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INTRODUÇÃO A Lei de Responsabilidade Fiscal, introduzida em nosso ordenamento jurídico pela Lei Complementar Nº 101 de 04 de maio de 2000, vigendo a partir de 1º de Janeiro de 2001, trouxe à prática a forma de administração pública, com responsabilidade voltada a evitar o endividamento público, fato comum praticado por políticos que não sabem dosar sua discricionariedade no momento de administrar o patrimônio público. A idéia não é nova, vários países Europeus, como Inglaterra, Nova Zelândia, Alemanha, Dinamarca, e muitos outros utilizam desta idéia na administração da coisa pública. A aplicação plena da lei permitiu um fato que se tornou marco na economia mundial, A União Européia, onde temos vários países congruentes e envoltos em torno de um único sistema monetário, o Euro. O equilíbrio das contas públicas é essencial para o desenvolvimento econômico- financeiro de um país, e para que isto ocorra é necessário vincular o administrador da coisa pública, retirar-lhe a discricionariedade que alarga seu horizonte deixando-o sem dimensões, naquilo que se refere ao fato de gastos públicos. Nosso trabalho aqui, estará voltado a comentários de alguns artigos da lei de responsabilidades, em especial aqueles mais incisivos, passando pela teoria e prática da Lei de Responsabilidade Fiscal, sem esquecer do aspecto penal, foco contundente de nosso trabalho, que é a punição prevista para aqueles que a desrespeitarem. Seria impossível falar da LRF, sem mencionar as leis que a circundam ou poderíamos dizer que são objeto de controle da lei de responsabilidade fiscal, as leis

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INTRODUÇÃO

A Lei de Responsabilidade Fiscal, introduzida em nosso ordenamento jurídico

pela Lei Complementar Nº 101 de 04 de maio de 2000, vigendo a partir de 1º de Janeiro

de 2001, trouxe à prática a forma de administração pública, com responsabilidade

voltada a evitar o endividamento público, fato comum praticado por políticos que não

sabem dosar sua discricionariedade no momento de administrar o patrimônio público.

A idéia não é nova, vários países Europeus, como Inglaterra, Nova Zelândia,

Alemanha, Dinamarca, e muitos outros utilizam desta idéia na administração da coisa

pública. A aplicação plena da lei permitiu um fato que se tornou marco na economia

mundial, A União Européia, onde temos vários países congruentes e envoltos em torno

de um único sistema monetário, o Euro.

O equilíbrio das contas públicas é essencial para o desenvolvimento econômico-

financeiro de um país, e para que isto ocorra é necessário vincular o administrador da

coisa pública, retirar-lhe a discricionariedade que alarga seu horizonte deixando-o sem

dimensões, naquilo que se refere ao fato de gastos públicos.

Nosso trabalho aqui, estará voltado a comentários de alguns artigos da lei de

responsabilidades, em especial aqueles mais incisivos, passando pela teoria e prática

da Lei de Responsabilidade Fiscal, sem esquecer do aspecto penal, foco contundente

de nosso trabalho, que é a punição prevista para aqueles que a desrespeitarem.

Seria impossível falar da LRF, sem mencionar as leis que a circundam ou

poderíamos dizer que são objeto de controle da lei de responsabilidade fiscal, as leis

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que preconiza os atos públicos, o planejamento administrativo-financeiro, no caso, o

Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei orçamentária

Anual (LOA).

Nosso trabalho não é singular, mas tem por objetivo esclarecer e propagar junto

à comunidade acadêmica, política e sociedade em geral, fatores aos quais devem os

administradores e administrados ter conhecimento, para melhor aproveitamento e

aplicação da legislação em vigor.

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2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. 0 Federalismo Fiscal Brasileiro

2.1.1. 0 Federalismo Fiscal Brasileiro na Constituição de 1988 e Anterior à Lei de

Responsabilidade Fiscal

O Brasil é um País dimensões continentais, organizado como uma Federação.

Mais precisamente como uma República Federativa. Sua formação heterogénea

manifesta-se em suas diferenças culturais, sociais e econômicas e corresponde a seu

modelo federal. O País tem imensas disparidades na distribuição de riquezas e o

sistema fiscal federal que adotou é uma tentativa de corrigir suas diferenças.

O artigo 1º da Constituição do Brasil reza que a República Federativa do Brasil é

constituída pela união indissolúvel de seus Estados e do Distrito Federal. A estrutura

federal tem três níveis governamentais: o Governo Federal, também denominado

União, os Estado s Membros e os Municípios. Cada um desses níveis governamentais

tem atribuições e responsabilidades tributárias definidas e a Constituição estabeleceu

os impostos específicos por cuja criação e administração cada nível governamental é

responsável. Há, também, princípios tributários genéricos definidos na Constituição e

princípios tributários relacionados a cada imposto.

De acordo com a Constituição, o Governo Federal têm competência para instituir:

(I) imposto de importação (II); (II) imposto de exportação (IE); (III) imposto de renda -

ganhos de capital e renda de pessoa jurídica (IR); (IV) imposto sobre produtos

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industrializados (IPI); (V) imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro e

operações relacionadas a títulos e valores mobiliários (IOF); (VI) imposto sobre

propriedade territorial rural (ITR); (VII) grandes fortunas, a serem definidas por lei; e

(vIII) impostos residuais"'. O Governo Federal também é responsável pela instituição,

pela cobrança e pela administração da Contribuição Social sobre Lucros (CSSL), do

Programa de Integração Social (PIS), pela Contribuição Financeira de Seguro Social

(Cofins) e pelo Seguro Social incidente sobre a Folha de Salários (INSS).

Os Estados-Membros e o Distrito Federal têm competência para instituir: (i)

Impostos Sobre Transmissões “causa mortis” ou heranças; (ii) Imposto Sobre a

Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que é equivalente ao VAT europeu; (iii)

(imposto sobre a propriedade de veículos automotores IPVA)`. Os Municípios têm

competência para instituir: (i) imposto sobre terrenos e prédios urbanos (IPTU); (ii)

imposto de transmissão inter vivos (ITBI); (iii) imposto sobre serviços (ISS).

O Brasil tem um sistema de divisão incondicional de receita, em que o Governo

Federal é obrigado, por normas constitucionais, a transferir para os Estados-Membros e

Municípios sua parcela na divisão de receitas, seguindo determinações constitucionais,

independentemente de quaisquer circunstâncias especiais.

O mecanismo de repasse de transferências fiscais é detalhadamente descrito

nos artigos 157 a 162 da Constituição de 1988. Tentaremos resumir o modo como o

sistema funciona. O artigo 157 descreve a parcela que os Estados-Membros recebem

dos impostos lançados pelo Governo Federal. Todo o Imposto de Renda retido na fonte

(IR) arrecadado pelos Estados-Membros em operações em que eles próprios, suas

autarquias ou fundações estão envolvidos, será automaticamente transferido para eles.

Receberão também 20% (vinte por cento) das receitas arrecadadas pelos impostos que

o Governo Federal tem o direito de instituir em circunstâncias especiais (imposto

residual). Este mecanismo assegura que os Estados-Membros recebam parte de

receitas tributárias federais que arrecadam através de seus territórios.

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Conforme consignado no artigo 158 da Constituição, pertencem aos Municípios:

(1) todo o Imposto de Renda retido na fonte arrecadado em operações em que eles

próprios, suas autarquias ou fundações estão envolvidos; (íi) 50% (cinqüenta por cento)

do produto da arrecadação do imposto territorial rural (ITR), relativamente aos imóveis

sob sua jurisdição; (iii) 50% (cinqüenta por cento) do produto da arrecadação do

imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) relativamente àqueles

veículos licenciados sob sua jurisdição; (iv) 25% (vinte e cinco por cento) do produto da

arrecadação do Imposto sobre a Circulação de mercadorias e serviços (ICMS), desde

que recebam no mínimo três quartos do valor agregado nas operações referentes à

circulação de mercadorias e serviços dentro de seus territórios, e um quarto de acordo

com o que a legislação específica fixar.

De acordo com esta determinação constitucional, pertence aos Municípios a

quantia total ou uma parte significativa das receitas tributárias federais que arrecadam

dentro de seus territórios. Manterão, também, cinqüenta por cento do imposto dos

Estados-Membros sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) licenciados em

seus territórios e um quarto do ICMS (VAT europeu) arrecadado em operações dentro

de suas fronteiras territoriais.

Há também a parte da receita arrecadada pelo Governo Federal que será

automaticamente repassada. O artigo 159 especifica que o Governo Federal repassará:

(i) 47% do produto da arrecadação do imposto sobre renda (IR). Esta quantia será

dividida em três Fundos diferentes, em que 21,50% destinam-se ao Fundo de

Participação dos Estados-Membros e do Distrito Federal; 22,50% pertencem ao Fundo

de Participação dos Municípios, e 3% devem ser aplicados em programas especiais

destinados às regiões mais pobres do País, que são discriminadas nesse artigo da

Constituição (artigo 159, 1, "c"). Excluir-se-á dessa quantia o imposto sobre renda

destinado aos Estados-Membros, ao Distrito Federal e aos Municípios em conformidade

com os artigos 157 e 158 descritos acima; (ii) 10% do produto da arrecadação do

imposto sobre produtos industrializados (IPI) serão repassados para os

Estados-Membros e o Distrito Federal em proporção ao valor de suas respectivas

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exportações de produtos industrializados. Neste caso específico, nenhuma entidade

governamental poderá receber mais de 20% da quantia total. Neste caso, o valor

excedente será distribuído entre os demais, respeitando os critérios acima; (iii) cada

Estado-Membro também repassará a seus Municípios 25% dos recursos recebidos de

acordo com o critério explanado no item (ii) acima, visto que três quartos referir-se-ão a

operações dentro de seus territórios e um quarto de acordo com os critérios a serem

definidos por lei.

Há disposições finais proibindo o governo de criar obstáculos, restrições ou de

reter as quantias que deverão ser repassadas de acordo com os critérios descritos

acima. No entanto, é permitido ao governo cal, pelo qual a receita arrecadada devido ao

aumento de vários impostos não será automaticamente repassada, mas permanecerá,

ao invés, com o Governo Federal para outros fins de estabilização"' tais como o

desenvolvimento de saúde e educação.

2.1.2. Transferências Fiscais Automáticas e suas Conseqüências

O sistema automático de transferências fiscais, adotado no Brasil, teve um

grande efeito distributivo. No entanto, não foi acompanhado pelo repasse de

responsabilidades do Governo Federal. Portanto, apesar do fato de os

Estados-Membros e os Municípios receberem uma quantia enorme de recursos do

Governo Federal para gastar com suas necessidades, entre as quais hospitais e

escolas locais, este último continua responsável pelo sistema de saúde nacional e pelo

sistema educacional nacional. Além disso, o Governo Federal é responsável não

somente pela manutenção de hospitais e escolas federais, como também pelo

pagamento de seus funcionários públicos. A administração de Tribunais Federais em

todos os Estados-Membros, a administração do sistema bicameral do Congresso

Nacional, além dos salários de todos os Membros do Parlamento Federal continuam

sendo responsabilidade do Governo Federal. Finalmente, o sistema de fundos de

pensão (Previdência Social, administrada pelo INSS) por todo o País continua

responsabilidade do Governo Federal. A Constituição de 1988 trouxe um novo

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esquema de descentralização de receita, mas não houve descentralização

administrativa e, desse modo, o Governo Federal começou a gastar muito mais que

suas receitas podiam pagar. Portanto, um círculo vicioso começou a levar a uma séria

crise de dívida, que criou pressões inflacionárias e desequilíbrios macroeconômicos.

Este provavelmente foi o primeiro efeito perverso de um sistema muito bem projetado

de Federalismo Fiscal e transferências de repasse automático no Brasil.

Levou também a uma multiplicação irracional de Municípios. Várias cidades, ou

mesmo pequenos agrupamentos de vilarejos começaram a reivindicar reconhecimento

como Municípios, ou ainda dividiram-se em dois novos Municípios. Dois

Estados-Membros (Goiás e Mato Grosso) dividiram-se em dois e foram criados os

novos Estados-Membros de Tocantins e Mato Grosso do Sul. Antigos territórios

federais, sob o controle do Governo Federal, foram transformados em novos

Estados-Membros (Rondônia, Roraima, Amapá e Acre). Foram concedidos a todos

esses novos Municípios e Estados-Membros seus direitos de receber fundos de

repasse sem cálculos prévios de sua contribuição nas receitas.

