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INVESTIGANDO A CONTRIBUIÇÃO DE ATIVIDADES EXPERIMENTAIS NAS CONCEPÇÕES SOBRE MICROBIOLOGIA DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Karen Martins Limberger – [email protected]

Renata Medina da Silva (orientador) – [email protected]

Berenice Alvares Rosito (orientador) –[email protected] Faculdade de Biociências - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS Eixo temático e modalidade: Educação não formal em Ciências - Comunicação oral

RESUMO

A microbiologia é a área da Biologia que estuda os micro-organismos, um dos temas ainda pouco abordados de forma adequada no estudo de ciências do ensino fundamental. Por lidar com organismos visíveis apenas ao microscópio, a microbiologia costuma ser trabalhada nas escolas de forma muito teórica e com pouca experimentação. Assim, o objetivo do trabalho foi avaliar as contribuições de atividades teórico-práticas de microbiologia sobre as concepções a respeito deste tema de alunos do ensino fundamental (5ª e 6ª séries), dos Colégios Maristas Champagnat e Assunção, que participaram do Clube de Ciências da Faculdade de Biociências/PUCRS no ano de 2009. Através da metodologia adotada pudemos perceber quais as visões dos alunos a respeito da microbiologia, como também a verificação do seu entendimento a respeito de conceitos gerais sobre o tema após a realização de atividades teórico-práticas. O trabalho revelou que atividades práticas desta área das ciências são fáceis de serem realizadas, despertam intensa curiosidade e encantamento por parte dos alunos em relação à saúde e meio ambiente, além de terem contribuído de forma substancial para um aprendizado global a respeito do tema microbiologia. Tal aprendizado mostra-se fundamental para a formação dos estudantes de ensino fundamental como cidadãos conscientes em relação a temas como saúde, ecologia e conservação dos ecossistemas.

Palavras-chave – Microbiologia, atividades experimentais, ensino fundamental.

1. INTRODUÇÃO

A microbiologia é a área da Biologia que estuda os micro-organismos (vírus, bactérias, archaea, fungos, protistas, e alguns parasitas multicelulares), formas microscópicas de vida. O fato dessas formas não serem vistas a olho nu fez com que o desenvolvimento da microbiologia fosse sempre dependente do desenvolvimento do microscópio e da ciência da microscopia (ALCAMO e ELSON, 2004). Assim, por ser relativamente complexo e por lidar com organismos visíveis apenas ao microscópio, o estudo da microbiologia é ainda um tema muito pouco abordado no ensino fundamental, sendo trabalhado nas escolas de forma muito teórica e com pouca experimentação.

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Segundo VILLANI (2007), os conhecimentos trazidos pela educação em ciências parecem estar cada vez mais distantes da realidade científica e tecnológica dos estudantes, fazendo menos sentido para eles. Dentro desta perspectiva, observa-se uma dificuldade no aprendizado do ensino de ciências sobre o conteúdo de microbiologia, já que estes não se mostram conectados com a vida cotidiana dos alunos, onde muitas vezes são abordados apenas com conotações negativas e, portanto, de forma inadequada.

A microbiologia apresenta uma grande importância no dia-a-dia das pessoas, já que nós vivemos em um universo microbiano. Ao contrário do que comumente se imagina, a grande maioria dos micro-organismos beneficia o homem, seja reciclando os elementos da vida, produzindo alimentos, produtos industrializados e servindo de ferramentas para pesquisas. Levando em consideração a sua imensa biodiversidade, apenas uma pequena fração dos micro-organismos comportam-se como agentes causadores de doenças. Estes seres vivos podem ser encontrados em abundância em diversos lugares, como em amostras de água, em um punhado de solo e, ainda, nosso próprio organismo (MADIGAN, 2010). Dentro desta idéia, é possível perceber a grande importância, para alunos de ensino básico, do conhecimento mais aprofundado a respeito de seres microscópicos, entendendo o grande papel ecológico que estes desempenham, bem como da sua importância na vida das pessoas.

