Invasão, terra e resistência: a luta entre o colonizador ... · A carta de Pero Vaz de Caminha,...
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Invasão, terra e resistência: a luta entre o colonizador de almas e os indígenas das terras
de vera cruz no contexto histórico e literário brasileiro
Davi da Costa Almeida (UFC)1
Resumo: Muito já se escreveu sobre a chegada dos jesuítas ao Brasil quando os portugueses
aportaram nas terras de Vera Cruz nos anos de 1500. Sabemos exatamente qual foi à finalidade
da chegada dos portugueses: posse e colonização de uma terra estrangeira. Também sabemos
qual foi a finalidade dos jesuítas: posse e colonização das almas indígenas. O presente artigo
tem como objetivo traçar um paralelo inicial entre a posse da terra e a colonização das almas
através das análises de Roberto Gambini. Partindo dos textos e escritos jesuíticos, Gambini
conclui que o povo brasileiro, sua alma, tem sua origem no fim da alma ancestral da terra.
Portanto, o paralelo traçado a partir do espelho índio, ou seja, da formação da alma brasileira
através da aniquilação da alma ancestral da terra, permite vislumbrar a convergência entre a
posse da terra pelos portugueses e a colonização das almas pelos jesuítas. Ou, contextualizando,
a dominação jesuítica é uma forma de poder e controle da terra que passa exclusivamente pela
colonização das almas. O poder jesuítico é a personificação de um contexto histórico que se
perpetua no Brasil de hoje, no qual os conflitos pela terra são deflagrados sempre na tentativa
de extinguir qualquer remanescente e descendente indígena e sua ancestralidade.
Palavras-chave: Jesuítas; Índios; Colonização; Terra.
Abstract: Much has been written about the arrival of the Jesuits in Brazil when the Portuguese
landed in the land of Vera Cruz in 1500. We know exactly what was the purpose of the arrival
of the Portuguese: possession and colonization of a foreign land. We also know what was the
purpose of the Jesuits: possession and colonization of indigenous souls. This article aims to
draw a parallel between the land possession and the colonization of souls through the analysis
of Roberto Gambini. From the texts and written of Jesuits, Gambini concludes that the
Brazilian people, their soul, they have their origin at the end of the ancestral soul of the Earth.
Therefore, the parallel drawn from the Indian mirror, i.e. from the formation of brazilian soul
through the annihilation of the ancestral soul of Earth, allows a glimpse of the convergence
between the possession of the land by the Portuguese and the colonization of souls by the
Jesuits. Or, contextualizing, Jesuit domination is a form of power and control of land that goes
exclusively through by colonization of souls. The Jesuit power is the embodiment of a historical
context that perpetuates the Brazil of today, in which the land conflicts are always launched in
an attempt to extinguish any remaining indigenous descent and their ancestry.
Key words: Jesuits; Indians; Colonization; Earth.
1 Graduado em Pedagogia, Filosofia e Ciências Sociais. Mestre em Filosofia e doutorando em Educação pela
UFC.
1. Introdução
A literatura colonial no Brasil começou a ser escrita a partir do momento que os
portugueses aportaram nas terras de Vera Cruz nos anos de 1500. A finalidade desta produção
literária e documental tinha um caráter informativo, pois descrevia de forma minuciosa as
características das terras exóticas recém-invadidas, os costumes dos povos indígenas e o
potencial econômico do território conquistado. A carta de Pero Vaz de Caminha, bem como,
todos os escritos paraliterários ou literários do período conhecido como Quinhentismo,
“História do Brasil”, escrita pelo frei Vicente de Salvador, “Diálogo sobre a Conversão dos
Gentios”, do padre Manoel da Nóbrega, “Tratados da Terra e da Gente do Brasil”, de Fernão
Cardin, “Tratado Descritivo do Brasil”, de Gabriel Soares de Sousa, “Diário de Navegação”,
de Pero Lopes de Sousa, etc., podem ser enquadrados dentro desta perspectiva literária e
documental.
Os primeiros a relatarem sobre as novas terras elogiaram a sua fauna e a sua flora.
Descreveram a sua abundância e a sua fartura. Notaram que os habitantes originais destas
terras, os indígenas, possuíam uma certa áurea de “inocência”, pois andavam nus. Estas
impressões iniciais partiram dos homens brancos, europeus e cristãos que chegaram às terras
de Vera Cruz para as conquistarem e também conquistarem as almas dos seus habitantes.
Os portugueses vieram para o Brasil com a finalidade de explorar, enriquecer e salvar
almas. Esta última tarefa ficou a cargo dos religiosos cristãos, cujo grupo de destaque era o
grupo dos jesuítas. As tarefas dos colonizadores impuseram às terras de Vera Cruz e aos seus
habitantes os ritmos de um processo civilizador obrigatório. De imediato, todas as terras recém-
encontradas tornaram-se propriedades do Estado português. E também, como consequência
imediata, todos os habitantes destas terras tornaram-se súditos do rei de Portugal.
