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PONTO 50 ME3 Dor Aguda e Inflamação Irimar de Paula Posso Presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor; Instrutor corresponsável do CET Integrado da Faculdade de Medicina do ABC, SP; Anestesiologista do Hospital Israelita Albert Einstein. Roberto Monclus Romanek Instrutor corresponsável do CET Integrado da Faculdade de Medicina do ABC, SP; Anestesiologista do Hospital Israelita Albert Einstein. Bruno Emanuel Oliva Gatto Instrutor corresponsável do CET Integrado da Faculdade de Medicina do ABC, SP; Anestesiologista no Hospital Israelita Albert Einstein.

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PONTO 50ME3

Dor Aguda e InflamaçãoIrimar de Paula Posso

Presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor;Instrutor corresponsável do CET Integrado da Faculdade de Medicina do ABC, SP;

Anestesiologista do Hospital Israelita Albert Einstein.

Roberto Monclus RomanekInstrutor corresponsável do CET Integrado da Faculdade de Medicina do ABC, SP;

Anestesiologista do Hospital Israelita Albert Einstein.

Bruno Emanuel Oliva GattoInstrutor corresponsável do CET Integrado da Faculdade de Medicina do ABC, SP;

Anestesiologista no Hospital Israelita Albert Einstein.

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Dor Aguda e Inflamação50.1. Fisiopatologia50.2. Avaliação50.3. Métodos de tratamento50.4. Serviço de tratamento da dor aguda

INTRODUÇÃODor é definida pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) como uma experiência senso-

rial e emocional desagradável, associada a dano tecidual real ou potencial. A dor aguda tem início súbito e duração limitada, com causa e localização temporoespacial bem estabelecidas. Há uma correlação ní-tida do nexo entre o estímulo/causa e o efeito/dor. Apresenta função de sinalização biológica, motivan-do comportamento atávico de luta, fuga ou proteção da área afetada. Frequentemente está associada a respostas autonômicas, fisiopatológicas e psicológicas, induzidas por estímulos nóxicos provenientes de lesão e/ou de enfermidade somática e visceral1-3. Diferentemente da dor crônica, em geral não cursa com disfunção ou lesão do sistema nervoso central ou periférico, mas eventualmente pode apresentar um com-ponente neuropático. Já a dor crônica persiste além do tempo esperado de resolução da lesão inicial e, normalmente, não se identifica uma causa definida para o quadro (Figura 50.1).

Figura 50.1 - Gráfico ilustrando a intensidade da dor em relação ao tempo em três condições dolorosas distin-tas. Linha A: dor aguda. A intensidade da dor melhora com o tempo. Linha B: dor crônica oncológica. A dor se manifesta continuamente e há tendência de piora progressiva. Linha C: dor crônica não oncológica. O pacien-te apresenta dor contínua ou intermitente, alternada por períodos de piora e remissão.

Esquemas rígidos de classificação são úteis para fins de ensino e pesquisa, mas, na maior parte dos casos, não correspondem exatamente à realidade clínica. Como em todo sistema biológico complexo, dinâmico e multifatorial, frequentemente as categorizações abaixo ocorrem de maneira simultânea ou intercalada.

Dor nociceptiva - de origem somática ou visceral, decorrente de lesão tecidual real ou potencial por estimulação nóxica térmica, física, mecânica, química, infecciosa etc. A dor nociceptiva somática é ca-racterizada pela sensação de pontada ou queimação, sendo, geralmente, bem localizada e acompanhada por sinais inflamatórios. A dor visceral se manifesta como cólicas e desconforto difusos, sem localização definida. Ambas estão frequentemente associadas a sinais de descarga adrenérgica, como náuseas, vômi-tos, sudorese, vasoconstrição cutânea, hipertensão e taquicardia.

Dor neuropática - oriunda da lesão ou disfunção do sistema nervoso periférico ou central, sendo des-crita como choque, queimação ou formigamento. Em geral, é acompanhada por sintomas como disestesia, hiperalgesia e alodinia. Pode ocorrer em quadros agudos, como na dor neuropática aguda pós-operatória ou pós-traumática.

A dor aguda pode ser classificada em relação ao nexo causal em pós-traumática, queimaduras, pós--operatória, musculoesquelética, osteoarticular, visceral, isquêmica, orofacial e incidental.

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50.1. FISIOPATOLOGIA

NocicepçãoO primeiro evento que origina o fenômeno sensitivo doloroso é a transformação dos estímulos físicos

ou químicos em potenciais de ação pela membrana axonal, ou mais especificamente pelo nociceptor ou terminação nervosa livre, constituída de algumas centenas de micrômetros da terminação axonal dis-tal. Esses estímulos são transferidos pelas fibras nervosas do sistema nervoso periférico para o sistema nervoso central4.

Os estímulos químicos gerados por radicais ácidos, capsaicina, bradicinina entre outros, mecânicos como pressão, ou térmicos tanto calor como frio intensos alteram as propriedades da membrana dos noci-ceptores e deflagram os potenciais de ação. Os nociceptores sofrem fadiga e sensibilização, então a apli-cação repetitiva de estímulos reduz a percepção de muitas sensações, porém, quando há lesão tecidual, ocorre sensibilização dos nociceptivos instalando a hiperalgesia5.

Neurônios AferentesDe acordo com a dimensão do corpo celular e seus axônios os neurônios aferentes são classificados

em três classes: fibras de pequeno diâmetro, amielinizadas com velocidade de condução inferior a 2 m/s (fibras C), fibras de diâmetro médio, pouco mielinizadas com velocidade de condução entre 25 a 50 m/s (fibras A-delta) e fibras de grande diâmetro, intensamente mielinizadas com alta velocidade de condução (fibras A-beta e A-alfa). A maioria das fibras C e A-delta é nociceptiva, enquanto apenas cerca de 20% das fibras A-alfa e A-beta são nociceptivas6.

Os nociceptores são terminações nervosas livres das fibras A-delta e C, terminações nervosas das fibras A-delta e C sensibilizadas por processos inflamatórios e terminações de limiar reduzido das fibras A-beta quando ocorre sensibilização neuronal.

Os nociceptores relacionados com as fibras C respondem às estimulações mecânicas térmica e quími-ca. A maioria dos receptores não algogênicos das fibras C não detectam os mediadores intrínsecos da in-flamação. As fibras termomecânicas C são comuns nos aferentes cutâneos, evocam sensação de queimor embora haja mecanorreceptores que são ativados pelo frio intenso e não pelo calor. As fibras C medeiam a dor secundária ou alentecida descrita como sensação vaga de queimor ou peso. Os nociceptores relacio-nados com as fibras A-delta reagem tanto à estimulação mecânica quanto à térmica, e a atividade deles aumenta gradualmente com a elevação da temperatura, porém a sensibilidade à estimulação mecânica não está relacionada com o limiar térmico.

Os nociceptores A-delta podem ser divididos em dois tipos. O tipo I são os que reagem à estimulação térmica intensa em torno de 52oC, mas não à capsaicina, e são sensibilizados pela lesão térmica do tegu-mento. Os nociceptores A-delta tipo II reagem ao calor moderado de aproximadamente 43°C e à capsai-cina, no entanto não são sensibilizados pelo calor intenso. As fibras A-delta medeiam a dor primária bem delineada, induzida rapidamente e descrita com precisão6.

Os aferentes sensitivos primários também exercem outras funções como a liberação retrógrada de subs-tâncias neurotransmissoras que modulam a sensibilidade, a inflamação e a reparação tecidual, além do transporte ortodrômico de substâncias químicas a partir dos tecidos. As fibras A-beta que conduzem as sen-sações mecânicas de baixo limiar também podem veicular informações nociceptivas em condições normais, ou depois da ocorrência de lesão tecidual ou ainda após a sensibilização por substâncias inflamatórias7.

Portanto, a grande maioria das fibras C reage à estimulação termomecânica, ao calor e ao frio em alta intensidade, e um número menor reage à estimulação mecânica de baixa intensidade na faixa não nociva, enquanto as fibras A-delta e A-beta reagem a estímulos mecânicos relativamente inócuos e a estímulos na faixa dolorosa e à estimulação térmica.

Transdução Canais iônicos dependentes de ATP, canais ativados pelo calor nocivo, canais regulados por prótons

(ASIC) e que detectam pH inferior a 6,5 e o canal de Na+ resistente à tetrodotoxina estão relacionados com a transdução e com a excitação localizados predominantemente nas fibras C e A-delta do tipo II sensíveis

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ao calor nocivo moderado e nos aferentes A-delta do tipo I sensíveis a estímulos térmicos de elevada in-tensidade e insensíveis à capsaicina. A transdução térmica depende de proteínas de membrana ou molé-culas efetoras intracelulares com elevado coeficiente de temperatura, membros da família dos receptores de potenciais transitórios denominados vaniloides (VRl).

