Introdução Para Avaliação Do Projeto de Artes Da Sec. de Guarulhos SP, 2002-09

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INTRODUÇÃO- AVALIAÇÃO DO PROJETO DE ARTES DA SEC. DE EDUCAÇÃO DE GUARULHOS-SP/ 2002-09 Interessante pensar como algo permanece no tempo. Como pode uma experiência passada em arte-educação ser importante hoje? É com esta indagação que começo a pensar sobre as experiências artístico-pedagógicas que vivenciei com crianças de 3 a 7 anos nas escolas públicas na cidade de Guarulhos entre 2003-09. Pensar em relatar alguns acontecimentos pode parecer um tanto saudosista, ou que não tenha tanto significado, já que hoje em dia o pensamento e as práticas sobre arte-educação avançaram bastante nos meios acadêmicos e nos vários lugares onde existem estas práticas. Digo isto, pois é preciso ter em mente que a cada dia novos olhares surgem na tentativa de entender a importância do fazer artístico: obras e apropriação dos processos culturais na vida de crianças, principalmente. Neste sentido, se faz necessário também uma leitura mais crítica sobre a produção oficial que a história consagrou e que é reproduzida veementemente como a ‘única história’ oficial. Logicamente que sempre se carrega e se leva algo como verdadeiro em cada época com o espírito vivo em cada acontecimento-situação encontrado como descoberta nos meios e técnicas artísticas apreendidas pela humanidade. Pensando assim, identificar alguns fatos vivenciados nos processos artísticos com crianças nas escolas daquela época talvez possa nos mostrar o quanto de conhecimento foi produzido, assistido, compartilhado e que merece um olhar mais cuidadoso para esta publicação. Esta é a dificuldade aqui. Qual recorte, quais experiências, quais relatos de tantas ações desenvolvidas por tanta gente capacitada possa dar conta de apresentar uma proposta que se afirmou como pensamento em arte-educação num determinado contexto. Quais abordagens histórico-metodológicas possam identificar a amplitude das práticas desenvolvidas enquanto estética, enquanto produção, enquanto arte infantil? Sim, é sobre isto que se fala aqui. A tentativa de registrar numa publicação sucinta os vários processos desenvolvidos através de um projeto orientado pela Secretaria Municipal de Educação apresentando as contribuições norteadoras nas relações de ensino e aprendizagem em arte para crianças das escolas públicas de Guarulhos.

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Ensaio para introdução de avaliação.

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INTRODUÇÃO- AVALIAÇÃO DO PROJETO DE ARTES DA SEC. DE

EDUCAÇÃO DE GUARULHOS-SP/ 2002-09

Interessante pensar como algo permanece no tempo. Como pode uma

experiência passada em arte-educação ser importante hoje?

É com esta indagação que começo a pensar sobre as experiências

artístico-pedagógicas que vivenciei com crianças de 3 a 7 anos nas escolas

públicas na cidade de Guarulhos entre 2003-09.

Pensar em relatar alguns acontecimentos pode parecer um tanto

saudosista, ou que não tenha tanto significado, já que hoje em dia o

pensamento e as práticas sobre arte-educação avançaram bastante nos meios

acadêmicos e nos vários lugares onde existem estas práticas.

Digo isto, pois é preciso ter em mente que a cada dia novos olhares

surgem na tentativa de entender a importância do fazer artístico: obras e

apropriação dos processos culturais na vida de crianças, principalmente.

Neste sentido, se faz necessário também uma leitura mais crítica sobre

a produção oficial que a história consagrou e que é reproduzida

veementemente como a ‘única história’ oficial.

Logicamente que sempre se carrega e se leva algo como verdadeiro em

cada época com o espírito vivo em cada acontecimento-situação encontrado

como descoberta nos meios e técnicas artísticas apreendidas pela

humanidade.

Pensando assim, identificar alguns fatos vivenciados nos processos

artísticos com crianças nas escolas daquela época talvez possa nos mostrar o

quanto de conhecimento foi produzido, assistido, compartilhado e que merece

um olhar mais cuidadoso para esta publicação.

Esta é a dificuldade aqui. Qual recorte, quais experiências, quais relatos

de tantas ações desenvolvidas por tanta gente capacitada possa dar conta de

apresentar uma proposta que se afirmou como pensamento em arte-educação

num determinado contexto. Quais abordagens histórico-metodológicas possam

identificar a amplitude das práticas desenvolvidas enquanto estética, enquanto

produção, enquanto arte infantil?

