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TEXTO PARA DISCUSSÃO N. 1386ESTADO DE UMA NAÇÃO:TEXTOS DE APOIODEFESA DA CONCORRÊNCIANO BRASIL: ASPECTOSINSTITUCIONAIS, DESEMPENHORECENTE E PERSPECTIVASDE REFORMALucia Helena SalgadoBrasília, fevereiro de 2009

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  • TEXTO PARA DISCUSSO No 1386

    ESTADO DE UMA NAO: TEXTOS DE APOIO

    DEFESA DA CONCORRNCIA NO BRASIL: ASPECTOS INSTITUCIONAIS, DESEMPENHO RECENTE E PERSPECTIVAS DE REFORMA

    Lucia Helena Salgado

  • TEXTO PARA DISCUSSO No 1386

    ESTADO DE UMA NAO: TEXTOS DE APOIO

    DEFESA DA CONCORRNCIA NO BRASIL: ASPECTOS INSTITUCIONAIS, DESEMPENHO RECENTE E PERSPECTIVAS DE REFORMA*

    Lucia Helena Salgado**

    Produzido no programa de trabalho de 2008

    Braslia, fevereiro de 2009

    * Agradeo os valiosos comentrios de Csar Mattos, Eduardo Pedral Fiza, Luis Carlos Magalhes e a colaborao de Camila Pires Alves em investigao sobre o tema, que redundou em boa parte do levantamento de dados aqui apresentados. Os resultados daquela investigao sero publicados brevemente. Sou grata tambm assistncia de Michelle Moretzsohn e Eduardo Bizzo de Pinho Borges, bolsistas PNPD. Este trabalho, concludo com o exame do Substitutivo de autoria do Deputado Ciro Gomes, que altera a Lei no 8.884/1994, foi motivado por participao da autora na Comisso Especial da Cmara dos Deputados criada com o objetivo de examinar os projetos que visavam aperfeioar o desenho institucional e de mecanismos do chamado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrncia. Os erros e as omisses remanescentes so de minha exclusiva responsabilidade. ** Coordenadora de Estudos de Mercado e Regulao da Diretoria de Estudos Setoriais do Ipea/Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

  • Governo Federal

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    URL: http://www.ipea.gov.br

    Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

    ISSN 1415-4765 JEL K20, L40, N46

    TEXTO PARA DISCUSSO

    Publicao cujo objetivo divulgar resultados de

    estudos direta ou indiretamente desenvolvidos pelo

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    As opinies emitidas nesta publicao so de

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    Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estratgicos.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele

    contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para

    fins comerciais so proibidas.

    Este trabalho foi realizado no mbito do Convnio

    com a Comisso Econmica para a Amrica Latina e o

    Caribe (Cepal).

  • SUMRIO

    SINOPSE

    1 INTRODUO 7

    2 LEGISLAO ANTITRUSTE E ECONOMIA DE MERCADO 9

    3 O EXERCCIO DA FUNO PREVENTIVA 10

    4 O EXERCCIO DA FUNO REPRESSIVA 11

    5 AVALIAO DO DESEMPENHO DA DEFESA DA CONCORRNCIA NO BRASIL 12

    6 OPORTUNIDADE HISTRICA DE AVANO INSTITUCIONAL 17

    7 CONCLUSES 21

    REFERNCIAS 26

  • SINOPSE

    O objetivo do trabalho analisar a defesa da concorrncia no Brasil aps doze anos de aplicao da Lei no 8.884/1994, que efetivamente a inaugurou. Para isso, inicia-se com uma abordagem histrica, expondo as principais premissas que norteiam o exerccio dessa poltica pblica. Busca-se identificar, utilizando dados do Conselho Administrativo de Defesa Econmica (Cade) como as condenaes por setor econmico e decises em atos de concentrao e processos administrativos , os principais obstculos ao exerccio eficaz da defesa da concorrncia. Por fim, ressaltado o momento oportuno de reviso do marco regulatrio e explanados os principais pontos do Substitutivo ao Projeto de Lei no 3.937/2004 com essa finalidade.

    ABSTRACT

    The essay intends to analyze the competition policy in Brazil after twelve years of the Law n. 8.884/1994, which has effectively inaugurated it. Thus, it initiates with a historical approach, exposing the principal premises that guide this public policy exercise. Utilizing data from the Administrative Council for Economic Defense (Cade), such as condemnations per economic sector and decisions regarding merger and administrative proceedings, attempts to identify the principal obstacles to the effective competition exercise. Finally, is emphasized the convenient moment to review the regulatory framework and expounded the principal points of the Project of Law n. 3.937/2004, with this purpose.

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    1 INTRODUO

    1.1 DEFESA DA CONCORRNCIA EM PERSPECTIVA HISTRICA

    A defesa da concorrncia no Brasil encontra-se em momento de importncia histrica, uma vez que h cerca de uma dcada trava-se discusso e constri-se um consenso em torno da necessidade de aperfeioamento do marco regulatrio que a constitui e, finalmente, em 2007 houve iniciativa do governo federal de incluir no Programa de Acelerao de Crescimento (PAC) projetos de lei visando criar um ambiente de estmulo ao investimento privado. Os dois projetos de lei existentes, o PL no 5.877/2005 de iniciativa do executivo e o PL no 3.937/2004 de autoria do deputado Carlos Eduardo Cadoca, visando ao aperfeioamento do aparato institucional da defesa da concorrncia no Brasil, foram apensados, e a comisso especial foi constituda para produzir uma proposta unificada.

    Aps um brevssimo histrico da defesa da concorrncia no Brasil e da apresentao dos principais aspectos conceituais e tcnicos que conformam o exerccio dessa poltica pblica, ser feito neste trabalho um diagnstico dos resultados de doze anos de aplicao da Lei no 8.884/1994, uma avaliao dos principais pontos a merecer aperfeioamento e uma anlise do Substitutivo resultante do trabalho da comisso especial da cmara de deputados, de relatoria do deputado Ciro Gomes.

    As origens da defesa da concorrncia, ou antitruste, em sua denominao original, encontram-se no anseio da sociedade norte-americana de preservar os fundamentos da democracia as liberdades individuais e econmicas. O senador John Sherman, no discurso de defesa do seu projeto de lei, em 1889, mencionava a preocupao com a concentrao do poder econmico que se evidenciava no fim de sculo XIX, com a constituio de grandes corporaes, chamadas trustes poca que poderia colocar em risco o equilbrio de poderes e a prpria essncia da democracia representativa, discurso que soa atual at os dias de hoje.

    Pouco a pouco, todas as economias de mercado adotaram legislaes a exemplo da original norte-americana, marcos regulatrios que tm a funo de proteger seus fundamentos. Nesse processo, houve duas ondas de expanso do antitruste pelo mundo: no imediato ps-guerra, durante a reconstruo europia e a formao do mercado comum, e aps a queda do muro de Berlim, que possibilitou a adeso dos pases do leste europeu economia de mercado e democracia e, paralelamente, as reformas liberais nos pases da Amrica Latina, das quais tomou parte a adoo de legislao antitruste (SALGADO, 1999).

    No Brasil, a preocupao com o abuso do poder econmico antiga, j estava presente durante o Estado Novo, pois desde essa poca contava com um apaixonado defensor, Agamenon Magalhes, autor de todas as iniciativas legislativas na matria, dos decretos-lei do tempo de Vargas, incluso, na Constituio de 1946 em que atuou como deputado constituinte da previso legal para a represso ao abuso do poder econmico, em termos que replicavam o art. 1o da Lei Sherman norte-americana. O projeto de lei que deveria regulamentar o dispositivo constitucional foi apresentado pelo deputado Agamenon Magalhes e tramitou por dezesseis anos no congresso, at ser promulgada a primeira lei antitruste brasileira, em 1962, a Lei no

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    4.137 (SALGADO, 1997). A lei criou o Conselho Administrativo de Defesa Econmica (Cade) como um tribunal administrativo inspirado no desenho norte-americano de agncias, em particular da Federal trade commission, sua congnere naquele pas.