A missão de exploração começou por volta de 1530. Os primeiros jesuítas que
chegaram ao Brasil por volta de 1549, comandados pelo padre Manoel da Nóbrega, possuíam
uma missão mais peculiar, ou poderíamos dizer uma “missão divina”, salvar as almas dos
índios, catequizá-los. Os escritos jesuíticos possuem um discurso que se apropria do modelo
paulino da epístola e do ciceroniano da carta, que de acordo com Hansen (1995), mescla
informações sobre a ação catequética dos padres no Brasil com referências doxológicas,
teórico-doutrinárias, da Igreja quinhentista.
Segundo Hansen, a correspondência jesuítica do século XVI é inicialmente articulada
como informação em uma “carta familiar”, ou como relação dialógica de um destinador que
envia informações a um destinatário que poderia ser a cúpula da ordem jesuítica para tratar de
assuntos administrativos ou doutrinários que envolvem a ação evangelizadora ou poderia ser
um “amigo” ou “irmão em Cristo”.
As relações entre os portugueses e as terras de Vera Cruz foram claramente explicitadas
e colocadas em prática a partir da exploração e desmatamento do pau-brasil. Já as relações
iniciais com os habitantes também ficaram claras e explícitas na Carta de Pero Vaz de Caminha
quando denomina os indígenas de “gente bestial” e “de pouco saber”. Mas as relações entre os
jesuítas e os índios possuíam muitas dúvidas, pois se questionava se esses corpos nus eram
“gente”, se possuíam alma, se acreditavam em Deus, se possuíam Lei, etc.
A Igreja Católica decretou, em 1537, segundo Hansen (2003), a humanidade dos índios
e proibiu escravizá-los. Como afirma o autor, Nóbrega repetiria a autoridade da bula papal de
1537, no Diálogo da Conversão do Gentio, de 1556, afirmando que o índio é gente como
qualquer outra, pois tem memória, vontade e inteligência. Mas as limitações da condição
humana, para Nóbrega, era uma condição da natureza do índio. Ou seja, os índios eram
humanos, mas possuíam uma natureza inferior. Assim, quando Nóbrega escreveu o Diálogo:
Fazia tempo que o índio também era objeto da predação econômica e
problema militar. Escravo por natureza? Selvagem? Gente sem história?
Bárbaro? Quando é justa a guerra contra essa natureza vegetal sufocando as
plantas boas da vinha do Senhor? Pois, em 1570 Pero de Magalhães Gândavo
convidava ao genocídio, afirmando em seu Tratado da Terra do Brasil que
não se podia numerar nem compreender a multidão de bárbaro gentio que a
natureza semeou pela terra do Brasil (HANSEN, 2003, p. 14).
De acordo com Hansen, “muitas imagens de índio feitas por Nóbrega e Anchieta
pretendem regular o direito de guerra contra ele, especificando as condições em que seria
‘guerra justa’ ou situação de exceção” (HANSEN, 2003, p. 19). Tal direito é justamente aquele
que vai afirmar o direito sobre a propriedade da terra que os portugueses reivindicavam e
exterminar qualquer ligação entre a terra e as comunidades indígenas. Portanto, o presente
artigo tem como objetivo traçar um paralelo inicial entre a posse da terra e a colonização das
almas através das análises de Roberto Gambini. Partindo dos textos e escritos jesuíticos,
Gambini conclui que o povo brasileiro, sua alma, tem sua origem no fim da alma ancestral da
terra. Portanto, o paralelo traçado a partir do espelho índio, ou seja, da formação da alma
brasileira através da aniquilação da alma ancestral da terra, permite vislumbrar a convergência
entre a posse da terra pelos portugueses e a colonização das almas pelos jesuítas. Ou,
contextualizando, a dominação jesuítica é uma forma de poder e controle da terra que passa
exclusivamente pela colonização das almas. O poder jesuítico é a personificação de um
contexto histórico que se perpetua no Brasil de hoje, no qual os conflitos pela terra são
deflagrados sempre na tentativa de extinguir qualquer remanescente e descendente indígena e
sua ancestralidade.
Tal temática tem suas raízes num estágio realizado em 2007 e 2008 entre os povos
indígenas do Ceará, com as etnias Pitaguary, Tapeba, Temembé e Jenipapo-Kanidé. O estágio
tinha como objetivos a preservação dos direitos humanos dos índios, a luta contra as violações
desses direitos, a conscientização e o ensinamento desses direitos para as gerações mais novas
e a luta e conquista pelas demarcações de terra asseguradas pela Constituição de 1988.
Posteriormente, no doutorado em Educação, já em 2016 e 2017, reascendeu-se a preocupação
com os povos indígenas, pois passados quase uma década do estágio, a temática de estudos
alargou-se e se centralizou nas violações dos direitos humanos que afligem grandes massas de
indivíduos considerados descartáveis, lixos humanos.
