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Revista Ética e Filosofia Política Nº 16 Volume 1 junho de 2013 24 Investimentos e Direitos Humanos Prof. Silvia Pinheiro Doutora em Direito Internacional Público e da Integração Econômica pela UERJ Professora da FGV-RJ I- INTRODUÇÃO: O investimento estrangeiro direto - IED é uma forma bastante usual de capitalização de empresas, otimização da produção, busca de vantagens comparativas e controle de recursos naturais. Em conjunto, empresa investidora e aquela alvo do investimento formam uma multinacional quando, conforme disciplinado na UNCTAD - Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento 1 , a matriz deve, por meio do investimento, adquirir o controle de sua filial. Desse modo, o IED pode ser caracterizado como “a categoria de investimento internacional que reflete o objetivo de uma entidade residente em uma economia de obter um interesse duradouro em outra residente em outra economia”. 2 Por meio do IED, i.e., de fluxos transfronteiriços de capital, uma empresa estabelecida em um dado país pode criar ou expandir uma subsidiária em um outro Estado. O tema dos IED adquire relevância no campo do desenvolvimento sustentável e de sua regulação, na medida em que “no contexto internacional, investimentos diretos são comumente executados por corporações multinacionais 1 Informações disponíveis no seguinte endereço eletrônico da Conferência: http://www.unctad.org/Templates/StartPage.asp?intItemID=2068 . 2 RIVERA, Edward Bernard B. de R. Y; TESTA, Rafael Siqueira; e CIA, Josilmar Cordenonssi. Um estudo macroeconométrico da influência do ied sobre as exportações brasileiras. pp. 158. Disponível em, http://www.mackenzie.br/dhtm/seer/index.php/jovenspesquisadores/article/viewFile/817/ 341 .

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Investimentos e Direitos Humanos

Prof. Silvia Pinheiro

Doutora em Direito Internacional Público e da Integração Econômica pela UERJ

Professora da FGV-RJ

I- INTRODUÇÃO:

O investimento estrangeiro direto - IED é uma forma bastante usual de

capitalização de empresas, otimização da produção, busca de vantagens

comparativas e controle de recursos naturais. Em conjunto, empresa investidora e

aquela alvo do investimento formam uma multinacional quando, conforme

disciplinado na UNCTAD - Conferência das Nações Unidas para Comércio e

Desenvolvimento1, a matriz deve, por meio do investimento, adquirir o controle de

sua filial.

Desse modo, o IED pode ser caracterizado como “a categoria de

investimento internacional que reflete o objetivo de uma entidade residente em

uma economia de obter um interesse duradouro em outra residente em outra

economia”. 2 Por meio do IED, i.e., de fluxos transfronteiriços de capital, uma

empresa estabelecida em um dado país pode criar ou expandir uma subsidiária em

um outro Estado.

O tema dos IED adquire relevância no campo do desenvolvimento

sustentável e de sua regulação, na medida em que “no contexto internacional,

investimentos diretos são comumente executados por corporações multinacionais

1 Informações disponíveis no seguinte endereço eletrônico da Conferência: http://www.unctad.org/Templates/StartPage.asp?intItemID=2068. 2 RIVERA, Edward Bernard B. de R. Y; TESTA, Rafael Siqueira; e CIA, Josilmar Cordenonssi. Um estudo macroeconométrico da influência do ied sobre as exportações brasileiras. pp. 158. Disponível em, http://www.mackenzie.br/dhtm/seer/index.php/jovenspesquisadores/article/viewFile/817/341.

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engajadas em manufatura, serviços, mas principalmente extração de recursos

naturais no caso dos países em desenvolvimento.” 3

Considerando os dados atuais que indicam o crescimento dos investimentos

originários e destinados aos PED, o tema adquire ainda maior relevo, demandando

reflexões e ações voltadas para a revisão das estruturas regulatórias nos âmbitos

público , privado , internacional e doméstico, sobre o papel das empresas na

promoção do desenvolvimento sustentável. Tais regulações devem refletir as

demandas da sociedade civil no mundo globalizado e o novo papel da empresa

como sujeito de direitos e obrigações na área dos direitos humanos.

Ainda que não vinculantes, em um conceito mais limitado de coercibilidade,

os mecanismos internacionais atuais sobre promoção e responsabilização das

empresas no campo dos direitos humanos, vem, em maior ou menor grau, sendo

adotados por aquelas que desejam uma legitimação moral para sua atuação.

O desenho institucional e regulatório sobre o tema vem se sofisticando.

Procedimentos de due diligence de direitos humanos em empresas e sistemas de

monitoramento e controle do cumprimento dos códigos de conduta sobre

Responsabilidade Social Corporativa - RSC integram diversos conjuntos de normas

sobre o tema na ONU, OCDE, OIT e International Finance Corporation - IFC4. A

atenção e o cumprimento da legislação nacional e de padrões internacionais em

matéria trabalhista e ambiental integram o que a UNCTAD denominou em seu

último World Investment Report de Nova Geração de Políticas de Investimentos5.

Os Acordos Bilaterais de Investimentos, segundo dados do último relatório

da UNCTAD, apresentam crescimento contínuo. Observa-se, principalmente

3 Ibid., p. 159. 4 Guiding Principles on Business and Human Rights: Implementing the United Nations “Protect, Respect and Remedy” Framework, A/HRC/17/31; OECD Guidelines for Multinational Enterprises; Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social - OIT ; Princípios do Equador – IFC , são exemplos de marcos normativos internacionais relacionados ao papel das empresas e das instituições financeiras, na proteção aos Direitos Humanos e meio ambiente. 5Investment Policy Framework for Sustainable Development - Capítulo IV / World Investment Report 2012. Disponível em, http://www.unctad-docs.org/files/UNCTAD-WIR2012-Full-en.pdf

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naqueles assinados após o ano de 2004, a ponderação entre princípios de

desenvolvimento sustentável e os de proteção dos interesses econômicos das

empresas, consequência da maior pressão da sociedade civil, mais consciente

sobre os impactos econômico e social das atividades das grandes corporações.