Os receptores mecanossensíveis são divididos em quatro grupos: as fibras A-alfa proprioceptivas que detectam tensão muscular ou posição da articulação, as fibras A-beta responsáveis pelo tato que são ativadas por estímulos pressóricos fracos, as fibras A-delta e C nociceptivas, que respondem a estímulos mecânicos diretos intensos, deformação tecidual e alterações da osmolaridade8.

A transdução mecanoquímica é originada pela deformação mecânica que libera substâncias químicas difusíveis que medeiam as reações de tração ou de lesão e ativam as terminações nervosas vizinhas, po-rém, em torno de 50% das fibras nociceptivas A-delta e 30% das fibras nociceptivas C são mecanicamente insensíveis, ou seja, são os chamados receptores silenciosos.

Quando ocorre lesão de tecido há aumento da sensibilidade dos nociceptores aos estímulos mecâni-cos e térmicos causado por substâncias algiogênicas produzidos por mastócitos, neutrófilos, plaquetas e fibroblastos presentes na área lesada. As substâncias algogênicas radicais ácidos, potássio, acetilcolina, bradicinina, histamina, serotonina, leucotrienos, substância P, fator de ativação plaquetário, purinas, lipí-deos, fator de necrose tumoral (TNFα), fator de crescimento nervoso (NGF), prostaglandinas (PGE2, PGH2, PG12, PGE2) e a tromboxana-A (TBX-A), citocinas, interleucinas (IL-ip, IL-6, IL-8) e adenosina monofosfato-cíclica (AMPc), que sensibilizam os nociceptores e causam hiperalgesia e alodinia termomecânica primária e vasodilatação observada em lesões traumáticas, inflamatórias e/ou isquêmicas8.

A histamina liberada pelos mastócitos atua nos neurônios sensitivos e, dependendo de sua concentra-ção, evoca a dor. A bradicinina ativa os neurônios sensitivos induzindo a polarização imediata, a dor agu-da e a sensibilização prolongada aos estímulos térmicos, sensibilizando os receptores aos movimentos e à deformação mecânica, especialmente nos nociceptores das fibras C.

O pH intersticial é reduzido quando há anóxia, hipóxia, infecção, isquemia e/ou inflamação e prolonga a ativação dos neurônios sensitivos. A acidose extracelular excita os nociceptores e causa dor que persiste durante o período em que o pH se mantém reduzido. Os receptores relacionados com os íons ácidos exci-tam diretamente os nociceptores e ativam os canais de sódio e vaniloide aumentando a atividade neuronal em resposta a outros estímulos nocivos como calor e capsaicina.

Quando ocorre a lesão celular é desencadeado o processo inflamatório seguido de reparação. As células lesadas liberam enzimas, que degradam ácidos graxos de cadeia longa e atuam sobre os cininogênios originan-do as cininas, que são pequenos polipeptídeos da α2-calicreína presente no plasma ou nos líquidos orgânicos.

A calicreína é uma enzima proteolítica que, quando ativada pela inflamação e por substâncias quími-cas ou efeitos físicos, atua imediatamente sobre a α2-globulina, liberando a cinina denominada calidina, que é, assim, convertida em bradicinina por enzimas teciduais. A bradicinina provoca intensa dilatação arteriolar e aumento da permeabilidade capilar, contribuindo para a propagação da reação inflamatória.

A fosfolipase A libera o ácido araquidônico da membrana das células lesadas, que é metabolizado pela cicloxigenase (COX) originando as prostaglandinas, os tromboxanos e as prostaciclinas, pela lipoxigenase que produz os leucotrienos e lipoxinas, e pelo citocromo P-450 originando os denominados produtos da via da epoxigenase. Essas substâncias, sobretudo as prostaglandinas E2 (PGE2), promovem diminuição do limiar de excitabilidade dos nociceptores9.

As células inflamatórias, macrófagos e leucócitos liberam citocinas que estimulam a migração de novas células para o local da lesão, ocorrendo a síntese e liberação de interleucina-1 e 6, fator de necrose tu-moral, selectina, fatores quimiotáticos, óxido nítrico e substâncias oxidantes. Então são recrutados novos receptores que passam a atuar no processo inflamatório. A substância P e a neurocinina A causam vaso-dilatação com aumento da permeabilidade vascular, atuando na manutenção do processo inflamatório10.

A bradicinina, a PGE2, o fator de crescimento nervoso (NGF) e as interleucinas atuam de modo impor-tante na nocicepção periférica. A prostaglandina e a bradicinina alteram receptores específicos (TRPV1) acoplados a canais iônicos ligante-dependentes pela ativação do AMPc e das proteínas cinases A (PKA) e C (PKC), reduzindo o tempo após a hiperpolarização da membrana neural, reduzindo o limiar para a defla-gração do impulso pela fibra nervosa.

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As neurotrofinas, além de aumentarem a síntese, o transporte axonal anterógrado e a quantidade de SP e CGRP nas fibras C, também reduzem a atividade do ácido gama-aminobutírico (GABA) nas terminações nervosas periféricas e centrais, e provocam mudanças nos receptores vaniloides (VR1) de fibras A-delta acoplados a canais iônicos ligante-dependentes e também ativam proteínas cinases ativadas que podem fosforilar o AMPc iniciando a transcrição genética responsável por alterações fenotípicas, que contribuem para amplificar a eficácia sináptica8.

A persistência do estímulo lesivo modifica o sistema nervoso periférico e sensibiliza fibras nervosas, com consequente hiperalgesia e aumento dos níveis de AMPc e cálcio nos nociceptores. Esse fenômeno é mediado pelos mediadores inflamatórios com aumento da atividade espontânea dos neurônios e da res-posta a estímulos supraliminares, com consequente diminuição do limiar de ativação dos nociceptores. Depois da liberação dos produtos químicos na área lesada, os receptores previamente silenciosos são ati-vados por estímulos térmicos e mecânicos e desenvolvem descargas espontâneas, tornando-se capazes de responder de maneira intensa a estímulos nociceptivos e não nociceptivos11.

Portanto, a lesão celular produz acúmulo de metabólitos do ácido araquidônico, levando a síntese de prostaglandinas e leucotrienos, a degranulação de mastócitos e a ativação de fibras nervosas, macrófagos e linfócitos. Ocorre a liberação dos mediadores potássio, serotonina, substância P, histamina, cininas, en-tre outros, além de alteração na permeabilidade capilar, no fluxo sanguíneo e dor. Tem início o processo de sensibilização periférica com exacerbação da resposta ao estímulo doloroso.

Os neuromediadores periféricos despolarizam a membrana neural por tempo prolongado aumentando a condutividade dos canais de sódio que estão relacionados com a geração da hiperexcitabilidade neuro-nal e cálcio, e reduzem o fluxo de potássio e cloro para o meio intracelular. Os canais de sódio podem ser classificados em canais sensíveis à tetrodotoxina (TTXs), que estão presentes nas fibras A delta em todo sistema nervoso e no gânglio da raiz dorsal, e os canais resistentes à tetrodotoxina (TTXr), que são encon-trados nas fibras C do gânglio da raiz dorsal11.

A lesão periférica da fibra C provoca redução de substância P, neurotrofinas, receptores vaniloides e canais de cálcio de alta voltagem no corno dorsal da medula espinhal, com regulação ascendente de ca-nais TTXs tipo III; há também a translocação do corpo celular para o neuroma de canais de sódio (TTXr), facilitando o aumento da excitabilidade nervosa. A lesão de fibras C pode aumentar a substância P e neurotrofinas nas fibras A-beta, que são mecanorreceptores de baixo limiar, com brotamento no local das conexões aferentes das fibras C na lâmina II da medula espinal, ampliando o campo receptivo do neurônio ocorrendo a interpretação de estímulos mecânicos periféricos inócuos como agressivos, o que explica a alodinia mecânica que acontece em algumas neuralgias periféricas.11.

Mecanismos Centrais da DorAo chegar à medula espinhal pelas fibras nervosas do sistema nervoso periférico, os estímulos doloro-

sos são alterados pelos circuitos intramedulares que determinarão as mensagens dolorosas que atingirão o córtex cerebral. Os estímulos nocivos provocam alterações no sistema nervoso central, modificando os mecanismos desencadeados pelos estímulos aferentes, pois a estimulação persistente de nociceptores provoca dor espontânea, redução do limiar de sensibilidade e hiperalgesia, que é classificada em hiperal-gesia primária conceituada como o aumento da resposta ao estímulo doloroso no local da lesão, e hipe-ralgesia secundária conceituada como a que se estende para áreas adjacentes7.