As relações de exclusão que os índios brasileiros sofrem na atualidade, com a onda de
neoconservadorismo que se levante e se abete sobre o país, têm suas raízes na
desterritorialização dos povos indígenas desde 1500 e na colonização de suas almas pelo
processo civilizador iniciado pelos portugueses e jesuítas. A terra invadida e ocupada por
estrangeiros que se dizem proprietários, as guerras civilizatórias em nome de Deus e da Ciência
e os ideais de progresso e evolução arrancaram e destruíram todas as culturas que sobreviviam
através de uma relação mais pacífica com a natureza, com a terra-mãe.
O texto apresentado neste artigo tem como referências principais as obras literárias
escritas pelos jesuítas, padre Manoel da Nóbrega e padre José de Anchieta. Também utilizamos
a obra de Filipe Moreau, os “Índios nas Cartas de Nóbrega e Anchieta”. Mas a nossa referência
mais contundente é a obra de Roberto Gambini, “Espelho Índio: A Formação da Alma
Brasileira”, na qual autor faz uma análise psicanalítica dos resultados desastrosos do processo
de colonização a partir dos métodos catequéticos desenvolvidos pelos jesuítas nas suas longas
tentativas de converterem os índios à religião cristã.
2. A luta entre o colonizador de almas e os indígenas das terras de vera cruz no contexto
histórico e literário brasileiro
O contexto histórico e literário do Brasil colônia, principalmente, nos primeiros cem
anos da colonização portuguesa, foi escrito em grande parte por padres jesuítas. Segundo
Moreau (2003), a primeira obra de ficção foi escrita nos anos de 1556 e 1557, com o título
Diálogo do Padre Nóbrega sobre a conversão do gentio. As obras do padre Manoel da Nóbrega
se juntam com uma ampla coleção de poesias e escritos do padre José de Anchieta. Os dois
jesuítas junto com outros (cerca de cem, no primeiro século da colonização) vieram às terras
de Vera Cruz catequizar, ensinar o catolicismo, aos povos recém-encontrados. Assim, “o
evento maior do início da nossa história é o confronto entre os povos invasores e os naturais da
terra” (MOREAU, 2003, p. 23).
Os gêneros literários desenvolvidos pelos jesuítas possuem como fundamento
primordial a missão de evangelização dos gentios autóctones. Logo no seu primeiro escrito,
Diálogo do Padre Nóbrega sobre a conversão do gentio, Manoel da Nóbrega deixa claro como
é difícil evangelizar os velhos e adultos e que, portanto, deveria se investir nas crianças.
Segundo Moreau, para os jesuítas “os adultos assumem o cristianismo, mas não mudam seus
hábitos, são inconstantes e não totalmente cristãos, enquanto as crianças teriam os hábitos
reconstruídos” (MOREAU, 2003, p. 40). As crianças receberiam e aceitariam o cristianismo
por consentimento, e não por força.
A luta pelas almas indígenas começa a partir do momento em que os próprios jesuítas
concebem que os índios também possuem almas porque também foram criados por Deus. Para
os jesuítas, os índios possuíam uma alma pecadora que precisava ser convertida à santa fé. Aos
olhos dos padres, a missão jesuítica retratava uma verdadeira batalha, uma guerra, contra o Mal
representado pelos costumes e hábitos dos índios. Segundo Moreau, na literatura jesuítica, os
costumes indígenas “multisseculares, que era preciso destruir para implantar o cristianismo,
aparecem como ‘hábitos antigos’, ‘maus costumes’, ‘costumes perversos’, hábitos de meus
avós, etc.” (MOREAU, 2003, p. 45).
Para combater os costumes perversos e ensinar as noções de pecado e redenção, ganhar
a simpatia dos índios e persuadi-los à devoção, os jesuítas utilizavam na sua produção escrita
e literária, nas poesias, por exemplo, elementos das culturas indígenas – música, canto, dança
e língua tupi. Os jesuítas eram aqueles que se opunham ferozmente contra as guerras e
violências praticadas contra os índios. Violências que exterminavam milhares de vida e
lançavam suas pobres almas no inferno. Os padres defendiam que os selvagens deveriam ser
civilizados, catequizados para que abandonassem seus velhos hábitos e costumes demoníacos.
Podemos perceber isso na produção teatral do padre José de Anchieta. Este jesuíta foi
o responsável por escrever as primeiras peças encenadas no Brasil. Segundo Moreau, o teatro
de Anchieta, através dos seus inúmeros diálogos, “acentua o teor das cartas jesuíticas,
desenvolvendo a concepção do índio como ser demoníaco. Transmite a ideia de que os
costumes indígenas eram demoníacos: há esperança para o índio, que tem alma, desde que se
converta para o Bem” (MOREAU, 2003, p. 46). De acordo com Moreau:
As práticas indígenas condenadas pelos padres são atribuídas à ação do diabo.
São criticados em cena os costumes antigos considerados inaceitáveis, como
antropofagia, bebedeira e obediência ao pajé. […] No seu objetivo
catequético, Anchieta usa uma linguagem acessível e manipula o significado
dos elementos indígenas transfigurando a realidade. Mas ao mesmo tempo
cria um afastamento, pois os costumes ‘abomináveis’ estão projetados no
diabo, e, portanto, fora deles. Estrategicamente, os índios aprendem a
ridicularizar os próprios costumes (MOREAU, 2003, p. 48).