    A eficcia da Lei no 4.137/1962 foi rigorosamente nula. Em trs dcadas de vigncia (de 1962 a 1991), houve 117 casos que redundaram em condenaes de prticas restritivas da concorrncia, todas anuladas por decises judiciais. A principal fragilidade da defesa da concorrncia ao longo desse perodo era sua incompatibilidade, como instrumento de defesa do livre mercado, com um ambiente de economia comandada pelo estado. Enquanto sucessivos governos, entre 1968 e 1989,1 comandavam verdadeiros cartis, por meio dos mecanismos de controles de preos, alm do direcionamento de investimentos e de produo por meio de instrumentos de poltica industrial e da proteo contra a concorrncia internacional imposta por instrumentos de poltica comercial, o Cade cuidou, em seus 30 primeiros anos de vida, de 117 processos que resultaram em condenao, todas derrubadas por decises judiciais (Id., 1999).

    Um novo ambiente institucional foi criado pela Constituio de 1988, que elevou a livre concorrncia e a proteo ao consumidor a princpios da ordem econmica,21assim como reescreveu o artigo da Constituio democrtica de 1946, determinando que a lei reprimir o abuso do poder econmico que objetive o domnio dos mercados, a eliminao da concorrncia e o aumento arbitrrio dos lucros.3

    No bojo das reformas liberalizantes do governo Collor, procurou-se dar nova dimenso poltica de concorrncia, partindo-se do diagnstico de inoperncia do Cade e da necessidade de trazer, para a esfera de governo, a conduo da poltica de defesa da concorrncia, sobretudo porque, naquele momento, entendia-se necessrio conferir ao governo instrumentos para atuar contra eventual exerccio abusivo de poder de mercado em substituio mal fadada poltica de controle de preos. No mbito dessas reformas, foi ento instituda a Secretaria Nacional de Direito Econmico (SNDE), posteriormente Secretaria de Direito Econmico (SDE) e editada medida provisria, posteriormente transformada na Lei no 8.158/1991, definindo os procedimentos para a atuao da nova autoridade de defesa da concorrncia e transferncias de parte das competncias e ativos do Cade para a SDE.

    Tal experincia no logrou xito, mas nova oportunidade histrica para o efetivo estabelecimento de uma poltica de defesa da concorrncia surgiu com as reformas do governo Itamar, que culminaram na edio do Plano Real, em 1o de julho de 1994. Aps rpida tramitao, foi promulgada lei a partir de anteprojeto de autoria do poder executivo, transformando o Cade em autarquia, conferindo mandato a seus membros, instituindo uma procuradoria para a defesa das decises do Cade no judicirio, alm de instrumentos para exerccio efetivo da defesa da concorrncia, como a previso de notificao para aprovao pela autoridade de operaes 1. O que abrange no apenas o regime autoritrio como tambm a nova Repblica, visto que a poltica estrita de controle de preos foi mantida at a primeira eleio direta para presidente da Repblica. 2. Art. 170, cap. IV, Da ordem econmica. 3 . Art. 143, 4o da Constituio Federal.

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    redundando em concentrao econmica, o instituto da medida preventiva e do compromisso de cessao de prtica e o estabelecimento de punies rigorosas no caso de descumprimento da lei.4 A partir de ento, pode-se de fato falar em defesa da concorrncia no Brasil.

    2 LEGISLAO ANTITRUSTE E ECONOMIA DE MERCADO

    Economias de mercado caracterizam-se por um conflito entre legtima busca de lucro por parte dos agentes econmicos, visando posio de dominncia ou monoplio, e concorrncia, que sustenta e contradiz essa mesma dinmica. A concorrncia um bem pblico e um mal, se vista da tica privada, de onde a necessidade de tutela do estado em sua defesa, a menos em situaes ideais em que os mercados funcionam perfeitamente e a compatibilidade entre interesses pblicos e privados faz-se de forma natural, sem a interferncia do poder pblico. No mundo real, como os mercados afastam-se do modelo de concorrncia perfeita, a defesa da concorrncia, como poltica pblica, faz-se necessria a fim de garantir interesses difusos.

    Uma poltica de defesa da concorrncia bem desenhada dispe de instrumentos que geram incentivos para que os agentes que se movem por comportamento estratgico escolham como melhor forma de suplantar a concorrncia aquela que tambm atende aos objetivos da coletividade. Suplantar a concorrncia, objetivo legtimo de todo agente econmico, tarefa que se depara com dois modos alternativos: o modo virtuoso, por levar tambm ao aumento do bem-estar da coletividade, como investimentos em tecnologia e pesquisa, novos produtos e servios, reduo de custos, racionalizao de uso de insumos e barateamento de preos, melhoria da qualidade de bens e servios; e o modo vicioso, por gerar perdas de bem-estar, como conluio entre concorrentes para elevao de preos e de reduo da produo, criao de dificuldades para concorrentes e entrantes no mercado e outras formas de prticas restritivas. Gerar incentivos para estimular a escolha pelo modo virtuoso de disputa no mercado, dissuadindo condutas geradoras de perdas de bem-estar, o objetivo do desenho adequado de polticas de concorrncia.

    Autoridades antitrustes tm a seu encargo duas funes principais: a funo preventiva, representada pelo controle de estruturas a anlise de operaes de fuso aquisio ou alianas estratgicas entre empresas que levem ao aumento da concentrao econmica e, portanto, a gerao ou o reforo de posies de domnio de mercado ; e a funo repressiva, o controle de condutas, que significa a deteco e a punio do abuso de posio dominante, exercido de forma individual ou coletiva.5

    A estas duas funes clssicas pode-se adicionar a funo educativa, de formao e aperfeioamento de uma cultura de respeito e fomento concorrncia, por meio de manifestaes, opinies, pareceres emitidos, sobretudo diante de outras polticas pblicas que eventualmente tendam a entrar em conflito com a defesa da concorrncia, como na rea regulatria, de defesa comercial ou de polticas setoriais especficas.

    4. Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994. 5 . No Brasil, o exerccio dessas funes encontra-se representado, respectivamente, pela aplicao sistemtica dos arts. 54 e 21 da Lei no 8.884/1994.

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    3 O EXERCCIO DA FUNO PREVENTIVA

    No se prev a necessidade de submisso anlise de autoridades antitruste de fuses, aquisies ou acordos entre concorrentes por discricionariedade, e sim porque as falhas de mercado, que no mundo real afastam os mercados das condies de concorrncia perfeita, geram condies e incentivos para a adoo, por parte de agentes que detm poder de mercado, de prticas lesivas concorrncia. A concentrao econmica propicia condies para a ocorrncia de comportamento abusivo, gerando prejuzos ao consumidor. So duas essas fontes de prejuzo: efeitos coordenados (gerados por comportamentos colusivos) e efeitos unilaterais (gerados por abuso de posio dominante). A ocorrncia de tais efeitos depende de condies estruturais: para efeitos coordenados, a presena de elevadas barreiras entrada em mercados de produtos homogneos com alta concentrao; e para efeitos unilaterais, a eliminao da competio direta entre firmas, competio que disciplina mutuamente polticas de preos, inexistncia de sinergias e de outros participantes ou entrantes potenciais capazes de disciplinar condutas de preos. So tais efeitos que a autoridade antitruste pretende evitar atuando preventivamente.

    Contudo, empiricamente verifica-se que a grande maioria das operaes so motivadas pelo acirramento da competio, por vezes em escala global, e visam reduzir custos, aumentar eficincia, aproveitar novas oportunidades de lucros, ou seja, so legtimas expresses da livre iniciativa. O comportamento abusivo no o objetivo da maioria das operaes de concentrao econmica de onde h necessidade de discriminar legtima busca de eficincia econmica da busca de poder econmico. Separar o joio do trigo a complexa tarefa da autoridade antitruste no exerccio da funo preventiva.

    A metodologia de anlise de atos de concentrao consagrada internacionalmente, consiste em seis passos:

    1. Definio do mercado relevante;

    2. Identificao dos participantes no mercado;

    3. Clculo da concentrao no mercado;

    4. Anlise das condies de entrada;

    5. Avaliao da possibilidade de ocorrncia de efeitos anticompetitivos; e

    6. Exame da ocorrncia de eficincias compensadoras de danos concorrncia.

    Existem trs categorias de operaes-atos de concentrao:

    1. Os que no afetam estruturalmente mercados, gerando maior concentrao econmica;

    2. Os que geram efeitos negativos sobre a concorrncia que podem ser afastados ou neutralizados por medidas adotadas compensatrias; e

    3. Os que afetam de forma to negativa a estrutura de mercado, gerando incentivos e condies para prticas restritivas que, para proteger a concorrncia, devem ser bloqueados.