Segundo GIORDAN e VECCHI (1996) o saber não se adquire de imediato, pela observação; elabora-se a partir das concepções vigentes, através de um longo processo de retomada e decantação, que desemboca sobre a construção de outra aproximação da realidade. Dentro deste contexto, neste mundo fantástico de micro-organismos, o professor pode encontrar um imenso interesse educativo para o ensino de ciências, fazendo uma abordagem das concepções prévias dos alunos, elaborando atividades que estejam associadas ao seu quotidiano, buscando aprender com eles e, assim, construindo um novo saber.

Assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar as contribuições de atividades teórico-práticas de microbiologia sobre as concepções a respeito deste tema de alunos do ensino fundamental (5ª e 6ª séries) dos Colégios Marista Champagnat e Assunção (Porto Alegre, RS), que participam do Clube de Ciências da Faculdade de Biociências da PUCRS.

2. METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada em um Clube de Ciências na Faculdade de Biociências (FABIO) da PUCRS, um espaço não formal de educação inicial e continuada de professores. Nesse ambiente é desenvolvido o ensino e a pesquisa de forma integrada para a formação de docentes, como também efetivas ações pedagógicas inovadoras que propiciam a institucionalização de espaços de atualização e aperfeiçoamento para professores e licenciandos. De forma também importante, o Clube de Ciências na FABIO/PUCRS promove a divulgação científico-tecnológica para todos/as os/as envolvidos/as no processo de ensinar e aprender.

Para a realização da pesquisa, participaram alunos do ensino fundamental (5ª e 6ª séries) dos Colégios Maristas Champagnat e Assunção, ambos em Porto Alegre (RS), no ano de 2009. Inicialmente, para conhecer as concepções dos alunos sobre o tema de microbiologia, participaram 61 alunos. Imediatamente após as atividades, responderam ao segundo questionário apenas 47 alunos deste grupo. Após quatro meses das atividades aplicamos novamente o segundo questionário e somente os alunos do colégio Champagnat responderam, contando com 32 alunos.

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O presente trabalho adotou uma abordagem qualitativa compreensiva e foi abordada através das seguintes estratégias:

1- Coleta de dados através de questionários com questões abertas, bem como através de textos e representações gráficas elaboradas pelos alunos; 2- Registro das atividades em diário da licencianda; 3- Análise de conteúdo dos dados coletados e dos registros efetuados; 4- Reuniões semanais; 5- Revisão de literatura.

A metodologia de pesquisa utilizada, de acordo com MORAES (1999), foi baseada em análise de conteúdo, onde os textos produzidos pelos estudantes devem ser lidos diversas vezes, permitindo uma visão do todo, para discriminar as unidades de significado neles contidas e depois reunidas em categorias.

As atividades teórico-práticas propostas que envolviam o tema “microbiologia” foram divididas em cinco etapas, a partir das quais pudemos analisar e identificar as ideias gerais dos alunos sobre este assunto e produzir um texto descritivo sobre o material analisado.

Na primeira etapa das atividades foi feito um levantamento das concepções prévias dos alunos sobre microbiologia, através da aplicação de um questionário (QUESTIONÁRIO 1) a respeito de pontos gerais que envolvem este tema. Desta forma, os alunos tiveram espaço para mostrar suas visões e entendimento sobre microbiologia, assim revelando o que eles sabiam a respeito do tema. QUESTIONÁRIO 1: 1) O que são micro-organismos, micróbios, germes? 2) Qual o papel deles nas nossas vidas? 3) Você acha que existem micro-organismos no nosso corpo? Onde? 4) Por que precisamos lavar as mãos? 5) O que você gostaria de saber sobre micro-organismos? 6) Como você imagina um micro-organismo. Desenhe.

Também nesta etapa, os alunos realizaram, com o auxílio de hastes flexíveis com algodão (suabes), coletas de micro-organismos do ambiente e semearam suas amostras em meio de cultura sólido (ágar + nutrientes), de onde os micro-organismos tiram sua fonte de energia e nutrientes para sua própria sobrevivência. Para tal, cada aluno recebeu uma placa de Petri contendo o meio de cultura e quatro suabes. Desta forma, cada aluno pode escolher até no máximo quatro locais do ambiente para coletar os micro-organismos. Após as escolhas, eles passaram os suabes nos locais de coleta e imediatamente depositaram o material amostrado na parte gelatinosa da placa de petri (meio de cultura), fazendo movimentos em zig-zag. Posteriormente, as placas foram incubadas em estufa microbiológica a uma temperatura de 37°C por dois dias.