A sensibilização central é provocada pelas alterações dos impulsos periféricos, pois os impulsos repe-tidos em fibras C amplificam sinais sensoriais em neurônios espinhais com redução do limiar ou aumento da resposta aos impulsos aferentes, com descargas persistentes e ampliação dos campos receptivos de neurônios do corno dorsal. Estímulos frequentes dos aferentes produzem somação dos potenciais de ação e consequente despolarização pós-sináptica cumulativa11.

As lesões periféricas podem induzir plasticidade em estruturas supraespinais por meio de mecanismos que atuam em receptores específicos para o glutamato, pois após a agressão tecidual há liberação de neu-rotransmissores, como substância P, somatotastina, peptídeo geneticamente relacionado com a calcitonina, neurocinina-A, glutamato e aspartato, substâncias que estão relacionadas com a ativação de potenciais pós--sinápticos excitatórios e receptores N-metil-D-aspartato (NMDA) e não NMDA. Após a ativação de receptores NMDA pelo glutamato o íon magnésio é removido do interior do receptor com influxo de cálcio para a célula, ocasionando a amplificação e o prolongamento da resposta ao impulso doloroso12.

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O aumento do cálcio ativa a enzima óxido nítrico-sintetase e estimula a transcrição de protoncogenes, que são genes localizados no sistema nervoso central envolvidos na formação de dinorfinas e encefalinas. As encefalinas têm ação antinociceptiva e agem na redução da neuroplasticidade e hiperalgesia, porém as dinorfinas têm um efeito mais complexo, com ação algogênica e antinociceptiva11.

A sensibilização do corno dorsal da medula espinhal pode ocorrer de várias maneiras pelo windup, sen-sibilização sináptica clássica, potencialização de longo termo, fase tardia da potenciação de longo termo e facilitação de longo termo13.

A sensibilização sináptica clássica é ocasionada por sequência sincronizada de estímulos periféricos no-ciceptivos repetidos por uma única estimulação nociceptiva assíncrona, que aumenta a resposta de fibras A-delta e C e de fibras A-beta não estimuladas, como consequência da liberação de aminoácidos excita-tórios, peptídeos e de neurotrofinas no corno dorsal da medula espinhal14.

Os aminoácidos excitatórios glutamato e o aspartato se ligam a receptores específicos do tipo ionotró-pico ou receptores rápidos como o AMPA, o cainato e o NMDA, nos quais o local de ligação do neurotrans-missor é parte integrante de um canal iônico, e também nos receptores metabotrópicos ou receptores lentos como o receptor Mrglu que são ligados à proteína G.

O windup é o resultado da somação de potenciais sinápticos lentos após estimulação aferente repetida de baixa frequência, inferior a 5 Hz por tempo prolongado, o que estimula a liberação de neurotransmissores ex-citatórios, glutamato e aspartato no corno dorsal da medula espinhal, produzindo despolarização relacionada com a remoção do bloqueio voltagem-dependente exercido pelo magnésio nos receptores NMDA, ocorrendo aumento da condutividade ao cálcio e da resposta à dor, a cada estímulo repetido e da mesma intensidade11.

A potencialização de longo termo parece decorrer da sequência de estímulos nociceptivos breves e de alta frequência, que provocaria a ativação de receptores AMPA e NK1 e de canais de cálcio, ocasionando resposta pós-sináptica excitatória prolongada11.

Vias Nociceptivas AscendentesNa medula espinal, os aferentes primários (fibras A-delta e A-gama) conectam-se tanto a neurônios de

lâminas superficiais do corno posterior da medula espinal e, mais profundamente, a neurônios comuns a vários tipos de sensibilidade e dão origem aos tratos ascendentes para o encéfalo.

A transferência das informações nociceptivas da medula espinal para estruturas encefálicas é realizada por vários sistemas neuronais constituídos de fibras longas, que ascendem pelos tratos espinotalâmico, espinorreticular, espinomesencefálico, espinocervical e sistema espinopontoamigdaliano. A via espinotalâ-mico sobe para o tálamo a partir de terminais aferentes primários nas lâminas I e II, através de conexões em lâmina V do corno dorsal e, em seguida, para o córtex somatossensorial. Essa via fornece informações sobre os aspectos sensório-discriminativos da dor, ou seja, o local e tipo de estímulo doloroso7.

O trato espinorreticular e o espinomesencefálico são importantes para a integração de informação no-ciceptiva como o despertar e as respostas homeostáticas e autonômicas, bem como projetam para áreas centrais o componente emocional ou afetivo da dor15.

Outras conexões incluem as áreas corticais envolvidas nos componentes afetivo-motivacionais de dor como o córtex cingulado anterior, insular e córtex pré-frontal, as projeções da substância cinzenta pe-riaquedutal e do núcleo ventromedial rostral essenciais para as respostas de luta ou fuga e a analgesia induzida pelo estresse, e as projeções para a formação reticular que são importantes para a regulação das vias descendentes para a medula espinhal. As projeções descendentes do núcleo dorsal da medula reticular são importantes na facilitação do controle inibitório nocivo difuso16.

Modulação Descendente O cérebro tem uma notável capacidade de modular a dor de acordo com fatores fisiológicos, psicológicos e

sociais. O mecanismo da modulação é complexo e apenas parcialmente elucidado, embora seja aceito um cir-cuito modulador descendente que se projeta para a medula espinhal e altera a experiência de dor pela modu-lação inibindo ou facilitando o tráfego nociceptivo. Vias descendentes contribuem para a modulação da trans-missão nociceptiva na medula espinhal através de ações pré-sinápticas em fibras aferentes primárias, ações pós-sinápticas em neurônios de projeção ou por meio de efeitos sobre os interneurônios no corno dorsal16.

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As fontes incluem vias diretas e indiretas a partir do córtex e do hipotálamo, que são importantes para a coordenação da informação autonômica e sensorial. O relativo equilíbrio entre a inibição descendente e facilitação varia de acordo com o tipo e a intensidade do estímulo e também com o tempo após a lesão. Vias serotoninérgicas e noradrenérgicas do funículo dorsolateral contribuem para efeitos inibitórios des-cendentes, e as vias serotoninérgicas têm sido relacionadas a efeitos facilitadores7.

A modulação inibitória ocorre dentro do corno dorsal e pode ser mediada por estímulos não nocicep-tivos periféricos, interneurônios inibitórios do ácido gama-aminobutírico (GABA) e da glicina, projeções descendentes bulboespinhais e cerebrais superiores como distração e estímulos cognitivos.

Estes mecanismos inibitórios são ativados de forma endógena através de neurotransmissores, tais como as endorfinas, encefalinas, noradrenalina, para reduzir as respostas excitatórias da atividade persistente das fibras C. A serotonina tem sido implicada tanto como pró-nociceptiva e inibitória. Mecanismos seme-lhantes são a base de muitos agentes analgésicos exógenos17.

Assim, a analgesia pode ser alcançada estimulando a inibição pelos opioides, clonidina e antidepressi-vos, ou reduzindo a transmissão excitatória por anestésicos locais e cetamina16.

Uma característica de processamento sensorial é que nem todos os sinais recebidos a partir de recep-tores são percebidos. A capacidade de processamento limitada do cérebro é otimizada, priorizando sinais comportamentais mais relevantes e suprimindo os menos importantes.

Avanços na imaginologia cerebral funcional humana forneceram novas evidências como a percepção da dor é moldada pelo córtex cerebral por outras modalidades sensoriais de atenção ou emocional.

O envolvimento de mecanismos de atenção e de expectativa ao produzir modulação cognitiva da dor é a base da analgesia induzida por placebo e para o uso de intervenções psicológicas na modulação endógena da dor18.

50.2. AVALIAÇÃOA dor compreende uma experiência individual multifatorial, sendo influenciada pelos antecedentes

culturais, cognitivos, sociais e psicológicos, bem como pelos eventos dolorosos prévios19. Como constitui um fenômeno subjetivo, sua avaliação é permeada de dificuldades de ordem prática, pois ainda não se en-controu um marcador específico que demonstre efetivamente sua ocorrência e/ou intensidade. Portanto, sua mensuração requer a participação ativa do paciente por meio das escalas de dor. Deve ser avaliada juntamente com os outros sinais vitais, em intervalos de 4-6 h, e sua intensidade anotada na ficha de evo-lução. Sua avaliação regular auxilia no diagnóstico, na seleção do método de analgesia mais adequado e no acompanhamento da eficácia terapêutica (Tabela 50.1).

