seguinte forma sobre o radical: “Ao que chamamos até agora MORFEMA

LEXICAL dá-se tradicionalmente o nome de radical. É o radical que irmana as palavras da

mesma família e lhes transmite uma base comum de significação” (CUNHA e CINTRA,

1985, p. 78). Não existe, na classificação desses autores, nenhuma referência à raiz. A

alegação talvez seja a mesma dos dois autores supracitados, só que aqui de modo embutido.

Os autores escolhidos, no âmbito nacional, para representarem a perspectiva

lingüístico-descritiva nos estudos de linguagem são os seguintes: Silva e Koch (2005),

Macambira (1998) e Monteiro (2002). A seleção destes se deu em razão de a obra desses

autores terem ampla aceitação no meio acadêmico.

Faz-se um alerta, antes de se começar a análise propriamente dita, a respeito da

variedade de termos no escopo da Morfologia em geral. Isso se dá, entre outros motivos, pelo

fato de que várias são as ramificações da Lingüística moderna. Mesmo no âmbito

estruturalista, podem-se observar diferenças na denominação dos constituintes do vocábulo.

No Estruturalismo saussuriano, por exemplo, vê-se a utilização de termos como raiz e radical.

Em Martinet, há a utilização do termo monema, unidade mínima de significação. Na

lingüística européia, de modo geral, mormente após Vendryès, há a distinção de duas

modalidades de forma lingüística mínima: o semantema e o morfema; este se referindo ao

escopo da gramática e aquele ao mundo extralingüístico. Na lingüística norte-americana, de

modo geral, utiliza-se, ao contrário da européia, o termo morfema para designar a forma

lingüística mínima, quer se refira ela ao mundo extralingüístico ou a noções puramente

gramaticais. No Brasil, Câmara Júnior utiliza os termos semantema e morfema.

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Tomando-se como ponto de partida a obra, Lingüística Aplicada ao Português:

Morfologia, de Silva e Koch. De início, alguns pontos sobre a nomenclatura adotada chamam

a atenção. Antes, contudo, faz-se necessário, para uma análise mais coerente da obra, atentar

para a filiação teórica das autoras, ou ainda, observar quais pressupostos sustentam a proposta

delas. A filiação teórica delas fica explícita já na introdução do livro, de modo que é à obra

Câmara Júnior que elas recorrem. Este teórico, por sua vez, recebe influências, só para citar

algumas, de Jakobson e Bloomfield, ou seja, tanto da lingüística européia como da americana,

daquela de forma mais evidente. De Bloomfield, por exemplo, Câmara Júnior aproveita, entre

outras, as noções de formas livres e presas no estudo do vocábulo formal; a influência de

Jakobson, por sua vez, especialmente nos estudos fonológicos, é evidente na obra do lingüista

brasileiro. Essas influências repercutem, de certa forma, também na obra de Silva e Koch.

Esses são apenas alguns pontos de contato entre os teóricos citados acima, o que já é, por si

mesmo, suficiente para se perceber a filiação, mesmo que não total, posto que na obra de um

mesmo autor é comum que vários autores exerçam influência ao mesmo tempo.

Como o interesse aqui é discutir, predominantemente os conceitos de raiz e radical, é

normal e justificável que não se discutam, pormenorizadamente, outros elementos mórficos

como os afixos e as desinências. O que não se fará é a não verificação da proximidade

conceitual entre elementos como raiz, radical, lexema, semantema, uma vez que são, não raras

vezes, tomados como sinonímicos. Neste estudo, procurar-se-á não tomar um pelo outro, haja

vista que atendem a interesses de escopos teóricos com propostas diversas.

Retornando-se a obra de Silva e Koch, abe observar a pertinência da nomenclatura

técnica utilizada por elas, ou ainda, observar a correspondência entre tal nomenclatura e a

perspectiva sincrônica. Ao proceder, por exemplo, à escansão do verbo CANTARÍAMOS, as

autoras depreendem o elemento CANT- como o morfema lexical ou radical. Em nota sobre o

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mesmo elemento, Silva e Koch (2005, p. 33) pronunciam-se da seguinte maneira sobre

morfema lexical, radical e raiz:

Adotar-se-ão os termos morfema lexical e radical como equivalentes; este último, desvinculado da sinonímia com raiz, a fim de evitar interferência entre o procedimento sincrônico e diacrônico. O radical mais a vogal temática constituem o que se costuma designar de tema.

As autoras demonstram bastante coerência teórica ao procurarem separar as

perspectivas diacrônica e sincrônica, uma vez que, como já se disse, a proposta delas se

enquadra nesta última. Esse aspecto positivo, no entanto, merece uma indagação: se o

compromisso das autoras é com o didatismo, como está explicitado na introdução do livro,

não seria mais proveitoso separar conceitos como os de morfema lexical e radical, uma vez

que não é consenso, entre os lingüistas, a univocidade entre os conceitos de ambos?. A

propósito, e a fim de se evidenciar a não univocidade, veja-se a definição de Dubois (1998, p.

499) para radical, tomado como adjetivo “Chama-se radical àquele dentre os morfemas de

uma palavra que não é afixo e ao qual está associado o significado. Em porteiro, port- é o

morfema. Mar é um morfema radical”. Na acepção de adjetivo, o radical, como um tipo de

morfema, aproxima-se da noção de morfema lexical de Silva e Koch.

Observe-se, no entanto, ainda com Dubois (1998, p. 499), a definição de radical,

tomado agora como substantivo:

Chama-se radical uma das formas assumidas pela raiz nas diversas realizações das frases. O radical é, pois, distinto da raiz, forma abstrata que serve de base de apresentação a todos os radicais que são suas manifestações. Assim, dir-se-á que a raiz /est/ “estar” tem três radicais, est-, estiv-, estej-, que se realizam com a adjunção de desinências gramaticais [...]. Uma raiz pode não ter senão um radical, neste caso, raiz e radical se confundem.

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Na definição de Dubois para radical como substantivo, tem-se o que se entende, neste

estudo, pela diferenciação entre aquele e raiz. É característica do radical então tanto receber

adjunções de desinências gramaticais (neste estudo em sentido lato, pois comporta também os

afixos) como, justamente por essa característica, ser diferente da raiz.

Se se toma a definição de radical como substantivo, pode-se perceber não só a

vantagem metodológica como também a didático-pedagógica, pois toma como diferentes

termos que, não raras vezes, são tomados como um só.

Voltando à nomenclatura de Silva e Koch, pode-se observar que a aproximação entre

morfema lexical e radical seria mais produtiva se, no lugar deste, fosse utilizado o termo,

sugerido por Dubois, morfema radical. Essa saída seria vantajosa, pois comumente e, de

forma acertada, morfema lexical é utilizado como sinônimo de lexema, essa postura deixaria

de aproximar radical e morfema lexical.

Se se toma lexema como “a unidade de base do léxico, numa oposição léxico/

vocabulário, em que o léxico é colocado em relação com a língua e o vocabulário com a fala”

(DUBOIS, 1998, p.360), tem-se mais claramente o problema de aproximá-lo de radical, uma

vez que, no caso deste, até mesmo pela etimologia, a mesma de raiz, tem-se como traço

característico dele o aspecto formal e aliado a este, mas com papel secundário, o aspecto

semântico. Comprova-se tal assertiva com a definição de Oliveira (2002, p.48), com a qual se

tem que radical “é a raiz alargada por um afixo lexical, comportando, por isso, divisão

morfológica” (o grifo é meu). Eis com isso ressaltado o aspecto formal na depreensão do

radical. No que tange à identificação do lexema ou morfema lexical, prevalece o aspecto

semântico na maioria das definições. Fazem eco a essa constatação as definições de Câmara

Júnior (1986, p. 156):

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Termo de criação recente na lingüística contemporânea, onde aparece com 2 acepções distintas. I. na escola lingüística norte-americana, que o cunhou pelo modelo de fonema, designa um segmento de enunciação que é forma livre e se opõe a outros para constituir a frase. Com mais precisão e rigor tecnológico que palavra, assinala o caráter de unidade significativa e mórfica do segmento fônico considerado, mediante a combinação do radical do grego lexis << palavra>> com o sufixo –ema, que indica naquela escola, sistematicamente, uma realidade acima da realidade física. II. Na escola francesa de Martinet, designa, ao contrário, um dos tipos de forma mínima, correspondente ao que Vendreys chama semantema.(o grifo é meu)

Mesmo com diferenças óbvias, prevalece, na definição dos termos, o aspecto

semântico, claro que mais nítido na segunda do que na primeira, até pela aproximação desta

com o semantema. Câmara Júnior ainda aproxima, como se verá mais a frente, semantema de

raiz, o que já leva a três termos tomados sinonimicamente: lexema, semantema e raiz.

É comuníssimo, em obras cuja abordagem é estrutural ou sincrônica, que não haja, de

fato, menção à noção de raiz. Tal postura é óbvia, pois uma abordagem imanente da língua

interessa-se pelo funcionamento estrutural do sistema da mesma e não por considerações

sócio-históricas da língua (cf. Saussure). Os estudiosos que se enquadram nessa vertente dos

estudos de linguagem procuram evitar a associação das perspectivas sincrônica e diacrônica.

Essa tentativa, no entanto, não raras vezes, falha, como se pôde observar em Bechara, pois,

para muitos casos, os menos transparentes, torna-se difícil não recorrer, mesmo numa

abordagem sincrônica, à diacrônica. A esse respeito, Macambira (1998, introdução), em seu

livro Português Estrutural (de abordagem predominantemente sincrônica), dá seu parecer

sobre a questão:

Sempre que julgamos proveitoso, recorremos à diacronia e à diatopia, não para explicar a sincronia por meio delas, o que não seria recomendável, mas para ilustrar e fortalecer o ponto de vista que defendemos. A nosso parecer, o não saber distingui-las e tão errôneo como o considerá-las incompatíveis ou estanques.

A postura do teórico mostra reflexos em sua classificação, um desses reflexos pode ser

percebido quando ele separa os conceitos de raiz e radical. É louvável essa separação, pois

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trará benefícios diretos ao ensino desses conteúdos. Adverte-se, sem nenhum teor crítico, que

a diferenciação desses elementos se baseia nos postulados da sincronia. Tanto é verdade que a

definição, utilizada por ele, é extraída literalmente de Saussure: “A raiz é o elemento em que

o sentido comum a todas as palavras aparentadas atinge o máximo de abstração e

generalidade”9 (SAUSSURE, 1949, pp. 141, 254, 255, 256, 257).

A fim de contrapor as definições de raiz e radical apresentadas por Macambira (1998,

p. 03), veja-se a definição, também apoiada em Saussure, para radical:

Chama-se radical a parte do vocábulo que se obtém pela eliminação da desinência. A eliminação do –a desinencial de guerreira resultou no radical guerreir-, que acima exemplificamos. É possível que haja dois ou mais sufixos: guerr-eir-inh-a-Ø, caval-eir-os-a-mente.

Com essas definições, Macambira resolve parcialmente o problema da indistinção

entre raiz e radical. Parcialmente porque o estudioso vale-se de casos transparentes, ou seja,

aqueles em que não se necessita da abordagem diacrônica e, por isso mesmo, são os casos

mais recomendados para se discutir nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Fica clara tal

transparência com a exemplificação a seguir, colhida do próprio Macambira (1998, p. 03)

“Em guerreira, temos a raiz guerr-, o radical guerreir- e a desinência –a, sem falar no morfema

zero do singular (guerr-eir-a- Ø)”.

Com uma postura teórica semelhante à de Macambira está Monteiro, isso se comprova

já na apresentação de seu livro quando, ao afirmar sua filiação à obra de Câmara Júnior, atesta

que seguirá a proposta sincrônica mesmo que ela “não esteja imune aos problemas”

(MONTEIRO, 2002, p.09)

A constatação lúcida de Monteiro de que a abordagem sincrônica por si mesma falha

em muitos casos de análise mórfica deixa entrever, subjacentemente, a possibilidade, para 9 O que se chama de abstração e generalidade é o vocábulo desprovido de afixos e desinências (Macambira, 1998, p. 02)

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alguns casos, de se fazer uma abordagem complementar. Essa leitura, no entanto, encontra, no

texto de Monteiro (2002, p. 67), argumentos contra e favor. A respeito de um argumento

contra a tese da complementaridade, o trecho a seguir, com base na tese saussuriana da não

complementaridade, é esclarecedor:

É preciso, pois, não esquecer essas advertências (as de Saussure) quando se descreve a estrutura das palavras. Para a identificação de qualquer elemento mórfico é desnecessário conhecer o latim, bastando apenas ter consciência do após a segmentação. Perdida a consciência do significado, o morfema também se descaracteriza.

Monteiro, no capítulo que discute sincronia X diacronia, elenca uma série de

exemplos, para demonstrar a inviabilidade de se recorrer à diacronia, uma vez que o falante

não tem mais consciência do significado dos elementos que compõem as palavras. Eis

algumas dessas palavras, comentadas por ele: compatriota, companheiro, comer, ovelha,

abelha, relógio, fidalgo, Geraldo e muitos outros. Com esses exemplos, Monteiro (2002,

p.72), baseado na tese da consciência do falante, quer ressaltar que deve prevalecer a

abordagem sincrônica, pois “Caso não se respeite o princípio da sincronia, as interpretações

históricas criam outras dificuldades bem mais sérias”. Em todo caso, as dificuldades

apresentar-se-ão em ambas as perspectivas, por isso mesmo, crê-se, a melhor saída é a

complementaridade, ou seja, em casos em que a sincronia apresentar problemas, deve-se

recorrer à diacronia. Com isso, mantém-se a prevalência daquela, mas não a sua

exclusividade.

A tese saussuriana da consciência do falante facilmente refutável, haja vista que,

mesmo entre especialistas em linguagem, a consciência, acerca dos constituintes da palavra,

não é uniforme, imagine-se, então, como será essa consciência entre um usuário comum da

língua escolarizado e um não-escolarizado, ou seja, em qualquer caso, essa tese, que não

passa de um construto teórico, vai falhar se a abordagem for além da sincronia. Afirmar,

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portanto, que o falante não tem consciência desse ou daquele constituinte é, no mínimo,

arriscado. Por isso, defende-se aqui que, mormente nas séries iniciais, deve o professor

selecionar aqueles casos mais transparentes e que por isso já são consenso entre os estudiosos

e, a partir de então, proceder a uma análise predominantemente sincrônica. Nas séries

posteriores, especialmente as do Ensino Médio, o enfoque deve começar a ser redirecionado

no sentido de se fazer, com uma freqüência cada vez maior, considerações históricas acerca

dos constituintes da palavra. Essa postura terá reflexos benéficos para aqueles estudantes que

se interessem por questões de linguagem. A realidade, mesmo no ensino superior, não difere

daquela dos níveis básicos, de modo que, não raras vezes, o aluno graduando e até mesmo

graduado não possui o conhecimento mínimo necessário para discutir questões linguagem

numa perspectiva diacrônica, dá prova disso a negligencia pelas cadeiras de Latim e

disciplinas afins.

Voltando à análise da obra de Monteiro (2002, 45), este destaca quatro pontos para a

fixação da raiz. Ei-los:

“A raiz é o elemento de onde parte a primeira operação morfológica”. “É uma forma necessariamente presa, portadora da carga semântica da palavra. Por isso, constitui o núcleo”. “Apresenta forma e significado, podendo receber elementos diversos e servir como ponto de partida para a produção de cognatos”. “É irredutível, mas às vezes sofre variações na forma, aparecendo em outras palavras como alomorfe”.

Os quatro pontos, além de importantes para identificação da raiz, deixam entrever

características peculiares a esse elemento, de modo que, com Monteiro, o conceito desse

elemento está satisfatoriamente bem delimitado, satisfatoriamente porque atendem bem ao

propósito de identificação da raiz, mas não foge à tendência geral de aproximar o conceito de

raiz com o de outros elementos, como o semantema para o caso de Monteiro.

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Dá prova, ainda dessa tendência, a definição de Câmara Júnior (1986, p.205), para o

termo raiz, com a qual se tem, assim como em Monteiro, uma relação sinonímica desta com o

semantema.

O semantema (v.) como parte básica da estrutura das palavras (v.) a que se chega pela análise mórfica sincrônica (v.). Ao lado desse conceito sincrônico, há o conceito diacrônico, da gramática histórica indo-européia, que considera raiz o segmento fônico originário correspondente a um semantema do indo-europeu. É fácil compreender que os dois conceitos não coincidem, porque na evolução milenar das línguas indo-européias as raízes originárias muitas vezes se esvaíram ou mudaram essencialmente, incorporando elementos mórficos originariamente distintos. Assim, port. Comer já não tem a raiz indo-européia –ed-, que ainda aparece no lat. comedere, e no port. estrela e lat. stella a raiz indo-européia ster- foi absorvida num novo semantema em cuja forma entrou o sufixo –la (ster + la > stella > estrela). Sincronicamente, a raiz de comer é com- (que corresponde diacronicamente a um prefixo latino) e a de estrela é estrel-. No estudo do português só interessa o conceito sincrônico de raiz. Aí o que individualiza a raiz é um significado permanente, que faz dela um semantema. As diferenças fônicas que não afetam esse significado são variantes do significante (v.); assim, ao lado de estrel- em estrela, temos estel- em estelar estelífero. As palavras portuguesas com a raiz constituem uma família léxica (v.) e se dizem cognatas. Na análise mórfica, indica-se raiz destacada com o sinal matemático de raiz quadrada: √estrel.

Ao comentar o verbo ‘comer’, Câmara Júnior afirma não ter mais esse verbo a raiz

indo-européia –ed-, a qual aparece ainda na forma verbal latina comedere. Isso o leva,

sincronicamente, a apontar a forma com-, originalmente um prefixo em latim, como a raiz de

comer. Sincronicamente, essa postura mostra-se adequada de um ponto de vista

metodológico. Diacronicamente, no entanto, pode-se vislumbrar a possibilidade de o E- ser

cumulativamente, via crase, raiz e vogal temática. Percebe-se claramente esse fato quando se

estabelece uma relação paradigmática entre comer e comestível.

As definições acima são suficientes para demonstrar a flexibilidade na utilização de

termos técnicos que, dependendo da perspectiva teórica de seu autor, podem ser utilizadas de

forma bem diversa. O que interessa, no entanto, não é discutir se a definição de raiz, radical,

lexema e semantema interessa a uma abordagem formal ou semântica, o que interessa é

encontrar uma definição que atenda às necessidades desta pesquisa.

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Não se pode perder de vista que, para a distinção entre homonímia e polissemia, faz-se

uso da etimologia das palavras, ou ainda, percorre-se um caminho, às vezes difícil, para o

estabelecimento da origem da palavra. Partindo desse pressuposto, não se pode aproveitar,

para este estudo, as noções de semantema e lexema, uma vez que privilegiam, às vezes de

forma exclusiva, o aspecto semântico e, por isso, tais termos satisfazem mais a análise

sincrônica. Eis com isso, a necessidade de um termo que ao mesmo tempo dê conta do

aspecto formal e semântico.

No sentido de atender à expectativa mencionada acima, parte-se da definição

etimológica do termo Raiz. Para isso, recorreu-se a Cunha (2001, p.661):

sg. ‘(Bot.) porção do eixo das plantas superiores que cresce para baixo, em geral dentro do solo, e cuja função fundamental é fixar o organismo vegetal e retirar do substrato os nutrientes e a água necessários ávida da planta’ ‘cerne, origem, princípio’ | XII, rayz XII, reyz XIV etc. | Do lat. Radix –īcis || DES.ENraizAR 1881 || ENraizAR 1844 || radicação 1813. Do lat. cient.