O resultado de todo esse processo de aculturação é justamente a colonização da alma
indígena que vai se completando pouco a pouco juntamente com o processo de dominação
portuguesa. Os índios vão perdendo todos os seus costumes e os seus próprios nomes começam
a ser substituídos. Colonizar a alma indígena significava para os jesuítas a salvação eterna. A
obediência às leis de Deus significava a obediência às leis dos homens, e neste caso, os homens
eram os cristãos europeus. A América, portanto, era representada como o reino de Satã e a
Europa como o reino de luz e salvação. Segundo afirma Moreau, “a própria expansão marítima
seria efeito da providência divina, com a colonização, pelo mercantilismo e cristianismo,
anunciando o fim da miséria” (MOREAU, 2003, p. 49).
Assim, o discurso jesuítico possui um tempo e um lugar definido que é sempre o tempo
e o lugar do conquistador português. Aqueles que se convertem a fé católica tornam-se amigos
e súditos da colônia, mas aqueles que não aceitam a fé cristã tornam-se inimigos tanto de Deus
quanto da Coroa portuguesa. Um caso exemplar foi a guerra contra a nação indígena
Tupinambá ocorrida entre 1556 e 1567. Os tupinambás lideraram uma revolta contra os
portugueses, que ficou conhecida com a Confederação dos Tamoios. Nos escritos jesuíticos,
os líderes da Confederação eram retratados como diabos, inimigos de Deus e da Coroa
portuguesa. Veremos no próximo tópico como o processo colonizador realizado pelos jesuítas
foi extremamente nocivo e maléfico para os índios.
2.1 A terra perdida e o nascimento de “zé ninguéns”: a formação da alma brasileira e a
colonização das almas indígenas
O livro de Roberto Gambini, “A Formação da Alma Brasileira”, retrata o desfecho de
uma trajetória cruel de colonização por parte dos portugueses nas terras de “Vera Cruz”. O
confronto étnico travado a partir do século XVI com a invasão da Coroa Portuguesa nestas
terras, que mais tarde seriam denominadas Brasil, parte das análises feitas das correspondências
dos jesuítas a partir de 1549 para tentar entender o que a catequese dos indígenas representa
psicologicamente. “Ou seja: não era suficiente que os índios adotassem certos comportamentos
ou repetissem certas palavras, era preciso levá-los a renegar sua identidade de origem”
(GAMBINI, 2000, p. 24). O objetivo central do autor manifesta-se na busca pela compreensão
do complexo fenômeno que o mesmo denomina “alma brasileira”. Gambini almeja exercitar
uma leitura psicológica da História do Brasil, pois acredita que a compreensão da psique
individual nunca se completa sem o concomitante conhecimento da coletividade à qual
pertence. Na sua obra, Gambini apresenta a dramaticidade da construção da identidade do povo
brasileiro e utilizando-se do método da psicologia analítica de Carl Gustav Jung e do seu
conceito-chave de projeção, demonstra como os jesuítas contribuíram para destruir a “alma
ancestral” da terra: “O começo do povo brasileiro é o começo do fim da alma ancestral da terra”
(GAMBINI, 2000, p. 23).
Assim, partimos para o desfecho e conclusão desta dramaticidade tentando
compreender o quadro geral apresentado pelo autor. E aqui precisamos retornar ao conceito
norteador de sua análise, que é o conceito de projeção. Segundo Gambini, “Jung afirma que ‘a
projeção é um dos fenômenos psíquicos mais comuns. [...] Tudo o que é inconsciente em nós
mesmos descobrimos no vizinho’” (GAMBINI, 2000, p. 28). De acordo com o autor, a projeção
é um fato que ocorre involuntariamente, sem nenhuma interferência da mente consciente: um
conteúdo inconsciente pertencente a um sujeito (indivíduo ou grupo) aparece como se
pertencesse a um objeto (outro indivíduo ou grupo ou o que quer que seja, desde seres vivos
até sistemas de ideias, a natureza ou a matéria inorgânica). Segundo Gambini, uma das
melhores situações para esse modo de expressão do inconsciente surge quando o homem
confronta o desconhecido, seja em outra pessoa, outra cultura, uma ideia diferente, um novo
ambiente ou tudo o que ainda está por ser explorado e investigado. Neste caso, a análise sobre
o conflito étnico entre os jesuítas e os povos indígenas no Brasil torna-se um caso exemplar.