Tabela 50.1 - Fundamentos da anamnese do paciente com dor20

1. Localização:1.1. Região primária afetada1.2. Irradiação

2. Circunstâncias associadas ao início da dor3. Características: pontada, choque, queimação, cólica etc.4. Fatores desencadeantes, agravantes e atenuantes5. Intensidade:

5.1. Em repouso5.2. Durante a movimentação5.3. Em relação ao tempo:5.3.1. Duração5.3.2. Neste momento, durante o dia, na última semana5.3.3. Contínua ou intermitente, paroxística ou não

6. Sintomas associados: náuseas, vômitos, prurido, parestesias etc.7. Interferência da dor no sono, humor, atenção, atividades físicas e mentais, trabalho, relações familiares etc.8. Tratamento: medicações prévias e atuais, doses, frequência, eficácia, efeitos adversos9. Histórico médico:

9.1. Morbidades associadas9.2. Antecedentes prévios de dor9.3. Distúrbios psíquicos coexistentes: depressão, ansiedade etc.

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As escalas podem ser uni ou multidimensionais. As unidimensionais se atêm à análise da intensidade da dor ou do grau de alívio após uma intervenção. São constituídas pelos modelos categóricos e numéricos, nos quais a magnitude da dor é descrita sob a forma de palavras ou números, respectivamente. São mais usadas na dor aguda. Já as multidimensionais incorporam elementos para avaliar, além da intensidade da dor, suas características e impacto na vida do paciente, sendo mais aplicadas nos casos de dor crônica.

Escala Analógica Visual21

A escala analógica visual (EAV) compreende um instrumento simples para a mensuração da dor. É constituída por uma linha horizontal de 100 mm, cuja extremidade esquerda corresponde à ausência de dor e a direita representa a pior dor imaginável. O paciente seleciona o local mais representativo da intensidade da dor. O escore é obtido pela distância entre extremidade esquerda e o local assinalado. Valores de EAV acima de 70 são indicativos de dor intensa; entre 45-74, de dor moderada e entre 5-44, de dor leve (Figura 50.2).

Além de medir a intensidade da dor, a escala pode ser usada para avaliar o alívio da dor, a satisfação com o tratamento e também a intensidade de outros sintomas, como náusea.

Têm sido desenvolvidas várias réguas que facilitam a avaliação com resultados consistentes. É um mé-todo fácil e rápido de avaliação da dor, porque não há necessidade de assinalar termos imprecisos para descrever a dor e oferece um grande número de pontos para melhor representar a dor sentida no momen-to da avaliação.

A desvantagem é que é preciso explicar com detalhe para o paciente como é aplicada a escala, sendo necessário assegurar que o paciente tenha entendido a explicação, pois mesmo um conceito aparente-mente simples pode ser de difícil compreensão, sendo necessária concentração e coordenação motora para assinalar na escala o ponto que corresponderia à intensidade da sua dor naquele momento.

Como a EAV mede a intensidade da dor no momento em que é aplicada, são necessárias várias avalia-ções, o que pode reduzir a acurácia, pois o paciente se cansa e se torna pouco cooperativo ou se lembra do escore anterior, e acaba sendo influenciado por ele.

Figura 50.2 - Escala analógica visual

Escala Visual Numérica21

O paciente assinala um número para representar a intensidade da dor, sendo 0 ausência de dor e 10 a pior dor possível. Como as demais escalas, também pode ser empregada quanto ao alívio da dor, sendo 0 nenhuma melhora e 10 alívio total. Apresenta uma boa correlação com a EAV, não requer treino elabora-do e pode ser aplicada mesmo em crianças pequenas. Pode ser impressa com números de 0-10 ou 0-100, dispostos em uma linha horizontal (Figura 50.3).

Figura 50.3 - Escala visual numérica. 0 = ausência de dor; 1-3 = dor leve; 4-6 = dor moderada; 7-9 = dor intensa; 10 = dor insuportável

Escala de Descritores Verbais21

A escala de descritores verbais comumente usa palavras para descrever a intensidade da dor. O pacien-te relata ou assinala a palavra mais apropriada para descrever a sua dor. Geralmente são empregadas as

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palavras dor - ausente, leve, moderada, forte e insuportável, que são pontuadas como: ausente = 0; leve = 1; moderada = 2, forte = 3, e insuportável = 4.

O alívio da dor também pode ser avaliado pela escala descritiva verbal que usa as palavras: nenhum, discreto, moderado, bom e completo, pontuadas como: alívio ausente = 0; discreto = 1; moderado = 2; bom = 3 e completo = 4.

A principal vantagem da escala descritiva verbal é a facilidade e rapidez para sua aplicação. A des-vantagem é o número reduzido de descritores para a resposta, forçando o paciente a escolher um deles, mesmo que não seja o mais adequado para expressar a sua dor, e porque ela é descontínua (Figura 50.4).

Figura 50.4 - Escala de descritores verbais

Escala Numérica Verbal21

É escala alternativa para as escalas verbal e analógica visual. O paciente sugere um número para re-presentar a intensidade da dor, 0 significando ausência de dor, e 10, a dor mais intensa possível. Também pode ser usada para avaliar o alívio da dor, 0 representando nenhuma melhora da dor enquanto 10 signi-fica alívio completo.

Essa escala é fácil e rápida para ser aplicada, e apresenta uma boa correlação com a EAV. Não há ne-cessidade de treino muito elaborado, proporciona boa avaliação pelo paciente durante o tratamento e pode ser aplicada mesmo em crianças pequenas.

Outra vantagem dessa escala é que ela pode ser impressa com números de 0 a 10, colocados em uma linha horizontal, e o paciente assinala ao lado daquele que melhor exprime a intensidade de sua dor. Tam-bém se pode fazer a escala com números de 0 a 100.

Escala de Expressão Facial21

A escala de expressão facial utiliza como padrão a apresentação de desenhos de faces com diferentes expressões de dor, também representando as dimensões da dor, e o paciente, de maneira direta, indica a face que melhor exterioriza ou se parece com a intensidade da dor que ele vivencia naquele momento. Essa escala é usada principalmente para crianças, mas também pode ser utilizada para avaliar a dor de pacientes analfabetos ou com deficiência mental (Figura 50.5).

Figura 50.5 - Escala de Expressão Facial

50.3. MÉTODOS DE TRATAMENTOSempre que possível, o tratamento analgésico deve iniciar antes mesmo da dor e ser contínuo até a

regressão da fase de dor pós-operatória mais intensa, que acompanha o processo inflamatório agudo, que geralmente é de 48 horas.

A analgesia é parte fundamental do tratamento global do paciente. Sua programação deve ser feita o mais precocemente possível, de acordo com o caso, o que permite definir o tipo de terapia analgésica mais ade-

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quada para aquele paciente. O planejamento precoce da terapêutica analgésica permite esclarecer e educar o paciente quanto ao método selecionado, o que é um dos principais fatores de melhora do tratamento.

Há alguns anos surgiu o conceito de analgesia preemptiva cujo fundamento é a utilização de terapia analgésica antes da lesão, com o objetivo de diminuir a intensidade da dor e evitar a sensibilização cen-tral, que é um mecanismo de amplificação da dor aguda22.

O conceito tem sido usado erroneamente por muitos médicos que se limitam apenas à administração da terapia analgésica antes da lesão. Na verdade, a analgesia preemptiva é a terapia que se inicia antes da lesão e persiste até a resolução da fase inflamatória aguda, que também é um estímulo suficiente para causar a sensibilização central23,24. A analgesia preemptiva pode ser realizada em qualquer parte da via dolorosa, como na periferia, na via de condução, na medula e nos centros superiores. Muitos estudos so-bre a eficácia da analgesia preemptiva têm sido feitos, com resultados conflitantes.

Os estudos experimentais são animadores, porém, lamentavelmente, ainda não confirmados nos en-saios clínicos. Alguns provocam a redução no consumo de analgésicos no período pós-operatório, enquan-to outros não. O conceito em termos fisiopatológicos é correto, mas a dificuldade de confirmação clínica talvez resida na análise da eficiência. Quem sabe, em vez de avaliar o consumo de analgésicos no período pós-operatório imediato, devesse ser averiguada a frequência e a intensidade do desenvolvimento de do-res crônicas, que é a expressão final da sensibilização central e da neuroplasticidade decorrente25.

Outro fator que pode interferir na análise da eficiência da analgesia preemptiva é o fato de que nem todo estímulo é capaz de causar sensibilização central; portanto, não se pode pensar em preempção para esse tipo de estímulo. No entanto, operações com estímulos menos intensos são incluídos nas análises da eficiência da analgesia preemptiva, falseando os resultados26.

50.3.1. Analgesia MultimodalA terapêutica da dor se fundamenta no conceito de analgesia balanceada ou multimodal, no qual se

utilizam medicações de princípios farmacológicos diversos, com o intuito de obtenção de efeito aditivo e/ou sinérgico entre elas. Isso proporciona redução das doses individuais dos analgésicos, e, portanto, me-nor incidência de efeitos adversos. A associação medicamentosa é mais eficaz do que a monoterapia27,28.