O sentido de raiz prende-se originalmente à noção desse termo no âmbito da botânica

e seu aproveitamento nos estudos de linguagem deu-se, sem sombra de dúvida, pela ebulição

dos pressupostos evolucionistas de Darwin, como já se discutiu nesta pesquisa. Nesse sentido,

entende-se que a noção de raiz liga-se fortemente à etimologia, uma vez que se preocupa com

o que subjaz àquela informação mais habitual da palavra, por isso a importância da adoção do

termo raiz neste estudo e não de outro.

Após a análise dos conceitos acima referidos, não se pôde adotar nenhum deles pelo

fato de nenhum coadunar-se a proposta desta pesquisa. Por esse motivo, recorre-se a Oliveira

(2002, p.50) que define a raiz como “a base fonético-semântico-cultural das palavras,

morfologicamente indivisível, foneticamente variável e semanticamente aberta”. Com essa

definição, dá-se a devida atenção a um só tempo aos aspectos formal, semântico e cultural, o

que favorece a adoção desse conceito por nós.

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Com o rastreamento, que não se pretendeu exaustivo, sobre os conceitos de raiz, além

de inevitável menção a elementos mórficos (lexema, semantema etc.) de nomenclatura varia,

algumas constatações se fizeram recorrentes: 1) confusão entre raiz e radical; 2) a menção à

raiz, quando feita, é feita de forma atributiva, pois se delega, via de regra, a função de

conhecê-la somente ao estudioso da diacronia; 3) Sobretudo na análise sincrônica, tomam-se,

sinonimicamente, termos como morfema lexical e radical e outros.

Divergências, principalmente, e confusões, em menor número, dificilmente deixarão

de existir, pois o modo de abordagem científica varia à medida que se têm olhares distintos

sobre o mesmo objeto de especulação, no caso aqui em tela, a linguagem. Por isso, não se

pretende pôr fim a questão e, sim, redefinir termos, como raiz e radical, de vital importância

para o estabelecimento da diferença entre homonímia e polissemia.

Além desse objetivo maior, há outros de importância socialmente mais definida: um

deles diz respeito à conseqüência da redefinição de termos, como os mencionados, para o

ensino de Língua Portuguesa, ou seja, com essa preocupação didático-pedagógica ressalta-se

que o uso termo raiz, como aqui definido, pode, sem prejuízo, ser aproveitado em sala de aula.

Uma contribuição imediata, advinda da não confusão entre raiz e radical, seria proporcionar

ao aluno o contato com a história de, pelo menos, algumas palavras, as quais revelarão

aspectos importantes da história e cultura de um povo.

A preocupação didática mencionada não sugere que a inserção do termo raiz seja feita

a qualquer preço. Existem exigências a serem cumpridas para tal inserção, uma delas é que,

nas séries iniciais do Ensino Fundamental, por exemplo, a distinção entre raiz e radical deve

ser evitada, preferindo o professor a utilização do termo radical. Respeitado-se a graduação de

complexidade dos conteúdos, deve o docente identificar a raiz, na escansão mórfica, somente

nas séries finais do Ensino Fundamental e em todas as do Ensino Médio. Nesse momento, é

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de se pressupor que o conceito de raiz seja mais facilmente assimilado, levando-se em conta

sempre as idiossincrasias do processo ensino aprendizagem.

Neste tópico, teve-se a preocupação de trazer à baila alguns conceitos de raiz, radical,

lexema e semantema, os quais foram colhidos em diversos autores, tanto aqueles com

preocupação mais prescritiva, como no caso de Almeida, como aqueles com interesse

descritivo sobre o tema, como Silva e Koch. De qualquer forma, a pretensão desse

rastreamento é, sobretudo, uniformizar o conceito de raiz para este estudo, o qual se

aproveitou dos conceitos de Oliveira sobre raiz. Como se pôde perceber, não é ponto pacífico

a utilização desses termos que, ora se aproximam conceitualmente, ora se afastam. Isso, por si

só, motivou também a discussão pedagógica desses componentes vocabulares. Feito isso, ou

seja, com o conceito de raiz estabelecido, passa-se, no próximo capítulo, a análise

propriamente dita dos verbetes.

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2 ANÁLISE DE VERBETES

A respeito do corpus utilizado nesta pesquisa, precisa-se dizer que se extraiu a maior

parte das palavras do próprio D.E.H.L.P e, como fonte secundária de palavras, recorreu-se a

materiais que, independentemente da perspectiva (sincrônica ou diacrônica), versam sobre a

temática da homonímia e da polissemia. Constam, entre esses materiais, artigos, ensaios,

livros, dissertações, teses etc.

Faz-se oportuno mencionar, mesmo que sucintamente, os principais fenômenos que

causam a polissemia. Dentre eles, podem-se citar os seguintes: metáfora, metonímia e

analogia. Desses três, a rigor, e contrariando o que tradicionalmente se convencionou

denominar de figuras de linguagem, apenas a metáfora e a metonímia é que, de fato, são, em

essência, aquelas a partir das quais as outras figuram de linguagem se originam. Pelo

exposto, defende-se aqui que se deve proceder, nos casos de estabelecimento da polissemia,

da seguinte forma:

1. Resgatar o significado primeiro da palavra;

2. Listar as principais acepções que se relacionam com a acepção da palavra primeira;

3. Propor, quando necessário, uma cadeia semântica que comprove o elo semântico

entre a palavra primeira e suas demais acepções.

Nos estudos sincrônicos, é comum, quando se trata do fenômeno da polissemia, tratá-

la como um fenômeno em que, a partir de um mesmo significante, têm-se significados

diferentes. Concordamos que, sincronicamente, torna-se difícil não aceitar a idéia de que são

de fato significados diferentes. Diacronicamente, no entanto, e através do resgate semântico-

histórico-cultural, pode-se comprovar que os significados são, na verdade, aparentados, ou

seja, mantêm entre si um certo enlace semântico. Com os exemplos infra, poder-se-á ter

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noção da plausibilidade da perspectiva pancrônica, desde que se faça, sempre que

necessário, o resgate semântico-cultural da palavra em tela.

Após se esgotar todas as etapas acima descritas, para a caracterização da polissemia,

passar-se-á a admitir a possibilidade da homonímia. Esse é um imperativo metodológico

desta pesquisa.

2.1 Casos emblemáticos na literatura

Consideram-se, nesta pesquisa, casos emblemáticos aqueles para os quais a literatura

especializada, sobretudo a sincrônica, atesta, por meio de diversos critérios, a possibilidade de

uma análise que, na maioria das vezes, considera as palavras analisadas como homonímicas.

Podem ser elencados, neste tópico, os casos das palavras de étimo desconhecido, uma vez que

essa é uma das alegações mais recorrentes a favor da indistinção dos dois fenômenos. Um

caso bem ilustrativo desse tipo é o da palavra “Pata” (animal e membro de locomoção),

abaixo, que para Câmara Júnior (1972), por exemplo, é homonímica.

Pata

No D.E.H.L. P, são apresentados o seguintes verbetes para Pata:

Pato substantivo masculino substantivo masculino

1 Rubrica: ornitologia. design. comum às aves anseriformes da fam. dos anatídeos, aquáticas, que ger. possuem grande porte; ipeca

2 Rubrica: culinária. iguaria preparada com essa ave

3 Uso: informal. indivíduo tolo, parvo

4 Rubrica: futebol. Regionalismo: Brasil.

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jogador ruim 5 Regionalismo: Nordeste do Brasil.

porção do charque que corresponde à paleta � adjetivo e substantivo de dois gêneros

Rubrica: etnologia. 6 m.q. araxá

Obs.: etnm.br.: Pato Etimologia: orig.onom.

Pata1 substantivo feminino substantivo feminino

1 a fêmea do pato 2 Rubrica: ictiologia. Regionalismo: Brasil.

cação da fam. dos carcarrinídeos (Sphyrna tiburo), encontrado nos oceanos Atlântico e Pacífico, de até 1,50 m de comprimento, cabeça maleiforme com olhos nas extremidades, dorso cinza-claro e ventre esbranquiçado; cação-martelo, cação-panã, cação-rodela, cambeva-pata, martelo, panã, panapaná, panapanã [Sua carne, apreciada por uns, é considerada venenosa por outros.] Etimologia: pato + -a.

Pata2 substantivo feminino substantivo feminino

1 Rubrica: anatomia zoológica. m.q. pé ('parte terminal')

2 Rubrica: anatomia zoológica. cada um dos apêndices pares de um animal, esp. vertebrado ou artrópode, us. para locomoção ou apoio do corpo; perna

3 Uso: pejorativo. pé humano muito grande Ex.: tire as p. daí!

4 Derivação: por analogia (de 1). Rubrica: termo de marinha. extremidade do braço da âncora, de forma aprox. triangular Etimologia: orig.obsc., prov. onom. do ruído feito pelos membros do animal em marcha; Serafim da Silva Neto supõe um lat. vulg. *patta.

Os princípios aqui adotados para a explicação das alterações fonéticas das palavras

analisadas são os das homorgânicas10 e os dos metaplasmos11 e para alguns casos, como este,

10 Fonemas que possuem pelo menos um traço fonético em comum, como no caso do [b], [p] e [m], que são bilabiais. 11 Etimologicamente, mudança de forma (met(a)- 'mudança de lugar ou de condição' e plasma gr. plásma,atos 'obra modelada, figura afeiçoada’).

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que se referem à relação entre a palavra e a coisa denominada, utilizou-se o método “Palavras

e Coisas”. Com isso, podem-se alargar as possibilidades de rastreamento histórico-evolutivo

das palavras, pois se considerarão, ao mesmo tempo, as identidades fonéticas entre os

fonemas (homorgânicas), as alterações fonéticas ocorridas nas palavras ao longo do tempo

(metaplasmos) e o empirismo na nomeação das coisas do mundo (Palavras e Coisas).

A palavra “pata” é tida por Câmara Júnior como de étimo desconhecido. Por isso, o

lingüista brasileiro considera que tal vocábulo não pode ser satisfatoriamente classificado

como polissêmico ou homonímico, o que não o impede de classificá-la ao final como

homonímica, o que só vem a comprovar a necessidade de união de perspectivas, uma vez que

muitos são os casos, como o de “Pata”, que merecem uma pesquisa etimológica e histórica

mais aprofundada.

Subjacente a essa postura de Câmara Júnior está a vertente neogramática, que,

fazendo do latim o terminus quo, abdica remontar histórica e comparativamente à raiz indo-

européia da unidade lexical em tela. A bem da verdade, na lexicografia etimológica do mundo

lusófono, ainda predomina essa orientação neogramática, sendo o D.E.H.L.P. um despertar

para a perspectiva histórico-comparativa, uma vez que, para alguns verbetes, há a remissão ao

étimo indo-europeu..

Esse desconhecimento do étimo de “pata” não se reflete somente na ausência de uma

proposta, mas também na disputa entre algumas propostas, como ilustra Nascentes (1955,

p.?):

M. Lübke, REW, 6301, tirou de um lat. *patta, que deu o esp. pata, o fr. patte. A. Coelho apela para uma raiz grego-itálica pat, dando o gr. patós, pé. A Academia Espanhola deriva de uma raiz indo-européia pat. Larousse, de uma raiz pat que se encontra no al. patsche, no sânscrito pad, e segundo Moreau, Racines Grecques, 244, no grego patéo, calcar aos pés. M. Lübke sente um quê de onomatopéia nesta raiz (Gram., I. 21). G. Viana, Apost., II. 242, supõe que o vocábulo é de origem germânica, não do alto alemão em que se diz pfote, mas de uma língua do baixo alemão.

s.v.

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Excetuando-se a informação da proposta onomatopaica, percebe-se que as demais são

compatíveis, necessitando apenas de uma reinterpretação teórica que lhes explicite,

inicialmente, o nexo fonético entre elas.

De fato, os cognatos românicos do port. pata são bem exemplificados como Meyer-

Lübke (1935, s/p.) os catalogou no REW:

6301 *patta (onomatopéia) “pata, pé”. Maced. pată […] “ganso” Capidan, DR. 2, 545, fr. patte, fr. do sul pato, esp., port. pata; [...] esp. port. pato “pato (animal)”, pata “pata (animal)” [...] - Derivs.: [...] fr. pattiner “patinar”, patin (> it. pattino, fr. do sul patin, cat. patí, esp. patín, port. patim) “patim, calçado de rodas” [...].

s.v Perfilando todos esses cognatos românicos numa relação paradigmática, não é difícil

perceber que a base fonética comum é a seqüência pat-, o que coincide com a proposta de A.

Coelho, da Academia Espanhola, do Larousse e de Moreau.

Embora, como neogramático, Meyer-Lübke se fixasse mais na fonética, é digno de

nota que os significados dos cognatos da forma hipotética *patta gravitam em torno do

elemento “pé ou o que se relaciona com ele” - pata, pé, patim (calçado de rodas) - e do

elemento “ave” - ganso, pato, pata. Sendo assim, se o elemento “ave” poderia aproximar-se da

idéia de onomatopéia - supondo-se que uma dessas aves reproduziriam o som pat -, tal

suposição não teria um nexo plausível com o elemento “pé ou o que se relaciona com ele”.

Descartada a motivação onomatopaica, não resta outra via que não a perspectiva

histórico-comparativa, o que, para tal, é de suma importância à projeção das correspondências

das consoantes indo-européias, segundo a Lei de Grimm. Objetivamente, limitar-se-á às duas

consoantes do port. pata, desconsiderando-se a fluidez vocálica entre essas duas consoantes:

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1) i-eur. *ped- “pé” > lat. pes, pedis “pé”; gr. ant. pous, pod- “pé”; ing. ant. fot “pé”; ing. mod. foot “pé”; al. mod. Fuß “pé”; 2) i-eur. *ped- “pé” > lat. pes, pedis “pé”; gr. ant. pous, pod- “pé”; ing. ant. fot “pé”; ing. mod. foot “pé”; al. mod. Fuß “pé”.

Tão importante quanto o acompanhamento da correspondência “i-eur. *p > lat. p; gr.

p; ing. ant. f; ing. mod. f; al. mod. f”, é a compreensão da formação do nominativo singular

lat. pes, para não se perder de vista a condição de cognato dessa forma nominal. Para tanto,

crê-se suficiente a seguinte observação de Lewis & Short, no Latin Lexicon: “D antes de

terminações que começam com s foi suprimido, como pes de ped-s, lapis de lapid-s, frons de

frond-s, rasi de radsi, risi de rid-si, lusi de lud-si, clausi de claud-si”12. Tal observação cinge

também o s do gr. ant. pous.

Aplicando-se o mesmo raciocínio ao al. mod. Fuß, há de se deduzir que ocorreu uma

assimilação do t ao s, marca casual do nominativo singular, a qual se perdeu na língua inglesa,

antiga e moderna.

A segunda consoante do port. pata está em descompasso com a projeção proposta por

Grimm: correspondência “i-eur. *d > lat. d; gr. d; ing. ant. t; ing. mod. t; al. mod. t”. Tal

descompasso, porém, é relativo e meramente didático, pois a projeção de Grimm se volta

apenas para as correspondências de “alta” freqüência, não contemplando, assim, as

freqüências de “média” e “baixa” freqüência, ainda que homorgânicas. Alguns poucos

exemplos ilustram essa afinidade homorgânica entre as línguas românicas: lat. vita, rota >

port. vida (mas vitalício), roda (mas rotação); esp. vida (mas vitalidad), rueda (mas rotación)

Diante dessas considerações, parece, no mínimo, razoável, plausível, admitir que, do

i-eur. *ped- “pé”, emergiram tanto o lat. pes, pedis “pé” - > pede- > pee > port. pé - quanto o

port. pata “ave; parte do corpo do animal”. Como o lat. cl. anas, anatis designava “pato(a)”,

12 http://141.14.236.86/cgi-bin/archim/dict/hw?lemma=D&step=entry&id=d003 Consultado em 18/03/2006.

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pode-se estimar que o port. pata proceda da vertente popular que ainda conservava a raiz

indo-européia pat-.

Se as fontes invocadas por Nascentes já vislumbram a afinidade semântica entre as

acepções do port. pata “ave; parte do corpo do animal”, o método “palavras e coisas” se

mostra muito mais persuasivo por recorrer ao extra-língüístico, para contornar os traços mais

marcantes da ave “pata”. .Levando-se em conta o formato dos pés da ave, o que faz dela uma

exímia nadadora, tem-se que os três dedos anteriores são unidos por membranas, enquanto o

hálux, o dedo maior, é separado. Eis aqui uma marca sui generis dessa espécie. Por essa

razão, e pelas considerações fonéticas arroladas, crê-se, neste estudo, que se passou, por um

processo de derivação metonímica, a denominar o membro inferior (pata) dos animais em

geral, o que se deu a partir do próprio nome do animal.

Constatando-se, assim, a afinidade fonético-semântica e cultural, este estudo entende

pata como um caso de polissemia, merecendo, por isso, ser tratado em um único verbete.

2.2 O problema da lexia composta13 no D.E.H.L.P.:

Para que se análise com maior propriedade a questão da lexia composta, há que se

verificar qual tratamento dispensado a ela no dicionário e, com isso, perceber as implicações

de seu uso no estabelecimento da distinção homonímia X polissemia. Neste estudo,

interessarão, além das lexias compostas, analisadas neste tópico, as lexias simples, não

interessando, portanto as lexias complexas.

13 Não é sem motivo que os casos de lexia composta não apresentam etimologia, uma vez que é nítida a relação etimológico-semântica entre essas e a cabeça do verbete de origem.

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Tradicionalmente, as definições de lexia simples, composta e complexa são baseadas,

sobretudo no aspecto gráfico dos vocábulos. Nesse ponto é que residem as maiores críticas a

classificação tradicional. Como a uma das preocupações desta pesquisa é com a reodernação

micro e macro estruturas do Dicionário, há que definir satisfatoriamente esses termos, uma

vez que, segundo Bizzocchi (1999, p. 91):

O estabelecimento de uma definição consistente de vocábulo simples, composto e complexo é de fundamenta importância em lexicologia e lexicografia, uma vez que a pesquisa lexicológica e lexicográfica quase sempre em envolve a coleta de unidades a partir de um corpus, sendo então necessário delimitar tais unidades, isto é, definir que tipos de vocábulos constituirão o objeto da análise; para tanto, é imprescindível saber se uma determinada unidade léxica é ou não decomponível em unidades menores.

São exemplos de definições tradicionais de lexia simples, composta e complexa as de

Bizzocchi (1999, pp. 91 e 92), que se seguem:

O vocábulo lexical simples é aquele formado de um único lexema, e um número de gramemas[...]. Graficamente, o vocábulo simples apresenta-se como uma seqüência ininterrupta de letras, percebida e seguida de espaços em branco [...]. Exemplos: cadeira, elefante, bonito, amar. O vocábulo lexical composto resulta da combinação de dois ou mais vocábulo simples. Graficamente, os vocábulos simples que constituem o vocábulo composto apresentam-se aglutinados ou ligados por hífen, de modo a formarem uma seqüência ininterrupta de sinais gráficos, precedida e seguida de espaços em branco, ou seja, uma palavra. Exemplos: cata-vento, morfossintaxe, guarda-roupa, pé-de-moleque. O vocábulo lexical complexo é aquele formado a partir da combinação de dois ou mais vocábulos lexicais simples ou compostos e, eventualmente, também vocábulos gramaticais, que servem de relatores. Graficamente, os vocábulos lexicais e gramaticais constituintes do vocábulo complexo apresentam-se destacados entre si, isto é, separados por espaços em branco [...]. Exemplos: aula magna, greve geral, copa do mundo, processamento de dados.

Existe, sem dúvida, um sem número de contra exemplos que comprovam ser o aspecto

gráfico dos vocábulos falho para classificar vocábulos simples, compostos e complexos,

principalmente, “quando é preciso delimitar com precisão a extensão das unidades que se

deseja analisar” (BIZZOCCHI, 1999, p.92).