Na segunda etapa, foi realizada uma análise dos micro-organismos cultivados no meio de cultura. Primeiramente, tal análise se realizou em nível macroscópico, através da observação das diversas colônias microbianas crescidas no meio de cultura. Nesta atividade, portanto, os alunos tiveram acesso às placas de micro-organismos que ficaram na estufa durante dois dias e fizeram reflexões e discussões a respeito do resultado encontrado.

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Posteriormente, uma análise em microscopia óptica também foi realizada, através da observação de lâminas previamente preparadas e coradas pelo método de Gram, a partir do material cultivado. O preparo destas lâminas foi feito pela licencianda, no laboratório de Imunologia e Microbiologia da Faculdade de Biociências da PUCRS, nos dias entre a primeira e a segunda atividade. Assim, cada aluno pode visualizar os micro-organismos que eles mesmos cultivaram, além de desenhar e identificar quanto ao seu tipo (fungos ou bactérias) e à sua forma (no caso de bactérias, cocos, que são grânulos arredondados, de forma esférica, ou bacilos, que apresentam a forma de bastão/bastonete), durante a sua observação ao microscópio em aumento de 1000x. Além disso, no caso das bactérias, os alunos puderam perceber também o seu tipo de arranjo (estreptococos, estreptobacilos, estafilococos, tétrade, sarcina, etc.), entendendo o significado de cada um deles, pela maneira como encontravam-se agrupadas.

Na terceira etapa das atividades, uma discussão a respeito de pequenos fragmentos de textos sobre a influência dos micro-organismos nos cuidados de higiene e na saúde do ser humano foi desenvolvida. Os alunos foram divididos em pequenos grupos onde tiveram um espaço para leitura de um pequeno texto referente a um tipo de doença causada por micro-organismos, contendo o agente causador, modo de transmissão, sintomas, prevenção além de algumas curiosidades. Botulismo, leptospirose, tétano, tuberculose, pneumonia, cólera e coqueluche foram as doenças trabalhadas com os alunos. Após a leitura, cada grupo recebeu uma lâmina de retroprojetor, onde puderam colocar neste material um resumo que achassem relevante apresentar para os demais colegas.

Na quarta etapa foi feita uma coleta de amostras de pequenos corpos d´água do Parque

Farroupilha (região central de Porto Alegre-RS), e uma análise de micro-organismos vivos nela presentes ao microscópio óptico (400X). Para tal, os próprios alunos puderam preparar o seu material para observação, apenas colocando uma gota destas amostras de água sobre as lâminas e as cobrindo com lamínulas. Desta forma, cada aluno pode visualizar a diversidade de seres microscópicos vivos e ativos na amostra observada e conhecer alguns dos seus representantes mais conhecidos, como algas, ciliados, flagelados e pequenos animais, desenhando alguns dos organismos observados.

Ainda na quarta etapa, foi proposto aos alunos que respondessem a algumas questões,

a partir das quais pode ser feita a verificação do seu entendimento a respeito de conceitos gerais sobre microbiologia após as atividades propostas (QUESTIONÁRIO 2). QUESTIONÁRIO 2: 1) Como você define um micro-organismo, micróbios, germes? 2) Você acha importante os micro-organismos em nossas vidas? Por quê? 3) Que locais podemos encontrar os micro-organismos? 4) É importante ter cuidados com a higiene e na saúde do ser humano. Dê exemplos de prevenção que devemos ter para evitar contaminação e infeccções. 5) Que dúvida tens sobre micro-organismo? 6) Desenhe um micro-organismo.

Por fim, quatro meses depois que tais atividades foram desenvolvidas, parte dos alunos foram novamente submetidos a este mesmo questionário (QUESTIONÁRIO 2), com o intuito de verificar se as idéias trabalhadas durante as atividades se mantinham após este período de tempo.