Sim, é sobre isto que se fala aqui. A tentativa de registrar numa

publicação sucinta os vários processos desenvolvidos através de um projeto

orientado pela Secretaria Municipal de Educação apresentando as

contribuições norteadoras nas relações de ensino e aprendizagem em arte

para crianças das escolas públicas de Guarulhos.

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Um caminho me parece possível quando vejo o que ‘ficou’, o que existe

ainda hoje nos corredores das escolas, nos jardins, nas paredes externas, nas

publicações e nos vários relatos pessoais de professores, gestores,

funcionários que acompanharam de perto, muitas vezes de dentro das

propostas, estas experiências oferecidas a partir do conhecimento dos artistas-

educadores, primeiramente.

Nestes quase dez anos após o início do projeto, pude ver algo novo:

sorrisos, muitas cores, acolhimento e muita ação! Existiu nesta cidade uma

experiência educativa que era pautada na compreensão artística como

desenvolvimento humano e integral, sendo seus desdobramentos; obras e

dinâmicas culturais, incorporadas no cotidiano da cidade nos mais variados

formatos: mostra pública, exposições, roda de conversa, etc. Onde os vários

envolvidos tinham oportunidade de também cooperar para a construção deste

pensamento artístico como ferramenta de transformação social.

Este pensamento, que vê a criança como ‘fazedora’ de arte mobilizou

em rede artistas-educadores (estudantes e professores de artes) que tinham

uma vivência não só em Guarulhos, mas nos circuitos da vida artística em São

Paulo. Da mesma forma, os coordenadores eram também pessoas com um

trabalho já reconhecido nos vários meios e espaços consagrados da arte.

Importante dizer isto, pois acredito ser este um diferencial em um

projeto. Ou seja, é somente a partir do envolvimento com aquilo que se faz, se

gosta que algo possa crescer e prosperar. De outro modo, aquilo que

corresponde ao ofício de ensinar, entendendo por isto, aquilo que está ‘em sua

sina’!

A qualidade em si deste projeto parte daí mesmo, do grande potencial

que existia nas várias pessoas que faziam acontecer. Aliando isto a uma força

de vontade pelo poder público que possibilitou um espaço de fruição e

aprendizado destas experiências.

A ‘Semana de Educação’ realmente pode ser apresentada aqui como

um acontecimento digno de promoção e circulação dos vários saberes

desenvolvidos anualmente na cidade. Foi um espaço construído e que

apresentava os trabalhos-obras desenvolvidos nas escolas, sendo estas

experiências-aprendizados incorporados no cotidiano escolar, na maioria das

vezes.

Este acontecimento, no que diz respeito ao projeto de artes,

compreendeu um conjunto de ações que eram realizadas antes, durante e

depois da ‘Semana’.

Nestes períodos, era possível observar dentro de algumas escolas certo

clima que mostrava o envolvimento de pais, alunos e comunidade.

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Pois paredes estavam sendo pintadas, grafitadas; esculturas nos jardins

foram feitas como obras públicas; cabeças de papelão gigantes eram

instaladas nos corredores da escola; histórias eram contadas e apresentadas

com a participação dos pais, etc.

Muitos trabalhos, principalmente os de artes visuais tinham a

particularidade de serem expostos abertamente permitindo a intervenção das

pessoas. Outros ocupavam literalmente a arquitetura da escola, modificando

ali, temporalmente, aquela visualidade.

Estes fatos, demostram um pouco do que significou este projeto. E é por

este caminho que talvez seja possível transmitir a amplitude destas ações: ...

Pensar o impacto mapeando as várias memórias que reivindicam hoje o seu

registro no tempo!

Bem mais do que isto, significa avaliar. Mas avaliar não medindo as

estatísticas numéricas dos envolvidos e sim avaliar contextualizando a

qualidade dos trabalhos no âmbito conceitual do que se produziu naquele

momento. Percebendo com isto, o raio de ação que existiu através das várias

práticas e do legado que se materializou com estes trabalhos paralelamente e

junto às várias iniciativas públicas da época. Mas do que isto significa comparar

e compartilhar os resultados para os tempos vindouros...

Afinal, para que é (foi) importante mesmo a arte nas escolas?

O desafio em responder isto é grande. E cada vez mais urgente!