Os incentivos fiscais e benefícios fiscais agravaram o problema, pois há um

mecanismo constitucional que assegura aos Estados-Membros certa autonomia para

conceder incentivos fiscais para beneficiar e atrair empresários e grandes empresas. Os

Estados-Membros são responsáveis pelo VAT brasileiro (ICMS), que é um imposto

estadual. Apesar da harmonização das normas descritas na Constituição Federal cada

Estado-Membro é responsável pela regulamentação deste imposto dentro de seus

territórios e pela adoção de incentivos a setores específicos. De fato, esta flexibilidade é

concedida a cada entidade governamental com relação a seus impostos. Assim, os

Estados-Membros e os Municípios poderiam desenvolver as condições que desejassem

para atrair empresários e diferentes atividades econômicas.

O risco moral (Moral Hazard) é uma das maiores preocupações para e Federação

Brasileira. Com a falta de recursos federais para projetos de infra-estrutura e mesmo

para as necessidades básicas da população, como hospitais, água encanada ou

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educação, e com a disparidade entre as entidades governamentais em realação à

riqueza, vários governadores sem visão de longo prazo elevavam o nível de sua dívida

por razões políticas. Os mecanismos de redistribuição fiscal os socorriam elevando o

nível de dívidas do Governo Federal. O resultado óbvio era, novamente, pressões

inflcionarias e desiquilíbrios macroeconômicos.

Deve-se enfatizar que a falta de independência do Banco Central do Brasil foi

responsável pelo aumento da crise, pois seu inexorável financiamento aos déficits

orçamentários gerou um déficit elevado que levou o Governo Federal a criar novos

impostos e a pressionar a si e a outras entidades governamentais a vários cortes de

despesas em uma tentativa de alcançar equilíbrio. Novos impostos e o aumento de

taxas de juros para atrair capital estrangeiro não apenas aumentaram ainda mais o

déficit, mas também destruíram, ou pelo menos paralisaram, a atividade econômica no

País e trouxeram sérias conseqüências para o desenvolvimento do Brasil.

Normas para a limitação de déficits orçamentários dos Estados-Membros, um

sistema para fiscalizar os déficits orçamentários e um sistema de advertência

antecipada poderiam ter sido de grande valia para o Governo Federal do Brasil no

passado, pois teriam funcionado como uma falta de estímulo para governadores sem

visão de longo prazo. A cobrança de muItas, ou um sistema para impedir que os

governadores aumentassem a dívida também poderiam ter dado bons resultados. Não

é mera coincidência que o Governo Federal propôs um projeto de lei que regula a

responsabilidade criminal de governadores de qualquer entidade governamental, os

quais criam dívidas em sua entidade"'. Não é tampouco mera coincidência que o Banco

Central do Brasil vem agindo com independência defacto que poderá ficar sujeita a

regulamentação no futuro próximo.

2.1.3. A Ineficiência da Solução Brasileira para lidar com Distúrbios Econômicos - a Necessidade da Lei de Responsabilidade Fiscal

O Brasil como área de moeda única desenvolveu um sistema de distribuição

automática de receitas fiscais bastante eficiente, o que lhe conferiu um elevado grau de

federalismo fiscal. Este sistema, no entanto, mostrou-se falho para deter distúrbios

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econômicos. O Brasil é um País imenso, com enormes disparidades econômicas. Conta

com centros altamente desenvolvidos, mas tem algumas das regiões mais pobres do

mundo.

A fim de lidar com estas disparidades econômicas, o Brasil criou fundos fiscais e

mecanismos de transferências fiscais e desenvolveu intensamente estes mecanismos.

Não se preocupou, contudo, com mecanismos de controle orçamentário dos entes da

Federação, muito menos em restringir ou disciplinar o uso de políticas fiscais e

manobras orçamentárias por parte dos membros da Federação. O resultado não foi

satisfatório e justificou a adoção da Lei de Responsabilidade Fiscal. A fim de

analisarmos os motivos da ineficiência do sistema brasileiro para lidar com distúrbios

econômicos, o que, aliás, representa justificativa para a adoção da Lei de

Responsabilidade Fiscal, vamos abordar, ainda que de forma sumária, o papel dos

seguintes instrumentos: (i) transferências fiscais; (ii) fundos estruturais (ou fundos

fiscais); e (iii) controles orçamentários.

2.1.3.1. Transferências fiscais (federalismo fiscal)

O Brasil tem um mecanismo constitucional de transferências fiscais. Em tese, isto

deveria ter sido suficiente para deter choques assimétricos, deficiências regionais ou

depressões dentro de uma área de moeda única. Não é necessário analisar outros

instrumentos, tais como a mobilidade de mão-de-obra ou a flexibilidade de preços, pois

as transferências fiscais são altamente desenvolvidas e deveriam lidar com esses

problemas. As entidades governamentais brasileiras também tinham flexibilidade

orçamentária. De fato, até recentemente tinham quase que total liberdade de dispor de

seu orçamento"'. No entanto, alguns limites foram impostos"'. Estes limites, contudo,

não tinham nenhum efeito na possibilidade que as entidades governamentais tinham de

aumentar seus déficits orçamentários. Assim, sob a perspectiva posta pela análise

desenvolvida para a União Européia por “Fatas”, o Brasil conta com transferências

intertemporais e seguro inter-regional. Em outras palavras, o Brasil tem orçamentos

flexíveis em nível regional e nacional, que podem estipular a redistribuição, e também

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tem mecanismos que garantem o compartilhamento de receitas tributárias, capazes de

garantir seguro e também redistribuição. Portanto, em tese, ao menos, o Brasil conta

com mecanismos para deter distúrbios econômicos.

2.1.4. Razões para a Lei de Responsabilidade Fiscal

Este trabalho está discutindo as respostas institucionais contra os distúrbios

econômicos em uniões monetárias. A União Monetária Européia criou um Banco

Central independente para perseguir a estabilidade de preços e atingir condições

macroeconômicas sólidas e sustentadas. Os procedimentos para controle de déficit

orçamentário foram criados para ajudar o Banco Central Europeu a atingir sua meta e

restrições foram impostas a Países por meio dos mecanismos do Pacto de Estabilidade

e Crescimento. Conforme demonstrado, até agora neste trabalho, essas restrições

poderão se mostrar muito severas, provocando conseqüências recessivas. Poderão,

ainda, tornar mais difícil lidar com problemas econômicos em toda a União Monetária

Européia, por limitar significativamente o uso dos instrumentos de política fiscal.

Conseqüentemente, os Países-Membros da União Monetária Européia poderão

enfrentar dificuldades para lidar com choques assimétricos após a entrada em vigor do

Pacto de Estabilidade e Crescimento, pois suas restrições orçamentárias poderão

tornar o uso de estabilizadores automáticos uma tarefa nada fácil. Por outro lado, o

próprio Pacto de Estabilidade e Crescimento permite um ritmo de aplicação com certa

flexibilidade e sua operação estimula a adoção de políticas econômicas sólidas, o que

poderá levar a um efeito benéfico de adoção de políticas macroeconômicas positivas e

indutoras de crescimento. Esses são efeitos positivos. Possibilitaria o Pacto de

Estabilidade, assim, que os estabilizadores automáticos funcionem e dissuadam o risco

moral (Moral Hazard) entre os governadores. Isso poderá permitir ao Banco Central

Europeu perseguir a estabilidade de preços na área do Euro, pois contará com

fundamentos econômicos sólidos.

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Ao discutirmos os fatores que levaram à adoção da Lei de Responsabilidade no

Brasil, chegamos a algumas conclusões que guardam similitude com certos fatores

acima apontados, embora as realidades sejam completamente diferentes. Após termos

analisado as instituições jurídicas desenvolvidas pelo Brasil para deter problemas

econômicos, como o mecanismo existente de Transferências Fiscais automáticas,

concluímos, que embora este tenha permitido a distribuição de recursos fiscais entre as

entidades governamentais, acabou por contribuir para aumentar as disparidades. O

Federalismo Fiscal no Brasil foi minado pelo risco moral (Moral Hazard) e pela falta de

controle orçamentário. Desse modo, seu efeito estabilizador não funcionou.

Ao comparar sistemas nessas duas uniões monetárias diferentes, concluímos

que as restrições impostas por controles orçamentários são importantes. Afinal de

contas, o mero uso de mecanismos de transferências fiscais em uma Federação Fiscal

não é suficiente, em si, para garantir a estabilização e a redistribuição, como

demonstrou a experiência brasileira até o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal. A

experiência brasileira até o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal deixa claro que

governadores irresponsáveis e o risco moral (Moral Hazard) têm de ser seriamente

restringidos e controlados, a fim de que sejam asseguradas as condições necessárias

para que os mecanismos de transferência fiscal funcionem e atinjam seus efeitos de

redistribuição e estabilização. No caso da União Monetária Européia, concluímos que a

aplicação do Pacto de Estabilidade, aliado ao desenvolvimento de mecanismos de

transferências fiscais, poderá ser uma possível soluçáo para garantir a estabilidade e

proporcionar estabilização e reditribuição, que são necessárias para lidar com distúrbios

econômicos, tais como choques assimétrícos, deficiências regionais e depressões.

Quanto ao Brasil, entendemos que a Lei de Responsabilidade Fiscal era uma

necessidade. Sua aplicação, em conjunto com nosso avançado sistema de distribuição

de recursos fiscais, nosso Federalismo Fiscal, garantirá a distribuição de recursos

necessários ao crescimento econômico e funcionará, ainda, como indução e atração de

investimentos privados ao País. A Lei de Responsabilidade Fiscal consolida o

Federalismo Brasileiro e cria condições para o desenvolvimento econômico e,

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principalmente, social. A Lei de Responsabilidade Fiscal é, de fato, um importante

instituto jurídico a garantir justiça social e distribuição de recursos fiscais.

2.2. A Constituição de 1988 e seu modelo Orçamentário

O texto constitucional promulgado no Brasil em 1988 trouxe significativas

inovações no que se refere o chamado “modelo orçamentário”. Como principal

arcabouço legal do processo de planejamento e de orçamento está inscrito nos artigos

165 a 169 da Constituição Federal e tem como expoente formal três documentos

interdependentes, são eles: a Lei do Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes

Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Além disso, vale ressaltar que

a principal preocupação dos Constituintes de 88, ao aprovar essas normas era de

vincular os processos de planejamento ao de orçamento.

Assim, foi determinado, no art. 165, § 4º, da CF, que “[...] Os planos e programas

nacionais, regionais e setoriais previstos nesta constituição serão elaborado pelo

Congresso Nacional”. Adicionalmente o § 1º do art. 167 estabelece que “[...]Nenhum

investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem

prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a sua inclusão, sob pena de

crime de responsabilidade”.

2.2.1. Lei do Plano Plurianual (PPA)

A Lei do Plano Plurianual é de iniciativa do Poder Executivo. Trata-se de uma lei

ordinária, editada cada quatro anos e, segundo dispõe o § 1º do art. 165 do texto

constitucional, “estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da

administração pública federal para despesas de capital e outras relativas aos

programas de duração continuada”.

O PPA é o substituto do antigo Orçamento Plurianual de Investimentos. Assim

como, seu antecessor, que abrangia somente três exercícios, o PPA vigente apresenta,

alem do valor das despesas de capital (construções públicas, estradas, etc), também as

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metas físicas a serem atingidas por tipo de programa e ação, bem como lista as

despesas de duração continuada, tipo os benefícios previdenciários, condicionando

toda a programação do orçamento ao planejamento de longo prazo.

2.2.2. Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), também de iniciativa do poder

Executivo, é por sua vez, uma lei ordinária com validade apenas para um exercício. De

acordo com o § 2º do art. 165 do texto constitucional, a LDO:

“... compreenderá as metas e prioridades da administração pública Federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre alterações da legislação tributaria e estabelecerá a política de aplicação das agencias financeiras de fomento.”