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Os desenhos realizados pelos alunos ao final dos questionários foram agrupados em diferentes categorias. As freqüências relativas das diferentes categorias de desenhos de micro-organismos encontradas nas três aplicações dos questionários foram submetidas ao teste estatístico binomial para duas proporções (p<0,05), com o intuito de se verificar eventuais diferenças significativas entre estas três etapas em relação às representações gráficas dos alunos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A primeira atividade, realizada através do questionário de perguntas referente ao tema microbiologia, revelou que grande parte dos alunos apresentava uma visão negativa a respeito de micro-organismos. A maioria deles relatou que os micro-organismos são seres “gosmentos”, “nojentos”, sujos, ruins para o nosso corpo, pequenas “criaturas” que transmitem doenças, sendo elas chamadas de bactérias e fungos, além de serem organismos muito pequenos, que não podem ser vistos a olho nu. Apenas alguns escreveram que são organismos decompositores, benéficos ao ser humano e ao planeta. Sendo assim, observou-se que a maioria dos alunos apresentava uma visão distorcida a respeito do mundo microbiano, com os micro-organismos sendo considerados apenas seres prejudiciais à nossa saúde, sempre relacionados a doenças. Além disso, foi importante observar como os alunos imaginam o aspecto geral de um microrganismo, pois foram apresentados desenhos com vários tipos de representações, que puderam ser categorizados em quatro principais grupos (Figura 1). As quatro categorias de desenhos apresentados e a freqüência de alunos com desenhos enquadrados em cada um deles foram os seguintes (também na Tabela 1): A - Figuras aleatórias (36%); B – Micro-organismos representados dentro de seres humanos (7%); C – Micro-organismos humanizados (21%); D - Representações próximas do real (36%).

Além disso, independente da categoria, parte dos desenhos (61%) foi ilustrada com

conotações negativas, demonstrando um aspecto ruim ou tendo uma “cara de mau”, o que reforça a sua ideia de que micro-organismos são seres apenas prejudiciais. Observou-se, também através destas representações, que os alunos não viam uma grande contribuição destes seres ao meio em que vivemos, associando-os, na maioria das vezes, somente às doenças que causam.

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Figura 1: Exemplos de desenhos que representam cada uma das quatro categorias encontradas no Questionário 1. A: Figuras aleatórias. B: Micro-organismos representados dentro de seres humanos. C: Micro-organismos humanizados. D: Representação próxima do real.

A atividade de observação dos micro-organismos coletados do ambiente foi bastante enriquecedora para os alunos, pois estes puderam observar tanto macroscopicamente (colônias crescidas no meio de cultura), como microscopicamente (as diversas formas microbianas). Os alunos puderam observar que esses seres invisíveis estão por toda parte e inferir o quanto são importantes aos ecossistemas do nosso planeta. Além disso, o resultado também levou os alunos a perceber que devem ter cuidados com a higiene pessoal, não apenas com intuito de evitar doenças infecciosas, mas principalmente promover o bem estar físico, mental e social, favorecendo uma vida mais saudável.

Sempre que conseguirmos integrar ensinamentos teóricos com atividades práticas, observamos uma melhoria no nível de qualidade da aprendizagem por parte dos alunos nas atividades. Tal fenômeno pode ser explicado por funcionar como um elemento facilitador da visualização de imagens (evocação), princípio importante no processo de desenvolvimento da aprendizagem (MONTES, CARDOSO e SOUZA, 2004).

A atividade realizada através de fragmentos de textos sobre a influência dos micro-organismos na saúde humana foi de grande relevância para os alunos, pois estes puderam perceber os cuidados que devem ter na prevenção de doenças, bem como o seu modo de transmissão. Ainda, foi observado que os alunos mostravam-se entusiasmados com o assunto discutido e com a metodologia adotada, pois, através da leitura em grupos, os alunos interpretaram e ilustraram tanto através da escrita como em forma de desenho em lâmina de retroprojetor, apresentando aos colegas o que acharam relevante abordar sobre a doença estudada. Assim, evidenciou-se um ambiente de descontração e de aprendizagem, como também se percebeu que os alunos obtinham uma boa autonomia diante do professor, através de elaborações próprias e, desta forma, sendo autores da sua própria construção do conhecimento.