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    Correspondem a estas trs categorias de atos trs tipos de deciso, que no Brasil assumem a forma de aprovao sem restrio, aprovao sob condies sujeitas ao cumprimento de compromisso de desempenho ou desfazimento parcial da operao (venda de ativos especficos ou reviso de clusulas contratuais) ou desaprovao. H ainda outro recorte complementar entre atos de concentrao: concentraes horizontais, envolvendo concorrentes em um mesmo mercado; e integraes verticais, reunindo diferentes elos de uma cadeia, entre produo e distribuio ao varejo.

    4 O EXERCCIO DA FUNO REPRESSIVA

    No exerccio da funo repressiva, ou controle de condutas, por sua vez, a autoridade antitruste, da perspectiva econmica, pondera trs aspectos: i) a existncia de racionalidade na conduta denunciada ou cujos indcios so identificados; ii) os efeitos sobre o mercado consumidor; e iii) a gerao de eficincias, compartilhveis com os consumidores, a partir da adoo da conduta em questo. O tratamento de condutas especficas varia conforme a tradio jurdica de cada pas; contrastam, em particular, o tratamento de ilcito per se conferido nos Estados Unidos a condutas tpicas de cartel ou determinadas imposies de restries verticais, como fixao do preo de venda no varejo com o tratamento conferido a todas as prticas de acordo com a regra da razoabilidade pela Unio Europia e pelo Brasil.

    A regra da razoabilidade implica analisar economicamente os aspectos mencionados anteriormente racionalidade e efeitos das condutas , que so freqentemente ambguos quando se est, por exemplo, diante de restries verticais, como contratos de exclusividade, vendas em pacotes, restries territoriais e discriminao de preos. Muitas vezes necessria uma anlise tcnica cautelosa a fim de verificar os efeitos lquidos de perdas e ganhos para o mercado. Restries verticais como as mencionadas, por um lado, podem ser respostas eficientes diante de imperfeies de mercado e, de outro, podem reduzir ou dificultar a concorrncia.

    Prticas de cartel, em contraste, no apresentam benefcios para a sociedade. Para as autoridades trata-se apenas de identificar a ocorrncia do ilcito, determinar sua cessao e puni-la. Mesmo nessas condies, a anlise econmica faz-se necessria, uma vez que convergncias de condutas entre concorrentes, motivadas pelas condies de concentrao, e adoo de conduta estratgica, podem ser indevidamente confundidas com prticas de cartel, em uma anlise apressada.

    Existe ainda um conjunto de condutas, denominadas predatrias, que vm ganhando ateno na anlise econmica e na jurisprudncia internacional, na Europa e nas Amricas. So exemplos de preos predatrios, adotados, sobretudo, por empresas que operam em diferentes mercados relevantes geogrficos, por meio de mecanismos de discriminao de preos; expanso do portflio de marcas, bloqueando a entrada em nichos de mercado por parte de concorrentes efetivos ou potenciais e seu acesso a canais de distribuio; e elevao de custos dos rivais, por meio, por exemplo, de contratos de exclusividade na distribuio.

    No contexto brasileiro, caso identificada a prtica abusiva, determinada sua cessao seguida da adoo de punies administrativas como cerceamento de crditos de instituies bancrias federais, proibio de parcelamento de dbitos fiscais e participao em licitaes pblicas, bem como dada cincia ao Ministrio Pblico, para que encaminhe na esfera criminal o tratamento do ilcito. H ainda a

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    possibilidade, no curso do processo, de adoo de medida preventiva, equivalente a uma deciso liminar antes do exame do mrito e a proposio de um compromisso de cessao de prtica.

    Em casos de conduta concertada, h a possibilidade de acordo de lenincia, proporcionando tratamento diferenciado, como reduo de pena, a membros de um cartel que decidam colaborar com a investigao, estimulando, portanto, a defeco. Finalmente, o mais importante mecanismo dissuasrio consiste na aplicao de multas administrativas, que variam de 1% a 30% do faturamento. O conjunto dessas medidas parece atender ao objetivo principal da funo repressiva, que desestimular futuras prticas, aumentando para o agente econmico o custo associado sua adoo, em seu clculo estratgico.

    A tipificao de condutas pela lei brasileira atende a critrios econmicos e, a despeito da redao obsoleta de alguns tipos, como aambarcamento de mercadorias e destruio de lavouras,6 so perfeitamente redutveis a tipos econmicos modernos, com os quais se pode utilizar tcnicas contemporneas de anlise (SALGADO; ALVES, 2007), so elas:

    1. Cartel, coluso ou coordenao;

    2. Imposio de barreiras estratgicas ou predao; e

    3. Restries verticais.

    5 AVALIAO DO DESEMPENHO DA DEFESA DA CONCORRNCIA NO BRASIL

    A promulgao da Lei no 8.884 de 11 de junho de 1994 inaugurou de fato, aps inmeras tentativas mal-sucedidas, a defesa da concorrncia no Brasil. A nova lei de defesa da concorrncia (anteriormente citada) estabeleceu medidas importantes para garantir o bom funcionamento do mercado, como o compromisso de cessao de prtica, e fortaleceu o instituto da medida preventiva. A grande virtude desses instrumentos, em particular da medida preventiva, que funciona como uma espcie de liminar ou mandato de segurana concedido por um juiz, a de permitir uma rpida interveno para recuperar as condies de normalidade dos mercados, sem que seja necessrio aguardar a concluso dos processos, que demandam usualmente, por fora das exigncias da legalidade, vrios anos.

    Com a lei de defesa da concorrncia, deu-se incio ao processo de criao de autoridades independentes de acordo com o desenho de agncias, transformando o Cade em autarquia e conferindo mandato a seus membros.7 Posteriormente, com as emendas constitucionais que abriram caminho para a privatizao de servios pblicos, foram criadas as agncias regulatrias, que vieram a consolidar essa nova forma de atuao do estado, por meio de organismos tcnicos e desenhados de forma a reduzir o espao de influncia de interesses econmicos e polticos na regulao dos mercados (SALGADO, 2004). 6. Note-se que a atual tipificao replica aquela encontrada na antiga Lei no 4.137/1962, que, por sua vez, foi originada do projeto de Agamenon Magalhes, dos anos 1940. 7. No exerccio dos quais no podem ser afastados do cargo, a menos nas hipteses previstas em lei e unicamente pelo Senado Federal condenao penal transitada em julgado ou em processo disciplinar administrativo.

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    Um aspecto importante a ser destacado que a lei expressamente no faz exceo a qualquer atividade econmica, incluindo como sujeitas lei mesmo aquelas em regime de monoplio legal. Vale lembrar que antes das emendas constitucionais do ano de 1995, vrios servios pblicos eram prestados de acordo com esse regime. Uma vez privatizados, permaneceram sujeitos lei de defesa da concorrncia. Assim, todos os setores regulados da economia, como os servios pblicos, esto tambm sujeitos legislao de defesa da concorrncia, o que traz ordem do dia a necessidade de articulao entre as agncias regulatrias e o Cade.

    Finalmente, a nova legislao criou o compromisso de desempenho para atos de concentrao, mediante o qual se viabilizou uma frmula capaz de compatibilizar operaes de fuso e aquisio, representando legtimos interesses de investimento privado, rentabilidade e busca de modernizao e eficincia, com os objetivos da sociedade de manuteno do processo competitivo. Com o compromisso, na forma de um conjunto de condies e restries, tornou-se possvel aprovar operaes de concentrao econmica exigindo-se contrapartidas por parte das empresas envolvidas, de modo que neutralize o dano concorrncia e/ou obrigue o compartilhamento de benefcios como a reduo de custos de produo obtidos em maior escala com os consumidores.

    Passada mais de uma dcada de aplicao da legislao, esto hoje presentes elementos para uma avaliao dos resultados alcanados.