Diante deste contexto, certas cláusulas dos Acordos de Investimento são alvo de

discussão entre juristas e representantes governamentais, principalmente, entre

países em desenvolvimento, com destaque para as cláusulas de estabilização, de

boa fé e equidade e a cláusula de expropriação. A interpretação por demais ampla

destes dispositivos pelas cortes de arbitragem é criticada, especialmente, em se

tratando de casos envolvendo países em desenvolvimento e investidores de países

mais ricos.

Considerado a renovação das referidas cláusulas no contexto de uma nova

geração de políticas de investimento, o presente trabalho tem por objetivo

colocar em destaque as sugestões de aprimoramento, utilizando como marco

teórico os trabalhos dos Professores Sheldon Leader, Jean- André Arnoud e

Mirreille Delmas – Marty.

A primeira parte do trabalho apresenta um resumo das principais tendências

dos Investimentos Estrangeiros Diretos nos países em desenvolvimento, com base

em três relatórios da UNCTAD /World Investment Report de 2006, 2010 e 2012. Os

três relatórios foram escolhidos por tratarem dos fluxos de investimentos diretos

em momento anterior a crise de 2008, o segundo, por tratar de momento

posterior a referida crise e o último, apresentando um cenário mais atual. A análise

conjunta dos três momentos permite conclusões sobre tendências, destacado o

status dos países em desenvolvimento.

A pluralidade de atores e sujeitos de direito e a reconfiguração dos lugares

de onde procede o direito, retira do Estado o monopólio da produção da norma,

acarretando em uma pluralidade de tipos de regulação , cuja legitimidade é

conferida pelo indivíduo e sociedade civil, especialmente, aquelas voltadas para

temas como meio ambiente e direitos humanos. A ponderação dos princípios dos

direitos humanos aos interesses econômicos das empresas, nos acordos e

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contratos de investimentos é mero reconhecimento da totalidade de atores

impactados pela atividade econômica desenvolvida pela empresa. A segunda parte

do trabalho discute, a partir do posicionamento dos autores acima relacionados,

justificações que conferem fundamentação e legitimidade para cláusulas

contratuais voltadas para a proteção dos direitos individuais e coletivos nos

acordos e contratos de investimentos.

Na terceira parte do trabalho são destacadas certas cláusulas dos acordos de

investimento, sugestões de aprimoramento e avanços, para na última parte serem

apresentadas as fragilidades e os caminhos a serem trilhados em prol de um

sistema em que os interesses econômicos não sejam necessariamente vistos como

opostos aos interesses coletivos e os do cidadão.

II - Investimentos Estrangeiros Diretos (IED)

II.1 Modalidades:

A inexistência de regulação internacional para o setor dos investimentos,

diversamente do que ocorre com o comércio exterior, amplamente regulado pelos

acordos multilaterais da Organização Mundial do Comércio - deu ensejo a novas

formas de IED ágeis que primam pela busca de oportunidades de ganhos em todo

globo. Os IED assumem basicamente quatro modalidades.

O modelo de investimento na forma de private equity , bastante comum

hoje, é via de regra, injeção de fundos por um investidor em empresa, tendo por

objetivo ganho de capital substancial quando de sua saída da companhia.6 É ,

portanto, investidor transitório que pode atuar da mesma forma em diversas

companhias que demandam capitalização por distintas razões.

Já o investimento de venture capital é um tipo de private equity voltado para

companhias recém instituídas no mercado que apresentam atrativas perspectivas

de crescimento. Os recursos podem ser feitos por etapas sendo usual

6 Tradução livre de inglês para português da definição atribuída pelo Financial Times (disponível em http://lexicon.ft.com/Term?term=private-equity).

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investimentos em ideias. Além do capital, os investidores podem também fornecer

serviços que agregam valor à companhia.7

No entanto, a despeito do crescimento das duas formas de investimento

descritas, principalmente por investidores norte americanos, a mais usual ocorre

por meio de Fusões e Aquisições - F&A 8. Dependendo da área específica de

atuação, as F&A levam a consolidação de toda uma cadeia produtiva, com

unidades em diversos Estados , sob o controle de poucos grupos transnacionais,

provocando grande concentração. Ressaltando o fato de inexistirem, até o

momento, regras que disciplinem as fusões em âmbito global é de se estar atento

as consequências desse processo. Finalmente, vem se destacando os Sovereign

Wealth Funds, ou Fundos Soberanos. Estes são fundos governamentais,

normalmente oriundos de lucros derivados da exploração de recursos naturais em

seus países de origem para depois avançarem sobre outros Estados.9 Os

investimentos dos Fundos Soberanos são estratégicos e revelam a face moderna

do Estado – Empresa, quando confundem-se interesses públicos com práticas

gerenciais de natureza capitalista e privada além de grande volume de capital

envolvido.

Resta claro, portanto, que livres de regulações internacionais multilaterais,

sejam elas voltadas para o direito econômico (concorrência internacional), bem

como regras vinculantes na área sócio ambiental, a magnitude das empresas e a

criatividade nas formas de organização as fazem sujeitos com direitos, cujos

limites de atuação e obrigações devem ser repensados. A grande corporação

transita por todo o globo praticamente sem barreiras, é uma cidadã do mundo

sem vínculos reais e responsabilidades sociais, distintamente dos indivíduos. O

desafio da inclusão social da maioria da população mundial que se encontra abaixo

da linha da pobreza deve ser compartilhado com a empresa, que muitas vezes

7 Tradução livre de inglês para português da definição atribuída pelo Financial Times (disponível em

http://lexicon.ft.com/Term?term=venture-capital) 8 Tradução livre de inglês para português da definição atribuída pelo Financial Times (disponível em http://lexicon.ft.com/Term?term=mergers-and-acquisitions) 9 Tradução livre de inglês para português da definição atribuída pelo Financial Times (disponível em http://lexicon.ft.com/Term?term=sovereign-wealth-funds)

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detém mais peso politico e econômico do que o dos Estados em que se localiza.

