Introns do grupo I no LSU rRNA mitocondrial de ... · TRIS-HCl Trisaminometano – hydroxymethyl...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE BIOQUÍMICA FELIPE EMMANUEL DO ESPÍRITO SANTO GOMES Introns do grupo I no LSU rRNA mitocondrial de Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii e a sua relação com genótipos e susceptibilidade a antifúngicos NATAL 2017

Transcript of Introns do grupo I no LSU rRNA mitocondrial de ... · TRIS-HCl Trisaminometano – hydroxymethyl...

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    CENTRO DE BIOCIÊNCIAS

    DEPARTAMENTO DE BIOQUÍMICA

    FELIPE EMMANUEL DO ESPÍRITO SANTO GOMES

    Introns do grupo I no LSU rRNA mitocondrial de Cryptococcus

    neoformans e Cryptococcus gattii e a sua relação com genótipos e

    susceptibilidade a antifúngicos

    NATAL

    2017

  • FELIPE EMMANUEL DO ESPÍRITO SANTO GOMES

    Introns do grupo I no LSU rRNA mitocondrial de Cryptococcus

    neoformans e Cryptococcus gattii e a sua relação com genótipos e

    susceptibilidade a antifúngicos

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

    em Bioquímica da Universidade Federal do Rio Grande

    do Norte como requisito parcial para obtenção do título de

    Mestre em Bioquímica.

    Orientadora: Raquel Cordeiro Theodoro

    Coorientador: Thales Domingos Arantes

    NATAL

    2017

  • Gomes, Felipe Emmanuel do Espírito Santo. Introns do grupo I no LSU rRNA mitocondrial de

    Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii e a sua relação

    com genótipos e susceptibilidade a antifúngicos / Felipe

    Emmanuel do Espírito Santo Gomes. - Natal, 2017. 94 f.: il.

    Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio

    Grande do Norte. Centro de Biociências. Programa de Pós-

    Graduação em Bioquímica. Orientadora: Profa. Dra. Raquel Cordeiro Theodoro.

    Coorientador: Prof. Dr. Thales Domingos Arantes.

    1. Criptococose - Dissertação. 2. Genotipagem -

    Dissertação. 3. Intron do grupo I - Dissertação. 4. Estrutura

    secundária - Dissertação. 5. Filogenia - Dissertação. 6.

    Susceptibilidade antifúngica - Dissertação. I. Theodoro, Raquel Cordeiro. II. Arantes, Thales Domingos. III.

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte. IV. Título.

    RN/UF/BSE-CB CDU 616.9

  • DEDICATÓRIA

    A Deus por sempre me iluminar em

    todos os passos da minha vida.

    A minha família por sempre me motivar

    perante todas as dificuldades e decisões importantes.

    Aos meus amigos que caminharam

    comigo durante todos esses anos de universidade.

  • AGRADECIMENTOS

    • A minha orientadora Profa. Dra. Raquel Cordeiro Theodoro pelo inúmero conhecimento

    adquirido com ela e pela sua paciência e dedicação durante todo o meu processo de

    aprendizagem desde a graduação;

    • Ao meu coorientador Dr. Thales Domingos Arantes pelo acompanhamento e

    supervisionamento em minhas práticas laboratoriais;

    • Às agências de fomento (CAPES e CNPq) que financiaram todo este projeto;

    • Ao meu colega de laboratório José Alex que colaborou bastante em minhas análises

    filogenéticas;

    • Ao Instituto de Medicina Tropical, sob a direção da Profa. Dra. Selma Jerônimo, que

    forneceu todo o espaço físico necessário;

    • À fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) pelo envio dos isolados de referência;

    • Às professoras Dra. Maria Tereza Barreto, Dra. Fernanda Fonseca, Dr. Marilene Henning

    Vainstein e Dra. Gilda Maria Barbaro Del Negro por terem cedidos alguns de seus

    isolados;

    • Às professoras Dra. Eveline e Dra. Mônica e Dagoberto pelo envio de amostras de seus

    pacientes do Hospital Giselda Trigueiro;

    • E a todos os demais, que colaboraram direta ou indiretamente para a realização deste

    estudo, meus sinceros agradecimentos.

  • Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem...

    O ato de ver não é coisa natural.

    Precisa ser aprendido!"

    (Rubem Alves)

  • RESUMO

    A criptococose, causada pelas espécies fúngicas Cryptococcus neoformans e Cryptococcus

    gattii, é uma das micoses oportunísticas e/ou sistêmicas mais importantes no mundo. Cada

    espécie possui quatro genótipos, usualmente definidos pelo PCR-RFLP do gene URA5, os quais

    apresentam diferenças em sua ecologia, epidemiologia, distribuição geográfica e

    susceptibilidade a antifúngicos. Marcadores moleculares de acesso mais direto são atrativos

    para um rápido reconhecimento de genótipos ou de caraterísticas relevantes como virulência e

    susceptibilidade antifúngica. Neste sentido, introns autocatalíticos do grupo I, no rRNA LSU

    mitocondrial foram aqui avaliados como potencial marcador molecular para os genótipos de C.

    neoformans e C. gattii, bem como quanto a sua relação com a susceptibilidade a antifúngicos.

    Foram utilizados 77 isolados brasileiros, sendo a maioria do genótipo VNI (39 cepas), seguido

    de 20 VGII, 5 VNIV, 4 VNII, 3 VNIII, 2 VGI, 2 VGIII e 2 VGIV. Os introns Cne.mL2449 e

    Cne.mL2504 foram amplificados em um só PCR com primers complementares a região do gene

    rRNA LSU flanqueadora dos introns. Os produtos de PCR mostraram um polimorfismo de

    comprimento significativo entre genótipos de C. neoformans e C. gattii. O sequenciamento

    destes produtos indicou que algumas cepas apresentaram nenhum, um, dois, três ou quatro

    introns em série. Estes dois novos introns, não descritos anteriormente, foram nomeados de

    Cne.mL2439 e Cne.mL2584 em C. neoformans e Cga.mL2439 e Cga.mL2584 em C. gattii. Os

    introns Cne.mL2439/Cga.mL2439 foram classificados como pertences a subclasse IB2 ao

    passo que Cne.mL2584/Cga.mL2584, pertencentes a subclasse IA1. Curiosamente, os

    genótipos com isolados sem introns, VNI, VGII, VGI e VNIV, são aqueles conhecidos como

    mais virulentos e menos susceptíveis a agentes antifúngicos. De fato, tais isolados apresentaram

    MICs significativamente superiores para 5-flucitosina. Estes achados sugerem que estes

    elementos podem ser utilizados como potenciais marcadores moleculares para a resistência

    deste antifúngico. Por fim, análises filogenéticas sugeriram alta similaridade de sequência entre

    os introns Cne.mL2449, Cne.mL2504, Cne.mL2439/Cga.mL2439 e Cne.mL2584/Cga.mL2584

    com outros introns mitocondriais presentes nos genes COX1, COX2, COX3, NAD5, ATP9,

    COB, LSU de fungos distintos, sustentando a hipótese de origem antiga dos introns (hipótese

    “introns early”), além da dispersão destes elementos em sítios heterólogos, via splicing reverso.

    Palavras-chave: Criptococose, genotipagem, intron do grupo I, estrutura secundária, filogenia,

    susceptibilidade antifúngica.

  • ABSTRACT

    Cryptococcosis, caused by the fungal species Cryptococcus neoformans or Cryptococcus gattii,

    is one of the most important systemic and/or opportunistic diseases in the world. Each species

    has four genotypes, usually accessed by PCR-RFLP of the URA5 gene, which present

    differences in their ecology, epidemiology, geographical distribution and antifungal

    susceptibility. Easier accessible molecular markers are attractive for rapid recognition of

    genotypes or relevant characteristics such as virulence and antifungal susceptibility. In this way,

    group I autocatalytic introns in the mitochondrial LSU rRNA were evaluated as potential

    molecular marker for the genotypes of C. neoformans and C. gatti, as well as their relationship

    to antifungal susceptibility. Seventy-seven Brazilian isolates were used, most of the genotype

    VNI (39 strains) followed by 20 VGII, 5 VNIV, 4 VNII, 3 VNIII, 2 VGI, 2 VGIII and 2 VGIV.

    The introns Cne.mL2449 and Cne.mL2504 were amplified in a single PCR with

    complementary primers to the flanking region of the introns LSU rRNA gene. PCR products

    showed a significant polymorphism between C. neoformans and C. gattii genotypes.

    Sequencing of the PCR products indicated that some strains had none, one, two, three or four

    introns followed. This new two introns, not previously described in the mitochondrial genome

    of Cryptococcus, were named Cne.mL2439 and Cne.mL2584 in C. neoformans and

    Cga.mL2439 and Cga.mL2584 in C. gattii. Cne.mL2439/Cga.mL2439 introns were classified

    as belonging to IB2, whereas Cne.mL2584/Cga.mL2584, as belonging IA1 subclass.

    Interestingly, genotypes with some intronless strains, VNI, VGII, VGI and VNIV, are those

    known to be more virulent and less susceptible to antifungal agents. Here, we observed that

    those intronless isolates had significant higher MICs values for 5-flucytosine. The findings

    suggest that these elements can be used as potential molecular markers for antifungal resistance.

    Finally, phylogenetic analyzes suggested high sequence similarity between the introns

    Cne.mL2449, Cne.mL2504, Cne.mL2439/Cga.mL2439 and Cne.mL2584/Cga.mL2584 with

    other mitochondrial introns present in the genes COX1, COX2, COX3, NAD5, ATP9, COB, LSU

    of fungi supporting the “introns early” hypothesis, as well as its dispersion to heterologous sites

    by reverse splicing.

    Key-words: Cryptococcosis, genotyping, Group I intron, secondary structure, phylogeny,

    antifungal susceptibility.