    O tabela 1 descreve a evoluo do tratamento de atos de concentrao feitos pelo Cade, em que se destacam alguns aspectos. Em princpio, percebe-se uma evoluo no tratamento, de rigorosa interveno no primeiro ano, progredindo para um padro de aprovao dos atos com restries com imposio de compromissos de desempenho, sobretudo , perodo seguido de queda significativa da taxa de interveno, inferior a 2% por alguns anos e elevao desta taxa a partir de 2004. As mudanas no padro de interveno refletem em boa parte alteraes na composio do Cade considerando os mandatos para os membros do Conselho de apenas dois anos , a par da maior ocorrncia em determinados perodos de grandes operaes de fuses e aquisies, fenmeno econmico por si exgeno dinmica institucional do Conselho.

    TABELA 1

    Tipo de deciso em atos de concentrao (em %) 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

    Aprovado sem restries 0,00 56,52 48,15 80,43 92,36 93,36 93,67 97,06 93,15 98,58 92,89 90,31 Aprovado com restries 60,00 21,74 33,33 17,39 3,47 2,65 2,88 1,90 1,76 1,42 6,95 9,69 No aprovados 40,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,16 0,00 Outros 0,00 21,74 18,52 2,17 4,17 3,98 3,45 1,04 5,09 0,00 0,00 0,00

    Fonte: De 1994 a 2002, Salgado (2004); de 2003 a 2004, OCDE (2005); e para 2005, Cade (2006).

    Elaborao da autora.

    interessante comparar a taxa de interveno observada no Brasil, sobretudo na proporo de atos bloqueados, rigorosamente insignificante, com o nmero de intervenes estruturais determinao de desfazimento total ou parcial de operaes observado em outras jurisdies. Clark (2000) indica que a mdia de intervenes desse porte nos pases da OCDE da ordem de 5%, proporo que se mantm constante ao longo do tempo, o que contrasta com os indicadores brasileiros.

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    Parte da explicao para o baixo grau de interveno estrutural em operaes no Brasil est na dificuldade de atuao preventiva do Cade, quando a lei no prev a anlise das operaes e estabelece um tortuoso caminho burocrtico percorrido pelas operaes at que finalmente cheguem ao escrutnio do Conselho.8

    Em que pese o entendimento, apoiado nos ensinamentos econmicos e na boa prtica do antitruste mundo afora, de que apenas pequena parcela de atos de concentrao de fato gera danos concorrncia e, portanto, merece tratamento mais rigoroso, inclusive a desaprovao, contrasta com a experincia internacional a revelao de que, sistematicamente, ao longo de mais de uma dcada, houve poucas proibies de atos de concentrao pelas autoridades brasileiras e variou de forma muito significativa a imposio de restries nesse mesmo tempo. Note-se que o aumento da taxa de interveno observado no perodo mais recente reflete tambm a introduo de procedimento inovativo denominado Acordo de Preservao de Reversibilidade da Operao (Apro), em que integrantes de ato de concentrao que levantam preocupaes antitrustes comprometem-se a aguardar deciso final do Cade, eventualmente pelo desfazimento da operao, mantendo independncia na sua atuao no mercado.

    O diagnstico que formou, na ltima dcada, um dos poucos consensos em poltica pblica, da necessidade de simplificao dos procedimentos burocrticos da defesa da concorrncia no pas e da instituio da notificao prvia, encontra amparo na descrio proporcionada pelo tabela 1.

    Quanto ao exerccio da funo repressiva, o tabela 2 traz a evoluo das decises do Cade ao longo do mesmo perodo, de 1994 a 2005.

    TABELA 2

    Nmero de PAs julgados por tipo de deciso 1994-2005 Ano Arquivado % do total Condenado % do total Outros* % do total Total

    1994 2 20 4 40 4 40 10

    1995 1 33 1 33 1 33 3

    1996 72 74 22 23 3 3 97

    1997 438 98 2 0 6 1 446

    1998 76 87 9 10 2 2 87

    1999 50 64 26 33 2 3 78

    2000 24 62 13 33 2 5 39

    2001 17 50 14 41 3 9 34

    2002 18 55 12 36 3 9 33

    2003 10 48 11 52 0 0 21

    2004 21 50 20 48 1 2 42

    2005 37 59 26 41 0 0 63

    Total 766 80 160 17 27 3 953

    Fonte: Cade. Apud. Salgado e Alves (2007).

    Obs.: *Compreende casos que foram devolvidos SDE para continuidade das investigaes, extintos sem julgamento de mrito, entre outros.

    O grande nmero de processos arquivados em 1997, assim como a quantidade elevada de julgados entre 1996 e 1999, boa parte resultando em arquivamento, contam um pouco a histria da construo da defesa da concorrncia no Brasil. As cifras revelam um aspecto relevante da aplicao da lei nesse perodo: trata-se da 8. At chegar mesa para deciso feita pelo plenrio do Cade, atos de concentrao percorrem longa trajetria, passando pelo exame por parte da Secretaria de Acompanhamento Econmico do Ministrio da Fazenda (Seae) e Secretaria de Direito Econmico do Ministrio da Justia (SDE), recebendo ainda pareceres da Procuradoria do Cade e mesmo do representante do Ministrio Pblico que atua junto ao Conselho.

  • ipea texto para discusso | 1386 | fev. 2009 15

    resoluo do passivo de inmeros casos sem mrito abertos no incio dos anos 1990, quando ainda era grande a confuso entre antitruste e aumento de preos. A recm-criada SDE recebia um sem-nmero de denncias de aumentos de preos ou mesmo de ofcio dava incio a investigaes sem maior critrio. Outro aspecto que marca essa poca o julgamento de casos acumulados nos anos anteriores, quando era baixa a qualidade da investigao e da instruo dos processos (SALGADO, 2004).

    Assim, 1997 caracterizou-se como um ano em que foram arquivados mais de 90% dos casos em decises de julgamento, em funo das duas razes apontadas. Em 1998, foi ainda significativo o percentual dos casos levados a julgamento que foram arquivados: 87,21%. Esse cenrio sofreu mudana com a edio da Resoluo no 20 do Cade em 1999, que definiu procedimentos tcnicos para a instruo de processos de conduta anticompetitiva. A partir da, verificou-se uma inflexo na tendncia ao arquivamento de casos, uma vez que aumentou a qualidade da investigao, processo este reforado pelo prprio acmulo de experincia e de aprendizado do corpo tcnico das autoridades de concorrncia na aplicao da lei. Observe-se tambm que a reduo do nmero de casos julgados em anos mais recentes at 2003 reflete a restrio de recursos de que dispunha a investigao, o que obrigou a SDE a concentrar esforos em torno de um nmero reduzido de processos (Ibidem). Nova inflexo observa-se a partir de 2004, fruto dos esforos internos da Secretaria de utilizao mais eficiente de seus recursos e tambm da parceria consolidada, para fins de investigao, com o Ministrio Pblico e a Polcia Federal.

    A atual nfase na investigao para combate aos cartis, presente no discurso de autoridades de defesa da concorrncia desde o fim dos anos 1990 e incio da atual dcada, um importante sinal de que muito se avanou na construo de uma cultura da concorrncia, como conjunto de valores e de regras a serem preservados no mercado. Tal nfase finalmente substituiu a confuso de dcadas entre controle de preos e antitruste. Note-se que existe uma tendncia mundial dos governos darem mais ateno ao problema dos cartis. Como lembra Clark (op. cit.), vrios pases da OCDE tm reforado suas polticas anticartis nos ltimos anos, com iniciativas para aperfeioar legislaes, ampliando sanes e criando novos instrumentos para deteco de cartis, como os programas de lenincia (ou anistia).9 Tais programas consistem em estmulos para que um participante de um cartel colabore com as investigaes fornecendo evidncias em troca da anistia para as infraes cometidas.

    O tabela 3 apresenta a relao de processos condenados por setor econmico. Salta aos olhos a predominncia de segmentos do setor de servios entre os casos condenados. Ainda, parte significativa dessas condenaes envolve algum tipo de prtica de cartel, ajuste entre concorrentes e criao coordenada de dificuldades entrada de concorrentes.10

    9. O primeiro programa de lenincia foi adotado nos Estados Unidos em 1993. A lei antitruste brasileira (Lei no 8.884/1994) foi alterada pela Medida Provisria no 2.055/2000 (convertida posteriormente na Lei no 10.149/2000) para incluir um programa desta natureza. A mesma medida provisria instituiu instrumentos para obteno de provas e conferiu maiores poderes de investigao SDE e Seae. 10. Destaque-se a presena de sessenta casos de adoo de tabelas uniformizadoras de condutas em servios mdicos e os, respectivamente, nove, cinco e trs casos em revenda e em produo de GLP e combustveis, servios de transporte e servios de armazenagem.

