Isaiah Berlim

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Isaiah Berlim – Dois conceitos de liberdade Estudos de política s só são possíveis pois a política é o “reino da discórdia”. Ao se ter a concepção formada no consenso sobre os fins da política, o que se almeja, o que é bom, sobra as decisões técnicas do “como”. “É por isso que aqueles imbuídos de uma fé em algum fenômeno transformador do mundo como o triunfo final da razão ou a revolução proletária, devem acreditar que todos os problemas políticos e morais podem ser com isso transformados em tecnológicos” p. 226. Não se pode subestimar o poder das ideias, pois elas, às vezes, ganham um momento desenfreado e pode arrastar multidões que podem se tornar violentas demais para qualquer cálculo racional. Portanto, há que se tomar cuidado com os ideais. Não há outra época na história como essa, em que certos conceitos e ideias tenham afetado tantas vidas no ocidente e no oriente. “os conceitos filosóficos nutridos na quietude do escritório de um professor poderiam destruir uma civilização” p. 227. Mas se professores tem todo esse poder, não serão outros professores a desarma-lo? (e não governos e congressos). Apesar da força das ideias parece que alguns filósofos parecem inconscientes disso. Apesar de todo esforço de separar as ideias da ação, “a política continua indissoluvelmente entrelaçada com todas as outras formas de investigação filosófica” p. 227. Ainda que pense-se que as ideias são meros interesses materiais disfarçados, pode ser que ideias sem ação sejam natimortas, mas se a ação 1

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notas de leitura - dois conceitos de liberdade

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Isaiah Berlim – Dois conceitos de liberdade

Estudos de política s só são possíveis pois a

política é o “reino da discórdia”.

Ao se ter a concepção formada no consenso sobre

os fins da política, o que se almeja, o que é bom, sobra

as decisões técnicas do “como”.

“É por isso que aqueles imbuídos de uma fé em

algum fenômeno transformador do mundo como o

triunfo final da razão ou a revolução proletária, devem

acreditar que todos os problemas políticos e morais

podem ser com isso transformados em tecnológicos” p.

226.

Não se pode subestimar o poder das ideias, pois

elas, às vezes, ganham um momento desenfreado e pode

arrastar multidões que podem se tornar violentas

demais para qualquer cálculo racional.

Portanto, há que se tomar cuidado com os ideais.

Não há outra época na história como essa, em que

certos conceitos e ideias tenham afetado tantas vidas no

ocidente e no oriente.

“os conceitos filosóficos nutridos na quietude do

escritório de um professor poderiam destruir uma

civilização” p. 227.

Mas se professores tem todo esse poder, não

serão outros professores a desarma-lo? (e não governos

e congressos).

Apesar da força das ideias parece que alguns

filósofos parecem inconscientes disso. Apesar de todo

esforço de separar as ideias da ação, “a política

continua indissoluvelmente entrelaçada com todas as

outras formas de investigação filosófica” p. 227.

Ainda que pense-se que as ideias são meros

interesses materiais disfarçados, pode ser que ideias

sem ação sejam natimortas, mas se a ação não estiver

orientada por uma ideia, vaga cega e sem sentido.

Idealistas: A história do homem pode ser

compreendida como o embate de diferentes ideias.

Para o autor, estudar os movimentos da história é

compreender ideias e atitudes como uma parte da

história humana.

Conhecer as ideias e o seu contexto ajudam a

história a compreender ideias e atitudes como uma

parte da história humana.1

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Conhecer as ideias e o seu contexto ajudam a

compreensão do mundo atual.

A maior parte das questões da atualidade é a

guerra entre respostas diferentes para o mesmo

problema. Nesse sentido: a quem obedecer? Posso ser

coagido? Qual o limite?

A questão evolui com: coagir um homem é priva-lo

de liberdade, mas qual liberdade?