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1- Isolados utilizados no studo.....................................................................................34

    Tabela 2- Genes de homing endonuclease (HEG) estão associados a alguns introns do grupo I

    do gene LSU RNA de C. neoformans e C. gattii......................................................................48

    Tabela 3- Teste para associação entre intron e genótipos virulentos e não-virulentos.............56

    Tabela 4- Teste para associação entre intron e espécie.............................................................57

    Tabela 5- Modelos logísticos ordenados utilizados para estimar o efeito do intron e espécie

    sobre o MIC..............................................................................................................................58

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1- Rota da criptococose meningoencefálica .................................................................16

    Figura 2- Modelo de estrutura secundária dos introns do grupo I ...........................................23

    Figura 3- Representação esquemática do processo de auto-splicing dos introns do grupo

    I.................................................................................................................................................25

    Figura 4- Introns descritos no gene mitocondrial 23S..............................................................30

    Figura 5- Predição da estrutura secundária para os introns Cne.ml2449 e Cne.mL2504............31

    Figura 6- Método de genotipagem por PCR/RFLP do gene URA5..........................................38

    Figura 7- Desenho dos primers.................................................................................................39

    Figura 8- Distribuição dos isolados de C. neoformans e C. gattii segundo seu genótipo ........44

    Figura 9- Os genótipos de C. neoformans e C. gattii apresentam polimorfismos entre os introns

    do grupo I...................................................................................................................................45

    Figura 10- Variação na amplificação dos introns do grupo I segundo o genótipo ..................46

    Figura 11- Posição dos introns do grupo I no gene rRNA LSU de Cryptococcus neoformans e

    Cryptococcus gattii...................................................................................................................47

    Figura 12- Predição da estrutura secundária para o intron Cne.mL2439..................................49

    Figura 13- Predição da estrutura secundária para o intron Cne.mL2584..................................50

    Figura 14- Análise molecular filogenética para os três introns utilizando a inferência

    bayesiana...................................................................................................................................51

    Figura 15- Análise molecular filogenética para os introns Cne.mL2439 e Cga.mL2439

    utilizando a inferência bayesiana..............................................................................................52

    Figura 16- Análise molecular filogenética para o intron Cne.mL2504 utilizando a inferência

    bayesiana...................................................................................................................................53

  • Figura 17- Análise molecular filogenética para os introns Cne.mL2584/Cga.mL2584 utilizando

    a inferência Bayesiana...............................................................................................................54

    Figura 18- Análise molecular filogenética para o intron Cne.mL2449 utilizando a inferência

    bayesiana...................................................................................................................................55

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AFLP Polimorfismo de tamanho de fragmentos amplificados – Amplified fragment lengh

    polymorphism

    AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - Acquired immunodeficiency syndrome

    BamHI Enzima de restrição obtida de Bacillus amyloliquefaciens

    CGB Meio de cultura de cavanina-glicina-azul de bromotimol

    DMSO Dimetilsulfóxido

    DNA Ácido desoxirribonucléico

    dNTP Desoxirribonucleotídeo trifosfato

    DSB Double Strand Break

    EDTA Ácido etileno-diamino-tetra-acético

    FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz

    HEG Homing Endonuclease Gene

    HhaI Enzima de restrição obtida de Haemophilus haemolyticus

    HindIII Enzima de restrição obtida de Haemophilus influenzae

    HIV Vírus da imunodeficiência humana – Human immunodeficiency virus

    KCl Cloreto de Potássio

    MgCl2 Cloreto de Magnésio

    NaCl Cloreto de sódio

    NaOH Hidróxido de Sódio

    http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Bacillus_amyloliquefaciens&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/wiki/Haemophilus_influenzae

  • ORF Quadros abertos de leitura - Open reading frames

    PCR Reação em cadeia da polimerase – polymerase chain reaction

    PH Potencial hidrogeniônico

    RAPD Análise por DNA polimórfico amplificado ao acaso – randomly amplified

    polymorphic DNA analysis

    RFLP Análise de fragmentos de DNA gerados por enzimas de restrição - restriction

    fragment length polymorphisms

    RNA Ácido ribonucleico

    Sau96I Enzima de restrição obtida de Staphylococcus aureus PS96

    SDS Dodecil sulfato de sódio - sodium dodecyl sulfate

    TAE Tampão Tris-Acetato-EDTA

    TRIS-HCl Trisaminometano – hydroxymethyl aminomethane hydrochloride

    UNESP Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

    URA5 Gene codificador da enzima ortidina monofosfato pirofosforilase

    LSU Grande subunidade ribossomal - Large subunit

    COX Cyclooxygenase gene

    COB Cytochrome b gene

    NAD NAD(P)H dehydrogenase gene

  • SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 15

    2 OBJETIVOS ................................................................................................................................... 33

    2.1 Objetivo geral .............................................................................................................................. 33

    2.2 Objetivos específicos ................................................................................................................... 33

    3 MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................................................ 34

    3.1 Isolados fúngicos utilizados ........................................................................................................ 34

    3.2 Extração de DNA ........................................................................................................................ 37

    3.3 PCR e RFLP do gene URA5 ....................................................................................................... 37

    3.4 PCR do intron do grupo I e eletroforese ..................................................................................... 39

    3.5 Sequenciamento e alinhamento do intron ................................................................................... 40

    3.6 Estrutura secundária .................................................................................................................... 40

    3.7 Análise filogenética ..................................................................................................................... 40

    3.8 Testes de susceptibilidade a antifúngicos .................................................................................... 41

    3.9 Análises Estatísticas .................................................................................................................... 42

    4 RESULTADOS ................................................................................................................................. 44

    4.1 PCR e RFLP do gene URA5 ....................................................................................................... 44

    4.2 PCR e sequenciamento do intron do grupo I ............................................................................... 44

    4.3 Predição da estrutura secundária para os novos introns .............................................................. 48

    4.4 Análises filogenéticas .................................................................................................................. 50

    4.5 Relação entre presença de introns do grupo I no gene LSU rRNA mitocondrial, susceptibilidade

    antifúngica e genótipos de C. neoformans e C. gattii ........................................................................ 56

    5 DISCUSSÃO ..................................................................................................................................... 59

    6 CONCLUSÕES ................................................................................................................................ 67

    REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 68

    APÊNDICE .......................................................................................................................................... 77

    APÊNDICE A- Genotipagem de todos os isolados pelo método PCR-RFLP URA5. ...................... 77

    APÊNDICE B- Produtos de PCR obtidos para o intron do grupo I em todos os isolados ................ 80

    APÊNDICE C- Alinhamento global da sequência do gene LSU rRNA. .......................................... 84

    APÊNDICE D – Polimorfismos entre os introns LSU rRNA ........................................................... 91

    APÊNDICE E - Concentrações inibitória mínimas para os isolados fúngicos testados. .................. 94

  • 15

    1 INTRODUÇÃO

    O gênero Cryptococcus é composto por basidiomicetos da ordem Tremellales

    caracterizados por leveduras capsuladas mundialmente disseminadas e reconhecidas como

    importantes patógenos fúngicos, altamente frequentes em indivíduos imunodeprimidos

    (CHEN; MEYER; SORRELL, 2014; MITCHELL; PERFECT, 1995). Leveduras desse gênero

    são cosmopolitas e abrigam-se em diversos substratos orgânicos associados às excretas de aves,

    tanto em ambientes urbanos quanto domiciliares (KWON-CHUNG; BENNETT, 1984;

    LAZÉRA et al., 1996; SWINNE et al., 1989). Muitos já foram os achados destes

    microrganismos associados a ocos de árvores em decomposição, como Eucaliptus

    camaldulensis, Moliquea tomentosa, Cassia grandis, Ficus microcaprae e Terminali acatappa

    (CALLEJAS et al., 1998; LAZERA et al., 2000; LAZÉRA et al., 1998; SORRELL, 2001).

    A infecção em humanos tem início pela inalação de propágulos infecciosos (leveduras)

    encontrados no ambiente, os quais colonizam os pulmões e causam o primeiro ponto de

    infecção. Em indivíduos imunocompetentes, o fungo normalmente não é disseminado e o

    quadro clínico é assintomático. Já em indivíduos imunodeprimidos, o patógeno tende a se

    disseminar rapidamente dos pulmões para o sistema nervoso central (após cruzar a barreira

    hematoencefálica) onde causa o quadro clínico de meningite ou meningoencefalite. De forma

    geral, os principais sítios de infecção e diagnóstico são: pulmões, sistema nervoso central,

    sangue, urina, pele, próstata e olhos. Os imunodeprimidos tendem a apresentar um amplo

    espectro de sintomas, que incluem febre, mal-estar, dor no peito, perda de peso, dispnéia, tosse,

    além de lesões na pele, como úlceras, tumores e granulomas (CHEN; MEYER; SORRELL,

    2014; MITCHELL; PERFECT, 1995) (Figura 1).

    A criptococose é causada por duas diferentes espécies do gênero Cryptococcus:

    Cryptococcus neoformans (Cryptococcus neoformans var. neoformans e Cryptococcus

    neoformans var. grubii) e Cryptococcus gattii (FRANZOT et al., 1998; KWON-CHUNG et al.,

    2014). Segundo análises de Xu, Vilgalys & Mitchell (2000), a divergência entre C. neoformans

    var. neoformans e C. neoformans var. grubii ocorreu a cerca de 18.5 milhões de anos atrás, mas

    essas linhagens têm sofrido dispersões e hibridizações recentes. As dispersões, que são

    facilitadas pelos humanos bem como por outros hospedeiros, podem favorecer o aparecimento

    de gerações híbridas pela simples aproximação de linhagens divergentes que podem vir a se

    cruzarem.

  • 16

    Figura 1- Rota da criptococose meningoencefálica. Leveduras dessecadas e outros propágulos infecciosos de

    Cryptococcus sp. são inaladas pelo hospedeiro e formam o primeiro sítio de infecção no pulmão. A

    levedura tende a se disseminar pela corrente sanguínea deste órgão até o sistema nervoso central, onde

    causam o quadro clínico de meningoencefalite. Fonte: Modificado de KWON-CHUNG et al. (2014).

    Enquanto as infecções por C. neoformans ocorrem mundialmente e são uma importante

    causa de morbidade e mortalidade em pacientes imunodeprimidos (especialmente em pacientes

    com AIDS), C. gattii usualmente infecta portadores imunocompetentes (D’SOUZA et al.,

    2011). Embora seja relatado na literatura que C. gattii está geograficamente mais associado a

    áreas tropicais e subtropicais (SORRELL, 2001), Kidd et al. (2004) sugerem que C. gattii pode

    se adaptar a novos ambientes, visto que ele já foi encontrado em região de clima temperado em

    um surto de criptococose na ilha de Vancouver (Vancouver Island), Canadá. De modo geral,

    apesar dos diferentes padrões de distribuição geográfica, cepas dessas três variedades (C.

    neoformans var. neoformans, C. neoformans var. grubii e C. gattii) já foram isoladas em todos

    os continentes, exceto na Antártica (XU; VILGALYS; MITCHELL, 2000).

  • 17

    De fato, Cryptococcus spp. possuem alguns atributos que aumentam a capacidade de

    sobrevivência tanto no ambiente saprobiótico como durante uma infecção. Tais adaptações

    incluem padrões de transdução de sinais que otimizam o metabolismo a responder ao estado

    nutricional do ambiente, condições de estresse e interações com outros sistemas biológicos.

    Dentre estes atributos está a cápsula polissacarídica destes fungos, considerada um de seus

    principais fatores de virulência (MCCLELLAND; BERNHARDT; CASADEVALL, 2006).