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    TABELA 3

    Condenaes* (1994-2005) por setor econmico Mercados/setores No de condenaes

    Servios

    Servios mdicos e de sade 116 Revenda e produo de GLP e combustveis 9 Servios de transporte 5 Servios diversos 5 Servios de armazenagem 3 Servios e produtos de informtica e de tecnologia 3 Telecomunicaes e canais de comunicao 3 Shopping centers 2 Subtotal 146

    Produtos industriais

    Produtos siderrgicos 2 Qumica inorgnica 2 Farmacutica 2 Fumo 1 Alimentao 1 Indstria naval 1 Minerais no-metlicos 1 Agroindstria 1 Outros 1

    Subtotal 12 Total 158

    Fonte: Relatrios do Cade e votos dos relatores. Apud: Salgado e Alves (2007).

    Obs.: *Em processos administrativos de apurao de ilcitos contra a concorrncia.

    Seria apressado concluir dos dados apresentados que tais prticas ocorrem com mais freqncia em segmentos de servio; mais razovel seria atribuir a predominncia do setor servios maior facilidade de investigao de condutas nos segmentos que o compe. Assim, um aperfeioamento do instrumental investigatrio, associado ao reforo de mecanismos de dissuaso para a adoo de condutas lesivas da concorrncia, como acordos de lenincia, pode vir futuramente a alterar esse tabela.

    A anlise da aplicao da lei de defesa da concorrncia desde o incio de sua vigncia refora um dos poucos consensos em poltica pblica hoje consolidados no Brasil, em torno da necessidade de simplificao e racionalizao da burocracia e dos procedimentos que cercam a defesa da concorrncia no Brasil. Existe hoje uma superposio de trs rgos de dois diferentes ministrios, que a despeito dos esforos pessoais de seus titulares e tcnicos para articular e coordenar atividades, fator que impe onerosa carga tanto aos administrados como aos contribuintes. A Secretaria de Acompanhamento Econmico (Seae) do Ministrio da Fazenda e a Secretaria de Direito Econmico do Ministrio da Justia (SDE) justapem-se como entes que realizam investigaes e emitem pareceres, trabalho a que muitas vezes sobrepe-se o realizado no mbito do Cade. Agentes econmicos integrantes de atos de concentrao ou investigados em processos precisam dirigir-se s trs instncias, o que evidentemente eleva custos e protela o resultado final, a deciso por parte do plenrio do Cade. A unificao dessa complexa rede institucional em uma nica autoridade medida forosa, se de fato deseja-se enfrentar o desafio de simplificar e racionalizar o sistema.

    So trs os principais obstculos identificados para o exerccio eficaz da defesa da concorrncia, a saber:

  • ipea texto para discusso | 1386 | fev. 2009 17

    1. Conta-se hoje com um desenho institucional falho, fruto de processo histrico concludo, indicando a necessidade de unificao da autoridade antitruste e a simplificao de seus procedimentos;

    2. indispensvel, como de resto para o bom funcionamento de qualquer ente regulatrio especializado, a criao de corpo tcnico qualificado e na dimenso requerida pela importncia da poltica pblica; e

    3. A eficcia da defesa da concorrncia depende de agilidade no exerccio da funo preventiva e de credibilidade no exerccio da funo repressiva.

    6 OPORTUNIDADE HISTRICA DE AVANO INSTITUCIONAL

    Assim como ocorreu com outros projetos de lei em tramitao no Congresso Nacional, propostas de alterao da Lei no 8.884/1994,11 visando aperfeioar os mecanismos de defesa da concorrncia, foram includas, em janeiro de 2007, no PAC pelo governo federal. Em abril deste ano, o legislativo instituiu na cmara dos deputados comisso especial para examinar os projetos, para a qual foi designado relator o deputado Ciro Gomes. Surgiu, portanto, o momento para consolidar a experincia acumulada e consensos construdos no debate. O eixo da reforma consiste em unificar em uma entidade as funes da autoridade antitruste, superando o desenho institucional multifacetado e gerador de ineficincia, representado pelo chamado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrncia, formado por Seae, SDE e Cade. Certamente, pela expertise acumulada no exerccio de suas atribuies, a Seae continuar a exercer, mesmo deixando de participar, por meio da confeco de pareceres, das funes de controle de estruturas e de condutas, a importante funo de advogada da concorrncia, sobretudo em setores regulados. Nestes, proveitosa a colaborao com as agncias regulatrias, para que bem equilibrem as necessidades de investimento privado e concorrncia, em benefcio da eficincia econmica e do bem-estar dos consumidores. A criao de um departamento econmico no mbito do Cade medida esperada para conferir racionalidade ao desenho institucional da autoridade antitruste brasileira.

    Tal eixo reforado pela incluso de mecanismos que instituem a notificao prvia de fuses, aquisies, alianas e empreendimentos conjuntos (atos de concentrao), reduzem o nmero de casos submetidos autorizao do Cade e fortalecem os mecanismos de investigao e a autonomia decisria do rgo ampliando o mandato dos membros do tribunal12 (ou conselho), como tambm conferindo mandato ao superintendente-geral, que chefia o brao regulatrio da autoridade, em substituio ao secretrio de direito econmico cargo at o presente da estrutura do Ministrio da Justia. Ainda, fortalecem-se os mecanismos para estmulos a acordos de cessao de prtica e lenincia, medidas essenciais para alterar o clculo estratgico envolvido, como se mencionou anteriormente, na deciso do agente sobre que conduta adotar, se virtuosa ou viciosa, para suplantar a concorrncia.

    11. So eles: o PL no 3.937/2004, de autoria do deputado Carlos Eduardo Cadoca e o PL no 5.877/2005, do executivo, apensado ao primeiro. 12. Nas propostas em questo mantida a denominao Cade para a autoridade antitruste brasileira e denominado Tribunal o colgio de membros do atual conselho.

  • 18 texto para discusso | 1386 | fev. 2009 ipea

    A autonomia em relao a presses de natureza poltica e econmica, assim como a segurana jurdica para o administrado, ser reforada com a ampliao dos mandatos dos membros do Cade e a conferncia de mandato tambm ao titular do cargo hoje correspondente ao secretrio da SDE,13 o estabelecimento de regras de no-coincidncia de mandatos e de no-vacncia de cargos diretivos, problemas hoje identificados no atual desenho institucional.

    A ampliao dos mandatos de membros do Cade para quatro anos, sem reconduo, medida fundamental para elevar a segurana jurdica da coletividade, deveria ser prevista tambm para o superintendente-geral, com o intuito de garantir a ele o total isolamento de presses polticas e econmicas sobre suas atividades e decises. Ainda para reforar a segurana jurdica, substituio escalonada dos membros do Cade, com a instituio de mandatos iniciais de durao variada, importante para conferir maior suavidade s mudanas no entendimento do rgo traduzidas na jurisprudncia.

    Para reforar a autonomia decisria e o fortalecimento institucional, seria necessrio atribuir mais importncia quarentena a ser cumprida por aqueles que deixam de ocupar postos na entidade.14 A quarentena para os membros do tribunal deve ser longa 180 dias15 o mnimo que se pode conceber para assegurar que no recaia qualquer suspeita de ao ou inteno de advocacia administrativa em ulteriores atividades profissionais dos antigos membros do Cade. Tal quarentena deveria ser legalmente prevista tambm para o superintendente-geral, assim como para o chefe do departamento de estudos econmicos. Na mesma linha, a quarentena deveria ser extensiva a todos os cargos tcnicos de gerncia e direo, correspondente a noventa dias, de sorte a aumentar a independncia do corpo tcnico, reduzindo sua atrao pelos interesses privados, ao elevar os custos envolvidos na cooptao de tabelas treinados pela administrao pblica para o exerccio de funes em favor da coletividade. Lembre-se que, quanto mais qualificados forem os tabelas tcnicos do futuro Cade, objetivo que se persegue, maiores sero os incentivos privados para recrut-los, na ausncia de salvaguardas como a quarentena no remunerada.