Dessa forma ficam estabelecidas de maneira antecipada, as diretrizes, as

prioridades de gastos e as normas e parâmetros que devem orientar a elaboração do

projeto de lei orçamentária para o exercício seguinte, tais como: as listas de projetos

prioritários, normas sobre convênios, fixação das metas de resultados primários,

relação dos riscos fiscais, etc.

Para os programas e ações, as prioridades e metas definidas pela LDO, são

apresentadas em anexo ao texto legal, constituindo-se num detalhamento anual das

metas estabelecidas no PPA e que foram selecionadas para constar no projeto de lei

orçamentária de cada exercício. Com o advento da Lei de Responsabilidade fiscal

(LRF), a LDO passou a conter dois anexos de extrema importância para orientar o

governo e sociedade sobre a condução de política fiscal. Trata –se do Anexo de Metas

Fiscais, onde são estabelecidos os resultados primários esperados para os próximos

exercícios, e que dão uma dimensão da austeridade dessa política; e o Anexo de

Riscos Fiscais, onde são enumerados os chamados passivos contingentes, ou seja,

aquelas dívidas que ainda não estão contabilizadas como tal, mas que, por decisão

judicial, poderão vir aumentar a divida pública.

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Vale ressaltar que as normas do direito financeiro, baixadas pela Lei nº 4320, de

1964, são ainda as que estabelecem as regras básicas da elaboração, execução e

controle dos planos e orçamentos. Porém, face, principalmente, aos novos comandos

orçamentários introduzidos pela Constituição de 1988, essa lei ficou desatualizada.

Dessa forma, diante da ausência da lei complementar prevista no § 9º do art. 165

da CF, que viria substituir a referida lei, a LDO tem exercido papel de suprir as lacunas

e imperfeições legais sobre a matéria, atuando de forma a compatibilizar as normas

infraconstitucionais com as disposições contidas no texto da Lei Maior.

A lei de Diretrizes Orçamentária é tratada na lei complementar 101 de

04/05/2000, em seu artigo 4.º, que dispõe:

Art. 4º A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2ºdo art. 165 da

Constituição e:

I - disporá também sobre:

a) equilíbrio entre receitas e despesas;

b) critérios e forma de limitação de empenho, a ser efetivada nas hipóteses

previstas na alínea b do inciso II deste artigo, no art. 9º e no inciso II do §1ºdo art. 31;

c) normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos

programas financiados com recursos dos orçamentos;

d) demais condições e exigências para transferências de recursos a entidades

públicas e privadas;

Além de dispor sobre as alterações da legislação tributária, a Lei de Diretrizes

Orçamentária (LDO) disporá, também, sobre:

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1. Equilíbrio entre receitas e despesas;

2. Critérios e forma de limitação de empenho, a ser efetivadas nas seguintes

hipóteses:

2. 1. Quando se verificar, ao final de um bimestre, que a realização da receita

poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal

estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, ocasião em que os Poderes e o Ministério

Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias

subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira;

2.2. Enquanto perdurar o excesso de limite da Dívida, o ente que nele houver

incorrido obterá o resultado primário necessário à recondução da dívida no limite,

promovendo, entre outras medidas, limitação de empenho, nos moldes da disposição

anterior.

3. Normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos

programas financiados com recursos dos orçamentos;

4. Demais condições e exigências para transferências de recursos a entidades

públicas e privadas.

§ 1º Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes.

O Anexo de Metas Fiscais integra o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e

ali estarão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes

concernentes a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida

pública, para o exercício a que se referirem e para os dois que se lhe seguirem.

§ 2º O Anexo conterá, ainda:

I -avaliação do cumprimento das metas relativas ao ano anterior;

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II - demonstrativo das metas anuais, instruído com memória e metodologia de

cálculo que justifiquem os resultados pretendidos, comparando-as com as fixadas nos

três exercícios anteriores, e evidenciando a consistência delas com as premissas e os

objetivos da política econômica nacional;

III - evolução do patrimônio líquido, também nos últimos três exercícios,

destacando a origem e a aplicação dos recursos obtidos com a alienação de ativos;

IV - avaliação da situação financeira e atuarial:

a) do regime geral de previdência social e própria dos servidores públicos e do

Fundo de Amparo ao Trabalhador;

b) dos demais fundos públicos e programas estatais de natureza atuarial;

V - demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da

margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias deverá conter Anexo de Riscos Fiscais, onde

estarão avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas

públicas, informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem.

§ 4º A mensagem que encaminhar o projeto da União apresentará, em anexo

específico, os objetivos das políticas, monetária, creditícia e cambial, bem como os

parâmetros e as projeções para seus principais agregados e variáveis, e ainda as

metas de inflação, para o exercício subseqüente.

Nota-se que o dispositivo se dirige exclusivamente à União por se tratar de

matéria a ela diretamente ligada, não se aplicando aos demais entes, como a maioria

dos da presente lei.

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Com efeito, o anexo específico a que alude a lei só tem aplicação à União, pois é

quem, por disposição constitucional, determina os objetivos das políticas, monetária,

creditícia e cambial, bem como os parâmetros e as projeções para seus principais

agregados e variáveis, e ainda as metas de inflação para o exercício subseqüente.

2.2.3. Lei Orçamentária Anual (LOA)

A Lei Orçamentária Anual (LOA) é igualmente uma lei ordinária de iniciativa do

Poder Executivo com validade para cada exercício fiscal. Consoante o § 5º do art. 165

da CF, essa lei deve conter três orçamentos, são eles, o orçamento fiscal, o orçamento

da seguridade social e o orçamento de investimento das empresas estatais.

Os dois primeiros envolvem toda a programação de gastos dos Poderes da

União, seus fundos, autarquias e fundações. Em suma, abrangem toda a administração

pública direta e indireta. O orçamento de investimentos das empresas estatais contém

previsão de investimentos das entidades em que a União, direta ou indiretamente,

detenha a maioria do capital social com direito a voto.

Os orçamentos fiscais e de seguridade social listam todos os gastos da União,

como os destinados à manutenção da maquina pública, os desembolsos com saúde,

educação, defesa, estradas, portos, benefícios previdenciários, folha de pessoal, juros

da divida, etc., bem como todas as receitas que serão esperadas para serem

arrecadadas.

Pela análise conjunta desses três instrumentos, depreende-se que a concepção

do processo de planejamento e orçamento no Brasil confere ao PPA, à LDO e à LOA

uma ação integrada , resumida da seguinte forma:

� O PPA estabelece o planejamento de longo prazo, através dos programas

e ações de governo;

28

� A LOA fixa o planejamento de curto prazo, materializando anualmente as

ações e programas a serem executados por meio de projetos, atividades e operações

especiais;

� A LDO fará a ligação entre esses dois instrumentos iniciais, destacando o

PPA os investimentos e gastos prioritários que irão compor a LOA, que irá definir as

regras e normas que orientam a elaboração da lei orçamentária para vigorar no

exercício seguinte ao da edição da LDO.

A Lei de responsabilidade Fiscal, trata do assunto em seu artigo 5.º, na

seguinte forma:

Art. 5º O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com

o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei

Complementar:

I - conterá, em anexo, demonstrativo da compatibilidade da programação dos

orçamentos com os objetivos e metas constantes do documento de que trata o § 1º do

art. 4º.

II - será acompanhado do documento a que se refere o § 6.º do art. 165 da

Constituição, bem como das medidas de compensação a renúncias de receita e ao

aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado;

III - conterá reserva de contingência, cuja forma de utilização e montante,

definido com base na receita corrente líquida, serão estabelecidos na lei de diretrizes

orçamentárias, destinada ao.

a) (VETADO).

b) atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais

imprevistos.

29

Para um melhor entendimento do artigo, mesmo porque é feita uma referência ao

plano plurianual, que deve ser compatível, não só com a lei de diretrizes orçamentárias

e com as normas desta lei, impõe-se que transcreva o art. 3º e seus parágrafos,

vetados que foram pelo Exm.º Senhor Presidente da República, assim também, um

resumo das principais razões do veto:

“Art. 3º O projeto de lei do plano plurianual de cada ente abrangerá os

respectivos Poderes e será devolvido para sanção até o encerramento do primeiro

período da sessão legislativa”.

§ 1º Integrará o projeto Anexo de Política Fiscal, em que serão estabelecidos os

objetivos e metas plurianuais de política fiscal a serem alcançados durante o período de

vigência do plano, demonstrando a compatibilidade deles com as premissas e objetivos

da política econômica nacional e de desenvolvimento social.

§ 2º 0 projeto de que trata o caput será encaminhado ao Poder Legislativo até o

dia trinta de abril do primeiro ano do mandato do Chefe do Poder Executivo."

Com o veto, uma conclusão, o Orçamento Plurianual de Investimenos (OPI)

continua sendo regulamentado pela lei nº 4.320/64 ou, na sua dicção, o "Quadro de

Recursos e de Aplicação de Capital", sem se falar na Lei Maior.

A linha mestra da Lei Orçamentária Anual está na Constituição, sendo a lei em

comento, complementar, como o próprio nome indica, à Carta Política.

Três, portanto, são os instrumentos de que dispõe o legislador para elaboração

da Lei de Meios: o plano plurianual de investimentos, a lei de diretrizes orçamentárias e

a presente lei de responsabilidade fiscal.

30

2.3. A Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF

De início, cumpre assinalar que o projeto que deu origem à Lei Complementar

101/2000, também conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi elaborado

pelo poder executivo e encontra respaldo no artigo 165, §9º da Constituição Federal.

No texto legal, está explícito o propósito de corrigir rumos da administração

pública, seja no âmbito dos Estados-membros, dos municípios, como da própria União,

limitando os gastos às receitas, mediante adoção das técnicas de planejamento

governamental, organização, controle interno e externo e transparência das ações de

governo em relação à população. Ainda nos termos desse documento, ficam os

administradores públicos expressamente responsáveis por ações implementadas no

exercício de suas funções e sujeitos a penalidades, definidas em legislação própria,

reforçada pela Lei Complementar nº 101.

PELICIOLI (2000, p. 109), esclarece que a LRF dá suporte à criação de um

sistema de planejamento, execução orçamentária e disciplina fiscal, até então

inexistente no cenário brasileiro. Tem o objetivo de controlar o déficit público, para

estabilizar a dívida em nível compatível com o status de economia emergente. Seu

aspecto inovador, segundo análise de CRUZ (2001, p. 8), reside no fato de

responsabilizar o administrador público pela gestão financeira, criando mecanismos de

acompanhamento sistemático (mensal, trimestral, anual e plurianual) do desempenho.

O fundamento da Lei de Responsabilidade Fiscal está nos artigos 163 a 169 da

Constituição Federal, mas especificamente no artigo 165, § 9.º os quais expressam a

intenção do legislador de promover uma administração financeira eficiente, atendendo

ao critério de maior controle da sociedade sobre o Estado.

CASTRO (2000, p.17) esclarece que o poder executivo federal, ao propor o

projeto que deu origem à Lei Complementar 101/2000, apoiou-se no argumento de que

a medida fazia parte do conjunto de estratégias componentes do Programa de

31

Estabilidade Fiscal - PEF. Porém, o autor citado põe em dúvida essa intenção,

identificando, implicitamente o objetivo de ampliar a arrecadação de recursos e

racionalizar seu emprego, para cumprir compromissos nacionais relativos à dívida

externa e atender às exigências oriundas do FMI, do Banco Mundial e dos Estados

Unidos da América (organismos financeiros internacionais credores de nosso país).

No estudo referido, CASTRO (2001, p. 17) teve o cuidado de comparar algumas

regulamentações da lei citada com o Código de Boas Práticas para Transparência

Fiscal - Declaração de Princípios (disponível no site oficial do FMI na Internet),

chegando à inequívoca conclusão de que vários conceitos e regras ali estabelecidos

são coerentes com as condições impostas pelo FMI, para assegurar o que o Comitê

Interino denomina boa governança.