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Bizzocchi (1999, P. 101) apresenta, para a classificação de vocábulos, o critério

sêmio-táxico. A síntese desse critério pode ser depreendida da tabela abaixo:

Tipo de vocábulo

lexical Número de

lexemas Nº de sememas da semia resultante

Ocorrências em dicionários

simples 1 1 sim

composto mais de 1 1 ou mais sim

complexo mais de 1 mais de 1 não Tabela 1: O critério sêmio-táxico

O mais interessante a se observar na tabela acima é que, aliado ao critério sêmio-

táxico, está o critério da dicionarização, o qual é utilizado somente para as ocorrências das

lexias simples e compostas nos dicionários. Com base nesse critério, reafirma-se que, nesta

pesquisa, só serão discutidos os casos de lexias simples e compostas e, neste tópico

especificamente, as lexias compostas.

Na hiperestrutura do dicionário, notadamente, no Subcampo das locuções e da

fraseologia, a indicação lexicográfica de como se deve proceder com as locuções e frases

feitas dá ao mesmo subsídios para se entender a questão da lexia composta. Veja-se com a

seguinte passagem extraída do Campo “Detalhamento do verbete e outras informações

técnicas”:

Na estrutura do verbete, o subcampo dos sintagmas locucionais e das chamadas frases feitas segue-se ao campo das definições. Nele, registram-se as combinações da unidade léxica que é cabeça do verbete com outra ou outras palavras.

Importante mencionar também qual a postura da equipe lexicográfica do dicionário a

respeito das regras da entrada das locuções e da fraseologia. Sobre tais regras, duas são as

disposições a serem levadas em consideração no que tange à ordem de entrada de sintagmas

locucionais em seu campo específico no verbete. Desse modo, veja-se abaixo, tal como no

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Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa (2002, s/p), cada uma das duas

disposições: 1. Regra de preferência da classe gramatical e 2. Regra de alfabetação das

locuções dentro do verbete.

Sobre a primeira:

As locuções e frases feitas entram sempre pelo seu substantivo ou pelo seu primeiro substantivo (ou qualquer palavra usada como tal). Quando não há substantivos, entram pelo primeiro verbo; se não existirem estas duas classes, pelo primeiro adjetivo; caso não haja nenhuma destas três classes, pelo primeiro pronome; e em último caso, pelo primeiro advérbio existente na locução. A ordem de preferência, portanto, é: substantivo, verbo, adjetivo, pronome, advérbio.

Sobre a segunda:

Entram, em primeiro lugar, todas as locuções que se iniciam pela palavra que é a cabeça do verbete. (Por exemplo, no verbete água entram primeiro á. boricada, á. de barrela, á. dura, á. lisa etc., em rigorosa ordem alfabética) Depois que se esgota esse tipo de locuções, seguem-se aquelas cuja palavra que é cabeça do verbete não se encontra em primeiro lugar no sintagma (p. ex., afogar-se em pouca á., até debaixo da á., ir por á. abaixo etc.), também organizadas alfabeticamente.

Observando, principalmente, o segundo critério de disposição, pode-se deduzir de fato

qual a postura lexicográfica adotada pela equipe do dicionário. Para efeito de clareza, listar-

se-á o verbete comentado na passagem acima, ou seja, o verbete água. A esse respeito, vêem-

se dois verbetes (água1 e água2) com número alceado, o que indica, lexicograficamente, ser

um caso de homonímia. Sobre esses dois verbetes, pode-se constatar a consistência

lexicográfica dos dicionaristas, uma vez que se trata de étimos distintos, um latino e outro,

provavelmente, tupi, respectivamente, caracterizando um caso de homonímia.

O que se fará dessa parte em diante da pesquisa é verificar a manutenção da coerência

lexicográfica no tratamento das locuções ou das lexias compostas. Para esse fim, neste estudo,

será dedicado um subcapítulo, O problema da lexia composta no D.E.H.L.P., só para a análise

desses casos. Essa análise proporcionará, entre outras coisas, tratar, com a coerência

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lexicográfica adequada, o caso das lexias compostas, que, se mal distribuídas na

macroestrutura do dicionário, podem induzir o consulente, não raras vezes, a acreditar se

tratarem de vocábulos homonímicos quando, na verdade, são polissêmicos. Caso não, veja-se

com o próprio exemplo do dicionário citado abaixo:

Percebe-se com esse exemplo que há uniformidade entre o que consta como princípio

lexicográfico para esse item específico e o que, de fato, se vê na macroestrutura do dicionário,

ou seja, as locuções, segundo as duas distinções mencionadas, seguem a cabeça do verbete,

que, no caso específico, é Água. Tal postura acarreta implicações significativas

macroestruturalmente que, por sua vez, tem implicações diretas e indiretas para o manuseio

eficaz do consulente, pois com a distribuição do verbete Água, listado acima, perceberá a

clara vinculação semântica entre a cabeça do verbete e as locuções ou lexias compostas,

significando que se trata de um caso de polissemia.

O fato de estarem as lexias listadas em verbetes distintos não descaracteriza a

polissemia. Entende o autor deste trabalho que a opção de listar as lexias em verbetes distintos

obedece às seguintes estratégias lexicográficas: 1. não faz confundir com os casos de

homonímia (verbetes distintos e com números alçados); 2. lexicograficamente, essa

distribuição visa a facilitar a consulta pelo consulente, que encontrará a lexia composta

Água Água-aberta Água-amarga Água-azulense Água-benta Água-boense Água-bórica Água-branca Água-branquense Água-brava

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procurada disposta logo após a cabeça do verbete e não ao fim da cabeça do verbete, caso

estivesse listada a lexia no mesmo verbete que a entrada ou cabeça.

Os casos deste tópico, crê-se, enquadram-se todos no problema da lexia composta. De

agora em diante, passar-se-ão em revista alguns exemplos, com os quais se tem bem nítida a

falta de uniformidade lexicográfica no tratamento desse tipo de lexia:

Choque1 substantivo masculino

1 encontro violento, com impacto ou abalo brusco, entre corpos em movimento ou entre um corpo em repouso e outro que se desloca; colisão, concussão.

7 estímulo súbito dos nervos, com contração dos músculos, causado por uma descarga elétrica no homem ou num animal.

8 Rubrica: física. interação entre partículas livres, agregadas, ou corpos rígidos que se aproximam perto o bastante para que ocorra uma influência mútua, ger. com troca de energia, momento ou carga, podendo ou não haver contato entre essas partículas ou corpos; colisão.

Choque2 substantivo masculino Rubrica: eletricidade.

red. de bobina de choque

Choque3 substantivo masculino Rubrica: psiquiatria.

red. de eletrochoque Obs.: cf. eletroconvulsoterapia

Com o intuito de demonstrar o enlace semântico entre as acepções que se listou para

os três verbetes, propor-se-á a seguinte cadeia semântica:

Choque →14 contato, colisão concussão entre corpos → contato de corrente elétrica gerando descarga elétrica no objeto com o qual mantém contato → tratamento com o qual há a passagem (contato) de corrente elétrica de alta voltagem sobre a região temporal → qualquer aparelho que funcione por meio de contato com corrente elétrica.

14 → (Convencionou-se, neste estudo, que este símbolo será utilizado para os casos de concatenação semântica. Para outros casos, os de alteração, fonética ou mesmo semântica, será mantida a simbologia padrão >).

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Para a proposição da cadeia semântica supra, utilizaram-se para o primeiro verbete

tão-somente algumas acepções que se podem vincular semanticamente com os as acepções

dos outros dois verbetes. Mais uma vez, pode-se perceber que a separação dos verbetes

Choque2 e Choque3 é conseqüência da falta de coerência lexicográfica, no que concerne ao

tratamento de lexias compostas, que, por sua vez, ocasiona outro problema lexicográfico,

pois trata como homonímicos vocábulos que nitidamente são polissêmicos, como no caso de

Choque1, Choque2 e Choque3.

Ao longo deste estudo, percebeu-se, no Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua

Portuguesa, a falta de rigor lexicográfico no tratamento das lexias compostas. Mais um caso

que comprova isso diz respeito ao vocábulo Mosca, que no dicionário citado, está separado

em dois verbetes:

Mosca1 substantivo feminino 1 Rubrica: entomologia.

design. comum aos insetos dípteros esquizóforos da subordem dos ciclórrafos, com cerca de 80 mil spp. descritas, que se dividem em caliptrados e acaliptrados e numerosas fam.

2 Uso: jocoso. indivíduo ou coisa impertinente, insuportável; maçante, importuno

3 ponto negro que se coloca no centro de um alvo 4 tufo de pêlos, apartados do restante da barba e localizados abaixo e

bem ao centro do lábio inferior 5 pequena pinta preta, feita no rosto com lápis ou qualquer produto

cosmético, us. outrora pelas mulheres à guisa de enfeite 6 Rubrica: ludologia. Regionalismo: Brasil. Uso: informal.

repetição de determinado número nas apurações de jogos 7 Regionalismo: Portugal. Uso: informal.

m.q. dinheiro 8 Regionalismo: Portugal. Uso: informal.

dose de aguardente de moscatel 9 Rubrica: agricultura, viticultura.

vara torcida que se ata nas pontas da empa ('estaca') 10 Rubrica: costura.

ponto cheio de costura, ger. em forma de triângulo ou losango 11 Rubrica: costura.

ponto de arremate nas casas de botões 12 Rubrica: artes gráficas.

m.q. 1borboleta ('baliza de tiras de cartolina')

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13 Rubrica: ludologia. Regionalismo: Estremadura (Caldas da Rainha). jogo de cartas de que participam três a seis jogadores

substantivo de dois gêneros 14 espião, denunciante 15 Regionalismo: Brasil. Uso: informal, jocoso.

pessoa que tem como ofício atrair pessoas para hotéis e/ou casas de jogo

16 Regionalismo: Brasil. Uso: informal, jocoso. indivíduo que freqüenta bares, botequins etc. e neles faz pouca ou nenhuma despesa

17 Regionalismo: Brasil. Uso: informal, jocoso. pessoa curiosa, bisbilhoteira

18 Rubrica: ludologia. Regionalismo: Brasil. Uso: informal, jocoso. indivíduo que observa um jogo mas dele não participa.

Mosca2 substantivo de dois gêneros Rubrica: pugilismo.

red. de peso-mosca Ex.: um m. de 51 kg e 1,60 m.

No caso de Mosca1, deve o consulente atentar para o fato de que, neste verbete,

constam nada menos que 18 acepções que indicam, de um ponto de vista lexicográfico,

casos de polissemia, ou seja, todas as acepções devem necessariamente ser aparentadas

semanticamente umas com as outras. Para que comprove isso, é necessário que se estabeleça

a cadeia de concatenação semântica para o vocábulo que se queira analisar. Uma ressalva,

no entanto, deve ser feita no tocante ao estabelecimento da cadeia de concatenação

semântica. A ressalva a que se refere, neste estudo, trata da questão dos regionalismos de

Portugal, ou seja, prefere-se deixá-los de fora da cadeia pelo fato de que na relação quase

sempre tensa entre colonizador e colônia ocorre de um léxico para o outro a deturpação do

sentido primeiro da palavra. Tal fato faz com hodiernamente não se perceba a contigüidade

semântica entre acepções do mesmo verbete.

Ora, o traço semântico que viabiliza a aproximação entre Mosca1 e Mosca2 é

atribuído, metaforicamente, a ‘leveza’ ao pugilista, pertencente a essa categoria.

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Agulha

Agulha1 substantivo feminino 1 Rubrica: costura.

pequena e fina haste de aço polido, ferro ou outro material, aguçada numa extremidade (bico) e tendo na outra um orifício por onde passa linha, fio, retrós, lã, cadarço, barbante etc., para coser, bordar ou tecer

1.1 varetinha de aço, marfim, madeira ou outro material, com uma das extremidades em farpa, us. para fazer meia, renda ou malha

1.2 peça da máquina de costura que tem o orifício próximo do lado aguçado e que costura ou borda o pano

2 Derivação: por extensão de sentido. naveta de madeira com que se tecem ou remendam redes de pescar

Agulha2 substantivo feminino Rubrica: ictiologia.

red. de peixe-agulha

Agulha3 substantivo feminino Rubrica: agricultura.

red. de arroz-agulha Etimologia: lat. *acúcùla, por acùcùla 'agulhinha', dim. do lat. acus,us 'agulha, alfinete'; ver agulh-; f.hist. 1012 agulia, sXIII agulla, sXIV agulha

Parece-nos claro que opção de listar Agulha2 e Agulha3 deve-se ao fato de as duas

serem reduções das lexias compostas supramencionadas (o mesmo acontece com ponto 1e

ponto 2). Ora, ao mesmo tempo que se pretende, no D.E.H.L.P., resolver a questão das lexias

compostas, separando-as em verbetes distintos, cai-se em outra incoerência lexicográfica,

quando se separam palavras que nitidamente apresentam contigüidade semântica. No caso

específico dos referidos verbetes, não será necessário pôr em prática o recurso da cadeia

semântica, pois tão nítido é o enlace semântico entre os três verbetes.

É nítido para Agulha1, Agulha2 e Agulha3 que as lexias compostas, as duas últimas,

mantêm uma relação de analogia quanto à forma com Agulha1.

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2.3 Casos clássicos

É comuníssimo, em obras que versam sobre os fenômenos de polissemia e de

homonímia, a utilização de um exemplo clássico para ilustrar a diferença entre os fenômenos.

Entende-se, então, por casos clássicos aqueles aos quais a literatura sempre faz referência. Eis

um exemplo desse tipo: manga. Sabe-se que, normalmente, os lexicógrafos e dicionaristas

utilizam-se do recurso do número alçado à palavra para indicar que se está diante de palavras

distintas. Veja-se, por exemplo, como o dicionário eletrônico de Antônio Houaiss trata o

vocábulo manga:

Manga

Manga1 substantivo feminino 1 Rubrica: vestuário.

parte da vestimenta de forma e dimensões variáveis que recobre o braço total ou parcialmente Ex.: <m. sem punho> <a m. desta blusa está rasgada>

2 objeto tubular que envolve qualquer coisa para proteger, isolar, esp. tipo de campânula com dois bocais, de vidro ou cristal, que protege a luz nos castiçais ou nos braços de candelabros e lustres

3 cilindro de tecido não combustível, impregnado de nitratos, que envolve a chama de lamparina ou bico de gás, para aumentar-lhe o brilho. Etimologia de Manga1 : lat. manìca,ae 'manga, parte da vestimenta que recobre os braços', mais us. no pl. manìcae,árum 'mangas, braçal, luvas, algemas, ferros, grilhões', der. de manus,us 'mão'; ver man(i/u)-.

Manga2 substantivo feminino

Rubrica: angiospermas. 1 fruto da mangueira; alamba, mango 2 m.q. 2mangueira (Mangifera indica)

Etimologia de Manga2: malai. manga, este do tâmul mánkáy 'fruto da mangueira'; f.hist. 1554 manguas, a1583 mangue, 1616 mangas.

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Com a listagem de Manga1 e Manga2 em verbetes distintos (e por isso os números

alceados) a equipe lexicográfica, acertadamente, separa verbetes que, além da origem não

coincidente, não apresentam também nenhuma possibilidade plausível de vinculação

semântica, logo se está diante de um caso de homonímia.

Veja-se ainda, no dicionário, a ocorrência de um terceiro verbete com a mesma entrada

dos outros dois:

Manga3: substantivo feminino

1 Regionalismo: Ceará, Bahia, Minas Gerais, Goiás. pasto resguardado por um cercado

2 Regionalismo: Rio Grande do Sul. fileira de pessoas postadas a pé ou a cavalo, que dirige o gado a uma 3mangueira ou a outro lugar qualquer

3 Regionalismo: Rio Grande do Sul. cercado em forma de funil, que dirige o gado para o curral

4 Regionalismo: Maranhão. corredor feito de varas, junto a rios ou igarapés, para conduzir os bois que vão ser embarcados

5 Regionalismo: Amazonas. cerca que vai da margem de um rio até as alas dos currais de peixe

6 Regionalismo: Amazonas. ramal de estrada num seringal

7 hoste, tropa de soldados regulares ou mercenários 8 Derivação: por extensão de sentido.

grande quantidade, ajuntamento de pessoas; multidão, bando, turma 9 grande quantidade de (coisas) 10 Rubrica: pesca. Regionalismo: Bahia.

na rede de tipo 2calão, a parte que fica nas extremidades, onde se puxam as cordas Etimologia de Manga3: esp. manga (fins do sXVI), do lat. manìca,ae, dim. de manus,us na acp. 'mão, instrumento de luta ou de trabalho, mão armada', donde, na linguagem militar, 'forças, tropas', e na acp. 'cercado, estacada em funil que leva o gado ao curral', cedo doc. no esp. ibérico, depois amplamente difundido no esp. americano; cp. 1manga; ver man(i/u)-.

Para este último caso, pode-se perceber, sem depreensão de maiores esforços, um

equívoco lexicográfico, a saber: Manga1 e Manga3, no próprio D.E.H.L.P., possuem,

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descartando-se os étimos intermediários, rigorosamente a mesma origem etimológica

primeira: Lat. manus,us 'mão'. Neste estudo, no entanto, não se defende que o conhecimento

dos étimos como idênticos ou como diferentes seja suficiente para, no primeiro caso

considerar-se ocorrer polissemia, e, no segundo, homonímia. Além disso, ou seja, ao lado do

estabelecimento dos étimos, deve-se propor, para os casos de polissemia, a possibilidade de

vinculação semântica entre as diversas acepções e, para o caso de homonímia, a

impossibilidade de contigüidade semântica.

Com isso, propõe-se, no que tange à Manga1 e Manga3, a seguinte cadeia de

concatenação semântica, a partir das acepções encontradas em cada um dos verbetes:

mão → parte da vestimenta [ posta pela mão e com finalidade de proteção] de forma e dimensões [normalmente arredondadas] variáveis que recobre o braço total ou parcialmente → objeto tubular que envolve qualquer coisa para proteger, isolar, esp. tipo de campânula com dois bocais, de vidro ou cristal, que protege a luz nos castiçais ou nos braços de candelabros e lustres → cilindro de tecido não combustível, impregnado de nitratos, que envolve a chama de lamparina ou bico de gás, para aumentar-lhe o brilho → pasto resguardado por um cercado → fileira de pessoas postadas a pé ou a cavalo, que dirige o gado a uma 3mangueira ou a outro lugar qualquer → cercado em forma de funil, que dirige o gado para o curral → corredor feito de varas, junto a rios ou igarapés, para conduzir os bois que vão ser embarcados → cerca que vai da margem de um rio até as alas dos currais de peixe → ramal de estrada num seringal → hoste, tropa de soldados regulares ou mercenários → grande quantidade, ajuntamento de pessoas; multidão, bando, turma.

Observando-se a cadeia de concatenação semântica acima, podem-se perceber alguns

pontos interessantes a serem esmiuçados. O primeiro deles diz respeito a traços semânticos

que aparecem com regularidade, um deles refere-se à forma concreta dos objetos, ou seja, há

em todos noções semânticas como as seguintes: ‘redondo’, ‘arredondado’, ‘esférico’,

‘tubular’, ‘cilindro’, ‘cerca’, ‘cercado’, ‘corredor’, ‘tubo’ etc. Tais noções estão diretamente

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vinculadas à função, sendo que as primeiras funções ligam-se às primeiras formas, ou mais

claramente, a forma da manga da camisa associa-se à função desse objeto como meio de

proteção. Dessa noção de objetos cilíndricos, por sua vez, chega-se, por meio da analogia,

uma das maneiras de se gerar a polissemia, às noções de ‘agrupamento’, ‘reunião’, ‘multidão’,

‘bando’ etc.

