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  • RevistaBrasileiradePsicanliseVolume43,n.3,51-582009 51

    O sistema mental determinante da inveja

    WalterTrinca1,SoPaulo

    Resumo:Ainveja,comoumfatoclnico,originriadaintensificaododio,sendomobilizadapelapulsodemortevoltadacontraoprpriosujeitoinvejoso.Odiotemcomoconsequnciaodistancia-mentodecontatodoinvejosocomseuprprioser.Umasituaoquelevariaaoesvaziamentodoself,casonosurgisseainvejacomomedidacompensatriaaoesvaziamento,sobaformadesensorialidade.Trata-sedasensorialidadedodiodirigidoaoqueevocaasinsuficinciasdoinvejoso,tendoemvistaremoverafontedeseussofrimentos.Odioaobeneficiriodoquedesejadosubstituiodiodoin-vejosocontrasiprprio.Talsensorialidadetemporfinalidademanteralgoarespeitodavalidadeedabondadedosujeitoinvejoso.Oautorconsideraquedessemodononecessrioalteraroselementosbsicosdaconcepokleinianaclssicadeinveja.Palavras-chave:psicanlisecontempornea;teoriapsicanaltica;sensorialidade;sistemasmentais;in-veja.

    Consideradaumadisposiodeesprito, a inveja foidefinidaporSpinoza (1999)comoodioqueafetaohomemdetalmodoqueeleseentristececomafelicidadedeou-treme,aocontrrio,sealegracomomaldeoutrem(p.316).Geralmenteeladizrespeitoaodesejodepossuirougozaroquepossudoougozadoporoutrem(HouaisseVillar,2001).Oinvejososofreporaquiloquelhefalta,aindaquandosealegracomosofrimentoalheio.MelanieKlein(1964)dissequeapessoainvejadatidacomopossuidoradaquiloquemaisdesejado:umobjetobom,sendoqueoimpulsoinvejosovisatom-loouestrag-lo.Oaspectodestrutivoestsemprepresentenainvejae,paraateoriakleiniana,osimpulsosdestrutivosoperamdesdeocomeodavida,emqueobebcolocapartesmsdesimesmo,excrementoseoutrasmaldadesnameenopeitoparaestragaredestruiroquehdebom.Issosignificaqueparaconhecerainvejaprecisoestudaroscaminhoseosprocessosdacapacidadedeodiarededestruir,daqualelaumderivativo.Dessemodo,seguindoasindicaesdeFeldmaneDePaola(1998),possotom-lanacategoriadossentimentosenodosimpulsos.Paraacaracterizaodeumsistemamentaldeterminantebaseio-menainvejacomoumaformadediointensificado.Quantoaosaspectosparticularesdainvejaqueaparecem,porexemplo,sobasmodalidadesdeinvejadopniseinvejadooutrosexo,acreditoquefaampartedoconceitomaisamploqueestouconsiderando.

    Todopsicanalistavezporoutrasedeparacomumpacienteque,ao lheoferecerumaboainterpretao,retrucaimediatamentequenoumfatonovo,poisjhaviapensadonisso.Menosfrequente,masaindacomum,opacientequefazissocomumgrandenmerodeideiasquelhesooferecidas.Agora,haquelesquecostumamatacartudoouquasetudooqueopsicanalistalhediz,porquenosuportamumamentecriativa.Comotempo,verifica-sequenoconseguemusaraquiloquelhesinterpretadoetodooprocessodeanlisecorreoriscoderuir.Elesdizemquejsabemaquiloquefaladoevisivelmenteodesperdiam,jogandoforaoquemuitasvezesconseguidocomesforo.noraro,tmocasiodepensarsobreoquedito,masoataqueinvejosoimpedeautilizaoemseubenefcio.nopodemfazeralgumacoisacomospensamentosdoanalista,tam-

    1 MembroefetivodaSociedadeBrasileiradePsicanlisedeSoPauloSBPSPeProfessorTitulardoInstitutodePsicologiadaUniversidadedeSoPaulo.