Além disso, não se pode esquecer que o Poder Executivo Federal precisava

cumprir o disposto no artigo 30 da Emenda Constitucional 19 de 04.06.1998, que

estabeleceu o prazo de 06 meses, contados da sua promulgação, para apresentar ao

Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar a que se refere o artigo 163 da

Constituição Federal. Como se vê, o assunto carecia de regulamentação há mais de 10

(dez) anos.

Por sua vez, HAURY (2001, p. A16) discorda da argumentação de Castro (op.

cit), dizendo que alegações dessa ordem são esdrúxulas, pois que, independentemente

do que pense ou pretenda qualquer entidade internacional, a aprovação da lei, pela

esmagadora maioria de três quintos do Congresso, representa a clara manifestação de

repúdio da sociedade brasileira à administração irresponsável dos recursos públicos,

arrecadados sob a forma de impostos e contribuições. O autor analisa esse resultado

como manifestação de um grito de basta ao desperdício, à falta de informações sobre o

destino de contribuições dos cidadãos brasileiros, à ausência de compromissos com

resultados e à impunidade pelo descaso no trato com a coisa pública.

Entre os estudiosos do assunto, encontramos ainda autores que criticam a LRF,

alicerçados no pressuposto de que a mesma representa agressão ao princípio do pacto

federativo, interferindo na autonomia de Estados e municípios.

32

Em contrapartida, HAURY (2001, p. A16) rebate que esses críticos tomam para

si a prerrogativa de falar em nome do único órgão competente para decidir sobre a

inconstitucionalidade dos dispositivos legais, que é o Supremo Tribunal Federal. O

autor acrescenta que, no caso específico da LRF, o STF manifestou-se claramente

favorável à perfeita adequação dos pontos questionados à nossa Carta Magna.

A par dessas controvérsias, verificamos que os termos da Lei Complementar nº

101/2000 orientam-se para o objetivo básico de regular a responsabilidade na gestão

fiscal. Sob esse ponto de vista, significa um enorme passo para o processo de

modernização do país, orientando o comportamento do administrador no sentido do

zelo com as finanças públicas. Em havendo efetividade, representa importante

instrumento de inovação filosófica e prática da administração pública brasileira, na

medida em que propicie transformações na cultura administrativa e práticas de gestão

de governos, em cooperação com a sociedade civil.

Nessa linha de pensamento, FIGUEIREDO (2001, p. 17) explicita que o principal

elemento distintivo da LRF é o estabelecimento de novo padrão fiscal no país,

procurando configurar o que, para muitos, significa um choque de moralidade na gestão

pública, pois enseja a responsabilização pelos gastos e demais providências de

natureza administrativa.

Além disso, trata-se de proposta que favorece e depende do engajamento da

sociedade, sob pena de sucumbirmos aos obstáculos que se antepõem à

transformação substantiva na gestão pública. O autor mencionado alerta para o fato de

que, caso a sociedade não se mobilize para fazer valer a força transformadora da LRF,

perderemos oportunidade ímpar de implementar padrão de conduta pública pautado

pela eficiência, responsabilidade e transparência.

Na verdade, subjacente a lei está o desejo de impedir que todo gestor de

recursos públicos gaste mais do que se arrecade e de que tome consciência da

responsabilidade fiscal. ZILBOVICIUS (2001, p. A10) lembra que esses dois

33

pressupostos não podem ser considerados antagônicos, ou como dilema para o gestor

honesto, bem intencionado e competente.

Segundo KHAIR (2001, p. A16), a LRF pode contribuir significativamente para

impedir heranças fiscais desastrosas, que imobilizam governos recém-empossados,

quando têm que assumir dívidas e compromissos financeiros de antecessores. Por isso,

reforça-se a proibição de aumentos salariais em final de governo e a contratação de

obrigações que não possam ser pagas com recursos pertinentes àquele mandato.

Sob esse ponto de vista, ao estabelecer normas de procedimento para o uso de

recursos públicos, limitar despesas, definir regras para o cumprimento dos orçamentos,

obrigar transparência das contas e prever sanções para os desvios de conduta,

inclusive de ordem criminal, pode-se dizer que a LRF reforça a filosofia administrativa

que exige o fim do descontrole de gastos, que tantos males causou - e ainda causa - ao

sofrido contribuinte brasileiro.

Essa linha reflexiva obtém respaldo na análise de NASCIMENTO (2001, p. 11),

quando elucida que a LRF tem por escopo sedimentar o regime de gestão fiscal

responsável, mediante a implementação de mecanismos legais que deverão nortear os

rumos da administração pública. Na perspectiva desse autor, constitui, pois, um código

de conduta gerencial a ser observado, na condução da coisa pública.

Um problema a resolver diz respeito à dificuldade com que se deparam os

governantes públicos, quando se trata de entender e pôr em prática a LRF. Entre outros

determinantes do problema, costuma-se mencionar a complexidade da lei e a falta de

prática política de controle financeiro. Decorre daí a relevância de estudos sobre o

assunto, bem como da formação de pessoal técnico, nas diferentes áreas, para compor

os quadros de assessorias. Essa necessidade é premente, especialmente se levarmos

em conta que esse documento legal entrou em vigor na data de sua publicação,

conforme disposto no artigo 74.

Outro ponto a assinalar é que a complexidade técnica, que suscita dúvidas

numerosas e intrincadas, a pretendida remodelagem de institutos e a criação de figuras

34

de cujo funcionamento não se tem experiência, o requisito de nova postura gerencial,

decorrente de seu denso sistema de comandos e controles são desafios consideráveis.

Por isso, alguns autores defendem a tese de que talvez fosse apropriado

estabelecer limites temporais à sua eficácia, para proporcionar aos gestores e suas

equipes tempo bastante para adaptações e ajustes nas estruturas organizacionais e

respectivos procedimentos operacionais. Em contrapartida, é pertinente ressaltar que a

LRF não exige mais do que lisura e correção administrativa; isto é, não demanda

qualquer iniciativa diferente do que deveria ocorrer em qualquer gestão comprometida

com o bom uso dos recursos da população...

Por fim, encontramos na doutrina mais de uma dezena de referências a

inconstitucionalidades e discrepâncias, além de críticas indicando que não será através

de edição de uma lei tão conturbada que se fará operar um milagre nas finanças do

país.

Numa tentativa de síntese do exposto nesta seção, observamos que, embora

não tenha conquistado unanimidade entre os estudiosos e gestores da coisa pública, a

Lei de Responsabilidade Fiscal visa estabelecer princípios norteadores de um regime

de gestão fiscal responsável, operacionalizado através de normas e regras, a serem

observadas em todas as esferas da administração, assim entendidas a União, Estados,

Distrito Federal e Municípios. Nesse âmbito, estão compreendidas as respectivas

administrações (direta, autárquicas, fundacionais e empresas públicas).

No seu escopo, identificamos procedimentos, critérios e limites a serem

observados para as principais variáveis fiscais, criando mecanismos para o alcance das

metas, prevenção e correção de eventuais desvios. O diploma legal em exame

estabelece ainda sanções institucionais e pessoais, visando dar conseqüência às suas

hipóteses normativas. Sua aplicação poderá resultar em drástica e veloz redução do

déficit público, além de maior equilíbrio do montante da dívida brasileira em relação ao

35

PIB, com conseqüências importantes na disponibilidade de recursos para atender a

prioridades sociais.

2. 3.1. A estruturação básica da LRF

A LRF apóia-se sobre quatro pilares, dos quais depende o alcance de seus

objetivos. São eles: o planejamento, a transparência, o controle e a responsabilidade.

A rigor, esses pontos são recorrentes na doutrina sobre requisitos da boa

administração pública. Na atualidade, parecem tomar revigorado impulso, dado o alto

grau de endividamento dos entes da federação e também devido à democratização e

desejo de maior participação e controle da sociedade, extenuada por suportar elevada

carga tributária, sem a correspondente contrapartida em termos de prestação de

serviços, como saúde, segurança, educação, saneamento, transporte público, e

similares.

2.4. Da Execução Orçamentária e do Cumprimento das Metas

Art. 8.º. Até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que

dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea "c" do inciso

I do art. 4, o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma

de execução mensal de desembolso.

O artigo fala em observância à alínea "c", do inciso I, do art. 4º, e da lei de

diretrizes orçamentárias para a elaboração, pelo Poder Executivo, da programação

financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso.

Dentre essas e atinentes à matéria, ou seja, programação financeira e

cronograma de execução mensal de desembolso destacam-se os seguintes artigos do

projeto da Lei de Diretrizes Orçamentária de 2002, que contém princípios fundamentais,

para futuras LDO:

36

“Art. 72. Os Poderes deverão elaborar e publicar até trinta dias após a publicação

da Lei Orçamentária de 2002, cronograma anual de desembolso mensal, por órgão, nos

termos do art. 8º da Lei Complementar nº 101, de 2000, com vistas ao cumprimento de

meta de resultado primário estabelecida nesta Lei.

§ 1º Os atos de que trata o caput conterão cronograma de pagamentos mensais

à conta de recursos do Tesouro de outras fontes, por órgão, contemplando limites para

a execução de despesas não financeiras.

Art. 75. São vedados quaisquer procedimentos pelos ordenadores de despesas

que viabilizem a execução de despesas sem comprovada e suficiente disponibilidade

de dotação orçamentária.

§ 1º. A contabilidade registrará os atos e fatos relativos à gestão

orçamentário-financeira efetivamente ocorridos, sem prejuízo das responsabilidades e

providências derivadas da inobservância do caput deste artigo."

Observe-se, ainda, que o projeto de lei preserva da possível, provável e quase já

proverbial inércia do Legislativo, as despesas prioritárias do Governo, ou, como se

costuma dizer, de prioridade zero, assim:

“Art. 78. Se o projeto de lei orçamentária não for sancionado pelo Presidente da

República até 31 de dezembro de 2001, a programação dele constante poderá ser

executada para o atendimento das seguintes despesas”:

I - pessoal e encargos sociais;

II - pagamento de beneficies previdenciários e prestações de duração continuada

a cargo do Ministério de Previdência e Assistência Social;

III - pagamento do serviço da dívida;

37

IV - transferências constitucionais e legais por repartição de receitas a Estados,

Distrito Federal e Municípios;

V - atendimento ambulatorial, emergencial e hospitalar do Sistema único de

Saúde -SUS, observado o disposto na Emenda Constitucional ri' 29, de 2000;

VI - pagamento dos beneficios do seguro-des emprego e do abono salarial

previstos no art. 239 da Constituição."

Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados exclusivamente para a

finalidade específica serão utilizados para atender ao objeto de sua vinculação, ainda

que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.

É lógico mas é preciso que se diga que os recursos financeiros vinculados têm

de ser aplicados na atividade a que se destinam, para não ocorrer como no caso

daquele prefeito que garantia suas dívidas pessoais com cheque pré-datado do FPM...

Também não deixa de ser claro que o recurso, v.g., vinculado a convênio tem

suas regras de aplicação, submetendo o ente conveniado, contratado, às vezes,

inclusive, à restituição do importe financeiro se contas não forem prestadas de parcelas

aplicadas.

2.5 Da Receita Pública

2.5.1. Da previsão e da arrecadação

Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a

instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência

constitucional do ente da Federação.

As etapas em que se realiza a receita pública, são denominadas, fases da

receita, que são: a previsão, a arrecadação e o recolhimento. No caso em análise, que

38

trata de responsabilidade da gestão fiscal, o legislador determina seus requisitos

essenciais, quais a sua instituição, a previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos

de competência constitucional do ente (cf. art. 2º, I a III) federado.

Ao qualificar a fase de "efetiva arrecadação", o que a lei está a dizer é que a

arrecadação pura e simples não cria disponibilidade imediata para o ente, que só se

perfectibiliza com o ingresso do numerário nos cofres do Tesouro, ou seja, com o

recolhimento da receita aos cofres públicos, o que, hoje, com o processamento

eletrônico de dados, está facilitado, mas não dispensa o passeio do numerário pelo

estabelecimento de crédito autorizado, que tem um prazo mínimo para "recolhimento"

dos valores ao Banco Centralízador, quando, então, é comunicada a disponibilidade ao

Tesouro Público, para fins de apropriação e lançamentos contábeis devidos.