Outro caso clássico pode ser encontrado no livro Estrutura da Língua Portuguesa de

Câmara Júnior e diz respeito às três realizações da palavra Cabo que, segundo ele, são

homonímicas. No D.E.H.L.P., têm-se os seguintes verbetes para o vocábulo:

Cabo1: substantivo masculino

1 parte ou extremidade por onde se prende, segura ou maneja algo; conto

2 (1944) Derivação: por extensão de sentido. instrumento, peça ou parte de um objeto a ele acrescentada para esse mesmo fim

3 prolongamento posterior do corpo de certos animais; rabo, cauda 4 feixe de fibras vegetais ou de fios metálicos, torcidos ou trançados

como uma corda, de modo a poderem suportar forças de tensão ou tração relativamente grandes; us. para puxar, sustentar ou amarrar, como em estruturas de engenharia, em navios, reboques etc.

5 Rubrica: telecomunicações. condutor us. para transmissão de sinais

6 Derivação: por metonímia. m.q. cabograma

7 Rubrica: termo de marinha. corda composta de três ou mais cordões formados de certo número de fios de linho, cânhamo, couro, arame etc., us. no aparelho e no serviço do navio

8 fio ou feixe de fios metálicos por meio do qual uma força é exercida sobre um mecanismo para operá-lo ou controlá-lo Ex.: o c. do acelerador

9 Derivação: por analogia. Rubrica: arquitetura. m.q. calabre

10 Regionalismo: Brasil. Uso: informal. a parte final do tubo digestivo; barriga, ventre, intestino

11 Derivação: por extensão de sentido. Regionalismo: Brasil. Uso: informal. o ânus Etimologia: lat.tar. capùlum,i 'corda para laçar, prender ou guiar animais, esp. o cavalo' (Isidoro de Sevilha, c560-636), der. do v.lat. capère 'pegar, apanhar, agarrar'; daí o it. cappio 'nó corrediço' e o

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voc. náutico normando cable 'cabo, amarra', que passa às demais línguas, ing. cable (c1275), al. Kabel e hol. kabel (sXIII), fr. mod. câble (sXIV), esp. cable (c1403), port. ant. caboo, cabre (sXV), var. mod. cabo, cabre, cabol; ver 1cap-; f.hist. 1004 cabo, sXIII cabo.

Cabo2: substantivo masculino

1 aquele que chefia ou comanda; cabeça, dirigente 2 Rubrica: termo militar. Regionalismo: Brasil.

graduação hierárquica de praça imediatamente superior ao soldado (no Exército e Aeronáutica) ou ao marinheiro (na Marinha) e imediatamente inferior ao terceiro-sargento (nas três armas)

3 Derivação: por metonímia. Rubrica: termo militar. o militar que detém qualquer dessas graduações

4 extremidade; parte, elemento ou período final ou terminal 5 Regionalismo: Pernambuco.

aquele que dirige uma propriedade canavieira 6 (sXV) Rubrica: geografia física, geomorfologia.

ponta ou porção de continente que avança mar adentro, formando prolongamento ou saliência do litoral Etimologia: lat. caput,ìtis 'cabeça, parte superior, bico, ponta, cabo, extremidade', através do lat.vulg. capus,i, do qual se orig. os voc. român.correlatos romn. cap, it. capo, engad. ko, friul. kaf, fr. chef, provç. cat. cap, esp. port. cabo, todas com ampla diversificação semântica; ver capit-; sXIII é a data para as loc. a cabo de, dar cabo e em cabo de (f.hist. en cabo de) e sXV, para cabo. Cabo3: substantivo masculino lugar onde alguém ou algo está ou cabe Etimologia: regr. de caber; ver 1cap-.

À primeira vista, cabo1 e cabo2 parecem ter um mesmo sema geral em comum

‘extremidade’, pois, no caso do segundo verbete, pode-se admitir que ‘aquele que chefia ou

comanda; cabeça, dirigente’ está, de certa forma, na extremidade, no topo da hierarquia,

portanto no comando na chefia. Com isso, admitir-se-ia a polissemia. Se se observa, no

entanto, a etimologia a possibilidade é de que sejam esses verbetes homonímicos, uma vez

que, no primeiro caso, a etimologia do lat.tar. capùlum,i 'corda para laçar, prender ou guiar

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animais, esp. o cavalo' não é a mesma que a do segundo, lat. caput,ìtis 'cabeça, parte superior,

bico, ponta, cabo, extremidade'. Sincronicamente, há, sem muito esforço, como se perceber

um sema em comum entre as acepções dos dois verbetes, o que favorece a polissemia.

Diacronicamente, no entanto, têm-se, numa primeira análise, étimos distintos, o que favorece

a homonímia. Lexicograficamente, a prática comum de ordenação dos verbetes polissêmicos e

homonímicos é a utilização do critério etimológico, como o fazem, por exemplo, o Dicionário

Aurélio e também o D.E.H.L.P. Dessa forma, cabo1 e cabo2 devem ser tratados como

homonímicos, ressalvando-se que essa proposta não deve ser definitiva, pois, como se

demonstrou, existe um impasse para uma classificação definitiva, de modo que só um

rastreamento histórico mais aprofundado poderia resolver cabalmente a questão, por hora,

como se disse, a homonímia satisfaz.

Sobre cabo1 e cabo3, há que se observar a remissão que o Dicionário faz, para os dois

casos, à raiz 1cap-. Esse é um indício de que pode se tratar de verbetes polissêmicos e não

homonímicos, como sugere o Dicionário. É bom observar então a possibilidade de vinculação

semântica. A acepção de cabo3, ‘lugar onde alguém ou algo está ou cabe’, diferencia-se e,

muito, das de cabo1. Dessa forma, pode-se estar diante de um daqueles casos em que, de tão

afastadas entre si os significados das acepções dos dois verbetes, admite-se a homonímia, uma

vez que, mesmo para o diacronista, fica difícil sustentar a hipótese da polissemia, dado o

afastamento dos significados, o que faz deste um caso de polissemia transformada em

homonímia.

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2.4 Os critérios da análise sêmica, do campo léxico, do campo semântico e o critério etimológico-semântico.

Os critérios de análise sêmica, do campo léxico e do campo semântico são hoje muito

utilizados pelos lingüistas sincrônicos em suas análises. Por esse motivo, esses critérios serão

revisitados brevemente a fim de que se possa traçar, nas análises, um paralelo comparativo

entre eles e o critério etimológico-semântico.

Para Câmara Júnior (1986, p.157), por exemplo, Campo semântico são “associações

de significação para um certo número de semantemas, como os termos para cor, partes do

corpo animal, para os fenômenos meteorológicos, etc.”

Dubois (1998, p.532 e 533), por sua vez, define Campo semântico como “a área

coberta, no domínio da significação, por uma palavra, ou por um grupo de palavras da

língua”. Em sua definição, Dubois vai além de Câmara Júnior ao apontar que para descrever o

campo semântico de uma palavra, como mesa por exemplo, têm-se duas concepções: a

polissêmica e a homonímica. Com a primeira, é possível “explicar todas as significações da

palavra mesa num estado de língua dado”.(idem). Eis os exemplos dessa concepção listados

pelo autor: mesa de trabalho, mesa de refeições, mesa de refeições, mesa redonda, mesa de

eleição, mesa de Assembléia, mesa de operação, pôr as cartas na mesa; roupa de cama e

mesa, etc.

Pela segunda concepção, a homonímica, no mesmo exemplo mesa, devem ser

explicadas, por seu turno, as diferenças semânticas entre levantar a mesa e forrar a mesa,

entre colocar a mesa e pôr

Abaixo, seguem-se dois fragmentos de tabelas, extraídas de Zavaglia (DELTA, 2003),

que ilustram, respectivamente, exemplos de campo léxico e de análise sêmica.

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ITENS HOMÔNIMOS CAMPO LÉXICO

Banco1: objeto com ou sem encosto no qual as pessoas se sentam, de várias formas, tamanhos e material.

Banco2: Instituição financeira cuja finalidade é operar com dinheiro, títulos, e outros valores.

Banco1: Banquinho; Bancaria; Bancada; Banqueta.

Banco2: Banqueiro; Bancário; bancar

Cálculo1: Operação com números ou outros símbolos.

Cálculo2: (Méd.) Solidificação que se forma na bexiga, no rim ou na vesícula, mais conhecida como pedra, provocando dores e complicações para a saúde de uma pessoa.

Cálculo1: Calculista; Calculador; Calculadora.

Cálculo2: Calculose.

Canto1: Som musical formado pelo conjunto de várias vozes.

Canto2: Ângulo que se forma quando duas paredes (ou qualquer outra coisa) se encontram

Canto1: Cantochão; Canto-de-passarinho; Canto-de-sabiá.

Canto2: cantoneira

Língua1: órgão muscular que se situa dentro da boca que é utilizado para comer e para articular os sons da voz

Língua2: Conjunto ou sistema de palavras e expressões utilizado por um grupo social, nação ou povo para a comunicação.

Língua1: Linguado; Linguarudo; Lingüeta.

Língua2: Língua-alvo; Língua-fonte; Língua-padrão; Linguajar.

Tabela 2: Os critérios do campo léxico e da análise É comum não se delinear com precisão a fronteira entre campo léxico e campo

semântico, como se pode constatar com Dubois (1998, p.366): “Na terminologia corrente, a

noção de campo léxico não se distingue claramente da de campo semântico: trata-se, num

caso como noutro, da área de significação coberta por uma palavra ou grupo de palavras”. No

que se refere ao campo léxico, há a possibilidade de um termo isolado possuir um campo

derivacional próprio, como se vê na tabela acima, e essa possibilidade é tomada,

normalmente, como um ponto que diferencia esse campo do campo semântico. Há autores, no

entanto, que propõem a distinção para essas duas noções, como se vê em Rehfeldt (1980, p.

95):

O campo léxico é composto de lexemas (ou signos, vocábulos, palavras) relacionados entre si por semelhança de: contigüidade, sinonímia, no nível, portanto, de lexema. O campo semântico é constituído de sememas. Cada semema representa uma possibilidade de atualização do lexema. Assim, um lexema pode englobar vários sememas.

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A análise sêmica, por sua vez, como se verá abaixo com Zavaglia ((DELTA, 2003)

vale-se do conceito de sema, entendido como a unidade mínima de significação, para explicar,

por exemplo, a oposição entre cadeira x poltrona, tendo esta o sema ‘com braço’, o qual está

ausente naquela. Para efeito de ilustração, veja-se a tabela a seguir:

ITENS HOMÔNIMOS ANÁLISE SÊMICA

Banco1: objeto com ou sem encosto no qual as pessoas se sentam, de várias formas, tamanhos e material.

Banco2: Instituição financeira cuja finalidade é operar com dinheiro, títulos, e outros valores.

[+objeto físico] [+concreto] [+inanimado] [+duro]

[+espaço físico] [+concreto] [+inanimado]

Dado1: cubo que possui em cada uma de suas faces um número de 1 a 6 que serve para jogar

Dado2: elemento ou quantidade conhecida que serve para a resolução de um problema

Dado1: [+concreto] [+objeto físico] [+inanimado] [+jogar] [+duro]

Dado2: [+abstrato] [+concreto] [+inanimado] [+quantidade] [+informação]

Renda1: quantia em dinheiro que se recebe como retribuição de trabalho ou capital aplicado.

Renda2: tecido delicado cujos fios se entrelaçam e formam desenhos variados

Renda1: [+abstrato] [+inanimado] [+contável]

Renda2: [+concreto]] [+inanimado] [+material] [+seda] [+algodão]

Heroína1: mulher que possui muita coragem e pratica atos notáveis

Heroína2: droga perigosa que vicia quem a usa

heroína1: [+humano] [+concreto] [+animado] [+coragem] [+fêmea]

heroína2: [+concreto] [+inanimado] [+pó] [+substância] [+contável]

Tabela 3: A análise sêmica

A perspectiva que aqui se adota, a pancrônica, viabiliza que se recorra à sincronia,

aqui tomada em sentido lato15. O alerta que aqui se faz, no entanto, é que caso se aceite como

totalmente válidos os critérios supramencionados, tão em voga entre os lingüistas sincrônicos, 15 A noção de sincronia aqui adotada não se prende àquela noção sistêmica de Saussure, o que nos leva a entendê-la em sentido lato que, no Dicionário, mostra-se-nos nas acepções mais usuais.

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pode-se perder de vista uma série de polissemias, as quais dependem,muitas vezes, de uma

contextualização histórico-cultural da palavra, como no caso dos verbetes banco1 e banco2,

que serão analisados no tópico 2.5.

Reconhece-se, nesta pesquisa, a validade da maioria dos critérios distintivos dos casos

de homonímia e polissemia, o que se pretende é demonstrar que, apesar das dificuldades

inerentes à perspectiva histórica, esta é indispensável ao conhecimento histórico-cultural de

palavras que flutuam entre os casos supracitados. Negligenciar esse fato é como

desconsiderar, por exemplo, o papel do antropólogo na investigação da cultura dos povos

antigos.

Vejam-se abaixo exemplos de homonímia no D.E.H.L.P, que, em alguns casos,

carecem da proposição de cadeias de concatenação semântica para configurar-se a polissemia.

Ei-los:

Dado

Dado1: substantivo masculino

1 objeto ger. cúbico, us. em jogos de azar, cujas faces são marcadas por números, naipes, figuras etc. [Originalmente feito de osso, madeira ou marfim, com as faces numeradas por pontos de um a seis.]

2 Rubrica: termo militar. na antiga artilharia, pelouro ('projétil') em forma cúbica

3 Rubrica: arquitetura. cada uma das subdivisões do pedestal, da coluna ou do entablamento, correspondendo à base e à cornija (no pedestal), à base, ao fuste e ao capitel (na coluna) e à arquitrave, ao friso e à cornija (no entablamento)

4 Rubrica: arquitetura. m.q. plinto

5 Rubrica: artesanato. Regionalismo: Brasil. certo ponto de renda típica do Ceará que forma quadrados

6 Regionalismo: Brasil. dormente ('suporte ferroviário') de pedra

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Etimologia Dado1: orig.contrv.; voc. comum a todas as línguas român., supõe uma fonte básica *dadu-16, ora ligada ao ár. dad 'dado de jogo, o jogo' (persa dada), ora relacionada ao part.pas. neutro substv. do v. lat. dàre 'dar', hipótese que explica o voc. 2dado ser às vezes tb. dicionarizado como acp. de 1dado.

Com a cadeia abaixo, pretende-se confirmar a polissemia existente entre todas as

acepções de dado1:

objeto ger. Cúbico → na antiga artilharia, pelouro ('projétil') em forma cúbica → cada uma das subdivisões do pedestal, da coluna ou do entablamento, correspondendo à base e à cornija (no pedestal), à base, ao fuste e ao capitel (na coluna) e à arquitrave, ao friso e à cornija (no entablamento) → plinto→ certo ponto de renda típica do Ceará que forma quadrados → dormente ('suporte ferroviário') de pedra.

Dado2: adjetivo

1 que se deu 1.1 que se deu de graça; gratuito

Ex.: presente d. de coração 2 Derivação: por metáfora.

que se conhece, que se sabe por antecipação Ex.: o que é d. não necessita de cálculo

3 Derivação: por metáfora. que se relaciona amigavelmente com outras pessoas; afável, tratável, amistoso Ex.: é uma criança muito d.

4 Derivação: por metáfora. habituado ou propenso a Ex.: <d. ao estudo> <d. à bebida>

5 que passa a obedecer ao cavaleiro (diz-se de cavalo fatigado) 6 datado (em cartas, documentos etc.)

Ex.: d. no Rio de Janeiro, a 28 de junho de 1961 7 certo, particular, determinado

Ex.: em um d. momento, foi preciso agir com decisão substantivo masculino

8 aquilo que se conhece e a partir do que se inicia a solução de um problema, a formulação de um juízo, o desenvolvimento de um raciocínio

16 Neste estudo, admite-se, por razões histórico-culturais, ser o étimo árabe o originador de dado1 .

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Ex.: <não tinha dados para argumentar> <um novo d. esclareceu a questão> Etimologia Dado2: lat. dàtus17,a,um lit. 'dado, entregue', part.pas. do v. dàre 'dar'; f.hist.sXIII dado, sXIV daudo.

Aceita-se, neste estudo, o primeiro étimo,pois com ele não se deixa de levar em conta

o aspecto histórico-cultural que remete as acepções de dado1 ao étimo árabe. Tem-se, com

isso, configurado um caso de homonímia para dado1 e dado2.

Guia

substantivo feminino 1 ato ou efeito de guiar 2 documento com que se recebem mercadorias ou encomendas ou que

as acompanha para poderem transitar livremente 3 formulário com que se fazem recolhimentos às repartições

arrecadadoras do Estado 4 autorização, permissão

Ex.: <uma g. para ser internado num hospital> <g. de transferência> 22 manual, publicação para uso turístico; roteiro

Ex.: g. da cidade do Rio de Janeiro Etimologia Guia: regr. de guiar; ver gui(d)-18

Se se observa a proposta do artigo de Zavaglia, citado acima, tem-se claro que ela

considera homonímicos os verbetes de Guia (três verbetes). Já no D.E.H.L.P., há um único

verbete e, portanto, um único étimo, o que prenuncia a polissemia. As acepções dos três

verbetes propostos por Zavaglia estão diluídas entres as acepções selecionadas do verbete do

Dicionário. Dessa forma, comprovando-se a polissemia para as acepções do Dicionário, estar-

se-á comprovando também a polissemia para os verbetes de Zavaglia.

17 Da forma latina dàtus, chega-se, pela sonorização do T- para D-, à forma dado, tendo a vogal U- passado a O- por ser aquela átona e breve. 18 O verbo latino guidare dá-nos guiar por meio das seguintes alterações fonéticas: o D-, por ser intervocálico, sofre síncope e o E- final sofre apócope.

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Como já se disse, a equipe lexicográfica apresenta um único verbete para Guia, uma

vez que considera as acepções desse verbete como polissêmicas. A cadeia de concatenação

abaixo pretende validar a hipótese de polissemia.

Guiar → ato ou efeito de guiar → documento com que se recebem mercadorias ou encomendas ou que as acompanha para poderem transitar livremente → formulário com que se fazem recolhimentos às repartições arrecadadoras do Estado → autorização, permissão → manual, publicação para uso turístico; roteiro.

As acepções em que se têm as noções de documento, formulário, manual parecem não

ter qualquer vinculação com a noção de guiar. Ora, tanto o documento quanto o formulário e

o manual nada mais tem que a função precípua de guiar, orientar o recebimento de

mercadorias, o recolhimento às repartições ou o roteiro de passeio. No caso das noções de

autorização, permissão entende-se que tais ações só se concretizam pelo fato de que, num

primeiro momento, foram encaminhadas, orientadas, guiadas para isso.

Renda1: substantivo feminino

1 quantia recebida periodicamente por proprietário que aluga bens móveis ou imóveis; produto auferido na aplicação de capital; rendimento

2 rendimento líquido, depois de descontadas todas as despesas 3 rendimento dos fundos públicos 4 qualquer rendimento sujeito a obrigações tributárias 5 o total das quantias recebidas, por pessoa ou entidade, em troca de

trabalho ou de serviço prestado. Etimologia Renda1: lat. vulg. rendìta, por reddìta neutro pl. substv. de *rendìtus,a,um part. de *rendère 'render', tomado como feminino; cp. esp. ant. réndida (1200) atualmente renta; não parece satisfatória a hipótese de que o voc. renda é regr. de render, não só porque deixa transparecer como casual a mudança da vogal temática -e > -a, como também porque não leva em consideração o fato de que o lat.vulg.*rendita por reddita foi o étimo do fr. rente, do cat. renda, do provç. renda e do it. rendita; ver da(d)-; f.hist. 1162 renda, sXIII renda, sXIII renta, sXIV rredas, sXV remdas.

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Renda2: substantivo feminino

1 tecido transparente de malha aberta, fina e delicada, formando desenhos variados com entrelaçamentos de fios de linho, seda, algodão, ouro etc. aplicado como guarnição de vestidos, alfaias, paramentos etc.