Ainda segundo Gambini, para Jung, tudo o que é desconhecido é um espelho: “‘Tudo o que é
desconhecido e vazio está cheio de projeções psicológicas; é como se o próprio pano de fundo
do investigador se espelhasse na escuridão’” (GAMBINI, 2000, p. 28). O autor conclui que
“como ninguém é capaz de perceber exatamente em que ponto e em que medida somos
possuídos pelo inconsciente, simplesmente projetamos nossa própria condição no próximo”
(GAMBINI, 2000, p. 32). Aqui o pesquisador vai defender a tese de que conversão dos índios
ao cristianismo foi um processo violento de aculturação, mediante uma barbárie física e
psicológica torturante perpetrada pelos portugueses e, principalmente, pelos jesuítas. E o
começo desta história desvela uma falácia que até os dias de hoje está presente no imaginário
dos brasileiros e é contada nas escolas, que somos fruto de um descobrimento movido pelo
acaso.
Gambini é taxativo e afirma que não houve descobrimento nenhum e sim invasão de
um território habitado em sua totalidade, aproximadamente 6, 10 ou 12 milhões de índios
habitavam o Brasil no século XVI. O autor corrobora com a tese de que o território americano
era habitado de norte a sul, havia pelo menos 30 mil anos, por povos que criaram alma, e neste
caso “alma ancestral”. Para o autor, o grande drama de nossa origem, na data de 1500, é
precisamente a negação de que os indígenas tivessem alma, de que não havia alma nas
Américas. Para compreendermos o alcance desse momento crucial no século XVI é preciso ter
presente o que exatamente foi negado pela atitude do invasor. Para Gambini, o que nos foi
negado – nossa alma ancestral – “é a experiência humana acumulada no decorrer de milhares
e milhares de anos, por meio da qual as questões fundamentais da humanidade foram sendo
pouco a pouco resolvidas” (GAMBINI, 2000, p. 160). Segundo o pesquisador, essas questões
fundamentais foram travadas por toda a humanidade e estiveram presentes na Índia védica, no
Egito antigo, na Mesopotâmia, no Mediterrâneo, na África, na China, na Grécia, e aqui no
Brasil, questões que foram interrompidas com a chegada dos invasores europeus e dilaceradas,
cujo processo de colonização não permitiu sua transmissão cultural às gerações seguintes. De
acordo com Gambini:
O índio brasileiro aprendera a sobreviver, encontrar e preparar alimentos,
proteger-se da natureza e de seus espíritos, formar vínculos sociais e
estabelecer formas de convívio, criar uma linguagem, encontrar meios de
curar ferimentos ou doenças, achar graça e beleza na vida, distinguir o
benéfico e o maléfico, encontrar respostas para o surgimento da vida e o
mistério do pós-morte, descobrir o lugar do homem no cosmo e quais as
forças que regem o ilimitado. Ou seja: organização social, tecnologia
material, arte, língua, mitologia, religião, lazer, produção, filosofia,
metafísica, valores, vontade de viver. Isso tudo foi maravilhosamente
resolvido pelos 6, 10 ou talvez 12 milhões de índios que deviam habitar o
Brasil no século XVI, distribuídos por mais de mil grupos culturais distintos.
Talvez houvesse aqui mil línguas diferentes e um conjunto vastíssimo de
mitologias que narravam o mito da Criação das mais variadas formas –
casamento do Sol com a Lua ou de divindades não personalizadas, o
nascimento do primeiro homem esculpido em argila, ou talhado num tronco
de árvore, ou saído em fila indiana de dentro do oco de uma pedra no fundo
de um rio, ou um animal humanizado. Nesse imenso pandemônio de imagens
arquetípicas está presente a briga entre dois irmãos, a proibição do incesto
entre pais e filhos ou entre irmãos, a grande inundação, a origem do fogo
roubado do céu, as fontes da bebida embriagadora, da agricultura, da cerâmica
e da tecelagem, das danças e dos rituais. Todas essas atividades humanas
estavam mitificadas no Brasil [...]. Tínhamos então, e ainda nos sobrou mais
do que conseguimos acolher, uma verdadeira enciclopédia de mitos, imagens
e sentidos, e isso se chama alma. Alma antiga ligada à Terra, arraigada no
solo (GAMBINI, 2000, p. 160-161).
Portanto, foi essa “Alma” que foi dilacerada e destruída pelo olhar estrangeiro que a
distorceu e negou. E os jesuítas contribuíram diretamente para a destruição física, psicológica
e simbólica da alma ancestral imputando aos indígenas suas formas de pensar, considerando-
os subumanos. Para Gambini, na mente de um jesuíta seiscentista, “o indígena era mais um
animal do que um ser humano” (GAMBINI, 2000, p. 105), cujos ritos e rituais eram coisas
diabólicas, que sua sacralidade era demoníaca. Segundo o autor, o resultado da catequese “é
que os índios abandonaram seus rituais orgiásticos e seu gosto pela vida, ajoelharam-se na
igreja, perderam a alma e no fim foram extintos” (GAMBINI, 2000, p. 96). Segundo Gambini,
“os europeus transformaram os espíritos da mata no diabo do cristianismo e elegeram os índios
como suas vítimas exclusivas” (GAMBINI, 2000, p. 125), que suas práticas de antropofagia e
poligamia atestavam para confirmar sua inferioridade humana, sua depravação, sua falta de
Deus e moral. O resultado esmagador do processo catequético jesuítico pelo qual os indígenas
passaram foi a perda completa dos processos linguísticos e a extinção das mitologias
ameríndias. Segundo Gambini:
Não se resgata uma língua quando desapareceu o povo que a falava e a cultura
cujos mitos ela narrava. Nesse terrível processo de destruição cultural e
humana [...] imagens preciosas do inconsciente coletivo protobrasileiro se
perderam; desapareceram complexos e elaborados estados de alma –
sentimentos, maneiras de ver, compreender e valorizar o mundo, propostas
para atravessar o curso da vida com dignidade e sentido (GAMBINI, 2000, p.