Note-se, ainda, que a lei fala em tributos, ou seja, o gênero que compreende as

três espécies: impostos, taxas e contribuição de melhoria.

Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente

que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.

Voluntárias são as transferências financeiras que não decorram da Constituição

ou da lei, pois são obrigatórias. Seriam, assim, as denominadas contribuições aos

menos favorecidos. A esses entes que não observem, na gestão fiscal, a instituição da

receita, a previsão e a efetiva arrecadação dos impostos é defeso receber

transferências de outros congêneres.

Art. 12. As previsões de receita observarão as normas técnicas e legais,

considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços,

do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão acompanhadas

de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois

seguintes àquele a que se referirem, e da metodologia de cálculo e premissas

utilizadas.

39

A primeira fase da receita, qual seja, a da previsão está adstrita às normas

técnicas e legais, levando em consideração as repercussões das alterações na

legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer

outro fator econômico relevante.

As previsões de receita irão acompanhadas de demonstrativo de sua evolução,

nos últimos três anos, da projeçâo para os dois seguintes, bem como da metodologia

de cálculo e premissas utilizadas.

2.6. Da Despesa Pública

2.6.1. Da geração da despesa

Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio

público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto

nos arts. 16 e 17.

Os artigos 16 e 17, seguintes, são chave para que se concretize a autorização

da despesa pública, devendo se notar que essa autorização não é aquela geral

constante da Lei de Meios que é, por definição, autorizativa, senão daquelas de

execução das despesas decorrentes da ação governamental, no curso do exercício

financeiro, como fica bem explícito nos aludidos artigos.

Inicia-se aqui, ou melhor, vislumbra-se, a partir daqui, a clara intenção do

legislador de fazer valer a lei e, acima de tudo, chamar a atenção, de forma incisiva,

enfática, dos órgãos de contabilidade e administração financeira para os cuidados que

se deve ter com o patrimônio público.

40

O que a lei está a determinar é que o maior campo de atuação do controle

interno dos Poderes do Estado é a despesa pública, enfatizando que despesas não

autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público serão assim consideradas se

geradas ou assumidas sem o atendimento das formalidades constantes dos arts. 16 e

17.

Observe-se que, de início, tais despesas deverão ser sumariamente

impugnadas, ter seu ordenador inscrito como responsável na conta contábil "Diversos

Responsáveis" ou equivalente, e contra ele ser instaurada a competente tomada de

contas.

Na omissão, ou seja, se, tomando conhecimento do fato, o responsável pelo

controle interno não tomar essa medida e não der ciência ao tribunal de contas de sua

jurisdição, poderá ser responsabilizado solidariamente com o ordenador pela

irregularidade ou ilegalidade perpetrada.'

Árt. 16. Á criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que

acarrete aumento da despesa será acompanhado de.

I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva

entrar em vigor e nos dois subseqüentes;

II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação

orçamentária efinanceira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano

plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

Assim é que o ato que propõe a criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação

governamental que acarrete aumento de despesa será acompanhado de: estimativa do

impacto orçamentário-financeiro no exercício proposto e nos dois subseqüentes;

declaração do ordenador de despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e

financeira com a LOA e é compatível com o plano plurianual e com a LDO.

41

2.6.2. Da Despesa Obrigatória de Caráter Continuado

Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente

derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente

a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.

As despesas dessa natureza preocupam o legislador e merecem tratamento

especial, tanto que o projeto de lei orçamentária anual "será acompanhado... das

medidas de compensação... ao aumento de despesas obrigatórias de caráter

continuado" (inciso 11 do art. 5').

Já o artigo em comento define o que seja despesa corrente obrigatória de caráter

continuado “que é aquela derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo

normativo, que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período

superior a dois exercícios”.

Portanto, para que a despesa corrente seja considerada obrigatória de caráter

continuado tem de reunir os seguintes requisitos: decorrer de lei, medida provisória ou

ato administrativo normativo; essas normas legais e administrativas têm de fixar para o

ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.

§ 1.º Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão

ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos

recursos para seu custeio.

Os atos de criação ou de aumento da despesa corrente de caráter continuado

deverão ser instruídos com a estimativa do impacto orçamentário-financeiro no

exercício da entrada em vigor e nos dois seguintes, justificando-se estes pelo fato da

42

existência do plano plurianual, como também a demonstração dos recursos para seu

custeio.

Art. 18. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total

com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e

os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis,

militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como

vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, provemos da aposentadoria,

reformas e pensoes, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens

pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas

pelo ente às entidades de previdência.

Despesa total com pessoal, como tal definido na lei, é o somatório dos gastos

dos entes da Federação com ativos, inativos e pensionistas, relativos a mandatos

eletivos, cargos, funções ou empregos civis, militares e de membros de Poder, enfim,

com quaisquer espécies remuneratórias, assim os encargos sociais, as obrigações

patronais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.

Portanto, todo o universo gasto pelo ente com esse pessoal, minudentemente

nominado, constitui a remuneração paga.

§1º Os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à

substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como "Outras

Despesas de Pessoal ".

Observe-se que os valores contratados para substituição de servidores e

empregados públicos, ou seja, estatutários e celetistas, destinados ao pagamento da

mão-de-obra terceirizada serão contabilizados como "Outras Despesas de Pessoal" e,

como tais, compõem a despesa total com pessoal a que alude o caput do artigo. O

dispositivo é muito moralizador porque, até então, tais despesas vinham sendo

contabilizadas como serviços de terceiros e encargos, burlando, acintosamente, a

denominada Lei Camata, que estabelecia os limites de gastos com pessoal.

43

§ 2º A despesa total com pessoal será apurada somando-se a realizada no mês

em referência com as dos onze imediatamente anteriores, adotando-se o regime de

competência.

Para uma melhor visualização desses percentuais-limite na repartição dos limites

globais de despesa total com pessoal, por esfera de governo, segue, abaixo, um

resumo desses percentuais limítrofes:

Tabela 1: Tabela de despesas com pessoal conforme esfera governamental.

ESFERA GOVERNAMENTAL

Despesas com pessoal do: FEDERAL (%) ESTADUAL(%) MUNICIPAL (%)

Legislativo, inclusive Tribunal de Contas da União

2,5 3,0 6,0

Judiciário 6,0 6,0 -

Executivo 40,9 49,0 54,0

Ministério Público 0,6 2,0 -

TOTAL 50,0 60,0 60,0

2.6.3. Do Controle da Despesa Total com Pessoal

Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com

pessoal e não atenda:

I - as exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar e o disposto no inciso

XIII do art. 37 e no § 1ºdo art. 169 da Constituição;

II - o limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo.

A regra é que está eivado de nulidade o ato que provoque aumento de despesa

com pessoal e que não atenda aos seguintes requisitos:

44

a) as formalidades determinadas nos arts. 16 e 17; nãocumprimento da vedação

de equiparar quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de

pessoal do serviço público e, ainda, conceder qualquer vantagem ou aumento de

remuneração, a criação de cargos, empregos e funções e alteração de estrutura de

carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos

órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e

mantidas pelo poder público, salvo se: houver dotação orçamentária suficiente para

atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;

autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas

públicas e as sociedades de economia mista;

b) o limite estabelecido para o comprometimento das despesas com pessoal

inativo.

Parágrafo único. Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento

da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do

mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20.

Da mesma forma serão eivados de nulidade os atos praticados de que resulte

aumento de despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final

do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão: Federal (Legislativo, inclusive

Tribunal de Contas da União, Judiciário, Executivo e Ministério Público); Estadual

(Legislativo, inclusive Tribunal de Contas do Estado, Judiciário, Executivo e Ministério

Público dos Estados; Municipal (Legislativo, inclusive Câmara Municipal, e Executivo) e

Distrito Federal (Câmara Legislativa e Tribunal de Contas do Distrito Federal.

Esse dispositivo atinge em cheio os maus administradores, sendo, por isso,

digno de encômios, aplausível, sob todos os aspectos, visto como visa a por termo, fim,

acabar com os chamados "testamentos" do gestor público, gerador de despesas

problemáticas para seus sucessores ou, se e quando reeleito, verdadeiros "panamás"

com fins eleitoreiros proteção da Lei de Responsabilidade Fiscal para sonegar aumento

45

a servidores públicos ou até mesmo descumprirem decisões judiciais, como

recentemente ocorreu com um Governador de Estado e até mesmo com o Presidente

da República.

A lei não proíbe aumento de servidor, senão, gastos inúteis, como, v.g.,

despesas com propaganda e publicidade que podem ser radicalmente cortadas sem se

falar em obras suntuosas, de fachada, desnecessárias, vistosas e voltadas ao culto da

personalidade. O que a lei tenta é inibir a corrupção que grassa no serviço público, seja

através de superfaturamentos, seja através de tráfico de influência e peitas diretas,

mediante suborno; desvio de recursos e outros expedientes ...

2.6.4. Das Despesas com a Seguridade Social

Art. 24. Nenhum beneficio ou serviço relativo à seguridade sócia lpoderá ser

criado, majorado ou estendido sem a indicação da fonte de custeio total, nos termos do

§ 5'do art. 195 da Constituição, atendidas ainda as exigências do art. 17.

É princípio constitucional constante do § 5' do art. 195 da Carta Política que

qualquer beneficio ou serviço atinente à seguridade social só poderá ser criado,

majorado ou estendido se houver indicação da fonte de recurso para seu custeio total.

Para o caso em exame, exige-se ainda o atendimento das exigências do art. 17,

que trata e define a despesa obrigatória de caráter continuado, ou seja, as solenidades

para as despesas com seguridade social são as mesmas exigidas para a contração das

despesas obrigatórias de caráter continuado.

§ 1º É dispensada da compensação referida no art. 17 o aumento de despesa

decorrente de:

2.7. Das Transferências Voluntárias

46

Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência

voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a

título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de

determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema único de Saúde.

As transferências são de duas espécies: as correntes e as de capital. São

correntes as dotações para despesas às quais não corresponde contraprestação direta

em bens ou serviços, inclusive para contribuições e subvenções destinadas a atender à

manutenção de outras entidades de direito público ou privado, enquanto são de capital

as dotações para investimentos ou inversões financeiras que outras pessoas de direito

público ou privado devem realizar, independentemente de contraprestação direta em

bens ou serviços, constituindo essas transferências auxílios ou contribuições, segundo

derivem diretamente da Lei de Orçamento ou de lei especial anterior, bem como as

dotações para amortização da dívida pública.

Portanto, o que caracteriza a transferência é o fato de não corresponder a

despesa à contraprestação direta em bens ou serviços.

A transferência voluntária consiste na entrega de recursos, de natureza corrente

ou de capital, a outro ente da Federação, denominada pela lei de cooperação, auxílio

ou assistência financeira, desde que indecorrente de mandamento constitucional, legal

ou, ainda, os destinados ao Sistema Unico de Saúde, isto é, toda transferência que não

decorra de disposição constitucional ou legal ou aquelas que provenham do SUS será

tida como transferência voluntária e, como tal, legalmente classificada como

cooperação, auxílio ou assistência financeira de um ente a outro.

2.8. Da Dívida e do Endividamento

Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes

definições:

47

I - dívida pública consolidada ou fundada: montante total, apurado sem

duplicidade, das obrigações financeiras do ente da Federação, assumidas em virtude

de leis, contratos, convênios ou tratados e da realização de operações de crédito, para

amortização em prazo superior a doze meses;

II - dívida pública mobiliária: dívida pública representada por títulos emitidos pela

União, inclusive os do Banco Central do Brasil, Estados e Municípios,

III - operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo,

abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens,

recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços,

arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de

derivativos financeiros;

IV - concessão de garantia: compromisso de adimplência de obrigação financeira

ou contratual assumida por ente da Federação ou entidade a ele vinculada;

V - refinanciamento da dívida mobiliária: emissão de títulos para pagamento do

principal acrescido da atualização monetária.