2 qualquer coisa entrelaçada ou recortada em forma de renda 3 Rubrica: arquitetura.

m.q. dentículo Etimologia Renda2: esp. randa (1495) 'encaixe; espécie de renda de vários desenhos', em cat. (1390); prov. aparentado do occ. randar 'adornar, fazer uma orla' < randa (sXII) 'extremo, fim; cercado'.

No que tange à Renda1 e Renda2, tanto o artigo de Zavaglia quanto o Dicionário

apresentam os dois verbetes como homonímicos. Do ponto de vista etimológico, há o

estabelecimento de étimos distintos para os dois verbetes. Isso parece até uma grosseira

redundância, só que, não raras vezes, o Dicionário abre verbetes distintos que ao serem

confrontados apresentam remissão a um étimo comum. Tal fato, no entanto, não é o que

ocorre com este caso em tela, de modo que já se tem o primeiro indício de que se pode tratar

de um caso de homonímia. Basta, para se comprovar essa tese, verificar se há a possibilidade

de se vincular semanticamente as acepções dos dois verbetes. Ora, sem muito esforço, tem-se

clara a impossibilidade de se admitir qualquer contigüidade semântica entre as acepções dos

verbetes mencionados. Dessa forma, tanto a classificação proposta de Zavaglia quanto a do

D.E.H.L.P. estão acertadamente descritas como homonímicas.

Soda

Soda1

substantivo feminino

1 m.q. b ('produtos da queima de plantas') 2 (1805) Rubrica: química.

carbonato neutro de sódio (Na2CO3); soda de comércio

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2.1 Rubrica: química. hidróxido de sódio (NaOH); soda cáustica

3 (a1858) Rubrica: angiospermas. m.q. barrilha ('designação comum') Etimologia Soda1: it. soda 'planta' (Salsola kali), der. do lat.medv. soda e, este, talvez do ár. (da Sicília) súúád 'negro; dor de cabeça; planta com que se cura a dor de cabeça, e de cujas cinzas se extrai o carbonato de sódio'; f.hist. 1813 sóda. Soda2

substantivo feminino água artificialmente gaseificada com gás carbônico [Pode ser us. para diluir bebidas alcoólicas ou para preparar refrigerantes, adicionando-se-lhe xarope de frutas.] Etimologia Soda2: ing. soda water (1802) 'id.', de soda '1soda' + water 'água'.

No tocante à Soda1 e Soda2, pode-se afirmar, com base na cronologia dos termos, que

aquele teve a sua utilização primeira no âmbito farmacêutico, como se constata no

D.E.H.L.P., acerca da datação (1735); enquanto que este, como a redução do inglês soda

water, apresenta a datação de 1802. Esse dado cronológico permite que se tomem os

significados presentes na etimologia de Soda1 como geradores da polissemia. Veja-se, para

efeito de comprovação, a seguinte cadeia de concatenação semântica:

negro → escurecimento causado pela dor de cabeça → planta com a qual se cura a dor de cabeça → da planta se extrai o carbonato de cálcio .

Já se comentou que a polissemia é comumente gerada por três principais fenômenos, a

saber: a metáfora, a metonímia e a analogia. Na cadeia de concatenação semântica

mencionada anteriormente, podem-se verificar os seguintes processos metonímicos: 1. efeito

e causa (negro – dor de cabeça); 2.matéria-prima e produto (planta – carbonato de

cálcio).

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Com o exposto acima, pode-se estender a primeira cadeia de concatenação semântica

para a seguinte:

negro → escurecimento causado pela dor de cabeça → planta com a qual se cura a dor de cabeça → da planta se extrai o carbonato de cálcio → água gaseificada com gás carbônico. Vale1

substantivo masculino

1 Rubrica: geomorfologia. depressão alongada situada no sopé de um monte ou entre elevações topográficas como colinas, montanhas

2 Rubrica: geomorfologia. depressão plana alongada cavada pelas águas de um rio ou geleira

3 Rubrica: geomorfologia. terreno baixo e mais ou menos plano, à margem de um rio ou ribeirão; várzea

4 Derivação: sentido figurado. qualquer depressão assemelhada a um vale. Etimologia Vale1: lat. valles ou vallis,is 'terreno deprimido, depressão de terra cinturada por vertentes, vale, trincheira, valado'; ver 2val-; f.hist. sXIII vale, sXIV ualle. Vale1

substantivo masculino

1 declaração escrita, sem formalidade legal, que alguém faz para garantir um empréstimo, um adiantamento, uma retirada de caixa etc.

2 Derivação: por metonímia. Uso: informal. adiantamento recebido por conta de salário a vencer

3 documento com um valor monetário determinado, emitido por instituições autorizadas, que o empregador usa a título de complementação salarial a ser us. no pagamento de transporte e de alimentação dos seus empregados

4 documento emitido por comerciantes, ou outras firmas industriais ou prestadoras de serviços, como moeda divisionária, para substituir troco

5 recibo provisório. Etimologia Vale2: 3ª p.s. do pres.ind. do v. valer, substv.; ver 1val-.

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No tocante à Vale1 e Vale2, verbetes também extraídos de Zavaglia, tem-se que tanto

na análise sincrônica da referida autora quanto no D.E.H.L.P. os verbetes apresentam como

homonímicos. A fim de comprovar ou refutar essa classificação, parte-se, inicialmente, dos

étimos dos verbetes. Encontra-se, no caso de Vale1, a remissão 2val-, que, em síntese,

informa o que já consta na própria etimologia lat. valles ou vallis,is. No caso de Vale2, a

remissão faz-se à forma 1val-, que apresenta, em suma, as seguintes informações

etimológicas: antepositivo, do v.lat. valèo,es,ùi,ìtum,ére 'ser forte, ter saúde, passar bem; ser

eficaz (a propósito de um remédio), ter esta ou aquela virtude; ter força, estar em vigor (a

propósito de uma lei), ter crédito; prevalecer, levar vantagem, exceder, ser influente; ter a

força ou o poder de, ser capaz de, poder; valer, ter um valor; significar, ter este ou aquele

significado (termo de gramática).

As informações etimológicas de Vale1 e Vale2 não se aproximam de forma alguma, o

que já é um prenúncio de que podem, de fato, tratar-se de verbetes homonímicos entre si.

Para que se confirme isso, há que se considerar também a possibilidade de contigüidade entre

as acepções dos dois verbetes. Todas as acepções de Vale1 estão associadas à geomorfologia

enquanto que as de Vale2 estão todas associadas polissemicamente entre si, mas não às de

Vale1. Neste caso específico, então, as perspectivas sincrônica e diacrônica coincidem, pois

nos dois casos os verbetes são considerados homonímicos. A respeito da polissemia no caso

de Vale2, veja-se, a partir da cadeia de concatenação semântica abaixo, como há, entre todas

as acepções, um elo semântico com a acepção primeira:

Vale2: ser forte → ter saúde → passar bem → ser eficaz inicialmente a propósito de um remédio → esses atributos estendem-se também ao âmbito legal → ter esta ou aquela virtude → ter força, estar em vigor → ter crédito → para receber empréstimo, adiantamento, complementação salarial etc.

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Para esses casos, os que carecem de contextualização semântico-histórico-cultural, é

que esta pesquisa pode oferecer a contribuição maior no que se refere ao tratamento

lexicográfico da homonímia e da polissemia tanto no D.E.H.L.P., foco desta pesquisa, como

também nos materiais aqui analisados que se enquadram, predominantemente, na perspectiva

sincrônica nos estudos de linguagem. Enfatiza-se aqui a necessidade de se fazer para algumas

a contextualização semântico-histórico-cultural, pois, sem ela, perde-se, e muito, a conexão

semântica entre palavras que ao longo do percurso histórico sofrem alterações não só

fonéticas como também semânticas. Por isso o falante de hoje não vislumbra a possibilidade

de associar palavras que, por meio do resgate aqui proposto, mantêm entre si notável enlace

semântico. Cabe ao estudioso de linguagem, notadamente ao filólogo, estabelecer a ponte

entre o presente e o passado das palavras, a fim de que assim se possa conservar a riqueza

histórica de uma maioria significativa de nosso léxico.

Com casos analisados supra, não se pretende esgotar o sem número de palavras que

nesta categoria possam se enquadrar e, sim, demonstrar a plausibilidade e mais ainda a

importância do método no resgate histórico-cultural das palavras. Vejam-se, então, mais

alguns exemplos ilustrativos deste caso:

Heroína

Heroína1: substantivo feminino

1 mulher capaz de suportar exemplarmente uma sorte incomum (p.ex., infortúnios, sofrimentos) ou que arrisca a vida pelo dever ou em benefício do próximo

2 mulher de valor, beleza ou talento excepcionais 3 mulher notabilizada por suas realizações

Ex.: as h. das ciências 4 mulher que, por ser homenageada ou por qualquer motivo (nobre ou

pouco digno) se destaca ou é centro de atenções Ex.: <a h. da festa> <a h. da suciata era justamente a que parecia mais sensata>

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5 principal personagem feminina de uma obra de literatura, dramaturgia, cinema etc. Etimologia Heroína1: gr. héróíné,és 'heroína, semideusa', pelo lat. heroína,ae 'heroína, mulher ou filha de herói'; ver hero(i)-.

Heroína2: substantivo feminino

Rubrica: química. alcalóide (C21H23NO5) derivado da morfina, com propriedades narcóticas e analgésicas; diacetilmorfina [Sua utilização causa dependência fisiológica.] Etimologia Heroína2: al. Heroin, uma marca comercial, nome criado a partir do gr. hêrós,ós 'herói', p.ext. de sentido, devido à exaltação que a droga produz sobre o seu usuário; o voc. deve ter penetrado no port. pelo ing. heroin (1898) ou pelo fr. héroïne (1903) 'id.', em ambos os idiomas emprt. ao al. Heroin; ver hero(i)-.

Tanto no artigo de Zavaglia, “A ambigüidade gerada pela homonímia: revisitação

teórica, linhas limítrofes com a polissemia e proposta de critérios distintivos”, como no

D.E.H.L.P. a palavra ‘heroína’ merece dois verbetes, o que indica lexicograficamente que se

trata de um caso de homonímia.

No primeiro caso, o do artigo, a alegação é de que as duas formas da palavra estão

nitidamente afastadas semanticamente; no segundo caso, o do Dicionário, a alegação,

dedutível da hiperestruturada do Dicionário, é que a origem etimológica das palavras é

distinta, por isso verbetes também distintos. A coincidência de classificação de ambas as

perspectivas, que atestam serem tais verbetes homonímicos, não se sustenta ao se utilizar o

critério etimológico-semântico como se vê abaixo.

É bastante comum no D.E.H.L.P., como se tem demonstrado, a falta de uniformidade

lexicográfica no tratamento da homonímia e da polissemia. Heroína1 e Heroína2 é só mais

um exemplo desse tipo, haja vista que, no próprio Dicionário, o primeiro verbete (a forma no

feminino de herói) apresenta o mesmo étimo grego: hêrós,os. É plausível admitir-se, para este

caso, a polissemia pelo fato de, além da coincidência dos étimos, ter-se uma proximidade

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semântica entre as acepções dois verbetes. Dessa forma, admite-se como possível que a

extensão de significado, do primeiro para o segundo verbete, tenha-se dado, sobretudo por um

recurso metafórico, ou seja, os atributos, ‘coragem’, ‘tenacidade’, ‘abnegação’, ‘ímpeto’ etc,

característicos da heroína, a mulher, foram, metaforicamente, aproveitados para caracterizar o

estado de euforia do usuário de um tipo específico de droga, denominada, a partir de então, de

heroína.

Ponto

ponto 1 substantivo masculino

1 pequeno sinal ou marca Ex.: os p. indicavam caminhos no mapa do tesouro perdido

56 Derivação: por metonímia. Rubrica: teatro. espécie de alçapão em que fica instalado o ponto (auxiliar de cena)

57 Derivação: por extensão de sentido. Rubrica: cinema, televisão. profissional com atribuições semelhantes ao do ponto (auxiliar de cena)

ponto 2 substantivo masculino red. de livro de ponto. etimologia: lat. punctum19,i 'picada, pequeno buraco feito por uma picada, ponto (sinal de pontuação), parte de um todo, pequena parcela, pequeno espaço de tempo, instante, ponto (geométrico), ponto (no jogo de dados)', conexo com o lat. punctus,a,um, part.pas. do v. pungère 'picar, furar, entrar, atormentar, afligir'; ver pung-; f.hist. sXIV ponto, sXIV punto, sXV põto

Ainda a respeito de ponto 1e ponto 2, vale ressaltar que a possibilidade de aproximar

semanticamente os verbetes deve-se ao fato de que em ponto 2, que é uma redução de livro

de ponto, o que prevalece, em relação a ponto 1, é o caráter primordialmente funcional

daquele, ou seja, o que identifica de fato um livro de ponto, principalmente em suas

primeiras versões, é a marca(ponto) feita pelo funcionário ao entrar e ao sair do ambiente de

19 Em punctum, observa-se a não queda do T- uma vez que este não está em posição intervocálica. A alteração vocálica (U-/ O-) é a mesma da nota 17.

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trabalho. A fim de comprovar a pertinência dessa proposta, resolveu-se estender, para

melhor segurança no estabelecimento da cadeia de concatenação semântica, a análise não só

a ponto1e ponto2 encontrados no D.E.H.L.P., mas também aos casos de ponto1, ponto2,

ponto3 e ponto4, que segundo Zavaglia, são casos de homônima semântica, ou seja, lexias

homógrafas que nada mais são do que palavras distintas quanto ao seu significado e

idênticas na pronúncia e na escrita.

Eis a seguir os significados mencionados pela referida autora a respeito de cada

verbete: ponto1 (“porção do espaço designada com precisão”), ponto2 (“grau determinado

numa escala de valores”), ponto3 (“cada parte de um discurso, texto, de uma lista de

assuntos de um programa”) e ponto4 (“cada extensão do fio de linha entre dois furos feitos

por uma agulha”).

A partir das acepções apresentadas por Zavaglia, propor-se-á abaixo a de concatenação

semântica para esses verbetes. Tal cadeia, para efeito de coerência teórica, partirá do sentido

etimológico do vocábulo em tela:

Ponto → lat. punctum,i 'picada, pequeno buraco feito por uma picada, ponto (sinal de pontuação), parte de um todo, pequena parcela, pequeno espaço de tempo, instante, ponto (geométrico), ponto (no jogo de dados)' → uma porção de espaço tomada em relação a todo o espaço é na verdade um ponto, uma parte desse todo → uma porção do espaço assim como uma porção ou parte de um discurso, texto, etc. é em relação ao discurso ou ao texto todo uma pequena parcela deles, uma parte ou ponto menor deles → um sinal, um ponto, um risco servem de marcas para a aferição de livros de ponto, de dados, de um termômetro que mensura o grau em uma escala de valores → um ponto seguido de outro como nas costuras é uma seqüência de picadas no tecido.

Tanque

Tanque1 substantivo masculino

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1 recipiente de pedra ou alvenaria próprio para conter água; chafariz, fonte

2 depósito natural de águas nascentes, fluviais ou pluviais; açude, cisterna, poço

3 Derivação: por extensão de sentido. reservatório destinado a armazenamento de líquidos de qualquer natureza Ex.: <t. de azeite> <t. de gasolina>

4 cuba de louça, alvenaria, metal ou plástico em que se lava roupa 5 cuba em que se faz a salmoura de carne ou peixe 6 cada um dos canteiros de um arrozal 7 Regionalismo: Nordeste do Brasil.

m.q. 1açude ('construção') 8 Derivação: sentido figurado.

o mar 9 Rubrica: termo de marinha.

qualquer dos compartimentos estanques de um navio, destinados à armazenagem de líquidos (água, óleo combustível, óleo de lubrificação etc.) Etimologia: orig.contrv.; embora alguns afirmem ser de orig.obsc., outros falam em f.afer. de estanque, der. de estancar, este prov. do lat.vulg. stanticare; ver estanc-.

Tanque2

substantivo masculino 1 Rubrica: termo militar.

carro robusto com blindagem, rodas especiais e que tem acopladas armas de combate, us. desde a Primeira Guerra Mundial; carro-de-combate

2 Derivação: por metáfora. Rubrica: futebol. Uso: informal. jogador de ataque, ger. troncudo e de técnica limitada, capaz de penetrar sem esforço na defesa adversária. Etimologia: ing. tank (c1616) 'reservatório de água; carro de guerra', prov. do port.1tanque; f.hist. sXX tanque, sXX tank.

O primeiro verbete, Tanque1, segundo o D.E.H.L.P., é de étimo controverso, mesmo

com isso é possível efetivar-se a análise. Observando-se, por sua vez, Tanque2, percebe-se,

inicialmente um étimo intermediário, o inglês Tank, com os significados 'reservatório de água;

carro de guerra'. Ao final da etimologia, tem-se uma remissão, mesmo que provável, ao étimo

port.1tanque. Esta remissão não é sem propósito, pois facilmente se pode comprovar o enlace

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semântico entre os dois verbetes. Veja-se a cadeia de concatenação semântica proposta para

eles:

recipiente de pedra ou alvenaria próprio para conter água; chafariz, fonte → depósito natural de águas nascentes, fluviais ou pluviais; açude, cisterna, poço→ reservatório destinado a armazenamento de líquidos de qualquer natureza → cuba de louça, alvenaria, metal ou plástico em que se lava roupa’ → cuba em que se faz a salmoura de carne ou peixe → cada um dos canteiros de um arrozal → açude → o mar → qualquer dos compartimentos estanques de um navio, destinados à armazenagem de líquidos (água, óleo combustível, óleo de lubrificação etc.) → Rubrica: termo militar. → carro robusto com blindagem, rodas especiais e que tem acopladas armas de combate, us. desde a Primeira Guerra Mundial; carro-de-combate → jogador de ataque, ger. troncudo e de técnica limitada, capaz de penetrar sem esforço na defesa adversária.

As primeiras noções referem-se todas, de uma ou outra forma, às noções de

‘recipiente’, ‘continente’ etc. As últimas, por sua vez, como carro robusto com blindagem e

jogador de ataque, carecem de maior explicação. Da noção de carro blindado, extrai-se a

associação com as primeiras acepções, ou seja, sobretudo no contexto bélico, esse tipo de

carro era utilizado como recipiente, continente de soldados quando da invasão do território

inimigo. A partir do uso da palavra significando carro robusto com blindagem, pôde-se, por

um recurso metafórico, estabelecer uma relação de semelhança entre o carro e o jogador de

futebol.

Coma

Coma1

substantivo feminino

1 cabelo crescido, grande 2 crina de certos animais (p.ex., o cavalo) 3 juba de leão 4 conjunto de penas para enfeite; penacho, cocar, martinete

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5 copa de árvore frondosa 6 Rubrica: astronomia.

nuvem luminosa de gás e poeira, de aparência tênue e brumosa, que envolve o núcleo de um astro; cabeleira

7 Rubrica: artes gráficas. em tipografia, indicativo de dois pontos

8 Rubrica: óptica. aberração de um sistema óptico que dá a forma de um cometa à imagem de uma fonte luminosa puntiforme que se situa fora do eixo óptico Etimologia: lat. coma,ae 'id.', do gr. kómé,és 'id.' Coma2

substantivo feminino 1 Rubrica: gramática. Diacronismo: antigo.

m.q. vírgula 2 Rubrica: música.

nas partituras de música instrumental e vocal, sinal em forma de vírgula que indica ao executante o momento em que deve respirar sem fazer pausa

3 Rubrica: música. microtom (em geral admitido como a nona parte do tom) quase imperceptível ao ouvido humano e que separa duas notas enarmônicas Obs.: cf. temperamento Ex.: apenas uma c. diferencia o lá sustenido do si bemol

4 Rubrica: música. intervalo teórico entre o semitom cromático e o diatônico

5 Rubrica: versificação. Diacronismo: antigo. parte do verso hexâmetro (dois pés e meio ou três pés e meio); cesura

comas substantivo feminino plural

Rubrica: artes gráficas, gramática. 6 m.q. aspas.