Promover o crescimento econômico não basta. Se responsabilizar pela elaboração,

em conjunto com a sociedade, de formas criativas e eficientes de incremento na

qualidade de vida de seus empregados e das comunidades afetadas por suas

atividades, deve ser visto como diretriz do grupo e não como uma externalidade

dispendiosa.

II.2 – Tendências – UNCTAD World Investment Reports10:

A UNCTAD, organização criada em 1964 com o objetivo de fortalecer o papel

do comércio e dos investimentos, enquanto um meio para alcance do

desenvolvimento, tem, historicamente, contribuído com a consolidação de dados e

informações sobre tais temas. Nesse contexto, a agência vem destacando a

importância das empresas na promoção do desenvolvimento sustentável, por

meio da Responsabilidade Social Corporativa (RSC), apontando fragilidades,

tendências e sugestões concretas de aprimoramento da atuação das empresas em

relação a promoção dos Direitos Humanos.

A Responsabilidade Social Corporativa (RSC), os investimentos em tecnologia

low carbon pelas grandes corporações europeias11 , a internacionalização das

empresas de origem dos países em desenvolvimento com destaque para a

extração de recursos naturais e obras de infraestrutura, são temas e tendências

constantes12. O último relatório de 2012, trás importante contribuição para a

adoção de novas cláusulas em Acordos Bilaterais ou Regionais de Investimentos,

10 World Investment Report 2006. http://unctad.org/en/Docs/wir2006_en.pdf; World Investment Report 2010. http://unctad.org/en/Docs/wir2010overview_en.pdf ; World Investment Report 2012.http://www.unctad-docs.org/files/UNCTAD-WIR2012-Full-en.pdf 11 Investing in a Low Carbon Economy. World Investment Report, 2010. http://unctad.org/en/Docs/wir2010overview_en.pdf ; 12 From a host-country perspective the rise of transnational corporations from developing and

transition economies expands the range of potential sources of finance, technology and management

know-how. This is of particular relevance to low-income countries. As shown in the Report, inflows

of foreign investment into many least developed countries come primarily from other developing

countries. It is important to consider how this form of South-South cooperation can be further

strengthened to promote mutual development gains. Prefácio do World Investment Report de 2006, Secretário geral da ONU, Kofi A. Annan . Disponível em, http://unctad.org/en/Docs/wir2006_en.pdf

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contribuindo para consolidar o que denomina de Nova Política de Investimentos,

voltada para a promoção do desenvolvimento sustentável, além da proteção dos

interesses econômicos do investidor13.

Os fluxos de IED vem sofrendo acréscimo continuado, com destaque para as

fusões e aquisições transfronteiriças. O setor de serviços foi o que mais se

beneficiou com a crescente onda de investimentos diretos estrangeiros,

principalmente os setores financeiro, de telecomunicações e imobiliário, entre os

países mais ricos. Paralelamente, houve um declínio acentuado de investimentos

no setor industrial e um aumento do IED no setor primário, principalmente, no

que se refere à extração de petróleo nos países em desenvolvimento.

As fusões e aquisições detectadas no período, principalmente de 2005/2006,

foram tidas, no caso dos países em transição, como um importante fator de

incremento nas taxas de crescimento e desenvolvimento econômico, no entanto, é

preocupante a forte concentração observada em certos setores da economia,

como siderúrgico, minério de ferro, químico, petroquímico, voltados para insumos

que alimentam segmento de manufaturados. Tal concentração é expressa na

forma de grandes e poucos conglomerados internacionais que acumulam recursos

muitas vezes superiores aos dos Estados em que se estabelecem.

Apesar do crescimento econômico das regiões em desenvolvimento puxado

pelas exportações, forçoso notar a atratividade excessiva do setor primário. Deve-

se atentar aos investimentos destinados a exploração de petróleo e gás, que se

intensificou, especialmente, no Brasil após a descoberta do Pré-Sal. Sabe-se que

investimentos no setor primário são responsáveis pela emissão constante de

poluentes e forte impacto ambiental.

Quanto ao tema da Responsabilidade Social Corporativa é de se notar a

reversão das discussões, que tradicionalmente, giravam em torno da

responsabilidade das empresas transnacionais de países desenvolvidos e seus

13 Chapter IV - Investment Policy Framework for Sustainable Investment. World Investment Report, 2010. Disponível em, http://unctad.org/en/Docs/wir2006_en.pdf

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impactos em países em desenvolvimento. Com a internacionalização das

economias em desenvolvimento e em transição, a gestão das multinacionais

originárias dos países em desenvolvimento é avaliada nos mesmos moldes.

No entanto, o relatório da UNCTAD de 2006 já chama atenção para a

necessidade de definição mais precisa de Responsabilidade Social Corporativa

(RSC)14. O conceito se relaciona com conjunto de políticas, muitas vezes,

voluntariamente adotadas por uma empresa a fim de reforçar sua capacidade de

cumprir a lei e satisfazer outras expectativas da sociedade, não expressas muitas

vezes nas leis domésticas. No entanto, em termos básicos, o comportamento

corporativo socialmente responsável vem significando a abstenção de causar

danos até o limite de não prejuízo à lucratividade do negócio, enquanto o

relatório prega por uma postura pró-ativa das empresas, que considere a

internalização dos custos sociais e ambientais à atividade principal do negócio e

não como externalidades a serem mitigadas com o menor custo possível.

No Direito Internacional, a responsabilidade direta por garantir que

empresas cumpram com as normas internacionalmente acordadas é dos governos.

A maioria das convenções internacionais estabelece obrigações para os Estados,

mas poucas obrigações juridicamente vinculantes para as transnacionais. Devem

os Estados receptores e de origem das transnacionais criarem e implementarem

quadro jurídico em consonância com as normas de direito internacional.