Por isto este fragmento textual aqui tende a delinear, esboçar algumas

memórias que ainda hoje parecem nos mostrar que algo passou por ali

naquelas escolas que acolheram o projeto buscando identificar e ‘diagnosticar’,

no bom sentido, acima de tudo esta ‘aura’, esta magia que envolveu durante

muito tempo os vários sonhos e necessidades de educandos e educadores

diversos.

Em vários momentos viu-se materializar estes sonhos de formas tão

expressivas, mas tão expressivas que durante as ‘Mostras de Arte Infantil’,

evento que apresentava anualmente a produção das crianças, era possível sim

em dizer que pode existir sim ‘arte’, em alto (baixo) e bom som, feita por

crianças obedecendo aos mesmos critérios e cuidado de uma arte feita por

adultos.

Aquelas obras-trabalhos, digo assim junto, pois isto quer dizer que

também se entendia já naquela época o conceito de processo artístico. E que

nos vários espaços que se preparavam para apresentar alguma produção das

crianças, isto deveria estar visível e ser bem explicado: “Não temos que ter

obrigação com uma produção ‘acabada’, ‘finalizada’ com a preocupação de

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apresentar para os pais um trabalho bonitinho”. Não, o processo de

aprendizado em arte nos diz outras coisas...

Daí que quando se pensava em arte infantil, se pensava numa arte que

feita a partir de uma mediação, seja ela através de conteúdos ou da livre

expressão, poderiam surgir infinitas reflexões.

Para os adultos, um olhar mais associativo, questionador, com base no

seu repertório. Para professores e gestores, talvez um olhar indagador sobre o

desenvolvimento e as capacidades construtivas lineares, as ‘fases da vida’:

operatório, motor, etc.

Posso afirmar que existiram sim algumas destas preocupações antes,

durante e nas avaliações feitas na época. Porém, para a maioria dos artistas-

educadores o que instigava mesmo era dar voz, vazão, a pulsação que vibrava

nas crianças ao estarem em contato com as tintas, com os objetos, com a

liberdade em correr pela sala, em desenhar nas paredes, em perceber que

naquelas experiências existia um sentido maior que fundamentava nossas

práticas: “A arte como forma de expressão e conhecimento humano”.

Aos educadores, o desafio era em aliar as várias vontades dentro de

uma lógica que fazia coexistir exercícios de aprendizagem sobre as linguagens

artísticas baseados na abordagem triangular de Ana Mae Barbosa, bem como

em experimentar outras metodologias que faziam parte da pesquisa individual

de cada artista-educador.

Isto, como dito anteriormente pode ser visto na qualidade dos trabalhos

feitos em sala de aula e também na Exposição de Arte Infantil onde se percebia

os processos pelos quais as crianças passavam até executar aquelas obras

que eram ‘pensadas’ para a exposição.

Este é outro ponto que diferencia o projeto, a cada ano a Mostra das

Artes ganhava nova roupagem, um novo tema. E obviamente que a qualidade

também aumentava o que exigia dos artistas-educadores um maior

comprometimento para a inovação e pesquisa.

Esta dinâmica funcionou assim desde o início. Sempre quando era

importante o rodízio de educadores em outras escolas, um novo trabalho-

pesquisa sempre era apresentado para a gestão escolar com esta prerrogativa

em apresentar uma exposição no meio do ano mostrando os processos

desenvolvidos até então.

Veja que existe uma diferença quando se fala em apresentar um

processo artístico e apresentar um resultado. Também é diferente quando

existe um contexto favorável que permite a compreensão destes processos,

como no caso do salão expositivo do Adamastor que era produzido, pensado

com uma preocupação conceitual em afirmar uma Mostra de Arte infantil. O

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que torna esta ação mais eloquente, mais embasada e mais produtiva para as

várias leituras possíveis.

Na mesma direção, em alguns anos pode-se também apresentar os

trabalhos dos artistas-educadores em momentos próximos a Semana de

Educação promovendo o intercâmbio cultural através da visitação monitorada

das escolas que levavam seus alunos para apreciarem o trabalho dos seus

professores-artistas.

Nestas mediações, algo de ‘fantástico’ acontecia, pois aquilo que já era

instigante para os alunos quando os professores faziam algumas ‘mágicas’ no

preparo das tintas, da manipulação de bonecos, dos figurinos, ou mesmo

quando na cabeça das crianças o professor já era diferente só por usar outra

roupa ou outro tipo de cor de cabelo; algo ficava mais incrível quando estes

viam as artes feitas por seus professores. Éramos celebridades!