Etimologia: lat. comma,àtis 'membro do período, parte de uma frase ou de um verso', do gr. kómma,atos 'o que está cortado', donde 'pedaço; inciso ou pequeno membro de um período', de kóptó 'cortar'; datação é para a acp.2 de MÚS. Coma3

substantivo masculino 1 Rubrica: medicina.

estado caracterizado por perda total ou parcial da consciência, da motricidade voluntária e da sensibilidade, ger. devido a lesões cerebrais, intoxicações, problemas metabólicos e endócrinos, no qual, dependendo da gravidade, as funções vitais são mantidas em maior ou menor grau Ex.: <c. alcoólico> <c. hepático> <c. diabético>

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2 Derivação: por analogia. imobilidade; insensibilidade; apatia Ex.: após a crise sobreveio o c. econômico Etimologia: gr. kôma,atos 'sono profundo'.

Sobre Coma1, Coma2 e Coma3, pode-se, com as informações do próprio Dicionário,

perceber, do ponto de vista etimológico, que o primeiro verbete se afasta dos outros dois, o

que prenuncia a homonímia. Isso, juntamente com a impossibilidade de vinculação semântica

entre o primeiro verbete e os demais, ratifica a homonímia.

Se a análise, no entanto, faz-se em relação aos dois últimos verbetes, podem-se

perceber pontos comuns tanto do ponto de vista etimológico como semântico. Do primeiro

ponto, tem-se, segundo o próprio étimo sugerido pelo Dicionário, que tanto Coma2 quanto

Coma3 possuem origem etimológica bem próxima, senão a mesma. Caso não, veja-se: o

primeiro, com o étimo gr. kómma,atos 'o que está cortado', e o segundo, com o gr. kôma,atos

'sono profundo'. Tendo o étimo de Coma2 noção mais concreta do que o étimo de Coma3,

pode-se sustentar, baseado no método “Palavras e Coisas”, que a denominação para o

primeiro precede a do segundo. Com isso, já se pode vislumbrar a ocorrência da polissemia

entre os verbetes. A fim de asseverar tal classificação propõe-se ainda o estabelecimento da

cadeia de concatenação semântica abaixo:

O que está cortado → vírgula (pausa, corte, interrupção de uma frase, oração, etc) → nas partituras de música instrumental e vocal, sinal em forma de vírgula que indica ao executante o momento em que deve respirar sem fazer pausa → microtom (em geral admitido como a nona parte do tom) quase imperceptível ao ouvido humano e que separa duas notas enarmônicas → intervalo teórico entre o semitom cromático e o diatônico → parte do verso hexâmetro (dois pés e meio ou três pés e meio); cesura → aspas → estado caracterizado por perda total ou parcial da consciência, da motricidade voluntária e da sensibilidade, ger. devido a lesões cerebrais, intoxicações, problemas metabólicos e endócrinos, no qual, dependendo da gravidade, as funções vitais são mantidas em maior ou menor grau → imobilidade; insensibilidade; apatia.

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Caso não esteja o consulente bastante atento à concatenação semântica acima, parecerá

pouco aceitável que estejam todas as acepções, extraídas literalmente do Dicionário,

imbricadas semanticamente. Não se perceber a vinculação entre as acepções de Coma2 e

Coma3, ou seja, caracterizá-las como polissêmicas, é tarefa difícil, pois exige capacidade de

abstração para, por exemplo, distanciar-se o consulente da visão hodierna a respeito das coisas

do mundo, uma vez que essa visão considera as palavras como se estivessem dissociadas da

história. Desse modo, as acepções de Coma3 mantêm forte laço semântico com a noção

primeira de Coma2, pois a perda total ou parcial da consciência ou mesmo o estado de

imobilidade, insensibilidade, apatia é, em última análise, nada mais que a interrupção,

separação, corte dos laços entre a consciência e a não-consciência (em cada caso com sua

respectiva graduação).

Indica-se, com isso, que, lexicograficamente, Coma2 e Coma3 mereceriam um único

verbete.

Pastel

Pastel1: substantivo masculino 1 Rubrica: culinária.

massa de farinha de trigo, com recheio salgado ou doce, que se frita ou assa

2 Rubrica: culinária. Regionalismo: Portugal. bolinho salgado Ex.: p. de bacalhau

3 Regionalismo: Brasil. Uso: informal. indivíduo enfadonho, aborrecido

4 Regionalismo: Minas Gerais. Uso: informal. indivíduo lerdo, pateta

5 Regionalismo: Portugal. Uso: informal, pejorativo. indivíduo preguiçoso, que não ajuda, que nada faz

6 Regionalismo: Portugal. Uso: informal, pejorativo. indivíduo de saúde frágil ou enfermiça

7 Rubrica: artes gráficas. na caixa tipográfica, a mistura de tipos dentro dos caixotins; gralha, erro tipográfico devido ao empastelamento das letras ou matrizes

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Etimologia: fr.ant. pastel (hoje pâte) (sXII) 'bolo, bocado de massa', do lat.tar. pastèllum, der. do lat.tar. pásta,ae 'massa (de farinha)'; ver 1past-; f.hist. sXV pastel, sXV pastees.

Pastel2: substantivo masculino

1 espécie de lápis de cor, us. desde o sXV para colorir desenhos e em outros tipos de pintura

2 Rubrica: artes plásticas. processo de pintura a seco sobre tela, papel, pergaminho etc. de cores inalteráveis, luminosas e fundíveis, por isso muito empr. em paisagens e retratos Ex.: retrato feito em p.

3 Rubrica: artes plásticas. obra realizada por esse processo Ex.: um p. de Guignard

adjetivo de dois gêneros 4 suave como a cor do pastel ['lápis'] (diz-se de cor)

Ex.: azul p. 5 que apresenta uma dessas cores

Ex.: blusa p. Etimologia: it. pastello (1571) 'processo de pintar com lápis de cores', do lat.tar. pastèllum20, der. do lat.tar. pásta,ae 'massa (de farinha)'; ver 1past-.

Tanto Pastel1 quanto Pastel2 apresentam, segundo a etimologia indicada pelo

Dicionário, étimos intermediários, no primeiro caso o francês e no segundo, o italiano, mas

com o mesmo étimo terminus quo, o latino pásta,ae 'massa (de farinha)’. Ora, com tal

coincidência do étimo apontada pelo próprio Dicionário é de se esperar que se trate de

verbetes polissêmicos. A fim de comprovar a hipótese da polissemia, há que vislumbrar a

possibilidade de concatenação semântica entre as acepções dos dois verbetes.

A cadeia de concatenação semântica deve partir, necessariamente, das acepções

primeiras e, a partir delas, propor-se-á a vinculação com as demais. Dessa forma, parte-se

inicialmente das acepções de Pastel1:

20 Em pastellum, há o apagamento (síncope) de um dos dois L pela posição intervocálica em que eles estão.

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Massa de farinha → bolinho salgado feito com essa massa → indivíduo enfadonho, aborrecido → indivíduo lerdo, pateta → indivíduo preguiçoso, que não ajuda, que nada faz → indivíduo de saúde frágil ou enfermiça → espécie de lápis de cor → processo de pintura a seco sobre tela, papel, pergaminho etc. de cores inalteráveis, luminosas e fundíveis → obra realizada por esse processo → suave como a cor do pastel ['lápis'] → que apresenta uma dessas cores.

A cadeia de concatenação acima merece uma série de explicações intermediárias para

que se admita a polissemia: um ponto a ser destacado é a importância do tom da cor, ou seja,

o tom pastel, que, para o senso comum, pode sugerir, por exemplo, várias denominações para

estados de apatia, de enfado, de lerdeza, de preguiça, de saúde frágil. Não é sem motivo que o

senso comum, corriqueiramente, atribui a indivíduos com as características acima a

denominação referente à cor amarela, próxima do tom pastel. As acepções de Pastel2 que, de

uma forma ou de outra, referem-se a rubricas das artes plásticas aproveitam de Pastel1 a cor

mesma da massa de farinha para passar a denominar um tipo de combinação de cores dessa

área específica.

Canto

Canto1 substantivo masculino

1 ponto, superfície ou linha de convergência; ângulo, quina 2 local retirado; recanto 3 local onde se vive; morada 4 m.q. comissura (anat) 5 (1570) Rubrica: construção.

peça de formato próprio para servir de arremate em ângulo de construção

6 Rubrica: esportes. ângulo formado pela linha lateral e pela linha de fundo num campo onde se praticam certos jogos de bola (futebol, hóquei, handebol)

7 Rubrica: encadernação. m.q. cantoneira

8 Rubrica: engenharia. ângulo reentrante ou saliente formado por duas superfícies planas que se interceptam

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9 Rubrica: futebol. Regionalismo: Portugal. tiro de canto; escanteio

10 Rubrica: artes gráficas. m.q. 1canhoto

11 Rubrica: heráldica. ângulo formado pelos lados do escudo ou de suas peças

12 Rubrica: pugilismo. ângulo do ringue onde fica o pugilista nos intervalos entre os rounds

13 Rubrica: tipografia. vinhetas nos ângulos das páginas Etimologia: lat. canthus,i 'área ou cinta de ferro que abarca a roda', do gr. kanthós,oû 'lugar do olho onde se formam as lágrimas; círculo de ferro de uma roda'; ver canto- e cant(o)-; f.hist. sXIV cãto, sXIV quanto.

Canto2 substantivo masculino

1 Rubrica: música. ato ou efeito de cantar; cantoria

2 Rubrica: música. melodia ou conjunto de melodias cantadas

3 Rubrica: música. conjunto de técnicas para aprimoramento da voz como instrumento musical Ex.: ela vai estudar c.

4 som audível, não necessariamente musical, emitido pelas aves, esp. no início da época do acasalamento, para atrair companheiro, para afastar outras aves do mesmo sexo, ou ambos, estando também associado ao estabelecimento e à manutenção de territórios dentro de sua comunidade Obs.: cf.: grito

5 Derivação: por extensão de sentido, sentido figurado. som melodioso ou cadenciado Ex.: o c. do vento nas casuarinas

6 Rubrica: literatura. poesia destinada à interpretação musical

7 Rubrica: versificação. cada uma das partes de um poema longo Ex.: o poema Os Lusíadas tem dez cantos Etimologia: lat. cantus,us 'canto, som musical emitido pela voz humana', de cantum, supn. de canère 'cantar'; ver can(t)-; f.hist. sXIV cãto, sXIV quanto, sXV cantus.

Canto3 substantivo masculino

1 pedra de grande tamanho 2 Rubrica: materiais.

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pedra aparelhada em forma geométrica, us. em obras de alvenaria; pedra de cantaria Etimologia: orig.obsc., prov. pré-romana, segundo Corominas; ver cant-; f.hist. sXIV quanto, sXV camto.

Obviamente, canto1 e canto2, já pela própria etimologia, configuram-se como pares

homonímicos. Resta, no entanto, observar a possibilidade ou não de contigüidade semântica

entre as acepções dos dois verbetes. Ora, todas as acepções de canto1 apresentam um sema

em comum, a saber, grosso modo, ‘área de encontro de duas superfícies’. Este sema em nada

se aproxima daquele que pode ser inferido a partir das acepções de canto2. Deste, admite-se o

seguinte sema geral: ‘emissão de som pela voz humana ou pelas aves’.

No que se refere à canto3, a própria etimologia (obscura) dificulta o estabelecimento

da polissemia. mesmo que se vislumbre, do ponto de vista semântico, uma proximidade entre

canto1 e canto3, pelo fato de a pedra ter em sua forma ‘cantos’ que lhe dão forma, não parece

ser isso, a princípio, uma motivação que se possa sustentar. Por isso, aceita-se a disposição

do Dicionário em abrir três verbetes para a palavra ‘canto’.

Papel

Papel1

substantivo masculino 1 Rubrica: indústria de papel.

substância constituída por elementos fibrosos de origem vegetal, os quais formam uma pasta que se faz secar sob a forma de folhas delgadas, para diversos fins: escrever, imprimir, embrulhar etc.

2 um pedaço ou uma folha de papel escrita Ex.: este p. autoriza a entrega da encomenda

3 parte que cada ator ou atriz representa no teatro, cinema, televisão etc. Ex.: ela tem um bom p. na novela

4 Derivação: por metonímia. a personagem representada por cada ator ou atriz Ex.: no seu último filme, ele fez o p. de um escritor

5 dever, obrigação legal, moral, profissional etc. ou atribuição, função que se desempenha ou cumpre

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Ex.: <saúde, educação e segurança são p. do Estado> <o p. dos pais é educar os filhos> <é no p. de irmão do acidentado que aqui me apresento>

6 m.q. papelão ('procedimento') Ex.: mas que p. você fez na frente de todos!

7 dinheiro em notas Ex.: não aceitam ouro, só p.

8 Rubrica: economia. ação, título de crédito, letra de câmbio, nota promissória ou outro documento negociável que represente um determinado valor Ex.: os p. das empresas de energia elétrica estão em alta

papéis substantivo masculino plural

9 documentos relativos a uma pessoa Ex.: estes são os p. necessários para requisição de passaporte Etimologia: cat. paper (1249) < lat. papýrus,i21 'papiro, arbusto do Egito de cuja entrecasca se fazia o papel, folha de papel, papel escrito', este do gr. pápuros 'papiro'; f.hist. 1391 papell. Papel2

substantivo de dois gêneros Rubrica: etnologia.

1 indivíduo do grupo étnico dos papéis substantivo masculino

Rubrica: lingüística. 2 língua falada por esse grupo

adjetivo de dois gêneros 3 relativo a papel (acp. 1 e 2) ou aos papéis

papéis ou papeles Rubrica: etnografia.

4 substantivo masculino plural grupo étnico que habita a ilha de Bissau e Biombo, na Guiné-Bissau Etimologia: não há no D.E.H.L.P.

Uma análise simples de papel1 e papel2 demonstra, como o faz acertadamente o

Dicionário, tratar-se de verbetes homonímicos, haja vista que não há qualquer possibilidade

de univocidade etimológica, uma vez que o primeiro verbete apresenta como étimo terminus a

quo o grego pápuros 'papiro' e o segundo não apresenta etimologia, o que não prejudica o

proposta de que sejam tais verbetes homonímicos, pois a primeira acepção deixa claro que as 21 Da forma latina papýrus,i, tem-se a seguinte proposição de cadeia de alteração fonética: papyrus > papirO (apócope do O- e rotacismo) > papelL (apócope do L-) > papel

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acepções de papel2, de uma forma ou de outras, vão referir-se a um grupo étnico, o dos

papéis. Por isso, não há nada que possibilite a aproximação nem etimológica nem

semanticamente entre as acepções dos dois verbetes.

Pena

Pena1

substantivo feminino

1 sanção aplicada como punição ou como reparação por uma ação julgada repreensível; castigo, condenação, penitência

1.1 Rubrica: termo jurídico. sanção prevista pelo legislador e aplicada pelos órgãos jurídicos competentes

2 profundo sofrimento; aflição 3 sentimento de pena com relação a alguém, a si mesmo ou a alguma

coisa; compaixão, dó 4 desgosto recolhido cujas marcas transparecem no semblante, nas

palavras; tristeza, amargura, pesar Etimologia: gr. poinê,ês22 'expiação de um homicídio; resgate pago aos parentes da vítima, p.ext., compensação, vingança, punição, castigo, sentença; pena, sofrimento, dor', pelo lat. poena,ae 'punição, sofrimento', que ocorre em vocábulos preferentemente da terminologia jurídica; ver pen(i/o)-; f.hist. 935 pena, sXIII peas, sXIII peas, 1390 penna, sXIV penas, sXV pene.

Pena2

substantivo feminino 1 Rubrica: anatomia zoológica.

cada uma das estruturas ceratinizadas que revestem o corpo de uma ave, formada tipicamente por um eixo ou raque e pelas barbas, que, reunidas, formam o vexilo

2 Rubrica: anatomia zoológica. concha interna das lulas, de constituição córnea e formato semelhante ao de uma pena de ave

3 (sXV) tubo córneo da pena de algumas aves que, depois de aparado, serve para a escrita

4 pequena peça metálica, fixa ou adaptável, que se adapta a uma caneta; aparo

22 Do latim poena, ae, há a síncope do O- (pOena > pena), o que à homonímia com o latim penna, ae ‘asa’.

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5 Derivação: sentido figurado. o aparato de escrita

6 Derivação: sentido figurado. ofício baseado na escrita Ex.: seu ganha-pão é a p.

7 Derivação: sentido figurado. a classe profissional dos escritores Ex.: é um dos destaques da p. de seu país

8 o estilo da escrita; cálamo Ex.: sua p. é inconfundível

9 (1899) parte espalmada da bigorna

10 Rubrica: artes gráficas. nas antigas máquinas de pautar, peça com uma, duas ou três pontas, com finas canaletas por onde escorre a tinta Obs.: cf. 1disco

11 Rubrica: artes gráficas. m.q. 1palheta ('cada uma das peças')

12 (1899) Rubrica: termo de marinha. m.q. penol

13 Rubrica: música. cada uma das partes do mecanismo que pinça as cordas de um cravo ou instrumento semelhante Etimologia: lat. penna,ae 'asa (o que serve para voar); asa (das abelhas), vôo; pena grande das asas ou da cauda das aves, em opos. a pluma; pena (em geral), pluma; objeto feito de pena ou enfeitado com penas: pena de escrever; pluma de uma flecha, flecha; penacho de capacete; barbatana de peixe'; ver pen(i)-; f.hist. sXIII pena 'cobertura do corpo das aves', sXV pena 'tubo córneo que serve para a escrita'.

Pena3

substantivo feminino Rubrica: ictiologia.

red. de peixe-pena ('designação comum') Etimologia: não há, pois é um simples caso de redução.

Pena4

substantivo de dois gêneros Rubrica: pugilismo.

red. de peso-pena Ex.: um p. de 56 kg Etimologia: não há, pois é um simples caso de redução.

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Há quatro verbetes para a palavra ‘pena’, sendo que dois deles, Pena3 e Pena4

enquadrar-se-iam melhor no tópico em que se discutiu o caso das lexias compostas. Por uma

questão de respeito à ordem macroestrutural dos verbetes, no Dicionário, resolveu-se discutir

os quatro casos na mesma ordem em que aparecem no Dicionário. Pena1 e Pena2 são

exemplos típicos de homonímia, uma vez que não há vinculação nem etimológica nem

semântica. No caso do primeiro, o dicionário apresenta o étimo grego poinê,ês 'expiação de

um homicídio’, já para o segundo, o étimo provém do latim penna,ae 'asa’. É óbvio que não

basta que sejam os étimos diversos, há a necessidade imperativa de se verificar a possibilidade

ou não de vincular-se semanticamente as acepções desses verbetes. No caso em tela, a

possibilidade de aproximação não se confirma a partir de uma simples análise das acepções.

Desse modo, consideram-se os verbetes pena1 e pena2 de fato homonímicos.

Retornando-se ao caso de pena3 e pena4, até pelo que já se discutiu sobre esses casos,

percebe-se claramente, no tocante à questão da lexia composta, principalmente quando são

casos de redução, que há uma falta de rigor lexicográfico, uma vez que a postura adotada

pelos dicionaristas é a de listar as lexias logo abaixo a cabeça do verbete. Essa falta de rigor

seria facilmente resolvida se ‘peixe-pena’ viesse logo abaixo da cabeça do verbete (peixe) e

em ordem alfabética, como o próprio Dicionário sugere. O mesmo vale para ‘peso-pena’.