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    poucocomosprprios,porissoseesterilizam.Sepudessemperceberosataquesinvejososeaceitarosistemamentaldainveja,comporiamcomopsicanalistaumaforaconjugadaemfavordeseucrescimentopsquico.

    Um sistema de ataques

    Osistemamentaldeterminanteconstitudopelopadrodominantedefunciona-mentomentalinconscienteeconscientequetendeaseestabelecerdemodorelativamen-teconstante,porperodosrelativamenteprolongados(Trinca,2007).Emumapsicanlisecompreensiva,sequisermosfocalizarosistemamentaldeterminantedainveja,deveremoslevaremcontaaconstelaodoinimigointerno(ibid.),mesmoquenosejaesseonicofatorresponsvelpelosistema.Osentimentodeinvejadespertadoquandooindivduosedeparacomumaforacontrriasuaadaptaosituacional(cf.MiraYLpez,1960);essaforapodeestarintimamenterelacionadacomosataquesdaconstelao.nessecaso,ainvejatemporsubstratoodioconscienteouinconscientedoindivduovoltadocontrasiprprioporcausadelacunas,falhasoufaltasquesetornaminsuportveisnacompa-rao comoutro(s) indivduo(s).Antes de destruir o(s) outro(s), detentor(es) das boasqualidadesinvejadas,oinvejosodirigeasiprprioaacusaodeinsuficinciaoudefici-nciadessasqualidades.Por isso,eleficaemlugardenegrido, imprestveledegradante,comparando-se comquemdetmaposiooua condioprivilegiada.naanlise,umaspectoaserobservadorefere-seaossentimentosdeautodesprezo,humilhaoeinferiori-dade,quesurgememconsequnciadosataques.Opacientecostumaalimentarfantasiasdeinutilidadeedeincapacidadejustamenteapropsitodaquiloquesentelhefaltar.Trata-sedeumasituaopropciaaodistanciamentodecontatocomoser interior,porqueemvezdeseaninharemseuserarepulsaquepredomina,vindoaafetarosvnculosdopacienteconsigomesmo.Essaumasituaotpicadeataqueaosvnculos(Bion,1972),queresultaemestadolacunar.

    Umexemplodeataquedestrutivocomdistanciamentodecontatovemdosonhodeumpaciente,relatadoporSegal(1966),emqueumdinossaurofamintoevorazhaviaatacadoedevoradotodaacidadedeLondres.Iriaatacar,tambm,opaciente,quetentavacontrol-lo.Masopacientealimentavaesseinimigo,quefaziaainvejatornar-secadavezmaior.Tinhaproduzidoumvcuopordevorartudoaoredor,resultandoemcrescimentodainvejaeemsolido.

    a ameaa de esvaziamento

    Sobamiradosataquesedistantesdesimesmos,ospacientestendemaoesvazia-mento,comriscosdeincrementaodaangstiadedissipaodoself.Mas,longedeproselfemperigo,entraemaoainvejacomomedidacompensatriafragilidade.ummecanismodereequilbrio,quebuscaaevitaodoabismo,quandoaameaadeesvazia-mentoreal.Seinexistisseainvejaque,porcausadodiointensificadocontraalgumqueevocaumadesqualificao,reasseguradoraaosujeitoquantoaosseusdireitosexistn-cia,osistemamentalpoderiaseroutro.CertamentefoioquelevouRivire(1975)apensarqueainvejaumadefesacontraadesintegraointerna.

