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INTRODUÇÃO ÀS INSTALAÇÕES PROPULSORAS NUCLEARES NAVAIS: CONCEITOS BÁSICOS E PARTICULARIDADES Leonam dos Santos Guimarães* * Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP) Av. Professor Lineu Prestes 2242 Cidade Universitária, São Paulo , SP, Brasil RESUMO O presente trabalho apresenta alguns aspectos relevantes para o projeto e operação das instalações propulsoras nucleares propriamente ditas e da especificidade do navio nuclear em si mesmo. É apreciada, dos pontos de vista teórico e tecnológico, a escolha dos reatores do tipo PWR, quase universalmente adotados para as aplicações de propulsão naval, considerando as diversas realizações e protótipos construídos. As particularidades dos reatores de propulsão naval em comparação com os reatores de centrais núcleo-elétricas comercias são comentadas. Alguns dos principais critérios de projeto e base para dimensionamento são apresentados. INTRODUÇÃO O grande interesse militar da propulsão naval nuclear [1], historicamente a primeira aplicação efetiva da energia nuclear “controlada”, se prende ao seu caráter anaeróbio e à autonomia energética que ela proporciona. Apesar de um número bastante grande de estudos, experimentações e tentativas tão engenhosas quanto aquelas efetuadas entre e durante as duas guerras mundiais [2], tais como o aperfeiçoamento das baterias de acumuladores, invenção do ‘‘esnorquel’’, sistemas a oxigênio líquido ou peróxido de hidrogênio, motor diesel em circuito fechado, motor stirling, estocagem de calor sob forma de sais fundidos, as limitações da propulsão convencional de submarinos os condenava, na prática, à necessidade de navegar na superfície a maior parte do tempo, o que implicava numa grande indiscrição. O mergulho só podia ser realizado por curtos períodos de tempo e a velocidade submersa muito baixa. A propulsão nuclear vem então possibilitar o desenvolvimento do “SUBMARINO TOTAL”, ou seja, aquele projetado para operar todo o tempo submerso, a altas velocidades. Desde as origens da descoberta da possibilidade da reação nuclear em cadeia, assim como quando da construção da primeira “pilha atômica” por Enrico Fermi em 1942, a aplicação “propulsão de submarinos” foi imediatamente identificada como das mais promissoras. Em 20 de março de 1953, o primeiro reator do tipo PWR, protótipo em terra da propulsão do USS NAUTILUS, atingiu

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INTRODUÇÃO ÀS INSTALAÇÕES PROPULSORAS NUCLEARES NAVAIS:CONCEITOS BÁSICOS E PARTICULARIDADES

Leonam dos Santos Guimarães*

* Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP)Av. Professor Lineu Prestes 2242

Cidade Universitária, São Paulo , SP, Brasil

RESUMO

O presente trabalho apresenta alguns aspectos relevantes para o projeto e operação das instalações propulsoras nucleares propriamente ditas e da especificidade do navio nuclear em si mesmo. É apreciada, dos pontos de vista teórico e tecnológico, a escolha dos reatores do tipo PWR, quase universalmente adotados para as aplicações de propulsão naval, considerando as diversas realizações e protótipos construídos. As particularidades dos reatores de propulsão naval em comparação com os reatores de centrais núcleo-elétricas comercias são comentadas. Alguns dos principais critérios de projeto e base para dimensionamento são apresentados.

INTRODUÇÃO

O grande interesse militar da propulsão naval nuclear [1], historicamente a primeira aplicação efetiva da energia nuclear “controlada”, se prende ao seu caráter anaeróbio e à autonomia energética que ela proporciona. Apesar de um número bastante grande de estudos, experimentações e tentativas tão engenhosas quanto aquelas efetuadas entre e durante as duas guerras mundiais [2], tais como o aperfeiçoamento das baterias de acumuladores, invenção do ‘‘esnorquel’’, sistemas a oxigênio líquido ou peróxido de hidrogênio, motor diesel em circuito fechado, motor stirling, estocagem de calor sob forma de sais fundidos, as limitações da propulsão convencional de submarinos os condenava, na prática, à necessidade de navegar na superfície a maior parte do tempo, o que implicava numa grande indiscrição. O mergulho só podia ser realizado por curtos períodos de tempo e a velocidade submersa muito baixa.