Pinta

pinta1

substantivo feminino 1 mancha de pequeno tamanho; nódoa, sarda, sinal 2 pequena mancha de tom escuro, natural ou artificial, no rosto 3 (1632) Uso: informal.

aspecto externo de alguém ou de algo; aparência, fisionomia Ex.: pela p., esse rapaz não deve prestar

4 Regionalismo: Brasil. Uso: informal. sinal indicativo de alguma qualidade que ainda não foi comprovada ou de algo que ainda não ocorreu

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Ex.: <pela p., esse filme não presta> <pela p., vai chover forte hoje à noite>

5 m.q. 2padrão ('desenho decorativo') 6 Regionalismo: Brasil.

amostra de jazida de ouro 7 cada um dos pontos de uma carta de jogar ou de um dado

Etimologia: regr. de pintar; ver pint-; f.hist. 1103 pintas, 1616 pinta pint-: elemento de composição antepositivo, do v.lat. pingo,is,pinxi,pictum,pingère 'bordar (com fios de cores diferentes), tatuar, pintar' (sentido próprio e figurado 'colorir, embelezar'). Pinta2

substantivo feminino Rubrica: metrologia. Diacronismo: antigo. antiga medida portuguesa de capacidade para líquidos (equivalente a 3 quartilhos) e sólidos (a quarta parte de um alqueire) Etimologia: fr. pinte (1265) 'antiga medida de capacidade para os líquidos', de orig. incerta; cp. ing. pint 'medida de volume anglo-saxônia equivalente a 1/8 de galão' < ing.méd. pynte < fr.ant. pinte; segundo registro no OEDS, a orig. mais remota é incerta; no W. sugere-se um lat.vulg. *pincta, fem. do lat.vulg.*pinctus 'pintado', de pictus,a,um 'provido de marca', part.pas. de pingère 'pintar', pelo fato de se marcar um ponto de um recipiente para indicar a sua capacidade; para o esp. pinta (1616) 'medida de líquidos', Corominas registra o étimo fr. pinte, mas rejeita a hipótese de o voc. em fr. provir do lat.vulg. *pincta 'pintada (medida), ou seja, marcada’. Pinta3

substantivo feminino 1 a fêmea do pinto 2 Regionalismo: Nordeste do Brasil. Uso: informal.

pênis, esp. de menino Etimologia: pinto + -a, tomada como desin. de fem. (acp. 1); a relação com a acp. 2 é supositícia. Pinta4

substantivo feminino Regionalismo: Brasil. Uso: informal, pejorativo.

red. de pinta-brava Etimologia: não há, pois é um simples caso de redução.

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Pinto

substantivo masculino 1 frango (ou franga) recém-nato 2 Derivação: por analogia. Uso: informal.

criança pequena, menino ou menina 3 Uso: informal, eufemismo.

m.q. pênis 4 Rubrica: ictiologia.

m.q. cação-pinto (Scyliorhinus haeckelii) 5 (1813) Rubrica: numismática.

antiga moeda portuguesa Etimologia: orig.contrv. ou mesmo duv.; prov. de orig.onom.; segundo Nascentes, de uma raiz onom. pitt, us. para chamar galinhas, através de uma f. pito, nasalada; houve quem propusesse um lat. *pinctu-, de *pinctáre 'pintar', hipótese não agasalhada por grande parte dos estudiosos; cp. a etim. de pintassilgo.

Quatro verbetes são abertos no Dicionário para a palavra Pinta. Há com isso, do ponto

de vista lexicográfico, a indicação de que se trata de verbetes homonímicos entre si.

Começando pelo primeiro verbete, faz-se oportuno comprovar a polissemia de suas

acepções:

bordar, tatuar, pintar → mancha de pequeno tamanho; nódoa, sarda, sinal → pequena mancha de tom escuro, natural ou artificial, no rosto → aspecto externo de alguém ou de algo; aparência, fisionomia → sinal indicativo de alguma qualidade que ainda não foi comprovada ou de algo que ainda não ocorreu →desenho decorativo → amostra de jazida de ouro → cada um dos pontos de uma carta de jogar ou de um dado.

A polissemia para as sete (07) acepções de pinta1 está bastante transparente a partir do

que se pode verificar na cadeia de concatenação semântica acima. No que tange ao verbete

pinta2 não parece, à primeira vista, haver qualquer possibilidade de vínculo semântico deste

com o primeiro. Há que se levar em conta, no entanto, que o ponto de partida, para

diferenciar a homonímia ou da polissemia, é o estabelecimento do étimo. No caso de pinta2,

há uma série de étimos intermediários como o francês, o inglês e o espanhol. O étimo latino

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sugerido pelo Dicionário, apesar de Corominas rejeitar a hipótese de o voc. em fr. provir do

lat.vulg. *pincta 'pintada (medida), ou seja, marcada’, parece ser o étimo terminus a quo,

pois, do ponto de vista semântico, aproxima, nitidamente, a noção primeira de ‘pintada’ com

a do segundo verbete ‘medida’. Admitindo-se essa hipótese como plausível, há a necessidade

de rever a ordenação macroestrutural de pinta1 e pinta2.

Tomando-se da cadeia de concatenação semântica acima as os três primeiros

intervalos, pode-se propor a seguinte cadeia para pinta1 e pinta2:

bordar, tatuar, pintar → mancha de pequeno tamanho; nódoa, sarda, sinal → pequena mancha de tom escuro, natural ou artificial, no rosto → antiga medida portuguesa de capacidade para líquidos (equivalente a 3 quartilhos) e sólidos (a quarta parte de um alqueire).

O caso de Pinta3 é bem mais opaco que os demais, uma vez que se pode, inicialmente,

vislumbrar a possibilidade tanto da homonímia quanto da polissemia. A primeira acepção

deste verbete, ‘a fêmea do pinto’, nada mais é que apenas a forma no feminino de “pinto”. Já

a segunda, ‘pênis, esp. de menino’, é supositícia como sugere o próprio Dicionário. Dessa

forma, o verbete Pinta3 poderia ser visto como um caso de polissemia do verbete Pinto.

Pinta4, por sua vez, parece enquadra-se bem nos casos já analisados das lexias

compostas, mas este caso é peculiar, haja vista que a cabeça do verbete (pinta) em pinta-brava

não segue a regra de peixe-agulha, o qual poderia e deveria ser listado logo abaixo do verbete

‘peixe’, como de fato acontece no Dicionário, mas não ambiguamente abrir um outro verbete

como agulha2, o que só favorece a confusão. Por isso, parece ser adequado que Pinta4 mereça

mesmo um verbete aberto em relação aos outros.

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Cobra

Cobra1

1 Rubrica: herpetologia. design. comum aos répteis escamados, carnívoros, da subordem das serpentes, de corpo alongado, membros e aberturas dos ouvidos ausentes, olhos imóveis e sem pálpebras, cobertos por escamas transparentes, língua delgada, bífida e protrátil e dentes cônicos, presentes na maxila, mandíbula e no teto da boca; malacatifa, serpente

2 Derivação: sentido figurado. qualquer objeto de formato semelhante ao da cobra

3 Derivação: sentido figurado. pessoa de má índole ou de mau gênio

4 Derivação: sentido figurado. pessoa astuciosa e falsa

5 Rubrica: etnografia. Regionalismo: Brasil. personagem zoológica do bumba-meu-boi

6 Rubrica: ludologia. Regionalismo: Brasil. no jogo do bicho, o grupo 9, ao qual correspondem as dezenas 33, 34, 35 e 36

7 Rubrica: dança, etnografia. Regionalismo: São Paulo (Itanhaém). dança do fandango em que uma fila única de homens e mulheres alternados faz evoluções

8 Rubrica: culinária. Regionalismo: Alentejo. bolo em forma de serpente, feito com farinha, açúcar e ovos, e servido com calda

9 Rubrica: ludologia. Regionalismo: Alentejo. espécie de jogo infantil

� adjetivo e substantivo de dois gêneros 10 Regionalismo: Brasil. Uso: informal.

diz-se de ou perito em determinado assunto ou especialidade; cobrão, fadista Ex.: <ele é c. em xadrez> <um c. em imunologia desenvolveu uma nova vacina> Etimologia: lat. colùbra,ae23 'cobra fêmea, serpente'; ver 1cobr- e colubr-; f.hist. sXIII coobra, sXIII coovra, sXV cobra.

Cobra2

substantivo feminino ato ou efeito de cobrar ('recolher', esp. a caça) Etimologia: regr. de cobrar; ver 4cobr- e 1cap-

4cobr-: elemento de composição antepositivo, do lat. recupèro,as,ávi,átum,áre 'recuperar, reaver', fonte, pelo vulg., do port. recobrar 'adquirir de novo, recuperar', donde o port. cobrar

23 Em colùbra,ae, há a síncope consonantal (L-) e vocálica (U-) por estarem ambas em posição intervocálica e por ser a vogal átona e breve.

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'receber, exigir', em derivados das orig. da língua em diante: cobra 'ação de recolher a caça', cobrado, cobrador, cobradoria, cobradouro, cobrança, cobrancista, cobrançosa, cobrançoso, cobro; incobrável; recobrado, recobramento, recobrar, recobrável.

Cobra1 e cobra2 são homonímicos pelos critérios aqui adotados, ou seja, apresentam

étimos distintos, lat. colùbra,ae 'cobra fêmea, serpente’ no primeiro caso e regr. de cobrar.

Além disso, não há qualquer possibilidade plausível de associar as acepções dos dois verbetes.

O mais interessante, a respeito desses verbetes, é observar a viabilidade de se aceitar

como polissêmicas algumas acepções de cobra1, mormente as 2, 3 e 4, em relação ao sentido

primeiro, o etimológico.

Cobra fêmea, serpente → qualquer objeto de formato semelhante ao da cobra → pessoa de má índole ou de mau gênio → pessoa astuciosa e falsa.

Do primeiro para o segundo intervalo da cadeia, está claro que se trata de um princípio

de analogia, um dos meios, juntamente com a metáfora e a metonímia, de se gerar a

polissemia. A última parte da cadeia, principalmente, e a penúltima dão prova do recurso

metafórico na ampliação dos significados de uma palavra.

Revista

Revista1 substantivo feminino

1 ato ou efeito de revistar, de examinar detidamente alguém ou algo 2 segunda vista; novo exame, ger. mais minucioso, atento; reexame 3 Rubrica: termo jurídico. Regionalismo: Brasil.

recurso cabível das decisões finais das turmas ou câmaras de um tribunal, no caso de divergência jurisprudencial, quanto ao modo de interpretar o direito em tese

4 Rubrica: termo militar.

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inspeção dos efetivos em formatura ou do material de um corpo de tropa

5 Derivação: por metonímia. Rubrica: termo militar. toque de corneta ou clarim que reúne a tropa para esta inspeção

6 Rubrica: termo militar. parada militar, desfile militar Ex.: as autoridades se preparavam para a r. de 7 de Setembro Etimologia: re- + vista; ver vid-24

Revista2 substantivo feminino

Rubrica: comunicação, jornalismo. publicação periódica, destinada a grande público ou a um público específico, que reúne, em geral, matérias jornalísticas, esportivas, econômicas, informações culturais, conselhos de beleza, moda, decoração etc. [Algumas revistas destinam-se a um público especializado, assumindo, portanto, um determinado formato: jornalístico, científico, literário, esportivo etc.] Etimologia: trad. do ing. review 'publicação periódica dedicada principalmente a críticas e ensaios'; ver vid-.

Revista3

substantivo feminino Rubrica: teatro.

red. de teatro de revista Etimologia: não há.

Inicialmente, parece que revista2 em relação à revista1 possui étimo diferente, mas o

que se vê de fato é, no caso de revista2, um étimo intermediário, o inglês review, que, por sua

vez, remete ao étimo latino com a raiz vid-, a mesma para revista1. Com isso, tem-se satisfeita

a primeira condição para a polissemia, ou seja, os étimos serem os mesmos. Resta observar

então o aspecto semântico. Um traço semântico ou sema em comum pode ser extraído das

acepções de revista1 e revista2 ‘revistar, examinar algo (revista) ou alguém. A ação de

revistar em si motivou, sem dúvida, a denominação desse tipo de publicação periódica.

24 A raiz VID- remete ao antepositivo, de uma raiz i.-e. *weid 'ver', representada em lat. pelo v. vidèo,es,vídi,vísum,vidére 'ver; olhar, ir ver; perceber; compreender; examinar, considerar; ver com os olhos do espírito'. Com isso, tem-se a desonorização D-/ T-.

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Revista3, pelo fato de estar dicionarizada, será tratada como uma lexia composta. Via

de regra, essas lexias são casos de redução que ao sofrerem esse fenômeno entram em

homonímia com outros verbetes. Essa atitude, como já se disse, pode favorecer a confusão

dos consulentes quando do manuseio do Dicionário. Basta, para esses casos, que a equipe

lexicográfica mantenha a uniformidade lexicográfica, ou seja, que disponha as lexias logo

abaixo da cabeça do verbete, que neste caso específico, é a palavra ‘teatro’.

Língua

� substantivo feminino 1 Rubrica: anatomia geral.

órgão muscular recoberto de mucosa, situado na boca e na faringe, responsável pelo paladar e auxiliar na mastigação e na deglutição, e tb. na produção de sons

2 Rubrica: anatomia zoológica. estrutura homóloga encontrada em certos invertebrados, como moluscos

3 Rubrica: anatomia zoológica. m.q. hipofaringe ('estrutura mediana')

4 Derivação: por analogia. qualquer coisa que tenha o aspecto de língua (uma labareda, p.ex.) Ex.: cercado por línguas de fogo, não tinha saída

4.1 m.q. fiel da balança ('haste') 4.2 Rubrica: música. Regionalismo: Norte do Brasil.

a vareta da cuíca 5 Rubrica: lingüística.

sistema de representação constituído por palavras e por regras que as combinam em frases que os indivíduos de uma comunidade lingüística usam como principal meio de comunicação e de expressão, falado ou escrito

5.1 (sXV) Uso: sentido absoluto. o idioma nacional Obs.: ver quadro acima

6 (sXX) Rubrica: lingüística. para o lingüista Ferdinand de Saussure (1857-1913), o sistema abstrato de signos inter-relacionados, de natureza social e psíquica, obrigatório para todos os membros de uma comunidade lingüística; langue Obs.: p.opos. a fala e discurso

7 Rubrica: lingüística. estilo de expressão particular a um grupo social, profissional ou cultural; linguagem Ex.: <a l. das classes altas> <a l. dos matemáticos>

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7.1 Rubrica: estilística, lingüística. estilo de expressão característico de um escritor, uma escola, um movimento, uma época; linguagem Ex.: <a l. de Guimarães Rosa> <a l. dos simbolistas> <a l. dos seiscentistas> <a l. do sXI>

8 Derivação: sentido figurado. maneira cruel, maldizente de referir-se aos outros, própria ger. de pessoas falastronas Ex.: que l. tem essa criatura, meu Deus! Etimologia: lat. lingùa,ae 'língua como membro ou órgão animal, língua como órgão ou faculdade da palavra e da fala, linguagem, idioma de um povo', p.ana., 'nome de plantas, instrumentos etc., comparáveis visualmente'; voc. de fonetismo semiculto, o port. língua conviveu com as var. ant. lengua e lenga, nos sXIII e XIV; ver lingu(o)-; f.hist. 1152 lingua, sXIII lingua, sXIII lengua, sXIV lenga, sXV lingoa.

Das acepções acima, é comum que, sincronicamente, a primeira e a quinta sejam

tomadas como homonímicas. O D.E.H.L.P., no entanto, pela disposição lexicográfica,

considera-as como polissêmicas. Se se observa a origem etimológica, tem-se um só étimo, o

que sugere a polissemia. Semanticamente, crê-se, agiu na evolução dos significados em tela o

processo metonímico, tão comum na geração da polissemia. Por esse processo, a primeira

acepção, a mais concreta, que se refere a uma parte específica, o músculo, passa a se referir

também à língua como sistema. Ora, não se pode perder de vista que o músculo, em conjunto

com outros órgãos, tem importante papel na produção de sons. Por esse traço, crê-se, a parte,

o músculo, passou a denominar o todo, o sistema.

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2.5 Casos em que a contextualização histórico-cultural faz-se imprescindível

Nos verbetes abaixo, tem-se, de forma mais clara e incisiva, a necessidade de se

recorrer ao contexto histórico-cultural25 da palavra para que se possa resgatar o laço

semântico entre o significado primeiro e o que, aparentemente não mantém com este, nenhum

vínculo e, com isso, explicitar a polissemia já sugerida pelo D.E.H.L.P., mas que, na

perspectiva do falante comum, já se perdera.

Rameira

substantivo feminino 1 mulher que exerce a prostituição; meretriz, prostituta 2 Regionalismo: Portugal.

urze ou queiró de que se produzem vassouras 3 Regionalismo: Minho.

1ramo ('divisão do caule') grande Etimologia: ramo + -eira; nome dado no sXV, em Portugal, às freqüentadoras de tabernas que, para assinalarem sua presença, ostentavam na porta ramos de árvores; ver ram(i)-.

Já se afirmou por mais de uma vez, neste estudo, a importância dos recursos

metafóricos e metonímicos na geração da polissemia. No caso específico de Rameira, é

patente o recurso metonímico pelo qual o ramo, entendido como a parte, passou a designar o

todo, as mulheres que se prostituem. Tal afirmação só se torna plausível se se leva em

consideração o contexto histórico-cultural que envolve o termo, como sugere o próprio

Dicionário, que dá o uso da palavra no sentido de prostituta como pertencente ao século XV e

que se refere às mulheres freqüentadoras de tabernas, aqui num sentido pejorativo. Para se

25 O contexto histórico-cultural para termos com conotação sexual é de extrema importância não só para o resgate da polissemia, mas também para um melhor entendimento da condição marginal dos escravos, prostitutas etc.

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destacar à época o estabelecimento, as mulheres valiam-se do uso do ramo, nas portas, para

indicar ser ali uma casa de prostituição.

Há que se fazer um comentário a respeito da primeira acepção da palavra Rameira ser

logo a que se refere ao contexto da prostituição. Ora, pelo que se expôs e por questões óbvias

deveria vir em primeiro lugar as acepções que apresentam o uso mais concreto do termo,

como em dois e três.

Cuia

substantivo feminino 1 Rubrica: angiospermas.

fruto da cuieira, uma grande baga ovóide, de casca lenhosa e impermeável quando madura, us. para o fabrico de vários objetos

2 Rubrica: artesanato. recipiente ger. ovóide feito desse fruto, depois de seco e desprovido de polpa, us. para esvaziar canoas, beber ou transportar líquidos, farinha, sementes etc.

2.1 Rubrica: artesanato. qualquer utensílio, de forma ou função semelhantes, feito de outros frutos ou outros materiais

2.2 Regionalismo: Rio Grande do Sul. recipiente ger. feito da casca polida de um fruto da cuieira, com ornatos e tampa de prata lavrada, em que se bebe mate quente, o chimarrão, sugando-o pela bomba (ou bombilha), esp. no Sul do Brasil, Uruguai e Nordeste da Argentina; porongo

3 Rubrica: angiospermas. Regionalismo: Maranhão. m.q. abóbora-menina ('fruto')

4 Regionalismo: Brasil. Uso: informal. a cabeça; coco, cuca

5 Rubrica: metrologia. Regionalismo: Nordeste do Brasil. medida de capacidade correspondente a dez litros, variando, às vezes, de região para região

6 Derivação: por metonímia. Rubrica: metrologia. Regionalismo: Nordeste do Brasil. o conteúdo obtido com tal medida

7 Derivação: por metonímia. Regionalismo: Nordeste do Brasil. cada um dos pratos de uma balança

8 Derivação: por metonímia. Regionalismo: Nordeste do Brasil. Diacronismo: antigo. adereço semelhante a uma pequena almofada e feito de cabelos, com que as senhoras adornavam a nuca e as costas

9 Derivação: por metonímia. Regionalismo: Nordeste do Brasil. Diacronismo: antigo.

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cabelo de homem demasiadamente comprido 10 Derivação: por metonímia. Regionalismo: Nordeste do Brasil. Uso:

informal. Diacronismo: antigo. m.q. meretriz Etimologia: tupi 'kuya 'vasilha de forma semi-esférica, de diversos tamanhos, feita da fruta da cuieira (arredondada como um coco ou uma cabaça)'; f.hist. c1584 cuya,1587 cuia.