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    a sensorialidade da inveja

    nolugardocontatocomoser interiorpredominaasensorialidadedainveja.Comosemanifestaessasensorialidade?Inicialmenteosujeito invejosoencontraumobstculoousenteumaperdanaobtenodeumbem,favorecimentoouvantagemqueeledese-jariater,porqueacreditaserimportanteoulegtimot-lo,masquelhenegado.Algummais,quenosejaele,detentordacondioouprivilgioquelhefalta.Umafaltaqueeleexperimentacomdesgosto, tristeza, irritaoouaflio,porque implicadesqualificao,humilhaoeinferioridade.Porcomparao,odiodirigidoaquemouquiloquelheevocainsuficincia,deficincia,rebaixamentoeimpotncia.Bementendido:odiocon-sequnciadoobstculojulgadointransponvelobtenodoquedesejado,eoobstculoconstitudojustamentepelacomparao,naqualascapacitaesecondiesdosujeitoso julgadas insuficientesousodenegridas.Contudo,odiotememmiraremoveroudestruirafontedacomparao,queobeneficiriodoquedesejado,deondeaparente-menteprovmosofrimentodosujeito.Aremoooudestruiodessafontetemporfimevitarousuprimiraexperinciadolorosadedescapacitao,quelevariaautorrejeio.Istoporqueosentimentodedionodeixalugarexperinciadeautodesqualificao,queculminariaemautorrejeio.Oselfrepleta-se,ento,desensorialidadevividacomodiointensificadoeminveja,queemcertoscasospodeseconcentraresecronificar.Paranosucumbiraosataques,aautorrejeioimediatamenteconvertidaemdiovoltadoparaforasobaformadeinvejacontraoobjetodacomparao,quecorrespondeaobeneficirioindevidodobemouqualidadeemquesto.Ouseja,oinvejosobuscaremoveroudestruirafontequeofariasesentirrejeitvel,redirecionandoodiocontraoutrem.Odioaoob-jetoficanolugardodioasiprprio.Comisso,avalidadedosujeitosepreservaporque,emvezdeseodiar,eleconstituiumaproteoqueofazserestabeleceremvalorprprioeemdireitoexistncia.Aosseusolhos,nodeixadesesentiralgum.Amobilizaodainvejanosuprimeosataquesdaconstelao,tampoucoevitaodistanciamentodecontato,masasensorialidadequesemanifestatemafunoparadoxaldemanteralgoarespeitodabondadedosujeito.Definitivamente,asituaodainvejatrazemseubojoumduploequvoco:dedirigirodiocontraafonteexternadecomparaoemvezdelocaliz-lonainterioridade;edeseconstituiremsensorialidadeemvezdeseocupardosataquesedeseempenharnaretomadadecontatocomoprprioser.

    a inveja como um fato clnico demarcado

    Convminsistirquemerefiroinvejaqueaparececomoumfatoclnico,enocomobackgrounderaizdetodaequalquerperturbaopsquica.Tampoucoestouconsiderandoainvejaumconstructotericogeral,queestnabasedacompreensodetodocompor-tamentohumano.Sendoumfatoclnicodemarcado,elaconstitui-seemsistemamentaldeterminanteeserveaospropsitosdapresentediscusso.Elaestabeleceumfoco,cujaori-gemodiotransformadoemmanifestaoespecficaeocupaumlugarrelativoemmeumodelo,emvezdeserguindadaposiodeteoriaexplicativadevalorabsoluto.nomeadadessamaneira,entendoqueainvejapassaaser,emcertoscasos,algumacoisamuitoim-portanteparaoindivduo,demodoaofuscar-lheavisodavidacomoumprocessomaisamplodeexperincias.Osrelacionamentostendemasedarcombaseemcertopadro,que

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    acabaporformaremanteroselfsensorial.nessecontexto,nohcomoexcluirainvejadaposiopsquicafundamentalqueempsicanlisedenominamosesquizoparanoide.Deri-vadadodio,ainvejaatacaoobjetoprimordialeimpedeasexperinciasboas,necessriasaodesenvolvimentofavorveldobeb.Masprecisoverificaremcadacasoquaissoasformasassumidaspelodioemsuasvicissitudesetransformaes,dasquaisainvejaumadasherdeiras.