A propulsão nuclear vem então possibilitar o desenvolvimento do “SUBMARINO TOTAL”, ou seja, aquele projetado para operar todo o tempo submerso, a altas velocidades.

Desde as origens da descoberta da possibilidade da reação nuclear em cadeia, assim como quando da construção da primeira “pilha atômica” por Enrico Fermi em 1942, a aplicação “propulsão de submarinos” foi imediatamente identificada como das mais promissoras. Em 20 de março de 1953, o primeiro reator do tipo PWR, protótipo em terra da propulsão do USS NAUTILUS, atingiu sua criticalidade inicial e, em 1955, este submarino efetuou seu primeiro mergulho [3]. A concepção de

reatores PWR, tanto de propulsão naval como para geração de energia elétrica, guardam até hoje uma marca indelével dos conceitos básicos desenvolvidos por estes pioneiros, destacando-se o Almirante Hyman G. Rickover, que chefiou o Programa de Propulsão Nuclear da Marinha Americana desde seus primórdios, em 1948, até 1986, além de ter sido o idealizador e coordenador do projeto e construção da usina de Shippingport, primeira central nuclear comercial.

Até o presente, cerca de 330 submarinos nucleares foram construídos no mundo. Cerca de vinte navios de superfície foram dotados de reatores nucleares no mesmo período, sendo somente seis com outros fins que não propriamente militares [4].

PARTICULARIDADES DAS INSTALAÇÕES

Todos os países que desenvolveram estas instalações o fizeram a partir de Protótipos em Terra [5]. O caráter indispensável destes protótipos impõe-se pela inerente complexidade tecnológica dos navios nucleares, cuja operação deverá ser SEGURA, de modo a tornar-se socialmente aceitável, e EFICIENTE, para ser militarmente justificável.

Uma instalação nuclear embarcada em navio militar, em particular um submarino, assegura simultaneamente a propulsão (acionamento do hélice) e a produção de energia elétrica necessária para garantir a autonomia normal do navio. No caso de sistemas de propulsão por acionamento direto, uma fração da vazão produzida pelos geradores de vapor aciona as turbinas de

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propulsão acopladas ao hélice (através de engrenagens redutoras e do eixo propulsor), e a outra fração complementar aciona turbo-alternadores de serviço (em geral dois) que constituem as fontes de geração de energia elétrica normal do navio. No caso em que o acionamento do hélice não se dá de forma direta e sim por sistemas de acionamento elétrico do hélice, o vapor de origem nuclear aciona um grupo de turbo-alternadores (em geral dois) que geram energia elétrica para alimentar um motor elétrico de propulsão acoplado ao hélice, e outro grupo de turbo-alternadores (em geral dois) que alimentam as demais cargas elétricas do navio. Para condições de indisponibilidade da instalação nuclear, existe, nos dois casos, um sistema de propulsão de emergência, de potência limitada, a partir de motores elétricos alimentados por um grupo de baterias principal, no caso do submarino mergulhado, e por um diesel-gerador, no caso do submarino na superfície. O grupo de baterias e o diesel-gerador alimentam também as demais cargas elétricas do navio vitais para sua segurança e para a segurança da instalação nuclear embarcada.

A peculiaridade das instalações de propulsão nuclear naval em comparação com os outros tipos de reatores (geração de eletricidade, pesquisa, geração de calor) se prende às seguintes características:

1.Não-Singularidade e Imbricação com o navio;2.Integrabilidade e Adaptabilidade ao navio;3.Flexibilidade e Disponibilidade para o navio; e4.Segurança Global reator + navio.

Deve-se ainda notar que, com respeito a uma central de potência comercial, o inventário de produtos de fissão presentes no núcleo de um reator de propulsão é significativamente menor, na razão direta das potências térmicas envolvidas (50-100 MWth para reatores navais, 1500-3500 MWth para centrais comerciais).