Liberdade é uma palavra polissêmica e o autor

abordará 2 sentidos (negativo e positivo) dos mais de

100 e que estão relacionados a duas perguntas:

1) Qual é a área em que o sujeito pode fazer ou

ser sem a interferência de pessoas? Negativa

2) O que ou quem é a fonte de interferência capaz

de determinar que alguém faça ou seja algo?

Positiva

A noção de liberdade negativa

No sentido estrito da palavra, a liberdade é poder

fazer algo sem a interferência deliberada de outrem.

Porém, não necessariamente não atingir uma meta

significa a privação de liberdade.

Há uma dimensão da ação deliberada para que

haja falta de liberdade.

Uma coisa é não conseguir ir até o supermercado

pois se é manco, outra é por que há uma lei que proíba.

O entendimento decorrente disso pode variar segundo a

abordagem teórica utilizada.

Os filósofos políticos ingleses ao comentar sobre a

liberdade acreditam que ela está relacionada com a não-

interferência de outros seres humanos, portanto, a

percepção do que é ou não opressão se dá pela

perspectiva que adoto em relação às atitudes com ou

sem intenção para frustrar os meus desejos.

Mas, esses filósofos discordavam em relação à

amplitude. Se a liberdade fosse ilimitada, todos

poderiam interferir livremente na vida alheia, gerando

uma situação de caos (HOBBES) que só seria desfeita

mediante uma associação que restringisse a liberdade

(para a própria liberdade!) limitada pela lei.

Locke, Mill, Constant e Tocqueville advogavam a

ideia de que há um limite entre a liberdade individual /

pessoal e a autoridade pública. Porém, é socialmente

construída a linha que divide cada uma delas e que pode

ser diferente para cada homem. 2

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Como, por exemplo, oferecer direitos políticos

contra a intervenção do Estado a homens seminus,

analfabetos, subnutridos é zombar de sua condição – p.

231.

A liberdade só tem valor para quem pode utiliza-

la. Para o autor, o grande calcanhar de Aquiles está na

questão de que a maioria conquistou a liberdade a

partir da exploração de outros (item que tem mais peso

do que a questão das diferentes formas de liberdade).

Cabe entender, e o texto frisa essa questão, sobre

a diferença entre liberdade e igualdade.

Há uma grande diferença entre elas. Se o custo da

liberdade individual causa penúria, miséria entre os

pares, podemos daí tirar duas conclusões:

1- Que o sistema que desponta dessas relações é

injusto e amoral (ainda que garanta o valor da

liberdade). P. 235.

2- Ainda que, insatisfeito com o sistema injusto

que desponta eu rejeite a questão da liberdade

em favor do ganho em justiça, felicidade, paz

para o aumento de uma “liberdade social ou

econômica” isso ainda é falso. È uma confusão

de significados.

Muitos autores (Mill, Locke, Smith,...) advogavam

a ideia de que deveria haver um mínimo comum em que

certo grau de liberdade deve ser preservado para que

haja a preservação da “essência” do eu.

Qual seria esse mínimo então? Qualquer que seja

o princípio adotado (contrato, dos direitos naturais, etc)

o significado de Liberdade – é o de livrar-se de ausência

de interferência.

Nesse sentido, justifica-se a intervenção. O Estado

agiria como um guarda de trânsito.

Para Mill, a falta de liberdade nos tornaria

humanos medíocres, dado a falta de originalidade e a

tendência à conformidade.

O autor destaca três fatos sobre o ponto

apresentado por Mill:

i) Há uma confusão conceitual entre coerção

(ruim em si mesma, mas necessária) e não

interferência (boa em si mesma e oposta à

coerção). E ainda a noção de que homens só

desenvolveria o caráter cético em situações

de liberdade. O que se prova falso pelas

evidências históricas;

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ii) É uma doutrina moderna por considerar o

indivíduo. Isso parece ser exceção à regra

(comparado aos gregos, romanos, chineses).

iii) Liberdade não é incompatível com

autocracia. “Assim como a democracia é

capaz de privar o cidadão individual de

muitas liberdades (...) assim é perfeitamente

concebível que o déspota de mente liberal

concedesse a seus súditos uma grande

liberdade pessoal.