    No ambiente, a cápsula fornece a função de proteção contra situações de estresse, como

    a desidratação e contra predadores naturais, como nematoides e amebas (CHRISMAN et al.,

    2011; STEENBERGEN; CASADEVALL, 2003). No hospedeiro vertebrado ela é um

    importante fator de virulência, pois protege a levedura contra a resposta imune provocada pelas

    citocinas pró-inflamatórias, que atuam na degradação de patógenos primários, seguida da

    apresentação de antígenos para células do sistema imune (RETINI et al., 1998). A cápsula ainda

    atua como uma estrutura protetora contra a fagocitose por macrófagos, mas se esta for

    inevitável, ela se mantém funcional devido a sua ação protetora contra espécies reativas de

    oxigênio no interior destas células de defesa (ZARAGOZA et al., 2008).

    Estudos realizados inicialmente por Fromtling, Shadomy & Jacobson (1982) mostraram

    que mutantes acapsulados de Cryptococcus neoformans foram capazes de produzir doença em

    modelos murínicos. Esses mutantes foram capazes de sobreviver e replicar em condições

    normais de laboratório, mas exibiram uma grande redução em sua virulência. Entretanto, essas

    cepas acapsuladas podem ser patogênicas para muitos pacientes imunodeprimidos o que

    implica que estas leveduras ainda mantêm um potencial patogênico (SALKOWSKI; BALISH,

    1991). Como a cápsula demonstra um importante papel na interação com o hospedeiro, sua

    estrutura tem sido o principal foco da atenção de muitos estudos experimentais.

    Adicionalmente, estudos têm também mostrado que a cápsula polissacarídica tem uma forte

    propriedade imunomodulatória, levando à evasão do sistema imune e, consequentemente, sua

    sobrevivência dentro do hospedeiro (MONARI; BISTONI; VECCHIARELLI, 2006;

    VECCHIARELLI, 2000). Os polissacarídeos são os principais fatores de virulência da cápsula

    de Cryptococcus, sendo a glucuronoxilomanana (GXM) a substância que se encontra em maior

    abundância nessas leveduras. Os estudos realizados por Monari, Bistoni & Vecchiarelli (2006)

    revelaram um novo aspecto imunossupressor do polissacarídeo GXM, sugerindo que essa

    substância é capaz de levar à inibição da diferenciação e proliferação das células T (Th1) que

    geram uma resposta ao C. neoformans. O GXM também tem poder de influenciar

    negativamente na eficiência da apresentação do antígeno do patógeno ao macrófago (MONARI

    et al., 2005), levando ao seu não reconhecimento por essas células de defesa.

  • 18

    Entre outros fatores de virulência do Cryptococcus tem-se a capacidade de adesão, a

    produção de enzimas como lacases (enzima produtora da melanina), fosfolipases (atua no

    rompimento das ligações éster favorecendo a desestabilização e lise da célula hospedeira),

    urease (promove ação anti-inflamatória mediada por células Th2) e superóxido desmutase

    (protege a célula fúngica contra a ação antioxidante). A formação de melanina está associada

    com a virulência, pois ela gera problemas aos indivíduos com o sistema imune comprometido,

    ao passo que também protege a levedura da ação de antifúngicos e dos macrófagos alveolares,

    levando à persistência da infecção no hospedeiro (CHEN; MEYER; SORRELL, 2014;

    NOSANCHUK et al., 1999; ROSAS et al., 2000).

    De fato, estes fatores de virulência apresentam importantes funções para a levedura

    dentro do organismo, sendo fundamentais para sua implantação no hospedeiro. Entretanto,

    Casadevall, Steenbergen & Nosanchuk (2003) sugerem que os fatores de virulência surgiram

    nessas leveduras bem antes do seu primeiro contato com os hospedeiros vertebrados, ainda no

    ambiente saprobiótico. Esses fatores apresentavam importantes funções que garantiam a

    manutenção do fungo nesse tipo de ambiente, como a presença da melanina, que fornecia

    proteção contra os raios ultravioletas. Porém, quando primordialmente houve a interação

    patógeno-hospedeiro, esses fatores também passaram a se mostrar importantes para a

    manutenção do Cryptococcus no organismo. Ainda segundo os autores, a virulência do C.

    neoformans em vários hospedeiros animais é o resultado das pressões seletivas originadas da

    relação vertebrado-hospedeiro-fungo, as quais foram essenciais ou altamente favoráveis para a

    sobrevivência desse organismo. Adicionalmente, a existência de uma única estratégia parasítica

    intracelular nos macrófagos de mamíferos sugere que a virulência desse fungo patogênico seja

    resultado dos fatores de seleção no ambiente saprobiótico contra predadores ameboides.

    O locus mating type também tem sido identificado como um importante fator de

    virulência, e as cepas MATα têm se mostrado mais virulentas do que as cepas MATa. Como

    em muitas outras espécies de Basidiomicetos, o locus mating type é altamente complexo e

    contém uma variedade de genes essenciais para a reprodução sexuada e morfogênese, incluindo

    genes de feromônios. O sistema mating type é controlado por um locus com dois alelos

    alternativos funcionais, MATa e MATα (CLARKE et al., 2001; LENGELER et al., 2000;

    MOORE; EDMAN, 1993). Em adição, os genes mating type podem mostrar importantes

    funções na epidemiologia e evolução de patógenos. Alguns métodos foram utilizados para

    determinar os alelos mating type. Um destes métodos utiliza primers mating type específicos

    para realizar PCR (KWON-CHUNG; EDMAN; WICKES, 1992). Essas técnicas constituem

  • 19

    ferramentas úteis para serem utilizadas em estudos epidemiológicos, visto que favorecem o

    entendimento da estrutura populacional e reprodutiva do patógeno.

    Um dos métodos mais utilizados para a diferenciação entre as espécies C. neoformans

    e C. gattii é o cultivo em meio CGB (ágar canavanina - glicina – azul de bromotimol). Isso é

    possível visto que C. gattii é resistente a L-cavanina, um aminoácido não protéico produzido

    por certas plantas, e quando cultivado em meio CGB esta espécie utiliza a glicina como fonte

    de carbono e nitrogênio. Durante este processo metabólico haverá a produção de amônia,

    gerando a alcalinização do meio e alterando sua cor de amarelo (que representa o pH inicial de

    5.8±1) para azul cobalto (pH próximo de 7.0) (KWON-CHUNG; POLACHECK; BENNET,

    1982). C. neoformans, entretanto, mantém o meio na coloração amarela (C. neoformans não

    cresce no meio), possibilitando a diferenciação. Embora os autores supracitados tenham

    relatado a ausência de resultados falso-positivos e falso-negativos para esse método, Mctaggart

    et al. (2011) relataram uma especificidade menor para esse método, representando

    aproximadamente 93%.

    A sorotipagem também foi amplamente utilizada em estudos epidemiológicos para C.

    gattii e C. neoformans, e a partir desta técnica foram identificados quatro sorotipos (A, B, C e

    D) para estas espécies de acordo com a composição antigênica de sua cápsula polissacarídica.

    Dessa forma, os sorotipos A e D, além do híbrido AD foram propostas para a espécie

    Cryptococcus neoformans ao passo que os sorotipos B e C se mostraram associados a

    Cryptococcus gattii. A identificação destes sorotipos pode ser realizada através de ensaios

    imunológicos com a utilização de antígenos específicos que se ligam a constituintes de sua

    cápsula polissacarídica (FRANZOT et al., 1998; STEENBERGEN; CASADEVALL, 2003).

    Entretanto, foi a necessidade de técnicas mais precisas que levou ao aumento da

    utilização das ferramentas moleculares. Desde os últimos anos, várias técnicas de tipagem

    molecular têm sido aplicadas ao estudo epidemiológico da criptococose, incluindo

    cariotipagem, RAPD (do inglês “Random Amplification of Polymorphic DNA” em tradução

    livre “Polimorfismo de DNA amplificado ao acaso”), RFLP (do inglês “Restriction Fragment

    lenght Polymorphism” em tradução livre “Polimorfismo de comprimento no fragmento de

    restrição”), AFLP ( do inglês “Amplifield Fragment length Polymorphism” em tradução livre

    “Polimorfismo no comprimento de fragmentos amplificados”), MLST (do inglês “Multilocus

    sequence typing” em tradução livre “tipagem por sequência de multilocus”) e PCR (do inglês

    “Polymerase Chain reaction” em tradução livre “Reação em cadeia da polimerase”) utilizando

    primers específicos de regiões de minissatélites ou microssatélites e PCR multiplex (BRANDT

    et al., 1995; LEAL et al., 2008; MEYER et al., 2003, 2009; YAMAMOTO et al., 1995). Por

  • 20

    meio de técnicas moleculares via PCR fingerprinting com uma sequência de minissatélites

    específicos do fago M13 (5′ GAGGGTGGCGGTTCT 3′) e de microssatélites [(GACA)4,

    (GTC)5] foram identificados oito tipos moleculares principais. Estes ensaios usam as

    sequências de sondas de DNA repetitivo como primers para a detecção de polimorfismos entre

    diferentes isolados (MEYER et al., 1993). Desse modo, C. neoformans foi agrupado dentro dos

    tipos VNI (sorotipo A), VNII (sorotipo A), VNIII (sorotipo AD) e VNIV (sorotipo D); C. gattii

    foi agrupado dentro dos tipos VGI, VGII, VGIII e VGIV (sorotipos B e C) (MEYER et al.,

    1999).

    Outra região genômica mais amplamente utilizada para avaliação do polimorfismo e

    diferenciação dos tipos moleculares de C. neoformans e C. gattii é o gene codificador da

    orotidina monofosfato pirofosforilase (URA5 – orotidine monophosphate pyrophosphorylase

    gene). Os oito tipos moleculares de C. gattii e C. neoformans identificados pelas técnicas acima

    citadas foram confirmados através das análises de RFLP do gene URA5 (MEYER et al., 2003).

    Segundo estes autores, o RFLP do gene URA5 pode ser realizado a partir de uma dupla digestão

    com as enzimas de restrição HhaI e Sau96I. Apesar da precisão deste método, a interpretação

    dos fragmentos de digestão em muitos momentos pode se tornar trabalhosa. Por se tratar de um

    método que envolve distintas fases (PCR, digestão e eletroforese), a boa realização de todas as

    etapas é fundamental para o êxito da técnica e interpretação correta dos resultados. Entretanto,

    esta técnica continua sendo a mais usual para a identificação dos genótipos de C. neoformans e

    C. gattii tanto na clínica quanto nos estudos epidemiológicos.

    Por muitos anos, as infecções causadas por C. neoformans eram vistas como uma

    importante causa de morbidade e mortalidade em pacientes imunodeprimidos (especialmente

    pacientes com AIDS), enquanto que C. gattii usualmente infectava portadores

    imunocompetentes, como já discutido. Entretanto, Farrer et al. (2015) mostraram que embora

    todos os tipos moleculares de C. gattii sejam capazes de causar doença, os genótipos VGI e

    VGII acometem imunocompetentes com maior frequência que os genótipos VGIII e VGIV.