Não-Singularidade e Imbricação com o navio. A principal peculiaridade de uma instalação nuclear de propulsão naval está associada à sua própria vocação: comparado com uma central núcleo-elétrica (o mesmo se aplica aos reatores para geração de calor e aos reatores de pesquisa), que representa uma entidade em si mesma (ainda que ligada a uma rede de distribuição de energia elétrica que ela alimenta; esta ligação é entretanto bastante “fraca” e geralmente não-vital), o reator de propulsão naval é “apenas” um componente de um conjunto mais vasto e mais complexo - o navio - do qual ele faz parte e constitui um componente vital. Este fato é ainda mais marcante no caso de submarinos, onde a imbricação da instalação nuclear com as demais instalações é muito forte e onde a propulsão deve ter um nível de confiabilidade e disponibilidade ao menos igual àquele dos dispositivos associados à segurança de mergulho. Deve-se ressaltar que a segurança de submarino ou navio de superfície sem

propulsão é extremamente vulnerável à menor avaria ou dificuldade de navegação. O reator de propulsão naval é então um componente vital de um conjunto complexo, imbricado e integrado: “o navio”, cuja finalidade não depende do modo de propulsão escolhido.

Integrabilidade e Adaptabilidade ao navio. Uma outra característica essencial do reator de propulsão naval é sua capacidade de integrar-se à bordo do navio. Esta noção de integrabilidade recobre diversos aspectos, sendo os mais evidentes os imperativos de peso e volume. Estes requisitos são especialmente críticos no caso de submarinos, cujas margens de projeto e construção para equilíbrio de pesos e momentos são sempre muito limitadas, e para os quais a redução das dimensões das aberturas no casco é um importante objetivo de segurança estrutural. Também para o caso de navios de superfície, a presença de um componente tão pesado e volumoso tal como a contenção de um reator perturba a harmonia do projeto dos conveses e a resistência mecânica da “viga-navio”, tendo em conta, aqui também as aberturas de acesso geralmente de grandes dimensões. Esta limitações, que nas origens da propulsão nuclear naval constituíram as causas principais do fracasso de alguns projetos (por exemplo, a tentativa francesa de desenvolvimento de um sistema baseado em reator de urânio natural/água pesada), continuam essenciais: as técnicas pelas quais elas são resolvidas medem o desempenho comparado das instalações de propulsão naval (relações peso/potência, volume/potência). Na prática, os requisitos de minimização do peso concernem sobretudo o projeto da proteção biológica (blindagens) do reator. Com efeito, se definirmos o peso desta proteção como sendo o peso adicional necessário ao sistema para atender as normas de radioproteção que são impostas sobre o projeto, este peso adicional pode representar, a grosso modo, até metade do peso total do sistema, no caso extremo de um reator embarcado em um submarino de pequeno deslocamento. Se as limitações de volume e de peso (principalmente da proteção biológica) são importantes, elas não são, entretanto, as únicas a caracterizar a integrabilidade e a adaptabilidade ao navio. De uma maneira geral, o ambiente-navio (definido como o conjunto de condições particulares impostas ao reator pelo fato dele estar embarcado) constitui uma fonte de requisitos para o projetista da instalação nuclear [6], muito distintas daquelas impostas às instalações em terra:· os movimentos de plataforma e em particular as

inclinações, que constituem um elemento de complexidade suplementar onde existe uma superfície livre líquida (gerador de vapor, pressurizador) e sobre o projeto mecânico de sistemas (suportação, resistência mecânica aos choques); e

· as acelerações impostas por estes movimentos e, em especial no caso de navios de guerra, pelos choques

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resultantes de explosões submarinas próximas ao casco.

O ambiente-navio, sobre todos os seus aspectos, apresenta ainda outros requisitos cuja lista exaustiva seria complexa de ser enumerada (por exemplo, a ação corrosiva da água do mar). Guardaremos assim que a instalação nuclear encontra-se localizada em um ambiente hostil, obrigada a contar exclusivamente com os recursos embarcados no navio em caso de dificuldade. Por outro lado, a instalação nuclear deve ser projetada, em todos os seus aspectos, de modo a minimizar os requisitos que ela apresenta ao projeto e à operação do navio. Isto pode conduzir, em alguns casos, a renunciar a certas soluções usuais em instalações nucleares terrestres como, por exemplo:· o controle de reatividade de reatores a água

pressurizada por veneno solúvel, que conduz a grandes quantidades de efluentes não rejeitáveis diretamente para o mar, o que complicaria sobremaneira os circuitos auxiliares da instalação; e

· o tratamento volátil da água do secundário, impraticável dentro do espaço confinado que representa um submarino.