    Ainda para garantir a autonomia do Cade e o bom cumprimento de suas funes, importante a incluso de regras para evitar a vacncia de cargos, fenmeno que leva paralisia de rgos colegiados como o Cade.16 Frmulas alternativas poderiam ser adotadas, como a determinao legal de que o executivo indicasse, com antecedncia de seis meses, substituto para membro do tribunal ou da superintendncia e que a sabatina do substituto ocorresse at trs meses antes do trmino do mandato do titular em questo que, caso no cumprida tal determinao legal, a prerrogativa de indicao fosse transferida ao Congresso Nacional.17 Ou ainda, que substituto temporrio fosse indicado entre os funcionrios do prprio Cade, tudo para que eventual vacncia de cargos no viesse a resultar em interrupo dos processos decisrios do rgo, em prejuzo da coletividade. 13. O de superintendente-geral. 14. Quarentena no remunerada e especfica para o exerccio de atividades profissionais associadas s competncias do Cade. 15. Uma quarentena voluntria de 180 dias foi instituda pelo Cdigo de tica do Cade ainda em 1998 e esse precedente deveria ser observado. 16. Problema que recorrentemente tem sido enfrentado por agncias regulatrias. 17. comisso de assuntos econmicos do Senado, que sabatina os candidatos.

  • ipea texto para discusso | 1386 | fev. 2009 19

    Espera-se que importante regra de desenho institucional seja includa, que mandatos do presidente do Cade e do superintendente-geral no sejam coincidentes com o do presidente da Repblica, de sorte a garantir de forma definitiva a autonomia tcnica da conduo das decises tomadas no mbito do rgo.

    consensual a necessidade de se instituir a notificao prvia de atos de concentrao, assim como esclarecer, tal como prope ambos os projetos de lei, que tipos de atos e contratos devem ser considerados como atos de concentrao.18 Entretanto, o objetivo de simplificao do exerccio da funo preventiva do abuso do poder econmico por parte do Cade no pode se dar em detrimento do alcance da lei. Tampouco a escassez de recursos administrativos deve ser motivo para a reduo artificial do escopo de operaes econmicas que resultam em concentrao econmica sujeitas lei. Por essa razo, fundamental no instituir por lei o salvo-conduto s operaes realizadas em escala global, por grandes grupos internacionais, que podem alterar a dinmica da concorrncia em mercados brasileiros, no curso de seus processos de aquisio. A elevao ao status de previso legal do entendimento inscrito atualmente em smula do Cade de que apenas o faturamento realizado no Brasil deve ser considerado como critrio de submisso lei de operaes de concentrao implicar justamente tal instituio de salvaguardas s operaes realizadas em escala global por grupos ainda no participantes do mercado brasileiro. Por isso, seria importante manter o entendimento legal de que o faturamento a ser considerado indicador da existncia ou no de poder de mercado para efeito de critrio de submisso de operaes ao crivo do Cade, do grupo adquirente, independentemente de ter sido ou no realizado em territrio nacional.19

    Como j observado, empiricamente verifica-se que a grande maioria das operaes motivada pelo acirramento da competio, por vezes em escala global. Tais operaes visam reduzir custos, aumentar a eficincia dos negcios, aproveitar novas oportunidades de lucros, ou seja, so legtimas expresses da livre iniciativa. Separar o joio (operaes que resultam em danos concorrncia) do trigo (operaes que tornam mais dinmico o ambiente econmico) a complexa tarefa do Cade no exerccio de sua funo preventiva.

    Conforme mencionado, existem trs categorias de atos de concentrao,20 dentre os que so submetidos apreciao do Cade: i) os que no apresentam sobreposio horizontal ou vertical em mercados, ou que tal sobreposio ligeira o bastante para no resultar em alterao da dinmica concorrencial; ii) os que afetam negativamente a concorrncia, mas cujos efeitos negativos podem ser afastados ou neutralizados por medidas adotadas pelo Cade; e iii) os que de tal modo ofendem a concorrncia que no podem ser autorizados pelo Cade.

    Assim, para atender aos objetivos de simplificao e de racionalizao da anlise, reduzindo custos para o administrado e o contribuinte, bem como aumentando a segurana jurdica dos negcios, necessrio que a nova lei institua, no mbito da notificao prvia, filtros para identificao de complexidade da anlise, com prazos 18. Redao do 3o do art. 88 do PL no 3.937/2004. 19. certo que se reduziu significativamente o trabalho do Cade aps a instituio em plenrio desse entendimento; tal soluo alcanada pelo problema representado pela escassez de recursos do rgo, contudo, implicou a reduo do alcance da legislao antitruste, sem que tenham sido constatados benefcios para a coletividade. 20. Fuses, aquisies, contratos de fornecimento ou distribuio, acordos entre concorrentes so os contratos mais freqentemente examinados pelo Cade.

  • 20 texto para discusso | 1386 | fev. 2009 ipea

    definidos de forma clara. Como sugesto, o rito sumrio, institudo de maneira infralegal por SDE, Seae e Cade, seria alado lei e concludo em at trinta dias. queles casos que, por no configurarem a primeira categoria antes descrita demandassem maior exame passariam por uma avaliao cuja durao total no deveria exceder sessenta dias;21 se esse exame no levantar preocupaes antitruste, o ato seria automaticamente aprovado. No entanto, caso fossem levantadas preocupaes, as requerentes seriam orientadas a aguardar concluso do Cade, em at 180 dias.22 Ao aproximar-se do fim do prazo, se houver necessidade de um tempo adicional para a anlise e de sorte a reduzir incentivos ao comportamento estratgico de parte das requerentes de sonegar informaes ou de apresentar grande volume delas ao findar o prazo, o Cade comunicaria, em plenrio, deciso fundamentada sobre necessidade de instruo suplementar, determinando o retorno dos autos superintendncia. Assim, estaria institudo o filtro pelo qual operaes envolvendo danos concorrncia, que no representam, no Brasil ou no exterior, mais que 5% dos atos examinados, seriam tratados com o cuidado devido, enquanto a celeridade no tratamento estaria garantida grande maioria das operaes.

    Conforme previsto nos projetos de lei objeto de exame pela comisso especial, a lei esclareceria que os atos de concentrao no podem ser consumados previamente manifestao do Cade ou decurso do prazo legal de anlise.23

    Toda nfase pouca para destacar a importncia de se evitar que o esforo de simplificao de critrios e de procedimentos gere efeitos perversos. Nesta perspectiva, destaca-se que critrios para notificao de operaes com base apenas no faturamento das requerentes excluiro do controle prvio24 concentraes em mercados relevantes de dimenso econmica modesta, embora cruciais para o bem-estar dos consumidores. Mercados relevantes por vezes apresentam propores econmicas pequenas e dimenses geogrficas tambm reduzidas.25 Concentraes realizadas em mercados dessa natureza estariam fora do alcance da lei de defesa da concorrncia, deixando os consumidores merc da concentrao do poder econmico. Sugere-se, alternativamente, que o parmetro de indicao de poder de mercado retorne ao nvel originalmente definido pelo Congresso Nacional quando da promulgao da Lei no 8.884, em 11 de junho de 1994,26 de 30% para a empresa adquirente que, ao adquirir outro negcio, tenderia a aproximar-se seno superar da marca de um tero de controle do mercado.

    A eficcia da funo repressiva da legislao antitruste depende da credibilidade27 e do rigor das punies. Lembre-se ainda que o principal objetivo da represso a prticas lesivas concorrncia dissuadir sua adoo. Assim, a manuteno do critrio para

    21. Seriam casos identificados na segunda categoria de atos, tal como descrita anteriormente. 22. Mais 120 dias, portanto, a partir dos decorridos sessenta dias. 23. Conforme redao do 3o do art. 88 do PL no 3.937/2004. 24. Ou seja, do desempenho da funo preventiva do Cade de exerccio abusivo do poder econmico. 25. Basta imaginarem-se as conseqncias para o bem-estar dos consumidores de eventual concentrao elevada de atividades como comrcio de medicamentos, alimentos e combustveis, de importncia vital para populaes localizadas em espaos geogrficos circunscritos. 26. Com base na jurisprudncia internacional, o anteprojeto inclura, em 1993, o parmetro de 40% de participao de mercado, percentual que foi reduzido para 30% pelo Congresso quando da promulgao da lei e, no ms seguinte, por medida provisria, foi institudo o percentual de 20%, tido pela experincia antitruste como muito reduzido para indicar existncia de poder de mercado. 27. Que, por sua vez, depende da qualidade da investigao e da execuo das condenaes.