    Ecologicamente, as duas espécies também tendem a ocupar nichos distintos, uma vez

    que C. neoformans encontra-se mais relacionado a fezes de pombos (Columba livia) e de outras

    aves no ambiente, enquanto que C. gattii normalmente é isolado de material vegetal, como em

    árvores de eucaliptos (GULLO et al., 2013; SORRELL, 2001)

    Além disso, os genótipos de C. neoformans e C. gattii não são igualmente distribuídos

    no mundo: VGIV é mais frequente no sul do continente africano; VGII é o C. gattii mais

    encontrado nas Américas e VGI na Europa. De modo geral, VGII e VGI são os mais

    encontrados globalmente (CHEN; MEYER; SORRELL, 2014). Quanto à resposta à terapia

  • 21

    antifúngica, sabe-se que ela é menos expressiva nas infecções causadas por C. gattii, requerendo

    uma terapia mais prolongada (SORRELL, 2001; SPEED; DUNT, 1995), e que ainda dentro

    desta espécie, o genótipo VGII é o menos susceptível às drogas antifúngicas (especialmente a

    azólicos), seguidos pelos isolados VGI, VNI e VNIV (CHONG et al., 2010; HAGEN et al.,

    2010; IQBAL et al., 2010; TRILLES et al., 2012).

    Visto que os tipos moleculares de C. neoformans e C. gattii apresentam expressivas

    diferenças em sua epidemiologia, ecologia, patogenicidade, características moleculares,

    distribuição geográfica e susceptibilidade antifúngica, temos que apenas a distinção entre as

    espécies (C. neoformans ou C. gattii) não é mais suficiente para o correto direcionamento do

    tratamento da criptococose. Portanto, a busca por novos alvos moleculares de fácil acesso e

    identificação, especialmente aqueles altamente polimórficos são de grande importância para a

    distinção entre os tipos moleculares de C. neoformans e C. gattii. Além disso, a utilização

    desses novos alvos com as técnicas de biologia molecular já conhecidas, como PCR e

    eletroforese, os tornariam ainda mais atrativos uma vez que estas ferramentas já são

    amplamente empregadas.

    Neste sentido, o uso de elementos genéticos invasivos, como inteins e introns

    autocatalíticos parecem ser também atrativos para a distinção entre espécies e genótipos de

    Cryptococcus, além daqueles tipos moleculares mais resistentes a antifúngicos. Os inteins são

    sequências transcritas e traduzidas juntamente com a sequência flanqueadora (extein) capazes

    de sofrer um splicing (excisão) protéico autocatalítico. As sequências protéicas flanqueadoras

    são unidas por uma ligação peptídica, formando uma proteína funcional. Os inteins geralmente

    ocorrem em genes importantes para a reprodução e sobrevivência do fungo como genes

    codificadores de enzimas metabólicas, DNA e RNA polimerases e proteases (GOGARTEN et

    al., 2002). Butler & Poulter (2005) avaliaram polimorfismos dos inteins PRP8 de C.

    neoformans e C. gattii (CnePRP8 e CgaPRP8) e observaram que cepas das duas variedades de

    C. neoformans (neoformans e grubii) e C. gattii podem ser facilmente distinguidas pelo

    sequenciamento deste elemento. Foi ressaltado que os sorotipos A (C. neoformas var. grubii) e

    D (C. neoformans var. neoformans) poderiam ser diferenciados por digestão do intein PRP8

    com HindIII, e que VGII poderia ser distinguido dos demais C. gattii por digestão com BamHI.

    Os autores ainda ressaltam que, pelo fato do intein estar presente em regiões conservadas do

    gene hospedeiro, é relativamente fácil o desenho de primers que os amplifiquem em todas as

    espécies ou genótipos dentro de C. neoformans e C. gattii.

    Os introns autocatalíticos, por sua vez, são elementos encontrados em uma grande

    variedade de organismos (como fungos, algas e em muitos outros eucariotos unicelulares),

  • 22

    genes (rRNA, tRNA e codificadores de proteínas) e genomas em toda a árvore da vida

    (HAUGEN; SIMON; BHATTACHARYA, 2005).

    Existem quatro principais classes de introns, definidos pelo mecanismo de splicing:

    introns autocatalíticos do grupo I e grupo II, introns spliceossômicos e os introns tRNA ou

    introns de archea (archaeal introns). Os introns do grupo I estão distribuídos nos genes

    codificadores do RNA ribossômico nuclear, DNA mitocondrial de fungos, bactérias e

    bacteriófagos. A distribuição dos introns do grupo I é altamente desigual entre os seres vivos.

    Sabe-se que estes elementos genéticos são amplamente encontrados nos genes nucleares

    codificadores de rRNA, além de diversos genes mitocondriais em fungos, como COX1

    (Cyclooxygenase 1), COB (Cytochrome b) e LSU rRNA (do inglês “Large subunit” em tradução

    livre “Grande Subunidade Ribossomal”), ao passo que são ausentes na maioria dos animais e

    protistas (LANG; LAFOREST;BURGER, 2007). Entretanto, eles já foram encontrados no

    genoma mitocondrial da anêmona marinha Metridium senilea e no gene mitocondrial da

    subunidade I do Citocromo c oxidase do coral Acropora tenuis. Os introns do grupo II são

    encontrados em bactérias e no genoma de organelas. Os introns spliceossômicos são os mais

    amplamente encontrados nos pré-RNAm nucleares de eucariotos. Já os introns tRNA são

    encontrados no núcleo eucariótico e em Archaea e são enzimaticamente removidos por um

    mecanismo de clivagem e colagem que requer ATP e endonuclease (HAUGEN; SIMON;

    BHATTACHARYA, 2005).

    Os introns do grupo I são pequenos RNAs, com tamanho entre 250-500 nucleotídeos,

    que catalisam o seu próprio splicing a partir do RNA precursor (HAUGEN; SIMON;

    BHATTACHARYA, 2005). Sua parte catalítica constitui uma das principais classes de RNAs

    catalíticos, as ribozimas do grupo I. Alguns introns do grupo I tem uma organização muito

    complexa incorporando genes funcionais e outras sequências, estabelecendo profundas relações

    com o genoma de seus hospedeiros (NIELSEN; JOHANSEN, 2009).

    Análises das sequências dos introns do grupo I revelaram que estes elementos

    apresentam uma estrutura secundária em comum, o que inclui a presença de regiões de

    pareamento de bases designadas P1 a P10 e regiões de loop sem pareamento. Alguns introns

    podem apresentar estruturas variáveis, especialmente os introns mitocondriais, já que podem

    não apresentar certos elementos estruturais, como as alças P2, e mais raramente as alças P8, P9

    e P10. Os introns do grupo I apresentam algumas sequências conservadas, denominadas regiões

    P, Q, R e S. As regiões P e Q se pareiam auxiliando na formação da alça P4, ao passo que R e

    S auxiliam na aça P3. A internal guide sequence (IGS, em tradução livre “Sequência guia

    interna”) é outra região intrônica localizada próxima à região 5’ que se complementa com o

  • 23

    exon anterior para determinar a região de 5’ splice site (Figura 2). Assim, observa-se que os

    introns do grupo I apresentam a sua arquitetura estrutural organizada em três grandes domínios,

    são eles: os domínios de ligação ao substrato representados por P1 (5’ splice site) e P10 (3’

    splice site); o domínio catalítico formado por P3, P7, P8 e P9 e o domínio estrutural ou

    scaffolding domain, representado por P4, P5 e P6 (HAUSNER; HAFEZ; EDGELL, 2014; LI;

    ZHANG, 2005; MICHEL; WESTHOF, 1990).

    Figura 2- Modelo de estrutura secundária dos introns do grupo I. Representação genérica da estrutura dos

    introns do grupo I com ênfase nas principais alças e domínios com sequências conservadas. [a] as

    regiões com linhas em azul indicam ORFs que codificam homing endonucleases, localizadas

    predominantemente nos loops. As linhas em laranja mostram a localização das sequências conservadas

    P, Q, R, S e IGS. Retângulos em preto representam exons localizados nas porções anterior e posterior

    as regiões 5’ e 3’ splice site (triângulos em verde), respectivamente. O local de ligação da guanina

    exógena (ExoG) no G-binding site, localizado na alça P7, está representado por um asterisco. [b] as

    ORFs codificando homing endonucleases também podem se estender para as junções que unem as

    principais alças, como as junções J1/2 e J6/7. Fonte: Hausner; Hafez; Edgell (2014).

    O sucesso dos introns do grupo I, bem como também dos introns do grupo II, está

    relacionado à sua inata capacidade de sofrer auto-splicing, que permite que eles se propaguem

    pela inserção dentro do gene do hospedeiro (LAMBOWITZ et al., 1999). O processo

    autocatalítico de remoção do intron do grupo I é essencial para a maturação do RNA hospedeiro

    e, por consequência, para o desenvolvimento da levedura (CECH, 1990), visto que estes

    elementos interrompem regiões codificadoras dos genes de mRNA, tRNA, e em sua maioria de

    rRNA (LI; ZHANG, 2005). Esta habilidade dos introns do grupo I em sofrer auto-splicing foi

  • 24

    primeiramente demostrada por Kruger et al. (1982) para um intron presente no gene nuclear da

    grande subunidade ribossomal do protozoário Tetrahymena thermophila.

    Os introns do grupo I são removidos do RNA precursor através de duas reações de

    splicing distintas (reações de transesterificação), nas quais a estrutura enovelada participa

    diretamente da reação. Muitos introns podem sofrer auto-splicing in vitro espontaneamente, ou

    seja, nenhuma proteína é requerida no processo, enquanto outros necessitam de fatores

    proteicos para facilitar a correta dobragem do sítio catalítico (CECH, 1990). O pré-requisito

    para o splicing é a ligação com uma guanosina exógena (ExoG) ou uma de suas formas

    fosforiladas (GMP, GDP ou GTP) que atuam como cofator no sítio catalítico do intron,

    chamado G-binding site (localizado na alça P7) (Figura 2). Durante o primeiro passo do

    splicing, o cofator ataca a região 5’ (SS) e se liga ao intron, resultando na liberação do éxon.