Flexibilidade e Disponibilidade para o navio. Como vimos anteriormente, a instalação nuclear de propulsão naval é um componente vital de um conjunto mais vasto e complexo. Isto implica que uma de suas qualidades essenciais reside na sua disponibilidade instantânea, que deverá ser total. Esta noção de disponibilidade total ao “chamado da função”, não deve ser confundida com a disponibilidade “estatística” das centrais núcleo-elétricas. A continuidade da produção de energia deve ser garantida, notadamente durante os transitórios bruscos e freqüentes que caracterizam o operação do navio. Isto conduz na prática a buscar a máxima flexibilidade de utilização para a instalação nuclear. Um exemplo destas solicitações pode ser dado pelo requisito de redivergir o reator no pico de envenenamento por Xenônio após um desligamento. A flexibilidade de utilização está por sinal na origem da adoção quase universal do reator a água pressurizada (PWR) para propulsão naval, pois este tipo de reator apresenta um certo número de características próprias que favorizam uma melhor disponibilidade. A busca da disponibilidade máxima conduz por exemplo o projetista do reator a conceber o controle da instalação de maneira tal que a continuidade da produção de energia (eventualmente reduzida) seja a máxima possível e que, em nenhum caso, uma primeira avaria menor sobre a instalação propulsora nuclear ou sobre o navio venha a conduzir à sua interrupção. Como regra geral, a busca da melhor disponibilidade (ou seja, a capacidade de continuar a funcionar em caso de avaria menor) conduz a um certo “superdimensionamento” das instalações, através da adoção de margens de projeto e de operação muito maiores do que aquelas que seriam requeridas com base nas estritas necessidades do funcionamento nominal.

Segurança Global Reator + Navio. Em paralelo com os requisitos de disponibilidade, os requisitos de segurança se exprimem para as instalações propulsoras nucleares de um modo um tanto diferente do caso de outros tipos de reator. Pelo fato da não-singularidade e imbricação com o navio, os objetivos gerais de segurança são enunciados para o conjunto reator + navio, e não para a instalação nuclear isoladamente. A maximização da segurança do conjunto reator + navio conduz o projetista a conceber para a instalação nuclear uma série de disposições construtivas e também de regras de condução e de controle que visam garantir a continuidade da produção de energia, em nível sem paralelo com as instalações terrestres. Obviamente, esta abordagem é limitada sempre que o aumento da disponibilidade possa representar um risco inaceitável de um acidente severo, com possibilidades de contaminação e irradiação de populações ou do meio-ambiente. Um exemplo deste tipo de compromisso pode ser dada pelo poder de decisão que pode ser concedido ao comandante do navio de inibir deliberadamente certas ações de proteção do reator (o alarme por fluxo neutrônico excessivo, por exemplo), se ele estima que a segurança do navio estaria ameaçada em caso de perda da propulsão: isto só é aceitável devido ao fato que, mesmo navegando próximo de costa, as conseqüências de um acidente só incidiriam sobre a tripulação do navio, sobre a qual ele é totalmente responsável Deve-se manter sempre em mente que um navio militar só se encontra em efetiva segurança com respeito aos diversos riscos operativos e de navegação que está submetido se ele puder dispor rapidamente da energia fornecida pela instalação nuclear. Isto posto, se o fornecimento de vapor nuclear não é assegurado, em particular por razões ligadas à segurança nuclear, a manobrabilidade do navio, e portanto sua própria segurança podem ser gravemente afetadas. Pode-se portanto considerar que a segurança da instalação nuclear depende da segurança do navio, que por sua vez depende da disponibilidade da instalação nuclear. A concepção da instalação nuclear deve portanto ser tal que possa suportar, sem falha, transitórios bruscos, a partir de condições iniciais variadas e, se a segurança do navio exigir, possa continuar operando excepcionalmente em um modo degradado, dentro de condições menos restritivas que aquelas correspondentes ao nível de segurança nuclear habitualmente requerido em condições normais. Deve-se aqui fazer uma distinção bem clara entre a noção de risco presente (ou imediato) e a de risco potencial: quando um navio é confrontado com um alagamento ou uma colisão (risco presente), a disponibilidade total da energia nuclear será requerida, mesmo que isto possa aumentar temporariamente a probabilidade de um acidente hipotético sobre a instalação propulsora (risco potencial).