    O duplo aspecto da inveja

    Sendoassim,impossveldissociarainvejadocontextodecontatocomoser in-teriorenegarsuarelaocomapulsodemorte,aquirepresentadapelaconstelaodoinimigointerno.Oduploaspectodainveja,comodiosfontesdavidaecomosentimentoamorosoarticuladopelopensamento,foipercebidoporBion,talcomoencontramosnoscomentriosdeChustereTrachtenberg(2009):

    Ainveja,comometforaparaodiosfontesdavida,spodeexistirsimultaneamentecomal-gumsentimentoamoroso(gratido)e,maisainda,nuncasemumSaber(vnculoK)queosuneearticulacomopensamento(transformaesdopensamento).(p.57)

    SeemBionhumSaber(K)destinadoaintegraraexperinciaemocional,spodeprovirdarelaoamorosadoindivduoconsigoprprioe,sehumdiosfontesdavida,spodeseoriginardapulsodemorte.Seesseduploaspectotemcoexistncianomesmoindivduo,spoderepresentarojogodasrespectivasinflunciassobreoself.

    O objeto bom e a experincia de completude

    Pelateoriakleiniana,entreoutras,possvelestabelecerqueobebconseguedes-frutardeprazer,felicidadeegratidosesodadosporumarelaoinicialfavorvelcomameecomoseio.2Pensoqueumencontrobem-sucedidodoserdobebcomoserdamerealiza-sequandoamereconheceoserdobebe,porcausadisso,permitequeessesesintavivo,presenteeexistente.Assim,oobjetobomemergedaexperinciaemocionalque,nesseencontro,auxiliaobebasepremrelaoconsigoprprio.Emsuaimaturi-dade,paraseexperienciarcomoser,obebnecessita,antes,dereconhecimentoedependedameoudequemasubstituaparaumencontroemduplaprofundidade(Trinca,2007).Tendoesseencontroserealizado,oobjetobomsurgedaexperinciadecompletude,queconsisteemserreconhecidoeemsereconhecercomoser.Obebpassaatercontatocomasfontesdavida,quelhetrazemgratificao.Deixadeestarinterferidoporemoesaeleestranhaseaninha-sedepresenaedeexistncia.

    Contudo, interferncias sobreesseprocessopodemsedarprecocementee ter re-percussessobreoselfemformao,ocasionandodescontinuidadese,mesmo,rupturasnaexperinciadeexistnciaprpria.Ameuver,ainsuficinciaouaperdadoobjetobom,

    2 Emmuitaspassagensde suaobra,MelanieKlein (1964) sublinhaopapel fundamentalda relaome-beb.Por exemplo, ela afirmou que o objeto bom, em sua formamais primitiva dame que cuida do beb, foireconquistado(p.61).

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    assimcomoapredominnciadoobjetomau,secorrelacionamcomasdificuldadesoucomainsuficinciadeencontrosbem-sucedidosentreameeobeb,deixando-omercdeangstias.Como?Estandocomprometidoorelacionamentoprimrio,hdificuldadesdepermannciadaexperinciaestabilizadora,descritaempsicanlisecomoumobjetobom,cujos fundamentos se sustentamemumbomrelacionamentodobeb consigomesmo.nessasituao,obebmobilizadio,queseintensificaesevoltacontraafontededes-prazeredeinfelicidade:oobjetobomperdido.Ficafavorecidaaaodeataquesaoobjetobom,cujoencontronofoipossvelounosedeudemodosatisfatrio.Portanto,aquiloqueatacainternamenteparecetertodaarazodomundoparaamobilizaodeseudio.Aaodapulsodemorteacompanhaafalhaeafaltaambientaisprecocesrepresentadaspeloseioepelame.Ouseja,asdificuldadesouinsuficinciasdeencontrosbem-sucedidosativamapulsodemorteedeterminamodistanciamentodecontato.Assim,umambienteinsuficienteouprecriovemsecompor,nobeb,comummundointernoemestadodeturbulncia.

    como situar a inveja?