    Esse processo se dá quando o cofator ataca o átomo de fósforo da região 5’ formando uma ponte

    3,5’- fosfodiéster do primeiro nucleotídeo ao intron. O segundo passo é iniciado por um ataque

    na região 3’ do éxon gerado pelo grupo 3’-hidroxil livre do éxon 5’. Isso promove a liberação

    da região 3’SS posterior ao último nucleotídeo do intron – que é sempre uma guanina (ωG) -,

    resultando na ligação dos éxons e a liberação do intron (CECH, 1990; HAUGEN; SIMON;

    BHATTACHARYA, 2005) (Figura 3).

    Os introns do grupo I podem ser classificados em cinco subgrupos, sendo eles IA, IB,

    IC, ID e IE (MICHEL; WESTHOF, 1990; SUH; JONES; BLACKWELL, 1999), e suas

    sequências e estruturas estão disponíveis no GISSD (do inglês “Group I intron sequence and

    structure Database” em tradução livre “banco de dados de estrutura e sequência de introns do

    grupo I”) (http://www.rna.whu.edu.cn/gissd/index.html). Esta classificação leva em

    consideração a presença de domínios conservados, configurações alternativas de elementos na

    estrutura secundária e terciária do intron, especialmente as regiões envolvidas com as alças P1,

    P3, P4, P6 e P7 (por exemplo, a presença das estruturas P7.1, P7.2) (HAUSNER; HAFEZ;

    EDGELL, 2014; MICHEL; WESTHOF, 1990; ZHOU et al., 2008). Dependendo da presença

    ou ausência de configurações estruturais específicas, quatro dos cinco subgrupos ainda podem

    ser subdivididos em IA1, 1A2, IA3, IB1, IB2, IB3, IB4, IC1, IC2, IC3, IE1, IE2, IE3 (ZHOU

    et al., 2008).

  • 25

    Figura 3- Representação esquemática do processo de auto-splincing dos introns do grupo I. Fonte: Haugen;

    Simon; Bhattacharya (2005).

    Os introns do grupo I, além da capacidade de auto-splicing, podem codificar genes de

    homing endonucleases (HEG, do inglês: ‘Homing Endonuclease gene’) de DNA específicas

    que fazem com que estes elementos genéticos possam se mover dentro do genoma. As Homing

    endonucleases são enzimas de clivagem de DNA altamente específicas, encontradas dentro de

    todas as formas bacterianas, bem como em mitocôndrias e cloroplastos de células eucarióticas.

    Apesar do tamanho reduzido destas proteínas, de modo geral, elas são capazes de reconhecer

    longas sequências de DNA, geralmente entre 20-30 pares de bases (STODDARD, 2011).

    Quando o gene da homing endonuclease está localizado dentro de elementos que sofrem auto-

    splicing (introns do grupo I, II e inteins, por exemplo), eles conferem ao elemento uma maior

    habilidade de invasão dentro do genoma do organismo hospedeiro (STODDARD, 2014).

    Os introns do grupo I podem ser classificados em duas classes gerais: as que codificam

    ORFs (do inglês: ‘Open reading frames’ em tradução livre ‘quadros abertos de leitura’) e as

    que não a contém. Essas ORFs codificando homing endonucleases são encontradas em cerca de

    30% dos introns do grupo I. Como as HEG estão associadas a um intron autorremovível, sua

    presença não interfere na funcionalidade do RNA maduro. A localização dessas ORFs varia

    dentro da conservada estrutura secundária de RNA, mas eles são geralmente encontrados em

    loops onde não interferem no centro catalítico do splicing (Figura 2) (EDGELL;

    CHALAMCHARLA; BELFORT, 2011).

  • 26

    Basicamente, a mobilidade do intron/HEG ocorre quando a homing endonuclease gera

    uma quebra na dupla fita de DNA (DSB, do inglês “double strand break”) contendo o alelo

    cognato sem o intron (portanto sem a homing endonuclease) próximo ou dentro do sítio de

    inserção do intron. Pelo sistema de reparo por recombinação homóloga, o alelo íntegro, que

    possui o intron com a homing endonuclease, serve de molde para o reparo, sendo copiado para

    o alelo cognato, antes vazio (HAUGEN et al., 2007). As lesões no DNA causadas pelas enzimas

    homing são subsequentemente reparadas por recombinação homóloga usando a maquinaria de

    reparo da célula (BELL-PEDERSEN et al., 1989; MUELLER; SMITH; BELFORT, 1996). Os

    genes codificadores de homing endonuclease geralmente ocorrem em regiões não críticas do

    intron, como os loops terminais, de modo a não interferir em seu auto-splicing (HAUGEN et

    al., 2007; HAUGEN; SIMON; BHATTACHARYA, 2005). Apesar da proximidade e da intensa

    relação simbiótica observada entre algumas espécies microbianas e organismos eucarióticos

    multicelulares, ainda não foi observado caso de relato da existência destes genes codificadores

    de homing endonuclease dentro do genoma de organismos mais complexos (STODDARD,

    2011).

    As homing endonucleases são classificadas em seis famílias de acordo com os

    aminoácidos conservados que fazem parte da estrutura e sítio ativo da proteína, sendo elas

    LAGLIDADG, His-Cys box, H-N-H, GIY-YIG, PD-(D/E) xK e EDxHD. Destas famílias,

    quatro são mais restritas a introns do grupo I presentes em fagos, bactérias, archea/eucarióticos

    e protistas, são elas GIY-YIG, PD-(D/E)xK, LAGLIDADG e His-Cys box, respectivamente

    (HAUSNER; HAFEZ; EDGELL, 2014; STODDARD, 2011). Entretanto, de todas as famílias,

    a LAGLIDADG apresenta a maior diversidade de distribuição, pois está presente no genoma

    de organelas de plantas, fungos, protistas, bactérias, metazoários basais e archaea (BELFORT;

    PERLMAN, 1995). Já as famílias His-Cys box e H-N-H apresentam a arquitetura de seu sítio

    ativo muito similares, o mesmo ocorrendo para as famílias PD- (D/E)xK e EDxHD

    (HAUSNER; HAFEZ; EDGELL, 2014).

    Embora altamente dispersos, a distribuição dos introns do grupo I é tendenciosa, visto

    que se encontram comumente presentes em alguns taxa de fungos, mas ausente em outros,

    sugerindo uma transferência horizontal destes elementos (HAUGEN; SIMON;

    BHATTACHARYA, 2005). Além disso, observa-se que um mesmo intron do grupo I pode ter

    invadido diferentes genes. Tal observação provavelmente não se deve à ação de homing

    endonucleases, pois como supracitado estas enzimas são sítio específicas. Contudo, outro

    mecanismo associado à invasão dos introns do grupo I em diferentes sequências do genoma,

    conhecido como splicing reverso, parece ser o responsável pela sua mobilidade intra e

  • 27

    intergênica. No splicing reverso, o intron do grupo I livre se insere dentro de um sítio natural

    de inserção de um outro intron já removido (seja um RNA homólogo ou heterólogo) através da

    complementariedade de bases entre o intron e o exon do RNA (HEDBERG; JOHANSEN,

    2013). O intron do grupo I é capaz de reconhecer sua sequência alvo, que contém entre 4-6

    nucleotídeos (bem menor e, portanto, menos específico que o sítio reconhecido pela HE),

    permitindo que o intron se insira na ligação entre os dois exons. Após a integração no transcrito,

    o RNA recombinado sofre uma transcrição reversa e o cDNA (DNA complementar) é integrado

    ao genoma (BIRGISDOTTIR; JOHANSEN, 2005).

    A maior prevalência dos introns do grupo I em genes de rRNA e tRNA talvez seja um

    reflexo da enorme abundância destes RNAs – visto que se tratam de genes multicópia. Assim,

    eles poderiam gerar muitos alvos de cópia via homing ou splicing reverso in vivo deste elemento

    (BELFORT; PERLMAN, 1995). Além disso, o splicing reverso facilita a mobilidade do intron

    entre genes distintos, o que seria mais difícil de ocorrer pelo processo de homing. Apesar disso,

    este último ainda é mais eficiente em promover a mobilidade do intron, visto que ele não

    depende de passos adicionais requeridos pelo splicing reverso, como a transcrição reversa

    (BHATTACHARYA et al., 2005).

    Quanto a presença dos introns do grupo I em Cryptococcus spp., o estudo realizado por

    Litter et al. (2005), utilizando duas cepas de Cryptococcus, IFO 410 (Cryptococcus neoformans

    var. grubii - sorotipo A) e IFM 5844 (C. neoformans var. neoformans - sorotipo D), mostrou a

    existência de alguns destes elementos no genoma mitocondrial deste fungo. Na cepa IFM 5844

    foram identificados 5 introns no gene COX1 (introns com tamanho de 953, 1071, 1043, 1104 e

    246 pb), dois introns no gene COB (979 e 1143 pb) e dois introns no gene LSU (417 e 1168

    pb), ao passo que nenhum intron foi identificado nos genes COX1 e LSU da cepa IFO 410 e

    apenas um intron no gene COB (com tamanho de 1142 pb).

    Assim, os polimorfismos de presença e ausência, bem como de tamanho destes

    elementos observados no genoma mitocondrial de Cryptococcus podem servir para a

    diferenciação entre genótipos de C. neoformans e C. gattii. Isso porque, assim como os inteins,

    os introns do grupo I possuem regiões mais e menos variadas, podendo ou não codificar homing

    endonucleases. Eles também possivelmente podem estar ausentes ou presentes em

    determinados tipos moleculares, e apresentarem diferentes tamanhos. Dessa forma, avaliar os

    possíveis polimorfismos existentes entre os introns do grupo I poderá permitir sua utilização

    em estudos populacionais e epidemiológicos.

    De fato, os introns do grupo I apresentam uma ampla diversidade na sua estrutura e

    distribuição. O mesmo também já foi visto para o seu tamanho, uma vez que vários autores já

  • 28

    relataram diferença de muitos nucleotídeos entre diversos introns. O estudo de Haugen, Simon

    & Bhattacharya (2005) define os introns do grupo I com um tamanho bastante moderado,

    variando entre 250-500 nucleotídeos, como já citado. Entretanto, este padrão de tamanho

    normalmente é observado para os introns do grupo I presentes em genes nucleares. Porém, para

    introns presentes em genes mitocondriais, a diversidade de tamanho observada é muitas vezes

    maior, uma vez que eles podem chegar até a 3000 nucleotídeos. Este fato pode ser explicado

    pela presença de longas inserções, o que inclui as ORFs codificando homing endonucleases

    (LANG; LAFOREST; BURGER, 2007).