Sujeita-se às solenidades dos art. 15 e 16, além de ter considerada como não

autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público, a geração de despesa ou assunção

de obrigação, o ente da Federação que assumir, reconhecer ou confessar dívidas, pois

esses atos são considerados operações de crédito e, como tais, subordinadas às

regras a elas pertinentes.

§ 2º Será incluída na dívida pública consolidada da União a relativa à emissão de

títulos de responsabilidade do Banco Central do Brasil.

Compõem a dívida pública consolidada da União os títulos emitidos pelo Banco

Central do Brasil.

48

§ 3º Também integram a dívida pública consolidada as operações de crédito de

prazo inferior a doze meses cujas receitas tenham constado do orçamento.

As operações de crédito de prazo inferior a doze meses, mas cujas receitas

integrem o orçamento anual também, são denominadas dívida pública consolidada e,

como tal, tratada e escrituradas.

§ 4º O refinanciamento do principal da dívida mobiliária não excederá, ao término

de cada exercício financeiro, o montante do final do exercício anterior, somado ao das

operações de crédito autorizadas no orçamento para este efeito e efetivamente

realizadas, acrescido de atualização monetária.

É regra de ouro do endividamento: - no final de cada exercício financeiro, o

refinanciamento do principal da dívida mobiliária não sera superior ao valor do montante

do final do exercício anterior, somado ao das operações de crédito autorizadas no

orçamento para este efeito e efetivamente realizadas, acrescido de atualização

monetária.

Justificam-se o freio e a regra pelo só fato de que é costume ou vício dos

orçamentistas fazerem, primeiro, o orçamento da despesa, para, só depois,

providenciarem o da receita. Como todo orçamento, de início, é deficitário, ou seja, a

despesa é quase sempre superior à receita prevista, esses profissionais, à falta de

outras fontes de recurso, fecham o orçamento da receita com previsão e, portanto,

autorização legislativa, para realização de operações de crédito, internas ou externas.

A Lei de Meios contém dispositivo que permite ao Executivo - em geral, 20%

(vinte por cento) da despesa autorizada - a abertura, durante o exercício financeiro, de

créditos suplementares até determinado limite, sem que precise de nova autorização

legislativa.

A dicção da lei é de que as operações de crédito por antecipação de receita não

são computadas ou consideradas operações de crédito para o fim de serem cotejadas

49

com a totalidade das despesas de capital ou, ainda, no cômputo das operações de

crédito, lato sensu, realizadas, deverão ser desconsideradas as por antecipação de

receita.

Para que se entenda o comando legal, necessárias algumas noções do que

sejam créditos adicionais.

Os créditos são de duas naturezas: orçamentários e adicionais. Estes são de três

espécies: suplementares, especiais e extraordinários. Enquanto aqueles constam

autorizados na lei orçamentária, estes dois últimos são abertos no curso do exercício,

por lei, e a ela se integram. Créditos suplementares são aqueles abertos no curso do

exercício, por ato do Executivo, destinados a reforço de dotação orçamentária; créditos

especiais, os destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária

específica, e créditos extraordinários, os destinados a despesas urgentes e imprevistas,

em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública.

Os créditos adicionais suplementares abertos, com recursos anulatórios

oferecidos do próprio orçamento, representam simples remanejamentos que sofre o

orçamento durante sua execução e não afetam o total da despesa autorizada inicial,

isso porque são simples compensações de despesas insuficientemente dotadas com

outras que, teoricamente, teriam sido mais bem dotadas, enquanto os compensados

com outras fontes (superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício

anterior, excesso de arrecadação, produto de operações de crédito autorizadas, em

forma que juridicamente possibilite o Poder Executivo realizá-las) não podem prescindir

de autorização legislativa, por importar aumento de despesas e alteração, para mais, da

despesa autorizada inicial.

Os créditos suplementares e os especiais são abertos medíante a dação de

outros recursos, sejam anulatórios, sejam compensatórios, enquanto os extraordinários,

por natureza, não estão sujeitos a essas limitações.

2.9. Das operações com o Banco Central do Brasil

50

As vedações do art 35, a que o Banco Central do Brasil está sujeito, em suas

relações com ente da Federação, são as que proíbem a realização de operação de

crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia,

fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da

administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou

postergação de dívida contraída anteriormente.

Além dessas, não pode o Banco Central:

- comprar títulos da dívida pública da União dos Estados e dos Municípios, na

data de sua colocação no mercado, mesmo porque o leiloeiro não pode dar lance no

leilão e o BC é o colocador do título público no mercado, integrante do processo de

alienação;

- permutar, ainda que, temporariamente, seja através de instituição financeira, ou

não, título da dívida de ente da Federação por título da dívida pública federal;

- compra e venda a termo de título cujo efeito final seja semelhante à permuta;

- conceder garantia.

O objetivo das vedações é, precipuamente, evitar retaliação econômica entre

Estados, Municípios, ou entre os dois entes e, ainda, entre a União, Estados federados

e Municípios, pois as operações com títulos públicos poderiam colocar um ente sob o

jugo de outro, o que não interessa à unidade federativa e, muito menos, à democracia.

Essas retaliações econômicas eram comuns na República Velha, vigente até 1946,

fosse através de taxar fortemente um Estado sobre o outro, fosse adquirindo o controle

de sua dívida e outros expedientes incompatíveis com a unidade federativa.

2.10. Da Garantia e da Contragarantia

51

Art. 40. Os entes poderão conceder garantia em operações de crédito internas

ou externas, observados o disposto neste artigo, as normas do art. 32 e, no caso da

União, também os limites e as condições estabelecidos pelo Senado Federal.

Não há o que interpretar, mesmo porque, na evidência, não há interpretação:

interpretatio cessat in claris.

De fato, trata-se de concessão de garantia, por Estado, Município e pela própria

União, pessoas jurídicas de direito público, em operaçoes de crédito internas ou

externas, cujos parâmetros estão fixados no artigo 32, no próprio artigo (seus

parágrafos e incisos), sendo que, no caso da União, além desses parâmetros,

sujeita-se, ainda, aos limites e às condições estabelecidos pelo Senado Federal.

§1ºA garantia estará condicionada ao oferecimento de contragarantia, em valor

igual ou superior ao da garantia a ser concedida, e à adimplência da entidade que a

pleitear relativamente a suas obrigações junto ao garantidor e às entidades por este

controladas, observado o seguinte:

I - não será exigida contragarantia de órgãos e entidades do próprio ente;

II - a contragarantia exigida pela União a Estado ou Município, ou pelos Estados

aos Municípios, poderá consistir na vinculação de receitas tributárias diretamente

arrecadadas e provenientes de transferências constitucionais, com outorga depoderes

ao garantidor para retê-las e empregar o respectivo valor na liquidação da dívida

vencida.

A garantia é reforçada por contragarantia, em valor igual ou superior à garantia a

ser concedida, e ao cumprimento pela entidade pleiteante, com relação a suas

obrigações junto ao garantidor e as entidades por este controlada, observando-se que:

- não existe contragarantia entre órgãos e entidades do próprio ente;

52

- a contragarantia exigida pela União a Estado ou Município, ou pelo Estado ao

Município, poderá consistir na vinculação de receitas tributárias, pela União diretamente

arrecadada e que provenham de transferências constitucionais, de cujo instrumento

deverá constar à outorga de poderes - no caso do Estado, à União, no caso de

Município, à União ou ao Estado - para retê-las e saldar a dívida vencida.

2.11. Dos Restos a Pagar

Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos

dois quadrimestre do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser

cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício

seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.

O dispositivo, por inovador, por um lado, tolhe a ação do Administrador, nos

últimos oito meses de seu mandato, por outro, obriga um controle contábil,

orçamentário, financeiro e operacional eficiente, sem o que muitos desses dirigentes

terão de responder a inúmeras tomadas de contas, pelos prováveis excessos

cometidos.

Observe-se, por derradeiro, que a lei fala em assunção de compromissos nos

dois últimos quadrimestres do mandato do titular do Poder ou órgão, o que, numa

primeira leitura, pode levar à conclusão de que, a partir dos oito meses anteriores ao

término do mandato, estariam esses titulares proibidos de praticar atos de gestão que

se ressintam de recursos financeiros para sua cobertura.

Parece-nos que este não é o objetivo da lei: tolher a administração, posto que,

assim entendido, estariam manietadas aquelas autoridades a contratar obras de grande

vulto, levando a lei à interpretação absurda.

53

Que dizer de contratos de obras e serviços de grande vulto em andamento, v.g.,

com procedimentos licitatórios abertos antes dos dois últimos quadrimestres, cujo

processo se ultime dentro do período da vedação?

Com recursos orçamentários e financeiros disponíveis, teria a licitação de ser

sustada ou revogada, com possíveis danos causados ao erário e ao particular, ou o

objeto licitado teria de ser adjudicado ao licitante vencedor?

Essas e outras questões podem se contrapor ao dispositivo, mas deverão ser

enfrentadas pelos executores da lei.

Historicamente, conta-se a história de uma Corte de Contas Estadual que

representou à União solicitando lei no sentido de que govemantes eleitos fossem

obrigados a continuar todas as obras iniciadas no governo anterior.

O dispositivo talvez tenha tido essa inspiração, eis que quer garantir, a contrario

sensu, que uma obra iniciada não sofra solução de continuidade no governo que

sucede, garantida que estará com os recursos necessários à sua ultimação.

2.12. Do relatório resumido da Execução orçamentária

O que, antes, era exigido, anualmente, com a Prestação de Contas de Gestão,

agora é de competência bimestral. Observe-se, de logo, que tais demonstrativos têm de

ser espelhados em modelos, que seriam objeto de norma de hierarquia menor, todavia

à falta deles, devem ser utilizados os alusivos a demonstrações contábeis defiridas

pelas Leis n.º 4.320, de 17 de março de 1964, e 6.404, de 15 de dezembro de 1976, a

primeira estatuindo Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos

orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, e a

segunda que dispõe sobre as sociedades por ações.

54

Nessa ordem de idéia, seguem-se os modelos oficiais do balanço orçamentário,

demonstrativo da execução das receitas e das despesas nos moldes dispostos no

caput do artigo, nos incisos e alíneas.

Note-se que esses quadros e demonstrativos compunham as contas anuais dos

govemantes e que eram produzidos uma vez por ano. Com a novidade, programas

terão de ser criados para essas prestações de contas bimestrais a que estão sujeitos

todos os Poderes do Estado e o Ministério Público, assim da União, como dos Estados,

dos Municípios e do Distrito Federal.

Como atividade privativa do Contabilista regularmente inscrito nos Conselhos

Regionais de Contabilidade, o seu chamamento se tomou tão mais importante quanto o

dos demais profissionais.

Além das demonstrações contábeis exigidas no art. 52, que constituem o

relatório bimestral, a lei está a exigir demonstrativos outros que deverão acompanhar o

Relatório Resumido. Frise-se e repita-se que todas essas demonstrações contábeis e

relatórios resumidos, constituídos na forma da presente legislação, já são preexistentes,

pois que criados quando editada a Lei n' 4.320/64 e aperfeiçoados durante sua mais

que trintenária vigência.

O objetivo, como se vê, é a realização de uma fiscalização integrada, visando ao

cumprimento da presente Lei Complementar, juntando, no Legislativo, seus órgãos

auxiliares, quais, os Tribunais de Contas, órgãos de controle externo por excelência; no

Executivo, no próprio Legislativo, no Judiciário e no Ministério Público, o sistema de

controle interno de cada um, na forma constitucional.

Destacam-se dentre essa fiscalização: o atingimento das metas estabelecidas na

LDO; limites e condições para realização de operações de crédito e inscrição em

Restos a Pagar; medidas adotadas para atingimento do respectivo limite da despesa

total com pessoal; providências tomadas para recondução dos montantes das dívidas

55

consolidada e mobiliária aos níveis limitados pela lei; destinação dos recursos obtidos

com a alienação de ativos, que deverá estar compatibilizada com a Constituição e a lei

em comento e o cumprimento dos limites de gastos totais dos legislativos municipais,

quando existentes.