Professores experientes sabem que as aulas não podem ser as principais responsáveis por transmitir informações ou conferir habilidades. As tarefas de leitura e de resolução de problemas devem fazer isso (LOWMAN, 2004). Assim, o clube de ciências é um ambiente que tem no aluno um parceiro de trabalho ativo, participativo, produtivo, onde ambos são atores. Dentro desta perspectiva, desenvolve competências de elaboração própria e formulação pessoal, essenciais para a formação do sujeito. Segundo FREIRE (2004), ao interagirmos com nossos discentes estimulando-os a utilizar sua aprendizagem fora da sala de aula esperamos conseguir que percebam que quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender, valorizando, portanto, todo o desenvolvimento deste processo. Assim, acreditamos que a influência do professor como mediador do processo de ensino aprendizagem é fundamental, pois ajuda o aluno na construção do saber, como também ajuda a preservar seu entusiasmo pelo ensino.

Em relação à observação microscópica das amostras de água do Parque Farroupilha, os alunos ficaram encantados com os micro-organismos vivos se movendo, percebendo a grande diversidade de seres microscópios encontrados em amostras d´água tão simples e muitas vezes tão ignoradas. Novamente percebemos que, para ensinar, o professor necessita de conhecimentos e práticas que ultrapassem o campo de sua especialidade. No processo educativo, teoria e prática se associam e a educação é sempre prática intencionalizada pela teoria, permitindo-nos com isso desenvolver estratégias que contribuam para um melhor

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aproveitamento por parte de nossos aprendizes (CAMPOS e PIMENTA, 2002). Assim, verifica-se o quanto é enriquecedor trabalhar teoria e prática de forma aliada, pois os alunos conseguem compreender melhor o que se aborda, dando sentido ao que se aprende, e desta forma, conseguindo associar com a sua realidade, vendo a importância no que se ensina.

Após esta atividade, pudemos notar, com a aplicação do Questionário 2, que os alunos demonstraram conotações positivas a respeito de conceitos gerais de microbiologia, relatando a importância dos micro-organismos em suas vidas. Em relação aos locais em que podemos encontrá-los, muitos apenas relataram os ambientes que foram amostrados em aula, sendo que alguns conseguiram compreender que eles estão em toda a parte. Também relataram que, através de hábitos simples que evitem o contato exagerado com alguns micro-organismos, devem ter cuidados com a higiene pessoal. Para finalizar, os alunos parecem ter despertado um grande interesse sobre estes seres, elaborando, ao final do Questionário, perguntas curiosas como: “Por que eles são pequenos?”; “Por que eles existem?”; “Por que surgiram?”. O fato de os próprios estudantes apresentarem perguntas influi na sua aprendizagem, mais do que o tipo de pergunta que formulam, pois essa estrutura de participação é que contribui para aprendizagens significativas (WERTSCH, 1999). Assim, é de grande relevância os alunos elaborarem perguntas de seu interesse e curiosidade, pois através dos questionamentos estão construindo e enriquecendo seu conhecimento.

Em relação aos desenhos do Questionário 2, a maioria dos alunos ilustrou os micro-organismos de forma muito próxima do real (92%), alguns humanizados (4%) e outros como figuras aleatórias (4%), em todos os casos com diferenças significativas em relação às frequências dos desenhos do Questionário 1 (Tabela 1). Observou-se, também, que nenhum desenho se enquadrou na categoria “Micro-organismos representados dentro de seres humanos”. O desvincular da imagem do ser humano reforça a idéia de que os alunos passaram a ter uma percepção mais global a respeito do mundo microbiano. Demonstra que eles passaram a enxergar os micro-organismos como um conjunto de seres que apresentam diferentes papéis na natureza, não apenas vinculados à saúde humana. Além disso, e de forma também importante, nenhum desenho mostrou qualquer aspecto ruim ou “cara de mau”, como anteriormente representados nos desenhos do Questionário 1, o que também corrobora a ideia de uma nova percepção que os alunos passaram a ter do mundo microbiano.