  • ipea texto para discusso | 1386 | fev. 2009 21

    imposio de multa correspondente a percentual de 1% a 30% do faturamento da parte representada fundamental para dissuadir a adoo de prticas infrativas. As propostas constantes de ambos os projetos de lei, de instituir um valor em reais mnimo e mximo, a serem eventualmente corrigidos, seja por portaria interministerial28 seja por decreto presidencial,29 podem levar a que, no clculo do custo e benefcio de adoo de prtica infrativa para grupos empresariais de grande porte, esta ainda parea lucrativa. No entanto, de modo que respeite o princpio da proporcionalidade da punio, fundamental indicar que o faturamento sobre o qual ser calculada a multa dever ser o correspondente ao mercado relevante no qual o ilcito foi identificado.

    Finalmente, os acordos de lenincia deveriam ser aperfeioados de sorte a refletir ao mximo o objetivo de afetar o comportamento estratgico dos agentes, incentivando-os ao retorno a condutas compatveis com o marco legal das economias de mercado. Para melhor atender aos objetivos de cessao de prticas lesivas e ao retorno s condies de funcionamento normal dos mercados, a lei no deve excluir da possibilidade de lenincia os lderes de mercado, ao tempo em que deve prever cominao de multa de modo que no incentive perversamente a adoo temporria de comportamento lesivo e determinar a adoo de programa de compliance.30

    7 CONCLUSES

    7.1 O SUBSTITUTIVO AOS PROJETOS DE LEI E PERSPECTIVAS

    Recentemente, foi concludo e apresentado comisso especial o Substitutivo de autoria do relator e deputado Ciro Gomes, para discusso e apresentao de emendas. O Substitutivo atende s expectativas de que se abriria caminho para o aperfeioamento do desenho institucional e do instrumental regulatrio hoje vigente para a defesa da concorrncia no pas. Ele agrega objetividade e clareza aos projetos de reforma legal e desde j um marco no aumento da segurana jurdica nos mercados e da eficcia e eficincia no exerccio da defesa da concorrncia.

    O Substitutivo enfrenta todos os pontos em discusso para o aperfeioamento desse marco regulatrio e apresenta soluo para os principais deles, tais como: a unificao da autoridade antitruste; a racionalizao de procedimentos para a anlise de atos de concentrao, de modo que garanta tratamento clere tanto a atos simples como complexos;31 a instituio da notificao prvia; a definio mais precisa de procedimentos envolvendo investigao de condutas; o afastamento da

    28. PL no 5.877/2005. 29. PL no 3.937/2004. 30. Programas de comprometimento da empresa e de seus executivos e funcionrios com a adoo de condutas estritamente condizentes com a lei de defesa da concorrncia. 31. Os prazos para anlise previstos pelo PL no 5.877/2005 careciam de clareza, e a previso de aprovao por decurso de prazo, instituda pelo PL no 3.937/2004, deixava de incorporar salvaguardas contra eventuais comportamentos estratgicos por parte dos agentes econmicos, como a apresentao, ao findar do prazo legal, de informaes relevantes, pareceres e trabalhos tcnicos, inviabilizando a adequada tomada de deciso por parte da autoridade. A ausncia de salvaguardas para condutas estratgicas como a descrita o que deve ser esperado de parte de agentes racionais em ambiente de mercado tambm problema que se apresentava no projeto de lei do governo. O Substitutivo cumpriu a funo de rever toda a redao legal dos prazos a ser cumpridos em cada uma das fases do exame de atos de concentrao, tornando mais claro para o administrado o fluxograma a ser percorrido no trmite administrativo.

  • 22 texto para discusso | 1386 | fev. 2009 ipea

    previso de exame pelo Ministrio Pblico dos processos em curso, no mbito do Cade;32 o aperfeioamento de institutos como acordos de lenincia; e a manuteno de multas como proporo do faturamento. Estes so avanos na proposta de texto legal que merecem destaque.

    Apenas alguns poucos pontos do Substitutivo mereceriam reviso, para que os objetivos de aperfeioamento do aparato institucional em exame venham a se concretizar de forma plena.

    No art. 8o, 1o, l-se que a quarentena a que devem se submeter os membros do Tribunal, uma vez encerrados seus mandatos, seja de 120 dias. Vale reforar o argumento, o qual foi apresentado, de que a previso seja de 180 dias, tal como previsto hoje no Cdigo de tica do Cade,33 perodo mnimo para que informaes detidas por membros do Conselho percam importncia estratgica. A previso de quarentena tambm uma proteo para os prprios ex-integrantes do rgo, uma vez que afasta suspeitas de ao ou inteno de advocacia administrativa em suas ulteriores atividades profissionais.

    32. No PL de autoria do executivo, ia de encontro ao objetivo de simplificao e de racionalizao da poltica de defesa da concorrncia a incluso expressa no projeto de lei do papel a ser exercido, em todos os processos no Cade, por parte do Ministrio Pblico Federal (MPF). Vale lembrar, que a Lei Complementar no 75/1983 confere, por sua vez, ao MPF poderes para atuar diante de qualquer Tribunal e examinar quaisquer processos, alm dos poderes especficos que a mesma lei lhe confere para atuar em favor dos direitos difusos de qualquer natureza como o de livre concorrncia, conforme se v:

    Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministrio Pblico, no exerccio de sua funo, alm de outras previstas na Lei Orgnica: [...] VI - ingressar e transitar livremente: a) nas salas de sesses de Tribunais, mesmo alm dos limites que separam a parte reservada aos Magistrados; b) nas salas e dependncias de audincias, secretarias, cartrios, tabelionatos, ofcios da justia, inclusive dos registros pblicos, delegacias de polcia e estabelecimento de internao coletiva; c) em qualquer recinto pblico ou privado, ressalvada a garantia constitucional de inviolabilidade de domiclio; VII - examinar, em qualquer Juzo ou Tribunal, autos de processos findos ou em andamento, ainda que conclusos autoridade, podendo copiar peas e tomar apontamentos; [...] Art. 5o So funes institucionais do Ministrio Pblico da Unio: [...] II - zelar pela observncia dos princpios constitucionais relativos: [...] c) atividade econmica, poltica urbana, agrcola, fundiria e de reforma agrria e ao sistema financeiro nacional; OU III - a defesa dos seguintes bens e interesses: [...] e) os direitos e interesses coletivos, especialmente das comunidades indgenas, da famlia, da criana, do adolescente e do idoso;

    Ou tambm: Art. 6o Compete ao Ministrio Pblico da Unio: XIV - promover outras aes necessrias ao exerccio de suas funes institucionais, em defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais e individuais indisponveis, especialmente quanto: [...] b) ordem econmica e financeira [...] Assim, prever que representante do Ministrio Pblico deveria intervir em todos os processos em andamento no Cade inviabilizaria o alcance do objetivo de dar celeridade ao andamento dos processos e aumentar a segurana jurdica dos administrados, sem ganhos para a coletividade, visto que as competncias do MPF j lhe conferem todas as condies para atuar em defesa dos interesses difusos, sempre que tal se fizer pertinente.

    33. Resoluo no 16 de 9 de setembro de 1998.

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    Uma mudana significativa introduzida no Substitutivo em relao aos projetos anteriores foi a extenso da quarentena de 120 dias ao superintendente-geral, ao procurador-geral e ao chefe do departamento econmico. O instituto da quarentena consiste em mecanismo fundamental para garantir o isolamento dos ocupantes de cargos pblicos em relao ao eventual assdio aps sua sada do cargo. A extenso do instituto a cargos de gerncia e de direo aumenta a independncia do corpo tcnico, o que reduz sua atrao pelos interesses privados, eleva custos de cooptao e garante que o esforo e os recursos pblicos envolvidos no treinamento de funcionrios dem-se em benefcio exclusivamente da coletividade.