O respeito, em nome da boa-fé, às leis dos países onde estejam operando,

de modo a não obterem vantagens decorrentes da fragilidade dos sistemas

jurídicos e administrativos dos países hóspedes é obrigação das empresas. Nos

casos em que a estrutura legal é inadequada, por exemplo, porque viola os

padrões mínimos estabelecidos internacionalmente, espera-se que as

transnacionais se comprometam com padrões mais elevados do que aqueles

estipulados no país, em que se encontram.

14 World Investment Report, UNCTAD 2006, pp. 233. Disponível em, http://unctad.org/en/Docs/wir2006_en.pdf

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A crescente transnacionalização dos investimentos provenientes dos países

emergentes e a fragilidade de suas regulações internas voltadas para o meio

ambiente e de direitos humanos, pode resultar na reprodução de padrões

precários de proteção em ambos os casos. Nesse cenário, incluem-se aqueles

países menos desenvolvidos em que as regras podem ser conflitantes com

tratados internacionais, dificultando o prolongamento das boas práticas da matriz

para suas filiais no exterior, estimulando um desenvolvimento nada sustentável

nos países hóspedes menos desenvolvidos, como destacado acima.

Ante a ausência de regras internacionais, uma empresa multinacional está

obrigada a respeitar o regime legal dos países hóspedes do investimento. Uma vez

inexistente ou frágeis as instituições reguladoras e executoras das políticas

públicas nos países hóspede e investidor, vê-se a empresa livre de quaisquer

obrigações , com exceção a prestação de contas a seus acionistas, mormente

preocupados com o lucro. A tendência, até então, seria a do investidor se localizar

em áreas nas quais a regulação é extremamente frágil.

Nesse sentido, hoje é possível observar fenômeno de investimentos em

alguns Estados da África, em áreas em que a estabilidade política foi alcançada,

mas em que o marco relatório ainda pode ser considerado frágil. Estes são de

origem da China, Brasil, México, Rússia e África do Sul (BRICS) . Ou seja, além de

países receptores de investimentos passam as empresas dos países emergentes

atuarem como investidoras, com o suporte financeiro de seus respectivos Estados.

Necessária seria a atenção, no caso do Brasil, às regras das Convenções

Internacionais do Trabalho, Meio Ambiente e de Direitos Humanos, sob o risco de

verem-se frustradas suas ambições de liderança regional e multilateral.

Infelizmente, não é o que tem-se observado, pelo abaixo retratado, no caso do

setor de mineração. Sobre a atividade mineradora no Brasil em 2010:

“obteve lucros de 157 bilhões de dólares e gerou divisas que chegaram

a 51 bilhões de dólares, o que corresponde a 25% do total das

exportações brasileiras. Assistimos, atualmente, a uma flexibilização de

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leis e regras de controle ambiental , à redução da reserva legal dos

imóveis rurais e a um marco regulador da mineração caracterizado por

baixas taxas de royalties e normas ambientais frágeis.15”

Em 2012 a maior parte dos investimentos continua sendo de origem dos

países mais desenvolvidos, com 45% do volume total investido dirigido aos países

em desenvolvimento, mantida tendência dos anos anteriores.

Nas regiões da América Latina e Caribe, os países da América do Sul foram

o destino de 34% dos Investimentos Diretos dos países ricos. Dentre os países da

região, Brasil, Colômbia, México, Ilhas Virgens Britânicas e Chile foram os líderes na

recepção de capitais estrangeiros, estando o Brasil em primeiro lugar.

As razões atribuídas ao crescimento dos investimentos na região e no Brasil

são o fortalecimento do mercado interno e as elevadas taxas de retorno dos

investimentos, principalmente, em se tratando do setor extrativo. No entanto, é

interessante notar mudança gradativa no protagonismo dos investimentos na

América Latina, tradicionalmente exercido pelas empresas europeias e norte

americanas. Os investidores indianos e chineses seguidos dos japoneses vem

ocupando o espaço antes exclusivo das corporações européias e norte-

americanos. Finalmente , a extração de recursos naturais se mantém em todo o

período como a atividade econômica mais atrativa na região.

O Relatório de 2012, assim como os anteriores aqui reportados, recoloca o

tema da Responsabilidade Social Corporativa, mas sob nova ótica. Chama atenção,

a UNCTAD, para a complexidade de as unidades de produção em longas cadeias

produtivas incorporarem as práticas de RSC sugeridas pelas matrizes. Aponta para

a incapacidade dos fornecedores menores, situados em países em

desenvolvimento ou menos desenvolvidos, cumprirem com as exigências das

15 FIDH; Justiça Global e Justiça nos Trilhos. “Sumário Executivo”. Quanto Valem os Direitos Humanos? maio de 2011. pp. 4. Disponível em, http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/direitos-humanos/quanto-valem-os-direitos-humanos

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matrizes voltadas para a área do desenvolvimento sustentável, fruto da pressão

dos consumidores nas sociedades mais ricas.

As chamadas best practices, ou boas práticas devem necessariamente estar

acompanhadas de treinamento e capacitação às pequenas empresas,

especialmente aquelas situadas em países cujas legislações sobre meio ambiente e

trabalhistas são inexistentes ou frágeis e em que os princípios de Direitos Humanos

são constantemente violados. A pressão sobre as matrizes é cada vez maior, uma

vez que os processos produtivos são mais transparentes e acessíveis ao

conhecimento de todos. No entanto, responsabilizar a unidade integrante da

cadeia produtiva em países menores pela violação dos direitos humanos,

isentando as matrizes nos países ricos de qualquer responsabilidade, representa

sério risco para o país e empresas hóspedes do grande investimento na ponta.

O respeito aos direitos humanos é intrínseco a formação das parcerias,

joint ventures, contratos e acordos de investimento, mas não como medida

compensatória posterior a violação ou superposta as práticas que privilegiam o

interesse econômico. Nesses casos, o relacionamento da matriz, com os

fornecedores e a sociedade ocorre como se a matriz não fizesse parte da

sociedade, bem como, a cadeia produtiva não integrasse o grupo transnacional.

Outra possibilidade de relacionamento entre a corporação e a sociedade civil é

aquela que alcança a corporação desde sua perspectiva interna, sua constituição,

objetivos e princípios16.