161).
O que restou desta destruição foram os fragmentos que carregamos hoje no inconsciente
coletivo, como diria Jung. E o povo brasileiro nasce com uma perda grave e irreparável que
precisa ser compreendida. Tal processo de destruição parte da própria conjuntura de
transformações que abalam o velho continente. Os mil anos de cristianismo católico solaparam
as consciências europeias endurecendo os corações, transformando o amor cristão em razão
instrumental cada vez mais belicosa. E os europeus tendem cada vez mais a expulsar o “Outro”
do seu convívio, a livrar-se do diferente de si. A Europa católica livra-se do pagão, do mouro,
do judeu, de tudo aquilo que lhe é estranho e incontrolável no plano externo. É neste momento
que os europeus se lançam aos mares numa busca frenética para saciar os desejos do ego. O
amor cristão não era capaz, como não foi, de impedir a sombria atmosfera que pairava sobre a
Europa. O ego estava completamente liberto para proclamar e promover sua devassidão.
Segundo Gambini, até o alvorecer do século XVI, o mal sempre estava “no Outro, no diverso;
quando não há mais pagãos, gentios, ímpios, judeus ou mouros para perseguir, e não podendo
a consciência europeia percebê-lo em sua própria substância interior, surge o momento
necessário para encontrar um novo Outro externo” (GAMBINI, 2000, p. 162).
O contato inevitável entre duas parcelas diametralmente opostas da humanidade, de um
lado a civilização, um mundo num processo constante de racionalização, de outro um mundo
primitivo, diferente, baseado na sacralidade da terra, baseado no princípio oposto da não-
racionalidade. O mundo europeu era o mundo do desenvolvimento da razão desde os
primórdios do classicismo grego. De acordo com Gambini, a razão, “pretendendo-se soberana,
ela não suporta dividir o domínio da mente e sua visão de mundo com outro princípio ou outros
valores que a contradigam. Excludente e fria, a razão só se satisfaz com monopólios”
(GAMBINI, 2000, p. 164). Já o mundo das sociedades simples da América, não diferenciadas
na complexidade da racionalidade, era o mundo do:
Inconsciente, um mundo regido pelo pensamento não-linear, não lógico, mas
dialógico, associado aos sentidos, à observação do natural e ao respeito pelo
sobrenatural, mas nem por isso menos pensamento. Capaz, como vem
demonstrando a antropologia pós-evolucionista, de classificação, explicações
e previsões baseadas em regularidades, mas jamais dissociado do sentimento,
da intuição e de um peculiar senso de maravilhamento diante dos mistérios
da vida e da natureza, com a qual convivia de modo não conflituoso, sem
nunca pretender domá-la, transformá-la ou destruí-la (GAMBINI, 2000, p.
164-165).
Portanto, a cena que encontramos no embate desses dois mundos, através da conquista
de um com relação ao outro, é um gigantesco confronto entre o consciente e o inconsciente,
entre racionalidade e não-racionalidade, e é desse confronto que brotará o germe de mente e de
identidade do que será futuramente o Brasil. E o autor propõe, para que possamos entender e
acompanhar esse drama arquetípico, uma psicologização da História. Esta se deu em dois
planos de projeção, uma positiva e outra oposta, negativa. A projeção indígena que estava
gravada no seu inconsciente parte da mitologia tupi-guarani que profetizava o aparecimento,
pelo mar, de um homem novo que mostraria o caminho para a “Terra sem Mal”. Assim sendo,
segundo Gambini, “quando desembarcaram os conquistadores, já estava constelada na
imaginação indígena a chegada de um portador de boas novas. E os índios os receberam de
braços abertos.” (GAMBINI, 2000, p. 166). Tal projeção partia dos “domínios do Eros, de
receber o Outro diverso e percebê-lo como portador do novo e da salvação, é parte integrante
da alma indígena [...]” (GAMBINI, 2000, p. 166). Já os conquistadores também viveram uma
percepção projetiva, mas esta estava associada às mazelas ligadas ao primitivo inconsciente
que coibia a nudez, que imputava e o remetia constantemente ao pecado original, etc. É desse
choque de projeções que nasce a matriz da alma brasileira e da dolorosa destruição da alma
ancestral. Segundo Gambini, “a alma brasileira nasce, portanto, de uma projeção cruzada. A
projeção portuguesa [...] tinha dois aspectos: a percepção do litoral baiano como o Paraíso
terrestre e a dos índios como filhos do Demônio e encarnação do mal” (GAMBINI, 2000, p.