    Comosituarainvejanessecontexto?Seguramente,eladizrespeitoaomododerela-cionamentocomoobjetoesediferenciadopurosentimentodediovoltadodestruiodeumobjetodetestado.Acreditoqueoquefazodiosetransformareminvejaquehnesta,emprimeirolugar,apresenadobomemrelaoaoobjeto,queumaspectoreco-nhecidoedesejadopelosujeito.Emsegundolugar,oobjetoodiadonoporsuasimplesmaldade,masporserdetentordeboasqualidadesquefaltamaosujeito,dasquaiselesesentedespojado.Finalmente,ainvejaconstitudaporumarelaotripartite,naqualfigu-ram:1)aexperinciadecompletude,quedealgummodooufoivividaemcontatointei-riocomoser interior;2)osataquescontraavida,derivadosdapulsodemorte,quevisamdestruiraexperinciaboa;3)oobjetobomdesejadoefaltante,tornadomauporquetidocomofraudadordaexperinciadecompletude,contraoqual,justamenteporisso,osujeitoserevoltaemobilizasuaaodestrutiva.nessesentido,pode-seafirmarquenabasedainvejaexisteumacomparao(ChustereTrachtenberg,2009).Humacomparaoentreoobjetobom,representadopelaexperinciadecompletude,eoobjetomau,representadopeladefraudao,emparte,dessaexperincia.Talcomparaofazosujeitosesentiremestadodelegitimidadeparamobilizaraaodestrutiva,porquesevcolocadoemsituaodedesvantagem,privaoesofrimento.Dessemodo,ainvejacorrespondeintensificaododio,queseddentrodeumaparticularconfiguraopsquica.Acredito,ainda,queesseselementosbsicosdainvejaseencontrampresentesnavidaemocionaldobeb.Elesnecessitamserconsideradosrelativamentepresenadecontatoesdificuldadesdecon-tatocomoserprofundo,quesoexperimentadasprecocemente.

    a vida emocional do beb

    Essaconcepoestconcordecomateoriakleinianaquesustentaqueainvejasurgequandooseioexcluiobebeestepassaaodiaroseiomaurelutante,queretmtudoparasi(Klein,1964).Tambm,asseguraqueainvejaconstituiumaexpressodapulsodemorte

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    projetadanoseioename,atuandodesdeoinciodavida.MelanieKleinassociouainvejaaelementosbsicosdavidaemocionalenoexcluiuaparticipaodoambiente,emespe-cialdoscuidadosmaternosedaamamentao.Podemoscompreenderque,nocontextodoscuidadosmaternosinsuficienteseinsatisfatrios,humapredisposioeumafacilita-odeataquesaocontatocomoser interior,pelamobilizaodediocontraoobjetonu-tridorque,sendofontedevida,negaprecipuamenteseguranaesatisfaoaobeb.Aosetransformardeboaemmaexperinciaderelaoconsigoprprio,obebdepara-secomumobjetousurpador,queoequivalentedamexperinciaadvindadasdificuldadeseinsuficinciasdoencontroedocontato.Ainvejaestriba-se,pois,numamudanadevrticenarelaocomaexperinciadecontato,quesetornaumobjetoausenteeodiado,tendoporrefernciaumoutroobjeto,amadoedesejado.Oinvejoso,pois,umservingativoquesesenteroubadodesuaseguranaexistencialedesuasatisfaoplenadeviver.