IIII – COMÉRCIO, INVESTIMENTOS E OS DIREITOS HUMANOS

III.1 Legitimação e Fundamentação da Nova Política de Investimentos:

16 LEADER, Sheldon. Forthcoming in R. Godin, et al eds. The Oxford Handbook on Public Accountability (OUP: 2013). pp.2

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Os princípios de Direitos Humanos devem estar intrínsecos a todas as

instâncias de decisão e formulação de normas, inclusive as do direito econômico,

esta é a fundamentação cívica das regras, a que se refere o Professor Sheldon

Leader17. Reservar a discussão dos direitos humanos às esferas exclusivamente

voltadas para tal tema significa “blindar” as empresas da necessária interação que

detém com a sociedade mantendo - as fora do guarda chuva das regras a que

todos os sujeitos de direito estão submetidos.

A proteção dos Direitos Humanos deve ser analisada de modo a ponderar

os interesses do conjunto dos envolvidos, bem como, os direitos individuais18. No

caso da Organização Mundial do Comércio – OMC, os interesses das empresas em

protegerem de livre comércio ou de propriedade como por exemplo, no caso das

patentes, podem colidir com os dos indivíduos que precisam ver satisfeitas suas

necessidades na área da saúde, assim como, com os dos Estados que devem ao

cidadão a disponibilização de medicamentos a preços acessíveis. No entanto, a

ponderação de tais princípios, baseada no que o Professor Leader chama de

fundamentação funcional, acaba por restringir os direitos dos indivíduos,

considerada a funcionalidade das regras econômicas originadas nas

correspondentes instituições governamentais que, via de regra, enxergam, tão

somente, o vetor do interesse econômico.

O impacto do globalização sobre o Direito gerando uma multiplicidade de

fontes , atores e normas, gera o que Arnoud denomina de policentricidade,

“significando a existência de lugares múltiplos de produção e regulação jurídica”19.

A policentricidade combate a ideia de que todo o direito emana do Estado e que

este é o único produtor legítimo de normas jurídicas. Normas são geradas a partir

de variadas fontes, diversos sujeitos e objetos, sejam elas de natureza pública ou

17 LEADER, Sheldon. Two Ways of Linking Economic Activities to Human Rights. UNESCO. Published by Blackwell Publishing Ltda. 2005. pp. 542 18 LEADER, Sheldon .Forthcoming in R. Godin, et al eds. The Oxford Handbook on Public Accountability. 2013. pp. 5 19 ARNOUD, Andre-Jean. Governar sem Fronteiras: entre globalização e pós-globalização crítica da razão juridical. Ed Lumen Jures. 2007. pp. 146

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privada. O papel do Estado é redefinido neste cenário, bem como o dos cidadãos,

empresas e sociedade civil organizada. Delmas - Marty20, enxerga neste cenário

uma desregulamentação que longe de “ reduzir o papel do Direito marca apenas a

aparição de um novo processo de encadeamento de normas, fundado na

fragilidade do princípio hierárquico. No entanto, o refluxo do Estado, em benefício

do mercado sem fronteiras, que faz do instrumento contratual o seu pilar, trás o

risco de restar configurado o “totalitarismo do mercado”, com a prevalência dos

interesses apenas de uma das partes envolvidas, as empresas.

“Em suma , longe de reduzir o papel cabível ao direito, a desregulamentação

marca apenas a aparição de um novo processo de encadeamento das normas

fundado na fragilidade do princípio hierárquico. (…) no qual parece ser o contrato

o verdadeiro pilar, com o risco disto se tornar um “totalitarismo de mercado”21.

No âmbito do que denomina-se de contratos, poder-se-ia englobar os

Acordos Regionais entre Estados, Multilaterais, trilaterais entre fontes

financiadoras internacionais , Estado e empresa, Acordos Coletivos de Trabalho,

Acordos de Investimentos entre países, Acordos entre Estado e Investidor e

normas de conduta sobre RSC das empresas e Organizações Internacionais. Estes

seriam alguns exemplos desse conjunto de novas regulações, cuja legitimidade

deve estar ancorada na fundamentação cívica, a que se refere o professor Sheldon,

sob o risco do totalitarismo de mercado com sérios prejuízos para o planeta, como

visto na última crise financeira de 2008.

Considerada a forte tendência de incremento nos Investimentos

Internacionais e a inexistência de regulação multilateral sobre o tema, assumem os

contratos e acordos de investimentos papel preponderante na regulação da vida

das empresas e dos seus impactos sobre o planeta.

20 DELMAS MARTY, Mireille. Três Desafios para um Direito Mundial. Ed Lumen Juris.2003. pp. 79 21 DELMAS MARTY, 2003. pp.79

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Pode-se dizer que o GATS – Acordo Geral sobre Comércio de Serviços, em

negociação no âmbito da OMC22, é um acordo multilateral que trata do tema, mas

de forma ainda tentativa e indireta. Já os Guiding Principles on Business and

Human Rights da ONU23 são o resultado de enorme esforço para atribuir as

corporações transnacionais responsabilidade quanto a promoção , prevenção e

remédios quando da violação de Direitos Humanos, consequência de suas

atividades econômicas, encontrando-se este corpo de normas em fase de

formação de opiniu iures.

Observa-se, que na esteira do amadurecimento da sociedade civil

organizada e das amplas discussões no âmbito da ONU sobre regras obrigatórias

de responsabilização das empresas por violações de direitos humanos, os Acordos

sobre Investimentos e/ou de Comércio, vem incluindo novas cláusulas e alterando

aquelas típicas de um momento anterior, em que os interesses econômicos eram o

foco exclusivo.