PRINCÍPIOS GERAIS DE PROJETO

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Os princípios gerais do projetista de instalações propulsoras nucleares visam adaptá-las o melhor possível às particularidades evocadas anteriormente. Estes princípios podem ser resumidos da seguinte maneira:· melhorar continuamente a segurança, a confiabilidade

e a facilidade de operação e de manutenção, pois considera-se ilusório pensar que a técnica pode progredir “por saltos”, ao ritmo das diferentes realizações ou projetos, o que aliás constitui uma fonte de motivação para as nações menos desenvolvidas, como o Brasil;

· aperfeiçoar a interface homem / máquina para facilitar a condução e as tarefas dos operadores e para reduzir, sempre que possível o efetivo de pessoal de operação (objetivo sobretudo importante para os submarinos, mas também para os navios mercantes); e

· buscar possibilidades de redução de custos efetivas e duráveis, ou seja, com resultados reais quando considera-se todo o ciclo de vida do navio.

Confiabilidade. A obtenção de um bom nível de confiabilidade para uma função ou um subsistema é permitida por:· redundância (é por exemplo o caso da duplicação de

um auxiliar ativo, tal como bombas e válvulas, mas também de uma medida física triplicada da qual assume-se a mediana ou a comparação de várias medidas a um “set-point” associado a uma lógica a voto majoritário);

· margens de projeto e operação;· simplificações; e· capacidade dos sistemas a serem submetidos a testes

periódicos, ou melhor ainda, suas características de auto-teste.

Segurança Nuclear. Os requisitos de segurança nuclear das instalações propulsoras nucleares navais se exprimem através de quatro funções básicas.1. Assegurar uma disponibilidade da instalação nuclear,

de modo a garantir a segurança do navio e, por conseqüência, a segurança do reator;

2. Assegurar contenção e proteção biológicas suficiente em torno das fontes radioativas, reduzir ao mínimo os riscos de liberação destas substâncias, de forma que a exposição do pessoal a bordo, das populações e do meio-ambiente seja mantida ao nível mais baixo que seja razoavelmente possível de ser atingido (ALARA);

3. Permitir o controle da reação em cadeia de maneira segura, e a manutenção do estado sub-crítico do núcleo todo tempo que for necessário; e

4. Permitir a evacuação da potência proveniente do núcleo de maneira segura.

A busca de melhorias da segurança se apoia sobre uma análise de segurança por eventos de sistemas e

subsistemas componentes da instalação nuclear [7]. São considerados nesta análise os seguintes princípios:· busca da segurança intrínseca e/ou passiva na

concepção dos sistemas;· a vigilância da disponibilidade das funções de

segurança com o objetivo de garantir a “plena disponibilidade presumida”, eliminando as “indisponibilidades escondidas”;

· o critério dito de “falha simples” de sistemas ativos à chamada da função;

· a eliminação das falhas em “modo comum”;· a busca da segregação e da independência das funções

de segurança;· o princípio de defesa em profundidade, considerando

além das três barreiras físicas convencionais com respeito à disseminação dos produtos de fissão, quatro níveis de defesa: prevenção pela qualidade, vigilância e proteção, salvaguarda e procedimentos últimos; e

· a estanqueidade total de cada uma das barreiras físicas;· o princípio de “controle total” da reatividade, ou seja, a

reatividade do núcleo pode ser deliberadamente ajustada ao valor desejado em todas as circunstâncias, qualquer que seja a evolução dos parâmetros físicos influindo sobre ela.