Sempre que for possível e necessário, fármacos e técnicas que tenham efeito sinérgico farmacocinético ou farmacodinâmico no alívio da dor pós-operatória devem ser associados, permitindo o uso mais racional, com menores doses dos fármacos e menos efeitos adversos.

A analgesia multimodal pode ser realizada em qualquer parte da via dolorosa: na periferia, com o uso de coxibes, de AINEs e de anestésicos locais que vão reduzir a intensidade da inflamação e da sensibi-lização periférica; na via de condução, com o uso de anestésicos locais, que vão bloquear o influxo de estímulos ao sistema nervoso central; na medula, com o uso de opioides espinhais, anestésicos locais, clonidina e cetamina, que vão modular a entrada do estímulo, e finalmente nos centros superiores, com o uso de coxibes, AINEs, opioides, cetamina e clonidina por vias sistêmicas (Figura 50.6).

Figura 50.6 - Local de ação dos fármacos analgésicos e adjuvantes - Adaptado de Gottschalk A, Smith DS. New concepts in acute pain therapy: preemptive analgesia. Am Fam Physician. 2001;63:1979-1984.

Ponto 50 - Dor Aguda e Inflamação | 1129

Para facilitar a implementação da analgesia multimodal, a compreensão e a aplicação das técnicas de avaliação e tratamento da dor foi elaborado um algoritmo simples e objetivo (Figura 50.7). O algoritmo permite a abordagem linear, passo a passo, para a avaliação e o tratamento da dor na prática clínica, sem, no entanto, considerar a natureza multidimensional da dor, porém destacando os recursos e as técnicas disponíveis e fornecendo evidências que podem melhorar o controle da dor pós-operatória21.

Figura 50.7 - O algoritmo que permite a abordagem linear, passo a passo, para a avaliação e o tratamento da dor na prática clínica21

Como orientação terapêutica, a Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe a adoção do esquema apresentado na Figura 50.8.

Dor leve - administração de AINEs, associados ou não a adjuvantes como paracetamol e dipirona.

Dor moderada - adição de um opioide pouco potente como tramadol, nalbufina ou codeína, ao regime de AINEs e adjuvantes.

Dor intensa - acréscimo de um opioide potente, como morfina e derivados, ao regime de AINEs e ad-juvantes. Pode-se também empregar em conjunto outros analgésicos, como gabapentinoides e cetamina.

Dor insuportável - introdução de métodos invasivos, como analgesia controlada pelo paciente, blo-queios regionais e outros, ao modelo descrito no item anterior.

1130 | Bases do Ensino da Anestesiologia

Figura 50.8 - Escada analgésica da Organização Mundial de Saúde (OMS). (World Health Organization), 1990

50.3.2. DrogasEficácia analgésica de diferentes fármacosO denominado número necessário para tratar (do inglês number-needed-to-treat — NNT) constitui um

instrumento referendado pela literatura para comparar a eficácia analgésica entre as diversas opções me-dicamentosas. Trata-se do número de pacientes que necessitam ser tratados com o analgésico para que um deles obtenha melhora da dor em 50% quando comparado ao placebo, em um período de 4-6 horas de tratamento. Valores próximos a 2 indicam eficácia adequada, pois significa que a cada 2 pacientes que recebem a medicação, um deles apresentará melhora da dor em 50% devido ao tratamento ativo. O outro paciente até pode manifestar melhora parcial da dor, mas sem atingir o patamar de 50%29.

Este recurso valida a eficácia do modelo de analgesia multimodal. A codeína é um opioide fraco, apre-sentando NNT de 16,7 na dose de 60 mg. Quando associada, nessa dose, a 1 g de paracetamol, o valor do NNT baixa para 2,230 (Tabela 50.2).

Tabela 50.2 - Valores de NNT para diversos analgésicos

Analgésico NNT

Codeína 60 mg 16,7

Tramadol 50 mg 8,3

Paracetamol 500 mg 5,6

Tramadol 75 mg 5,3

Tramadol 100 mg 4,8

Codeína 60 mg + paracetamol 650 mg 4,2

Paracetamol 1 g 3,8

Cetorolaco 30 mg intramuscular 3,4

Parecoxibe 20 mg endovenoso 3,0

Morfina 10 mg intramuscular 2,9

Paracetamol 1 g + codeína 60 mg 2,2

Diclofenaco 100 mg 1,9

Ponto 50 - Dor Aguda e Inflamação | 1131

O number-needed-to-harm (NNH), ou número necessário para causar efeito adverso, se refere à quan-tidade de pacientes que devem ser tratados em um ensaio clínico para que um deles abandone o trata-mento devido a efeitos colaterais. Quanto maior o NNH, maior a segurança clínica da terapêutica29.

Anti-inflamatórios não esteroidesOs anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) constituem medicações de primeira linha no controle da

dor aguda, pois reduzem a biossíntese de prostaglandinas tanto na periferia como no sistema nervoso central. Seu efeito anti-inflamatório ocorre perifericamente, ao passo que a analgesia se verifica no com-partimento central. Proporcionam efeito poupador de opioides, diminuindo seu consumo e, portanto, a incidência de efeitos adversos31. Não obstante, exibem fenômeno de efeito-teto para analgesia: doses acima das preconizadas não se correlacionam com maior grau de analgesia, mas acarretam aumento da incidência de efeitos colaterais, notadamente gastro e nefrotoxicidade. São mais eficazes do que os opioi-des no controle da dor somática e dinâmica, e apresentam propriedade anti-hiperálgica32,33.

Após lesão celular por estímulos físicos, químicos, térmicos ou mecânicos, ocorre liberação de fosfo-lípides de membrana, que são metabolizados por duas vias enzimáticas distintas, a da ciclo-oxigenase (COX) e a da lipo-oxigenase (LOX). A via da COX origina prostaglandinas, prostaciclina (PGI2) e tromboxano (TXA2). A via da LOX resulta nos leucotrienos. Os AINEs exercem seu efeito anti-inflamatório pela inibição da COX. Diferentemente dos costicosteroides, não inibem os produtos da atividade da LOX34 (Figura 50.9).

Figura 50.9 - Mecanismo de ação dos AINEs. Legendas: COX: ciclooxigenase; LOX: lipooxigenase; PG: pros-taglandinas; PGI2: prostaciclina; TXA2: tromboxano; LT: leucotrienos.

Existem duas isoformas da COX, denominadas COX-1 e COX-2. A COX-1, de natureza constitutiva, parti-cipa da homeostase fisiológica, tendo expressão na mucosa gástrica, nos túbulos renais, nas plaquetas, no endotélio vascular e na musculatura lisa. Já a COX-2 é a isoforma induzida na presença de dor, febre, in-fecção, trauma e inflamação, sendo produzida por fibroblastos, macrófagos e outras células que participam do processo inflamatório. Contudo, também apresenta atividade constitutiva fisiológica no sistema nervoso central, no endotélio vascular e no córtex renal. As propriedades terapêuticas dos AINEs redundam da ação sobre a COX-2 e os efeitos adversos da inibição da COX-1. A grande maioria dos AINEs não é seletiva em re-lação à COX-2, bloqueando, portanto, ambas as isoformas. Os efeitos colaterais dos AINEs decorrem da ati-vidade sobre a COX-1. Os únicos AINEs com seletividade específica para a COX-2 são os derivados coxibes.

A gastrotoxicidade é a complicação mais frequente dos AINEs convencionais. Pelo menos 10%-20% dos pacientes em uso crônico destes apresentam dispepsia, e 1%-4% desenvolvem úlcera. Fatores de risco in-cluem idade superior a 65 anos; sexo feminino; antecedentes de úlcera péptica, gastrite hemorrágica, dispepsia e infecção pelo Helicobacter pylori, etilismo, uso simultâneo de corticosteroides, AAS e anticoa-gulantes e presença de insuficiência hepática, renal ou cardíaca35.

Os AINEs convencionais inibem a agregação plaquetária, resultando em aumento do tempo de sangra-mento. Isto pode eventualmente contribuir para distúrbios da hemostasia. Uma metanálise descreveu que o uso pós-operatório de AINEs eleva o risco de sangramento e de reoperação para revisão da hemostasia

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em pacientes submetidos à amigdalectomia36. Os inibidores seletivos da COX-2 não interferem na atividade plaquetária; portanto, são particularmente indicados nas cirurgias que cursam com risco de sangramento pós-operatório, como em intervenções craniofaciais, cervicais e plásticas.