Portanto não há vinculação necessária entre a

liberdade individual e a regra democrática.

A noção de liberdade positiva

Nesse sentido, o “positivo” vem do desejo do

indivíduo tem de ser o próprio senhor, e ainda ser o

“agente”.

“A liberdade que consiste em ser o seu próprio

senhor e a liberdade que consiste em não ser impedido

por outros homens de escolher como agir podem

parecer, diante das circunstâncias, conceitos não tão

distantes entre si do ponto de vista lógico” p. 237.

O autor aponta que há perigo nessas metáforas

orgânicas, pois há o pressuposto de que a partir de uma

verdadeira intenção ou desejo internalizado pela

liberdade é possível/justificado que se faça

coerção/intervenção ao próximo, pois a pobre a alma

precisa visualizar que é para o seu bem, em busca da

real liberdade.

Eu “real” X eu “empírico”. O autor aponta a

periculosidade da abordagem mais a concepção de

liberdade.

“Uma coisa é afirmar que posso ser coagido para o

meu bem, o qual sou demasiado ceo para ver: isso pode

me beneficiar ocasionalmente, até talvez aumentar o

alcance da minha liberdade. Outra coisa é afirmar que,

se é para o meu bem, não estou sendo coagido, pois,

teria determinado essa escolha, sabendo disso ou não, e

sou livre” p. 239.

A retirada para a cidadela do interior

Quando há percepção de que há limitações às

atividades pretendidas podemos, não necessariamente,

ser impostas por outros homens, como a natureza,

acidentes, etc.

Tendo em vista a limitação por não executar a

minha liberdade, posso reduzir o horizonte daquilo

possível de ser alcançado e, portanto, é como se fosse 4

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deslocado para um ambiente espaçado – uma cidadela

afastada, e encantado o “eu numérico, me retirei para

dentro de mim”

Como a auto-emancipação dos ascéticos.

Portanto, sou livre apenas na medida em que

minha pessoa não é “agrilhoada” por nada que obedeça

a forças sobre as quais não tenho controle.

A verdadeira essência do homem é ser autônomo,

e portanto, nada pior do que um tratamento

subalternizante, engana-los ou manipula-los na direção

de um terceiro, ainda que se espere para o benefício

deles próprios.

Todas as formas de interferência são a negação

daquilo que os torna humanos.

É difícil entender como a abnegação pode

aumentar a liberdade.

Auto realização

Para o autor, a libertação, ou seja, o alcançamento

da liberdade é feito por meio da razão crítica.

Por exemplo, ao músico, executar a música não é

a obediência às leis da estrutura musical, mas o

exercício livre, pois se conhece o “para que”, a lógica e

os processos racionais.

O conhecimento da “técnica pela técnica” é um

obstáculo à liberdade.

Em vários momentos, a filosofia já apontou nesse

caminho.

A esperança dos deterministas do século XVIII

acreditaram que com a criação das ciências sociais, os

processos pelos quais a razão alcança a “iluminação” e

os processos do mundo racional.

Hegel e Marx acreditavam que compreender o

mundo é ser libertado.

Parte-se do princípio de que a vida social não pode

ser conhecida pelas regras do tipo C. Naturais, mas há

uma dimensão da vida social que é histórica e se

movimenta pelo princípio dialégico.

Hegel: Para ele há leis que nascem da razão e que

movimentam, alteram, transformas as instituições e que

só seria possível conhecer as leis desvelando a razão.

Marx: as “leis” que regem a vida social são criadas

no seio da própria sociedade – não sendo forças

independentes.

“somos aprisionados por espíritos mais que nós

próprios criamos - ainda que não consciente e só

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podemos exorcizá-los conscientizando-nos e agindo

apropriadamente na verdade” p. 247.

Nesse sentido, o conhecimento não abre mais

escolhas e possibilidades, mas preserva da frustração.

Essa noção da liberdade está presente em várias e

muitas nacionalidades, regimes, etc.