ESCOLHA DO TIPO DE REATOR PARA PROPULSÃO NAVAL

As instalações nucleares embarcadas em navios militares [1] operados pelas Marinhas Americana, Russa, Britânica, Francesa e Chinesa são, na sua quase totalidade, baseadas em reatores PWR do tipo segregado (“loop type”). As poucas exceções são baseadas em reatores PWR do tipo integrado ou reatores resfriados a metal líquido (sódio, liga sódio-potássio ou liga chumbo-bismuto).

Seria inútil descrever aqui em detalhe os reatores PWR de tipo segregado, bastante conhecidos. Apresentaremos, entretanto, algumas de suas características intrínsecas, particularmente bem adaptadas aos problemas colocados pela propulsão naval.

Ciclo termodinâmico. Primeiramente, deve-se ressaltar que a maior deficiência dos reatores PWR para a geração de energia elétrica, associada às suas baixas temperaturas e portanto baixa pressão de vapor (o ponto crítico da água se situa a 3740C / 221bar), não é um elemento realmente desfavorável no caso da propulsão naval. Com efeito, a busca de um elevado rendimento térmico não é um objetivo prioritário como é o caso para as centrais de geração comercial, outros aspectos sendo considerados mais importantes. As turbinas de propulsão de submarinos, que são geralmente em um só corpo, sem separação nem extração intermediária, são alimentadas por um vapor saturado (@ 30 bar, com circuito primário a @ 2800C / 140bar) com características bastante inferiores quando

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comparadas às instalações de propulsão naval a vapor convencionais [8]. As turbinas de propulsão de navios de superfície, para as quais as limitações de volume e peso são muito menos rigorosas e onde as potências propulsivas são significativamente mais elevadas, são de projeto mais elaborado do ponto de vista do rendimento térmico. As limitações de tamanho dos condensadores principais implicam no funcionamento em condições de vácuo (@ 250 mbar) também bastante inferiores àquelas das instalações de propulsão naval a vapor convencionais. Entretanto, estas condições de vácuo limitadas possuem um efeito favorável, reduzindo a formação de partículas d’água nos estágios de baixa pressão e, por conseguinte, a erosão das palhetas das turbinas. Note-se ainda que os condensadores são resfriados a água do mar na pressão correspondente à cota de mergulho (@ 30bar), o que representa um perigo de alagamento permanente para o navio. Esta abordagem “conservadora” para seleção do ciclo térmico torna-se porém totalmente sem eficácia se o projeto da instalação tiver como objetivo níveis de desempenho (relações volume/potência e peso/potência) muito elevados, para os quais um ganho significativo em rendimento térmico seria obrigatório. Note-se que um ganho de 10% sobre o rendimento térmico faria ganhar, todas as demais condições mantidas constantes, cerca de 3% sobre a velocidade máxima do submarino [2], ou seja cerca de um nó (milha marítima/hora). Para tais aplicações os reatores PWR não são os mais adaptáveis, justificando-se assim a escolha de reatores resfriados a metal líquido, que permitiriam ao secundário operar em condições similares aquelas das instalações de propulsão a vapor convencionais.

Proteção Biológica. O reator PWR apresenta, com respeito aos problemas de proteção biológica, certas características relativamente favoráveis:· é um reator térmico moderado a água, cujas emissões

de nêutrons rápidos para fora do núcleo são reduzidas; de toda forma, a presença de um refletor e a necessidade de proteger o vaso (sob alta pressão) contra os nêutrons fortemente energéticos, induz o projetista a envolver o núcleo de uma barreira de aço espessa e de uma relativamente grande espessura de água;

· na travessia do núcleo, a irradiação neutrônica do oxigênio da água provoca a formação do nitrogênio-16, emissor de um g muito energético; entretanto, o N-16 é um nuclídeo de meia-vida curta (@ 7s) e é possível, sem perturbar a arquitetura geral do reator, arranjar na saída do núcleo uma “linha de retardo” (de fato um volume de água relativamente grande circulando na saída do núcleo) de modo a provocar o decaimento do N-16 ainda no interior do vaso e na vizinhança imediata do núcleo, o que reduz de um fator 2 ou 3 o nível médio de emissões g correspondentes;

· sobre as outras fontes de radiação (g do núcleo, produtos de ativação secundários, produtos de corrosão) deve-se notar que a integridade do combustível dos PWR de propulsão naval, devido às dilatadas margens de projeto e operação adotadas, é significativamente melhor que a dos PWR de geração comercial de eletricidade.