166).
O que se apresenta na análise das projeções é que de um lado os indígenas focalizam
no objeto externo (os navegantes) algo de sublime, enquanto os portugueses tomam os
indígenas como pecadores natos por desconhecerem a verdade da Revelação, e esse índio que
se apresenta como Adão de um paraíso remoto será captado, pelo olhar português projetivo,
como um trabalhador braçal à espera de feitores e essa Eva índia, como um objeto gratuito de
desejo. De acordo com Gambini, o elemento da projeção portuguesa é a percepção dos índios
como portadores do mal e à espera de redenção:
Como vimos ao analisar as Cartas, desde 1549 vai tomando corpo uma
antropologia da conquista segundo a qual o povo da terra vive em estado de
pecado e promiscuidade, sem reis a quem obedecer, sem leis nem regras, sem
deuses ou qualquer regra moral, preguiçoso, indisciplinado, desalmado, uma
folha em branco pronta para a escrita, ‘conhecimento’ do Outro que culmina
na conclusão de que o mesmo foi criado pelo Demônio (GAMBINI, 2000, p.
167).
Assim, o cruzamento das projeções nos permite enxergar o resultado drástico e
dramático que é o mestiço, a protocélula da sociedade brasileira. O primeiro português que
acasalou com uma índia gerou tal protocélula. Aqui o autor evoca Darcy Ribeiro como
referencial etnográfico e afirma que “esse é o par arquetípico, esses são os pais do povo
brasileiro e precisamente aí reside o início do drama de nossa alma. Porque o filho desse casal
primordial é um produto híbrido, mestiço e bastardo, incapaz de identificar-se quer com o pai
quer com a mãe” (GAMBINI, 2000, p. 170).
De fato tal bastardo não era considerado nem português nem branco, o que se o fosse
poderia permitir ter acesso através da linhagem do pai às posições sociais na terra paterna, e,
como consequência da miscigenação, o que restava a tal bastado era torna-se um apátrida
excluído e condenado ao ostracismo existencial. E também não era considerado índio nem
aceito na tribo como um igual, pois a própria mãe, tendo se sujeitado ao batismo, não era mais
considerada membro da tribo, não havendo possibilidades de retorno. Segundo Gambini:
Os jesuítas queriam acabar com os pajés, porque apenas estes entendiam que
o batismo acabava com a alma. As mulheres batizadas perderam o vínculo
tribal e não puderam cumprir sua missão de transmissores da língua, da
religião, das narrativas míticas, do modo de ser indígenas. [...] Essa mãe índia
desfigurada e desonrada é o ventre que gerou o povo brasileiro. A Grande
Mãe do Brasil é uma índia, mas sua imagem não consta em nossas
representações coletivas. Não se fala dela, esse título não lhe é dado. [...] Essa
mãe desqualificada ainda o é em grau maior pela pedagogia escolar, que faz
pairar sobre ela um grande véu de ocultamento e silêncio (GAMBINI, 2000,
p. 170-171).
Portanto, só resta uma acolhida para essa imagem da mãe de todos os brasileiros que é
o inconsciente. De acordo com o autor, nosso povo mestiço é filho de uma não-mãe e de um
pai patogênico. Temos como síntese uma não-síntese. A miscigenação não se deu no nível
psicológico, “mas apenas na dimensão biológica e cultural, no que esta possa ter de mais
periférico. Isto é, as mulheres indígenas foram reduzidas à condição de reprodutoras silenciosas
e desprovidas de quaisquer valores, por meio das quais se povoaria a nova terra” (GAMBINI,
2000, p. 139).
Gambini no ápice das suas análises chega à conclusão de que o cristianismo traiu o seu
maior valor ou que os jesuítas traíram esse grande valor que é o amor. E percebe que o termo
junguiano (projeção) permite entender o significado exato dos primeiros conquistadores,
desbravadores, bandeirantes, feitores, capitães-gerais, donos de terras e representantes da
Coroa portuguesa, os quais não precisavam em nenhuma medida curvar-se a princípios éticos,
sendo-lhes facultado matar, escravizar índios e posteriormente negros, saciar sua ganância
ilimitada, apropriar-se de terras indígenas e fazer o que bem lhes aprouvesse. E que os jesuítas,
que seriam a única instância capaz de coibir tais excessos em nome do próprio cristianismo,
foram os primeiros a abandonar e trair os índios. E, portanto, a maneira mais realista de falar
do povo gerado no Brasil é retratando uma crescente massa de “Zé Ninguéns” como diria Darcy
Ribeiro, e que as populações indígenas e seus descendentes híbridos, ou não, transformaram-
se de “alguém” em “ninguém”, tornando-se seres destituídos de alma, memória, história e
identidade. “O crescimento do contingente populacional brasileiro é uma multiplicação de
ninguéns: seres que não sabem de onde provêm e que carecem de um projeto de futuro por
sentirem que não pertencem a nada (Vera Cruz, Santa Cruz, Brasil...) [...]” (GAMBINI, 2000,
p. 171).