A busca por status

Há uma organicidade na vivência social. Do que

entendemos como o “eu” individual está pautado pelo

reconhecimento do grupo social. Ex.: Quando digo que

“sou um mercador”.

“a consciência acerca da minha própria identidade

moral e social só são inteligíveis em função da rede

social na qual sou um elemento”, p. 258.

O autor aponta que há um desejo de status e

reconhecimento e que a busca dos indivíduos está em

evitar ser tratado sem ser reconhecido enquanto

indivíduo.

Assim, um indivíduo ou grupo deseja ser

entendido enquanto fonte de atividade humana com

vontade própria.

Porém, há que se separar o desejo por status e a

liberdade individual. Na verdade se liga muito mais a

algo afim como a solidariedade, fraternidade, etc.

Consequentemente, a luta de um grupo para

alcançar status diferentes não pode ser dito como busca

pela liberdade.

Ainda que haja uma polissemia de sentidos, deve

haver uma área mínima de liberdade pois a exclusão de

toda a liberdade descaracteriza o humano.

Os pais liberais (Mill e Constant) apontam para a

maximização da liberdade.

Liberdade e soberania

Para Rousseau, a liberdade não é o que o autor

aponta como liberdade negativa, mas a possibilidade de

todos participarem do governo, o único capaz de

imputar interferências.

Soberania x tirania da maioria.

Constant avaliava essa oposição se questionando

que o problema não é este ou aquele governante mas o

acesso ao poder.

“não é contra o braço que se deve vituperar, mas

contra a arma” p265.

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Não é também o teipo de governo que define uma

situação maior ou menor em liberdade

Ele aponta que independentemente do tipo de

governo deve haver um “cercado” de liberdade a ser

garantida – direito natural, Deus, interesses.

Haveria um mínimo comum pertencente ao

homem e a sua condição humana.

Isso é, há certas coisas que causam repulsa a

todos os homens.

O Um e o múltiplo

A crença responsável pelo maior número de

mortes baseia na compreensão de que haja algum lugar

ou alguma solução em que valores conflitantes possam

coexistir em harmonia.

“Se assim não for, os conflitos de valor podem ser

um elemento intrínseco e inamovível na vida humana” p

268.

Se assumimos isso, a noção de realização total não

passaria de uma quimera. No limite o que vivemos é um

equilíbrio delicado do caos.

O mundo empírico nos mostra um amontoado de

possíveis escolhas e é por isso que há um grande valor

na liberdade de escolha. É claro, pois se em algum

momento ou lugar, todos os fins entrariam em

harmonia, a escolha não faria diferença, e a obtenção

desse lugar/tempo ideal justificaria qualquer sacrifício.

Para o autor, a busca desses ideais de perfeição

não deve ser algo moralmente repulsivo, mas o que ele

tenta demonstrar é como o princípio da liberdade

positiva perpassa as lutas e mobilizações em torno de

demandas como o autogoverno nacional o que isso faz

parte da compreensão dos fatos de nossa época.

A questão se complexifica quando consideramos a

relação entre leis e normas e as necessidades humanas.

Rejeitar as leis é considerar essas necessidades como

fundamentais e vice-versa.

A extensão da liberdade individual deve estar em

consonância com valores como igualdade, justiça,

felicidade, segurança etc e por isso não pode ser

ilimitada.

“preservar normas categorias ou normas ideais

absolutos às custas de vidas humanas ofende

igualmente os princípios da ciência e da história, é uma

atitude encontrada em igual medida nas facções de

direita e de esquerda em nossos dias, não sendo

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conciliável com os princípios aceitos por aqueles que

respeitam os fatos – p. 271

Por fim, o autor aponta que a saída seria, talvez,

um pluralismo com uma dose de liberdade negativa e

que é necessário perceber a mudança contextual em

torno do significado e aplicabilidade da liberdade.

Haveria uma limitação temporal para os princípios

sendo que isso não desmerece a luta para alcanca-lo.

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