A cláusula de estabilização é um exemplo de sopesamento entre direitos civis

e expectativas de retorno dos investimentos, que aponta, claramente, para a

priorização dos últimos. Ela dispõe que durante a vigência do Acordo, qualquer

alteração na regulamentação doméstica que represente um obstáculo à

continuidade do investimento ou as expectativas de retorno, mesmo que refira-se

à adoção de regras trabalhistas mais justas, por exemplo, não incidirá sobre o

Acordo ou Contrato de Investimento correspondente.24

A inserção de cláusulas sócio-ambientais e também a exclusão das cláusulas

chamadas de “estabilização”, que não permitem a adoção de regras de direitos

humanos e ambientais ratificadas posteriormente à assinatura dos acordos25,

veem na satisfação do indivíduo e na promoção da riqueza um processo contínuo e

22 General Agreement on Trade and Services - http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/26-gats.pdf 23 http://www.business-humanrights.org/media/documents/ruggie/ruggie-guiding-principles-21-mar-2011.pdf 24 LEADER, Sheldon. Two Ways of Linking Economic Activities to Human Rights. pp.543 25LEADER, Sheldon, Human Rights, Risks, and New Strategies for Global Investment. JIEL 2006 9

(657). Oxford University Press. 2006 pp. 32,33.

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natural de mútuo reconhecimento de interesses que devem convergir em uma

eticidade sistêmica26. O Professor Leader apresenta importante contribuição para

a desconstrução de princípios contratuais condizentes com ambiente de negócios

em cenário de reduzido poder de barganha dos países em desenvolvimento,

diversamente do que se observa hoje. O autor, nas quatro

cláusulas/compromissos que estabelece, veda expressamente os signatários,

investidor e Estado hóspede, de criarem, via o referido instrumento legal, mundo

jurídico a parte e isolado do vigente na sociedade. Através dos quatro

compromissos que estabelece, faz incidir sobre o contrato regras de proteção ao

indivíduo e a comunidade, recém outorgadas.

26 “(1)A commitment on the ' economic advantage' element of stabilization clauses: The Consortium

will not seek compensation under clause [insert here the numbers of the 'preservation of economic

advantage' clauses in the various agreements] or other similar provisions of Investment Contract

in such a manner as to preclude any action or inaction by the relevant Host Government that is

reasonably required to fulfill the obligations of that Host Government under any international

treaty on human rights, labor or health, safety, or environmental protection in force in he relevant

Host State from time to time to which such Host State is then a party.

(2)A commitment on proceedings in arbitration and in domestic courts: The Consortium will not

assert or advance, in any claim against, demand to, or dispute with a Host Government or another

party, or in any legal action or proceeding, an interpretation of the Investment Contract that is

inconsistent with regulation by the relevant Host Government of the human rights or health,

safety and environmental aspects of the Project in its territory in a manner (1) reasonably required by international labor and human rights treaties to which the relevant Host Government is a party

from time to time, and (2) otherwise as required in the public interest in accordance with domestic

law in the relevant Project State from time to time.

(3)A commitment not to exclude jurisdiction of domestic courts:The Consortium undertakes not to

use its powers under the Investment Contract to exclude the jurisdiction of Host State courts in cases

brought by individuals; communities; regulatory authorities; and other entities with requisite

standing when claims before the domestic courts are made in relation to the alleged health, safety,

environmental, or human rights impacts of the project.

(4)A commitment on effective remedies: The Consortium undertakes not to interpret or use the

Investment Contract in such a manner as to limit the ability of persons or entities to seek effective

remedies available under domestic law with respect to the project's health, safety, environmental, or human rights impacts. This includes domes- tic law in force at the time of the alleged harm; project

standards as defined and referenced by the Investment Contract; as well as standards derived from

applicable international law. The Consortium recognizes that appropriate authorities are entitled to

grant remedies which are effective in dealing with the risk or occurrence of damage to persons,

property, or the environment. This shall include remedies, which can affect the construction or

operation of the project if appropriate.

(5)A commitment to recognize the obligation of host states to work towards the 'progressive

realization' of certain human rights: The Consortium will not use its powers under the Investment

Contract to bring a claim to international arbitration, or before a domestic court of a host state or

demand compensation from the host state, when such a claim would be inconsistent with the

international legal obligations of the state to and work progressively towards the full realization of

human rights as expressed in the human rights, health, safety and environmental obligations assumed by or otherwise applicable to the state from time to time under international law.”26

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A relação entre Estado e investidor, conta com um terceiro componente: a

sociedade.27 A legitimidade dos Acordos e Contratos de Investimento repousa na

satisfação dos interesses dos que incorrem nas vantagens e riscos, tanto

financeiros ou à saúde, consequência do empreendimento. Esses são os

stakeholders acionistas, proprietários, empregados, indivíduos e comunidade

impactada (Leader, 2013).

O Caso Compañía de Aguas del Aconquija S.A. (CAA) / Vivendi Universal S.A

e República Argentina em nome da Província de Tucumán28 remonta a decisão do

Tribunal do Corte ICSID - Convention on the Settlement of Investment Disputes

between States and other Nationals of Other States, a respeito da aplicação da

Cláusula de Boa Fé e Equidade e de Expropriação constante de Acordo Bilateral de

Investimentos entre empresa francesa e estado Argentino. O caso diz respeito a

problemas que se originaram a partir da relação estabelecida entre as partes acima

especificadas, decorrente de contrato de concessão de prestação de serviço de

distribuição de água, ou seja, um Direito Humano.

O serviço de distribuição de águas foi submetido a um procedimento de

concessão realizado pelo governo argentino da Província de Tucumán. A empresa

que ganhou a concessão foi a Compañía de Aguas del Aconquija S.A. (CAA). Esta,

por sua vez, celebrou um contrato com a empresa francesa Vivendi Universal S.A

(antiga Compagnie Générale des Eaux - CGE) para a prestação do serviço.