Bem de ver que o elenco da lei é apenas enunciativo não se constituindo em

metas fechadas, posto que o artigo se preocupou em ressalvar que esses tópicos

deverão ser fiscalizados "com ênfase", isto é, com destaque, com proeminência

especial, o que equivale dizer que outras fiscalizações poderão compor os programas

de trabalho do Sistema de Controle Interno de cada Poder e do Ministério Público.

2.13. A importância das sanções institucionais

Foi instituída, também, lei estabelecendo as punições criminais para os casos de

não-cumprimento das normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Há

certa sensação de desapontamento com o abrandamento de algumas penas de prisão,

pois a expectativa da opinião pública era a de que, num futuro próximo, prefeitos ou

governadores irresponsáveis pudessem ir para a cadeia. A idéia de que a força da lei

deve ser medida pela prisão de prefeitos e governadores é muito presente para a

opinião pública. Em conseqüência disso, passa a existir o sentimento de que o

abrandamento das penas de prisão, ou a sua substituição pela imposição de multas,

deixarão a Lei de Responsabilidade Fiscal sem sanções fortes.

A Lei de Responsabilidade Fiscal chega a detalhar exaustivamente quais são as

responsabilidades dos governantes e quais são as rotinas que devem ser obedecidas

para tomar transparente a gestão pública. Tantas obrigações são, logicamente,

seguidas de sanções. Sanções severas. Vedações claras, diretas e eficientes. A Lei

estabelece obrigações, impõe limites e delineia, com precisão, quais serão as

conseqüências para o governante que não cumprir a obrigação. Alguns exemplos

elucidam o quanto a Lei de Responsabilidade Fiscal é severa com os governantes e

56

como os obriga a tratar com responsabilidade os recursos públicos. Os excessos são

seguidos de restrições que dificultam a margem de manobra dos governantes.

Ao dispor a respeito da execução orçamentária e do cumprimento de metas, por

exemplo, a lei determina que caso seja verificado, ao final de um bimestre, que as

receitas a serem realizadas poderão não comportar o cumprimento das metas de

resultado primário terá de existir, dentro de trinta dias, limitação de empenho e

movimentação financeira.

Ao tratar da arrecadação, fica determinadas a vedação da realização de

transferências voluntárias para o ente federativo (União, Estados ou Município) que não

tomar as providências necessárias à instituição, previsão e efetiva arrecadação de

impostos de sua competência constitucional. Mais adiante, ao tratar da renúncia de

receita, a lei determina que as renúncias de receitas que afetem as metas de resultados

fiscais devem ser acompanhadas de medidas de compensação.

Ao tratar das despesas com pessoal, a lei torna nulo de pleno direito o ato que

provoque aumento da despesa com pessoal e que não atenda aos limites por ela

estabelecidos. O mesmo ocorre com os atos dos quais resulte aumento da despesa

com pessoal nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato. Ainda ao tratar de

despesas com pessoal, determina a Lei de Responsabilidade Fiscal que, caso os

limites por ela estabelecidos sejam ultrapassados, e a redução não seja atingida nos

prazos nela estabelecidos, o ente federativo (Município, Estado ou União) ficará

impedido de receber transferências voluntárias, obter garantias, diretas ou indiretas, de

outro ente da Federação, e contratar operações de crédito.

Também é severa caso a dívida de um membro da Federação venha a

ultrapassar o respectivo limite ao final de um quadrimestre. Enquanto existir excesso, a

lei proíbe a realização de operações de crédito, internas ou externas, inclusive por

antecipação de receita, além de obrigar a unidade da Federação a obter resultado

primário para reconduzir a dívida ao limite, inclusive mediante a promoção de limitação

57

de empenho. Caso o excesso perdure, o Município estará impedido de receber

transferências voluntárias da União ou do Estado.

Ao tratar da transparência, a lei cria o que se poderia chamar de "Instrumentos

de transparência da gestão fiscal", como o Relatório Resumido da Execução

Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal. Estes devem ser elaborados e

apresentados de acordo com os parâmetros da lei e o não-cumprimento dos prazos

para a apresentação sujeita a unidade federativa a sanções, como o não-recebimento

de transferências voluntárias e o impedimento de contratações de operações de crédito.

A Lei de Responsabilidade Fiscal não pune somente o administrador

irresponsável, mas também aquele que deixa de dar transparência à sua gestão. Não

só sanciona, mas avisa antecipadamente que vai punir. O monitoramento acontece

bem de perto. A arrecadação tem de ser feita, os limites de gastos têm de ser

respeitados e os limites com pessoal são sérios. Além disso, dívidas não podem ex

ceder limites, e gastos ao final do governo são impedidos. Não bastasse isso, relatórios

devem ser apresentados e dentro de prazos severos. Caso as regras não sejam

respeitadas, o governante fica impossibilitado de se socorrer de transferências

voluntárias ou contratação de dívidas. Fica sufocado e é obrigado a corrigir a rota. Mais

do que isso é avisado antecipadamente das conseqüências da sua irresponsabilidade.

Em palavras simples, a margem de manobra para faltosos é limitadíssima. Tem de

existir uma correção de rumo.

A sagacidade do administrador irresponsável é desafiada ao limite. Ou cumpre

os preceitos da lei e administra dentro dos limites de sua arrecadação, ou passa a

sofrer limitações. A publicidade, a divulgação por meios eletrônicos dos relatórios que

apontam eventual irresponsabilidade, expõe os governantes faltosos ao ridículo e deixa

transparente, não só para os fiscalizadores, mas também para os investidores do setor

privado ou instituições financeiras, que aquele ente da Federação não é um alvo ideal

para investimentos. São sanções pesadas. O governante irresponsável fica exposto,

58

inclusive, à censura por parte de seus próprios eleitores e fica com uma margem de

manobra bastante restrita.

Se a Lei nº 10.028/2001, que estabelece crimes e multas a governantes não

existisse, estaríamos em situação semelhante à situação que se vive na Europa desde

a adoção do Euro. Há medidas severas de monitoramento. É obrigatória a

transparência e os governantes devem agir com responsabilidade. Funciona? Sim,

funciona. Os Estados-Membros da União Européia têm obedecido ao Pacto. Há

transparência, monitoramento e, principalmente, não há irresponsabilidade moral de

governantes.

O fato é que se considerarmos somente a Lei de Responsabilidade Fiscal, sem

as sanções criminais, concluiríamos que estamos na mesma situação que estão hoje os

países que estão na área do Euro. Temos uma lei que obriga os governantes a serem

transparentes; submeter-se a monitoramento constante. São obrigados a agir

responsavelmente, sob pena de estarem submetidos à execração pública, o que

representa impossibilidade de buscar recursos. Significa, também, que qualquer atitude

irresponsável passa a ser diretamente sancionada por investidores privados e

instituições financeiras. O ente federativo corre o risco de sufocar se não andar na

linha. E o que é melhor, o governante se expõe e passa a sofrer a sanção mais

importante de todas, a sanção das urnas.

Quando um governante perder a legitimidade do mandato, por atentar contra a

probidade na administração, cabe à Casa Legislativa, depositária da vontade popular,

cassar o mandato outorgado pelo povo (art. 4º, V da Lei nº 1079/50).

2.14. Penalidades

A Lei de Responsabilidade Fiscal também estabelece que as infrações

cometidas que venham a ferir seus dispositivos devem ser punidas com base no

Decreto-Lei n° 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal), Lei n°. 1079, de 10

59

de abril de 1950, do Decreto-Lei n° 201, de 27 de fevereiro de 1967 e da Lei n° 8.429,

de 02 de junho de 1992 (Crime de Improbidade Administrativa) da Lei de Crimes Fiscais

(Lei nº 10.028, de 19.10.2000), além de outros diplomas legais, todos mencionados na

Lei de Responsabilidade Fiscal.

Dentre as penas estão perda do cargo e a inabilitação, até cinco anos (oito anos

em se tratando do Presidente da República), para o exercício de qualquer função

pública (os dos prefeitos e vereadores também com detenção de até três anos e

reclusão de até doze). No caso de crimes contra as finanças públicas haverá detenção

de até dois anos e reclusão de até quatro anos, e no caso de infrações administrativas

será aplicada multa de trinta por cento sobre os vencimentos anuais do infrator.

As penalidades aprovadas na Lei 10.028/2000 alcançarão os responsáveis dos

três Poderes, no que lhes couber, e todo cidadão será parte legítima para denunciar.

São as seguintes:

Infrações Penalidades

Contratação irregular de operação de crédito ou

se a dívida consolidada ultrapassar o limite

máximo autorizado por lei.

Reclusão de 1 a 2 anos

Inscrição irregular ou acima do limite de restos a

pagar.

Detenção de 6 meses a 2 anos

Assunção irregular de obrigação nos últimos oito

meses do mandato.

Reclusão de 1 a 4 anos

Ordenação de despesa não autorizada. Reclusão de 1 a 4 anos

Prestação de garantia graciosa. Detenção de 3 meses a 1 ano

Não-cancelamento de restos a pagar Detenção de 6 meses a 2 anos

Aumento da despesa total com pessoal no

último semestre do mandato.

Reclusão de 1 a 4 anos

Oferta pública ou colocação de títulos irregulares

no mercado.

Reclusão de 1 a 4 anos

60

A Lei 10.028, de 19.10.2000, altera também, o Decreto-Lei N. º 201 de 27 de

fevereiro de 1967, que dispõe sobre a responsabilidade de Prefeitos e vereadores, e

acrescenta oito incisos ao artigo 1.º, possibilitando a punição dos prefeitos municipais,

por crime de responsabilidade, independente do pronunciamento da câmara dos

vereadores. O tipo normativo, a saber, são os seguintes:

XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos

prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da

aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (Inciso acrescido pela Lei

10.028, de 19.10.2000).

XVII – ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites

estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de

crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Inciso acrescido pela Lei

10.028, de 19.10.2000).

XVIII – deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento, a

amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito

realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei;

(Inciso acrescido pela Lei 10.028, de 19.10.2000).

XIX – deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de

crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais

encargos, até o encerramento do exercício financeiro; (Inciso acrescido pela Lei 10.028,

de 19.10.2000).

XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de

crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da

administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou

postergação de dívida contraída anteriormente; (Inciso acrescido pela Lei 10.028, de

19.10.2000).

61

XXI – captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição

cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (Inciso acrescido pela Lei 10.028, de

19.10.2000).

XXII – ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão

de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; (Inciso acrescido

pela Lei 10.028, de 19.10.2000).

XXIII – realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou

condição estabelecida em lei. (Inciso acrescido pela Lei 10.028, de 19.10.2000).

Os crimes definidos nestes incisos são de ação pública, com a pena de

detenção, de três meses a três anos. A condenação definitiva acarreta a perda de cargo

e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública,

eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao

patrimônio público ou particular.

Ao receber a denúncia, o Juiz manifestar-se-á, obrigatória e motivadamente,

sobre o seu afastamento do exercício do cargo durante a instrução criminal, em todos

os casos.

2. 15. Da Lei n º 8.429/92

Essa lei define o ato de improbidade administrativa, os sujeitos ativo e passivo,

as penalidades cabíveis, bem como, regula o procedimento administrativo e o processo

judicial para investigação e punição do agente público infrator.

Segundo essa lei, improbidade administrativa comporta claramente três

modalidades. Os artigos 9º, 10 e 11 definem respectivamente os atos de improbidade

administrativa que importam no enriquecimento ilícito, que causam prejuízo ao erário, e

que atentam contra os princípios da administração pública. Exemplos da 1ª modalidade:

adquirir, para si ou para outrem, no exercício do mandato, cargo, emprego ou função

62

pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do

patrimônio ou à renda do agente público. Exemplo da 2ª modalidade: ordenar ou

permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento. Exemplo da

3ª modalidade: praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso

daquele previsto, na regra de competência.

Cada um desses artigos definiu genericamente o ato de improbidade no caput e

deu uma definição pormenorizada em vários incisos, o que ensejará, certamente, uma

interminável discussão quanto à taxatividade ou exemplificatividade das hipóteses

elencadas, a exemplo do que ocorreu com a lista de serviços municipais.

Importante notar que nem todo ato de improbidade administrativa implica

enriquecimento ilícito do agente público ou prejuízo ao erário.