    a dinmica da inveja

    Obebquesofretaltransformaoemsuanoodesimesmoprefiguraoadultocujoselfsesustentanosistemadainveja.nesseadulto,apulsodemortepassaevidnciacomoconstelaodoinimigointerno,quemobilizaodiocontraaindividualidade(Trin-ca,2007).Eiscomoconsideroadinmicadainveja:asituaoprimordialdeinsuficinciafavorvelinduodosataques,desortequeoindivduosevconfrontadocomaanulaode seus recursos, capacidadesecriatividade,bemcomocomadiminuiode seuvalorprprio,de suadignidadedeseramadoede seumerecimentoemseralgum.Clinica-mente,incontestveladiscrepnciaentreanoodesimesmoqueadviriadeumcontatoverdadeiroeanooencontradasobosefeitosdosataques,vistoqueoself semodificaemfunododistanciamentodecontatoqueocorre.Paradoxalmente,a fonteda invejanolocalizadapeloindivduonosataquesdaconstelao,esimemoutremque,sendopossuidordasqualidadesevantagensdesejadasenopossudasporaquele,torna-sealvodesuaindignaoedeseudio,aosesentirinjustamenterebaixadoehumilhado.Trata-se,porm,deoutremque,porseusdotes,fazevocarafalhaeafaltadaquiloqueoinvejosodesejariapossuirenopossui,mesmoconsiderando-seemcondiesparatanto.Aquisecolocaumacontradioentreaimageminconscientedesiprpriodadapelosresultadosdosataqueseaimageminternapelaqualoindivduoinvejososerelacionacomoutrem,evocadordesuafalhaefalta.napassagemdeumaparaoutrasituao,oinvejosorealizaumamudanadeconcepo,pelaqualsetransformadedesqualificadoemqualificadoparapossuir aquiloquenopossui. Julgandoquedeveriapossu-lo, acha-se legitimadoparamobilizarseudioaquemlhefazsentirasubtraodasmerecidasqualidades.Odiovol-ta-secontraoestmuloqueofazexperimentarrebaixamentoehumilhao,ouseja,contraaversoatualdesenvolvida,emparte,doobjetooriginaldesejadoe faltante, tidocomofraudadorpornegaraexperinciaboadoindivduoconsigoprprio.Essasituaomentalreapareceagorasobaformadenegaodebem-estaredeprovimentoconsideradosneces-srioselegtimos.Assim,oindivduoinvejosobuscaremoverafontedesofrimentopostanoobjetoevocadordainsuficinciaedainsatisfaoprimrias.

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    O estado do self

    Apassagemqueseddeumaparaoutrasituaomentalcorrelativaaumamo-dificaonoestadodoself:emvezdeprevaleceraautorrejeio,quelevariafragilidade,hpredominnciadasensorialidadedodiovoltadocontraodetentordasboasqualida-des.Umamodificaoessencial,quepreservaoselfdeesvaziamentoedeincrementaodaangstiadedissipao.Contudo,umamodificaoquedefineemparteaorientaopredominantedoself,porqueapessoaassumecaractersticasquepassamaserbsicasparaela:eusouessedioeessa inveja.Apesardeserestaumaafirmaoenganosaquantoaoessencial,apessoaestriba-senelaetendeasereequilibraremseusentimentodeseralgum.Trata-se,semdvida,dasaturaodoselfcomelementosinvejososcomomedidacompensatriadestinadaautoafirmao,seguranaemocionalesobrevivnciaps-quica.Estabelecendo-seemsistemamentaldeterminante,nosdatnicaaoself,comodefineumpadropreferencialderelacionamentos.