Para a demandante Vivendi as autoridades de Tucumán teriam negado

tratamento justo e equitativo ao investidor ferindo o Acordo Bilateral de

Investimento firmado entre a empresa francesa e o Estado Argentino. Além disso,

as autoridades de Tucumán teriam usado de seu poder para impor mudanças nas

tarifas, violando os termos do contrato de concessão e gerando custos adicionais e

27 LEADER, Sheldon, Human Rights, Risks, and New Strategies for Global Investment, pp. 6 e 7. 28 Todas as informações (caso, argumentos e fatos) referentes ao caso em questão foram retiradas do

laudo arbitral – Case No.ARB/97/3 disponível em,

https://icsid.worldbank.org/ICSID/FrontServlet?requestType=GenCaseDtlsRH&actionVal=ListConcluded

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imprevistos aos demandantes.

Alegaram também que as autoridades da Província ao se utilizarem da

mídia para incitar a hostilidade da população contra as concessionárias

estrangeiras, incentivando os consumidores ao boicote no pagamento das contas,

provocaram prejuízos ao investidor restando destruído o valor econômico do

contrato de concessão.

A República Argentina afirma que a primeira medida da CAA no momento

que assumiu a prestação do serviço teria sido a elevação das tarifas em 100%, sem

quaisquer avisos a população , fornecendo água de qualidade duvidosa, turva e

não potável, ao longo de muitas semanas. O não pagamento das contas pela

população teria sido uma consequência inevitável.

Abandonado o contrato pela concessionária francesa, não teria restado

outro caminho para Província a não ser assumir a prestação do serviço e garantir o

fornecimento de água potável para a população, segundo a posição do governo

argentino. Longe de constituir uma desapropriação injusta e desigual, Tucumán

apenas teria agido em prol do interesse público.

Em sua decisão sobre o caso, o Tribunal do ICSID julgou, contrariando os

interesses do Estado argentino, em favor da empresa. As medidas administrativas

do governo argentino em resposta a elevação da tarifa e ao fornecimento de água

de má qualidade, teriam ferido a cláusula FET , na medida em que o judiciário de

Tucuman não apreciou as petições da empresa investidora requerendo a

salvaguarda de seus interesses expressos na tarifa aplicada. Ainda que

demonstrada a falta da qualidade na provisão dos serviços pela investidora, o

governo argentino foi demandado pelo Tribunal ICSID a indenizar a empresa

francesa por expropriação, contemplado na indenização montante referente aos

lucros cessantes.

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III.2 – Cláusulas de Proteção aos Direitos Humanos e Meio Ambiente:

Visando evitar conflitos e contenciosos como o do caso acima apresentado,

o Acordo de Investimentos negociado entre os países da COMESA – Comonn

Market for Easthern and Southern Africa29, estabeleceu em seu art.10 que

medidas de boa-fé adotadas pelos Estados integrantes do Mercado Comum que

sejam parte de políticas públicas de proteção a saúde , meio ambiente e segurança

não devem ser consideradas como de expropriação, ainda que causem impacto

sobre as atividades econômicas da empresa, não significando violação do Acordo.

Também o Tratado de Livre Comércio assinado entre México, El Salvador,

Honduras, Nicarágua e Costa Rica30, dispõe no capítulo sobre investimentos, que

nada impede um dos Estados signatários adotar medida que considere apropriada

para garantir que os investimentos em seu território não acarretem em prejuízos

ao meio ambiente .

O Acordo vai mais além, ao reconhecer como inadequada a flexibilização de

regras relativas a saúde, segurança e meio ambiente como estratégia para atração

de investimentos, reduzindo obrigações das empresas nesses campos ou

oferecendo benefícios especiais aos investidores em detrimento de prejuízos para

a comunidade31.

29 COMESA - Common Market for Eastern and Southern Africa Investment Agreement. Disponível em , http://vi.unctad.org/files/wksp/iiawksp08/docs/wednesday/Exercise%20Materials/invagreecomesa.pdf Art 10: 8.Consistent with the right of states to regulate and the customary international law principles on

police powers, bona fide regulatory measures taken by a Member State that are designed and

applied to protect or enhance legitimate public welfare objectives, such as public health, safety and

the environment, shall not constitute an indirect expropriation under this Article. 30 Tratado de Livre Comércio entre México, Guatemala , Honduras, Costa Rica, El Salvador e

Nicarágua. Disponível em ,

http://www.sice.oas.org/Trade/CACM_MEX_FTA/Index_s.asp 31 Medidas Relativas al Ambiente: 1. Nada de lo establecido en este Capítulo se interpretará como

impedimento para que una Parte adopte, mantenga o haga cumplir cualquier medida, por lo demás

compatible con este Capítulo, que considere apropiada para garantizar que las actividades de

inversión en su territorio se efectúen tomando en cuenta inquietudes en materia ambiental.

2. Las Partes reconocen que es inadecuado alentar la inversión por medio de la atenuación de las

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A Southern African Development - SADC sugere, em estudo de 201232

dedicado a Cláusulas de Acordos de Investimento33, novo texto para a Cláusula de

Boa Fé e Equidade – FET (Fair and Equitable clause), tendo em vista a

imprevisibilidade na interpretação das mesmas pelos tribunais arbitrais. O novo

texto, preocupa-se em confirmar o respeito aos princípios da ampla defesa e da

publicidade como direitos invioláveis do investidor, assim como, os do Estado de

legislar sobre o impacto social e ambiental das atividades econômicas. Ou seja, a

alternativa proposta não pondera expectativas econômicas dos investidores com a

proteção de interesses coletivos, prioriza diretamente os últimos criando

procedimentos obrigatórios públicos e transparentes, com vistas a salvaguardar os

interesses dos primeiros.