Sobre o aspecto de proteção biológica, cumpre notar que as poucas tentativas de emprego de reatores resfriados a metal líquido apresentaram graves deficiências [9].

Facilidade de operação. Esta é uma vantagem muito importante dos reatores PWR que apresentam um coeficiente de realimentação de reatividade com a temperatura do moderador (que também constitui o refrigerante) fortemente negativo nas vizinhanças das temperaturas de operação. Isto se torna ainda mais importante à medida que se busca evitar o boro solúvel como meio de controle e que os núcleos são de tamanho reduzido, implicando um efeito de fuga de nêutrons importante. Além disto, através de um certo número de disposições de projeto, notadamente a modulação da razão de moderação, que não provocam impactos significativos sobre o núcleo, pode-se, numa certa medida ajustar o coeficiente moderador a um valor desejado. A auto-regulagem intrínseca do PWR é, indubitavelmente, um elemento altamente favorável, dado que uma variação de potência pode ser obtida sem que seja necessário modificar a posição dos elementos absorvedores de controle. Esta vantagem está na origem de um grande número de simplificações da instalação.

Simplicidade Construtiva. Esta é incontestavelmente a maior vantagem dos reatores PWR, cuja concepção é de uma simplicidade inigualável. Os principais materiais constitutivos, água, aço, Zircalloy, óxido de urânio (note-se bem que trata-se do óxido de urânio e não do urânio metálico que reage violentamente com a água a temperatura de 2500C), chumbo, são atualmente bem conhecidos e não apresentam características químicas ou físicas perigosas nas condições ambientes de temperatura e pressão assim como nas condições nominais de operação. Deve-se entretanto lembrar que a água é muito ativa quimicamente às altas temperaturas, muito mais, por exemplo, que o refrigerante dos reatores a gás, como o Hélio. Isto impõe praticamente o emprego do Zircalloy e dos aços inoxidáveis como material de revestimento e conduz geralmente a um circuito primário mais ativo e carregado de produtos de corrosão do que os reatores a gás. O risco permanece entretanto de uma reação química Zircônio - água a alta temperatura (>10000C), com produção de Hidrogênio. A água assegura por ela mesma as duas funções: moderador de boa qualidade (mesmo não sendo o melhor) e refrigerante, o que constitui um significativo elemento de simplificação. A água é um dos melhores fluidos para transporte de calor, requerendo uma

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potência de bombeamento comparativamente inferior à maioria dos outros refrigerantes para uma dada potência térmica extraída. Os fluidos primário e secundário são da mesma espécie, o que minimiza as conseqüências de vazamentos nos trocadores. O reator pode, através de algumas precauções, continuar a funcionar com um pequeno vazamento em um gerador de vapor. Deve-se ainda notar que a água de suplemento eventualmente necessária pode ser produzida a bordo de um navio de modo simples e em abundância. A arquitetura do reator é igualmente simples e o número e a complexidade dos circuitos e instalações auxiliares são limitados. Os únicos elementos de complexidade do projeto da instalação provêm do sistema de pressurização, que deve absorver grandes variações do volume de água do primário circulante e igualmente do núcleo e de seu sistema de controle, que é de cálculo e projeto complexo (barras de controle e mecanismos de acionamento numerosos), principalmente quando se considera a longa vida útil requerida.

Segurança Nuclear. Do ponto de vista da segurança, é difícil comparar os PWR aos outros reatores, cada um apresentando vantagens e inconvenientes sob este aspecto. O risco específico principal incidindo sobre os PWR provem da existência de componentes sob alta pressão contendo um fluido altamente energético. Entretanto, as disposições adotadas para eliminar os riscos de ruptura do envelope primário ou para reduzir suas conseqüências, ainda que um pouco restritivas, não se constituem num real obstáculo.