Os AINEs reduzem a síntese de prostaglandinas, que desempenham papel importante no controle do fluxo sanguíneo renal, do ritmo de filtração glomerular e da liberação de renina. Deve ser evitada sua administração em caso de sangramento intenso durante o período intraoperatório; de terapêutica conco-mitante com fármacos nefrotóxicos, como aminoglicosídeos e ciclosporina; em pacientes hipovolêmicos ou idosos; na presença de insuficiência renal, cardíaca e hepática; e no caso de uso de inibidores da enzima de conversão da angiotensina. Demonstrou-se aumento na incidência de eventos adversos cardiovascula-res e tromboembólicos com o uso agudo e crônico de inibidores seletivos da COX-2 e de AINEs convencio-nais. Portanto, esses medicamentos não devem ser administrados em pacientes com fatores de risco para morbidade cardiovascular. Outros efeitos adversos relevantes dos AINEs convencionais incluem hepatoto-xicidade; broncoespasmo e reações anafilactoides.

A eficácia analgésica dos inibidores seletivos da COX-2 é equivalente à dos AINEs clássicos. Por exemplo, a analgesia resultante da dose de 40 mg de parecoxibe é similar à de 60 mg de cetorolaco e de 4 mg de morfina33.

O uso de AINEs e adjuvantes, como dipirona e paracetamol, potencializa a analgesia, diminuindo o consumo de opioides e a necessidade de medicações de resgate. Uma metanálise demonstrou que a adição de AINEs ao regime de ACP com morfina proporciona redução de seu consumo em 15%-55%, o que se traduz em diminuição da incidência de náuseas e vômitos de 28,8% para 22% (NNT = 15) e de sedação de 15,4% para 12,7% (NNT = 37)37.

Outra metanálise investigou o efeito da associação de AINEs à ACP com morfina na redução de eventos adversos ocasionados por opioides. Observou-se queda global do consumo de morfina em 30%-50%, resul-tando em decréscimo da frequência de náuseas e vômitos em conjunto, náuseas apenas, vômitos apenas e sedação em 30%, 12%, 32% e 29%, respectivamente. As incidências de prurido, retenção urinária e de-pressão respiratória não foram afetadas pelo uso concomitante de AINEs31 (Tabela 50.3).

Tabela 50.3 - AINEs disponíveis para uso endovenoso

AINE Dose Intervalo

Cetorolaco 30 mg ou 0,5 mg.kg-1 em crianças A cada 8h

Cetoprofeno 100 mg ou1 mg.kg-1 em crianças A cada 12h ou a cada 6-8h em crianças

Tenoxicam 20 mg ou 0,4 mg.kg-1 em crianças A cada 12h

Parecoxibe 40 mg 1 vez ao dia

CorticosteroidesConstituem os anti-inflamatórios por excelência, pois inibem a atividade de todos os produtos da COX

e LOX por interferência na transcrição genômica de diversas proteínas regulatórias38. Uma metanálise demonstrou que, além do efeito antiemético, a administração da dexametasona por via venosa em dose igual ou superior a 0,1 mg.kg-1 reduz a intensidade da dor e o consumo de opioides no pós-operatório39. Pode ser empregada na forma de bolus por via venosa de 4-10 mg ou 0,15 mg.kg-1 em crianças. Em caso de dor intensa ou refratária, pode ser mantida nas doses de 2-4 mg por via venosa a cada 6-8 h.

Outra alternativa consiste na administração de prednisona 1 vez ao dia por via oral, em um dos se-guintes modelos:

• Dor intensa: 20 mg por via oral por dia, por 3 dias, seguidos do esquema de retirada com 15 mg por 3 dias, depois, 10 mg por 3 dias e, finalmente, 5 mg por mais 3 dias.

• Dor moderada: 20 mg por via oral por dia, por 1 dia, seguidos de 15 mg por 1 dia, depois, 10 mg por 1 dia e, finalmente, 5 mg por mais 1 dia.

As potências relativas da prednisona e da dexametasona em relação ao cortisol são de 30 e 4 ve-zes, respectivamente.

DipironaA dipirona possui propriedades analgésicas, antitérmicas, antiespasmódicas e anti-inflamatórias; esta

última, no entanto, é pouco potente. O efeito analgésico é dose-dependente e estreitamente relacionado

Ponto 50 - Dor Aguda e Inflamação | 1133

com a concentração plasmática dos metabólitos 4-metilaminoantipirina e 4-aminoantipirina. Dose menor que 1 g determina efeito antipirético apenas; para analgesia, são utilizados 1,5-2 g, ou 25-30 mg.kg-1 em pacientes pediátricos, por via venosa ou oral, a cada 6 h, sendo a dose máxima diária de 8 g.dia-1. Sua administração potencializa a analgesia derivada de AINHs e reduz o consumo de opioides40,41.

ParacetamolO paracetamol apresenta propriedades analgésica e antitérmica, sendo praticamente destituído de

atividade anti-inflamatória. São utilizadas 500-750 mg, por via oral, a cada 6 h, com dose máxima diária de 3-4 g.dia-1. No exterior, existe a forma endovenosa denominada proparacetamol. Apresenta efeito si-nérgico quando associado a outros analgésicos, como codeína, tramadol e AINHs.

É metabolizado pelo sistema CYP 450 por glicuronidação e sulfatação em compostos atóxicos. Uma por-centagem variável pode, entretanto, sofrer oxidação e gerar o metabólito tóxico N-acetil-p-benzoquinona imina (NAPQI). Normalmente, este é conjugado com glutationa e excretado por via renal. Em condições de depleção dos estoques de glutationa, o processo de conjugação pode ser insuficiente e gerar NAPQI em excesso. Esta forma, por ser oxidada, é altamente reativa com moléculas orgânicas, ocasionando perda da integridade da membrana mitocondrial e apoptose celular. Mesmo níveis dentro da faixa terapêutica podem induzir aumento dos valores das transaminases hepáticas, principalmente em pacientes pediátri-cos, idosos ou hepatopatas. Polimorfismos da fração CYP 2D6, resultando em metabolização ultrarrápida, podem contribuir para este processo. O paracetamol constitui a principal causa de insuficiência hepática aguda medicamentosa no mundo. Em função disto, a posologia recomendada foi revisada42 (Tabela 50.4).

Tabela 50.4 - Posologia do paracetamol em relação ao peso43

Peso Dose por administração Dose máxima diária< 10 kg 7,5 mg.kg-1 30 mg.kg-1

10-33 kg 15 mg.kg-1 60 mg.kg-1 ou 2g33-50 kg 15 mg.kg-1 60 mg.kg-1 ou 3g> 50 kg 1g 4g

OpioidesA analgesia decorre da ação agonista de opioides endógenos e exógenos sobre receptores opioides. Até

o momento, foram caracterizados biologicamente quatro tipos44 (Tabela 50.5).

Tabela 50.5 - Propriedades farmacológicas e clínicas dos receptores opioides

Receptor Ligante endógeno

Ligante exógeno

Antagonismo pela naloxona Efeitos

MOP ou µ Endorfina

A maioria dos opioides: morfina, fentanil, tramadol etc.

Sim

AnalgesiaDepressão Respiratória↓ tônus SNS↓ motilidade TGIRetenção urináriaDistúrbios cognitivos *Tolerância **Hiperalgesia **Imunodepressão *** Farmacodependência ****

DOP ou δ Encefalina Não há Sim Analgesia

KOP ou κ Dinorfina Não há Sim AnalgesiaDiurese

NOP Nociceptina-orfanina FQ

Não há. Talvez buprenorfina *** Não

Analgesia espinhalHiperalgesia supraespinhalImunomodulaçãoNão induz depressão respiratória e tolerância

SNS = sistema nervoso simpático. TGI = trato gastrointestinal.*Euforia, disforia e disfunção cognitiva só ocorrem em altas doses, em exposição crônica ou em pacientes de risco, como idosos.**Tolerância e hiperalgesia normalmente só se manifestam em caso de uso crônico, porém, podem ocorrer agudamente após exposição a doses elevadas de fentanil ou a infusão contínua de opioides potentes.***Denota que o assunto ainda é controverso na literatura.****Na questão da farmacodependência, há mais fatores envolvidos do que o opioide em si.

1134 | Bases do Ensino da Anestesiologia

São analgésicos potentes, indicados em caso de dor moderada a intensa, principalmente naquelas de difícil controle com outros métodos. Seus efeitos adversos são relacionados com dose, idade, condições clínicas do paciente e tempo de exposição, e incluem náuseas, vômitos, sedação, distúrbios cognitivos, retenção urinária, obstipação intestinal e, raramente, depressão respiratória. O uso crônico pode deter-minar fenômeno de tolerância, caracterizada pela necessidade de doses crescentes para manutenção da analgesia. Nenhum tipo de opioide é superior aos demais quanto à eficácia terapêutica ou à incidên-cia de efeitos adversos. Entretanto, alguns pacientes podem se adaptar melhor a um opioide específico.