Gradativamente o desenvolvimento sustentável vem sendo abraçado como

um princípio de Direito Internacional que deve se irradiar pelos arcabouços legais

domésticos e também sobre o Direito Internacional Privado. Os Acordos Bilaterais

de Investimento vem sofisticando suas cláusulas de proteção aos direitos do

investidor na mesma medida em que os princípios de direitos humanos estão cada medidas internas aplicables a la salud, seguridad o relativas al medio ambiente. En consecuencia,

ninguna Parte eliminará o se comprometerá a eximir de la aplicación de esas medidas a la inversión de un inversionista, como medio para inducir el establecimiento, la adquisición, la expansión o

conservación de la inversión en su territorio. Si una Parte estima que la otra Parte ha alentado una

inversión de esa forma, podrá solicitar consultas con esa Parte. 32 Southern African Development Community – SADC Model Bilateral Investment Treaty Template http://www.iisd.org/itn/wp-content/uploads/2012/10/SADC-Model-BIT-Template-Final.pdf 33 Article 5 : Fair Administrative Treatment 5.1 The State Parties shall ensure that their administrative, legislative, and judicial processes do not operate in a manner that is arbitrary or that denies administrative and procedural [justice][due process] to investors of the other State Party or their investments [taking into consideration the level of development of the State Party]. 5.2. Investors or their Investments, as required by the circumstances, shall be notified in a timely manner of administrative or judicial proceedings directly affecting the Investment(s), unless, due to exceptional circumstances, such notice is contrary to domestic law. 5.3. Administrative decision-making processes shall include the right of [administrative review] [appeal] of decisions, commensurate with the level of development and available resources at the disposal of State Parties. 5.4. The Investor or Investment shall have access to government-held information in a timely fashion and in accordance with domestic law, and subject to the limitations on access to information under the applicable domestic law. 5.5. State Parties will progressively strive to improve the transparency, efficiency, independence and

accountability of their legislative, regulatory, administrative and judicial processes in accordance with their respective domestic laws and regulations.

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vez mais presentes. Os instrumentos legais, acordos e contratos de investimento

espelham a maior participação da sociedade civil, empregados, habitantes das

cidades, comunidades indígenas e grupos que sofrem os impactos positivos e

negativos da presença das empresas, enquanto stakeholders cuja participação é

necessária e natural.

Nesse sentido os Acordos Bilaterais de Investimentos e os regionais de Livre

Comércio vem apontando para maiores avanços na área dos investimentos. O

ambiente de negociação multilateral pressupõe jogo mais complexo de interesses

e procedimentos rigorosos para a aprovação das regras, como o single

undertaking, em que nada é aprovado enquanto tudo não tiver sido decido, no

caso da OMC. Isto vem resultando muitas vezes em longos prazos de negociação,

com destaque para a Rodada de Doha de negociações da OMC. Os foros regionais

vem demonstrando maior agilidade na negociação e aprovação de regras e

legitimação de princípios voltados para os Direitos Humanos e proteção ao meio

ambiente. No entanto, as Cortes Internacionais devem enfrentar maiores desafios,

quando regras multilaterais, regionais e contratuais, muitas vezes contraditórias

sobre um mesmo tema, devem ser ponderadas e consideradas na fundamentação

de decisões em contenciosos.

IV - Conclusões:

Como ressaltado, a internacionalização dos investimentos é um caminho sem

volta. Sequer as crises econômicas e financeiras mundiais tiveram a capacidade de

inibir o fluxo do capital internacional. Ao contrário, a crise econômica de 2008

acarretou em oportunidades para os países em desenvolvimento e em transição,

na medida em que estiveram mais imunes as suas causas, em razão de regras

menos liberais voltadas para o setor financeiro e preços elevados das commodities

no mercado internacional.

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No entanto, o foco dos investimentos dos países em desenvolvimento,

enquanto investidores e receptores de capital, no setor primário, é preocupante.

Além das conhecidas razões para privilegiar-se setores industriais com emprego de

maior tecnologia, os impactos ambiental e social inerentes as atividades de

extração de recursos naturais, tornam-se verdadeiro custo a ser contabilizado e

não externalidade.

Por isso a discussão sobre regras obrigatórias para as empresas

relativamente aos Direitos Humanos vem alcançando variados setores da

sociedade global atentos a magnitude dos grandes conglomerados e a capacidade

econômica e política para influenciarem os Estados em que se localizam.

Enquanto as normas de RSC encontram-se no campo do voluntarismo é

tempo de internalizá-las, de modo que se configure prática internacional

generalizada, com benefícios a serem colhidos pelos países mais pobres, que há

muito sofrem com a exploração desordenada de seus recursos naturais pelas

grandes empresas, muitas vezes, em parceria com os Estados.

A necessária ponderação dos princípios de Direitos Humanos quando da

assinatura dos acordos econômicos e comerciais e na negociação de contratos

entre agentes privados e/ou púbicos é solução que já vem ocorrendo, mesmo que

ainda timidamente e com pouco eficácia quanto a supervisão e monitoramento do

cumprimento das correspondentes cláusulas.

Longo caminho ainda deve ser trilhado relacionado com a reforma das

instituições governamentais de comércio, financeiras, bem como, Cortes de

Arbitragem e Tribunais Internacionais. Os Acordos Multilaterais vem sendo

substituídos pelos regionais, consagrando a tendência da regionalização das regras

e procedimentos e detrimento dos acordos multilaterais, esse é o desafio atual de

instituições como a OMC, por exemplo. O choque entre as regras multilaterais ,

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regionais e de direito privado é inevitável, exigindo outro nível de ponderação da

parte das Cortes Internacionais.

O paradigma da acumulação a qualquer custo já foi quebrado. No século XXI,

tem-se que pensá-lo em conjunto com o respeito aos direitos humanos. Esses

devem ser orientadores da postura empresarial. Caberá então aos tribunais e

cortes internacionais competentes o desafio de decidirem, incluindo as demandas

do conjunto dos stakeholders, cabendo ao legislador internacional a obrigação de

contemplar, na negociação dos acordos, a sociedade civil por meio de medidas

concretas de proteção aos direitos humanos e o desenvolvimento sustentável.

BIBLIOGRAFIA: Livros e Artigos: ARNOUD, Andre-Jean. Governar sem Fronteiras: entre globalização e pós-globalização crítica da razão juridical. Ed Lumen Jures. 2007 DELMAS MARTY, Mireille. Três Desafios para um Direito Mundial. Ed Lumen Juris.2003. LEADER, Sheldon. Forthcoming in R. Godin, et al eds. The Oxford Handbook on Public Accountability (OUP: 2013).

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