E, por fim, o grande projeto jesuítico se consuma quando os pequenos curumins-
ninguéns vão viver e estudar em escolas de taipa dirigidas pelos jesuítas, apartados dos pais,
aos quais se aplicava a pedagogia do esquecimento da origem e da emulação da identidade do
mestre. “A pedagogia missionária dizia à criança índia: ‘Esqueça quem você é, quem são seus
pais e de onde você veio. Isso tudo não vale nada. Abandone sua identidade, desvencilhe-se de
sua alma, olhe para mim, espelhe-se em mim, queira e fique igual a mim’” (GAMBINI, 2000,
p. 174). E isso é ainda o espelho que as escolas brasileiras refletem para que a alma brasileira
seja subjugada.
3. Conclusão
A luta entre o colonizador de almas, representado pelos jesuítas, e os indígenas das
terras de Vera Cruz possuem como ponto nevrálgico o desaparecimento de todas as identidades
ameríndias e suas conexões com as terras que habitavam. Os reflexos dessa guerra são
paradoxais, mas existem alguns pontos concordantes. Pois, a ação jesuítica no Brasil permitiu
que o conquistador português justificasse todos os seus atos de dominação. Permitiu que a terra
fosse usurpada e quanto mais os índios perdiam seus costumes, mais a terra tornava-se
propriedade dos portugueses.
A afirmação de Moreau de que é difícil, no presente, julgar a ação dos jesuítas e da sua
Companhia tem certo valor. Pois é fato que os religiosos jesuítas quiseram veementemente
proteger os índios e integrá-los honradamente à civilização dominadora. Mas não podemos
esquecer, como o próprio Moreau afirma que isso obrigou os índios forçosamente a largarem
seus costumes e rituais, “tornando-os aculturados, frágeis e expostos ao massacre” (MOREAU,
2003, p. 83).
Dentro deste contexto, a tese de Roberto Gambini ganha uma relevância extraordinária.
Pois, percebemos que a guerra ou a luta travada entre os jesuítas e os índios pelas suas almas
representa a batalha épica entre a alma cristã e a alma ancestral da terra. São duas formas e
visões de mundo, completamente diferentes. A alma cristã já não era simplesmente aquela alma
pura descrita com base no amor, mas era uma alma viciada e assombra pela eterna luta entre o
Bem e o Mal, entre Deus e o diabo, descrita pelos longos anos de guerras entre cristãos e
mulçumanos. Os portugueses e os jesuítas, de certa forma, projetam essas guerras no novo
continente. Os índios, seus costumes e seus hábitos, são associados com o Mal, com práticas
satânicas. Para os jesuítas estas formas e maneiras, hábitos e costumes, que representavam as
almas autóctones tinham que desaparecer.
Desaparecendo a alma ancestral da terra, desapareci as identidades dos indivíduos
ligados a ela. Como Gambini ressaltou, começava a surgir um grupo de indivíduos sem
identidade, sem língua, sem costumes ou hábitos, sem tradições, sem nomes e sem terras, um
grupo de “Zé Ninguéns”. Estes indivíduos perambulam pelas terras de Vera Cruz desde a
imposição do processo catequético civilizador jesuítico. E essa massa aumentou
gradativamente nos anos que se passaram. Hoje, os sem tetos ou sem terras representam as
grandes massas de indivíduos “Zé Ninguéns”. Todos, de uma forma ou de outra, remanescentes
e descendentes do processo instaurado no Brasil pelos portugueses e jesuítas a partir de 1500.
A luta pela terra, hoje, ainda é uma tentativa de resgatar aquela antiga alma ancestral.
Uma tentativa de recuperar as identidades perdidas e massacradas pelo processo de colonização
e dominação portuguesa. Os próprios remanescentes e descendentes indígenas tentam
sobreviver ao rolo compressor civilizatório que descarta e expurga indivíduos em massa. A
extinção dos índios revela uma realidade sombria que ameaça a todos nós. A figura pintada por
Rodolfo Amoêdo de 1884, “O Último Tamoio”, é projetada sobre as identidades que não
aceitam o processo civilizador imposto pelo homem branco. Mas como o velho índio tamoio,
também as identidades dos “Zé Ninguéns” resistirem e morrem nessa eterna batalha épica que
ocorre nas terras de Vera Cruz.
Referências
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<http://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/biblio:anchieta-1933-
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CAMINHA, Pero Vaz de. A carta de Pero Vaz de Caminha. Fundação Biblioteca Nacional.
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GAMBINI, Roberto. Espelho índio: a formação da alma brasileira. São Paulo: Axis Mundi;
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__________. Imagens de missionários jesuítas nos textos de Nóbrega e Anchieta.
Apresentação. In: MOREAU, Filipe Eduardo. Os índios nas cartas de Nóbrega e Anchieta.
São Paulo: Annablume, 2003.
MOREAU, Filipe Eduardo. Os índios nas cartas de Nóbrega e Anchieta. São Paulo:
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RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 2. ed. São Paulo:
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