    Discusso

    napresentediscusso,nocreiosernecessrioalteraraconcepokleinianacomafinalidadedesubstituiroalvooriginaldainveja,oseionutridor,peloobjetoonipotenteide-alizado,comoquiseramFeldmaneDePaola(1998),nemtampoucopeloobjetoprovedoridealizado,queaomesmotempoenganador,parcialeinjusto,comodescreveuLaverde-Rubio(2006).Essasvariantesforamcogitadasparasuprirumalacunaterica,nafaltadeseconsiderar,comoofao,aatuaodaconstelaodoinimigointerno,ouseja,oterceiroelementodarelaotripartiteaoqualsereportar.nohaveriaanecessidadedepreconizarumobjetoidealizadoquenofunciona,casosepercebesseoprocessodedesqualificaoincidentesobreoself,quesubtraiaexperinciaboa,comtodasasconsequnciasdecorren-tes.Almdisso,apresenteabordagempermitediscriminaresepararosataquesoriginriosdessaconstelao,quesoderivativosdapulsodemorte,dosataquesaoobjetoevocadordefalhaefalta,quesoelementossensoriaisnacomposiodoself.Se,entreoutrosas-pectos,aconstelaotemporalvoadestruiodaindividualidade,ainvejaconstitudaporumdioquevisamanutenosensorialemfacedaameaadeesvaziamentodoselfnamiradosataques.Por isso,naautodestrutividadeo indivduotendeasetornarmaisfraco,enquantona inveja tendease tornarsensorialmentemais forte.Elaumaformaelaboradadedio,mas, seguindoalgunsautores (porexemploChustereTrachtenberg,2009),acreditonoserfundamentalconsider-laconstitucionalegeneticamenteimplan-tada.Longedeserumobstculocomoqualnosepodelidar,elaumelementodinmicoquesetornacadavezmaistransparente.Oprofissionalpoderempregarsuacapacidadederverie(Bion,1972)paradevolveraopacienteapartedereconhecimentocomoserquelhefoisubtradanarelaoprimria,restabelecendo,assim,oobjetobomdistante,ausenteouperdido.umaatitudequeconsisteemajud-loaseprdeacordoconsigoprprio,emvezdodistanciamentodecontato,cujapressopodeforarosurgimentodesoluessensoriaisnomnimodesditosaseprecrias.

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    El sistema mental determinante de envidia

    Resumen: La invdia, como um hecho clnico, es originaria de la intensificacin del dio, siendo mobili-zada por la pulsin de muerte dada contra el propio sujeito envidioso. El dio tiene como consecuencia el distanciamiento del contacto del envidioso con su propio ser. Una situacin que llevara al vaciamiento del self, caso no sergiese la envidia como medida compensatria al vaciamiento, bajo la forma de sensoriali-dad. Se trata de la sensorialidad del dio dirigido al que evoca las insuficincias del envidioso, teniendo en vista remover la fuente de sus sufrimentos.El dio al beneficirio del que es deseado sustituye el dio del envidioso contra si mismo.Esa sensorialidad tiene por finalidad mantenez algo a respecto de la validad y de la bondad del sujeto en-vidioso. El autor considera que de esse modo no es necesario alterar los elementos bsicos de la concepcin kleiniana clssica de envidia.Palabras clave: psicoanlisis contemporneo; teora psicoanalca; sensorialidad; sistemas mentales; en-vidia.

    The determinative mental system of envy

    Abstract: Envy as a clinical factor originates from the intensification of hate. It is mobilized by the death pulsion turned against the envious subject itself. Hate has as its consequence the distancing of contact with the envious person and his own inner being. A situation that would lead to the emptying of the self, in case envy would not emerge in its sensorial form as a compensatory measure to this emptying process. This has to do with the sensoriality of hate directed towards what evokes the insufficiencies of the envious person having in mind removing the source of sufferance. The hate towards the beneficiary of what is desired replaces the hate of the envious person against himself. Such sensoriality aims at keeping something about the validity and kindness of the envious person. The author considers that in this way it is not necessary to alter the basic elements of the classical kleinian conception of envy.Keywords: contemporary psychoanalysis; psychoanalytical theory; sensoriality; mental systems; envy.

    Referncias

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    [Recebidoem5.2.2009,aceitoem4.6.2009]

    WalterTrinca

    [SociedadeBrasileiradePsicanlisedeSoPauloSBPSPeInstitutodePsicologiadaUSP]

    R.JooMoura,627,Cj.61

    05412-001,SoPaulo,SP

    [email protected]