A disposição lexicográfica das acepções para Cuia mostra-se mais coerente se

comparada com as de Rameira, uma vez que as acepções partem do uso mais concreto, o qual,

como em Rameira, é o que gera, também por um recurso metonímico, a polissemia. Admite-

se, neste estudo, que no ambiente das casas de prostituição a cuia, o recipiente, servia para a

assepsia da mulher, passando a cuia, com isso, a representar metonimicamente a função da

prostituta. Não se olvidar que, em uma sociedade machista como a da época, era comum se

depreciar, de maneira geral, as mulheres, o que se agravava em ambientes em que a

lascividade se fazia mais marcante.

Essa é só uma explicação possível, há quem possa afirmar que o uso de cuia como

prostituta parte da própria utilização do objeto nas refeições, ou seja, a cuia, normalmente

utilizada pela classe menos favorecida, passa a ser um objeto que identifica as classes mais

baixas, compostas por escravos, prostitutas etc.

Gralha

substantivo feminino 1 Rubrica: ornitologia.

design. comum a várias spp. de aves passeriformes, arborícolas, da fam. dos corvídeos, esp. do gên. Cyanocorax, que possuem coloração azul-violeta e barriga branca; acaé

2 Rubrica: ornitologia. ave da fam. dos corvídeos (Pyrrhocorax graculus), encontrada em regiões montanhosas da Europa, de pernas vermelhas, plumagem negra e bico amarelo; corvacha, corvacho

3 Derivação: por analogia. pessoa que fala muito, lembrando o grasnar das gralhas; tagarela

4 Rubrica: ornitologia. Regionalismo: Rio Grande do Sul.

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m.q. anu-branco (Guira guira) 5 Rubrica: ornitologia. Regionalismo: Portugal.

m.q. abelheiro (Merops apiaster) 6 Rubrica: artes gráficas.

erro tipográfico, que consiste em tipo virado, fora de seu lugar ou trocado; gato, pastel

� gralhas � substantivo feminino plural

7 certo jogo popular Etimologia: lat. gracùla, fem. de gracùlus,i 'gaio'.

A polissemia de Gralha pode ser entendida se se levar em conta que a cultura popular

vê em aves escuras, como a gralha e o corvo, por exemplo, sinal de mau agouro. Com isso,

pode-se admitir, ao se pensar em erros tipográficos, que eles são, assim como as gralhas para

a cultura popular, indejesáveis para o texto.

Cálculo substantivo masculino

1 Rubrica: matemática. execução de uma operação, de um conjunto de operações ou de um processo matemático ou algébrico; cômputo

2 ato de avaliar, de estimar; conjectura Obs.: ver gram, abaixo

3 sentimento de ambição, de cobiça 4 (1680) Rubrica: patologia.

concreção pétrea que se forma em diversas partes do corpo do homem e de animais por precipitação de certas substâncias e sais minerais (cálcio, colesteral, uratos etc.) [Vulgarmente denominada pedra.] Etimologia: lat. calcùlus,i 'pedrinha, bolinha de votar (branca ou vermelha), pedra de bexiga; peão'; como era com pedrinhas que as crianças aprendiam a contar, o voc. tomou o sentido de 'conta, cálculo'; ver cal(c)-.

De um ponto vista sincrônico, as acepções de ‘cálculo’ como uma operação

matemática e como concreção pétrea estão, para a maioria dos falantes, afastadas

semanticamente, o que não quer dizer que um número significativo de falantes percebam

entre as essas acepções algum laço semântico. Esse é um caso típico da tese da consciência

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coletiva dos falantes, postulada por Saussure, tal tese, no entanto, neste estudo, não atende as

exigências da perspectiva aqui adotada, de modo que se tomado o verbete em análise em uma

perspectiva pancrônica, pode-se facilmente sustentar a polissemia. Aliás, este caso, de tão

transparente, não necessitará de maiores esclarecimentos, basta analisar a etimologia da

palavra que, por si só, resolve a questão.

Banco

Sincronicamente, já não se vê nenhuma relação de contigüidade semântica entre banco

(assento) e banco (instituição), o que faz crer que se trata de vocábulos homonímicos. No

D.E.H.L.P., no entanto, as duas acepções citadas e outras tantas estão dispostas como

polissêmicas, como se vê abaixo:

Banco

1 assento estreito e duro (de madeira, pedra, ferro, cimento etc.), com ou sem apoio para os braços, ger. para mais de uma pessoa, provido ou não de encosto

2 Rubrica: mobiliário. m.q. tamborete ('assento sem encosto e braços')

3 Rubrica: mobiliário. m.q. escabelo ('arca')

4 Rubrica: mobiliário. assento reservado a certa categoria de pessoas nas assembléias, tribunais etc. Ex.: b. dos réus

5 balcão de loja 6 mesa rústica e forte sobre a qual o artífice executa seus trabalhos

Ex.: b. de carpinteiro 7 Rubrica: termo de marinha.

m.q. bancada ('prancha') 8 (1446) Rubrica: economia.

estabelecimento ou sociedade mercantil de crédito, que tem por objetivo principal receber depósitos de dinheiro em conta-corrente, aplicar capital, realizar empréstimos, efetuar cobranças, operar em câmbio etc.

9 (d1970) Derivação: por extensão de sentido.

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local ou depósito onde algo é guardado para algum tipo de utilização futura Ex.: b. de leite

9.1 Rubrica: medicina. instituição ou local onde se conservam componentes de origem orgânica (olhos, sangue, esperma, ossos, pele etc.) para usos médicos (transplantes, transfusões, enxertos etc.)

10 Regionalismo: Portugal. sala de estabelecimento hospitalar em que se atendem os não-internados, esp. os que necessitam de socorro urgente; ambulatório

11 Uso: informal. vaso sanitário; latrina

12 Derivação: por extensão de sentido. m.q. urinol

13 camada inferior numa pedreira 14 Rubrica: geologia. Regionalismo: Bahia.

m.q. sambaqui 15 Rubrica: genética.

conjunto de células clonadas contendo cada uma um fator recombinante

16 Rubrica: geologia. Regionalismo: Brasil. ilhota de aluvião no meio de um rio

17 Rubrica: geologia, termo de marinha. elevação de areia ou coral do fundo do mar, que às vezes chega à superfície, esp. na maré baixa [Constitui perigo à navegação.] Etimologia: frânc. *bank 'banco fixado à parede ao longo de uma sala ou de um quarto'; acp. 'estabelecimento bancário' e 'acidente geográfico' provêm do it. banca (1340) que, segundo Corominas, foi inicialmente empregado com o sentido de 'tenda para vender mercadorias'; ver banc-; f.hist. sXI bancos 'assento', 1446 bamco 'estabelecimento bancário', sXV banco 'acidente geográfico'.

Ao se fazer a contextualização histórico-cultural desse vocábulo, pode-se perceber que

sua utilização primeira diz respeito ao fato de os comerciantes italianos, que trabalhavam com

valores de câmbio, utilizarem-se da peça de madeira para operar seus negócios no mercado

público londrino. Por um processo metonímico, então, passou-se a denominar a instituição

financeira a partir do objeto de uso comum nessas transações comerciais.

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2.6 O caso da homonímia categorial ou polissemia categorial?

Tradicionalmente, a homonímia categorial baseia-se na disposição das palavras na

frase, ou seja, caso uma palavra, sobretudo as homógrafas, se apresente distribuída em

categorias gramaticais diferentes é o suficiente para se considerar um caso de homonímia

categorial. Com isso, uma palavra como alimento(v) e alimento (subst.), por exemplo, que se

apresentam em categorias diferentes, são consideradas exemplos desse tipo. A grande maioria

dos casos dessa classificação assemelha-se ao mencionado. Refletindo-se um pouco sobre o

caso citado, pode-se perceber que tal nomenclatura, homonímia categorial, para este estudo,

mostra-se inadequada, uma vez que só toma como parâmetro o aspecto formal,

desconsiderando-se o semântico e também o etimológico. No dicionário a referida palavra,

apresenta-se da seguinte forma:

Alimento

substantivo masculino 1 toda substância digerível que sirva para alimentar ou nutrir

Ex.: a carne é um bom a. 2 Derivação: sentido figurado.

aquilo que mantém, que sustenta 3 Derivação: por extensão de sentido.

tudo o que pode concorrer para a subsistência de alguma coisa Ex.: grande trecho da mata serviu de a. àquele incêndio

4 Derivação: sentido figurado. tudo o que concorre para desenvolver as faculdades intelectuais e morais Ex.: a boa leitura é o a. do espírito Etimologia: lat. aliméntum,i 'alimento, mantimento, sustento'; ver alt-.

Não há nenhuma referência ao vocábulo alimento como verbo. Há, por isso, a

necessidade de se recorrer ao(s) verbete(s) do verbo. Ei-lo(s):

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Alimentar1 verbo transitivo direto e pronominal

1 dar ou tomar alimento; nutrir(-se) Ex.: <a. os filhos> <alimentava-se mal> transitivo direto e pronominal

2 Derivação: sentido figurado. dar sustento a ou sustentar-se; nutrir(-se), alentar(-se) Ex.: <a. desejos> <a ambição alimenta-se da desgraça alheia> transitivo direto

3 Derivação: por extensão de sentido. fornecer abastecimento a; prover, munir Ex.: <a. uma caldeira> <a. uma arma> transitivo direto

4 Derivação: por extensão de sentido. fazer durar, incentivar; fornecer assunto para Ex.: a. uma conversa transitivo direto

5 Rubrica: eletricidade. fornecer tensão ou corrente a (um dispositivo ou circuito) Etimologia: alimento + -ar; ver alt-; f.hist. a1570 alimentado, 1600 alimentar

Alimentar2 adjetivo de dois gêneros

1 relativo a alimento ou a alimentação Ex.: <despesas a.> <carência a.>

2 que pode servir de alimento Ex.: produtos a. Etimologia: alimento + -ar adj.; ver alt-

Por se tratar de substantivo deverbal, sua ligação se faz com o verbo Alimentar1.

Atesta-se isso não só pela origem, mas também pelo fato de que é nítida a vinculação

semântica entre o verbo e o substantivo. Preenchido esses dois requisitos, pode-se afirmar

estar-se diante de um caso de polissemia. Assevera essa tese o fato de o substantivo originar-

se do verbo, o que se comprova pela própria datação dos termos. Os dois datam do século

XVI, o verbo, no entanto, precede um pouco o substantivo, como era de se esperar.

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Justifica-se, com isso, a não abertura de dois verbetes, uma vez que se trata de

vocábulos polissêmicos que se diferenciam somente quanto à distribuição na frase, critério

insuficiente, segundo a perspectiva aqui adotada, para admitir a homonímia. Não há como

afirmar, categoricamente, no entanto, a preferência da equipe lexicográfica pelo substantivo

em detrimento do verbo, uma das alegações possíveis pode ser a freqüência de uso do

substantivo. Apesar de se verificar, mesmo que subjacentemente, no dicionário, a polissemia

para o caso em tela, o mesmo não se pode constatar para Alimentar1 e Alimentar2, mesmo o

segundo, o adjetivo, estando claramente associado ao primeiro quanto à origem, haja vista o

substantivo anteceder em muito temporalmente o adjetivo, este do século XVIII e aquele do

XVI. Além disso, há um nítido enlace semântico entre eles, de modo que esse é mais um caso

de polissemia. Prefere-se, neste estudo, pelo que se expôs, a utilização de uma terminologia

que se coadune com a perspectiva etimológico-semântica, mas que não desconsidere o fato de

as formas distribuírem-se diferentemente na sentença, por isso prefere-se o termo Polissemia

Categorial.

Inúmeros casos podem ser enquadrados no que se convencionou denominar

tradicionalmente de homonímia categorial. A seguir serão listadas algumas palavras que

podem receber o mesmo tratamento do vocábulo analisado acima: abandono (substantivo),

abandono (verbo); ameaça (substantivo), ameaça (verbo); castigo (substantivo), castigo

(verbo). De forma geral, enquadram-se, no caso da homonímia categorial, os substantivos

deverbais e seus respectivos verbos de origem.

Com os casos listados até aqui, tem-se o quanto é abrangente o tema eleito, uma vez

que faz fronteira, entre outras, com a história, a filosofia, a antropologia cultural, a botânica

etc. Além disso, pôde-se constatar o quanto o D.E.H.L.P. deixa de levar em conta, no caso da

polissemia, as relações semânticas existentes entre as acepções de verbetes que

lexicograficamente estão dispostos como homonímicos. Essas relações, de certo, para o

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falante ordinário, já não são percebidas, o que não invalida, para o estudioso da língua, a

possibilidade de recompor, através, por exemplo, de cadeias de concatenação semântica, os

casos de polissemia.

De um ponto de vista da freqüência de verbetes polissêmicos ou homonímicos, tem-se

uma prevalência dos casos de recomposição da polissemia e em número menor os casos de

homonímia. Eis os casos de resgate de polissemia e os de homonímia, segundo a análise aqui

proposta:

a) Pato, Pata1 e Pata2 (os dois últimos, neste estudo, são polissemias do primeiro);

b) Choque1, Choque2 e Choque3 (todos, casos de polissemia de Choque);

c) Mosca1 e Mosca2 (polissemia, por isso bastava um só verbete Mosca);

d) Agulha1, Agulha2 e Agulha3

e) Manga1, Manga2e Manga3 (Manga2 em relação aos outros dois é de fato

homonímico);

f) Cabo1, cabo2 e cabo3(todos homonímicos entre si);

g) Dado1 e dado2 (homonímicos);

h) Guia (acepções polissêmicas);

i) Renda1 e Renda2 (homonímicos);

j) Soda1 e Soda2; (polissêmicos);

k) Vale1 e vale2; (homonímicos);

l) Heroína1 e Heroína2 (polissêmicos);

m) Ponto1e ponto2 (polissêmicos);

n) Tanque1 e Tanque2 (polissêmicos);

o) Coma1, Coma2 e Coma3 (o primeiro verbete é homonímico em relação aos dois

últimos; o segundo e terceiro, por sua vez, são polissêmicos entre si);

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p) Pastel1 e Pastel2 (polissêmicos);

q) Canto1, canto2 e canto3 (todos homonímicos entre si);

r) Papel1 e papel2 (homonímicos);

s) Pena1, Pena2, Pena3 e Pena4 (os dois primeiros verbetes são homonímicos entre si; já

os dois últimos são polissêmicos em relação a Pena2, por isso, lexicograficamente,

bastavam dois verbetes);

t) Pinto, pinta1, pinta2, pinta3 e pinta4 (Pinta1e pinta2 são polissêmicos entre si; já

pinta3 deveria ser uma polissemia de Pinto e, por fim, pinta4 é homonímico em

relação aos demais);

u) Cobra1 e cobra2 (homonímicos);

v) Revista1, revista2 e revista3 (polissêmicos entre si);

w) Rameira, Cuia, Gralha e Cálculo (polissemia das acepções);

x) Alimento, Alimentar1 e Alimentar2 e casos afins (polissemia categorial).

y) Banco (no Dicionário polissemia); (sincronicamente, com em Zavaglia,

homonímia)

Pelo que se pode perceber, nos verbetes citados acima, há uma maior freqüência de

casos de polissemia, segundo o que se propõe neste estudo. No D.E.H.L.P., no entanto, tais

casos, não raras vezes, são tidos como homonímicos. A fim de se asseverar a proposta da

polissemia entre as acepções dos verbetes analisados, foram utilizados vários recursos ao

longo desta pesquisa (cadeia de concatenação semântica, contextualização histórico-cultural

etc). Desse modo, atesta-se que, mormente nos casos de polissemia, falta à equipe

lexicográfica da obra em tela maior coerência no tratamento desse fenômeno, uma vez que,

pela própria hiperestrutura do Dicionário, o critério etimológico é o adotado para a distinção

desses dois fenômenos, ou ainda, com tal critério era de esperar, no mínimo, que a equipe

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lexicográfica não deixasse de reconhecer a origem comum de étimos de muitos verbetes

discutidos, o que, por si só, já permitiria vislumbrar a polissemia das acepções dos muitos

verbetes dispostos, no D.E.H.L.P., como homonímicos.

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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, para os verbetes analisados, foram utilizadas, além do estabelecimento

dos étimos, cadeias de concatenação semântica, a fim de comprovar a afinidade semântica

entre os verbetes considerados, por nós, como polissêmicos. Ao se efetivar o estabelecimento

das cadeias semânticas, procurou-se proceder da seguinte maneira:

1) Partir sempre que possível (uma vez que há palavras de étimo obscuro,

desconhecido ou controverso) da origem etimológica da palavra;

2) A partir do étimo, estabelecer possíveis conexões semânticas com quase todas

(ressalvando-se os casos de regionalismo) as acepções dos verbetes analisados.

Aliado aos passos mencionados, houve também, para alguns casos, a utilização do

método da Filologia Românica: o método “Palavras e Coisas”. Além deste, fez-se uso do

reconhecimento de alterações fonéticas nas palavras (metaplasmos), como no caso de PATO,

além do reconhecimento das homorgânicas. Tais artifícios teóricos permitiram reconstituir,

mesmo que de forma não definitiva, a ponte entre o passado e o presente das palavras

representadas nos verbetes aqui analisados. Eis aqui o ponto chave deste estudo, não

negligenciar, como o faz a prática hodierna nos estudos de Linguagem, a relação histórica da

palavra de hoje com a de ontem. Dessa forma, fez-se o resgate semântico-histórico-cultural de

palavras que, numa perspectiva estática da língua, são classificadas, em sua maioria, como

homonímicas, uma vez que o falante, segundo a maior parte dos que defendem essa

perspectiva, não é capaz de perceber relação de nenhum tipo entre as palavras tidas como

homonímicas. A defesa que aqui se faz não se pretende, de forma alguma, ortodoxa, por isso

não se desconsidera a perspectiva sincrônica, pelo contrário, quer-se afirmar que ela está

aliada de forma complementar, neste estudo, à perspectiva diacrônica.

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Espera-se que com este estudo possa-se, mesmo que com as devidas proporções,

contribuir para que a postura científica, muitas vezes unilateral, dê lugar, especificamente

sobre o tema aqui discutido, a uma postura que busque a complementaridade de perspectivas.

Tal afirmativa baseia-se no princípio de que tanto a sincronia como diacronia preocupam-se

com questões gerais ou particulares de Linguagem. Esse ponto comum, ao mesmo tempo que

permite a dissociação(caso o interesse seja pelo geral ou pelo particular), permite também a

vinculação, posto que os interesses são afins em última análise.

Enfim, o que se pôde comprovar, em linhas gerais, é que a perspectiva sincrônica,

principalmente quando se vale dos critérios distintivos de análise sêmica, campo léxico,

campo semântico ou mesmo na reunião de vários critérios ao mesmo tempo (formal,

semântico e pragmático), pode resolver, com base na tese da consciência uniforme dos

falantes, casos em que as acepções dos verbetes já estão afastadas semanticamente entre si. A

grande diferença que se percebe, com este estudo, é que, com a união das duas perspectivas,

leva-se em conta, via cadeias de concatenação semântica, metaplasmos, homorgânicas,

contextualização histórico-cultural etc, o invólucro histórico-cultural que permeia a trajetória

das palavras no decorrer do tempo.

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