    Os introns do grupo I já foram estudados em outras espécies de fungos, como Candida

    albicans. Nessa espécie, o auto-splicing do intron do grupo I (localizado na subunidade 25S do

    rRNA) é de fundamental importância para a maturação do RNA hospedeiro (ZHANG;

    LEIBOWITZ; ZHANG, 2009). De forma geral, os introns do grupo I já foram relatados em

    outros patógenos microbianos como Pneumocystis carinii, Acanthomoeba, Neissseria,

    Neurospora crassa, Candida dubliniensis, Naegleria andersoni, etc. (BOUCHER et al., 1996;

    EMBLEY; DYAL; KILVINGTON, 1992; GAST; FUERST; BYERS, 1994; LIU;

    LEIBOWITZ, 1993; SOGIN; EDMAN, 1989).

    O auto-splicing do intron do grupo I em fungos é também um importante alvo para

    fármacos, pois uma vez o splicing inibido, o RNA precursor não se torna funcional. Como os

    RNAs hospedeiros destes introns são essenciais para o metabolismo básico da célula, a não

    excisão do intron teria um importante impacto na viabilidade da célula fúngica, com a vantagem

    de ser um alvo seguro, uma vez que estes elementos invasivos estão ausentes no genoma

    humano (DISNEY et al., 2001). Isto vem de encontro como acréscimo no número de casos de

    doenças fúngicas relatadas (especialmente entre os fungos patogênicos oportunistas que

    acometem pacientes imunodeprimidos), bem como o aumento na incidência da resistência a

    antifúngicos, o que leva a necessidade da busca de novas drogas e novos alvos terapêuticos

    (STERNBERG, 1994).

    Em Candida albicans, o intron do grupo I do gene codificador do rRNA 25S, presente

    em aproximadamente 40% das cepas (MERCURE; MONTPLAISIR; LEMAY, 1993) é

    considerado um alvo terapêutico, uma vez que sua presença está relacionada a susceptibilidade

    a pentamidina, que comprovadamente é capaz de inibir seu splicing, em concentrações de 200

    µM, em experimentos conduzidos in vitro e em células. (MILETTI; LEIBOWITZ, 2000).

    Pequenos oligonucleotídeos modificados por nucleases também apresentaram ação

    inibitória do auto-splicing através de mecanismos de inibição suicida, no qual o

    oligonucleotídeo se liga ao RNA precursor e subsequentemente inibe o auto-splicing do intron

  • 29

    in vivo (DISNEY et al., 2001). Outras moléculas pequenas, além dos oligonucleotídeos e

    pentamidina, como é o caso do 5-Flurouracil e 5-Flucitosina, também são mostrados como

    drogas atuantes no intron do grupo I de C. albicans (MERCURE et al., 1997; MERCURE;

    MONTPLAISIR; LEMAY, 1993). Similarmente, muitos aminoglicosídeos e antibióticos

    peptídicos foram reportados como inibidores do auto-splicing do intron do grupo I (VON

    AHSEN; DAVIES; SCHROEDER, 1992; VON AHSEN; SCHROEDER, 1991; WANK et al.,

    1994).

    Testes de susceptibilidade conduzidos por Jayaguru & Raghunathan (2007) mostraram

    a bleomicina como uma importante droga inibitória do auto-splicing do intron do grupo I em

    C. albicans. A bleomicina é um antibiótico glicopeptídico antitumoral que se mostrou interagir

    com o intron do grupo I de modo a afetar sua conformação, inibindo o seu auto-splicing. Uma

    forte correlação entre a presença do intron e a alta susceptibilidade a bleomicina é evidente, de

    modo que a concentração mínima inibitória da bleomicina para as cepas que continham o intron

    foi de 1,56 µg/ml enquanto que para aquelas onde o intron estava ausente foi de 6,25 µg/ml.

    Dessa forma, a bleomicina pode ser utilizada contra esse patógeno, mas sem afetar as células

    normais do portador.

    Assim, o desenvolvimento de drogas que inibem esse processo de splicing do intron do

    grupo I pode ser promissor para a busca de terapias alternativas e com menores efeitos colaterais

    aos pacientes. Os antifúngicos normalmente utilizados no tratamento da criptococose, como os

    compostos azólicos (itraconazol, fluconazol), 5-flucitosina e anfotericina B podem causar

    sérios problemas ao indivíduo. A exemplo tem-se o tratamento com anfotericina B, que por

    provocar episódios de vômitos, náuseas, hipertensão ou hipotensão, hipóxia, além de sérios

    efeitos nefrotóxicos ao paciente, torna a sua administração dependente de internação

    (LANIADO-LABORÍN; CABRALES-VARGAS, 2009). Dessa forma, pode-se considerar os

    introns do grupo I alvos terapêuticos potencialmente seguros, uma vez que estes elementos

    estão ausentes no genoma humano (HAUGEN; SIMON; BHATTACHARYA, 2005).

    Segundo Litter et al. (2005) e a base de dados CRW (Comparative RNA Web site and

    Project) (http://www.rna.icmb.utexas.edu//) existem dois introns do grupo I no gene

    mitocondrial 23S de C. neoformans var. neoformans, nomeados Cne.mL2449 (com 1168 pb) e

    Cne.mL2504 (com 417 pb) (acesso em http://www.rna.whu.edu.cn/gissd//). Esses introns estão

    localizados em um intervalo de apenas 53 nucleotídeos de distância um do outro (Figura 4) e

    podem ser identificados no GenBank com número de acesso AY560611.1 para C. neoformans

    var. neoformans, mas estão ausentes em C. neoformans var. grubii (AY560612.1) (LITTER et

    al., 2005). A sequência e estrutura desses dois introns supracitados já se encontram disponíveis

  • 30

    no banco de dados do GISSD (http://www.rna.whu.edu.cn/gissd/search.html), onde ambos

    foram classificados como pertencentes ao subgrupo IA1 (Figura 5). Entretanto, até o momento

    não há relato de estudos populacionais dentro do gênero Cryptococcus para averiguar a

    ocorrência e distribuição desses introns; e ainda, se estes elementos podem servir como

    marcadores moleculares para a distinção entre tipos moleculares ou como um novo alvo para o

    indicativo de resistência a drogas antifúngicas em Cryptococcus.

    Figura 4- Introns descritos no gene mitocondrial 23S. O esquema ilustrativo mostra os dois introns do grupo I

    presentes no gene mitocondrial 23S de C. neoformans var. neoformans que já se encontram depositados

    em banco de dados do GISSD e CRW.

  • 31

    Figura 5- Predição da estrutura secundária para os introns Cne.ml2449 e Cne.mL2504. Ambos elementos já

    foram identificados no trabalho realizado por Litter et al. (2005) para um isolado de Cryptococcus

    neoformans var. neoformans (VNIV, sorotipo D) (GenBank número de acesso AY560611.1) e sua

    sequência e estrutura já se encontram depositadas no GISSD, onde encontram classificados como

    pertencentes ao subgrupo IA1. Fonte: GISSD.

  • 32

    Assim, a presente pesquisa foi pioneira na realização de um estudo populacional da

    presença/ausência de polimorfismos de introns do grupo I no gene LSU (23S) em Cryptococcus,

    apontando seu possível uso na clínica e em estudos epidemiológicos. Portanto, avaliar a

    possível utilização dos introns do grupo I como novos alvos moleculares para susceptibilidade

    a antifúngicos e genotipagem foi um dos fins deste estudo.

  • 33

    2 OBJETIVOS

    2.1 Objetivo geral

    Avaliar a relação entre os diferentes genótipos de Cryptococcus neoformans e

    Cryptococcus gattii e sua susceptibilidade a antifúngicos com a presença e variabilidade dos

    introns do grupo I do gene codificador do RNA ribossômico 23S (LSU) mitocondrial destes

    patógenos.

    2.2 Objetivos específicos

    • Genotipar isolados de C. neoformans e C. gattii através de RFLP do gene URA5;

    • Avaliar a presença de polimorfismos que possam ser úteis na rápida distinção entre as

    espécies e seus tipos moleculares, definidos pelo PCR e sequenciamento dos introns do

    grupo I de C. neoformans e C. gattii, presentes no gene mitocondrial LSU rRNA (23S);

    • Observar a presença de possíveis associações entre a presença do intron e a

    susceptibilidade às drogas para cada genótipo de C. neoformans e C. gattii;

    • Elucidar a possível origem dos introns descritos pela comparação das sequências obtidas

    com as sequências similares depositadas no GenBank;

    • Avaliar a presença de possíveis ORFs nos introns;

    • Avaliar a presença de sítios conservados que caracterizam a funcionalidade do intron

    como elemento autocatalítico e propor modelos de estrutura secundária de RNA para os

    introns estudados.

  • 34

    3 MATERIAIS E MÉTODOS

    3.1 Isolados fúngicos utilizados

    Os isolados clínicos e ambientais analisados nesse estudo tiveram origem de fontes

    distintas. Vinte e nove isolados foram cedidos pelo laboratório de Biologia de Fungos do

    Instituto de Biociências da UNESP de Botucatu/SP. Nove isolados foram solicitados a

    Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro/RJ, nove vieram do Instituto de Medicina

    Tropical de São Paulo – IMT/SP, três da Universidade Federal do Piauí – UFPI, sete da

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, duas cepas foram obtidas por isolamento

    ambiental na cidade do Natal (RN), dois foram provenientes do Laboratório Central de Saúde

    Pública do Rio Grande do Norte (LACEN/RN) e outra do Hospital São Lucas (Natal/RN) e,

    por fim, pelo convênio existente entre o Instituto de Medicina Tropical – IMT/RN e Hospital

    Giselda Trigueiro (HGT), 16 amostras clínicas de pacientes (entre eles pacientes

    imunodeprimidos e imunocompetentes) foram adquiridas por meio de punções do líquido

    cefalorraquidiano e isolamento em Sabouraud Dextrose Agar realizadas por profissionais de

    saúde especializados, na rotina diária de diagnóstico micológico. Assim, nesse estudo foram

    analisados um total de 78 isolados (Tabela 1), sendo um pertencente a espécie C. laurentii, que

    por ser grupo-irmão de C. gattii e C. neoformans foi escolhido como um grupo externo para a

    avaliação da presença do intron do grupo I no gene mitocondrial 23S. Os isolados foram

    cultivados no meio Sabouraud Dextrose Agar, acrescido de cloranfenicol (50 mg/L), mantidos

    a 37°C durante 72 h e, então, condicionados em geladeira (4°C).

    O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do

    Rio Grande do Norte: CAAE 39640614.8.0000.5537.

    Tabela 1- Isolados utilizados no estudo.