A utilização de desenhos constitui uma abordagem que permite descobrir as

concepções dos aprendentes (GIORDAN e VECCHI, 1996). Assim, através dos desenhos dos alunos podemos inferir suas ideias pelas representações elaboradas através dos seus meios de expressão, de forma explicativa. Ainda, os alunos colocam em evidência suas visões de como compreendem tal assunto, dando diversas significações, e, deste modo obtendo uma produção e formulação pessoal. Portanto, é uma importante ferramenta didática que traduz a ideia das concepções dos alunos, permitindo aos docentes analisar as imagens, e obter um grande número de informações.

Após quatro meses das atividades terem sido finalizadas, aplicamos o mesmo

questionário (Questionário 2) para observar se os conceitos e as idéias sobre microbiologia apreendidos permaneciam com os alunos. Nesta situação, os alunos relataram que “Os micro-organismos são organismos muito pequenos, e só podem ser vistos no microscópio”. Também colocaram que estes organismos são “...importantes seres decompositores do nosso planeta, que são fundamentais para manter a saúde do nosso corpo”, e que “estão em todos os lugares”, de forma muito semelhante ao que responderam na primeira aplicação do

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Questionário 2. Da mesma forma, “Lavar as mãos” foi o que os alunos mais citaram como forma de evitar infecções.

Em relação aos desenhos, observamos que muitos alunos ilustraram os micro-organismos de forma muito próxima do real (66%) e uma freqüência menor como figuras aleatórias (22%) e humanizadas (12%) (Tabela 1). Observou-se, portanto, que a frequência dos “Micro-organismos humanizados” e das “Figuras aleatórias” aumentou em relação à primeira aplicação do Questionário 2, com esta última categoria mostrando uma diferença significativa em relação ao momento imediatamente após às atividades. Entretanto, nota-se que, apesar da frequência de desenhos da categoria “Figuras próximas do real” tenha diminuído significativamente em relação à primeira aplicação do Questionário 2, ela manteve um aumento significativo em relação às do Questionário 1, o que indica que uma mudança em termos de imagem a respeito de micro-organismos parece ter ocorrido de forma importante por uma parcela significativa de alunos. Além disso, novamente aqui nenhum desenho se enquadrou na categoria “Micro-organismos representados dentro de seres humanos”, o que demonstra que os alunos parecem ter realmente apreendido uma ideia de menor vinculação do mundo microbiano apenas à saúde humana. Também nas ilustrações desta última etapa não encontramos organismos com aspecto ruim ou “cara de mau”, como no início das atividades, onde a frequência deste tipo de representação foi de 61%. Este dado reforça a ideia de que uma percepção mais positiva a respeito dos micro-organismos, de fato foi absorvida por uma parcela significativa dos alunos. Deste modo, podemos inferir que os estudantes puderam compreender o papel ecológico que estes organismos desempenham, bem como da sua importância na vida das pessoas, e não apenas considerando-os como seres prejudiciais à nossa saúde. Assim, pudemos perceber que pelo menos parte dos alunos manteve seus novos conceitos sobre microbiologia ao longo desse período, com uma chance interessante, portanto, de pelo menos algumas destas ideias se perpetuarem consigo ao longo da sua formação.

Conteúdos significativos, se abordados numa perspectiva transformadora, propiciam aos alunos a oportunidade de ampliarem a leitura da realidade e, essa conscientização, poderá levar a ações que promovam transformações sociais (NARDI, et al., 2004). Assim, o professor deve inovar sua prática pedagógica, buscando sempre criar ambientes motivadores para os alunos, para que estes venham a ser cidadãos críticos, criativos e capazes de promover transformações, tendo em si a capacidade de formulação e reformulação pessoal.

Na tabela 1 encontra-se a porcentagem de cada categoria de desenhos nos diferentes estágios de aplicação dos questionários, sendo estes: antes das atividades práticas, logo depois das atividades, e após um período de quatro meses.

Tabela 1. Freqüências relativas das diferentes categorias de desenhos de micro-organismos, nas três etapas da aplicação dos questionários, testadas através do teste binomial para duas proporções (p<0,05).