CONCLUSÕES

Em funcionamento normal, a experiência mundial que cobre atualmente quatro décadas e cerca de 400 navios (representando algo em torno de 5.000 reatores x ano) mostra que os riscos devido à operação das forças de submarinos nucleares são desprezíveis: a irradiação e a contaminação das tripulações e do pessoal de apoio em terra são muito inferiores aos limites regulamentares prescritos e o impacto a curto e a longo prazo sobre o público em geral e o meio-ambiente é extremamente reduzido, i.e. muito inferior àquele devido à radioatividade natural [10-11].

Algumas perdas de navios ou acidentes graves entretanto ocorreram no mar nas esquadras americana e ex-soviética. Os acidentes entre 1963 e 1989 [9] foram em número de 8:· EUA: 2 Submarinos Nucleares de Ataque (SNA)

naufragados; e· ex-URSS: 4 Submarinos Nucleares Lançadores de

Mísseis balísticos (SNLMB), tendo 3 naufragados, e 2 SNA, tendo 1 naufragado.

Em todos estes casos, nenhuma contaminação séria de superfície ou de águas profundas foi jamais detectada,

apesar de numerosas medidas realizadas e que continuam sendo feitas [11]. A partir de uma dezena de metros dos restos dos naufrágios, mesmo aqueles mais destruídos, e em grandes ou médias profundidades, a radioatividade do mar não ultrapassa seu nível natural, que aliás está longe de ser desprezível.

Estes resultados podem ser explicados quando se considera que a água é o melhor dos refrigerantes e a melhor proteção contra as radiações, que a potência residual é relativamente pequena e decresce rapidamente com o tempo, e que os materiais radioativos insolúveis, tais como o plutônio, não remontam à superfície.

Os maiores riscos de acidentes se situam no alto mar, mas as conseqüências seriam desprezíveis para o público. Um acidente numa base em terra possui uma probabilidade muito pequena em razão das medidas tomadas para a prevenção; as conseqüências seriam em todo caso muito limitadas. Os perigos poderiam existir próximo à costas: ao menos em tempo de paz, os procedimentos, diretivas e condições para operação impostas pelas marinhas tornam esta eventualidade muito pouco provável.

REFERÊNCIAS

[1] Flores, M.C., Submarino de Propulsão Nuclear: o que o justifica? como chegara até ele? o que quer a Marinha com ele? e para quê?, Revista Marítima Brasileira, Serviço Geral de Documentação da Marinha, Rio de Janeiro, maio de 1988.[2] Guimarães, L.S., Modernas Tendências no Projeto de Submarinos, Dissertação de Mestrado, EPUSP, São Paulo, 1991.[3] Hewlett, R.G. e Duncan, F., Nuclear Navy: 1946-1962, University of Chicago Press, Chicago, USA, 1974.[4] Sharpe, R., Jane´s Fighting Ships, Jane´s Information Group, Surrey, UK 1996.[5] Guimarães, L., Protótipos em Terra de Instalações Propulsoras Nucleares, Anais do VI CGEN, Rio de Janeiro, 1996.[6] OMCI, Recueil de Règles de Securité Applicables aux Navires de Commerce Nucléaires, 44ème session du Comité de la Securité Maritime, Londres, 1969.[7] Guimarães, L., Introdução à análise de segurança da propulsão nuclear de navios militares, submetido para publicação nos Anais do VI CGEN, Rio de Janeiro, 1996.[8] De Ladonchamps, J. e Verdeau, J., Réacteurs Nucléaires à eau pressurisée - theorie, technologie et applications à propulsion navale, Masson et cie. éditeurs, Paris, 1972.[9] Laning, R.B., The Seawolf´s Sodium-Cooled Power Plant, Naval History, U.S.Naval Institute, USA, 1992.

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[10] Handler, J. et alli, Neptune Papers Monograph Series (vol. 2-5), Greenpeace Nuclear Free Seas Campaign, Washington, USA, 1991[11] Bourgeois, J., Tanguy, P. e Petit, J., La Sureté Nucléaire en France et dans le Monde, Polytechnica, Paris, 1996.

ABSTRACT

A brief introduction to nuclear warship propulsion plants is presented, discussing some specific issues which differentiate these installations from commercial nuclear power plants. The advantages of PWR for naval propulsion applications and some general design goals are also presented.