A morfina é empregada na forma de bolus intermitentes de 2-3 mg por via venosa, repetidos a cada 5 min, até obtenção de analgesia satisfatória. O tempo para início do efeito é de 5-6 min. A maioria dos pacientes relata melhora da dor após, em média, 4 bolus, ou seja, 20 min após a dose inicial. Uma vez atingido o controle adequado, a duração média da analgesia é de 1,5-2 h. Em crianças, recomendam-se 0,1-0,2 mg.kg-1 por administração45. Existem também comprimidos de liberação imediata, de 10 e 30 mg, com duração do efeito de 4 horas, e formulações de liberação prolongada, com 10, 30, 60, e 100 mg, cujo efeito persiste por 12h. As doses habituais são de 10-20 mg por via oral da apresentação controlada a cada 12h, e 10-20 mg por via oral da de liberação imediata a cada 3-4 horas, em caso de dor incidental.

O tramadol é um opioide atípico, pois apresenta dois mecanismos de ação distintos: um opioide e outro não opioide. O primeiro decorre de seu agonismo parcial pelo receptor MOP, respondendo por 30% da eficácia analgésica. Além disso, inibe a recaptação pré-sináptica de serotonina e noradrenali-na, de maneira similar à verificada com os antidepressivos tricíclicos. O aumento da biodisponibilida-de central de catecolaminas ativa as vias descendentes monoaminérgicas inibitórias e corresponde a 70% do efeito analgésico.

A ação opioide decorre da biotransformação hepática em um metabólito ativo. Cerca de 7%-10% dos cau-casianos não metabolizam o tramadol, manifestando menor resposta analgésica, devido à redução do efeito opioide. No entanto, graças ao mecanismo dual de ação, a analgesia residual não é afetada, ao contrário do que se verifica com a codeína. Demonstra 1/10 da potência analgésica da morfina. O grau de analgesia é equivalente ao dos AINHs e da cetamina. O tempo para início da analgesia pela via oral é de 30-60 min. Por via venosa, o pico de concentração plasmática se verifica após 20 min. Sua meia-vida é de 5-6 horas46.

A codeína possui efeito analgésico discreto, de cerca de 10% da potência da morfina, em função da bai-xa afinidade pelo receptor MOP. A analgesia advém da biotransformação hepática em morfina, da ordem de 2%-10% da dose administrada. Cerca de 7%-10% dos caucasianos e 1%-2% dos orientais não metabolizam a codeína; logo, esses indivíduos não têm efeito analgésico com esta medicação. Sua duração é de apenas 2-4 horas. Normalmente se utilizam doses de 30-60 mg a cada 6 horas por via oral ou venosa47.

A metadona tem a mesma potência analgésica da morfina. Apresenta meia-vida longa, de 15-50 ho-ras, e, portanto, risco de acúmulo com o uso prolongado. A dose usual é de 5-10 mg a cada 12 horas, por via oral ou venosa.

A oxicodona é um opioide semissintético que apresenta o dobro da potência analgésica da morfina. Está disponível na forma de comprimidos de liberação cronogramada, com duração média de 8-12 horas e apresentação de 10, 20 ou 40 mg. Ao contrário da maioria dos opioides, é caracterizada pela grande biodisponibilidade por via oral. Exibe um padrão bifásico de absorção: uma fase inicial rápida, de 37 mi-nutos, seguida por uma fase lenta e prolongada, de 6,2 horas. Os comprimidos não devem ser mastigados ou cortados, mas sim ingeridos por inteiro, devido à possibilidade de absorção abrupta de seu conteúdo e risco de depressão respiratória. Sua posologia é de 10-20 mg por via oral a cada 12 horas.

AntidepressivosSão mais indicados na dor crônica, mas também podem ser prescritos na presença de dor neuropática

aguda. Aumentam a biodisponibilidade central de noradrenalina e serotonina por inibirem sua recaptação neuronal. A analgesia decorre da ativação de vias inibitórias descendentes monoaminérgicas. A amitripti-lina é a mais empregada, na dose de 25 mg ao dia. Os antidepressivos tricíclicos são mais eficazes do que os inibidores seletivos da recaptação da serotonina, como fluoxetina e derivados48. Embora não seja um tricíclico, a venlafaxina, nas doses de 75-150 mg ao dia, também pode ser utilizada49. A eficácia clínica dessas medicações nos quadros agudos é limitada pelo tempo exigido para obtenção de concentrações terapêuticas adequadas, normalmente após 5-7 dias de uso continuado.

Ponto 50 - Dor Aguda e Inflamação | 1135

AnticonvulsivantesOs gabapentinoides são os anticonvulsivantes mais utilizados como adjuvantes ao regime multimodal,

pois apresentam melhor perfil de tolerância em relação à carbamazepina e ao valproato. A gabapentina e a pregabalina consistem em um análogo estrutural do neurotransmissor inibitório ácido γ-aminobutírico (GABA); no entanto, não possuem atividade GABAérgica intrínseca, não são convertidas metabolicamente em GABA nem em seu antagonista, nem bloqueiam sua recaptação ou seu metabolismo. Atenuam a magni-tude da sensibilização central relacionada com a hiperexcitabilidade nociceptiva proveniente da periferia. Em função disso, aliviam a intensidade da hiperalgesia e da alodinia decorrentes do trauma tecidual. Isto decorre da sua interação com a subunidade a2d1 dos canais de Ca2+ P/Q voltagem-sensitivos, localizados nos neurônios pré-sinápticos do corno dorsal da medula e dos gânglios da raiz dorsal. Disso resulta inibição do influxo neuronal de Ca2+ e diminuição da liberação de neurotransmissores excitatórios, como glutamato, aspartato, substância P e peptídeo relacionado com o gene da calcitonina.

Potencializam a analgesia, atenuam o fenômeno de tolerância induzida por opioides e reduzem seu con-sumo. Disto pode resultar menor incidência de efeitos adversos relacionados com os opioides. Proporcionam analgesia equiparável à dos AINHs e superior à do tramadol e do paracetamol. No controle da dor dinâmica, são mais eficazes que os opioides. Apresentam propriedade ansiolítica e moduladora do sono. São indicados na presença de dor aguda intensa, em pacientes refratários à terapia convencional ou quando se suspeita da ocorrência de dor neuropática aguda. Para a gabapentina, preconiza-se 300 mg por via oral a cada 8 horas; em caso de ineficácia, a dose pode ser aumentada de maneira titulada até o máximo de 2.400 mg por dia. Para a pregabalina, recomenda-se 50-100 mg por via oral a cada 8 horas; inicia-se o tratamento com a dose menor, passando a 300 mg por dia após 1 semana, de acordo com a eficácia e a tolerabilidade50,51.

CetaminaO receptor NMDA é o principal regulador da neuroplasticidade e da sinaptogênese no SNC. Exerce um

papel fundamental nos processos de aquisição e consolidação do aprendizado e da memória, principal-mente no hipocampo. É um heterodímero constituído de uma subunidade NR1 obrigatória e uma subuni-dade NR2, que pode assumir quatro formas variáveis: NR2A, NR2B, NR2C e NR2D52. A cetamina atua como antagonista não seletivo sobre todas estas isoformas, limitando sua eficácia terapêutica devido à alta fre-quência de efeitos psicomiméticos, mesmo em doses baixas53. Não obstante, atenua a amplitude da sensi-bilização central, da hiperalgesia e da alodínea associadas ao trauma tecidual, bem como o fenômeno de tolerância aguda e crônica induzido pelo uso de opioides potentes54,55.

O uso do isômero S(+) determina algumas vantagens em relação à forma racêmica, como o dobro da potência analgésica, biotransformação hepática 20% mais rápida, menor tempo para emergência e recu-peração funcional e menor incidência de distúrbios disfóricos56. Com base nos resultados de uma meta-nálise sobre sua eficácia, Himmelseher et al. propõem a utilização de bolus de cetamina em baixas doses na indução da anestesia, seguido de infusão contínua durante o intraoperatório e manutenção por 24-48 horas no pós-operatório, associado à ACP venosa com morfina. A administração intraoperatória pode ser realizada na forma de infusão contínua ou de bolus intermitentes, interrompidos 30-60 minutos antes do fim da cirurgia. Note-se que as doses variam conforme o porte cirúrgico, e as da cetamina S(+) são infe-riores às da formulação racêmica55 (Tabela 50.6).

Tabela 5.6 - Esquema terapêutico sugerido para a administração perioperatória de cetamina S(+). Após a indu-ção, a cetamina pode ser administrada na forma de bolus intermitentes ou por infusão contínua

Tipo de cirurgia Grande porte Porte moderado

Indução Bolus: 0,5 mg.kg-1 Bolus: 0,25 mg.kg-1

Período intraoperatório

Modelo A: infusão contínua: 0,5 mg.kg-1.h-1

Interromper 60 min antes do fim da cirurgiaModelo B: bolus intermitentes de 0,25 mg.kg-1, repetidos a cada 30 min

Modelo A: infusão contínua: 0,25 mg.kg-1.h-1

Interromper 60 min antes do fim da cirurgiaModelo B: bolus intermitentes de 0,125 mg.kg-1, repetidos a cada 30 min

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NeurolépticosApresentam propriedades analgésicas, sedativas, antieméticas e simpatolíticas. São indicados como

adjuvantes analgésicos em caso de dor de difícil controle e refratária à terapia convencional, especial-mente se acompanhada de agitação psicomotora, delírio, lesão neurológica, cefaléia e náuseas. A mais empregada é a levomepromazina, disponível na apresentação em gotas, com 1 mg por gota. A posologia usual é de 2-4 mg por via oral a cada 6-8 horas57.