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No de alunos

Figuras aleatórias

Micro-organismos humanizados

Micro-organismos representados dentro de seres humanos

Representações próximas do real

Desenho antes das atividades práticas (Q1)

61 36%

21% 7% 36%

Desenho após as atividades práticas (Q2)

46 4%*1 4%*1 0%*3 91%*1

Desenho após período de quatro meses (Q2)

32 22%*2 12% 0%*3 66%*1*2

Q1= Questionário 1 Q2= Questionário 2 *1 diferença significativa (p<0,05) em relação a “desenho antes das atividades práticas”; *2 diferença significativa (p<0,05) em relação a “desenho após as atividades práticas”; *3 impossibilidade de aplicação do teste estatístico (freqüência = 0%)

CONCLUSÃO

Através da análise das atividades teórico-práticas sobre microbiologia que foram desenvolvidas, foi possível observar que, mesmo apresentando previamente uma visão negativa a respeito de micro-organismos, os alunos mostraram uma imensa curiosidade e encantamento ao observá-los em meios de cultura e ao microscópio, bem como nas discussões propostas. Além disso, pode ser observado que, após as atividades, algumas de suas ideias a respeito de microbiologia mudaram, pois não apenas os alunos relataram a importância dos micro-organismos em suas vidas, como demonstraram, através de respostas e desenhos, a compreensão da grande contribuição destes seres ao planeta em que vivemos. Esta nova percepção em relação ao mundo microbiano parece ter se mantido, pelo menos em parte, após um período de quatro meses após o término das atividades.

Os resultados deste trabalho também mostraram o quanto pode ser simples trabalhar estes temas, que costumam ser negligenciados para o ensino fundamental e, ao mesmo tempo, tão importantes para a formação dos estudantes. Para finalizar, este trabalho revelou, além de nossas expectativas, o quanto atividades ligadas à microbiologia, em especial as de observação de micro-organismos, apresentam o grande potencial de encantar alunos de ensino fundamental em relação à natureza e ao mundo vivo, podendo servir, portanto, como uma valiosa ferramenta para enriquecer a formação dos estudantes como cidadãos conscientes em relação a assuntos como saúde e meio ambiente.

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4. REFERÊNCIAS

ALCAMO, E.; ELSON, L. M. Microbiologia: um livro para colorir. 1. ed. São Paulo: Roca, 2004.

BORGES, Regina Maria Rabello; SOUZA, Nara Regina de; ROCHA FILHO, João Bernardes da. Propostas Interativas na Educação Científica e tecnológica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

CAMPOS, E.N.; PIMENTA, S.G. Saberes pedagógicos e atividade docente. 3. ed., São Paulo: Cortez, 2002. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2004. GIORDAN, A.; VECCHI, G. As origens do saber das concepções dos aprendentes aos conceitos científicos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

LOWMAN, J. Dominando as técnicas de ensino. São Paulo: Atlas, 2004. MADIGAN, T. M.; MARTINKO, J. M.; PARKER, J. Microbiologia de Brock. 12.ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. MARTINS, Roberto de Andrade. Contágio: história da prevenção das doenças transmissíveis. São Paulo: Moderna, 1997.

MONTES, M. A. A.; CARDOSO, V. T. S.; SOUZA, C. T. V. Popularização da ciência e da arte através da Anatomia Humana. In: 9a Reunião da Rede de Popularização da Ciência/Congresso Mundial de Museus de Ciências, Rio de Janeiro, Anais p.53, 2005. MORAES, R. Análise de conteúdo. Educação. Porto Alegre, XXII, n.37, p.7-32, mar.1999.

NARDI, R.; BASTOS, F.; DINIZ, R. E. S. (Org). Pesquisas em ensino de ciências: contribuições para a formação de professores. 5. ed. São Paulo: Escrituras, 2004.

OLIVEIRA, Daisy Lara. Ciências nas salas de aula. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 1997. SANTOS, Luís Henrique S. Biologia dentro e fora da escola: meio ambiente, estudos culturais e outras questões. Porto Alegre: UFRGS, 2000. VILLANI, C. E. P. (2007). O Papel das Atividades Experimentais na Educação em Ciências: Análise da Ontogênese dos Dados Empíricos nas Práticas Discursivas no Laboratório Didático de Física do Ensino Superior (Tese de Doutorado), Universidade Federal de Minas Gerais. ZABALZA, Miguel A. Diários de aula. Porto Alegre: Artmed, 2004. WERTSCH, J. V. La mente em acción. Madrid: Aique, 1999.