Conforme se depreende do § 4º do art. 37 da CF as penas consistem na

suspensão dos direitos políticos, na perda da função publica, na indisponibilidade dos

bens e no ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo

da ação penal cabível.

O art. 12 da Lei nº 8.429/92 instituiu várias penalidades, dentre as quais, a

cominação de multa, a proibição de contratar com o Poder Público ou de receber

incentivos fiscais ou creditícios. Extravasou os limites de sanções previamente definidas

na Carta Magna que, nesse particular, não deu carta branca ao legislador ordinário para

estipular sanções a seu talante.

Qualquer cidadão pode representar à autoridade administrativa competente para

que seja instaurada a investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade

(art. 14). O dispositivo, na verdade, é desnecessário, pois o direito de petição já vem

sendo consagrado, de longa data, nas nossas Constituições. Desnecessária, também,

a disposição do art. 19, que pune o autor da denúncia que imputa, falsamente, ao

agente público a prática do ato de improbidade administrativa, pois o Código Penal já

63

cuida da denunciação caluniosa. Parece que esse dispositivo foi inserido para servir de

desestímulo permanente à ação do cidadão. O interessado poderá, ainda, representar

diretamente ao Ministério Público, bem como, pode o órgão ministerial, de ofício,

requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo (art. 22).

A lei é lacunosa e dúbia ao mesmo tempo.

O Ministério Público foi legitimado para ingressar com processo cautelar apenas

e tão somente para requerer, na forma dos artigos 822 e 825 do CPC, o "seqüestro de

bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao

patrimônio" podendo o pedido incluir, quando for o caso, a "investigação, o exame e o

bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no

exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais" (art. 16 e § § 1º e 2º).

64

3. OBJETIVOS

3.1. Objetivo Geral

- Verificar a aplicabilidade da lei, seus benefícios e entraves.

3.2. Objetivos Específicos

• Conhecer a área de atuação da Lei de Responsabilidade Fisacal.

• Reconhecer os atos que surgiram posterior à lei.

• Comparar a situação atual de controle legal antes e após a lei.

• Buscar as penalidades possíveis com o descumprimento da lei.

• Analisar e reconhecer os requisitos para se manter dentro do novo sistema

legal.

• Buscar a verdadeira intenção do legislador originário ao legislar sobre o

assunto.

• Conhecer o sistema fiscal estatal.

65

4. MATERIAIS E MÉTODOS

4.1. Tipo de Estudo

O presente estudo trata-se de uma análise teórica e documental, desenvolvido

por meio do emprego de pesquisas qualitativas, incluindo uma pesquisa bibliográfica

sobre a temática, a revisão e seleção de diversos artigos, livros técnicos e

especializados nos conceitos de administração pública, orçamento público, documentos

constitucionais e legais, além de consultas a sites de reconhecida idoneidade

disponibilizados na Internet.

A pesquisa teórica não implica na imediata intervenção da realidade, mas nem

por isso deixa de ser importante, pois seu papel é decisivo na criação de condições

para a intervenção. "O conhecimento teórico adequado acarreta rigor conceitual,

análise acurada, desempenho lógico, argumentação diversificada, capacidade

explicativa" (DEMO, 1994, p. 36).

4.2. Levantamento de Dados

Foi feita uma abordagem geral sobre a gênese e a trajetória da Lei de

Responsabilidade Fiscal – LRF e sua aplicabilidade. Neste caso o pesquisador utilizou

livros, revistas, documentos, periódicos, enfim, registros impressos a respeito do

assunto.

66

5. CONCLUSÃO

A LRF, não possui todos seus artigos destinados à administração em geral,

como por exemplo, o artigo 7º da LRF, destinado somente ao Banco Central e à

Administração Federal. Mas sem dúvidas o objetivo primordial da lei é proporcionar o

equilíbrio das contas públicas e propor aos governantes um maior comprometimento

com a elaboração dos orçamentos para que seja alcançado o resultado pretendido, que

sejam o estabelecimento de metas fiscais e controle rigoroso nos gastos públicos.

Proíbe a renuncia de receitas e o aumento irresponsável de despesas, evitando que

uma nova gestão, ao assumir a administração, tenha que arca com dívidas da gestão

anterior. Propõe um regime de gestão fiscal responsável que procura dissipar as

desigualdades regionais, reduzindo o déficit público e estabilizando o montante das

dívidas internas e externas em relação ao Produto Interno Bruto. Enfim, estabelece

regras de conduta a serem observadas pelos administradores públicos que, se não as

cumprirem, estarão sujeitos a sanções de ordem institucional e pessoal.

No primeiro trimestre de 2007 o TCU (Tribunal de Contas da União) condenou

367 responsáveis ao recolhimento de débitos ou pagamentos de multas, num total de

R$ 89,3 milhões, quase um milhão por dia. De acordo com o Estado de São Paulo, o

relatório do tribunal foi concluído no dia 30 de maio e o elevado número de

condenações de gestores públicos – prefeitos e outros funcionários públicos envolvidos

com a gestão pública – mostra a alta incidência de mau uso de dinheiro público no

Brasil. Em 28% dos casos as condenações foram provocadas por danos no erário

decorrentes de atos de gestão ilegítimos ou anti-econômicos; em outros 28%, por

prática de gestão ilegal ou infração a normas legais. Além disso, 25% das condenações

67

foram determinadas por desfalque ou desvio de dinheiro, bens ou valores públicos. Por

fim, 19% das punições ocorreram por omissão no dever legal de prestar contas. Além

dessas condenações de natureza pecuniária, o TCU também puniu 38 pessoas com

sansões administrativos no primeiro trimestres. Delas, 31 foram consideradas

inabilitadas para o exercício de cargos em comissão ou funções de confiança, e sete

foram consideradas licitantes fraudadores e declaradas inidôneas.

As infrações administrativas são processadas e julgadas pelo Tribunal de Contas

a que competir a fiscalização contábil, financeira e orçamentária da pessoa jurídica de

direito público envolvido. Estes crimes funcionais e os de responsabilidade são delitos

de ação pública, o que permite a instauração do processo respectivo mediante

comunicação de qualquer pessoa a autoridade competente e denuncia do ministério

publico.

A sansão penal, nos termos da Lei, recairá sobre aquele administrador público

que não seguir as regras gerais da LRF, desde a confecção das leis orçamentárias nos

termos da LRF (artigo 4º), até a publicação de todos os relatórios exigidos, passando

pela observação dos limites para contratação de pessoal, serviços terceirizados e

endividamento. As sansões pessoais recairão diretamente sobre o agente

administrativo, impondo na cassação de mandato, multa de 30% dos vencimentos

anuais, inabilitação para o exercício da função pública e detenção, que poderá variar

entre 6 meses e 4 anos.

As sansões penais não estão disposta na Lei de Responsabilidade Fiscal que,

resumidamente, apenas determina, em seu artigo 73, que as infrações a seus

dispositivos serão punidas segundo o Código Penal, o Decreto-Lei nº 201/67, as Leis

n.º 1.079/50 e 8.429/92 e demais normas da legislação pertinente.

Essas sanções, na verdade, estão previstas na Lei n.º 10.028 de 20 de outubro

de 2000, oriunda do projeto Lei n.º 621/99 que acompanhou a Lei de responsabilidade

Fiscal. Por conta desse mandamento legislativo foi modificada a redação do art. 339 do

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código Penal que tipifica o crime de denunciação caluniosa e acrescentando oito novos

tipos penais em um capítulo chamado, Crimes contra as Finanças Públicas que foi

inserido no rol dos Crimes contra a Administração Pública.

Os Crimes contra as Finanças Públicas dispostos no Código Penal são todos

crimes dolosos e não necessitam, via de regra, que seja produzido o resultado

naturalístico para a sua consumação, classificando-se também como crimes de mera

conduta. A cominação máxima de pena a ser aplicada aos agentes ativos desses

crimes é de quatro anos. Dessa fôrma, concluímos que, em tese, poderá ser aplicada

ao infrator uma pena alternativa, em substituição a pena privativa de liberdade,

conforme o disposto no art. 44, I, do Código Penal. Assim, caso o gestor da

administração pública cometa algum desses crimes, dificilmente ele irá ser preso, pois o

legislador seguiu a orientação do direito penal mínimo, já bastante difundido em outros

países e que consiste no fato de viabilizar ao máximo a aplicação de medidas

alternativas à prisão.

Diferentemente é o caso do crime de denunciação caluniosa que prevê pena de

02 (dois) a 08 (oito) anos, para o cidadão que tendo conhecimento da inocência do

agente político ou do funcionário público, der causa a instauração de investigação

policial ou administrativa, de processo judicial, inquérito civil ou ação de improbidade

administrativa, para apurar suposta conduta violadora da Lei de Responsabilidade

Fiscal. Nesse caso, o tratamento é muito mais severo e o infrator não terá direito a

substituição da pena privativa de liberdade por uma pena alternativa, considerando o

legislador ser muito mais grave acusar levianamente um gestor público ao cometimento

por esse mesmo gestor de um crime contra as Finanças Públicas.

Cumpre salientar que os Crimes contra as Finanças Públicas, por possuírem

penas mínimas iguais ou inferiores a 01 (um) ano, também estão sujeitos a suspensão

condicional do processo disposta no art. 89 da Lei N.º 099/95, devendo o juiz, se

cumpridos os demais requisitos legais e se for aceita a proposta de suspensão, ao

receber a denúncia, suspender o processo por dois a quatro anos, findo o qual estará

extinta a punibilidade do acusado. Ressalte-se que a reparação civil do dano decorrente

do crime é uma das principais obrigações impostas ao acusado que a aceitar.

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Um dos crimes contra as finanças públicas é a contratação de operação de

crédito, disposto no art. 359-A cuja pena é de 1 (um) a 2 (dois) anos de reclusão e

consiste nas condutas que ordenem, autorizem ou realizem operação de crédito

(definida no art. 29, III, da LRF), interno ou externo, sem prévia autorização legislativa,

incorrendo na mesma pena aquele que ordene, realize ou autorize operação de crédito

com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei ou em

resolução do Senado ou quando o montante da dívida consolidada ultrapassa o limite

máximo autorizado por lei. Os demais são a inscrição de despesas não empenhadas

em restos a pagar (art. 359-B), a assunção de obrigação no último ano de mandato ou

legislatura (art. 359-C), a ordenação de despesa não autorizada (art. 359-D), a

prestação de garantia graciosa (art. 359-E), o não cancelamento de restos a pagar (art.

359-F), o aumento de despesa total com pessoal no último ano do mandato ou

legislatura (art. 359-G) e a oferta pública ou colocação de títulos no mercado (art. 359-

I1).

Além dos Crimes contra as Finanças Públicas, a Lei n° 10.028/2000, através de

seu art.. 4", acrescentou ao antigo rol constante do art. 1" do Decreto- Lei 201/67, mais

oito novos tipos penais, aumentando dessa forma o número de crimes que podem ser

cometidos pelos Prefeitos Municipais e por outras pessoas em co-autoria com eles.

Vale ressaltar que já foi sedimentado tanto na doutrina como na jurisprudência que

enquanto as figuras penais dispostas no art. 1° do mencionado decreto são crimes

comuns, punidos com pena privativa de liberdade e processados e julgados pelo Poder

Judiciário, as infrações do art.. 4° são político-administrativas, sancionadas com a perda

do cargo e a inabilitação para o exercício da função, além de serem processadas e

julgadas pela Câmara dos Vereadores. Todos os tipos penais acrescentados ao art. 1°

do Decreto- Lei 201 /67 são punidos com detenção de 03 (três) meses a 03 (três) anos.

Tanto no caso dos crimes comuns definidos no Código Penal como naqueles que estão

definidos no art. 1" do Decreto- Lei 201/67, o prefeito acusado estará sujeito ao

processo e julgamento perante o Tribunal de Justiça, devido à prerrogativa de foro da

qual ele é detentor. Caso o infrator não detenha mais o mandato eletivo, será

processado e julgado perante o juiz de primeira instância e não mais terá foro

privilegiado, tendo o Supremo Tribunal Federal revogado a Súmula 394.

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