Alfa-2-adrenérgicosO uso sistêmico da dexmedetomidina e da clonidina determina sedação, hipnose, ansiólise, analgesia

moderada, simpatólise, redução das necessidades de opioides e da CAM de halogenados. Revertem a hi-peralgesia e a tolerância induzidas por opioides e diminuem seu consumo pós-operatório. No entanto, sua utilidade clínica como analgésicos fora do ambiente cirúrgico ou intensivo é limitada pela necessidade de monitorização dos efeitos adversos, notadamente sedação acentuada, hipotensão e bradicardia.

Uma metanálise sobre a administração perioperatória de clonidina e dexmedetomidina demonstrou efeito poupador de morfina em 24 horas de -4,1 mg e -14,5 mg, respectivamente. No entanto, os resulta-dos do efeito analgésico foram discretos. A intensidade da dor em 24 horas, avaliada pela EAV de 10 cm, foi reduzida em -0,7 cm e -0,6 cm, respectivamente. Ambos contribuíram de forma equivalente para a diminuição de náuseas e vômitos, com NNT de 9. A clonidina aumentou o risco de hipotensão intra e pós--operatória, com NNH de 9 e 20, respectivamente. A dexmedetomidina elevou o risco de bradicardia, com NNH de 3. Não houve relato de aumento do tempo para despertar58.

Anestésicos locaisO uso da lidocaína sistêmica como adjuvante analgésico é limitado pelo risco de efeitos adversos e pela

duração curta do efeito. No entanto, a administração por via venosa de 1,5 mg.kg-1, seguida da infusão con-tínua de 2 mg.kg-1.h-1 até o término do procedimento em cirurgias laparoscópicas ambulatoriais, determinou redução do consumo de opioides nas primeiras 24 horas e permitiu alta hospitalar mais precoce59.

50.3.3. TécnicasMétodos invasivosAs modalidades invasivas de controle da dor aguda incluem:• Infiltração da lesão com anestésico local de longa duração.• Uso de bomba elastomérica com solução de anestésico local por via intra-articular, em bloqueio

contínuo de nervo periférico ou na lesão cirúrgica.• Administração de opioides por via subaracnóidea ou peridural.• Bloqueio contínuo de nervo periférico.• Instalação de ACP venosa com morfina ou com solução de anestésico local em bloqueio contínuo

central ou periférico.

Alguns métodos não farmacológicos, como acupuntura60, estimulação elétrica transcutânea (TENS)61, fisioterapia, técnicas de relaxamento62 e intervenções cognitivo-comportamentais63 podem ser úteis em alguns quadros de dor aguda, principalmente nas de origem musculoesquelética inflamatória60.

Uma revisão sistemática sobre os efeitos da acupuntura perioperatória em cirurgias abdominais, maxi-lofaciais, odontológicas, ortopédicas e orificiais demonstrou os seguintes resultados, em relação ao grupo controle: redução da intensidade da dor no período pós-operatório, do consumo cumulativo de opioides e da incidência de náuseas, tontura, sedação, prurido e retenção urinária. O decréscimo observado no consumo de morfina foi de 21%, 23% e 29% às 8, 24 e 72 horas após a cirurgia, respectivamente64 (Tabela 50.7).

Não obstante, a eficácia terapêutica desses métodos é muito variável, imprevisível e difícil de men-surar, pois depende da capacidade de modulação intrínseca dos sistemas inibitórios adrenérgicos, opio-dérgicos, peptidérgicos e endocanabinoides endógenos65. A expressão desses fatores é extremamente variável inter e intraindividualmente, devido a polimorfismos genômicos e influências epigenéticas, e seus produtos têm meia-vida curta66. Há também que se considerar o papel importante exercido pelo efeito placebo nestas técnicas67.

Ponto 50 - Dor Aguda e Inflamação | 1137

Tabela 50.7 - Frequência de eventos adversos em pacientes submetidos a acupuntura perioperatória ver-sus placebo.

Evento Acupuntura (%) Placebo (%) NNT

Náuseas 31 44 6

Vômitos* 11 15 13

Prurido 23 34 -

Tontura 32 43 6

Sedação 32 41 11

Retenção urinária 8 28 5

*Indica que os resultados não atingiram diferença estatística significativa. NNT = número necessário para tratar64.

50.4. SERVIÇO DE TRATAMENTO DA DOR AGUDANão existe consenso quanto ao melhor modelo de serviço de tratamento da dor aguda. Alguns são de

baixo custo baseados em enfermeiros, outros são mais onerosos liderados por anestesiologistas, mas tam-bém dependem de enfermeiros e alguns são multiprofissionais, incluindo, além de médicos anestesiologis-tas e enfermeiros, farmacêuticos e fisioterapeutas68.

Os hospitais universitários e os grandes hospitais particulares geralmente têm serviços de tratamento da dor aguda mais completos com protocolos de atendimento bem estabelecido, para analgesia peridural e bloqueio de nervo periférico69.

Nos hospitais que têm residência em anestesia a estrutura organizacional é melhor e a presença do anestesiologista com os enfermeiros é habitual, sendo comum o uso de técnicas para o controle de dores mais complexas e a pesquisa clínica é sempre realizada. Cada vez mais os serviços de dor aguda têm sido chamados para tratar pacientes com quadros de dor muito mais graves resultantes de grandes traumas ou de uma infinidade de doenças médicas, em pacientes mais complexos como os dependentes de opioides e pacientes mais idosos70.

Inúmeras publicações têm avaliado os benefícios que os serviços de dor aguda têm trazido para pacien-tes e hospitais. Estão comprovadas a redução dos escores de dor, a maior consciência para as equipes da importância da analgesia pós-operatória, a necessidade do uso de esquemas analgésicos mais eficazes e melhores estratégias para a terapia antiemética71.

A combinação da assistência prestada pelos serviços de dor aguda junto a equipe de Cuidados Inten-sivos com avaliação sistemática dos pacientes de alto risco com dor aguda mostrou melhoria significativa na evolução dos pacientes com diminuição de efeitos adversos graves e redução do índice de mortalidade.

As equipes dos serviços de dor aguda geralmente têm mais facilidade para identificar o início da dor neuro-pática associada a cirurgia, trauma ou outras doenças e instituir o tratamento adequado mais precocemente70.

Algumas instituições especializadas em Acreditação Hospitalar exigem que os hospitais que pretendem obter o Certificado de Acreditação tenham serviço de tratamento da dor aguda bem estabelecido, além de instituírem o conceito do controle da dor como o quinto sinal vital72.

O apoio institucional adequado, importante para a efetiva implementação de um serviço de dor aguda, permitindo o desenvolvimento e a inclusão de protocolos analgésicos específicos para os vários procedi-mentos, ajuda a otimização da analgesia para o paciente, e, ao mesmo tempo, reduz os efeitos adversos e possibilita a produção de pesquisa científica de alto nível.

Do ponto de vista econômico, o serviço de tratamento da dor aguda permitindo maior alívio da dor com menor incidência de efeitos adversos, menor morbimortalidade pós-operatória e a redução da incidência de dor persistente pós-operatória torna a assistência ao paciente mais rentável para o hospital, pois a alta hospitalar é mais precoce, e o acompanhamento ambulatorial, mais breve73.

A literatura tem cada vez mais evidenciado que a importância dos serviços de tratamento da dor agu-da, que a presença de um serviço de dor aguda bem estruturado, com diretrizes e políticas bem estabele-

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cidas, pode melhorar o alívio da dor e reduzir a incidência de efeitos adversos, que a educação da equipe e o uso de diretrizes melhora a avaliação e o alívio da dor e permite instituir práticas institucionais para a prescrição de analgésicos, evidenciando que mesmo técnicas mais simples podem ser eficazes e econo-micamente adequadas, que deve ser dada atenção à educação dos profissionais envolvidos no tratamento dos pacientes que sofrem com a dor aguda com a documentação do tratamento, avaliação frequente e sistemática dos pacientes e que a análise das causas de incidentes críticos melhora a segurança dos pa-cientes. Portanto, a gestão bem-sucedida da dor aguda requer uma estreita ligação entre todo o pessoal envolvido no cuidado do paciente7.

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