As visitas monitoradas nestas ocasiões preenchiam uma importante

lacuna significativa na cidade em vários aspectos por não se ter naquela época

e ainda hoje, um circuito de apreciação de arte fornecido pelo poder público

que envolva ‘todas’ as escolas. O que quero dizer é que o fato de ser positiva a

ida de alunos nestas visitações para o aprendizado das artes, não fez que

avançassem os esforços sobre a importância desta modalidade, da visitação

de espaços expositivos, museus, galerias, etc. O que torna esta ação quase

que imperceptível em relação ao projeto como um todo.

Um fato isolado não pode corroborar para o entrelaçamento de uma

proposta seja ela qual for. E a apreciação da arte neste caso, foi algo muito

pontual dentro do projeto não possibilitando a apreensão destes significados

tão importantes para o aprendizado.

Sendo assim, creio ser coerente ao rememorar o passado também

poder enxergar os limites e as incapacidades que existiram para assim, mais

tarde, apresentar novos caminhos e novas descobertas que alimentem novas

ações.

Então, novamente, o que é que ficou? O que pode ser guardado na

memória como uma conquista, uma grande vitória do projeto de arte-educação

desenvolvido em parceria com a Secretaria Municipal de Educação?

Quais são os pontos mais claros e quais são os mais nebulosos para

apresentarmos a quem interessado for sobre as capacidades e competências

atingidas neste tempo-espaço? Qual a visão de arte na escola que existe hoje?

O que pensar sobre as relações entre educação formal e informal? Como

promover isto?

Estas e outras tantas questões já existiam quando de início do projeto

quando, por exemplo, o fato de afirmar um ensino-aprendizado que leva em

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consideração a experimentação em arte como competência, já é em si e por si,

um tanto quanto inovador naquele momento. Outra coisa e poder dizer e

movimentar esforços em práticas que aproximem a escola e a comunidade em

atividades de sociabilização através da pintura de praças, mosaicos em

escadarias, etc.

Como se vê, o aspecto transdisciplinar dentro de uma perspectiva

realizadora do projeto aconteceu porque foi permitido e aberto as portas e os

portões das escolas e dada a confiança necessária aos artistas educadores

que na época (eram mais novos) a inexperiência pedagógica era transformada

em desafio poético.

Cabe ainda dizer, pensando neste primeiro período, que existiu um

vínculo muito positivo em relação às partes envolvidas: Secretaria, Instituição

privada, coordenação e artistas educadores.

Este vínculo se traduziu de forma qualificada por parte da USP,

instituição que promovia o trabalho no fornecimento dos materiais artísticos;

pela Secretaria de Educação que buscava inserir as práticas artísticas dentro

da escola de maneira contextualizada; por parte da coordenação que

incentivava e ressignificava o trabalho dos artistas-educadores e pelos próprios

artistas educadores que ao lidarem com as crianças, puderam encontrar um

terreno mais propício para suas práticas.

Ao apresentar estes bastidores, importante também lembrar que tudo

isto demonstrava uma vontade, um sonho, um espírito vanguardista que foi na

época este projeto.

Mas como só de boa vontade não se vive, caberá ao poder público daqui

adiante, não só aspirações, mas muita transpiração!

O fato mesmo é que as muitas conquistas e obras que foram criadas,

incorporadas; os muitos cursos, palestras e vivências promovidas nos vários

circuitos e ambientes escolares, só poderão se inscrever num determinado

tempo histórico, seja este através das pesquisas acadêmicas que forem

pesquisar as políticas públicas, ou novas publicações que se destinem a

levantar indicadores de avaliação; se destinarem todos os esforços em

comparar, em abrir as experiências num campo de reflexão mais amplo.

Este campo que sugiro, pode ser o campo de interface com a educação

não-formal, as iniciativas privadas através das várias instituições, as ONGs,

enfim, contextualizar o ensino da arte a partir de referências diversas que

possam orientar um caminho de entendimento que legitime a importância da

arte na educação nas várias fases e ciclos de aprendizagem, não somente a

partir de um arcabouço de significados que não apresentem as questões sócio

históricas vividas na atualidade, na contemporaneidade.

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Sendo assim, é com muita gratidão que se apresenta a seguir de forma

mais concreta o que foi, ou um pouquinho do que foi estas experiências que de

certa forma, por seu caráter inovador, desafiador, questionador, pôde significar

para quem viu de perto, novas possibilidades para o ensino da arte de forma

geral. E por que não dizer, novas descobertas para sonhar...