    Designação coleção UFRN Origem/referência

    BT1 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT2 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT3 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT4 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT5 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT6 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT7 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT8 Hospital das Clínicas-Botucatu

  • 35

    BT9 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT10 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT11 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT12 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT13 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT14 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT15 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT16 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT17 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT18 NI

    BT19 NI

    BT20 Hospital Veterinário – Botucatu

    BT21 NI

    BT22 Hospital Veterinário – Botucatu

    BT23 NI

    BT24 NI

    BT25 NI

    BT26 Hospital das Clínicas-Botucatu

    BT27 NI

    BT28 NI

    BT29 NI

    FC1 FIOCRUZ RJ (70302 - WM178)

    FC2 FIOCRUZ RJ (70301 - WM629)

    FC3 FIOCRUZ RJ (70299 - WM161)

    FC4 FIOCRUZ RJ (70297 - WM628)

    FC5 FIOCRUZ RJ (70296 -WM626)

    FC6 FIOCRUZ RJ

    FC7 FIOCRUZ RJ

    FC8 FIOCRUZ RJ (40043)

    FC9 FIOCRUZ RJ (70300 - WM779)

    HGT1 Hospital Giselda Trigueiro-Natal

    HGT2 Hospital Giselda Trigueiro-Natal

    HGT3 Hospital Giselda Trigueiro-Natal

    HGT4 Hospital Giselda Trigueiro-Natal

    HGT5 Hospital Giselda Trigueiro-Natal

    HGT6 Hospital Giselda Trigueiro-Natal

  • 36

    HGT7 Hospital Giselda Trigueiro-Natal

    HGT8 Hospital Giselda Trigueiro-Natal

    HGT9 Hospital Giselda Trigueiro-Natal

    HGT10 Hospital Giselda Trigueiro-Natal

    HGT11 Hospital Giselda Trigueiro-Natal

    HGT12 Hospital Giselda Trigueiro-Natal

    HGT13 Hospital Giselda Trigueiro-Natal

    HGT14 Hospital Giselda Trigueiro-Natal

    HGT15

    HGT16

    Hospital Giselda Trigueiro-Natal

    Hospital Giselda Trigueiro-Natal

    HSL1 Hospital São Lucas

    UFRN1 Isolamento ambiental/Alecrim- Natal

    UFRN2 Isolamento ambiental/Alecrim- Natal

    PI1543 Universidade Federal do Piauí

    PI1560 Universidade Federal do Piauí

    PI1401 Universidade Federal do Piauí

    CG606 Instituto de Medicina Tropical – SP

    CG201 Instituto de Medicina Tropical – SP

    CG751 Instituto de Medicina Tropical – SP

    CG769 Instituto de Medicina Tropical – SP

    CN772 Instituto de Medicina Tropical – SP

    CN894 Instituto de Medicina Tropical – SP

    CN216 Instituto de Medicina Tropical – SP

    CN508 Instituto de Medicina Tropical – SP

    CN117 Instituto de Medicina Tropical – SP

    CFP55 Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    CFP56 Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    CFP57 Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    CFP58 Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    CFP59 Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    CFP61 Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    CFP62 Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    LCR2002237

    LCR2002368

    LACEN/RN

    LACEN/RN

    Lista geral de todos os setenta e oito isolados de Cryptococcus sp. agrupados segundo sua origem.

    NI- Não informado.

  • 37

    3.2 Extração de DNA

    A extração de DNA foi feita de acordo com Trilles et al. (2008). Após o subcultivo, em

    tubos com Sabouraud-Dextrose Agar (Kasvi, EUA) a 37°C por 48 h, a cultura foi toda removida

    com o auxílio de uma espátula (em fluxo de biossegurança CSB classe 2), congelada com

    nitrogênio líquido e triturada em um graal com um pistilo (todos previamente esterilizados). Ao

    triturado foram adicionados 500 µL de solução de lise (SDS 0,5%, NaCl 1,4%, EDTA 0,73% e

    Tris-HCl 0,2 M), homogeneizados com o pistilo e, então, transferidos para um micro tubo. A

    mistura foi agitada no agitador de tubos (vórtex) à temperatura ambiente por 5 minutos; em

    seguida foram adicionados 500µL de fenol:clorofórmio:álcool isoamílico (v:v:v 25:24:1). Após

    homogeneização (por inversão) durante 2 minutos os tubos foram centrifugados por 20 minutos

    a rotação de 16.000 g. O sobrenadante foi transferido para um novo tubo previamente

    identificado e um volume igual (mesmo volume, em microlitros, do sobrenadante retirado) de

    clorofórmio:álcool isoamílico (v:v 24:1) foi adicionado, seguido de nova homogeneização e

    centrifugação como anteriormente. O sobrenadante foi novamente transferido para um novo

    microtubo, onde igual volume de isopropanol foi adicionado (seguindo o mesmo esquema

    anterior). A mistura foi gentilmente homogeneizada e incubada a -20°C por 1 h ou overnight.

    O DNA foi precipitado por centrifugação a 16.000 g por 20 minutos para a formação do pellet

    e o sobrenadante foi removido. Lavou-se o DNA com 1 mL de etanol 70%, seguindo uma nova

    centrifugação como anteriormente e posterior descarte do sobrenadante. O DNA foi secado no

    concentrator (eppendorf concentrator plus) (45°C; 15 min.), suspendido em 50 µL de nuclease

    free water (NFW, Sigma) e mantido a 4°C overnight, para então ser estocado a -20°C.

    A quantificação do DNA extraído foi estimada por duas técnicas: através de gel de

    agarose (GE Healthcare) a 1% e corrida em eletroforese com o marcador Low Mass Ladder

    (Invintrogen) ou por quantificação direta no NanoDrop 2000 Spectrophotometers (Thermo

    Scientific).

    3.3 PCR e RFLP do gene URA5

    Para a reação de PCR do gene URA5, um mix de 50 µL foi preparado contendo 27 µL

    de nuclease free water (Sigma), 10 µL de PCR buffer CG 5X (200 mM tris-HCL PH 8,4; 1,5

    mM MgCl2 50 mM; 500mM KCl), 5 µL de DMSO 30% (Thermo scientific), 1 µL de dNTP a

    10 mM cada, 30ng de DNA genômico, 1,25 µL de cada primer URA5 - 5’-

    ATGTCCTCCCAAGCCCTCGACTCCG -3’) e SJO1 - (5’-

  • 38

    TTAAGACCTCTGAACACCGTACTC- 3’) (MEYER et al., 2003) a 20 µM cada e 0,5 µL (1

    unidade) de Phusion DNA Polymerase (Finnzymes). A termociclagem consistiu de 1 minuto a

    98°C, 35 ciclos de 98°C por 10 segundos, 61°C por 30 segundos e 72°C por 30 segundos,

    seguindo uma extensão final a 72°C por 10 minutos. A amplificação do gene URA5 foi

    conferida em gel de agarose (GE healthcare) 1% pela aplicação de 5 µL do produto de PCR no

    gel. A visualização foi feita pela exposição do gel a luz ultravioleta. Esperava-se uma banda

    única de aproximadamente 750 pb correspondente ao gene URA5 (744 pb).

    Os produtos de PCR foram então concentrados para 12,5 µL e submetidos à digestão

    dupla com as enzimas de restrição Sau96I (New England BioLabs, 5 U/µL) e HhaI (New

    England BioLabs, 20 U/µL). Foi montado um mix contendo 1,5 µL do tampão Cut Smart (Cut

    Smart 10X, BioLabs), 0,5 µL de HhaI e 0,5 µL da enzima Sau96I. Um total de 2,5 µL do mix

    foi adicionado para cada 12,5 µL do produto de PCR concentrado de cada isolado. A digestão

    ocorreu em banho-maria a 37°C durante 3 horas. Os fragmentos foram separados por

    eletroforese em gel de agarose (GE healthcare) 3% com TBE 1X na fonte (EPS 301, Amersham

    Biosciences) durante 120 minutos a 100 volts. Os isolados foram genotipicamente classificados

    segundo padrão proposto por Meyer et al. (2003), e reproduzido por outros autores (Figura 6)

    (TRILES et al., 2008).

    Figura 6- Método de genotipagem por PCR/RFLP do gene URA5. Padrão de bandas esperados após a digestão

    do gene URA5 com as enzimas de restrição Sau96I e Hhal, diferenciando os oito tipos moleculares de

    C. neoformans e C. gattii. Fonte: Trilles et al. (2008).

  • 39

    3.4 PCR do intron do grupo I e eletroforese

    Os dois introns do grupo I presentes na subunidade 23S descritos para um isolado de C.

    neoformans var. neoformans distam um do outro em apenas 53 nucleotídeos, e por esse motivo

    foi feita uma reação de PCR com os primers CryLSUF (5’ GATTTGACTATTCTTATGTGC

    3’) e CryLSUR (5’ GGTATATGCATGCTTGACTGC 3’), desenhados neste trabalho, que se

    anelam nas porções 5’ e 3’ do gene 23S que flanqueiam esses dois introns (Figura 7). Os primers

    CryLSUF e CryLSUR foram desenhados manualmente a partir de duas sequências depositadas

    para Cryptococcus: C. neoformans var. neoformans (número de acesso AY560611.1) e C.

    neoformans var. grubii (número de acesso AY560612.1). O PCR foi realizado como descrito

    para o gene URA5, sendo a termociclagem constituída de um ciclo inicial de 2 minutos a 98ºC

    para desnaturação inicial, seguido por 40 ciclos de 45 segundos de desnaturação a 98ºC, 1

    minuto e meio de anelamento a 60ºC, 1 minuto e meio de extensão a 72ºC e um ciclo de

    extensão final de 10 minutos a 72ºC. Controles positivos e negativos de amplificação foram

    adicionados à reação. O produto da PCR permaneceu refrigerado a 4ºC até o uso.

    O DNA amplificado foi separado por eletroforese em gel de agarose (GE Healthcare) a

    1% com TBE 1X. Um volume de 12,5 µL da reação de PCR foi aplicado no gel de agarose e a

    corrida foi realizada na fonte (EPS 301, Amersham Biosciences) a 90 volts por 70 minutos. A

    visualização do DNA amplificado foi possível pela adição de brometo de etídio previamente

    no gel, seguido de sua exposição a luz ultravioleta e posterior captura de imagem no

    transluminador (Gel DocTM XR system, Bio-Rad).

    Figura 7- Desenho dos primers. O esquema ilustrativo mostra a região de anelamento dos primers CRYLSUF e

    CRYLSUR, representada pelos triângulos vermelhos, localizado nos exons que flanqueiam os dois

    introns descritos para a região do gene mitocondrial LSU rRNA.

  • 40

    3.5 Sequenciamento e alinhamento do intron

    Os produtos de PCR foram purificados com o kit IlustraTM GFXTM PCR DNA and Gel

    Band Purification (GE Healthcare), segundo as instruções do fabricante e submetidos à reação

    de sequenciamento e eletroforese em capilar junto a MACROGEN/Coreia do Sul.