    Mereceria reflexo adicional manuteno da proposta de um mandato menor (de apenas dois anos) e com previso de reconduo para o cargo de superintendente-geral (art. 12, 2o), uma vez que h um consenso construdo em torno da necessidade de homogeneizao de mandatos e da perda relativa de autonomia poltica ao fim do primeiro mandato, diante da perspectiva de reconduo.

    No art. 19, as competncias previstas para Seae no mbito da lei de defesa da concorrncia so redundantes com suas funes no Ministrio da Fazenda, mas tambm no prejudicam, visto que no se prev prazos adicionais para pareceres proferidos por essa secretaria tampouco se prev obrigao para sua confeco. O artigo consolida o papel da Seae como advogada da concorrncia e nesse sentido homenageia o papel cumprido por ente de governo. Sabiamente, foi evitada redao legal que conferisse papel adicional Seae como autoridade antitruste e, com isso, afastou-se a temida possibilidade de perpetuao da ineficincia institucional hoje vigente. Contudo, parece ter passado despercebido, no captulo que trata das disposies transitrias, o art. 123, que estabelece a diviso de 200 cargos a serem criados entre Cade e Seae. Ora, tal diviso no faz sentido tcnico, uma vez que as funes de acompanhamento econmico na rea de concorrncia a serem desempenhadas por Seae devem ser exercidas com base em seus recursos, e no custa da reduo de pessoal especializado que tanto requerem as funes de investigao, anlise econmica e deciso a serem desempenhadas pelo Cade. A supresso da meno diviso de cargos entre Seae e Cade afastaria essa distoro.

    Outro avano no texto do Substitutivo em relao aos projetos anteriores foi a manuteno da presuno de posio dominante como participao de mercado.34 A redao anterior, que previa a presuno de posio dominante exclusivamente como funo de capacidade de empresas ou de grupo de empresas alterarem unilateralmente condies de mercado, sem indicao objetiva de um percentual de participao de mercado, poderia aumentar a incerteza jurdica e afetar negativamente a boa aplicao da lei. A previso de um percentual, tal como est no Substitutivo, no constitui medida arbitrria e sim fornece um parmetro objetivo para a prpria conduo dos agentes econmicos de suas atividades no mercado.

    As multas previstas nos arts. 39, 40 e 41 para casos de continuidade da infrao, recusa, retardamento ou omisso na prestao de informaes e falta injustificada foram reduzidas em relao aos valores monetrios vigentes desde 1994, o que

    34. Art. 36 2o Presume-se posio dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condies de mercado ou quando controlar 20% ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores especficos da economia.

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    implica dizer que foram significativamente reduzidas em termos reais. Para garantir que se atinja o objetivo de coibir as referidas condutas, seria necessrio corrigir monetariamente os valores previstos j passados treze anos, entretanto, criam-se incentivos perversos ao descumprimento da lei.

    Merecem reviso os prazos previstos nos arts. 58 e 59, pois no h esclarecimento quanto ao fato se correm ou no simultaneamente. Pareceu ser a inteno contrria, o que faria sentido tcnico, mais um motivo para a reviso desse ponto.

    Prev-se no 4o, do art. 65, punio litigncia de m-f, mas no h indicao sobre qual ser o processo condenatrio. Se estiver previsto em outro diploma legal, seria conveniente essa remisso.35

    Outro ponto importante refere-se estrutura de cargos e de carreiras da nova instituio. Ser uma perda de oportunidade irreparvel quando, no momento em que se revisa a estrutura institucional da defesa da concorrncia no pas, deixa-se de criar carreira de tcnicos especialistas na matria, bastante complexa e cuja teoria e prtica j se encontram bastante desenvolvida. O projeto prev, em seu art. 123, a criao de 200 cargos de gestores, no especialistas, na contracorrente da criao de carreiras tcnicas, como fato em todas as agncias a rgos tpicos de estado, um dos principais fatores associados ao aumento de eficcia e eficincia do aparelho do estado. O recomendvel seria que, a exemplo do que vem se passando em todas as agncias, fosse criado um tabela tcnico especializado em defesa da concorrncia, para o qual so criadas 200 vagas.

    Ainda quando se trata da estrutura de outros cargos comissionados repete-se o mesmo padro quando o recomendvel seria a criao de estrutura prpria de cargos de chefia e de coordenao, nos moldes do que existe hoje nas agncias regulatrias. No entanto, reproduzindo a estrutura de cargos da administrao direta, a nova instituio de defesa da concorrncia corre o risco de tornar-se um rgo de segunda linha diante dos rgos congneres agncias regulatrias alm de estar sujeita s regras ditadas pelo executivo para a definio dos ocupantes dos cargos, o que atenta de maneira evidente contra a autonomia poltica do Cade.

    Finalmente, foi incorporada mudana significativa na lei, no que respeita aos critrios para apresentao de atos de concentrao ao Cade. Os valores agora estabelecidos so significativamente superiores aos estabelecidos pela lei que no limita ao faturamento realizado no pas o montante de R$ 400 milhes e pelos projetos de lei em questo, que propunham o parmetro de R$ 150 milhes de faturamento como critrio para apresentao de atos de concentrao. Adicionalmente, incluir a previso de que apenas no caso da segunda participante da operao ter faturamento de R$ 30 milhes realizado no pas significar a opo por reduzir de forma considervel o alcance da lei antitruste na manuteno de condies concorrenciais em mercado de dimenso econmica mais modesta e nem por isso menos importante para o bem-estar dos consumidores. o mesmo dizer que o Cade passar a tratar apenas de grandes operaes ocorridas entre empresas j atuantes no

    35. Art. 65 4 o O litigante de m-f arcar com multa, em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, a ser arbitrada pelo Tribunal entre R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 5.000.000,00 (cinco milhes de reais), levando-se em considerao sua condio econmica, sua atuao no processo e o retardamento injustificado causado aprovao do ato.

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    pas h algum tempo, criando-se um salvo-conduto para a concentrao de mercado em inmeras outras circunstncias, em que a presena da lei, em defesa da coletividade, faz-se necessria.

    Uma alternativa, para preservar o interesse pblico e ao mesmo tempo considerar a necessidade de reduzir o volume de casos atualmente examinados pelo Cade, seria o exposto no 7o, do art. 88, ampliar para cinco anos. Tal fato correspondente ao prazo da prescrio administrativa o perodo no qual o Cade pode requerer que um ato de concentrao que no foi notificado por ter sido realizado em mercado relevante de menor expresso econmica, mas nem por isso de menor importncia para os agentes econmicos seja apresentado para exame. Essa ampliao ser uma salvaguarda importante para mercados locais, regionais, onde as operaes podem ser representadas por nmero menor de dgitos, mas nem por isso deixam de ter impacto sobre a vida da comunidade.

    A par dessas ressalvas, as perspectivas so positivas de que, muito em breve, o pas contar com desenho institucional e conjunto de instrumentos que consolidaro o esforo empreendido em direo defesa de um dos principais alicerces das economias de mercado e das democracias, o direito concorrncia e liberdade de escolha.

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    REFERNCIAS

    CLARK, J. Competition law and policy developments in Brazil. OECD Journal of Competition Law and Policy, v. 2, n. 3, 2000.

    CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONMICA (Cade). Relatrio anual. Braslia, 2006.

    ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OCDE). Lei e poltica da concorrncia no Brasil: uma reviso pelos pares. Paris, 2005.

    SALGADO, L. H. A economia poltica da ao antitruste. So Paulo: Singular, 1997.

    ______. Cuidado com a concorrncia! Revista Inteligncia, Ano II, n. 8, ago./set./out. 1999.

    ______. A defesa da concorrncia no Brasil: retrospecto e perspectivas. In: GIAMBIAGI, F. et al. (Coords.). Reformas no Brasil balano e agenda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.

    SALGADO, L. H.; ALVES, C. P. Avaliao de 12 anos da defesa da concorrncia no Brasil (1994-2005). Rio de Janeiro: Ipea, 2007. Mimeografado.

  • Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2009

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