    As sequências foram alinhadas utilizando a versão online do programa PRANK-

    (EMBL-EBI) (http://www.ebi.ac.uk/goldman-srv/webPRANK/) (LÖYTYNOJA;

    GOLDMAN, 2010).

    3.6 Estrutura secundária

    Para a predição da estrutura secundária foi utilizada a versão online do programa mFold

    RNA (http://unafold.rna.albany.edu/?q=mfold/RNA-Folding-Form) (ZUKER, 2003). Alças e

    domínios conservados para os introns do grupo I assim como outras convenções propostas e já

    reproduzidas por outros autores (HAUSNER; HAFEZ; EDGELL, 2014; LI; ZHANG, 2005;

    MICHEL; WESTHOF, 1990) foram considerados. Para melhor localização das alças P1 e P10

    foram incluídos na análise 10 nucleotídeos do exon em ambas as posições 5’ e 3’ do intron. A

    predição da estrutura foi realizada em partes, utilizando sequências menores de nucleotídeos

    para a localização das principais alças e domínios conservados do intron. Introns foram

    nomeados de acordo com o proposto pelo guia de nomenclatura para introns do grupo I em

    rDNA (JOHANSEN; HAUGEN, 2001). Foi utilizado o programa inkscape (v 0.91) para o

    desenho da predição da estrutura secundária do intron.

    3.7 Análise filogenética

    Foi realizada uma busca individual em todos os introns por sequências conservadas de

    homing endonucleases através do NCBI - Conserved Domain

    (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/Structure/cdd/wrpsb.cgi). Todas as regiões que apresentaram

    alta similaridade com homing endonuclease tiveram suas sequências removidas para se realizar

    a análise filogenética. A fim de se especular a possível origem dos diferentes introns, foi feito

    um BLAST - Basic Local Alignment Search Tool

    (https://blast.ncbi.nlm.nih.gov/Blast.cgi?PROGRAM=blastn&PAGE_TYPE=BlastSearch&LI

    NK_LOC=blasthome) para a busca de sequências similares no banco de dados para os introns

    estudados. Sequências com valores baixos de query cover (abaixo de 25%) não foram

    http://www.ebi.ac.uk/goldman-srv/webPRANK/

  • 41

    selecionadas. Estas sequências foram agrupadas com os mesmos tipos de introns utilizados para

    a busca (introns aqui sequenciados).

    Para cada alinhamento, feito no webPRANK os melhores modelos evolutivos foram

    acessados pelo JModelTest v.2.1.7 (POSADA, 2008). Para esta seleção, calculou-se os valores

    de: (i) AIC (do inglês “Akaike Information Criterion”, em tradução livre “Critério Akaike de

    Informação”) (AKAIKE, 1998), (ii) BIC (do inglês “Bayesian Information Criterion”, em

    tradução livre “Critério Bayesiano de Informação”) (SCHWARZ, 1978) e (iii) DT (do inglês

    “Decision Theory Performance-Based Selection”, em tradução livre “Teoria da decisão baseada

    seleção de desempenho”) (MININ et al., 2003). Nos casos de discrepância, a escolha do melhor

    modelo baseou-se preferencialmente no valor BIC e, como fator limitante, a disponibilidade do

    modelo do MrBayes v.3.2.6 (RONQUIST et al., 2012).

    De posse dos melhores modelos disponíveis para uso no MrBayes, executou-se as

    análises filogenéticas em ambiente UNIX. Todos os alinhamentos foram convertidos do

    formato fasta para o formato nex. Cada corrida contou com duas análises independentes e

    simultâneas que foram executadas para cada um dos cinco alinhamentos, totalizando 10

    corridas e 10 análises. Para cada análise, gerou-se 1.000.000 ou 5.000.000 árvores aleatórias,

    com árvores e demais valores salvos a cada 500 gerações. Todas as demais opções foram

    mantidas no padrão do programa (default), exceto quando explicitado nas legendas das figuras.

    Ao final de cada corrida, o desvio padrão entre as duas análises sempre se manteve abaixo de

    0.01. Após a sumarização dos valores estatísticos da corrida, certificou-se que os valores de

    PSRF (do inglês “Potential Scale Reduction Factor”, em tradução livre “Fator Potencial de

    Redução Escalar”) sempre se mantiveram muito próximo a 1,0 para todos os parâmetros [TL,

    pi(A), pi(C), pi(G) e pi(T)]. Após todas estas certificações de qualidade estatística das corridas,

    as árvores foram sumarizadas e a árvore consenso de cada corrida foi gerada. A visualização

    das árvores deu-se no FigTree v.1.4.2 e o Inkscape (v.0.91) foi utilizado para edições finais,

    sempre se preservando a escala.

    3.8 Testes de susceptibilidade a antifúngicos

    Para o teste de susceptibilidade a antifúngicos foram utilizadas as drogas itraconazol

    (SIGMA- ALDRICH), anfotericina B (SIGMA- ALDRICH) e 5-flucitosina (SIGMA-

    ALDRICH). As concentrações inibitórias mínimas (minimum inhibitory concentrations –

    MICs) foram determinadas pelo método de microdiluição para 38 isolados testados, seguindo

    o protocolo do CLSI (Clinical and Laboratory Standards Institute) documento (CLSI -

  • 42

    CLINICAL & LABORATORY STANDARDS INSTITUTE, 2008a, 2008b). Para o preparo

    das soluções estoque, diluiu-se o itraconazol em DMSO, a 5-flucitosina em água milli-q estéril

    e a anfotericina B (SIGMA- ALDRICH) utilizada já estava em solução a 250µg/mL. As

    diluições seguintes das drogas foram feitas em RPMI 1640 com glutamina e sem bicarbonato

    (Gibco, Life Technologies), pH 7.6 (tamponada com HCl 1M) e esterilizado por filtração. A

    microdiluição de cada droga foi realizada em placa de 96 poços, onde as concentrações finais

    variaram de 0.125-64 µg mL-¹ para a 5-flucitosina e 0.0313-16 µg mL-1 para a anfotericina B e

    itraconazol, com volume final 100µL.

    Para o preparo do inóculo da levedura todos os microrganismos foram previamente

    subcultivados em sabouraud ágar a 35°C durante 48h. Colônias isoladas foram removidas,

    suspensas em 5mL de salina (0,85% NaCl) estéril, homogeneizadas e a densidade celular foi

    comparada a escala 0,5 McFarland. O inóculo foi então ajustado a uma concentração de 1x103

    a 5x103 em RPMI 1640 após a contagem e mensuração das células em câmara de Neubauer

    (adotou-se uma diluição 1:10 da escala 0,5 Mcfarland em RPMI 1640 após padronização). Uma

    alíquota de 100µL foi adicionada em cada poço contendo as diluições das drogas (que já

    continha 100µL de droga nas 10 diluições testadas), de modo que o inóculo fosse novamente

    diluído duas vezes (1:1), resultando na concentração final desejada de 0,5x103 a 2,5x103 de

    células por poço com volume final de 200µL. Controles positivos (RPMI + veículo da droga +

    inóculo fúngico) e controles negativos (RPMI) foram utilizados em cada placa, ambos com o

    mesmo volume final de 200µL. Em cada placa foi utilizada Candida parapsilosis (ATCC

    22019) e Candida krusei (ATCC 6258) como controles de qualidade.

    As leituras foram realizadas após 48h e 72h de incubação a 35°C, através da indicação

    de scores variando entre 0-4 (0 – visualmente claro; 1 – ligeiramente turvo; 2 – queda de 50%

    do crescimento; 3 – ligeira redução do crescimento; 4 – nenhuma redução do crescimento). O

    MIC foi atribuído após 72h de crescimento e definido para 5-flucitosina e itraconazol como a

    menor concentração capaz de causar uma queda de 50% do crescimento (score 2) e para a

    anfotericina B como a menor concentração capaz de inibir o crescimento fúngico (score 0),

    sempre comparando com os controles.

    3.9 Análises Estatísticas

    Para a análise estatística, os dados referentes aos introns do grupo I foram tratados como

    variáveis dicotômicas (ou seja, presente/ausente) para as análises específicas de cada intron e

  • 43

    na avaliação dos introns em geral. O teste de Fisher exact foi utilizado para testar as diferenças

    na distribuição dos introns entre os grupos de genótipos (virulento e não-virulento). Para se

    avaliar o efeito dos introns sobre a resposta aos antifúngicos testados, foram aplicados modelos

    logísticos ordenados utilizando os valores de MIC como variável resposta e introns (ausente

    como referência) e espécie (C. gattii como referência) como preditores. As análises estatísticas

    foram realizadas no programa Stata (v. 11.1).

  • 44

    4 RESULTADOS

    4.1 PCR e RFLP do gene URA5

    A maioria dos isolados deste estudo foram identificados como C. neoformans (n=51),

    seguido por C. gattii (n=26). Um isolado era pertencente a espécie C. laurentii. O PCR-RFLP

    do gene URA5 identificou os tipos moleculares em VNI (39 isolados), VGII (20 isolados),

    VNIV (5 isolados), VNII (4 isolados), VNIII (3 isolados) e dois isolados para cada um dos

    demais genótipos, VGI, VGIII e VGIV (Figura 8).

    Os perfis de RFLP dos isolados foram comparados segundo o padrão já observado por

    Trilles et al. (2008) para os oito genótipos conhecidos (Figura 6). As imagens com a

    genotipagem de todos os isolados são visualizadas no APÊNDICE A.

    Figura 8- Distribuição dos isolados de C. neoformans e C. gattii segundo seu genótipo. Pela análise do RFLP

    do gene URA5, foram identificados os tipos moleculares VNI e VGII como os mais prevalentes dentre

    os 78 isolados utilizados neste estudo.

    4.2 PCR e sequenciamento do intron do grupo I

    Como previamente mencionado, os primers CryLSUF e CryLSUR, desenhados neste

    estudo, se anelam exatamente nas porções 5’ e 3’ dos exons que flanqueiam os introns

    Cne.mL2449 (1168 pb) e Cne.mL2504 (417 pb). Assim são gerados amplicons de,

    VNI39

    VGII20

    VNIV5

    VNII4

    VNIII3

    VGI2

    VGIII2

    VGIV2

  • 45

    aproximadamente, 300 pb caso os dois elementos estejam ausentes, ou cerca de 1,9 Kb na

    presença dos dois elementos. Após PCR, observou-se a presença de amplicons variando de

    aproximadamente 300 pb a 2500 pb, indicando um polimorfismo de tamanho destes elementos

    entre os oito tipos moleculares (Figura 9).

    Figura 9- Os genótipos de C. neoformans e C. gattii apresentam polimorfismos entre os introns do grupo I.

    Produtos de diferentes tamanhos foram observados após o PCR do intron do grupo I com